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nada além disso, no que se refere à sua relação conhecendo os seus direitos e deveres, necessita
com a nacionalidade. também tê-los concretizados para alcançar o
ideal da dignidade da pessoa humana.
Já o termo nacionalidade, numa análise
que prioriza as suas formas de atribuição Assim, o Estado deve garantir a cada um
definidas no art. 12 da Constituição Federal, está dos seus integrantes capacidade de participação e
vinculado àquelas pessoas que mantêm um um espaço para realizarem o ideal em comum.
vínculo efetivo com o Estado brasileiro, assim Para estar inserido nessa sociedade, o indivíduo
considerados os brasileiros natos e naturalizados, deve ter seus direitos reconhecidos pelo Estado,
definidos como nossos nacionais. No que se numa perspectiva sempre evolutiva: cada vez
refere à atribuição da nacionalidade originária mais, mais direitos reconhecidos. Essa
(brasileiros natos), lembramos que o Estado perspectiva liga-se à noção de cidadania passiva,
brasileiro combina os critérios que admitem tanto que nem sempre garantiu uma sociedade livre e,
os vínculos de solo como os de sangue. principalmente, igualitária.
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algumas dessas passagens constitucionais, o dominantes. Temos uma sociedade estruturada
termo cidadão é tomado no aspecto estrito, em castas, e o direito do indivíduo é o direito do
revelando apenas uma faceta do sentido seu estamento social, perpetuando, portanto, sua
contemporâneo da expressão. desigualdade. Não há um ordenamento único, no
sentido de ser válido para todos, genérico,
Essas formas de participação, e por que abstrato e impessoal. O direito servia como
não dizer de transparência, não nos impedem de forma de reproduzir privilégios, característica
tecer algumas críticas no sentido de aprimorar a presente em todo o denominado “Estado Antigo
realização efetiva desse documento. Assim, todas e Medieval”.
as ações que caminhem no sentido de priorizar
essa noção de cidadania são necessárias para a A superação desse paradigma deve-se a
plena observância da Constituição vigente. vários fatores. Inicialmente podemos citar a
necessidade de separar o poder temporal do
espiritual. É também crescente a necessidade do
ESTADO DEMOCRÁTICO indivíduo de romper com as estruturas sociais
rígidas para poder desenvolver seu potencial
DE DIREITO criativo (liberdade) e seu valor – como dos seus
iguais –, de ter o seu preço num mercado aberto
Devemos frisar que as discussões que e crescente (igualdade). Tais formas inovadoras
serão realizadas sobre temas constitucionais têm de pensar a sociedade refletem-se também na
como paradigma o Estado Democrático de estrutura do direito, que deverá conter
Direito, ou seja, o marco teórico para nossa enunciados racionais, fundado em ideais
abordagem está previamente posto. Ao nosso iluministas e contratualistas. Já dizia Rousseau
ver, para uma correta análise desse contexto é que na passagem do estado de natureza para o
necessário definir quais os paradigmas do direito estado civil o homem perde vantagens
que podemos identificar ao longo de nossa concedidas pela natureza, mas ganha o poder de
vivência, quais as suas características básicas e desenvolver plenamente suas idéias e faculdades,
como contribuíram para alcançarmos o momento transformando-se de um homem estúpido em um
atual. ser inteligente e racional.4
Nesse sentido, tomaremos como base para Por outro lado, a crescente necessidade de
nosso exame a definição de Menelick de definição de fronteiras, do estabelecimento de
Carvalho Netto,3 que identifica dois grandes um poder que promovesse uma ordem mais
paradigmas: o primeiro, que denomina de pré- estável e duradoura e a sua conseqüência como o
moderno e envolve toda a Antiguidade e a Idade estabelecimento de um mercado livre, mas com
Média; e o segundo, o da modernidade, que, por regras mínimas definidas em um dado território
sua vez, se subdivide em três outros paradigmas: (como moeda única), dão vazão ao nascimento
o do Estado de Direito, o do Estado de Bem- de um novo modelo de Estado – o Estado
Estar Social e o do Estado Democrático de nacional.
Direito.
Podemos sintetizar as idéias que
A sucessão desses paradigmas ao longo impregnam esse novo paradigma na visão de
da História proporcionou-nos a superação dos John Locke, considerado teórico do liberalismo e
valores que traziam consigo, permitindo o também contratualista, quando afirma que o
desenvolvimento de novas idéias e, sob alguns indivíduo pode fazer tudo aquilo que as leis não
aspectos, a aceitação de pressupostos anteriores. proíbem5. Contido nessa afirmação está o grande
ideal de liberdade, considerado o fio condutor
No primeiro paradigma identificado, não
desse novo modelo de Estado, que é o da
há uma concepção definida de organização liberdade no seu aspecto negativo. Vale aqui a
política. Temos, sim, um conjunto normativo transcrição do conceito de liberdade oferecido
confuso de moral, família, religião, filosofia,
por Stuart Mill como “situação em que ninguém
direito e política em estreita relação com a deve ser impedido de fazer o que queira e nem
organização política e divindade. Entre os constrangido a fazer o que não deseja. Essa
poderes humano e divino varia apenas o grau de
liberdade deve ser a mais ampla possível só
influência patrocinada por um ou outro, encontrando limite na liberdade dos demais.”6
dependendo dos interesses das castas
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Assim, ingressamos no paradigma da emergente no início século XX, pretende
modernidade, no seu primeiro estágio, que é o do assegurar os direitos coletivos e sociais, que
Estado de Direito ou, como é denominado por garantiriam uma vida digna.
alguns autores, Estado Liberal ou Constitucional.
O documento escrito que deveria garantir a todos Temos, então, a configuração de um novo
esse novo modelo de organização política, paradigma moderno, o do Estado Social ou do
contendo o princípio de limitação da autoridade Bem-Estar Social, que pretende concretizar
governativa, denomina-se Constituição. O materialmente os postulados do Estado de
homem, agora, é encarado como um indivíduo Direito, inclusive redefinindo-os. A liberdade há
sujeito de direitos, e para tanto esse documento de ser entendida em correlação com o ideal de
constitucional deverá consagrar o princípio da isonomia material. Esse novo Estado pretende
separação de poderes e uma declaração de promover medidas assistenciais sem serem,
direitos individuais. contudo, inicialmente, opostas aos direitos civis e
políticos. Os direitos à saúde, à educação, ao
Há neste momento uma aprofunda trabalho, enfim, à subsistência (direitos de
desconfiança com o aparato estatal, que antes segunda geração), devem ser patrocinados pelo
reproduzia o Estado Absolutista, e, assim, Estado, que tem o dever e as condições de evitar
oficializa-se uma ruptura entre o público e o a exploração do homem pelo homem.9 O direito
privado como esferas manifestamente distintas e, privado se publiciza. O Estado representa toda a
neste primeiro momento, inconciliáveis. No dimensão do público e promove, sob a
público, atua o Estado condicionado à lei; no justificativa de alimentar a satisfação dessas
privado os particulares submetidos à lei do necessidades básicas, políticas inseridas em
mercado, apenas minimamente regulada pelo regimes totalitários. O Welfare State produz um
Estado. direito complexo com a finalidade, inclusive, de
cumprir metas econômicas e sociais.
Alerta-nos, mais uma vez, Menelick de
Carvalho Netto7 de que há um fosso profundo A crise do Estado do Bem-Estar é
entre a sociedade política e a sociedade civil. Na detectada através da crise fiscal do Estado. A
sociedade política devem prevalecer os relação entre o Estado e a sociedade se deteriora,
interesses gerais convencionados e assegurados e se, inicialmente, esse Estado Social rompeu
por uma parte da sociedade, “os seus melhores”, com a separação, característica do Estado
pois a representação é censitária.8 As leis gerais e Liberal, entre esses dois pólos; agora a
abstratas devem reduzir-se a um mínimo, o que manutenção de um levaria à conseqüente
preserva a visão de liberdade negativa tão eliminação do outro. O Estado não consegue
veementemente defendida pelo liberalismo. Já a cumprir suas metas de amparo social, o aumento
sociedade civil é o espaço para o livre do déficit público desestabiliza a economia e o
desenvolvimento dos direitos naturais (e aparelho burocrático inchado contribui para
racionais) do indivíduo. O direito deve reduzir o agravar essa perspectiva.
Estado à legalidade, produzindo um Estado
mínimo que interfira o menos possível no livre Segundo Glória Regonini,10 duas
jogo das vontades individuais, apenas tendências são identificadas neste momento: a
preservando os direitos individuais “estatalização da sociedade” e/ou a “socialização
(denominados pela doutrina de direitos de do Estado”, e as saídas para essas tendências
primeira geração). estão, no primeiro caso, na capacidade de
resistência de alguns setores da sociedade civil
Entretanto, a liberdade e a igualdade que não são filtrados pelas instituições e, no
proclamadas pelo Estado de Direito reforçam segundo, na capacidade de resistência das
práticas excludentes e só teoricamente instituições em fase das contínuas e
consagram verdades evidentes que libertam o intermináveis pressões de grupos sociais.
homem. O aprisionamento do indivíduo é real e
perverso, à medida que ele não tem meios Todos esses conflitos resultam também
materiais que lhe permitam usufruir as liberdades dos anseios de uma nova sociedade, – a da era da
consagradas. Com isso, surgem movimentos informação – ainda mais complexa que a
sociais que criticam os ideais liberais, agora sociedade anterior. Essa sociedade reivindica a
contando com o apoio da doutrina social da proteção de um novo contexto de direitos, agora
Igreja e do marxismo. A sociedade de massas, denominados direitos difusos (apresentam-se os
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direitos de terceira geração,),11 e reclamam uma colocamo-nos diante da definição da Teoria da
nova leitura dos direitos individuais e sociais. A Constituição.
Declaração Universal dos Direitos do Homem,
de 1948, indica o advento desse novo momento
ao proclamar os direitos sociais, econômicos e Teoria da Constituição
culturais ao lado de direitos civis e políticos, o
que levaria, necessariamente, à superação da A Teoria da Constituição como ciência
antinomia entre o individual e o social e à autônoma é recente, e sua contribuição inicial
revisão das estruturas tradicionais da teoria do prende-se à superação da crise do primeiro
Direito. A sociedade civil se organiza através de paradigma do Estado Moderno, o do Estado
entidades e associações que acabam atuando em Liberal, e a impossibilidade de a Teoria Geral do
um espaço antes reservado ao Estado. O Estado Estado, à época (particularmente falamos da
falido tem agora os interesses públicos, muitas matriz alemã – Constituição de Weimar – 1919),
vezes, defendidos pela sociedade civil. As interpretar e efetivar os documentos
sociedades plurais atuais tentarão assumir uma constitucionais. Há um afastamento do
posição não clientelista, sendo agente e, ao positivismo jurídico que limita a compreensão da
mesmo tempo, destinatária das leis elaboradas. Constituição à aplicação e interpretação da lei
Temos, então, uma sociedade que pressupõe constitucional positiva.
atores sociais comprometidos com o debate
político, que deverá ser público. Atualmente, a Teoria da Constituição
pretende ainda revitalizar a abertura para a
No desenrolar dessa crise surge o terceiro realidade constitucional, considerando suas
paradigma da modernidade – o Estado condicionantes políticas e socioeconômicas.
Democrático de Direito. Podemos afirmar que Nesse sentido, e visando ao desenvolvimento da
esse paradigma ainda está comprometido com o Teoria da Constituição, podemos apresentar os
ideal da legalidade, mas busca sua sustentação e estudos de Karl Loewenstein12 que procuram
legitimidade também no ideal de justiça. Como imprimir às definições de Constituição o seu
realizar esses dois aspectos balizadores deste valor real, classificando-as, segundo uma
novo Estado é a tarefa que hoje enfrentamos. perspectiva ontológica, como Constituições
nominais, normativas e semânticas.
Está claro que para superarmos as grandes
questões desta sociedade hipercomplexa em que Se pretendemos realizar as promessas
vivemos, teremos de construir a democracia, normativas constitucionais e evitar a
agora não mais formal, mas efetiva. É justamente classificação da Constituição de 1988 como
sob esse novo enfoque que teremos de encarar Constituição semântica, é necessário redefinir o
questões como interpretação constitucional, papel da Teoria da Constituição no Estado
jurisdição constitucional, remédios brasileiro.
constitucionais, pacto federativo, partidos
políticos, novos modos de governança, Visando exatamente à discussão da Teoria
comunidades virtuais, dentre outros. Toda essa da Constituição, coloca-se a questão da
temática está diretamente vinculada à questão da concretização dos direitos fundamentais, que
efetividade da Constituição de 1988. envolve a perspectiva da interpretação
constitucional, da jurisdição constitucional e dos
mecanismos processuais colocados à disposição
EFETIVIDADE E dos indivíduos para fazer valer os direitos
declarados.
CONCRETIZAÇÃO
Diante desses fatos, somos colocados Interpretação Constitucional
frente à necessidade de discutir os limites e
possibilidades da força normativa do Direito Podemos afirmar que o objeto de
Constitucional. Assim, podemos dizer que o preocupação dos juristas contemporâneos diz
nosso esforço converge para a necessidade de as respeito à interpretação constitucional, que
normas constitucionais estarem abertas para a realça, evidentemente, o papel dos aplicadores do
realidade constitucional. Neste momento, direito. Destacam-se as análises contemporâneas
sobre o conceito de normas constitucionais,
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definidas como um conjunto de regras e realçar o papel político que assumem diante
princípios, e como devem ser aplicadas. dessa tarefa.
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Nesse sentido, nossa Constituição de 1988 independência e da imparcialidade do juiz, da
também inova e fortalece sua perspectiva cidadã motivação da sentença e da justiça gratuita para
quando prevê mecanismos processuais que, em os necessitados – princípios constitucionais do
última análise, visam ao desenvolvimento da processo e também garantias constitucionais.
dignidade da pessoa humana. Assim, podemos
nomear instrumentos inovadores, como o habeas Somente a partir do momento em que o
data, o mandado de segurança coletivo, o Poder Judiciário estiver apto a realizar
mandado de injunção, a ação de efetivamente tais princípios poderemos falar que
inconstitucionalidade por omissão e a o cidadão terá o pleno reconhecimento dos
implementação das ações coletivas. Por outro direitos que lhe foram assegurados pela
lado, a Constituição nos oferece uma nova Constituição.
dimensão para institutos já consagrados, como o
habeas corpus, o mandado de segurança, a ação Como afirma José Alfredo de Oliveira
Baracho,16 os cidadãos não podem ser impedidos
popular, a ação direta de inconstucionalidade e a
ação civil pública. Cumpre ressaltar a nova do gozo dos múltiplos direitos reconhecidos na
leitura que se deve fazer do direito de petição, Constituição e na legislação infraconstitucional,
mesmo aqueles cujas leis não foram
revigorado após a Constituição da República,
como um instrumento estreitamente ligado à promulgadas, pois isso inviabilizaria o exercício
idéia de controle e participação do cidadão. da plena cidadania, que, aliás, demanda uma
estruturação complexa e sólida de todos os
Tais remédios constitucionais só órgãos do Estado, particularmente do Poder
cumprirão concretamente o papel que lhes está Judiciário, que possibilita a defesa dos núcleos
reservado nesta Constituição se a atuação dos centrais de direitos (acesso à justiça,
nossos tribunais conseguir superar a dicotomia interpretação correta das normas constitucionais,
texto versus realidade, que, não necessariamente, nova concepção de justiça etc.).
são excludentes.
No que se refere ao acesso à justiça,
ênfase deve ser dada ao papel das defensorias
SOCIEDADE PLURALISTA públicas, que têm, a bem dizer, a possibilidade
de concretizar ou não o ideal da plena cidadania.
Toda a temática anterior nos revela uma Se a defesa dos necessitados – os
nova forma de encarar o direito, particularmente economicamente fracos – não se fizer ampla e
o Direito Constitucional. Fica clara a necessidade contundente, nunca alcançaremos a democracia
de revermos nossos postulados clássicos em uma sociedade pluralista, diversa e múltipla
principalmente na forma de interpretar a como a brasileira, repleta de desigualdades
Constituição da República. sociais e econômicas.
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eficiente e dinâmico sem ser, contudo, meio de algo além da democracia representativa.
excludente. Estamos colocando em xeque a democracia
partidária, que está longe de suprir as demandas
A definição das bases que fundam o nosso protagonizadas pela sociedade complexa do
pacto federativo deve ser feita levando-se em século XXI.
consideração o paradigma atual e, portanto,
reforçando a tomada de decisão pelos núcleos A crise por que passam os partidos
menores de poder. Num país de vasta dimensão políticos na moderna sociedade reflete a
territorial e tamanha diversidade cultural como o desconfiança nos vínculos entre representantes e
nosso, não há como nos afastarmos de priorizar a representados, gerando uma crise também a
descentralização política, administrativa e respeito da sua legitimidade. A democracia, que
econômica se quisermos viabilizar a democracia. tem, única e exclusivamente, como seu
interlocutor os representantes do povo, não está
Nesse sentido, a autonomia – autos mais apta para lidar com os novos atores sociais
(própria) e nomia (norma) – dos Estados- que estão interagindo em nossas comunidades. É
Membros e dos municípios ganha nova interessante observar que o hiato deixado pelos
dimensão. Devemos adotar no nosso Estado os partidos políticos, e ainda não preenchido por
princípios do federalismo cooperativo, atores sociais comprometidos, vem sendo
consensual e subsidiário. Devemos, como afirma ocupado pela mídia, que exerce um papel cada
José Luiz Quadros Magalhães,17 reestruturar vez mais forte, monopolizador e avassalador.
nossa máquina administrativa para simplificar e Precisamos garantir e assegurar, nesse sentido, o
acelerar os procedimentos e as decisões direito de todos os cidadãos de participarem
administrativas, valorizando mecanismos da igualmente da formação da opinião pública.
democracia participativa. Portanto, a democracia induz também à
necessidade de livre acesso à informação.
As cidades e o campo só têm como
crescer se as decisões tomadas espelharem as Os temas abordados anteriormente –
reais necessidades das comunidades locais e partidos políticos e formação de sistemas
regionais. Tais decisões deverão ser sustentadas supranacionais – estão diretamente vinculados à
por pressupostos fáticos e tomadas com base no crise do conceito clássico de soberania, que leva
consenso, o que envolve uma comunidade com consigo, derrogada abaixo, também o conceito
certo nível de educação e politização. clássico da soberania popular, e refletem a
incapacidade de o Estado-Nação absorver a
Desse modo, temos de mudar a forma de complexibilidade da sociedade pluralista.
considerar o planejamento urbano e rural,
anexando outras dimensões decisórias que tratem Aliás, Antônio Augusto Cançado
com seriedade e compromisso, principalmente, a Trindade, ao discutir a proteção dos direitos
questão da nossa desigualdade econômica. No básicos da pessoa humana já afastava a pretensa
que se refere ao processo de governança urbana, ‘competência nacional exclusiva’ e demonstrava
Edésio Fernandes18 ensina que experiências de a inadequação desta particularização da noção de
parceria entre o setor privado e o estatal devem soberania ao plano das relações internacionais,
se dar de tal forma que os valores sociais não pois, como ensina, no ordenamento
sejam sacrificados em favor de interesses internacional, os Estados mais que
particulares de grupos econômicos. independentes, necessitam ser juridicamente
iguais.”19
Pelo exposto, parece-nos necessário
valorizar o poder de decisão das comunidades Assim, podemos afirmar que a crise da
que estão mais próximas dos problemas teoria constitucional contemporânea é reveladora
vivenciados no seu cotidiano, comunidades que da crise do ponto de vista externo e interno da
estariam mais abertas a um diálogo construtivo, noção de soberania.20
fazendo uma ponte entre o estatal e o privado e
capazes de identificar carecimentos e pleitear No Direito brasileiro, vivenciamos,
soluções possíveis. especialmente, a crise da soberania interna, com
o Estado revelando-se incapaz de ser identificado
Assim, falamos em novos modelos de como o espaço em que vigora determinada
governança que estariam se consolidando por ordem jurídica. A perda dessa referência propicia
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o nascimento de estruturas paralelas ao direito, governança surgem no cenário internacional com
retirando a legitimidade da ordem jurídica. Esse os processos de integração, nos quais instâncias
fenômeno leva à descrença no próprio supranacionais convivem com os poderes
ordenamento jurídico-estatal, que não consegue nacionais, produzindo, mais uma vez, uma
viabilizar a democracia concretizando os seus estrutura plural e complexa nesta sociedade atual
postulados, ou seja, não consegue não menos diversa. A questão da superposição de
operacionalizar-se, uma vez que, apesar de toda a competências, com a qual convive a União
sua estrutura jurídico-coercitiva, não reage aos Européia, tem sido administrada por intermédio
fatos normativamente ou, quando reage, muitas do princípio da subsidiariedade, que, ao definir
vezes afirma processos de exclusão (por que cada decisão deve ser tomada pela instância
exemplo, como já afirmamos anteriormente, as que está mais próxima e apta para resolver o
partes não chegam num mesmo plano quando assunto a ser decidido, também reforça a atuação
atuam no Poder Judiciário). de comunidades que podem, pronta e
eficazmente, solucionar conflitos.
No aspecto externo, a soberania renuncia
ao seu conceito clássico quando os Estados se Neste novo cenário mundial dessa
auto-submetem às pressões do mercado sociedade hipercomplexa, cabe também menção
globalizado, com as razões de ordem econômica às denominadas comunidades virtuais. Vivemos
ditando novas formas de organizações políticas. a época que Pierre Lévy22 classifica como
Numa abordagem genérica, podemos dizer que civilização da inteligência coletiva, e o
os Estados, como na nova organização da União ciberespaço, que é o local onde circula e se
Européia, cedem, mediante alterações nas suas produz o conhecimento coletivo, abrange, cada
Constituições, sua soberania a uma forma vez mais, parcelas maiores da população,
supranacional de governança. garantindo, assim, o livre acesso a informações.
Este momento possibilitará a formação de grupos
Essa questão remete-nos à discussão ou comunidades ligadas e interagindo movidas
sobre a soberania popular e, é evidente, à teoria por interesses próprios. Estamos falando de
do Poder Constituinte e à sua conseqüência, que comunidades criadas por atos de escolha que
é a constatação ou não da legitimidade dos atos superam a barreira do Estado-Nação, com a
estatais. Nessas complexas formas possibilidade, via Internet, de interação com
supranacionais, não há como identificar a pessoas de vários locais do mundo, de credos,
tradicional idéia de soberania popular – o poder cor, cultura, opção sexual diferentes. Esse novo
pertence ao povo –, aliada à idéia da teoria da espaço que pressupõe diálogo deverá contribuir
representatividade – que o exerce através de seus para a quebra de preconceitos.
representantes. Nesse contexto, cabe a pergunta,
atualíssima, formulada por Friedrich Muller: O desenvolvimento de novas tecnologias
“Quem é o povo?”21 possibilitará, na visão de Paulo Bonavides, a
superação da democracia representativa que, para
Não nos apoiamos mais na referência os juristas da escola liberal, era inevitável.
clássica do povo-soberano dos Estados nacionais. Afirma o professor que o ceticismo com relação
A definição de quem é o povo envolve a questão à introdução da democracia direta vai sendo aos
da identificação ou não do povo como suporte da poucos removido por intermédio da informática.
legitimidade democrática. Afastar-se da tentativa Os novos processos tecnológicos criam espaços
de iconização do povo e aproximá-lo da noção de para a libertação do pensamento e dos meios de
povo-destinatário confere maior legitimidade a expressão, desbloqueando, dessa forma, a
um sistema que se pretende democrático, pois democracia. A utopia da democracia
assegura a toda a população a plena fruição das participativa começa a ser concretizada.23
prestações civilizatórias do Estado,
corroborando, assim, para alcançarmos a
dignidade da pessoa humana e a prevalência dos CONCLUSÃO
direitos humanos.
Desaguamos na nossa sociedade
Se devemos fortalecer nossos núcleos inclusiva. Esta sociedade que inclui, que
menores de poder para efetivamente produzir comunga, sem absorver, sem uniformizar, é a
uma democracia real e efetiva, não podemos nos que pretendemos construir em um Estado
esquecer de que novas modalidades de Democrático de Direito. A diversidade no uno,
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para preservarmos valores como liberdade e metacódigo que se sobrepõem às estruturas da
igualdade, não é fácil de ser solidificada. É nesse sociedade e da Constituição.
sentido que alerta Friedrich Müller (24) quando
diz que devemos evitar a sobreintegração de A idéia de cidadania deve ser entendida
alguns em contradição com a subintegração de como a possibilidade de convivermos com as
outros, revelando facetas cruéis de excessos de diferenças, de construirmos, por intermédio da
inclusão e exclusão que deslegitimam o Estado nossa Constituição de 1988, um direito tanto
de Direito e sua base democrática, permitindo a legal quanto justo, tanto livre como igual – é o
criação de uma superestrutura e de um ideal a ser alcançado.
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NOTAS:
1. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson 10. BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola,
Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
3 et seq. Política. Trad. Cármém C. Varriali. 5. ed.,
Brasília: UnB, 1993, verbete: Estado do
2. SILVA, José Afonso. Acesso à Justiça e Bem-estar, pp.418-419.
Cidadania.
11. Como direitos de terceira geração temos o
3. O requisito essencial da imparcialidade para direito ao desenvolvimento, à paz
a decisão constitucional adequada de um internacional, ao meio ambiente equilibrado,
caso concreto no paradigma constitucional do consumidor. São também identificados
do Estado Democrático de Direito. Revista como direitos que corresponderiam ao ideal
da Procuradoria Geral do Estado de Minas fraterno. Se tomamos como base a
Gerais. Belo Horizonte: Del Rey, v. 1, n. 1, Declaração Francesa de 1789, estamos
p. 103 et seq. realizando o seu terceiro ideal entre os de
liberdade, igualdade e fraternidade. É de
4. O Contrato Social. Trad. Antônio de Pádua
salientar que alguns autores já apontam
Panesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. direitos de quarta geração, que seriam os
24. referentes à genética e à pesquisa biológica.
5. Segundo Tratado sobre o Governo Civil.
12. Teoria da Constituição. Trad. Alfredo
Trad. Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1976,
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 216 et seq.
6. Sobre a Liberdade. Petrópolis: Vozes, 1991,
13. Devido Processo Legislativo. Belo
introdução. Como explica Isaiah Berlin, o Horizonte: Mandamentos, 2000, p. 28.
sentido negativo de liberdade está vinculado
à resposta dada a pergunta: “qual é a área em 14. É interessante observar com Menelick de
que o sujeito – uma pessoa ou um grupo de Carvalho que nesse novo paradigma os
pessoas – deve ter ou receber para fazer o direitos fundamentais revestem-se de uma
que pode fazer, ou ser o que pode ser, sem característica eminentemente processual
que outras pessoas interfiram?” (Quatro (1999:108).
ensaios sobre liberdade. Trad. Wamberto H.
Ferreira. Brasília: Universidade de Brasília, 15. Já afirmava Jorge Miranda que os direitos
1981, p. 136). representam, por si sós, certos bens, são
principais, declaram-se, e as garantias
7. Op. cit., p.105. asseguram a fruição desses bens, são
acessórias, estabelecem-se; “...direitos
8. Há de se observar que o sufrágio universal é permitem a realização das pessoas e
proclamado como direito fundamental em inserem-se directa e imediatamente, por isso,
quase todas as declarações setecentistas, mas
nas respectivas esferas jurídicas, as garantias
somente a partir da revolução industrial e só nelas se projectam pelo nexo que
das formulações teóricas que criticam o possuem com os direitos...” (Manual de
Estado de Direito é que será efetivado; é
Direito Constitucional. Coimbra: Ed.
uma conquista do final do século XIX e Coimbra, 1988, t. IV, p. 89 et seq).
início do século XX.
16. Teoria Geral da Cidadania. São Paulo:
9. Interessante verificar que a defesa das
Saraiva, 1995, pp. 55 e 24. Como princípios
camadas mais pobres inicialmente se constitucionais do processo o autor arrola: o
apresenta como barreira medieval oposta à princípio do juiz natural, as garantias da
liberdade, rivalizando-se com o nascimento
independência do juiz, o direito à defesa em
do capitalismo. juízo, o devido processo legal, o livre acesso
ao processo, a motivação da sentença e o
princípio da imparcialidade (p. 10).
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17. Poder Municipal. Belo Horizonte: Del Rey, pode contribuir para a superação de
1997. preconceitos, mas também, não nos passa
despercebida, a possibilidade da formação
18. Legislação, Planejamento e Gestão de guetos, que poderiam, mais ainda,
Urbanístico-ambiental: A Ação dos fomentar estigmas. Nesse sentido, a criação
Municípios. Curso de Especialização Lato de uma forma de controle é inevitável.
Sensu em Direito Público – Diretoria de
Ensino a Distância da PUC Minas Virtual, 23. A democracia participativa e os bloqueios da
n. 1, junho de 2000, p. 28. classe dominante. Revista do Instituto
Brasileiro de Direitos Humanos. Fortaleza:
19. A Proteção Internacional dos Direitos Instituto Brasileiro de Direitos Humanos,
Humanos – Fundamentos Jurídicos e Ano 2, v. 2, n.2, p. 117 et seq. Também
Instrumentos Básicos. São Paulo: Saraiva, compartilhamos com o autor a idéia de que a
1991, p. 4. democracia tem, com as tecnologias da era
da informação, novas oportunidades de se
20. Analisando intensamente o tema, ver operacionalizar. Apenas ponderamos que o
MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O impacto das novas tecnologias na formação
paradoxo da soberania popular: o reentrar da
da opinião pública e, conseqüentemente, na
exclusão na inclusão. Revista de Direito base das decisões políticas, dependerá mais
Comparado. Belo Horizonte: Faculdade de uma vez do uso que se fará desse processo.
Direito da UFMG, n. 2, v. 2, pp. 361-369.
As novas tecnologias devem estar acessíveis
21. Quem é o Povo? Trad. Peter Nauman. São a toda população. E não podemos nos
Paulo: Max Limonad, 1998. esquecer de que estamos falando, ainda, de
uma população que vive em um Estado sem
22. Palestra proferida na PUC. Minas Virtual, distribuição de renda, com altos graus de
Belo Horizonte/MG, em 19/5/2000. O autor miséria e com índices mínimos de instrução.
entende que a humanidade vive um processo O uso das novas tecnologias não pode se
de unificação que de forma alguma transformar em mais uma técnica de
corresponde a um processo de uniformização bloqueio da democracia.
ou de interdependência. Compreendemos
que a formação das comunidades virtuais 24. Op. cit., p. 95 et seq.
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