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DEFINIÇÃO
Relação entre as premissas do Código Civil brasileiro e o texto da Constituição brasileira de
1988. Direitos da personalidade e critérios hermenêutico-democráticos de sua interpretação
constitucionalizada. Características dos direitos da personalidade e suas espécies: nome,
autonomia privada, igualdade, não discriminação, liberdade, vida. Biodireito e seus princípios
regentes: beneficência, não maleficência e autonomia privada.

PROPÓSITO
Compreender critérios e fundamentos hermenêuticos utilizados como parâmetros para a
interpretação constitucional do Código Civil brasileiro, estabelecendo um diálogo com a
autonomia privada, a dignidade humana e os princípios balizadores do Biodireito.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, tenha em mãos o Código Civil brasileiro vigente (Lei
10.406, de 10 de janeiro de 2020) e a Constituição brasileira de 1988, ambos disponíveis no
Portal de Legislação do Planalto.

OBJETIVOS
MÓDULO 1

Reconhecer a relação entre o Direito Civil e o texto da Constituição brasileira de 1988

MÓDULO 2

Descrever os critérios hermenêuticos de interpretação democrático-constitucionalizada do


Código Civil

MÓDULO 3

Reconhecer a relação entre os direitos da personalidade e a Constituição brasileira de 1988

MÓDULO 4

Identificar o objeto e os princípios do Biodireito e da Bioética

INTRODUÇÃO
Neste tema, você estudará a relação teórica e jurídica entre o Direito Civil e as normas
previstas na Constituição brasileira de 1988.

Também conhecerá os critérios hermenêuticos que objetivam sistematizar a interpretação


democrático-constitucionalizada do Código Civil brasileiro, utilizando como referenciais teóricos
e interpretativos a dignidade humana, a autonomia privada (liberdade), direito à igualdade e
princípio da não discriminação.

Outro importante aprendizado está relacionado com a definição e a caracterização dos direitos
da personalidade, além da sua comparação com o texto da nossa Constituição. Finalmente,
você encontrará questões instigantes quando, no último módulo, identificar o objeto do
Biodireito e da Bioética com seus princípios regentes, como a autonomia privada, beneficência
e justiça.

Vamos então ao estudo da constitucionalização do Direito Civil no Brasil.

MÓDULO 1

 Reconhecer a relação entre o Direito Civil e o texto da Constituição brasileira de 1988

O DIREITO CIVIL
O Direito Civil encontra-se codificado (Código Civil brasileiro vigente - Lei 10.406, de 10 de
janeiro de 2002) e tem em suas disposições legais o objetivo de regular as relações privadas
entre pessoas físicas, pessoas jurídicas e entes despersonalizados. Foi dividido
preliminarmente da seguinte maneira:

PESSOAS

Pessoas físicas e jurídicas.

BENS

Bens classificados, basicamente, entre móveis, imóveis e semoventes.

ENTES DESPERSONALIZADOS

Entes como espólio, condomínio, massa falida, nascituro.


Embora tais classificações e relações jurídicas estejam sistematizadas e reguladas no plano
infraconstitucional, a leitura dessas proposições legislativas deve ser interpretada a partir do
texto da Carta Magna de 1988, em face do princípio da supremacia da Constituição e da
interpretação conforme o texto constitucional. Interpretar o Código Civil conforme a
Constituição Federal, como nos recomenda o referido princípio, promove não apenas uma
importante organização do sistema jurídico em seu aspecto evolutivo, mas também uma
notória segurança jurídica a respeito da eficácia e incidência das normas infraconstitucionais
(ex. leis federais).

INFRACONSTITUCIONAL

Refere-se a todas as normas jurídicas que estão hierarquicamente sob a Constituição Federal.

JUSTAPÕE-SE AO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DA


CONSTITUIÇÃO OUTRO PRINCÍPIO APONTADO PELOS
CONSTITUCIONALISTAS, ESPECIFICAMENTE COMO
INTERPRETATIVO DE SEU TEXTO, O CHAMADO
PRINCÍPIO DA FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO.

(DIAS, 2010, p. 117)

Eticidade, socialidade e operacionalidade são as novas diretrizes teóricas propostas pelo


atual Código Civil brasileiro.

ETICIDADE
SOCIALIDADE
OPERACIONALIDADE
ETICIDADE

Quanto à eticidade, há uma preocupação evidente do legislador infraconstitucional com a ética


como fator regente das relações jurídicas constituídas entre os particulares, justificando os
princípios da boa-fé objetiva e subjetiva nas relações contratuais.

SOCIALIDADE

A socialidade, por sua vez, rompe com o individualismo exacerbado no Código Civil brasileiro
de 1916, propondo uma ressignificação das relações entre particulares. Isso é evidenciado, por
exemplo, na função social da propriedade privada, que perde seu caráter absoluto e dá lugar a
uma visão menos privatística, pois o proprietário ou possuidor deverá cumprir as diretrizes
coletivas para exercer legitimamente o seu direito fundamental à propriedade.

OPERACIONALIDADE

Operacionalidade, terceiro princípio regente, estabelece o desapego à linguagem rebuscada,


ou seja, a legislação proposta deve ser em uma linguagem clara, concisa, objetiva e de fácil
entendimento para a sociedade civil. Esse cuidado manifesta a preocupação do legislador com
a acessibilidade do texto legal, promovendo mais democraticidade no exercício dos direitos
civis previstos no plano legislativo.

 SAIBA MAIS

A função social da empresa é outro exemplo que ilustra a socialidade como fundamento
regente do Direito Civil contemporâneo, assim como a função social dos contratos. Na
realidade, “o princípio da socialidade reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os
individuais, sem perda, porém, do valor fundamental da pessoa humana” (GONÇALVEZ, 2002,
p. 5).
A despatrimonialização do Direito Civil é fenômeno jurídico contemporâneo que coincide com a
sua constitucionalização. Compreender o Direito Civil e interpretá-lo sob a ótica
constitucionalizada é um meio de romper com as premissas patrimonialistas da legislação civil
brasileira do início do século XX, a qual deixava claro o interesse do legislador em proteger a
propriedade privada em detrimento da pessoa humana.

O regime dotal de casamento, por exemplo, evidenciava a intenção patrimonialista da


legislação – do artigo 278 ao 288 havia uma autorização ao pai para pagar um dote a quem se
casasse com sua filha, manifestando o desprestígio da pessoa humana no contexto da
legislação civil e patrimonialista vigente no início daquele século.

O inciso III do Art. 1º da Constituição assegura a institucionalização da dignidade humana


como um dos fundamentos da República. A partir de então, o Direito Civil deixou de ser lido e
interpretado na perspectiva patrimonialista, pois o eixo central do ordenamento jurídico-
constitucional brasileiro passa a ser a ampla e integral proteção da pessoa humana.

A natureza principiológica da dignidade humana “decorre de seu conteúdo aberto, utilizado


como referencial teórico à compreensão sistemática do direito que prioriza a proteção jurídica
das pessoas na sua maior amplitude possível, seja no aspecto individual ou coletivo” (COSTA,
2019, p. 216).

O advento dos direitos fundamentais, como tratados no texto constitucional, é o referencial


lógico-jurídico de interpretação das normas previstas no Código Civil brasileiro vigente, pois os
direitos fundamentais são “concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana, consagrado expressamente em nossa Lei Fundamental” (SARLET, 2004, p. 81).

DIREITOS FUNDAMENTAIS

“Os Direitos Fundamentais representam a constitucionalização daqueles Direitos Humanos que


gozaram de alto grau de justificação ao longo da história dos discursos morais, que são, por
isso, reconhecidos como condições para a construção e o exercício dos demais direitos”
(GALUPPO, 2003, p. 233).

A proposta de constitucionalização do Direito Civil demonstra que seu objeto não pode ficar
adstrito às questões patrimoniais. Além de privilegiar a dignidade humana como critério regente
das relações privadas, a liberdade e a igualdade também são consideradas referenciais hábeis
à interpretação dos direitos civis. Significa dizer, por exemplo, que as pessoas são livres na
forma de constituição de família; os filhos são iguais no exercício de direitos; homens e
mulheres possuem os mesmos direitos e deveres no âmbito do casamento e da união estável;
é juridicamente inadmissível tratamento discriminatório entre cônjuges e companheiros para
fins sucessórios; proíbem-se designações discriminatórias no âmbito das relações contratuais,
além do direito conferido às pessoas de optarem de modo autônomo se escolherão ou não se
submeter a tratamento médico-terapêutico em caso de doenças graves.

 ATENÇÃO

A releitura do Direito Civil a partir do texto da Constituição de 1988 advém do Estado


Democrático de Direito, com o objetivo central de assegurar a liberdade individual, a igualdade
jurídica nas relações privadas, o tratamento digno da pessoa humana e a autonomia nas
relações contratuais, cujo eixo central deixa de ser o patrimônio e passa a ser a ampla e
integral proteção jurídica da pessoa humana.

Assim, “a dignidade humana corretamente compreendida está relacionada ao autorrespeito,


como a ideia segundo a qual toda e qualquer vida é importante e tem o mesmo valor, e à
autenticidade, relacionada à ideia segundo a qual cabe a cada ser humano desenvolver
livremente seus projetos de felicidade” (OMMATI, 2018, p. 23). O centro gravitacional do direito
contemporâneo é a preservação e o exercício dos direitos fundamentais, representando:
EM GERAL O ESTABELECIMENTO DE LIMITES
NEGATIVOS E POSITIVOS AO PROCESSO
DEMOCRÁTICO, UMA VEZ QUE TAIS DIREITOS
EXERCEM UMA FUNÇÃO NEGATIVA OU RESTRITIVA
QUANDO PROÍBEM A PRÁTICA DE DETERMINADAS
CONDUTAS AO ESTADO E A PARTICULARES, E
EXERCEM UMA FUNÇÃO POSITIVA OU DIRETIVA
QUANDO IMPÕEM, PRINCIPALMENTE AO ESTADO, A
PRÁTICA DE OUTRAS CONDUTAS

(MELLO, 2004, p. 143)

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais materializa proposições teóricas para proteger
constitucionalmente as relações jurídicas entre particulares. Em outras palavras, “os direitos
fundamentais também poderão ser opostos aos próprios particulares, sejam pessoas naturais
ou jurídicas, isto é, os direitos fundamentais devem ser aplicados às relações privadas”
(QUEIROZ, 2020, p. 45).

A horizontalidade aproxima as garantias constitucionais de seus verdadeiros protegidos, no


caso, a população brasileira, posto que de nada adianta a sofisticação de um texto
constitucional quando ele se limita a ser um conjunto de folhas de papel. A eficácia deve ser
notada nos direcionamentos da República e na solução de casos concretos entre particulares.

APLICAÇÃO DOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS ÀS RELAÇÕES JURÍDICAS
Como garantir efetivamente a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações jurídicas
entre particulares? Vamos conhecer a seguir algumas situações fáticas e jurídicas para ilustrar
tal indagação:
IGUALDADE JURÍDICA ENTRE FILHOS
O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 355 a 366, admitia designações discriminatórias entre
filhos. O legislador infraconstitucional à época reconhecia como legítimo apenas o filho
concebido na constância do casamento, os demais eram categorizados como adulterinos,
espúrios, incestuosos e ilegítimos, além de não serem titulares de iguais direitos em
comparação aos legítimos. A ciência do Direito reconhecia e legitimava esse tratamento jurídico
desigual, contudo, com o advento da Constituição de 1988, o Código Civil passou a ser
interpretado sob a ótica do direito fundamental à igualdade e dignidade humana. A partir de
então, não se admitiu mais qualquer tratamento desigual e discriminatório, uma vez que os
direitos civis assegurados aos filhos passaram a ser iguais, independentemente da forma de
sua concepção.

O direito à herança, ao reconhecimento de paternidade, aos alimentos e à convivência com o


pai, com a mãe, avós e tios passaram a ser inerentes à dignidade humana. O Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) e o atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002)
ratificaram a igualdade dos filhos estabelecida pelo texto da Constituição.

IGUALDADE JURÍDICA ENTRE CÔNJUGES


O Código Civil brasileiro de 1916, Art. 6º, considerava a mulher casada como sujeito
relativamente incapaz, legitimando a sua desigualdade jurídica em relação ao homem. A
institucionalização patriarcado, com homem sendo considerado chefe da família, era refletida
no Art. 36, parágrafo único, o qual estabelecia o domicílio do marido como também sendo o da
mulher casada, robustecendo ainda mais o tratamento desigual. As normas jurídicas que
vigoraram no Direito brasileiro legitimavam o desigual tratamento conferido aos cônjuges, e
somente após a aprovação do Estatuto da Mulher Casada a esposa deixou a condição de
relativamente incapaz rem relação ao marido.

A Constituição brasileira de 1988, Art. 5º, caput, é categórica ao estabelecer, perante a lei, a
igualdade de todos e o exercício dos direitos fundamentais previstos no plano constituinte e
instituinte. Nesse contexto propositivo, institucionalizou-se a igualdade jurídica entre homens e
mulheres no âmbito das relações privadas, sendo proibido qualquer tratamento desigual ou
discriminatório.

Ao menos no plano normativo, a Constituição democrática desconstruiu o patriarcado no


casamento. As premissas do legislador constituinte de 1988 são confirmadas em legislações
infraconstitucionais posteriores, como o atual Código Civil brasileiro, que ratifica, no plano
normativo, a igualdade jurídica de ambos os sexos no âmbito do casamento.
PROIBIÇÃO DE RELAÇÕES CONTRATUAIS CUJO
OBJETO É O COMÉRCIO DE ÓRGÃOS HUMANOS
A autonomia privada, corolário do direito fundamental à liberdade e autodeterminação da
pessoa humana, confere aos contratantes a legitimidade jurídica de escolherem o que
contratarão e como será planejado e executado o contrato realizado. Contudo, essa liberdade
não é irrestrita, em vista do dirigismo contratual, ou seja, os contratos não poderão ser
instituídos de modo a permitir a violação de direitos fundamentais ou da dignidade humana de
um dos sujeitos que integram a relação contratual. Isso é refletido no Art. 199, § 4, da
Constituição de 1988, que vedou expressamente todo tipo de comercialização de órgãos,
tecidos e substâncias humanas para fins de transplante.

Apesar de ser livre e ter autonomia quanto ao seu próprio corpo, um indivíduo não pode
vender, por exemplo, um de seus rins. A limitação jurídica no que tange à realização de
contratos se justifica constitucionalmente a partir do princípio da dignidade, que veda
expressamente a coisificação e a patrimonialização da pessoa humana no âmbito das relações
jurídicas constituídas entre particulares.

Essa conclusão somente é viável mediante a interpretação constitucionalizada, sistemática e


integrativa do Direito Civil, cuja finalidade central deverá ser sempre a ampla e integral
proteção da pessoa humana.

IGUALDADE JURÍDICA NAS RELAÇÕES


CONTRATUAIS
As relações contratuais no âmbito do direito privado são regidas pela liberdade conferida às
partes concernente à definição do objeto e da forma como estabelecerão a relação contratual.
A legislação civil brasileira vigente estabelece em normas específicas tanto a forma como o
objeto a ser contratado. A realização do contrato de casamento, por exemplo, deve ser solene
e pública. Isso evidencia o dirigismo contratual.

Os artigos 423 e 424 do atual Código Civil brasileiro são categóricos ao estabelecer que,
quando houver contrato de adesão com cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve-se adotar
a interpretação mais favorável ao aderente. O estabelecimento dessa interpretação constitui
uma forma adotada pelo legislador infraconstitucional de garantir igualdade dos sujeitos
integrantes da referida relação contratual.

Ao aderente, foram impostas todas as cláusulas contratuais como condição à realização do


contrato, portanto nada mais justo lhe garantir a interpretação mais favorável e digna.
DIRIGISMO CONTRATUAL

Consiste na legitimidade conferida ao Estado de intervir nas relações contratuais entre


particulares como modo de assegurar a igualdade e a dignidade humana dos sujeitos
contratantes.

CONTRATO DE ADESÃO

Considera-se de adesão o contrato por meio do qual as partes não possuem liberdade de
escolher as cláusulas contratuais propostas. Todo o contrato já vem pronto, cabendo aos
sujeitos aderirem a ele ou não.

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA E DOS


CONTRATOS
A liberdade de contratar não pode ser exercida ampla e irrestritamente, e sim nos limites da
função social do contrato, conforme estabelecido pelo artigo 421 do atual Código Civil.

Embora o contrato seja reflexo do exercício da liberdade conferida às partes de contratar, tais
relações jurídicas não podem atentar contra o princípio da dignidade da pessoa humana.

Por exemplo, não é admitido firmar contratos que autorizem exploração da mão de obra
escrava, mesmo com consentimento, pois tal modalidade vai de encontro à função social dos
contratos e ofende o princípio da dignidade humana. No mesmo sentido, a legislação
infraconstitucional e constitucional estabelece a função social da propriedade com um dos
parâmetros regentes ao exercício do respectivo direito fundamental.

Assim, evidencia-se que a propriedade privada não possui caráter absoluto, pois seu
proprietário ou possuidor tem o deve de cumprir sua função social, dando-lhe utilidade para
atender os interesses privado e público.

Exemplo: o Estado institui no âmbito urbano a destinação a ser dada a cada propriedade
(imóvel residencial ou comercial), como também proíbe o cultivo de plantas psicotrópicas em
propriedades privadas rurais (cultivo de maconha, por exemplo). As limitações legais previstas
ao exercício do direito fundamental de propriedade objetivam evidenciar a superação de seu
caráter eminentemente individual e absoluto, regulamentando a obrigatoriedade quanto ao
cumprimento da função social.
FUNÇÃO SOCIAL

É o que prevê expressamente o parágrafo único do artigo 2.035 do atual Código Civil brasileiro,
Lei 10.406/2002, ao estabelecer que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos
de ordem pública, tais como a função social da propriedade e dos contratos.

PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA DA PESSOA


CURATELADA
A curatela prevê a possibilidade de nomear um curador para pessoa comprovadamente
incapacitada de praticar os atos da vida civil de maneira autônoma. Para isso, é necessária a
propositura de ação judicial (do artigo 747 ao 763 do Código de Processo Civil de 2015),
quando o magistrado analisará se a pessoa demandada possui ou não autonomia em relação
ao exercício dos atos da vida civil. Se ficar comprovada essa incapacidade, será nomeado um
curador. Todos possuem capacidade para gerir os atos da sua vida civil, seja no âmbito
patrimonial ou no âmbito existencial.

CURATELA

Instituto previsto nos artigos 1.767 a 1.783 do atual Código Civil brasileiro (Lei 10.406/2002).

CURADOR

Pessoa autorizada pelo juiz a representar o curatelado nos atos da vida civil. Por exemplo, um
filho que é nomeado curador de seu pai, idoso e acamado, impossibilitado de exercer de forma
autônoma os atos da vida civil.

ÂMBITO PATRIMONIAL

Gestão de seus bens e patrimônio.


ÂMBITO EXISTENCIAL

Decisões da vida que não possuem relação direta com as questões patrimoniais. Por exemplo,
a autonomia na tomada de decisões concernentes ao exercício de seus direitos fundamentais e
da personalidade, como submeter-se ou não a tratamento médico em caso de doença grave.

O instituto da curatela, previsto no plano infraconstitucional, deverá ser compreendido e


analisado sob a ótica do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

É estabelecido que os limites judiciais para a atuação do curador restringem-se às questões de


ordem material, preservando a autonomia do curatelado nas escolhas existenciais, e à
gestão das questões materiais (patrimoniais) do curatelado.

ESCOLHAS EXISTENCIAIS

Um exemplo é o direito de escolher ser cremado após a morte.

LIMITAÇÃO DA LIBERDADE DE TESTAR


O testamento é um instituto jurídico que oportuniza ao testador o direito de planejar a
destinação de seus bens após seu falecimento. A liberdade de testar não é irrestrita, pois há
previsão legal que delimita o exercício da autonomia e do direito fundamental à liberdade de
escolha do testador.

O Art. 1.846 do atual Código Civil brasileiro estabelece que pertence aos herdeiros necessários
(descendentes, ascendentes ou cônjuges), de pleno direito, a metade dos bens da herança.
Nesse caso, o testador somente poderá testar 50% do seu patrimônio.

A leitura constitucionalizada desse dispositivo legal leva-nos a concluir que o Estado intervém
na autonomia privada e na liberdade das pessoas ao não permitir que seja objeto de
testamento 100% de seu patrimônio em caso de existência de herdeiro necessário. Tal leitura
sugere que esse dispositivo legal poderia ser considerado inconstitucional, pois atenta contra o
direito fundamental de liberdade do testador. O testamento é pouquíssimo utilizado no Brasil,
posto que o cidadão brasileiro não possui um bom diálogo com a morte e, por consequência,
com os seus efeitos, em especial na organização de sua sucessão patrimonial.

DIREITO FUNDAMENTAL À LIBERDADE NA FORMA DE


CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIAS
A liberdade é um dos direitos fundamentais mais densos, importantes e necessários à
construção da sociedade democrática. Indivíduos livres exercem com legitimidade democrática
todos direitos previstos no plano normativo, de maneira igual e digna. No âmbito do direito das
famílias, deve-se reconhecer o direito de cada um escolher livremente a forma como
constituirá sua entidade familiar, sem intervenção ilegítima e arbitrária do Estado. Em uma
sociedade democrática, o papel do Estado é o de legitimar e reconhecer as formas livres e
plurais de constituição familiares.

DIREITO DAS FAMÍLIAS

Não se utiliza aqui a expressão “direito de família” porque existem várias modalidades
familiares legítimas. “A Constituição Federal, ao eleger como princípio a liberdade de
planejamento familiar e o pluralismo de entidades familiares, sem distinção ou hierarquia, todas
merecedoras de proteção estatal, alargou o conceito de família, que não ocorre mais apenas
no modelo jurídico do casamento” (CARVALHO, 2015, p. 54).

A partir da interpretação sistemática e extensiva do texto da Constituição, o conceito de família,


no Estado Democrático de Direito, é aberto, plural, inclusivo e marcado pela diversidade.

Devido a essa liberdade, não se admite a interferência do Estado na vida privada, segregando
modelos familiares não encontrados nas diretrizes impostas aprioristicamente por padrões
morais e religiosos, caso contrário seria legitimar a ofensa sistematizada do texto
constitucional.

Os critérios jurídicos para a definição de família são: reunião de duas ou mais pessoas,
vinculadas ou não afetivamente, que possuem o animus de viver em família, não podendo tais
sujeitos sofrer qualquer intervenção do Estado quanto às suas escolhas individuais. Nesse
contexto, destacam-se as chamadas famílias unipessoais, pois as pessoas que vivem
sozinhas devem ser juridicamente consideradas como membro familiar para gozarem, por
exemplo, do direito à impenhorabilidade do bem de família.

A amplitude desse conceito é exemplificada nas espécies de família admitidas


constitucionalmente no direito brasileiro:
ANIMUS

Intenção.

FAMÍLIAS UNIPESSOAIS

Constituídas por apenas uma pessoa.

DO DIREITO À IMPENHORABILIDADE DO BEM


DE FAMÍLIA

Direito expressamente previsto no inciso XXVI do artigo 5 da Constituição Federal de 1988 e


na Lei 8009/90.

Família matrimonial: Constituída por pessoas casadas. Na atual sistemática jurídica adotada
pelo direito brasileiro, poderão contrair matrimônio tanto indivíduos heterossexuais quanto
homossexuais.

União estável: Sociedade de fato constituída por duas pessoas (casais heterossexuais e pares
homoafetivos) que livremente se apresentam na sociedade como se casados fossem. A
produção dos seus efeitos jurídicos se condiciona ao reconhecimento judicial.

Família monoparental: Constituída por qualquer dos genitores (pais) juntamente com seus
descendentes (filhos), biológicos ou adotivos (trata-se das entidades familiares constituídas por
pais e mães solteiros, respectivamente na companhia de seus filhos);

Família homoafetiva: Constituída por pessoas do mesmo sexo (dois homens ou duas
mulheres) via casamento ou união estável.

Família substituta: Constituída pela adoção, guarda ou tutela de menores. Essa modalidade
de família independe da existência de vínculos biológicos entre os seus integrantes.

Família anaparental: Constituída por pessoas com vínculos parentais. Não se incluem nessa
modalidade os pais (genitores). São exemplos de famílias anaparentais aquelas constituídas
por primos, irmão, tios e sobrinhos.
Família mosaico, pluriparental, recomposta ou reconstituída: Entidades familiares
constituídas por genitores que possuem a guarda de filhos de relacionamentos anteriores e
resolvem constituir uma nova família. São exemplos dessa modalidade de família: a mãe
solteira que se casa com um homem divorciado que possui a guarda de sua filha menor. Essa
modalidade permite a convivência entre padrastos e madrastas com seus respectivos enteados
(considera-se família reconstituída quando apenas um dos genitores possui filho de
relacionamento anterior, como é o caso do homem solteiro que se casa com uma mãe solteira,
dispensando-se que ambos possuam filhos de relacionamentos anteriores).

Família eudemonista: Etimologicamente, eudemonia significa felicidade. Essa modalidade de


família é constituída por duas ou mais pessoas que não possuem vínculo de parentesco
(consanguíneo, afetivo ou civil), mas, em razão do estreito laço afetivo existente, reconhecem-
se como membros integrantes de uma mesma entidade familiar, possuindo como objetivo
comum a felicidade. Esse é o caso, por exemplo, de amigos que resolvem não se casar e nem
constituir relações afetivas com parceiros(as) e, por isso, optam por viverem juntos.

Família multiparental: A multiparentalidade é um instituto jurídico que reconhece a


possibilidade de uma mesma pessoa possuir mais de um vínculo de filiação com pai ou mãe. É
o caso, por exemplo, do filho que possui em seu registro de nascimento o nome do pai
biológico e do pai afetivo (padrasto), situação essa já reconhecida pelo Direito brasileiro. Nesse
sentido, a família multiparental é constituída por filhos que possuem, simultaneamente,
múltiplos vínculos de filiação com mais de um pai ou mais de uma mãe em seu registro de
nascimento.

Famílias poliafetivas: Entidades familiares constituídas por mais de duas pessoas (homens,
mulheres e pessoas trans) que decidem viver afetivamente como família, haja vista o afeto e o
interesse que possuem em conviver umas com as outras. Importante ressaltar que essa
modalidade de entidade familiar decorre da interpretação extensiva e sistemática do direito
fundamental à liberdade e dignidade humana, não se admitindo que o Estado proíba um novo
modo de viver em família, até porque qualquer intervenção estatal nesse sentido pode ser
caracterizada como ofensa ao princípio constitucional da não discriminação, expressamente
previsto no artigo 3, inciso IV da Constituição brasileira de 1988.

Tal classificação de entidades familiares somente se torna viável com a constitucionalização do


Direito Civil, cujas bases estão no direito fundamental à liberdade, inclusive a de escolha da
forma e do meio de constituição dos vínculos familiares, priorizando-se a construção digna e
igualitária de modos diversos de relacionamentos afetivos protegidos juridicamente.

DIREITO DE GAYS DOARAM SANGUE E A PROIBIÇÃO


DE DISCRIMINAÇÃO NAS RELAÇÕES PRIVADAS
O Art. 5, caput, da Constituição brasileira de 1988, assegura a todos o exercício dos direitos
fundamentais à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. O Art. 199, § 4, prevê o
direito de qualquer indivíduo de ser doador de órgãos, sangue ou qualquer parte do corpo
humano, sendo proibido qualquer tipo de comercialização.

O Art. 3, inciso IV, prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa a
promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Nosso ordenamento jurídico-constitucional explicita o direito
fundamental à igualdade e o princípio da não discriminação como nortes interpretativos do
Código Civil brasileiro, o que justifica a construção de leituras constitucionalizadas dos direitos
civis considerados essenciais ao exercício da cidadania.

A doação de sangue é considerada um Direito Civil que deverá ser indistintamente assegurado
a todos os brasileiros, independentemente de sua orientação sexual.

Mesmo diante desse contexto propositivo, a Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e a


Resolução 34/2014 da ANVISA são claras ao proibirem homens declaradamente gays de
doarem sangue.

O estudo crítico dessa Portaria constitui um meio de demonstrar que a legislação brasileira
vigente é responsável por reproduzir o discurso de ódio, segregação e tratamento desigual
conferido aos homossexuais, naturalizando o preconceito mediante a estigmatização de
pessoas em razão de sua orientação sexual. O Art. 64, inciso IV, da Portaria 158 evidencia a
institucionalização da homofobia quando considera o homem gay como integrante do grupo de
risco para fins de doação de sangue. O Art. 129 estabelece que “o serviço de hemoterapia
realizará testes para infecções transmissíveis pelo sangue, a fim de reduzir riscos de
transmissão de doenças e em prol da qualidade do sangue doado”.

ART. 64, INCISO IV, DA PORTARIA 158

“Considerar-se-á inapto temporário por 12 meses o candidato que tenha sido exposto a
qualquer uma das situações abaixo: [...] IV- homens que tiveram relações sexuais com outros
homens e/ou as parceiras sexuais destes”.

Se a finalidade dos bancos de doação de sangue é auferir previamente a qualidade do sangue


doado, mediante exames específicos, por que ainda há a estigmatização do homem gay
doador? Certamente, pelo fato de o próprio Estado reconhecê-lo como parte de um grupo de
risco.

Simbolicamente, isso se relaciona com a premissa de que tais sujeitos seriam promíscuos e
mais aptos às doenças sexualmente transmissíveis somente devido à sua condição e
orientação sexual.

O Art. 2, § 3, da Portaria 158, define que o objetivo dos serviços de hemoterapia é promover a
melhoria da atenção e acolhimento dos candidatos à doação de sangue, mediante triagem
clínica com vistas à segurança do receptor, “porém com isenção de manifestações de juízo de
valor, preconceito e discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, hábitos de vida,
atividade profissional, condição socioeconômica, cor ou etnia, dentre outras, sem prejuízo à
segurança do receptor” (BRASIL, 2016). A incongruência da portaria revela a
institucionalização legal de práticas homofóbicas ao pôr o homem gay no grupo de risco dos
doadores de sangue, pois, “se por um lado a portaria garante um acolhimento isento de
discriminação em razão da orientação sexual dos doadores, por outro exclui deliberadamente
homens gays que tenham uma vida minimamente ativa, mesmo que em relações estáveis e
com uso de preservativos” (CARDINALI, 2016, p. 116).

Em 09 de maio de 2020, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as normas que


proíbem gays de doarem sangue.

SANGUE

Pela regra vigente até então, gays só poderiam doar sangue se ficassem 12 meses sem se
envolver em relações sexuais. A maioria do colegiado acompanhou o relator, Ministro Luiz
Edson Fachin, que entendeu que as normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), além de violarem a dignidade humana, tratavam esse grupo de
pessoas de modo injustificadamente desigual, afrontando o direito fundamental à igualdade.

A proibição estatal, além de inconstitucional por violar o direito à igualdade, os princípios da


dignidade humana e não discriminação, constituía ofensa direta aos direitos da personalidade,
expressamente previstos no Código Civil brasileiro vigente.

A sistematização legal dos direitos da personalidade objetiva a proteção jurídica do patrimônio


existencial da pessoa humana. A doação de sangue e a liberdade sexual são dois exemplos de
direitos da personalidade que objetivam proteger a pessoa humana quanto ao exercício
legítimo da autonomia privada de querer ou não ser doador de sangue. Quando o Estado
proíbe pessoas de serem doadoras em razão de sua orientação sexual, interfere na esfera da
autodeterminação do sujeito, além de robustecer a institucionalização do preconceito e da
discriminação sexual.

DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE HUMANA DOS


TRANSEXUAIS DE UTILIZAREM O NOME SOCIAL
O nome é juridicamente considerado direito da personalidade previsto no Art. 16 do Código
Civil brasileiro e meio legitimo de individualizar as pessoas, proporcionando condições
essenciais ao exercício dos atos da vida civil. O direito ao nome é corolário da dignidade
humana, direito à igualdade e forma de garantir a proteção da honra objetiva, ou seja, por meio
dele conhecemos e identificamos cada indivíduo socialmente. Juridicamente, o nome é uma
categoria classificatória em nossa sociedade, pois referenda a existência da pessoa humana
perante o Estado e as instituições públicas e privadas.

A sociedade civil define a priori papéis ao indivíduo a partir do gênero (masculino ou feminino)
ora assumido e construído ao longo da vida. A ciência do Direito compreende o sexo jurídico na
vertente biológica e, a partir disso, o nome categoriza os sujeitos como machos e fêmeas.

Nessa perspectiva clássico-conceitual, o nome é visto como mecanismo de exclusão e


marginalidade do transexual, pois sua escolha ocorre no ato do nascimento e considera
somente aspectos anatômico-evolucionistas da genitália: se tiver pênis, o nome será
masculino; se tiver vagina, o nome será feminino. Nesse contexto, há uma categorização do
indivíduo antes mesmo da construção da sua identidade de gênero. Por essa razão, o nome é
considerado mais um elemento que retira da pessoa transexual o direito de livremente
adequar-se à sua identidade de gênero. Mas o uso do nome social pela criança transexual é
uma forma de garantir sua inclusão no âmbito escolar e viabilizar mais efetivamente o
exercício da cidadania?

NOME SOCIAL

Utilizado para designar socialmente pessoas que assumem identidade de gênero distinta do
sexo biológico ao qual se encontra inserido morfologicamente.
ÂMBITO ESCOLAR

O Ministério da Educação, por meio da Resolução CNE/CP nº 1, de 19 de janeiro de 2018,


definiu o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares.

No dia 28 de abril de 2016, a então presidente da república Dilma Rousseff editou o Decreto
8.727, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de
pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional.

Inicialmente, tal diploma legislativo foi comemorado pelos ativistas, por entenderem que
asseguraria inclusão e visibilidade àqueles indivíduos. Certamente, essa é uma importante
conquista no âmbito legislativo, porém insuficiente para garantir a igualdade jurídica aos
transgêneros quanto ao exercício pleno da cidadania e dos seus direitos civis. O nome social
não resolve a questão central, o nome civil, por meio do qual as pessoas são conhecidas e
individualizadas pelo Estado. Tanto o transexual quanto o travesti que se utilizam do nome
social continuam civilmente vinculados a um nome que não condiz com sua identidade de
gênero. Por essas razões, a proposta do uso do nome social constitui medida paliativa que não
enfrenta diretamente a problemática, pois não soluciona a problemática do nome civil,
perpetuando a discriminação, marginalidade e preconceito vivenciado pela população
transgênero no âmbito institucional.

A identidade de gênero não é definida aprioristicamente por acepções biológico-evolucionistas,


ou seja, o “ser homem” e o “ser mulher” não podem ser reflexo direto da concepção e do
modelo clássico de heterossexualidade impostos por convenções morais e religiosas.

O gênero de cada indivíduo decorre de construções psicossociais advindas da subjetividade de


cada um em querer se desenhar no contexto de seus desejos e de suas percepções do mundo.

Ver como doença o transexualismo é uma maneira de categorizar pessoas e estimular a


marginalidade, o preconceito, a exclusão e a opressão de gênero. Trata-se de método utilizado
como parâmetro para coisificar os transexuais e rotulá-los como indivíduos que não se
encontram incluídos nos padrões vigentes, submetendo-os a uma constante violência
silenciosa e simbólica (violência moral e psicológica).

O Provimento 73, do Conselho Nacional de Justiça, do dia 28 de junho de 2018, passou a


autorizar que pessoas trans requeiram diretamente ao cartório a mudança de nome e de
gênero. Tal diploma normativo representa, simbolicamente, maior dignidade, igualdade e
inclusão desses indivíduos, além de ser um avanço significativo no exercício de um Direito Civil
básico ao nome.

DOENÇA

A Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) oficializou no dia 21 de maio de 2019, durante a 72º
Assembleia Mundial da Saúde, em Genebra, a retirada da classificação da transexualidade
como transtorno mental da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas de Saúde (CID).

PROVIMENTO 73

Por meio de simples declaração perante o oficial de registro civil de pessoas naturais, pessoas
trans poderão requerer a retificação do seu registro civil de nascimento, mediante a alteração
do nome e do gênero.

No dia 1º de março de 2018, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.275, o


Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a alteração de nome (prenome) e gênero
(homem e mulher) no assento de registro civil, independentemente de autorização judicial
(maioria de votos), ou seja, tal alteração poderá ser realizada administrativamente, mediante
averbação junto ao assentamento de nascimento. Ademais, a alteração do nome e gênero
independe da realização da cirurgia de modificação de sexo.

Para entender melhor sobre o Código Civil de 1916 e o patrimonialismo, veja o vídeo a seguir:
O Código Civil de 1916 e o patrimonialismo.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Descrever os critérios hermenêuticos de interpretação democrático-constitucionalizada do


Código Civil
CRITÉRIOS HERMENÊUTICOS
Hermenêutica é a ciência que sistematiza critérios de interpretação do direito aplicado aos
casos concretos. Por meio dos métodos de interpretação (literal, comparativa, teleológica,
gramatical, sistemática, sociológica), fundamentados em critérios racionais, os operadores da
ciência do Direito deverão encontrar a maneira mais adequada e pertinente de tornar concretas
as proposições legais e constitucionais previstas no plano normativo.

 ATENÇÃO

Nesse sentido, é importante esclarecer que o Direito Civil deve ser interpretado conforme e a
partir do texto da Constituição brasileira de 1988. Medida essa considerada essencial para
permitir que as relações jurídicas entre particulares observem o direito fundamental à
igualdade, dignidade humana, liberdade e não discriminação.

Desenvolveremos na sequência um estudo específico sobre os temas mencionados, de modo


a detalhar pontualmente seus reflexos no campo do Direito Civil brasileiro.

DIGNIDADE HUMANA
A dignidade humana possui previsão expressa no Art. 1º, inciso III, da Constituição, sendo
categorizada como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Trata-se de
macroprincípio constitucional de onde irradiam todos os critérios utilizados para a interpretação
e aplicabilidade dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. A proteção
integral da pessoa humana se reflete diretamente no âmbito do Direito Civil, a partir do
fenômeno da despatrimonialização das relações privadas e da atenção especial dada às
questões existenciais.

O papel do Direito Civil, compreendido sob a ótica constitucionalizante e democrática é


proteger de modo amplo, plural e igualitário a pessoa humana, vedando qualquer tipo de
tratamento desigual, discriminatório, ultrajante, degradante ou indigno que venha a coincidir
com a coisificação de um indivíduo.

Algumas propostas decorrentes do princípio da dignidade humana são: respeito às diferenças


e ao pluralismo (ideias, concepções e visões de mundo); superação da vertente patrimonialista,
que privilegia a propriedade em detrimento da pessoa humana; liberdade de escolha
materializada no exercício da autonomia privada; igualdade de tratamento jurídico no exercício
dos direitos civis; interpretação ampla, sistemática e inclusiva dos direitos fundamentais. Nesse
contexto:
A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É UM VALOR
SUPREMO QUE ATRAI O CONTEÚDO DE TODOS OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM, DESDE O
DIREITO À VIDA

(SILVA, 2020, p. 105).

Na realidade, “a dignidade humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se


manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida”
(MORAES, 2004, p. 52), considerando que “traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve
assegurar” (MORAES, 2004, p. 52). De maneira excepcional, são admitidas “limitações ao
exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que
merecem todas as pessoas enquanto seres humanos” (MORAES, 2004, p. 52).

Pensar a dignidade humana como referencial constitucional para o entendimento das relações
privadas é, inicialmente, pôr a pessoa humana no centro gravitacional de toda proteção jurídica
que rege as relações interpessoais. Deve-se admitir que toda relação jurídica firmada entre
particulares não poderá ter como guia o desprestígio do indivíduo. Tais premissas evidenciam a
imprescindibilidade de tratamentos igualitários, não discriminatórios, plurais e inclusivos nas
formas jurídicas de constituição de relações entre particulares. Ademais, a dignidade humana
deve ser pensada e efetivada tanto na perspectiva individual quanto na coletiva. O direito
democrático proposto pelas sociedades contemporâneas não admite a constituição de relações
ou a ratificação de condutas que coincidam com a coisificação de sujeitos, independentemente
da perspectiva e proposta buscada.
A efetividade do macroprincípio da dignidade humana, no âmbito do Direito Civil, é visualizada
nos seguintes exemplos:

As relações contratuais não podem ser vistas como espaços de legitimação da


desigualdade jurídica e estrutural entre os contratantes, devendo a ciência do
Direito intervir no sentido de propor tratamento jurídico diferenciado às pessoas
consideradas hipossuficientes ou vulneráveis, como é o caso dos consumidores.

O nome, categorizado como um direito da personalidade hábil a individualizar os


sujeitos nos espaços coletivos, não pode causar constrangimentos ou situações
vexatórias, pois admitir isso é legitimar a ofensa à dignidade humana.

Estabelecimentos comerciais não poderão adotar critérios raciais para impedir que
pessoas negras frequentem o espaço destinado ao divertimento, pois tal prática,
além de estimular a discriminação, atenta diretamente contra o princípio da
dignidade humana.

Uma empresa não poderá produzir campanha publicitária com o fim de enaltecer a
mulher branca em detrimento da negra, pois tal prática vai contra os parâmetros
constitucionais propostos pelo Estado Democrático de Direito.
Instituições privadas de ensino não poderão impedir a matrícula de pessoas trans
que ainda não retificaram seu registro civil de nascimento, pois tal prática reforça
estruturas sociais que reproduzem o preconceito e a discriminação sexual.

 Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

Esses exemplos demonstram que, por mais que as pessoas sejam consideradas livres para
construir suas relações jurídicas no âmbito privado, tal liberdade deverá ser regrada e dirigida
pelo princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Constitucional brasileiro institui limites
à liberdade contratual e ao exercício dos direitos civis. O eixo central que direcionará o
respectivo regramento constitucional encontra-se no princípio da dignidade humana.

AUTONOMIA PRIVADA

A autonomia privada é uma proposição teórica do direito contemporâneo que possui estreita
relação com o direito fundamental à liberdade.

É um poder conferido a cada sujeito de se autogovernar na “sua esfera jurídica, tendo como
matriz a concepção de ser humano como agente moral, dotado de razão, capaz de decidir o
que é bom ou ruim para si, e que deve ter liberdade para guiar-se de acordo com essas
escolhas, desde que elas não perturbem os direitos de terceiros nem violem outros valores
relevantes da comunidade” (SARMENTO, 2005, p. 182).

A autonomia privada não pode ser confundida com a autonomia da vontade, pois são conceitos
que devem ser interpretados e diferenciados a partir do momento histórico em que foram
propostos.

Autonomia da vontade

A autonomia da vontade se relaciona com a liberdade individual no contexto do Estado liberal,


cujo foco central de proteção jurídica do Direito Civil era a propriedade privada, não a pessoa
humana, haja vista o individualismo regente nesse período histórico. O direito de propriedade
privada, na ótica da autonomia da vontade, sistematizava um modelo por meio do qual as
pessoas eram livres para dar a destinação que quisessem à sua propriedade, não se
vinculando às premissas sociais hoje tratadas pelo princípio da função social da propriedade.
Do mesmo modo, as relações contratuais estabelecidas no contexto da autonomia da vontade
priorizavam essencialmente os direitos individuais, pois os contratos tinham como foco a
proteção jurídica dos direitos dos contratantes, uma vez que o compromisso jurídico não se
estendia à proteção dos direitos sociais.


Autonomia privada

Em contrapartida, verifica-se que o instituto da autonomia privada é uma construção teórica


que compreende as liberdades não apenas sob a ótica individual, já que a autodeterminação
das pessoas deve ser exercida em compatibilidade com os direitos coletivos (sociais). Nesse
contexto propositivo, surgiu a função social da propriedade privada e a função social dos
contratos, com o exercício direito à propriedade privilegiando, também, o interesse coletivo
mediante o cumprimento da função social da propriedade.

 EXEMPLO

Os proprietários devem cumprir as normas de proteção ambiental e respeitar a legislação


trabalhista como meio de coibir o trabalho escravo em propriedades rurais privadas.
No mesmo sentido, os contratos, ainda que sejam acordos de vontade entre particulares, não
poderão ser voltados a um objeto que contrarie os direitos da coletividade. Esse é o caso, por
exemplo, de contratos de exploração de minério que não priorizam a observância das normas
ambientais, já que o meio ambiente é um direito metaindividual.

Essa revisitação teórica do direito fundamental à liberdade e à autonomia da pessoa humana


nas relações privadas somente foi possível a partir da releitura constitucional proposta pelo
texto da Constituição brasileira de 1988, a qual, em seu Art. 5, inciso XXIII, é clara ao
estabelecer que a propriedade privada deverá atender sua função social.

 SAIBA MAIS

Isso se repete no artigo 170, inciso III; artigo 173, § 1, inciso I; artigo 182, § 2; artigo 184, caput;
artigo 184, parágrafo único; artigo 186, caput, todos expressamente previstos no texto da
Constituição brasileira de 1988.

DIREITO À IGUALDADE
O direito fundamental à igualdade é uma conquista histórica da modernidade que se desenhou
a partir de premissas jurídico-legais.

 ATENÇÃO

Em razão das desigualdades estruturais naturalizadas socialmente, foi necessária a


intervenção da ciência do Direito como ferramenta hábil para coibir e amenizar as diferenças
que caracterizam as relações interpessoais.

A desigualdade social pode ser verificada nos mais diversos aspectos, por razões econômicas,
sociais, sexuais, intelectuais, políticas, ideológicas, de gênero, idade, raça, crenças ou origem.
O pluralismo e a diversidade são características marcantes da sociedade contemporânea,
tornando-se indispensável a criação de proposições normativo-legais no sentido de corrigir tais
desigualdades. No âmbito das relações privadas, persistem tais desigualdades, o que justifica
a interpretação das normas do Código Civil brasileiro a partir das premissas previstas no texto
da Constituição Federal de 1988 (CF).

Tratar os iguais de modo igual, no âmbito de suas desigualdades, é uma proposição teórica
que evidencia a importância da análise de cada caso concreto quando se pretende reconhecer
a aplicabilidade do direito à igualdade. A igualdade material ou substancial somente se
efetivará quando, diante de uma situação concreta, puder verificar qual é a melhor e mais justa
interpretação construída para se alcançar a dignidade humana dos sujeitos envolvidos.
Essa lógica deverá guiar as premissas utilizadas na interpretação dos direitos que regem as
relações privadas, de modo que toda relação jurídica instituída entre sujeitos não coloque um
dos envolvidos em posição de desigualdade e vulnerabilidade.

A letra fria do texto legal não garante por si só a igualdade entre as pessoas. Será a
interpretação constitucionalizada, construída a partir da dignidade humana, que assegurará,
em cada caso concreto, a efetiva igualdade esperada. Para isso, a proteção jurídica da vida
humana, como um dos mais importantes bens jurídicos, deve se sobrepor, por exemplo, ao
direito de propriedade.

Sistematizar premissas teóricas para reger os critérios humanísticos de interpretação dos


direitos fundamentais é o primeiro passo para a igualdade esperada no âmbito das relações
privadas. Nenhum direito existente é absoluto a ponto de ser aplicado genericamente de
maneira idêntica a casos concretos distintos. Tais proposições se tornam relevantes para
evidenciar o quanto é justo, sob o ponto de vista constitucional, propor parâmetros
hermenêuticos (interpretativos) com referência central no princípio da supremacia da
Constituição.

Negar a existência de um estreito diálogo interpretativo entre as normas constitucionais e as


previstas no Código Civil brasileiro constitui um meio de robustecer a desigualdade
naturalizada estruturalmente nas relações interpessoais. Partindo-se do princípio de que as
pessoas convivem com desigualdades que marcam a vida em sociedade, só por meio de
interpretações constitucionalizadas, que primam pela dignidade humana, será possível pensar
um sistema que privilegie a igualdade material.
A IGUALDADE SE CONFIGURA COMO UMA EFICÁCIA
TRANSCENDENTE, DE MODO QUE TODA SITUAÇÃO
DE DESIGUALDADE PERSISTENTE À ENTRADA EM
VIGOR DA NORMA CONSTITUCIONAL DEVE SER
CONSIDERADA NÃO RECEPCIONADA, SE NÃO
DEMONSTRAR COMPATIBILIDADE COM OS VALORES
QUE A CONSTITUIÇÃO, COMO NORMA SUPREMA,
PROCLAMA

(MORAES, 2004, p. 35).

A interpretação nos ditames propostos pelo texto da Constituição garante a integridade na


aplicação do direito fundamental à igualdade no âmbito das relações jurídicas constituídas
entre particulares. Qualquer interpretação contrária a essas premissas gerará injustiças, pois
endossará as estruturas sociais que naturalizam as desigualdades estruturais. O grande
desafio hermenêutico enfrentado quando se debate o direito à igualdade é saber até que ponto
o tratamento desigual conferido a uma pessoa não ensejará novas desigualdades nas relações
privadas. Isso exigirá do intérprete o cuidado especial de não se ater apenas aos aspectos
teóricos apresentados, tendo em vista que o estudo pormenorizado das peculiaridades do caso
concreto é algo essencial para se desenhar a interpretação mais justa e que mais adere às
premissas constitucionais e democráticas vigentes. Para esclarecer de maneira prática a
aplicabilidade do direito fundamental à igualdade no âmbito das relações jurídicas regidas pelo
direito privado, confira os exemplos:

A presunção de hipossuficiência econômica de crianças e adolescentes, que


permite a concessão automática dos benefícios da gratuidade judiciária em
processos judiciais, constitui um primeiro exemplo prático de tratamento
diferenciado conferido à pessoa humana como medida hábil a assegurar a
igualdade de acesso à justiça.
A prioridade de atendimento médico conferido às crianças (Art. 4, parágrafo único
da Lei 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente) constitui um modo de
tratamento diferenciado para assegurar a igualdade material diante de casos
concretos específicos.

A prioridade de atendimento médico conferido a idosos (Art. 3, parágrafo único da


Lei 10.741/2003 – Estatuto do Idoso) também constitui mais um exemplo que
evidencia o interesse do legislador em assegurar a igualdade material nas relações
jurídicas regidas pelo direito privado.

A igualdade entre pai e mãe no exercício da guarda do filho menor é mais um


exemplo previsto no Código Civil de aplicabilidade do direito fundamental à
igualdade no plano infraconstitucional.

A igualdade de direito entre os filhos, vedando-se qualquer designação


discriminatória, é mais um clássico exemplo prático de efetividade do direito
fundamental à não discriminação, conforme será exposto no item anterior.

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PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO


Tem previsão expressa no Art. 3, inciso IV, da CF, que estabelece como um dos objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras maneiras de discriminação.

 ATENÇÃO

O princípio da não discriminação é o desdobramento lógico da interpretação extensiva,


sistemática e constitucionalizada do direito fundamental à igualdade e do princípio da dignidade
da pessoa humana.

Qualquer tratamento jurídico desigual ou discriminatório coloca o discriminado em posição


jurídica de desigualdade perante os demais, além de reconhecer sua condição jurídica de
indignidade. Desse modo, o não discriminar constitui-se em um meio de assegurar a igualdade
material e as condições reais de exercício da cidadania por meios dignos de existência. Trata-
se de direito aplicável por igual a todos os indivíduos, que não deverão suportar estar em
posição de real desigualdade jurídica, tendo em vista tratar-se de fundamento regente da teoria
dos direitos humanos. No momento em que a ciência do Direito legitima tratamentos
discriminatórios, reforça a exclusão, marginalidade e segregação naturalizada nas estruturas
sociais e vivenciada cotidianamente por muitas pessoas.
A dignidade humana, assim como o direito fundamental à igualdade e o princípio da não
discriminação, traduz juridicamente o ideal de valorização da pessoa humana no âmbito do
texto constitucional vigente e serve de norte condutor de todo o ordenamento jurídico-legal em
vigor, tanto no âmbito do direito público quanto do privado.

O princípio da dignidade, tendo em vista o fator limitante e regulamentador da autonomia


privada, veda a coisificação do ser humano e torna inviável o fenômeno de sua degradação.

O princípio da não discriminação nada mais é do que uma vertente negativa do direito à
igualdade, considerando que sua efetividade torna viável o exercício dos direitos da
personalidade, expressamente previstos no Código Civil vigente.

A proibição de discriminação no âmbito das relações contratuais constitui um meio legítimo de


assegurar a igualdade entre os contratantes. Por mais que o Direito Civil assegure às pessoas
a liberdade quanto ao objeto e à forma de contratação, a autonomia privada no âmbito
contratual deve observar o dirigismo contratual, pois não é admissível, constitucionalmente,
que contratos sejam espaços de tratamentos discriminatórios e desiguais.

Determinada pesquisa (COSTA; PINTO, 2020) analisou a licitude de uma prática corriqueira no
mercado de entretenimento brasileiro, a distinção de preços de ingressos entre homens e
mulheres em locais de eventos. Ao final dela, foi possível inferir a inadmissibilidade de
tratamentos diferenciados e desprovidos de qualquer justificativa que objetivam tão somente
discriminar a pessoa, de modo a reduzi-la e colocá-la em situação vexatória, desigual,
degradante ou humilhante. Assim, não devem ser tolerados tratamentos diferenciados
dissociados do exercício legítimo de direitos fundamentais, em especial, quando o critério de
discriminação estiver baseado na raça, origem étnica, identidade de gênero ou orientação
sexual, os quais, em regra, são presumidamente odiosos. O ordenamento jurídico deve
rechaçar práticas diferenciadas que afetem a dignidade daquele que é discriminado.

Ao analisar a eficácia do princípio da igualdade nas relações jurídicas envolvendo


estabelecimentos abertos aos públicos, verificou-se que a recusa em se admitir o ingresso de
indivíduos em razão de suas características pessoais tende a ser inadmitida, uma vez que, em
regra, expõe quem não foi admitido a tratamento público vexatório e desigual, principalmente,
se a recusa se basear em questões de natureza sexual, por exemplo.

Quando há oferta realizada ao público, o ofertante acaba por renunciar ao direito de selecionar
os contratantes sob bases individuais, de modo que a recusa, nessas circunstâncias, evidencia
uma conduta discriminatória, um ato de desprezo pela pessoa inadmitida.
- Ao atuar no mercado, o proprietário do estabelecimento manifesta e torna pública a oferta de
seus bens e serviços, razão pela qual qualquer indivíduo que deseja contratá-lo nas condições
previamente fixadas poderá fazê-lo.


- Os estabelecimentos abertos ao público, mesmo alicerçados na autonomia privada e no
princípio da livre iniciativa, não poderão estabelecer critérios de contratação e admissão de
pessoas diferenciadas.


- Portanto, a cobrança diferenciada de preços entre homens e mulheres constitui cláusula
abusiva e lesiva na relação de consumo, institucionalizando a desigualdade entre os gêneros
de maneira injustificada.

Nessa perspectiva teórica, tende a ser considerada ilícita e, portanto, inadmitida a cobrança de
preços distintos para admissão de homens e mulheres em estabelecimentos abertos ao
público. Essa desequiparação torna o gênero feminino inferior e tem por intuito fomentar a
discriminação em seu sentido negativo (depreciativo), não constituindo, inclusive, prática
amparada pela liberdade de contratação e pela livre iniciativa.

Eventual reconhecimento da licitude na diferenciação de preços de ingressos nesse caso


desprivilegia o exercício isonômico dos direitos fundamentais em razão do gênero, ou seja,
fomenta a desigualdade jurídica entre homens e mulheres, além de constituir, de maneira
velada e simbólica, prática de violência de gênero. Tal cobrança de valores distintos é conduta
apta a ensejar a legítima intervenção estatal com o propósito de evitar abuso de poder
econômico, além de prevenir a institucionalização da desigualdade de gênero.

Quando o Estado intervém nessa seara, regulamentando a questão, deixa claro que a livre
iniciativa e a autonomia privada dos fornecedores devem ser exercidas de modo compatível
com a igualdade e dignidade humana dos fornecedores.
A cobrança diferenciada de preços, além de coisificar a mulher, coloca o homem em posição de
desigualdade jurídico-contratual, pois o obriga a pagar valor maior para desfrutar da mesma
prestação de serviços oferecida às pessoas do sexo feminino. Mesmo que os estabelecimentos
abertos tornem públicos os critérios diferenciados de admissão de clientes, como o caso da
cobrança diferenciada entre homens e mulheres, tal informação constitui cláusula contratual
abusiva e lesiva aos consumidores, que são tratados juridicamente de modo desigual.

 ATENÇÃO

A dignidade humana é princípio constitucional para despatrimonializar as relações jurídicas


entre pessoas, garantir a igualdade jurídica de contratação, estabelecer regras ao exercício da
livre iniciativa e sistematizar o exercício da autonomia privada a partir da boa-fé objetiva.

Assim, conclui-se pela ilegalidade da prática de cobrança de valores diferenciados entre


homens e mulheres para ingresso em eventos, como medida hábil a garantir a construção de
critérios interpretativos inclusivos, isonômicos e constitucionalmente dignos.

No vídeo a seguir, pode-se entender mais a relação de interpretação do código civil e os


princípios fundamentais.
Critérios de interpretação do código civil e o princípio da não-discriminação.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Reconhecer a relação entre os direitos da personalidade e a Constituição brasileira de 1988


DIREITOS DA PERSONALIDADE
Os direitos da personalidade encontram-se previstos entre os artigos 11 e 21 do Código Civil
brasileiro vigente. Foram criados e sistematizados a partir dos direitos fundamentais e dos
direitos humanos, pois têm como propósito a proteção da esfera extrapatrimonial das pessoas
e “uma série indeterminada de valores não redutíveis pecuniariamente, como a vida, a
integridade física, a intimidade, a honra entre outros” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011,
p. 180), como é o caso do nome.

DIREITOS DA PERSONALIDADE

“Conceituam-se os direitos da personalidade como aqueles que têm por objeto os atributos
físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais” (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2011, p. 180).

Os direitos da personalidade objetivam tutelar juridicamente o patrimônio existencial e imaterial


das pessoas, com critérios e parâmetros para evitar a violação de determinados bens jurídicos
não monetariamente quantificáveis.

Tais direitos são desdobramentos interpretativos da dignidade humana e fundamentais à


igualdade, liberdade, vida e princípio da não discriminação, ou seja, “os direitos da
personalidade são necessários e inexpropriáveis, pois, por serem inatos, adquiridos no instante
da concepção, não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver por dizerem respeito à
qualidade humana” (DINIZ, 2008, p. 120).

Um dos fundamentos constitucionais que dialogam diretamente com a sistematização teórica


dos direitos da personalidade é previsto no Art. 5, inciso X, da CF, que evidencia a proteção
jurídica da inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas,
assegurando o direito à indenização por dano material e moral decorrente de sua violação.
Assim, os direitos da personalidade são:
DIREITOS SUBJETIVOS QUE TÊM POR OBJETO OS
BENS E VALORES ESSENCIAIS DA PESSOA, NO SEU
ASPECTO FÍSICO, MORAL E INTELECTUAL

(GONÇALVES, 2006, p. 154).

O Art. 11 do Código Civil brasileiro vigente é categórico ao estabelecer que os direitos da


personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer
limitação. Qualquer conduta ilícita contrária ou lesiva aos direitos da personalidade permitirá
que a pessoa lesada pleiteie perdas e danos.

O nome é um dos mais importantes direitos da personalidade previstos na legislação brasileira.


É a designação dada a uma pessoa física ou jurídica e tem como objetivo individualizar os
sujeitos perante a coletividade. Via de regra, o nome da pessoa física é imutável, em
homenagem ao princípio da segurança jurídica, contudo, situações excepcionais admitem a
sua modificação, por exemplo quando geram constrangimento ou situações vexatórias.
Também há possibilidade de a pessoa trans retificar seu registro civil de nascimento nos
termos previstos no Provimento 73 do CNJ.
 SAIBA MAIS

Se o nome de uma pessoa física ou jurídica for indevidamente incluído nos cadastros de
restrição de crédito (se essa inserção for a única anotação), terá a vítima o direito à
indenização por danos morais no valor proporcional à extensão do dano sofrido, pois se deu a
prática de conduta ilícita e danosa contra um direito da personalidade.

CADASTROS DE RESTRIÇÃO DE CRÉDITO

Como SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e o SERASA.

Outro direito da personalidade previsto nos artigos 13 e 14 do Código Civil brasileiro vigente é
a integridade física e o corpo da pessoa humana. Por se tratar de um direito personalíssimo, a
legislação autoriza que cada indivíduo, no âmbito da sua liberdade e autonomia privada,
manifeste interesse em doar gratuitamente órgão ou parte do corpo humano para fins de
transplante ou para auxiliar tratamento médico de terceiros (doação de sangue, por exemplo).
Tal manifestação de vontade deverá ser livre e não remunerada, pois o próprio texto do Art.
199, § 4, da CF proíbe o comércio de órgãos ou partes do corpo humano.

O Decreto n° 9.175/2017 regulamenta a situação de transplantes no território brasileiro,


admitindo a retirada desde que sejam órgãos duplos (ex. rins), partes regeneráveis de órgãos
(ex. fígado) ou tecidos (ex. pele ou medula óssea), e a pessoa receptora esteja
comprovadamente necessitando do órgão. O doador deverá lavrar documento escrito,
assinado por duas testemunhas, onde anotará o órgão e a pessoa receptora, com seus
respectivos endereços. Essa regra não se aplica à doação de sangue, a qual poderá ser
livremente doada.

O Art. 14 regulamenta a possibilidade jurídica de a pessoa humana, em vida, manifestar


interesse em doar seus órgãos após a morte. Essa vontade deve ser respeitada e cumprida por
se tratar de direito da personalidade, de natureza personalíssima, indisponível e irrenunciável.

O Art. 15 do Código Civil vigente estabelece o direito de toda pessoa livremente escolher se
aceita se submeter a tratamento médico ou cirurgia em caso de doença grave que lhe cause
risco de morte. Portanto, diante do direito fundamental à liberdade, corolário da dignidade
humana, nenhum médico poderá impor ao paciente um tratamento médico ou cirúrgico, pois
todo indivíduo tem autonomia de escolher o tratamento terapêutico a que pretende ou não se
submeter.

CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA


PERSONALIDADE

Considerando o conteúdo imaterial e a ausência de natureza pecuniária dos direitos da


personalidade e dos desdobramentos lógicos e jurídicos dos direitos humanos e fundamentais,
torna-se relevante apresentar, nesse contexto teórico, suas características e peculiaridades. “O
caráter absoluto dos direitos da personalidade se materializa na oponibilidade erga omnes,
irradiando efeitos em todos os campos e impondo à coletividade o dever de respeitá-los”
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 189).

OPONIBILIDADE ERGA OMNES

Qualquer pessoa poderá livremente exercer seus direitos da personalidade (ex. honra e
intimidade), cabendo a todos os demais sujeitos o dever de respeitar o seu exercício, daí a
expressão “oponível contra todos”.

Os direitos da personalidade são:

INDISPONÍVEIS

Nem mesmo por vontade própria do indivíduo o direito da personalidade pode mudar de titular.

INTRANSMISSÍVEIS

Não pode ser objeto de transferência, a qualquer título.


PERSONALÍSSIMOS

É o direito ínsito na própria natureza do sujeito de direito, de exercício único e exclusivo pelo
seu titular.

IRRENUNCIÁVEIS

Não pode ser disponibilizado pelo seu respectivo titular.

Nos direitos de personalidade, não são admitidas negociações pautadas em parâmetros


pecuniários, pois integram o patrimônio imaterial e existencial relacionado à dignidade
humana de cada sujeito.

PATRIMÔNIO IMATERIAL

São direitos despatrimonializados, sem qualquer vinculação pecuniária ou econômica, pois


decorrem de atributos da própria natureza, como a vida, liberdade, integridade física e tantos
outros.

Os direitos de personalidade possuem ainda outras 3 características:

GENERALIDADE
A generalidade é outra característica inerente aos direitos da personalidade que “são
outorgados a todas as pessoas, pelo simples fato de existirem” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2011, p. 189). São direitos extrapatrimoniais, ou seja, não possuem conteúdo
patrimonial direto. Também não são quantificáveis monetariamente, porém, se violados, seus
titulares podem pleitear reparação ou indenização compensatória e proporcional à extensão do
dano.

IMPRESCRITIBILIDADE
A imprescritibilidade é outra característica a se destacar no estudo dos direitos da
personalidade, devendo-se esclarecer “que inexiste um prazo para o seu exercício, não se
extinguindo pelo não uso” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 192). Assim como os
direitos fundamentais e os humanos, os da personalidade não são regidos temporalmente por
disposições legais preexistentes, pois, em razão das suas peculiaridades e finalidades, deve-se
aplicar a regra geral da imprescritibilidade, como referencial teórico hábil a legitimar sua
efetividade e concretude. A impenhorabilidade é um desdobramento lógico da indisponibilidade,
bem como da ausência de natureza monetária como elemento central dos direitos aqui
debatidos.

VITALICIEDADE
A vitaliciedade, última característica relevante, considera que “os direitos da personalidade
são inatos e permanentes, acompanhando a pessoa desde a primeira manifestação de vida até
o seu pensamento” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p. 193). Os direitos da
personalidade são auferíveis desde a concepção, diante da proteção jurídica do nascituro
expressamente prevista no ordenamento jurídico brasileiro, até após a morte da pessoa física,
em face do direito de proteção jurídica de seu nome. No parágrafo único do Art. 12 do Código
Civil brasileiro, admite-se que o cônjuge sobrevivente e parentes até quarto grau pleiteiem
indenização decorrente de ato ilícito e danoso praticado contrariamente ao direito ao nome de
pessoa falecida.

AUFERÍVEIS DESDE A CONCEPÇÃO

Artigo 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Veja a seguir a relação entre o Código Civil e os direitos de personalidade:


O Código Civil e os direitos de personalidade.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 4

 Identificar o objeto e os princípios do Biodireito e da Bioética


A BIOÉTICA
A Bioética é uma disciplina científica recente, tratada, primeiramente, em uma conferência
ocorrida de 23 a 24 de setembro de 1992 na Universidade de Washington. Trata-se de uma
nova ética para a Medicina, visando revisitar a história e projetar o futuro, ou seja, uma espécie
de filosofia moral praticada no campo médico. A Bioética pode ser definida como:

O ESTUDO SISTEMÁTICO DA CONDUTA HUMANA NO


ÂMBITO DAS CIÊNCIAS DA VIDA E DA SAÚDE,
ENQUANTO ESSA CONDUTA É EXAMINADA À LUZ DE
VALORES E PRINCÍPIOS MORAIS

(PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p.30).

Embora abarque a ética médica, não se restringe a essa área, pois tem conceito mais amplo,
que ultrapassa o debate das questões éticas envolvendo médico e paciente. Também pode ser
vista como “o estudo sistemático das dimensões morais – incluindo visão, decisão, conduta e
normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias
éticas num contexto interdisciplinar” (JUNGES, 2003, p. 21).

O eixo central das proposições teóricas abordadas pelos bioeticistas é fomentar reflexões no
sentido de compreender a relação existente entre ética e avanços biotecnológicos no campo da
Medicina. Tem como objeto o debate, por exemplo, da clonagem, do transplante e da doação
de órgãos, da reprodução medicamente assistida, do direito à eutanásia (direito à morte digna)
e da manipulação de embriões humanos.
Pesquisas envolvendo pessoas são eticamente admitidas? O paciente doente e em estado
terminal tem direito à eutanásia para morrer com dignidade? É cientificamente admissível, sob
o ponto de vista ético, a manipulação e a seleção de embriões humanos nos casos de
reprodução assistida? Qual a destinação dada aos embriões humanos congelados em clínicas
de reprodução assistida? Essas são algumas das inúmeras indagações da Bioética, que
problematiza os limites éticos a serem observados pelos cientistas no progresso das ciências
médicas envolvendo a pessoa humana.

TRÊS PRINCÍPIOS REGENTES DA BIOÉTICA

BENEFICÊNCIA
O progresso da ciência e a evolução biotecnológica serão considerados eticamente adequados
se trouxerem para as pessoas humanas benefícios no que tange à qualidade de vida, não se
admitindo procedimentos ou condutas que venham a causar sofrimento ou violação de direitos
dos indivíduos.

AUTONOMIA PRIVADA
Tal princípio se relaciona com a autodeterminação da pessoa humana, sua liberdade de
escolha em contribuir diretamente para o progresso da ciência, desde que tal decisão não lhe
cause sofrimento, penosidade ou indignidade.
JUSTIÇA
Trata-se de princípio “que obriga a garantir a distribuição justa, equitativa e universal dos
benefícios dos serviços de saúde” (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 1997, p.44). Além de trazer
benefícios para a humanidade, o progresso da ciência deverá privilegiar, também, a justiça no
que tange à diminuição das desigualdades sociais existentes.

O BIODIREITO
Embora seja considerado por alguns estudiosos como uma pós-Bioética, deve-se esclarecer
que o Biodireito:

É PARTE INTEGRANTE DO DIREITO CIVIL E QUE SEU


ASPECTO JURÍDICO E PARTICULAR ESTÁ
RELACIONADO AOS DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO
COMO ALGUNS JURISTAS PREFEREM CHAMAR

(FERNANDES, 2004, p. 26).

Dentre os eixos de debates propostos pelo Biodireito, estão os limites da evolução


biotecnológica no campo da Medicina clínica e reprodutiva, Farmacêutica, Agropecuária e
Meio-ambiente. Pretende-se investigar no Biodireito quais são os desdobramentos jurídicos
dos avanços tecnológicos no campo das relações privadas regidas pelo Direito Civil.
É juridicamente possível pleitear reparação civil quando se comprova danos sofridos em razão
do consumo de alimentos transgênicos? É juridicamente possível responsabilizar terceiros pela
produção de um número excessivo de embriões humanos nos procedimentos de reprodução
assistida? O paciente tem direito de redigir documento público autorizando o desligamento dos
aparelhos médicos quando estiver em estado terminal? Como discutir a paternidade ou a
maternidade em caso de indivíduos clonados? O Direito brasileiro autoriza a manipulação e a
seleção de embriões humanos saudáveis (descarte de embriões que podem gerar a concepção
de pessoas com deficiência) em clínicas de reprodução assistida? O doador anônimo de
sêmen pode ser demandado posteriormente em uma ação de reconhecimento da paternidade?
O filho, concebido mediante sêmen de doador anônimo tem direito de saber quem é o seu pai?

Essas e outras tantas indagações permeiam o objeto de estudo do Biodireito. Enquanto a


Bioética é vista como “a disciplina que estuda os aspectos éticos das práticas médicas e
biológicas, avaliando suas implicações na sociedade e as relações entre os homens e entre
estes e outros seres vivos” (NAVES, 2002, p. 131), o Biodireito tem como objeto de
investigação os desdobramentos dos avanços biotecnológicos e médicos no campo das
relações jurídicas de direito privado, ora regidas pelo Direito Civil.

Veja agora como a bioética e o biodireito se comportam dentro do campo do direito civil.
Bioética e biodireito no campo do direito civil

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Você viu que o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil brasileiro tem como norte a
despatrimonialização das relações jurídicas entre particulares, priorizando-se a proteção da
dignidade humana, dos direitos fundamentais à liberdade, igualdade, autonomia privada e do
princípio da não discriminação.

O estudo dos direitos da personalidade demonstrou o compromisso do legislador


infraconstitucional quanto à proteção do patrimônio existencial, privilegiando proteger bens
jurídicos que, embora não possuam natureza pecuniária, merecem igual proteção. Esse é o
caso, por exemplo, do nome e do direito de recusar a tratamento médico.

Ao final, você pôde acompanhar as questões sobre os fundamentos teóricos do Biodireito e da


Bioética, disciplinas cujo objeto é a problematização dos desdobramentos dos avanços
biotecnológicos no campo da ética médica e das relações jurídicas constituídas entre
particulares.

 PODCAST

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BRASIL. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução – RDC N.34, de 11 de
junho de 2014. Consultado em meio eletrônico em: 23 jun. 2020.

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SILVA, J. A. da. Curso de Direito Constitucional positivo. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 2020.

EXPLORE+

Para aprofundar os seus conhecimentos sobre o direito fundamental à liberdade e


autonomia privada, leia o texto intitulado “Os princípios constitucionais da liberdade e
da autonomia privada”, do jurista e professor Daniel Sarmento.

Para compreender o nome como um direito da personalidade, leia o artigo intitulado


“Transexualidade infantil e a problemática do uso do nome social pela criança no
âmbito escolar”, de autoria do jurista Fabrício Veiga Costa.

CONTEUDISTA
FABRÍCIO VEIGA COSTA

 CURRÍCULO LATTES

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