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6o Colóquio Internacional Marx e Engels

O papel da violência no processo histórico de acumulação de capital: o caso colombiano


Ana Carolina Silva Ramos e Silva: Mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de
Goiás/UFG.
carolsociais@gmail.com

GT2 – Os marxismos
1 Introdução
Neste artigo busca-se compreender os fundamentos da violência enquanto prática
sócio-política na Colômbia do século XX, principalmente a partir de sua vinculação a um
determinado modo de implementação do capitalismo num país de formação colonial e agrária.
Tem-se como hipótese que esse é o caminho para a correta explicação das mudanças
estruturais ocorridas na Colômbia entre os anos de 1947 a 1957, cujo desdobramento mais
marcante será a formação do movimento guerrilheiro naquele país.
Para alcançar este objetivo, faz-se inicialmente um diálogo com os estudos de Marx,
especialmente aqueles voltados para o desvendamento das origens do capitalismo, como no
seu clássico A assim chamada acumulação primitiva. Neste caso, busca-se identificar quais
seriam, na perspectiva de Marx, os fatores essenciais para a acumulação de capital que darão
origem ao capitalismo em sua forma mais plena. Em auxílio a uma leitura da obra de Marx
recorre-se às sugestões metodológicas elaboradas por Lukács em sua obra Ontologia do Ser
Social.
2 Apontamentos Teóricos
No capítulo sobre a acumulação primitiva, Marx busca discutir a transição do modo de
produção feudal para o modo de produção capitalista. Sendo assim, para Marx, a assim
chamada acumulação primitiva será todo aquele processo histórico que priva o trabalhador
dos seus meios de produção através de ações extremamente violentas para a expulsão dos
camponeses de sua base fundiária o que possibilitou, por um lado, a derrocada das velhas
instituições feudais com o fim das terras comunais e a sua transformação em propriedades
socialmente concentradas e por outro lado, a produção de mão-de-obra barata lançada ao
mercado de trabalho.
A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo
histórico de separação entre o produtor e meio de produção. Ele aparece como
primitivo porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe
corresponde [...] Assim, o movimento histórico, que transforma os produtores em
trabalhadores assalariados, aparece, por um lado, como sua libertação da servidão e
da coação corporativa [...]. Por outro lado, porém, esses recém libertados só se
tornam vendedores de si mesmos depois que todos os seus meios de produção e
todas as garantias de sua existência, oferecidas pelas velhas instituições feudais, lhe

1
foram roubados. E a história dessa sua expropriação está inscrita nos anais da
humanidade com traços de sangue e fogo.1

Portanto, pode-se notar que para Marx, a violência desempenha um papel primordial
na história, podendo ser um instrumento por meio do qual se efetiva uma nova dinâmica
social. Conforme célebre passagem do capítulo citado: “A violência é a parteira de toda velha
sociedade que está prenhe de uma nova. Ela mesma é uma potência econômica”2. Esta
observação é sugestiva, pois neste caso a alavanca para o desenvolvimento e consolidação do
capitalismo como modo de produção hegemônico passa a ser concebida a partir de sua
derivação de fatores violentamente realizados.
No entanto, é importante frisar que a formação da classe capitalista não emerge de
maneira súbita, este processo já estava em pauta a partir do revolucionamento natural das
forças produtivas. Por isso, Marx irá advertir que tais fenômenos violentos de expropriação
camponesa serão utilizados para “ativar artificialmente o processo de transformação do modo
feudal de produção em capitalista e para abreviar a transição”3.
Depois de tais apontamentos, vale ressaltar que Marx toma por base o processo
ocorrido na Inglaterra, país cujos acontecimentos possibilitou ao autor analisar a história da
acumulação primitiva em sua forma clássica. Mas, as formulações de Marx – através de suas
próprias indicações – permitem repensar este processo em suas características essenciais para
a análise de outras épocas históricas ou mesmo em outros países.
O que faz época na história da acumulação primitiva são todos os
revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação;
sobretudo, porém, todos os momentos em que grandes massas humanas são
arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no
mercado de trabalho como proletários livres como pássaros. A expropriação da base
fundiária do produtor rural, do camponês, forma a base de todo o processo. Sua
história assume coloridos diferentes nos diferentes países e percorre as várias fases
em sequência diversa e em diferentes épocas históricas. Apenas na Inglaterra, que,
por isso, tomamos como exemplo, mostra-se em sua forma clássica.4

Assim, para Lukács em sua obra Ontologia do ser social o que configura o caso inglês
como um clássico não é um juízo valorativo que possa ser atribuído a ele, mas ao contrário,
sua objetividade histórica, ou seja, sua pureza inigualada por qualquer outro país europeu no
que se refere à implementação das condições necessárias ao advento do capitalismo industrial.
No entanto, esse caráter de clássico não significa que o processo de acumulação primitiva
possa ser avaliado apenas em contextos históricos idênticos ao exemplo original. Para Lukács:

1
Karl Marx, O Capital: crítica da economia política. 2ª ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 262.
2
Idem, ibidem, p. 286.
3
Idem, ibidem, p. 286.
4
Idem, ibidem, p. 263.

2
Se quisermos entender corretamente esse conceito de desenvolvimento clássico, tal
como se apresenta em Marx, temos de conservar firmemente presente, também nesse
caso, a sua objetividade inteiramente independente de qualquer valor. Marx define
como ‘clássico’, simplesmente, o desenvolvimento no qual as forças econômicas,
determinantes em última instância, se expressam de modo mais claro, evidente, sem
interferências, sem desvios, etc., que nos demais casos. Nesse sentido, a mera
classicidade do desenvolvimento de Atenas não nos permitirá jamais ‘deduzir’
diretamente dela a superioridade ateniense em face das demais cidades-Estado, tanto
mais que essa superioridade existiu de fato só em determinados períodos e em
determinados terrenos. Formas sociais nascidas de modo não-clássico podem ser tão
vivas, etc., quanto as nascidas de modo clássico; aliás, podem mesmo superá-las em
determinados aspetos. 5

Outro apontamento de Lukács deve ser levado em conta para um melhor entendimento
do papel da violência no processo de acumulação de capital para que possamos entender as
indicações de Marx em sua totalidade, fugindo deste modo de algumas interpretações que se
reduzem à mera descrição abstrata do movimento econômico. Para Lukács, a violência
descrita por Marx em seu capítulo sobre a acumulação primitiva adquire um aspecto de fator
extra-econômico que viabilizará, leia-se imporá, os processos de mudanças substancialmente
econômicas – o advento do capitalismo.
Todavia, Marx – após ter analisado sistematicamente o mundo do capitalismo em
sua necessidade e compacticidade econômica rigidamente determinada por leis –
expõe num capítulo particular a sua gênese histórica (ontológica) a chamada
acumulação primitiva, uma cadeia secular de atos de violência extra-econômicos,
somente mediante os quais foi possível a criação das condições históricas que
fizeram da força de trabalho aquela mercadoria específica que constitui a base das
leis teóricas da economia do capitalismo. 6

Através desta idéia percebe-se que a violência não aparece como órgão executivo do
desenvolvimento direto das forças econômicas, mas seu principal papel é o de criar condições
inteiramente novas para as mudanças estruturais requeridas pelo capitalismo.
Depois de salientados os principais apontamentos da obra de Marx, propõe-se a
utilização dos fundamentos da teoria apresentada como fio condutor da análise empreendida
acerca do momento histórico no qual os aspectos da violência aparecem de forma bastante
evidenciada na Colômbia, merecendo de muitos autores o epíteto de Violência.
3 Apontamentos sobre a Violência na Colômbia e seus desdobramentos sociais,
econômicos e políticos
O período denominado Violência na Colômbia estende-se entre os anos de 1947 até
1957, cujos fatos engendraram no país uma guerra civil não declarada. Seus antecedentes
devem ser buscados na década de 1930, época das lutas entre a oligarquia colombiana

5
György Lukács, Ontologia do ser Social: os princípios ontológicos fundamentais de Marx, São Paulo, Ciências
Humanas, 1979, p. 121.
6
Idem, ibidem, p. 45.

3
representada pelo Partido Conservador e as ligas camponesas ligadas aos setores mais
democráticos do Partido Liberal. Estas reivindicavam primordialmente o parcelamento das
grandes fazendas, reivindicações que foram sanadas pelo governo liberal com a promulgação
da Lei 200 de 1936 que em síntese garantia a reversão ao domínio público das propriedades
incultas para que fossem distribuídas entre os camponeses pelo Estado. No entanto essa
concessão institucional foi abandonada pela promulgação da Lei 100 de 1944 que revogou os
estatutos reformistas de 1936 no que tange ao parcelamento de terras, retornando com isso, os
embates entre camponeses e latifundiários; liberais e conservadores. Em 1946 o Partido
Conservador ganha as eleições colombianas e em 1948 esses embates assumem feições
dramáticas.
Algumas abordagens sobre este período histórico apontam o embate político
bipartidário como a principal causa dos conflitos, no entanto busca-se demonstrar que esta
Violência foi antes de tudo uma forma de garantir a acumulação e reprodução do capital
modificando a própria estrutura social colombiana.
As primeiras expressões do que historiadores e cientistas sociais têm denominado
Violência na Colômbia, aparecem depois da insurreição de 9 de abril de 1948 desencadeada
pelo assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, figura emblemática do Partido Liberal que desde
1934 trilhava um caminho alternativo à acomodação bipartidária no cenário político
colombiano por meio da fundação da UNIR (Unión Nacional Izquierdista Revolucionaria).
Em 1948 a Colômbia era governada por Mariano Ospina Perez, membro do partido
conservador, eleito em 1946. No entanto, os conservadores enfrentavam um parlamento de
maioria liberal contrário a seus planos políticos, o que na prática era um freio ao livre
exercício do poder executivo. O certo é que a maioria da opinião eleitoral era liberal e esta era
uma tendência em crescimento na medida em que o país se urbanizava.
Portanto, a presença liberal era um entrave às práticas políticas do Partido
Conservador - que representava institucionalmente os interesses oligárquicos - principalmente
com a ascensão de Jorge Eliécer Gaitán no movimento popular (constituído por operários,
camponeses e proletários rurais) que na década de 1940 encontrava-se bastante enfraquecido
diante da ofensiva conservadora. Os principais focos de influência hegemonicamente
conservadora estavam nas regiões agrárias. Antes mesmo dos episódios de 9 de abril de 1948,
na verdade desde a década de 1930 como já apontado acima, nestas regiões, especialmente em
Quindío, Sumapaz, Sul de Tolima e Cauca, já haviam focos de violência advindos dos
conflitos entre as ligas camponesas e os latifundiários. Como expressão deste conflito,
formam-se organizações cujos soldados e policiais contratados pelos grandes proprietários de

4
terras integraram uma poderosa organização militar privada cujo principal papel era o de calar
pela força toda manifestação de protesto ou enfrentamento contra o governo conservador.
Desta maneira, as forças reacionárias, centradas nas oligarquias latifundiárias, organizavam e
financiavam camponeses armados que exerciam a violência não só contra inimigos políticos,
mas também para paralisar, mediante o terror, a luta agrária.
Quando do assassinato de Gaitán, ficava claro para as forças políticas e sociais ligadas
ao Partido Liberal que tal ato somente poderia ter sido articulado pelo Partido Conservador.
Diante disso, os camponeses liberais se organizaram em grupos armados que deram origem a
núcleos de combatentes contra o governo. O mais importante deles foi a conhecida Guerrilla
de los Llanos Orientales, de orientação liberal, comandada por Guadalupe Salcedo.
Faz-se necessário, agora, enfocar os principais aspetos da violência na Colômbia e
suas conseqüências, principalmente no que tange aos seus efeitos sociais.
Sob o regime conservador, em 1948, a violência na Colômbia chegou a sua máxima
intensidade e alcançou novas regiões. Segundo Sánchez7, sua manifestação afetou
irreversivelmente a vida, a integridade física e os bens de milhares de colombianos. Os
acontecimentos desta época conferem um caráter extremo a este processo de violência, pois
um dos fenômenos que exerceu maior impacto sobre a memória coletiva foi o terror oficial
movido por um forte sectarismo naqueles que compunham a estrutura política bipartidária.
O principal meio de violência e sua modalidade mais extrema foi o assassinato. Não
somente pelo número de vítimas, que foram muitas, mas também pelos atrozes rituais de
tortura empregados. Os camponeses que não eram assassinados eram submetidos a todo tipo
de agressão, como saqueio de plantações, gado e ferramentas; incêndios e destruição de casas
e de instalações ligadas ao processamento do cultivo; exigência de abandono de suas
propriedades.
Conflitos entre vizinhos, colonos e fazendeiros ou simples discussões tornavam-se
violentas, por parte de quem, dada sua filiação política, contava ou não com a cumplicidade
das autoridades. Ocorria uma incessante guerra que estabelecia linhas estritas de demarcação
política, cuja transgressão tinha conseqüências fatais.
Em certas operações atuavam os paramilitares que contavam com o apoio de uma
extensa rede, com a cumplicidade das autoridades, dos latifundiários e de figuras ligadas ao
governo. Geograficamente, esta modalidade se estendeu por todo o interior do país, mas
especialmente nas áreas de minifúndios de Boyacá, Santander, Valle, Caldas e Tolima. Áreas

7
Gonzalo Sánchez, “Violencia, guerrillas y estructuras agrarias”. In: Alvaro Tirado Mejía (org.), Nueva Historia
de Colombia, Bogotá, Planeta Colombiana, 1989. p. 127.

5
onde o movimento demográfico propiciou o surgimento de uma classe de camponeses
dedicados principalmente ao cultivo de café em pequenas propriedades.
Em síntese, este tipo de terrorismo político afetou todas as categorias sociais do
partido liberal, mas de maneira desigual, pois os latifundiários e empresários liberais,
protegiam-se da violência em anonimato nas grandes cidades. O campo estava tomado pela
barbárie. Os territórios por onde se expandiu esta barbárie sofreram profundas modificações
em sua estrutura agrária. Milhares de camponeses do interior abandonavam suas propriedades
ou as vendiam forçosamente por preços irrisórios. Crescia o número das correntes migratórias
do campo para a cidade, o exército de desempregados originado pelo fenômeno da migração
passou a engrossar as filas das guerrilhas. Segundo Kalmanovitz8, entre 1948 e 1953 o
número de mortos foi provavelmente de 200 a 300 mil e o número de migrantes foi três ou
quatro vezes superior a tal cifra.
Depois desta breve explanação sobre os principais aspectos do fenômeno da violência
na Colômbia, pode-se retomar as indicações colhidas na obra de Marx, conforme apontado no
início do texto, especialmente no intuito de explicitar que no desenvolvimento do capitalismo
na Colômbia, a violência exerceu um fundamental papel como fator extra-ecônomico de
acumulação de capital através da expropriação camponesa e consolidação do poder
oligárquico latifundiário.
A preocupação em demonstrar que o fenômeno da violência tenha este caráter de
acumulação primitiva reside no fato de que a maioria das abordagens das quais tomamos
conhecimento consideram que “[...] o fenômeno que se tem chamado Violência na Colômbia,
teve primordialmente uma origem política”9, desconsiderando seu papel como uma
importante alavanca para o desenvolvimento econômico do país e implementação do
capitalismo, idéia esta compartilhada pelo pesquisador colombiano Darío Farjado:
Este tem sido um tema privilegiado nos estudos sobre a Violência e em torno dele
surgem tanto os trabalhos que buscam aproximar-se da essência do sistema
bipartidário, como os que continuam trabalhando sob a ótica do enfrentamento
liberal-conservador como ‘causa’ do conflito. Certamente não deixa lugar a dúvidas
o papel mobilizador do bipartidarismo durante o período mais crítico da Violência,
precisamente a década de cinquenta. Mas não podemos permitir que se oculte a raiz
de conflitos aparentemente devidos ao enfrentamento sectário. Enfrentamentos entre
veredas e poços [...] em particular em zonas de colonização camponesa,
simplesmente serviram para ‘limpar’ as áreas de colonos, dando logo condições à
formação de grandes fazendas. 10

8
Salomón Kalmanovitz, “El desarrollo histórico del campo colombiano”. In: Jorge Orlando (org.), Colombia
Hoy. Bogotá, Banco de la República, 2001. Disponível em:
<http://www.lablaa.org/blaavirtual/historia/colhoy/colo9.htm>. Acesso em: 20 out. 2006.
9
Gilberto Vieira apud Arturo Alape, La paz, la volencia: testigos de excepción, 5ª ed. Bogotá, Planeta
Colombiana, 1985, p. 39, tradução nossa.
10
Darío Farjado apud Arturo Alape, ibidem, p. 64-65, tradução nossa.

6
Como consequências desta verdadeira guerra civil não declarada tem-se a exclusão, a
coação extra-econômica sobre as massas trabalhadoras pela força, a negação forçada dos
direitos e das aspirações sociais, a imposição mediante o terror coletivo de uma forma de
dominação que combinava o atraso agrário com o desenvolvimento impetuoso da economia
industrial e comercial. Todos estes processos confluíram para dar origem às confrontações
armadas.
A isso, somavam-se os choques políticos originados do desenvolvimento do
capitalismo que seguiu uma via de acumulação de capital que polarizou a propriedade nas
mãos de poucos e proletarizou as diversas camadas sociais da cidade e do campo, para
convertê-los em assalariados e ao mesmo tempo em bases do mercado interno para o capital.
No caso colombiano, o desenvolvimento do capitalismo foi acelerado mediante o exercício de
fenômenos violentos que despojaram milhares de famílias e outorgaram a grupos de elite
riquezas que não eram o resultado de um puro mecanismo econômico, mas sim do exercício
da violência.
Embora ocorrendo em pleno século XX e na fase de expansão do capital industrial, o
que se passa na Colômbia entre o fim da década de 1940 e início dos anos de 1960 parece
remeter ao que Marx descrevia sobre a fase de acumulação primitiva do capital gerada pelo
fator extra-econômico caracterizado pela violência. Com a coação política e extra-econômica
garantiu-se às classes dominantes a permanência no poder, impedindo a renovação que
corresponderia à mudança social.
Desde então, pode-se verificar a hipótese de que a violência política introduzida pelo
sistema a partir dos anos cinquenta é o resultado de uma conduta social imposta pelas classes
dominantes com o intuito de conservar as grandes propriedades agrárias voltadas para as
grandes plantações, levando adiante uma feroz “limpeza” social, utilizando medidas de força
para impedir que as manifestações organizadas e unitárias da luta popular massiva pudesse
realizar mudanças sociais. Como sustenta Kalmanovitz:
O efeito direto da desmobilização classista pode ser notado na crescente redução da
capacidade de negociação do trabalho frente ao capital entre os anos de 1948 e 1958,
período central da Violência e também marco de um sustentável crescimento
econômico em que os salários rurais sofreram uma baixa de 15%. 11

No entanto, como apontam alguns dados de Fluharty coincidentemente “[...] entre


1949 e 1953 quase dobrou o valor das exportações convertendo este período num dos de

11
Salomón Kalmanovitz apud Arturo Alape, ibidem, p. 65, tradução nossa.

7
maior ascensão da história da economia. Entre 1948 e 1952 a porcentagem de formação de
capital saltou de 14,2% para 28,2%”12.
Assim, a ação da classe dominante, por um lado, acelerou o desenvolvimento do
capitalismo, por outro lado, perpetuou o sistema latifundiário, entrando em um processo de
“modernização” semelhante à via prussiana conceituada por Lênin 13. Conforme Farjado:
O crescimento de um “setor moderno” da agricultura se deu, como era de se esperar,
nas terras mais aptas: as planícies do Cauca, Tolima, Cesar, Atlántico, vale dizer,
nos solos planos de boa qualidade e mecanizáveis, terras que haviam constituído
nessas regiões o marco físico das sociedades latifundiárias, como foi claramente o
caso de Tolima o Valle do Cauca e as planícies caribenhas. Desta maneira tais
regiões testemunharam a transformação da agricultura até o capitalismo pela via da
‘modernização das fazendas’, ou como vem sendo classificada há mais de um
século, a “via prussiana”.14

A conversão irracional de milhares de famílias camponesas em mão-de-obra


disponível para o mercado não foi absorvida suficientemente pelo desenvolvimento do
sistema capitalista, criando-se imensos cinturões de pobreza e de indigência em grandes e
médias cidades. Tamanha deformação não só elevou os índices de desocupação ou semi-
desocupação urbana e rural, como também intensificou os níveis de deterioração social.
A violência exercida nestas localidades sob a forma de massacres indiscriminados e
encoberta como “enfrentamentos sectários”, expulsou os sobreviventes, projetando-
os até outras áreas rurais (já como colonos para reproduzir o ciclo “migração-
colonização-conflito-migração”, ou como jornaleiros agrícolas) ou até os núcleos
urbanos. 15

Apesar da dramaticidade do quadro social apontado acima por Farjado, não é ele
estranho à lógica de acumulação e expansão de capital, tendo em vista que os “desocupados”,
para recordar mais uma vez Marx, convertem-se tanto em exército industrial de reserva
quanto em “trabalhadores livres como pássaros”, imprescindíveis ao capitalismo.
Assim, retomando a linha central de nossa argumentação e considerando as inúmeras
possibilidades históricas e sociais do desenvolvimento capitalista, não deixa de saltar aos
olhos a espantosa proximidade entre o que Marx narrou sobre a acumulação primitiva do

12
Vernon Lee Fluharty, La danza de los ,millones, régimen militar y revolución em Colômbia (1930-1956),
Bogotá, El Áncora Editores, p. 65, tradução nossa.
13
Lênin tinha por referência duas experiências históricas anteriores muito importantes, casos da Alemanha (tipo
junker) e dos EUA, que seriam por ele conceituadas como via prussiana e via americana. O que ele percebia com
clareza é que a questão agrária e a forma como seria resolvida era essencial no desfecho da revolução burguesa
num país de tradição feudal como a Rússia. Entre esses dois extremos, prussiano e americano, colocavam-se
possibilidades histórico-políticas muito distintas para a classe operária e o campesinato russos. A situação mais
desfavorável para ambos estaria, evidentemente, numa vitória da via prussiana, posto que preservaria toda a
antiga superestrutura de poder na transição ao capitalismo.
14
Darío Farjado apud Arturo Alape, op. cit., p. 55, tradução nossa.
15
Idem, ibidem, p. 56, tradução nossa.

8
capital e o que viria a ocorrer na Colômbia em pleno século XX, pois tanto num caso como no
outro a violência se inseriu como um importante fator de acumulação de capital.
A constatação dessa similaridade é um passo essencial para o desvendamento da
particularidade do caso colombiano, pois se no caso inglês o desfecho da acumulação
primitiva foi a consolidação de uma ordem liberal-capitalista razoavelmente estável, na
Colômbia, pelo contrário o desfecho foi a emergência de um dos principais movimentos
armados do mundo contemporâneo – as FARC.

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