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apresenta

CINEMA DE MONTAGEM

2015

10 - 23/9
CAIXA BELAS ARTES
Rua da Consolação, 2.423 - São Paulo
Tel: (11) 2894-5781

6 - 18/10
CAIXA Cultural RJ
Avenida Almirante Barroso, 25 Centro - Rio de Janeiro
Tel.: (21) 3980-3815

www.cinemademontagem.com.br
A CAIXA é uma das principais patrocina-
doras da cultura brasileira e destina, anual-
mente, mais de R$ 60 milhões de seu orça-
mento para patrocínio a projetos culturais,
com foco atualmente voltado para exposições
de artes visuais, peças de teatro, espetáculos
de dança, shows musicais, festivais de teatro e
dança em todo o território nacional.
Os eventos patrocinados são selecionados
via Programa de Seleção Pública de Projetos,
uma opção da CAIXA para tornar mais demo-
crática e acessível a participação de produtores
e artistas de todas as unidades da federação, e
mais transparente para a sociedade o investi-
mento dos recursos da empresa em patrocínio.
O projeto “Cinema de Montagem”, em sua
segunda edição no Rio de Janeiro e exibido
pela primeira vez em São Paulo, constitui um
panorama mundial da produção de filmes em
que a arte da montagem é o principal disposi-
tivo criativo. Além das sessões, que reúnem 21
filmes raros, pouco ou nunca exibidos no Brasil,
serão realizados três debates e duas master
classes, em cada cidade, com o objetivo de
aproximar o público da edição desenvolvida
nas salas de cinema da CAIXA Cultural Rio de
Janeiro e do CAIXA BELAS ARTES.
Desta maneira, a CAIXA contribui para
promover e difundir a cultura e retribui à socie-
dade brasileira a confiança e o apoio recebidos
ao longo de seus 154 anos de atuação no país.
Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco.
Pede investimento e participação efetiva no
presente, compromisso com o futuro do país e
criatividade para conquistar os melhores resul-
tados para o povo brasileiro.
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Montadora anônima
Trabalho em progresso

24 de maio
Fechei o trabalho! Aceitaram exatamente o cachê que eu
pedi, sem nenhuma negociação ou choradeira. Deve ser porque
queriam muito que fosse eu a editar esse filme.
Não. Burra. Provavelmente aceitaram assim tão rápido porque
era muito abaixo do que tinham orçado. Se deram bem. Fecharam
rápido antes que eu mudasse de ideia. Podia ter pedido mais.
Mas como saber? Vou perguntar ao Felipe quanto ele ganha por
semana pra ver se estou cobrando pouco. Ou muito. Pensando
bem, claro que o Felipe não vai querer me falar quanto ganha.
Ninguém fala.
O diretor não pôde ir à reunião porque estava descansando
após o estresse de filmagem. Mas a produtora me passou tudo.

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Ou quase tudo. Me perguntei se a produtora não estava cansada
também, após a filmagem.
Me disseram que eram aproximadamente 70 horas de material
bruto. E que eram duas câmeras.

25 a 29 de maio
Melhor momento do trabalho. Já fechei. Já tenho um job
garantido. Ainda não estou sofrendo por causa disso. É como
um candidato após ter ganho a eleição e que só vai ser empos-
sado em janeiro.

30 de maio
Falo com o diretor no telefone. Tem roteiro? Sim. Não acredito!
Vai ser o primeiro documentário com roteiro que vou pegar. Ô
pessoa de sorte. Setenta horas não é tanta coisa assim.
Me envia o roteiro por e-mail? Claro.

31 de maio
O roteiro na verdade é um argumento feito há dois anos para
um edital. “O filme fala da minha vontade de filmar o cotidiano
de pessoas anônimas.” Ah, entendi.
Não sei por que ainda acredito quando dizem que tem roteiro.

3 de junho
Chegam os HD aqui em casa. Quatro HD de 1 tera USB 2.0?!
Devolve. Sem condições. Eu sei que era mais barato, mas não
vai rolar.
A produtora pode usar esses HD de backup pra alguma coisa.
OK, aceitaram mandar um HD de 4 tera.
As decupagens estão chegando. Dou uma olhada e
imagino que foram contratadas pessoas cursando o 2º ano do
ensino fundamental 1 para esse serviço. Todo tipo de erro, de
compreensão, gramática, grafia. O personagem diz Al PACINO,
o decupador escreve AU CASINO. E coisas piores, impublicá-
veis. Tudo bem, vou corrigindo pelo caminho, se der tempo.

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Mas peraí, falaram 70 horas de material. Isso aqui tem 140
horas. O porquê de tantos terabytes.
Ah, mas são 70 em cada câmera. E disseram que as câmeras
estavam sempre no mesmo evento. Só não disseram que, apesar
de estarem no mesmo evento, não estavam filmando a mesma
coisa dentro desse mesmo evento.
Já ferrou todo o meu orçamento. Começamos mal.

10 de junho
Momento da minha assistente começar a se ferrar. Importar,
converter, sincar e organizar 140 horas. Ufa, ainda bem que não
sou eu.
Enquanto ela faz isso, ganho um tempo no outro filme que
estou montando.
Não dá pra viver com um filme de cada vez. Vamos de dois em
dois. E uns comerciaizinhos. E uns trailerzinhos.

26 de junho
Começo a ver o material. Caderninho novo, com capa colo-
ridinha. Pedi para organizar por dia de filmagem. Ainda não sei
qual seria o melhor critério, então esse, pra começar, está bom.
Bem, não vai dar tempo de assistir às 140 horas e só depois
começar a selecionar. Vou ter que colocar em prática a minha
intuição ninja e já assistir fazendo alguma seleção. Depois eu
repesco o que tiver ido pro lixo muito cedo.
Não posso chamar esse trabalho de “limpar o material”. O
Eduardo Escorel proibiu, argumentando que o material não
estava sujo.
Já vi que foi filmado com aquela câmera de foto que faz filmes
de 12 minutos. Que bom, em geral o material dessa câmera vem
30% fora de foco. Já é 30% a menos pra escolher.
Começando a ver...hummm
Não sei por que, sempre que estou nessa etapa, o tempo
não anda. Me disperso a cada 10 minutos. Não é que o material
não seja interessante. É que no resto do planeta tem muita coisa

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acontecendo. Ok, vou desligar o e-mail e o Facebook. E o celular
vou colocar na outra sala.
Entrevistas. Muitas entrevistas. Milhares de entrevistas.

29 de julho
Pronto, tudo visto e reduzido. O Escorel diz que o material não
está sujo porque ele não viu esse aqui. Mas tudo bem. Reduzi o
que consegui assim numa primeira tacada e vamos ao filme.
Filme, qual filme? São muitos filmes. Muitos assuntos, muitos
tudos. Não sei pra onde ir. Ligo pro diretor e digo que já vi tudo,
que podemos conversar.

1º de agosto
Café bonitinho perto de casa. Da casa dele. Muita filosofia.
Muitos desejos, muitas coisas que não encontrei no material.
Aliás, quase nada do que ele falou está lá. Será que faltou
material para ser importado? Ou será que isso que ele sentiu na
filmagem não está impresso? Ou será que vi material de outro
filme e não esse do qual ele está falando?
Num segundo momento, tento levar a conversa para um
caminho mais objetivo. Vamos começar por onde, contar qual
história dentre todas (não, todas não cabem... eu sei que são
incríveis, que são personagens maravilhosos...). Não posso falar
ainda do que acho que não vai ficar, primeiro porque é muito
cedo e posso estar errada, e segundo porque posso já criar
uma resistência desnecessária. Vou ouvindo, tentando ver como
vou sair desse primeiro momento. Na verdade, o diretor ainda
está no momento em que sua vaidade está lhe cegando, sob os
impactos da filmagem.
Proponho montar algumas sequências do filme e que ele
apareça para se integrar a esse processo logo após. Ele acha
ótimo porque, inclusive, precisava fazer um trabalhinho na
Conspira rapidinho e esse tempo vai encaixar perfeitamente.

3 de agosto
Me vejo de novo só com o material e vazia. Com medo.
Aquela velha e conhecida sensação de “desta vez não vou

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conseguir”. Começo a montar as sequências. Começo a inventar
o que poderia ser considerado uma sequência.
Abandono o final cut e vou para a mesa pensar na estrutura
disso tudo. Não, volto pras sequências, pois a partir delas vou
sentir de verdade o filme. Afinal de contas, só estive com o
material uma única vez e no fundo não cheguei a dominar seu
conteúdo como deveria.
Ok, uma olhadinha no Facebook pra relaxar.
Olhou e fez log out.

19 de agosto
Marcamos, o diretor e eu, para vermos algumas sequên-
cias montadas e conversarmos um pouco mais. Ele se decep-
ciona com tudo. Mas e aquele plano da senhora fazendo café
na cozinha tão poético? Match frame. Vamos no bruto checar.
Não existe mesmo. Tem um no final mas o foco está doce, tá
fora de foco demais (a câmera de foto...) Será que se perdeu?
Não, porque os números do planos estão seguidos. É, não
tem mesmo. Desculpe. Me sinto culpada por isso, mas a culpa
não é minha.
Esse é um momento sempre difícil. O diretor se depara com
o seu material. Com o que considera sua própria incompe-
tência. O material é o que é e não o que ele imaginou. Como se
posicionar nesse momento? Nada a fazer. Somos todos assim.
Tratar com carinho tudo isso. Não julgar o diretor nem em
pensamento. Aliás, passei a falar do filme como nosso. E passou
a ser mesmo.

30 de agosto
Depois de muitas conversas com o diretor, a teoria tá toda
lá. Entendi tudo. Li livros a respeito. Pesquisei na internet, estou
expert no assunto. Mas, daí até ter uma ideia de que filme é
este, vai um longo caminho. Mas não tem jeito, preciso seguir.
Pensando, acordando no meio da noite para escrever um pedaço
da estrutura. Experimentando coisas que não estão no lugar
certo para ter a oportunidade de me surpreender.
Assiste, refaz, assiste, refaz.

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Não posso começar a dublar os personagens. Isso será sinal
de que não estou mais vendo de verdade.
Só eu que fico perdida assim, ou tem uma fórmula que
ensinam na universidade e que eu não aprendi? Minha sensação
é que estou sempre começando do zero. Nada do que usei nos
filmes anteriores serve de base pra esse.
Tenho inveja de uma irmã médica, que vê o paciente, pede
o exame, descobre a doença e dá o remédio. E, ainda assim, se
o paciente morrer, pode não ser culpa dela, afinal todo mundo
morre mesmo, e as doenças muitas vezes são incuráveis.

5 de setembro
Vou indo aos trancos e barrancos, como uma cega bêbada
tentando achar alguma parede para se escorar.
E de repente temos um copião! Dizem que tem um anão que
trabalha à noite nas ilhas de edição, consertando cenas, cons-
truindo estruturas. O amigo invisível de adultos editores.
Vamos assistir a esse corte. Muito, mas muito problema. Uuuh!
Tá longe pacas.
Mas pelo menos temos de onde partir as críticas, as possibi-
lidades clareiam.

17 de setembro
Mais duas semanas trabalhando e sonhando com o anão.
Mais perto, já dá pra mostrar pros amigos mais íntimos. Temos
um amigo crítico que vai gostar de ver nesse estágio e pode
ajudar. É um risco, porque se ele não gostar, mesmo sendo
amigo, pode ficar com má vontade no lançamento, mesmo
que o filme mude completamente. Arriscamos, pois estamos já
bastante desesperados.
O crítico gosta. Com ressalvas. Ok, menos mal. Manda suas
críticas por e-mail. Três dias depois manda uma mensagem fofa
dizendo que o filme não sai da sua cabeça. Acreditamos, que
remédio. A autoestima está tão baixa que até acreditamos em
críticos. Começamos a fazer pequenas exibições do filme para
um amigo aqui, um especialista ligado ao tema acolá, pessoas

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“de outra classe” para ver se o filme é popular... Existe sempre a
fantasia de que o filme vai ser assistido pelas massas.
Alguém, quase por acaso, dá uma ideia que destranca o
problema de como começar o filme. Pronto, demos um passinho
a frente, por favor.
E, de acaso em acaso, de amigo em amigo, vamos chegando
a algo parecido com o que costumamos chamar de filme.

22 de setembro
Exibição no Arteplex, num horário de manhã, com aquele
clima meio clandestino, não sei por quê. As luzes do cinema não
acenderam ainda e não tem o ruído do público no hall. Só nós. E
convidamos também a advogada do clearance, que nos manda
tirar 65% das músicas. Mas o filme sem essas músicas não é nada.
Ouve bem. Vamos começar a mendigar a cessão das músicas,
oferecer todo tipo de crédito pelo qual ninguém se interessa.

30 de setembro
Mais uns ajustes e o filme fica pronto.
Faz aí o omf pro som, os quicktimes de referência etc. etc.
Mas isso não estava incluído no trabalho. A assistente já foi
embora. Não vou estragar a relação agora que o filme já deu
certo, né? Vamolá.
Faz o epk? Faz uns teasers rapidinho? Faz uma legendagem
desse pedacinho aqui pra mandar prum amigo influente do
IDFA? E outro em francês pro Réel... Faz mais um DVD? Um não,
cinco. Faz um com marca d’água pro patrocinador?

5 de outubro
O finalizador reclamou da timeline, da organização das pistas
de áudio. Fez mil perguntas sobre codec que eu não soube
responder. Também avisou que não dá estabilizar toda aquela
sequência, fundamental pro filme, mas muito tremida. Também
disse que aquela imagem escura não tem informação e que vai
ter que ficar aquela bosta mesmo. O fotógrafo propõe passar
o filme todo para preto e branco e o diretor está quase embar-
cando nessa ideia. Socorro.

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4 de novembro
Noite de estreia. Não vou com uma roupa muito glamorosa
porque afinal isso é documentário. Não pode. Fica fora do
contexto. Um pouco de maquiagem. Bem pouquinho. Penteado
com cara de amarrei o cabelo pra cima sem ligar.
O filme não é mais meu, mas recebo os convidados como se
fosse. Aquele vinho branco na tacinha de plástico que já vem
com a azia do dia seguinte. Finger food, última moda.
A sala lotada. Voltou gente. Que bom, bombou.
Subo no palco com a equipe, num misto de vergonha, timidez
e uma sensação real de que aquilo tudo também me concerne.
Não a festa, mas o filme. A luz se apaga, fujo da sala. Vou comer
um caldo verde num carrinho que vende sopas na rua ao lado.
Não existe a menor hipótese de rever esse filme, nunca mais na
minha vida. Volto para o anonimato da minha ilha. Volto para um
novo material bruto de 200 horas. Volto pra minha agonia, onde
sou feliz.

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