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RESUMO Direito Penal Brasileiro I de Zaf
RESUMO Direito Penal Brasileiro I de Zaf
Zaffaroni et al.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro.
Direito Penal Brasileiro: primeiro volume - Teoria Geral do Direito Penal. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2011. Caps. I, II e IV.
§ 2. O poder punitivo
I. Criminalização primária e secundária
A criminalização primária se dá com a elaboração de leis penais que incriminam ou
permitem a punição de certas pessoas, enquanto a criminalização secundária é a ação exercida
sobre pessoas concretas, desde a descoberta do delito, com a atuação das agências policiais,
passando pelas agências judiciais, às agências penitenciárias.
V. Seleção vitimizante
Não só a criminalização é seletiva, mas também a vitimização. A vitimização primária
ocorre nos casos em que uma situação de poder exercido contra um grupo deixa de ser
considerada normal e há uma renormatização no sentido de criminalizá-la, fazendo com que a
parte subjugada dessa relação de poder adquira status de vítima1.
A vitimização secundária (ou seja, as vítimas reais de fatos criminalizados
primariamente), porém, também passa por um processo de seleção proporcional à
1
Por exemplo, a Lei Maria da Penha. Com as conquistas de direitos pelas mulheres, a relação de subjugação
feminina pelo homem deixou de ser encarada como normal.
vulnerabilidade ao delito. Desse modo, aqueles com condições de sustentar uma segurança
privada são menos propensos a ser vítimas. Na verdade, as próprias agências de segurança
pública passam a direcionar seus esforços de proteção aos mais ricos, devido a sua maior
capacidade de reivindicação comunicacional.
Por conseguinte, as classes mais desfavorecidas, além de mais criminalizadas também
são mais vitimizadas. Ademais, a vulnerabilidade vitimizante também é maior segundo critérios
de gênero, de raça, de faixa etária, de etnia etc.
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Ex.: A função manifesta da pena privativa de liberdade é ressocializar o condenado. Suas funções latentes,
entretanto, são outras, como o controle social da população marginalizada etc.
II. Leis penais manifestas, latentes e eventuais
As leis penais manifestas são aquelas que orientam as funções manifestas propriamente
penais das agências estatais. As leis penais latentes são aquelas que não possuem função
punitiva manifesta, mas, na prática, acabam exercendo-a. As leis penais eventuais são aquelas
que não possuem função punitiva manifesta nem latente, mas, eventualmente, acabam por
exercê-la (como por exemplo o exercício do poder psiquiátrico, do poder assistencial
concernente aos velhos etc.).
III. Elementos orientadores e teoria negativa da pena: o direito penal como provedor
de segurança jurídica
O direito penal tem como tarefa legitimar “a única coisa que realmente pode programar:
as decisões das agências jurídicas”. Estas, por sua vez, devem agir limitando e contendo as
manifestações de poder próprias do estado de polícia para assim serem legítimas. Trata-se de
um ramo do direito que programa um exercício de poder (de contenção das manifestações do
estado de polícia) que se legitima à medida que sofreia o exercício de outro poder (o poder
punitivo). Zaffaroni et al. o comparam, no plano internacional, com o direito humanitário.
Ambos visam conter o exercício de poderes não-legitimados (o poder punitivo e a guerra), mas
sabem que não podem eliminá-los.
Como programação limitadora do poder punitivo, o direito penal cumpre uma função
de segurança jurídica dos bens jurídicos individuais e coletivos de todos os habitantes à medida
que neutraliza os elementos do estado de polícia contidos no estado de direito. Não tutela,
portanto, os bens jurídicos da vítima, uma vez que a exclui do conflito, nem de eventuais vítimas
futuras imaginárias, mas sim o de todos habitantes.
IV. Possíveis argumentos exegéticos contra a teoria negativa
Para Zaffaroni et al. argumentações contrárias à teoria negativa que se baseiam na
legislação posta não constituem uma crítica positivista, mas sim exegética, de modo que
alegações como a de que “a pena cumpre uma função retributiva e preventiva, pois assim prevê
o Código Penal” deve ser respondida com a afirmação de que o direito penal não se encerra nos
códigos e que, se há avanços das outras ciências demonstrando a impossibilidade de
cumprimento das metas traçadas nos códigos, deve-se proceder com uma interpretação
progressiva de tais normas.
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Como exemplo o art. 59 do CP, que afirma que a pena deve ser necessária e suficiente para a reprovação
(retribuição) e prevenção (geral) do crime, e o art. 1º da LEP, segundo o qual a execução deve se orientar no
sentido da harmônica integração do condenado (prevenção especial).
kantiano de retribuição, o qual foi elaborado de modo dedutivo e não pode ser aplicado
concretamente. Na verdade, o sentido de retribuição no senso comum sequer pode se relacionar
com o delito, uma vez que, dada a seletividade do sistema penal, o que se retribuiria não é o
delito, mas sim a inabilidade dos que foram pegos.
É equivocado se referir, ainda, a uma função retributiva da pena, porque a retribuição
não é um fim em si mesma, buscando sempre uma reparação (ou a vingança), exigência que é
própria do ofendido e não do estado (como deve ser a pena).
Já a ideia de que a retribuição deve ser o limite da pena ou de sua medida, consiste em
um malabarismo discursivo para afirmar que as penas e o poder punitivo do estado devem ser
contidos e limitados.
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CRFB, Art. 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
autores se mostram favoráveis a que possa haver a combinação entre as normas mais benignas
e entre estas e a própria lei antiga, sempre para beneficiar o agente.
A legislação apresenta uma exceção à retroatividade da lei penal mais benigna nos casos
de leis penais temporárias e excepcionais5. Sem embargo, sustentam os autores que tais leis
não teriam sido recepcionadas pela Constituição de 1988, em razão da expressa vedação da
retroatividade da lei prejudicial ao agente.
Em relação à retroatividade de complementos da lei penal em branco, por vezes negada
com amparo em sua natureza temporária ou excepcional, o entendimento é o mesmo, diante do
caráter imperativo e incondicional da garantia constitucional da retroatividade da lei mais
benéfica.
Nos crimes unissubsistentes, a questão do tempo do crime para a definição de qual lei
aplicar, anterior ou posterior, é relativamente tranquila, pois há apenas uma referência objetivo-
temporal (o tempo de resultado é o mesmo tempo da ação). Em crimes plurissubsistentes, como
os comissivos de resultado e omissivos impróprios, em que há pelo menos duas referências (o
momento da ação/omissão e o momento do resultado), a legislação brasileira optou por
privilegiar o momento da ação/omissão, desprezando o resultado 6. Entretanto, como a
ação/omissão pode se prolongar no tempo, fica a dúvida em relação a qual momento adotar,
sugerindo os autores que se adote o tempo inicial da ação/omissão, uma vez que, no decorrer
desta, o surgimento de lei penal prejudicial seria encarado como retroatividade in pejus e não
surtiria efeito.
Por fim, os autores destacam que o conceito de lei penal, para fins de retroatividade,
deve ser entendida de maneira ampla, abrangendo as leis processuais penais e as leis da
execução penal.
5
CP, Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as
circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.
6
CP, Art. 4º - Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento
do resultado.
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CRFB, Art. 21. Compete à União: XVII - conceder anistia;
Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o
especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
VIII - concessão de anistia.
Congresso Nacional. Difere-se a anistia, portanto, da graça e do indulto, que são de
competência do Presidente da República8. Além disso, a anistia descriminaliza, de maneira
geral, enquanto graça e indulto despenalizam, de maneira individual.
A anistia não é própria de crimes políticos, podendo abarcar qualquer tipo de delito.
Ademais, pode ser promulgada, antes, durante ou depois do processo e da sentença
condenatória.
8
CRFB, Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: XII - conceder indulto e comutar penas,
com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei.
CRFB, Art. 5º, XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
9
CRFB, art. 5º, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
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O autor acrescenta que o direito penal não tutela o bem jurídico, pois não possui instrumentos para verificar a
efetividade dessa tutela. Prefere, então, falar em bem jurídico afetado (lesionado ou exposto a perigo).
e apenas suspendendo o conflito, ou seja, continua sendo irracional. Assim, tal princípio orienta
a escolha entre irracionalidades, devendo-se optar por aquela de menor conteúdo, ou seja, a
menos irracional.
As lesões devem ser, por conseguinte, hierarquizadas. Crimes contra a vida devem
receber penas mais graves que crimes contra o patrimônio (ao contrário do que acontece no
Brasil com o latrocínio).
11
Art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a
decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o
limite do valor do patrimônio transferido.
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Art. 5º, XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;
XLIII - XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
13
CP, art. 75 - O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos.
VI. Princípio da boa-fé e pro homine
O princípio da boa-fé se impõe como critério interpretativo de qualquer tratado
internacional14, e o princípio pro homine dele decorre, estabelecendo que, em caso de dúvida,
se decida sempre pelo sentido mais garantidor do direito de que se trate.
No Brasil, tais princípios vêm sendo ignorados pelo STF, que estipula que as normas de
tratados internacionais sobre direitos humanos não têm status constitucional, contrariando o art.
5º, §2º da CRFB15.
14
Convenção de Viena, art. 31.1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível
aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.
15
CRFB, art. 5º, §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte.
O estado de direito implica uma aspiração de eticidade não encontrada no estado de
polícia, cujo único limite é seu próprio poder, a ponto deste não divergir eticamente dos
“criminosos” que combate. Por esse motivo, o estado de direito deve impor a si próprio limites
eticizantes para que se legitime e possa exigir comportamentos adequados ao direito aos seus
cidadãos.