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DEFINIÇÃO
Relação entre as premissas do Código Civil brasileiro e o texto da Constituição brasileira de
1988. Direitos da personalidade e critérios hermenêutico-democráticos de sua interpretação
constitucionalizada. Características dos direitos da personalidade e suas espécies: nome,
autonomia privada, igualdade, não discriminação, liberdade, vida. Biodireito e seus princípios
regentes: beneficência, não maleficência e autonomia privada.
PROPÓSITO
Compreender critérios e fundamentos hermenêuticos utilizados como parâmetros para a
interpretação constitucional do Código Civil brasileiro, estabelecendo um diálogo com a
autonomia privada, a dignidade humana e os princípios balizadores do Biodireito.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos o Código Civil brasileiro vigente (Lei
10.406, de 10 de janeiro de 2020) e a Constituição brasileira de 1988, ambos disponíveis no
Portal de Legislação do Planalto.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
MÓDULO 4
INTRODUÇÃO
Neste tema, você estudará a relação teórica e jurídica entre o Direito Civil e as normas
previstas na Constituição brasileira de 1988.
Outro importante aprendizado está relacionado com a definição e a caracterização dos direitos
da personalidade, além da sua comparação com o texto da nossa Constituição. Finalmente,
você encontrará questões instigantes quando, no último módulo, identificar o objeto do
Biodireito e da Bioética com seus princípios regentes, como a autonomia privada, beneficência
e justiça.
MÓDULO 1
O DIREITO CIVIL
O Direito Civil encontra-se codificado (Código Civil brasileiro vigente - Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002) e tem em suas disposições legais o objetivo de regular as relações privadas
entre pessoas físicas, pessoas jurídicas e entes despersonalizados. Foi dividido
preliminarmente da seguinte maneira:
PESSOAS
BENS
ENTES DESPERSONALIZADOS
INFRACONSTITUCIONAL
Refere-se a todas as normas jurídicas que estão hierarquicamente sob a Constituição Federal.
ETICIDADE
SOCIALIDADE
OPERACIONALIDADE
ETICIDADE
SOCIALIDADE
A socialidade, por sua vez, rompe com o individualismo exacerbado no Código Civil brasileiro
de 1916, propondo uma ressignificação das relações entre particulares. Isso é evidenciado, por
exemplo, na função social da propriedade privada, que perde seu caráter absoluto e dá lugar a
uma visão menos privatística, pois o proprietário ou possuidor deverá cumprir as diretrizes
coletivas para exercer legitimamente o seu direito fundamental à propriedade.
OPERACIONALIDADE
SAIBA MAIS
A função social da empresa é outro exemplo que ilustra a socialidade como fundamento
regente do Direito Civil contemporâneo, assim como a função social dos contratos. Na
realidade, “o princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os
individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana” (GONÇALVEZ, 2002,
p. 5).
A despatrimonialização do Direito Civil é fenômeno jurídico contemporâneo que coincide com a
sua constitucionalização. Compreender o Direito Civil e interpretá-lo sob a ótica
constitucionalizada é um meio de romper com as premissas patrimonialistas da legislação civil
brasileira do início do século XX, a qual deixava claro o interesse do legislador em proteger a
propriedade privada em detrimento da pessoa humana.
DIREITOS FUNDAMENTAIS
A proposta de constitucionalização do Direito Civil demonstra que seu objeto não pode ficar
adstrito às questões patrimoniais. Além de privilegiar a dignidade humana como critério regente
das relações privadas, a liberdade e a igualdade também são consideradas referenciais hábeis
à interpretação dos direitos civis. Significa dizer, por exemplo, que as pessoas são livres na
forma de constituição de família; os filhos são iguais no exercício de direitos; homens e
mulheres possuem os mesmos direitos e deveres no âmbito do casamento e da união estável;
é juridicamente inadmissível tratamento discriminatório entre cônjuges e companheiros para
fins sucessórios; proíbem-se designações discriminatórias no âmbito das relações contratuais,
além do direito conferido às pessoas de optarem de modo autônomo se escolherão ou não se
submeter a tratamento médico-terapêutico em caso de doenças graves.
ATENÇÃO
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais materializa proposições teóricas para proteger
constitucionalmente as relações jurídicas entre particulares. Em outras palavras, “os direitos
fundamentais também poderão ser opostos aos próprios particulares, sejam pessoas naturais
ou jurídicas, isto é, os direitos fundamentais devem ser aplicados às relações privadas”
(QUEIROZ, 2020, p. 45).
A Constituição brasileira de 1988, Art. 5º, caput, é categórica ao estabelecer, perante a lei, a
igualdade de todos e o exercício dos direitos fundamentais previstos no plano constituinte e
instituinte. Nesse contexto propositivo, institucionalizou-se a igualdade jurídica entre homens e
mulheres no âmbito das relações privadas, sendo proibido qualquer tratamento desigual ou
discriminatório.
Apesar de ser livre e ter autonomia quanto ao seu próprio corpo, um indivíduo não pode
vender, por exemplo, um de seus rins. A limitação jurídica no que tange à realização de
contratos se justifica constitucionalmente a partir do princípio da dignidade, que veda
expressamente a coisificação e a patrimonialização da pessoa humana no âmbito das relações
jurídicas constituídas entre particulares.
Os artigos 423 e 424 do atual Código Civil brasileiro são categóricos ao estabelecer que,
quando houver contrato de adesão com cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar
a interpretação mais favorável ao aderente. O estabelecimento dessa interpretação constitui
uma forma adotada pelo legislador infraconstitucional de garantir igualdade dos sujeitos
integrantes da referida relação contratual.
CONTRATO DE ADESÃO
Considera-se de adesão o contrato por meio do qual as partes não possuem liberdade de
escolher as cláusulas contratuais propostas. Todo o contrato já vem pronto, cabendo aos
sujeitos aderirem a ele ou não.
Embora o contrato seja reflexo do exercício da liberdade conferida às partes de contratar, tais
relações jurídicas não podem atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana.
Por exemplo, não é admitido firmar contratos que autorizem exploração da mão de obra
escrava, mesmo com consentimento, pois tal modalidade vai de encontro à função social dos
contratos e ofende o princípio da dignidade humana. No mesmo sentido, a legislação
infraconstitucional e constitucional estabelece a função social da propriedade com um dos
parâmetros regentes ao exercício do respectivo direito fundamental.
Assim, evidencia-se que a propriedade privada não possui caráter absoluto, pois seu
proprietário ou possuidor tem o deve de cumprir sua função social, dando-lhe utilidade para
atender os interesses privado e público.
Exemplo: o Estado institui no âmbito urbano a destinação a ser dada a cada propriedade
(imóvel residencial ou comercial), como também proíbe o cultivo de plantas psicotrópicas em
propriedades privadas rurais (cultivo de maconha, por exemplo). As limitações legais previstas
ao exercício do direito fundamental de propriedade objetivam evidenciar a superação de seu
caráter eminentemente individual e absoluto, regulamentando a obrigatoriedade quanto ao
cumprimento da função social.
FUNÇÃO SOCIAL
É o que prevê expressamente o parágrafo único do artigo 2.035 do atual Código Civil brasileiro,
Lei 10.406/2002, ao estabelecer que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos
de ordem pública, tais como a função social da propriedade e dos contratos.
CURATELA
Instituto previsto nos artigos 1.767 a 1.783 do atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002).
CURADOR
Pessoa autorizada pelo juiz a representar o curatelado nos atos da vida civil. Por exemplo, um
filho que é nomeado curador de seu pai, idoso e acamado, impossibilitado de exercer de forma
autônoma os atos da vida civil.
ÂMBITO PATRIMONIAL
Decisões da vida que não possuem relação direta com as questões patrimoniais. Por exemplo,
a autonomia na tomada de decisões concernentes ao exercício de seus direitos fundamentais e
da personalidade, como submeter-se ou não a tratamento médico em caso de doença grave.
ESCOLHAS EXISTENCIAIS
O Art. 1.846 do atual Código Civil brasileiro estabelece que pertence aos herdeiros necessários
(descendentes, ascendentes ou cônjuges), de pleno direito, a metade dos bens da herança.
Nesse caso, o testador somente poderá testar 50% do seu patrimônio.
A leitura constitucionalizada desse dispositivo legal leva-nos a concluir que o Estado intervém
na autonomia privada e na liberdade das pessoas ao não permitir que seja objeto de
testamento 100% de seu patrimônio em caso de existência de herdeiro necessário. Tal leitura
sugere que esse dispositivo legal poderia ser considerado inconstitucional, pois atenta contra o
direito fundamental de liberdade do testador. O testamento é pouquíssimo utilizado no Brasil,
posto que o cidadão brasileiro não possui um bom diálogo com a morte e, por consequência,
com os seus efeitos, em especial na organização de sua sucessão patrimonial.
Não se utiliza aqui a expressão “direito de família” porque existem várias modalidades
familiares legítimas. “A Constituição Federal, ao eleger como princípio a liberdade de
planejamento familiar e o pluralismo de entidades familiares, sem distinção ou hierarquia, todas
merecedoras de proteção estatal, alargou o conceito de família, que não ocorre mais apenas
no modelo jurídico do casamento” (CARVALHO, 2015, p. 54).
Devido a essa liberdade, não se admite a interferência do Estado na vida privada, segregando
modelos familiares não encontrados nas diretrizes impostas aprioristicamente por padrões
morais e religiosos, caso contrário seria legitimar a ofensa sistematizada do texto
constitucional.
Os critérios jurídicos para a definição de família são: reunião de duas ou mais pessoas,
vinculadas ou não afetivamente, que possuem o animus de viver em família, não podendo tais
sujeitos sofrer qualquer intervenção do Estado quanto às suas escolhas individuais. Nesse
contexto, destacam-se as chamadas famílias unipessoais, pois as pessoas que vivem
sozinhas devem ser juridicamente consideradas como membro familiar para gozarem, por
exemplo, do direito à impenhorabilidade do bem de família.
Intenção.
FAMÍLIAS UNIPESSOAIS
Família matrimonial: Constituída por pessoas casadas. Na atual sistemática jurídica adotada
pelo direito brasileiro, poderão contrair matrimônio tanto indivíduos heterossexuais quanto
homossexuais.
União estável: Sociedade de fato constituída por duas pessoas (casais heterossexuais e pares
homoafetivos) que livremente se apresentam na sociedade como se casados fossem. A
produção dos seus efeitos jurídicos se condiciona ao reconhecimento judicial.
Família monoparental: Constituída por qualquer dos genitores (pais) juntamente com seus
descendentes (filhos), biológicos ou adotivos (trata-se das entidades familiares constituídas por
pais e mães solteiros, respectivamente na companhia de seus filhos);
Família homoafetiva: Constituída por pessoas do mesmo sexo (dois homens ou duas
mulheres) via casamento ou união estável.
Família substituta: Constituída pela adoção, guarda ou tutela de menores. Essa modalidade
de família independe da existência de vínculos biológicos entre os seus integrantes.
Família anaparental: Constituída por pessoas com vínculos parentais. Não se incluem nessa
modalidade os pais (genitores). São exemplos de famílias anaparentais aquelas constituídas
por primos, irmão, tios e sobrinhos.
Família mosaico, pluriparental, recomposta ou reconstituída: Entidades familiares
constituídas por genitores que possuem a guarda de filhos de relacionamentos anteriores e
resolvem constituir uma nova família. São exemplos dessa modalidade de família: a mãe
solteira que se casa com um homem divorciado que possui a guarda de sua filha menor. Essa
modalidade permite a convivência entre padrastos e madrastas com seus respectivos enteados
(considera-se família reconstituída quando apenas um dos genitores possui filho de
relacionamento anterior, como é o caso do homem solteiro que se casa com uma mãe solteira,
dispensando-se que ambos possuam filhos de relacionamentos anteriores).
Famílias poliafetivas: Entidades familiares constituídas por mais de duas pessoas (homens,
mulheres e pessoas trans) que decidem viver afetivamente como família, haja vista o afeto e o
interesse que possuem em conviver umas com as outras. Importante ressaltar que essa
modalidade de entidade familiar decorre da interpretação extensiva e sistemática do direito
fundamental à liberdade e dignidade humana, não se admitindo que o Estado proíba um novo
modo de viver em família, até porque qualquer intervenção estatal nesse sentido pode ser
caracterizada como ofensa ao princípio constitucional da não discriminação, expressamente
previsto no artigo 3, inciso IV da Constituição brasileira de 1988.
O Art. 3, inciso IV, prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa a
promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Nosso ordenamento jurídico-constitucional explicita o direito
fundamental à igualdade e o princípio da não discriminação como nortes interpretativos do
Código Civil brasileiro, o que justifica a construção de leituras constitucionalizadas dos direitos
civis considerados essenciais ao exercício da cidadania.
A doação de sangue é considerada um Direito Civil que deverá ser indistintamente assegurado
a todos os brasileiros, independentemente de sua orientação sexual.
O estudo crítico dessa Portaria constitui um meio de demonstrar que a legislação brasileira
vigente é responsável por reproduzir o discurso de ódio, segregação e tratamento desigual
conferido aos homossexuais, naturalizando o preconceito mediante a estigmatização de
pessoas em razão de sua orientação sexual. O Art. 64, inciso IV, da Portaria 158 evidencia a
institucionalização da homofobia quando considera o homem gay como integrante do grupo de
risco para fins de doação de sangue. O Art. 129 estabelece que “o serviço de hemoterapia
realizará testes para infecções transmissíveis pelo sangue, a fim de reduzir riscos de
transmissão de doenças e em prol da qualidade do sangue doado”.
“Considerar-se-á inapto temporário por 12 meses o candidato que tenha sido exposto a
qualquer uma das situações abaixo: [...] IV- homens que tiveram relações sexuais com outros
homens e/ou as parceiras sexuais destes”.
Simbolicamente, isso se relaciona com a premissa de que tais sujeitos seriam promíscuos e
mais aptos às doenças sexualmente transmissíveis somente devido à sua condição e
orientação sexual.
O Art. 2, § 3, da Portaria 158, define que o objetivo dos serviços de hemoterapia é promover a
melhoria da atenção e acolhimento dos candidatos à doação de sangue, mediante triagem
clínica com vistas à segurança do receptor, “porém com isenção de manifestações de juízo de
valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida,
atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à
segurança do receptor” (BRASIL, 2016). A incongruência da portaria revela a
institucionalização legal de práticas homofóbicas ao pôr o homem gay no grupo de risco dos
doadores de sangue, pois, “se por um lado a portaria garante um acolhimento isento de
discriminação em razão da orientação sexual dos doadores, por outro exclui deliberadamente
homens gays que tenham uma vida minimamente ativa, mesmo que em relações estáveis e
com uso de preservativos” (CARDINALI, 2016, p. 116).
SANGUE
Pela regra vigente até então, gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem se
envolver em relações sexuais. A maioria do colegiado acompanhou o relator, Ministro Luiz
Edson Fachin, que entendeu que as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), além de violarem a dignidade humana, tratavam esse grupo de
pessoas de modo injustificadamente desigual, afrontando o direito fundamental à igualdade.
A sociedade civil define a priori papéis ao indivíduo a partir do gênero (masculino ou feminino)
ora assumido e construído ao longo da vida. A ciência do Direito compreende o sexo jurídico na
vertente biológica e, a partir disso, o nome categoriza os sujeitos como machos e fêmeas.
NOME SOCIAL
Utilizado para designar socialmente pessoas que assumem identidade de gênero distinta do
sexo biológico ao qual se encontra inserido morfologicamente.
ÂMBITO ESCOLAR
No dia 28 de abril de 2016, a então presidente da república Dilma Rousseff editou o Decreto
8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de
pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional.
Inicialmente, tal diploma legislativo foi comemorado pelos ativistas, por entenderem que
asseguraria inclusão e visibilidade àqueles indivíduos. Certamente, essa é uma importante
conquista no âmbito legislativo, porém insuficiente para garantir a igualdade jurídica aos
transgêneros quanto ao exercício pleno da cidadania e dos seus direitos civis. O nome social
não resolve a questão central, o nome civil, por meio do qual as pessoas são conhecidas e
individualizadas pelo Estado. Tanto o transexual quanto o travesti que se utilizam do nome
social continuam civilmente vinculados a um nome que não condiz com sua identidade de
gênero. Por essas razões, a proposta do uso do nome social constitui medida paliativa que não
enfrenta diretamente a problemática, pois não soluciona a problemática do nome civil,
perpetuando a discriminação, marginalidade e preconceito vivenciado pela população
transgênero no âmbito institucional.
DOENÇA
A Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) oficializou no dia 21 de maio de 2019, durante a 72º
Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, a retirada da classificação da transexualidade
como transtorno mental da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas de Saúde (CID).
PROVIMENTO 73
Por meio de simples declaração perante o oficial de registro civil de pessoas naturais, pessoas
trans poderão requerer a retificação do seu registro civil de nascimento, mediante a alteração
do nome e do gênero.
Para entender melhor sobre o Código Civil de 1916 e o patrimonialismo, veja o vídeo a seguir:
O Código Civil de 1916 e o patrimonialismo.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
ATENÇÃO
Nesse sentido, é importante esclarecer que o Direito Civil deve ser interpretado conforme e a
partir do texto da Constituição brasileira de 1988. Medida essa considerada essencial para
permitir que as relações jurídicas entre particulares observem o direito fundamental à
igualdade, dignidade humana, liberdade e não discriminação.
DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana possui previsão expressa no Art. 1º, inciso III, da Constituição, sendo
categorizada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Trata-se de
macroprincípio constitucional de onde irradiam todos os critérios utilizados para a interpretação
e aplicabilidade dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. A proteção
integral da pessoa humana se reflete diretamente no âmbito do Direito Civil, a partir do
fenômeno da despatrimonialização das relações privadas e da atenção especial dada às
questões existenciais.
Pensar a dignidade humana como referencial constitucional para o entendimento das relações
privadas é, inicialmente, pôr a pessoa humana no centro gravitacional de toda proteção jurídica
que rege as relações interpessoais. Deve-se admitir que toda relação jurídica firmada entre
particulares não poderá ter como guia o desprestígio do indivíduo. Tais premissas evidenciam a
imprescindibilidade de tratamentos igualitários, não discriminatórios, plurais e inclusivos nas
formas jurídicas de constituição de relações entre particulares. Ademais, a dignidade humana
deve ser pensada e efetivada tanto na perspectiva individual quanto na coletiva. O direito
democrático proposto pelas sociedades contemporâneas não admite a constituição de relações
ou a ratificação de condutas que coincidam com a coisificação de sujeitos, independentemente
da perspectiva e proposta buscada.
A efetividade do macroprincípio da dignidade humana, no âmbito do Direito Civil, é visualizada
nos seguintes exemplos:
Estabelecimentos comerciais não poderão adotar critérios raciais para impedir que
pessoas negras frequentem o espaço destinado ao divertimento, pois tal prática,
além de estimular a discriminação, atenta diretamente contra o princípio da
dignidade humana.
Uma empresa não poderá produzir campanha publicitária com o fim de enaltecer a
mulher branca em detrimento da negra, pois tal prática vai contra os parâmetros
constitucionais propostos pelo Estado Democrático de Direito.
Instituições privadas de ensino não poderão impedir a matrícula de pessoas trans
que ainda não retificaram seu registro civil de nascimento, pois tal prática reforça
estruturas sociais que reproduzem o preconceito e a discriminação sexual.
Esses exemplos demonstram que, por mais que as pessoas sejam consideradas livres para
construir suas relações jurídicas no âmbito privado, tal liberdade deverá ser regrada e dirigida
pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Constitucional brasileiro institui limites
à liberdade contratual e ao exercício dos direitos civis. O eixo central que direcionará o
respectivo regramento constitucional encontra-se no princípio da dignidade humana.
AUTONOMIA PRIVADA
A autonomia privada é uma proposição teórica do direito contemporâneo que possui estreita
relação com o direito fundamental à liberdade.
É um poder conferido a cada sujeito de se autogovernar na “sua esfera jurídica, tendo como
matriz a concepção de ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o
que é bom ou ruim para si, e que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com essas
escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores
relevantes da comunidade” (SARMENTO, 2005, p. 182).
A autonomia privada não pode ser confundida com a autonomia da vontade, pois são conceitos
que devem ser interpretados e diferenciados a partir do momento histórico em que foram
propostos.
Autonomia da vontade
Autonomia privada
EXEMPLO
SAIBA MAIS
Isso se repete no artigo 170, inciso III; artigo 173, § 1, inciso I; artigo 182, § 2; artigo 184, caput;
artigo 184, parágrafo único; artigo 186, caput, todos expressamente previstos no texto da
Constituição brasileira de 1988.
DIREITO À IGUALDADE
O direito fundamental à igualdade é uma conquista histórica da modernidade que se desenhou
a partir de premissas jurídico-legais.
ATENÇÃO
A desigualdade social pode ser verificada nos mais diversos aspectos, por razões econômicas,
sociais, sexuais, intelectuais, políticas, ideológicas, de gênero, idade, raça, crenças ou origem.
O pluralismo e a diversidade são características marcantes da sociedade contemporânea,
tornando-se indispensável a criação de proposições normativo-legais no sentido de corrigir tais
desigualdades. No âmbito das relações privadas, persistem tais desigualdades, o que justifica
a interpretação das normas do Código Civil brasileiro a partir das premissas previstas no texto
da Constituição Federal de 1988 (CF).
Tratar os iguais de modo igual, no âmbito de suas desigualdades, é uma proposição teórica
que evidencia a importância da análise de cada caso concreto quando se pretende reconhecer
a aplicabilidade do direito à igualdade. A igualdade material ou substancial somente se
efetivará quando, diante de uma situação concreta, puder verificar qual é a melhor e mais justa
interpretação construída para se alcançar a dignidade humana dos sujeitos envolvidos.
Essa lógica deverá guiar as premissas utilizadas na interpretação dos direitos que regem as
relações privadas, de modo que toda relação jurídica instituída entre sujeitos não coloque um
dos envolvidos em posição de desigualdade e vulnerabilidade.
A letra fria do texto legal não garante por si só a igualdade entre as pessoas. Será a
interpretação constitucionalizada, construída a partir da dignidade humana, que assegurará,
em cada caso concreto, a efetiva igualdade esperada. Para isso, a proteção jurídica da vida
humana, como um dos mais importantes bens jurídicos, deve se sobrepor, por exemplo, ao
direito de propriedade.
ATENÇÃO
O princípio da não discriminação nada mais é do que uma vertente negativa do direito à
igualdade, considerando que sua efetividade torna viável o exercício dos direitos da
personalidade, expressamente previstos no Código Civil vigente.
Determinada pesquisa (COSTA; PINTO, 2020) analisou a licitude de uma prática corriqueira no
mercado de entretenimento brasileiro, a distinção de preços de ingressos entre homens e
mulheres em locais de eventos. Ao final dela, foi possível inferir a inadmissibilidade de
tratamentos diferenciados e desprovidos de qualquer justificativa que objetivam tão somente
discriminar a pessoa, de modo a reduzi-la e colocá-la em situação vexatória, desigual,
degradante ou humilhante. Assim, não devem ser tolerados tratamentos diferenciados
dissociados do exercício legítimo de direitos fundamentais, em especial, quando o critério de
discriminação estiver baseado na raça, origem étnica, identidade de gênero ou orientação
sexual, os quais, em regra, são presumidamente odiosos. O ordenamento jurídico deve
rechaçar práticas diferenciadas que afetem a dignidade daquele que é discriminado.
Quando há oferta realizada ao público, o ofertante acaba por renunciar ao direito de selecionar
os contratantes sob bases individuais, de modo que a recusa, nessas circunstâncias, evidencia
uma conduta discriminatória, um ato de desprezo pela pessoa inadmitida.
- Ao atuar no mercado, o proprietário do estabelecimento manifesta e torna pública a oferta de
seus bens e serviços, razão pela qual qualquer indivíduo que deseja contratá-lo nas condições
previamente fixadas poderá fazê-lo.
- Os estabelecimentos abertos ao público, mesmo alicerçados na autonomia privada e no
princípio da livre iniciativa, não poderão estabelecer critérios de contratação e admissão de
pessoas diferenciadas.
- Portanto, a cobrança diferenciada de preços entre homens e mulheres constitui cláusula
abusiva e lesiva na relação de consumo, institucionalizando a desigualdade entre os gêneros
de maneira injustificada.
Nessa perspectiva teórica, tende a ser considerada ilícita e, portanto, inadmitida a cobrança de
preços distintos para admissão de homens e mulheres em estabelecimentos abertos ao
público. Essa desequiparação torna o gênero feminino inferior e tem por intuito fomentar a
discriminação em seu sentido negativo (depreciativo), não constituindo, inclusive, prática
amparada pela liberdade de contratação e pela livre iniciativa.
Quando o Estado intervém nessa seara, regulamentando a questão, deixa claro que a livre
iniciativa e a autonomia privada dos fornecedores devem ser exercidas de modo compatível
com a igualdade e dignidade humana dos fornecedores.
A cobrança diferenciada de preços, além de coisificar a mulher, coloca o homem em posição de
desigualdade jurídico-contratual, pois o obriga a pagar valor maior para desfrutar da mesma
prestação de serviços oferecida às pessoas do sexo feminino. Mesmo que os estabelecimentos
abertos tornem públicos os critérios diferenciados de admissão de clientes, como o caso da
cobrança diferenciada entre homens e mulheres, tal informação constitui cláusula contratual
abusiva e lesiva aos consumidores, que são tratados juridicamente de modo desigual.
ATENÇÃO
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
DIREITOS DA PERSONALIDADE
“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos
físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2011, p. 180).
Se o nome de uma pessoa física ou jurídica for indevidamente incluído nos cadastros de
restrição de crédito (se essa inserção for a única anotação), terá a vítima o direito à
indenização por danos morais no valor proporcional à extensão do dano sofrido, pois se deu a
prática de conduta ilícita e danosa contra um direito da personalidade.
Outro direito da personalidade previsto nos artigos 13 e 14 do Código Civil brasileiro vigente é
a integridade física e o corpo da pessoa humana. Por se tratar de um direito personalíssimo, a
legislação autoriza que cada indivíduo, no âmbito da sua liberdade e autonomia privada,
manifeste interesse em doar gratuitamente órgão ou parte do corpo humano para fins de
transplante ou para auxiliar tratamento médico de terceiros (doação de sangue, por exemplo).
Tal manifestação de vontade deverá ser livre e não remunerada, pois o próprio texto do Art.
199, § 4, da CF proíbe o comércio de órgãos ou partes do corpo humano.
O Art. 15 do Código Civil vigente estabelece o direito de toda pessoa livremente escolher se
aceita se submeter a tratamento médico ou cirurgia em caso de doença grave que lhe cause
risco de morte. Portanto, diante do direito fundamental à liberdade, corolário da dignidade
humana, nenhum médico poderá impor ao paciente um tratamento médico ou cirúrgico, pois
todo indivíduo tem autonomia de escolher o tratamento terapêutico a que pretende ou não se
submeter.
Qualquer pessoa poderá livremente exercer seus direitos da personalidade (ex. honra e
intimidade), cabendo a todos os demais sujeitos o dever de respeitar o seu exercício, daí a
expressão “oponível contra todos”.
INDISPONÍVEIS
Nem mesmo por vontade própria do indivíduo o direito da personalidade pode mudar de titular.
INTRANSMISSÍVEIS
É o direito ínsito na própria natureza do sujeito de direito, de exercício único e exclusivo pelo
seu titular.
IRRENUNCIÁVEIS
PATRIMÔNIO IMATERIAL
GENERALIDADE
A generalidade é outra característica inerente aos direitos da personalidade que “são
outorgados a todas as pessoas, pelo simples fato de existirem” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2011, p. 189). São direitos extrapatrimoniais, ou seja, não possuem conteúdo
patrimonial direto. Também não são quantificáveis monetariamente, porém, se violados, seus
titulares podem pleitear reparação ou indenização compensatória e proporcional à extensão do
dano.
IMPRESCRITIBILIDADE
A imprescritibilidade é outra característica a se destacar no estudo dos direitos da
personalidade, devendo-se esclarecer “que inexiste um prazo para o seu exercício, não se
extinguindo pelo não uso” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 192). Assim como os
direitos fundamentais e os humanos, os da personalidade não são regidos temporalmente por
disposições legais preexistentes, pois, em razão das suas peculiaridades e finalidades, deve-se
aplicar a regra geral da imprescritibilidade, como referencial teórico hábil a legitimar sua
efetividade e concretude. A impenhorabilidade é um desdobramento lógico da indisponibilidade,
bem como da ausência de natureza monetária como elemento central dos direitos aqui
debatidos.
VITALICIEDADE
A vitaliciedade, última característica relevante, considera que “os direitos da personalidade
são inatos e permanentes, acompanhando a pessoa desde a primeira manifestação de vida até
o seu pensamento” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 193). Os direitos da
personalidade são auferíveis desde a concepção, diante da proteção jurídica do nascituro
expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro, até após a morte da pessoa física,
em face do direito de proteção jurídica de seu nome. No parágrafo único do Art. 12 do Código
Civil brasileiro, admite-se que o cônjuge sobrevivente e parentes até quarto grau pleiteiem
indenização decorrente de ato ilícito e danoso praticado contrariamente ao direito ao nome de
pessoa falecida.
Artigo 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
Embora abarque a ética médica, não se restringe a essa área, pois tem conceito mais amplo,
que ultrapassa o debate das questões éticas envolvendo médico e paciente. Também pode ser
vista como “o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e
normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias
éticas num contexto interdisciplinar” (JUNGES, 2003, p. 21).
O eixo central das proposições teóricas abordadas pelos bioeticistas é fomentar reflexões no
sentido de compreender a relação existente entre ética e avanços biotecnológicos no campo da
Medicina. Tem como objeto o debate, por exemplo, da clonagem, do transplante e da doação
de órgãos, da reprodução medicamente assistida, do direito à eutanásia (direito à morte digna)
e da manipulação de embriões humanos.
Pesquisas envolvendo pessoas são eticamente admitidas? O paciente doente e em estado
terminal tem direito à eutanásia para morrer com dignidade? É cientificamente admissível, sob
o ponto de vista ético, a manipulação e a seleção de embriões humanos nos casos de
reprodução assistida? Qual a destinação dada aos embriões humanos congelados em clínicas
de reprodução assistida? Essas são algumas das inúmeras indagações da Bioética, que
problematiza os limites éticos a serem observados pelos cientistas no progresso das ciências
médicas envolvendo a pessoa humana.
BENEFICÊNCIA
O progresso da ciência e a evolução biotecnológica serão considerados eticamente adequados
se trouxerem para as pessoas humanas benefícios no que tange à qualidade de vida, não se
admitindo procedimentos ou condutas que venham a causar sofrimento ou violação de direitos
dos indivíduos.
AUTONOMIA PRIVADA
Tal princípio se relaciona com a autodeterminação da pessoa humana, sua liberdade de
escolha em contribuir diretamente para o progresso da ciência, desde que tal decisão não lhe
cause sofrimento, penosidade ou indignidade.
JUSTIÇA
Trata-se de princípio “que obriga a garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos
benefícios dos serviços de saúde” (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p.44). Além de trazer
benefícios para a humanidade, o progresso da ciência deverá privilegiar, também, a justiça no
que tange à diminuição das desigualdades sociais existentes.
O BIODIREITO
Embora seja considerado por alguns estudiosos como uma pós-Bioética, deve-se esclarecer
que o Biodireito:
Veja agora como a bioética e o biodireito se comportam dentro do campo do direito civil.
Bioética e biodireito no campo do direito civil
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Você viu que o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil brasileiro tem como norte a
despatrimonialização das relações jurídicas entre particulares, priorizando-se a proteção da
dignidade humana, dos direitos fundamentais à liberdade, igualdade, autonomia privada e do
princípio da não discriminação.
PODCAST
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BRASIL. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC N.34, de 11 de
junho de 2014. Consultado em meio eletrônico em: 23 jun. 2020.
BRASIL. Portaria 158, de 04 de fevereiro de 2016. Consultado em meio eletrônico em: 30 jun.
2020.
CARDINALI, D. C. A proibição de doação de sangue por homens homossexuais: uma
análise sob as teorias do reconhecimento de Fraser e Honneth. In: Revista Digital
Constituição e Garantia de Direitos, v.9, n.2, 2016. Consultado em meio eletrônico em: 30 jun.
2020.
DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro. 1. Teoria Geral do Direito Civil. 25 ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
GAGLIANO, P. S; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil. Parte Geral. 13.ed. São
Paulo: Saraiva, 2011.
SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional positivo. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
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CONTEUDISTA
FABRÍCIO VEIGA COSTA
CURRÍCULO LATTES