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Universidade Federal do Rio Grande Do Sul

Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação - FABICO


Lisly Moreira Lucas Franco - 00326592
CIBERCULTURA

Um Tipo de Transumanismo: Cibermoral como a moral moderna do


consumo

Há um tipo novo de modernidade ou algum tipo de distinção a ser feita a respeito da


internet, e que engloba a hipermodernidade de Lipovestsky, reprodutibilidade técnica de
Benjamin, se misturarmos o existencialismo de Sartre com a modernidade reflexiva de Ulrich
Beck, e todos outros teóricos da sociedade pós-meta-líquida-ultra ou afins, de Giddens até
Bauman, quero fazer uma ressalva que todos se aproximam mas não parecem afirmar.
A distinção está na moralidade em tempos de cibercultura. A moralidade da
humanidade, principalmente para aqueles participantes da internet, mesmo para os que não
sao heavy users, se apoia no consumo. A moralidade do consumo hoje, não em termos de
hiperconsumo, ou a razão por trás do consumo - seja ela por status, vaidade, hábito, pressão -
e sim a moral do produto consumido. Isso é um fenômeno recente porque trata-se algo que
surge de maneira notável com o aumento da distribuição de produtos culturais, seu acesso
facilitado e em alta escala na internet, pirataria física e digital, streaming, compartilhamento
de arquivos, noções de nicho e subculturas.
Obviamente que por toda história da humanidade e de produção intelectual houveram
eras e eras de censura, proibição e condenação acerca do conteúdo consumido. Se pensarmos
nos esforços para manter populações medievais analfabetas, o Index da Igreja católica, o
puritanismo que impedia mulheres de ler ou sobre o que ler, governos autoritários e
propagandas contra material subversivo. Há um histórico de comunidade em vigia, podemos
pensar no panóptico de Foucault para tornar a analogia mais clara. Sempre estivemos cientes
do que consumimos de acordo com que os outros consomem. Seja para sermos incluídos e
fazer parte da comunidade e suas respectivas discussões ou para ir contra a cultura vigente.
O que é diferente é que a moralidade individual, valores pessoais e alinhamento
ideológico de uma pessoa não estavam tão fortemente presos a sua psique, subjetividade e
personalidade. Um exemplo desse fenômeno é a cultura de cancelamento, mas seus méritos
como consequência são duvidosos, visto que a condenação é teórica e psicológica na maioria
das vezes. De qualquer maneira existem camadas para o conteúdo que uma pessoa consome,
que estão além do controle do público e dos próprios artistas. É como se fosse uma era onde o
artista precisasse estar hiper-consciente de sua obra e todas possíveis ramificações, está
sujeito a responsabilização da interpretação e dos processos midiáticos sobre sua obra.
Mesmo que ela seja ressignificada para além de seu controle.
O efeito disso na maneira com que as pessoas se relacionam é que em 1700 eu poderia
condenar uma mulher por ler teorias políticas, fossem elas questões de república, da ciência
como afronta religiosa do feminismo de Mary Wollstonecraft, e assim por diante. Apesar de
condenar determinado livro e autor, o leitor não era condenado. Ademais, o perdão,
concedido ao artista e sua redenção com uma próxima obra era mais simples, a análise da
necessidade de determinada ideia para que fosse refutada dava espaço para maior relativismo,
principalmente porque o círculo intelectual fica menor à medida que retrocedemos
historicamente.
Em era de extremos, tomar partidos é necessário, e com milhões de pessoas em
constante conectividade e interação, consumo e criação, qualquer produto está intimamente
ligado e próximo da nossa alteridade. Então ao invés do hábito e convívio, além de posição
social ou emprego, religião e atuação na comunidade, a moralidade da pessoa é julgada e
compreendida através dos produtos que ela consome e isso é observável e nítido no
ciber-semiosfera. Cada conteúdo e seu fluxo rápido e frenético transmitem diversos sentidos
por vez e é possível notar um padrão de moral, montar um perfil e decidir quem é o outro.
Por exemplo, uma pessoa que consome Harry Potter, The Smiths, House of Cards, e filmes
do Polanski ou Woody Allen, provavelmente será questionada e julgada por se alinhar com
produtos conhecidos por seus autores/artistas controversos. E caso o indivíduo insista em
associar-se com a proximidade da ideologia desses produtos, será julgado como um
fragmento daquele problema. Será alguém de moral condenável, problemática, que será
excluído de alguns círculos sociais e terá sua identidade assumida por outros.
O moderno então nos fragmenta para além do nosso controle, e de maneira
existencialista, apenas meu consumo passivo já é considerado uma atitude ativa e tem
consequências não só para a humanidade, mas também é agressivamente determinante para
minhas futuras atitudes e convívios. Principalmente porque a internet tem a capacidade de
manter registros e tornar difícil uma redenção pública. Isso leva a crer que a internet é sim
uma experiência coletiva, e nela agora há uma tentativa de criar uma semiosfera coletiva
onde todo bom ou mau deve ser um consenso. Já existem contra-argumentos e movimentos
acerca da nuances de um produto cultural. Há muita discussão sobre a separação do artista da
obra, e embora isso tenha enfraquecido o movimento de “cancelamento”, ainda há estigmas
fortes associados a consumir determinados produtos, mas o tipo de julgamento é mais
diverso. Uma vertente de ciberbullying e criação de mais disputas de sentido fragmentadas
em blocos maniqueístas. Isso também afeta a noção de espaço democrático, explica a
preferência por bolhas e espaços seguros como fóruns específicos e preferir um algoritmo
alinhado com as morais que uma pessoa considera iguais a sua.

Bibliografia
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: Editora
L&PM. 2013

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp. 1991

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: A moda e seu destino das sociedades modernas. São
Paulo, Companhia das Letras, 2009

SARTRE, J-P. O existencialismo é um Humanismo; A imaginação; Questão de método. São Paulo:


Nova Cultural, Coleção Os Pensadores, 1987.

HUXLEY, Julian. “Transhumanism” In New Bottles for New Wine, London: Chatto & Windus, 1957,
pp. 13-17

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