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Apresentação oral

Grupo com condenados: a possibilidade de ressignificação através da


fala
Prof. Dr. Fuad Kyrillos Neto1; Bianca Ferreira Rodrigues2 & Bruna Alves de Souza3
1. Docente do Curso de Psicologia da UFSJ; 2. Discente do Curso de Psicologia da UFSJ;
3. Discente do Curso de Psicologia da UFSJ.
APAC, grupo, psicanálise, crime, ressignificação

O presente resumo trata de uma ação/intervenção, um grupo terapêutico, nos moldes


psicanalíticos, realizado na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de
São João del-Rei. A APAC abriga em seu Centro de Reintegração Social detentos do Regime
Fechado, Semi-aberto e Semi-aberto autorizado ao trabalho externo, sem o concurso da
polícia. O grupo terapêutico é realizado semanalmente no Regime Fechado, com o objetivo de
possibilitar um lugar de livre circulação da palavra e ressignificação dos atos criminosos.
Mário Ottoboni (2006), um dos criadores da APAC, a define como uma entidade que
dispõe de um método de “valorização humana, portanto de evangelização” (p.29), que busca
possibilitar ao condenado um espaço para cumprir sua pena de maneira digna. Ainda segundo
Ottoboni (2006), através da evangelização, da valorização humana e da disciplina, o método
pode alcançar seu principal objetivo: “matar o criminoso e salvar o homem” (p.49). Gerando,
assim, uma pessoa em condições para ser devolvida à sociedade.
Dessa forma, ao se inserirem na APAC, os sujeitos são abarcados por uma ideologia
totalizante, ou seja, algo que dissolve os indivíduos em uma homogeneidade negando
diferenças e desconsiderando alteridades. Assim como aponta Eagleton (1997), um poder
dominante pode legitimar-se através da dissimulação de crenças e valores de modo que se
tornem naturais e universais, obscurecendo a realidade para favorecer-se. Surge então um
processo em que “a ideologia constitui o sujeito, é constituída por ele e o submete a ser quem
é, no lugar que lhe é designado” (Althusser, 1996).
Contudo, assim como lembra Oliveira (2010), existe algo que escapa a essa ordem
imposta: o sujeito dividido, conflituoso entre consciente e inconsciente. Sendo assim, pode-se
perceber a importância da proposta freudiana-lacaniana, pois esta assume a contradição como
condição da presença do sujeito e escuta sua verdade, desconhecida racionalmente, para que
então possa emergir o sujeito do desejo, o sujeito do inconsciente.
Para a escuta dessa verdade foi construído então um grupo terapêutico, buscando-se
uma relativa distância dos códigos e regras institucionalmente prescritos, com o objetivo de
fazer advir o sujeito através da sua relação com a fala (Rosário, 2010). Foram sorteados 5
recuperandos do Regime Fechado, que ainda permaneceriam neste Regime por pelo menos
um ano, e convidados a participar, ou seja, não se tratava de uma atividade imposta ou
obrigatória. Foram estabelecidas reuniões semanais, de aproximadamente uma hora de
duração, sem a participação de outras pessoas da instituição. Em cada encontro é discutido um
tema diferente, escolhido por eles mesmos, com o auxílio de algum material como
reportagens, vides, musicas e imagens. A coordenação do grupo é realizada pelas estagiárias
de psicologia, pautada nos princípios psicanalíticos, com supervisões de um docente do
Departamento de Psicologia da UFSJ.
Durante 9 meses de realização do grupo foi possível perceber, principalmente, um
sujeito alienado no significante do Outro. O método e a ideologia da APAC não apresentam
uma alternativa ao sujeito, mas apenas reforçam a dicotomia: criminoso X sujeito de bem.
Nesse sentido, eles se vêem obrigados a repetir o discurso de mudança de vida, necessário à
sobrevivência na instituição, mas não conseguem se desligar do significante “criminoso” ou
significar a culpa de seus atos. Dessa forma, o grupo oferece a possibilidade da
ressignificação, para além daquilo que é imposto, através da fala que faz advir o inconsciente.
Assim como destaca Lacan (1998), ser punido tem função fundamental na retificação
subjetiva, mas apenas quando é possível libertar a verdade do ato, trazendo a aceitação do
castigo e a noção de responsabilidade.
Perceber como estes sujeitos se constituem, como respondem às emergências do real,
tem sido muito desafiador e gratificante, ao mesmo tempo. Acredita-se que eles estejam
olhando para suas experiências de um modo mais singular, independente do que lhes é
imposto. Portanto, muito além da moral e da ideologia, busca-se dar a possibilidade de que
eles se constituam como sujeitos e possam se responsabilizar por seus próprios desejos, sejam
eles quais forem.

Referências

Althusser, L. (1996). Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado (Notas para uma


investigação). (V. Ribeiro, trad.). In S. Zizek (Org.) Um mapa da ideologia (pp. 105-142).
Rio de Janeiro:Contraponto.

Eagleton, T. (1997). Ideologia: Uma introdução. (L. C. B. S. Vieira, trad.). São Paulo:
Editora da Universidade Estadual Paulista: Editora Boitempo.
Lacan, J. (1998). Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. In Escritos
(pp. 127-151). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor

Oliveira, A. C. (2010). O sujeito desejante do/no direito: articulações para se pensar a


subjetividade na objetividade jurídica. In Encontro Nacional do CONPEDI, 19 (pp. 3502-
3518). Fortaleza.

Ottoboni, M. (2006). Vamos matar o criminoso? Método APAC. São Paulo: Paulinas.

Rosário, A. B. (2010). Grupo com adolescentes em privação de liberdade: Circulação da


palavra como possibilidade para ressignificação do ato infracional. Revista da SPAGESP:
Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo. 11(1), 66-76.

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