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Apresentação Oral

Projeto de Grupo Terapêutico na APAC de São João del-Rei

Radamés Nicolodelli Silva¹; Bianca Ferreira Rodrigues² & Fuad Kyrillos Neto³

1. Bolsista de Extensão e discente do Curso de Psicologia da UFSJ; 2. Mestranda pelo programa de


Pós-Graduação em Psicologia da UFSJ; 3. Docente do Departamento de Psicologia da UFSJ.

Palavras-chave: Psicanálise, APAC, metapsicologia, grupo terapêutico.

O presente resumo trata de um projeto de extensão destinado à realização de um grupo


terapêutico, conduzido na perspectiva psicanalítica, empreendido na Associação de
Assistência e Proteção aos Condenados (APAC) de São João del-Rei. A metodologia APAC
visa, além dos aspectos jurídicos da condenação, aquilo que seria seu maior propósito: a
recuperação do criminoso. Tal recuperação se daria a partir da valorização humana, realizada
através da evangelização. Ou seja, utilizando-se da religião cristã para reverter a situação que
levaria as pessoas ao mundo do crime: a falta de conhecimento do amor de Deus pelos
homens. A partir do momento em que o criminoso se sentisse incluído no amor e nos planos
de Deus, se faria possível efetivamente “matar o criminoso e salvar o homem” (Ottoboni,
2006, p. 49). A falta de tempo livre, horas especificas para oração e a obrigatoriedade de
atividades voltadas à reprodução do discurso religioso são exemplos do cotidiano
institucional, baseado nos valores morais cristãos e na disciplina.
A estruturação do grupo terapêutico foi desenvolvida tendo em mente a
metapsicologia freudiana, concebida a partir do modelo fisiológico do arco reflexo. Este
modelo é composto de uma extremidade sensível, que recebe uma quantidade de energia, e
uma extremidade motora, que descarrega essa energia em forma de movimento (Násio, 1999).
Entretanto, no psiquismo humano temos a energia psíquica ou, como denominado por Freud,
a pulsão (trieb). Um conceito situado na fronteira entre o psíquico e o somático, que possui
origem interna, energia constante e impossibilidade de fuga (Freud, 1915/2004).
A pulsão nunca se dá por si mesma, ela só é conhecida pelos seus representantes. No
Inconsciente estes se dão pela junção de um traço imajado com a energia que o anima, se
relacionando uns com os outros através de movimentos de condensação e deslocamento, ou
seja, agrupando-se ou transferindo sua energia em cadeia. Aqueles representantes que
estiverem fortemente catexizados tentarão transpor a barreira energética que os separa do
sistema Pré-Consciente/Consciente. Se conseguirem ultrapassar essa barreira, os
representantes psíquicos, ou representação de coisa, irão se agregar a uma representação de
palavra, presente no Pré-Consciente e chegar ao Consciente como uma palavra associada a
uma ideia (Násio, 1999).
A barreira situada na fronteira entre Inconsciente e Pré-Consciente, é denominada por
Freud (1915/2004) de recalque, podendo ser realmente comparado a uma barreira de energia,
uma chapa energética. O recalque atua impedindo que o representante ideacional da pulsão
saia do Inconsciente ou fazendo retroceder os produtos deste que se encontrarem no Pré-
Consciente/Consciente através da retirada de suas catexias (Násio, 1999). Ainda que não se
trate de um processo infalível, ele possui um papel crucial do ponto de vista dinâmico.
Nesse sentido, a psicanálise não é contra a repressão das pulsões, sendo o recalque,
inclusive, apontado por Freud como “fundador do progresso” e “medida do nível de
civilização alcançado” (Assoun, 2012, p. 95). O que se torna fonte de adoecimento é o
excesso de recalcamento que restringe a capacidade de sublimação, isto é, a capacidade de
“substituição do objetivo sexual ideal (incesto) por um outro objetivo, não sexual, de valor
social” (Násio, 1999, p. 55). Assim como o calor resultante do funcionamento de uma
máquina, algo dessa energia original, irredutível pela nossa própria condição como seres
sexuados, deve permanecer. Portanto, acredita-se que a construção de um espaço de escuta e
de livre circulação da palavra possa permitir certa descarga pulsional, por mais que seja
realizada de forma indireta, “mediada e controlada pela atividade intelectual”. (Násio, 1999,
p. 27).
Além disso, com relação aos sujeitos que cometeram atos infracionais, tal espaço
ainda traz consigo a possibilidade de ressignificação dos atos criminosos, na busca de
assentimento subjetivo do castigo e da consequente responsabilização sobre o seu lugar de
desejante (Lacan, 1998). Sendo importante destacar que a resposta que garante uma
responsabilização subjetiva não pode ser algo imposto ao sujeito, discurso que ele seja levado
a repetir de forma mecânica e vazia. Ela precisa advir de um trabalho de reflexão que permita
a produção de um sentido próprio às suas escolhas, buscando em sua singularidade o que está
para além do universal (Souza & Moreira, 2015).

Referências

Assoun, P. L. (2012). Freud e as Ciências Sociais: Psicanálise e teoria da cultura (Trad. Luiz
Paulo Rouanet). São Paulo: Edições Loyola.
Freud, S. (1915/2004). Pulsões e destinos da pulsão. In Sigmund Freud, Escritos sobre a
Psicologia do Inconsciente, vol. 1 (pp. 133-176). (Coordenação geral da trad. Luiz Alberto
Hanns). Rio de Janeiro: Imago.

Lacan, J. (1998). Introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia. In Escritos


(pp. 127-151). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

Násio, J. D. (1999). O prazer de ler Freud. (Trad. Lucy Magalhães). Rio de Janeiro: Zahar.

Ottoboni, M. (2006). Vamos matar o criminoso? Método APAC. (3a ed.). São Paulo: Paulinas.

Souza, J. M. P. & Moreira, J. O. (2015). Contextualização da Instituição: “Marchar cadeia e


caixão”. In J. O. Moreira, F. Kyrillos Neto, A. B. Rosário, J. M. P. Souza & C. R. Drawin.
Análise do Discurso de Adolescentes em Privação de Liberdade: reflexões sobre a luta pelo
reconhecimento (pp. 83-100). Curitiba: CVR.

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