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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E CIÊNCIAS


ECONÔMICAS

INGRID MACHADO MENDONÇA


MATHEUS FERREIRA DOS REIS

Análise da política industrial e aplicações na economia brasileira

Goiânia-GO

2020
1. Introdução
O debate acerca da participação do Estado no funcionamento do mercado é formulado
por perspectivas distintas que vão desde a validação desse instrumento à argumentação sobre
a ineficácia do mesmo. Segundo Ferraz et al. (2013), dentre as principais correntes que
teorizam esse tema, destacam-se a ortodoxa - onde o Estado é tido como agente passivo para
correção das falhas de mercado - a desenvolvimentista, em que o Estado assume um papel
ativo na promoção e manutenção do desenvolvimento, e evolucionista que dá foco ao
processo de inovação e concorrência.
Tal intervenção estatal pode ser concebida, dentre outras maneiras, por meio da
combinação entre regulação e incentivos que compõem a política industrial vigente na nação.
Para os autores, entende-se como política industrial
o conjunto de incentivos e regulações associadas a ações públicas, que
podem afetar a alocação inter e intraindustrial de recursos, influenciando a
estrutura produtiva e patrimonial, a conduta e o desempenho dos agentes
econômicos em um determinado espaço nacional (FERRAZ et al., 2013,
p.313)

Na prática, os autores explicam que essas políticas podem assumir o caráter


horizontal, a fim de melhorar o desempenho da economia como um todo, por meio de
instrumentos reguladores como infraestrutura, propriedade intelectual e concorrência e/ou por
incentivos - em inovação, capital, fiscais ou outros. Além disso, também podem ser
implementadas políticas industriais verticais, privilegiando estrategicamente setores
específicos por, por exemplo, oferecerem maiores retornos.
A partir do exposto, este trabalho busca analisar as políticas industriais brasileiras e
apresentar a discussão teórico-empírica sobre a implementação e os efeitos obtidos por essas.
Para isso, nas seções seguintes são apresentados, respectivamente, um breve resgate histórico
sobre o tema, os estudos realizados sobre as políticas industriais recentes com diferentes
perspectivas e por fim, as considerações finais.
2. Resgate histórico
Frente aos países desenvolvidos, o Brasil teve uma industrialização tardia. Iniciada no
decorrer da década de 1930 e apoiada na política de substituição de importações, como forma
de propiciar competitividade externa e proteção à indústria nascente. Todavia, Suzigan
(1996) destaca que ainda nessa década não havia uma preocupação sistemática da política
econômica com a finalidade de fortalecer o desenvolvimento industrial e que, embora tenha
se iniciado nos anos 30, uma coordenação mais persistente e articulada da política industrial
ocorreu somente na metade da década de 1950.
Durante a década de 1950 o plano de metas do governo JK é responsável por
propiciar um grau maior de industrialização ao país, principalmente no tocante a produção de
bens duráveis de consumo e a expansão da infraestrutura energética e rodoviária do país.
Nesse sentido, o plano de metas mostra a evolução da coordenação política, econômica e
social dos agentes econômicos envolvidos no processo de industrialização brasileira,
sobretudo no que diz respeito ao papel do Estado como articulador do processo.
Já a partir da década de 1970 ganham destaque os Planos Nacionais de
Desenvolvimento – PND. Esses foram essenciais para o desenvolvimento de indústrias de
base e parte da indústria de bens de capital. Por outro lado, a partir da década de 1990 a
política industrial passa a ser subordinada por meio dos ideais difundidos globalmente de
estabilização das economias nacionais, principalmente dos países em desenvolvimento.
De modo geral, a economia brasileira utilizou de instrumentos verticais de política
industrial como forma de recuperar o atraso no processo de industrialização. Para tanto, o
protecionismo, investimento estrangeiro, incentivos fiscais e a participação do estado como
articulador do processo foram fundamentais para a criação da capacidade produtiva brasileira.
3. Políticas industriais recentes
A partir disso é possível apresentar o debate teórico-empírico acerca das mais recentes
políticas industriais, sendo elas a ​Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior
(PITCE, 2003-2008), a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP, 2008-2010) e o Plano
Brasil Maior (2011-2014). ​Alguns autores analisam essas políticas e seus efeitos por
diferentes óticas, as quais serão apresentadas nesta seção.
A PITCE, lançada ainda nos primeiros anos da década de 2000, associa, como o
próprio nome sugere, o desenvolvimento da indústria com inovação tecnológica e inserção de
competitividade internacional (SALERNO, 2004). Essa política se sustenta a partir de três
eixos fundamentais, sendo i) medidas horizontais (como modernização da indústria); ii)
medidas indutoras para quatro setores estratégicos (bens de capital, fármacos, semicondutores
e software) e iii) atividades portadoras de futuro (biomassa, nanotecnologia e biotecnologia),
(SALERNO, 2004; SCHAPIRO, 2013).
Buscando elevar o nível de competitividade da indústria, segundo Shapiro (2013) tal
política atingiu importantes desdobramentos. Esses, por sua vez, são apresentados pelo autor
e estão relacionados à reorientação estratégica das agências estatais, coordenação de uma
agenda legislativa voltada ao segmento industrial e a constituição de um novo arranjo
político-institucional. Apesar disso, ainda segundo o autor, tais medidas tiveram alcance
limitado, mas não detalha o motivo para tal.
Em maio de 2008 foi lançado a PDP, com o intuito de substituir a PITCE. A PDP teve
como principal objetivo propiciar sustentação à expansão da economia e especificamente
estimular e aumentar os investimentos produtivos, elevar as taxas de crescimento e
possibilitar que tal crescimento se desse em bases sustentáveis (ALMEIDA, 2008).
Diferentemente da PITCE, a PDP teve uma formulação mais abrangente, focalizando em um
número maior de setores – 25 setores - da economia brasileira e utilização de instrumentos
mais amplos.
Sendo assim, para a operacionalização da PDP era fundamental a interlocução do
setor público com o privado. Nesse sentido, compromissos transparentes entre ambos seriam
estabelecidos e devidamente monitorados através de metas quantitativas divididas em dois
níveis: i) macrometas (aumento da taxa de investimento, elevação do gasto privado em P&D,
entre outras) e ii) metas específicas (ações sistêmicas, destaques estratégicos, entre outras).
De modo geral, as macrometas não fazem distinção de setores e são reconhecidas por sua
abrangência e agem diretamente sobre as deficiências sistêmicas, já as metas específicas são
referentes aos objetivos propostos por cada um dos programas da Política.
Entre 2011 e 2014 foi implementado o PBM, em um cenário pouco favorável para o
desenvolvimento da indústria e investimento em inovação. Esse plano então, é tido como o
instrumento estatal que possibilitaria a competitividade e inovação no setor, com o
planejamento voltado para dois objetivos principais, como argumenta Shapiro (2013): uma
agenda estruturante focada em atingir o objetivo do instrumento criado, e outra sistêmica para
resolver eventuais problemas que comprometeriam a capacidade competitiva desse setor.
De acordo com Mattos (2013), o PBM está organizado de acordo com cinco
Diretrizes Estruturantes. A primeira está atrelada à concorrência de produtos nacionais em
relação aos importados, outras duas tratam sobre a promoção de inovação e as demais sobre
recursos energéticos, ambientais e o fomento ao impulso científico e tecnológico em setores
abundantes em recursos naturais, como explica o autor.
Das medidas implementadas pelo PBM, Mattos (2013) demonstra que cerca de 14%
podem ser classificadas como protecionistas, cerca de 35% estão voltadas à inovação, sendo
as outras divididas entre medidas para investimento, proteção, exportação e emprego. Ainda
segundo o autor, as críticas ao PBM estão principalmente relacionadas à falta de exigência de
contrapartidas, como uma “punição” em caso de má performance do segmento em que foi
concedido vantagens.
Através de uma abordagem metodológica voltada para a análise político-institucional,
Shapiro (2013) analisa como se dão os instrumentos de política industrial no Brasil. Sua
hipótese parte da ideia de que esses tenderiam mais a um viés corretivo – ricardiano – do que
para uma transformação da especialização industrial – schumpeteriana. O autor conclui,
então, que, “a despeito da existência de medidas voltadas à transformação industrial, a maior
parte das ações do Estado é ainda voltada a corrigir problemas sistêmicos do setor industrial”
e que, ainda
o setor tem problemas em coordenar esforços e, assim, formular uma agenda
política que tenha impacto estruturante, isto é, uma agenda capaz de alterar
qualitativamente os recorrentes problemas de competitividade que vêm
castigando a indústria brasileira desde a abertura abrupta da economia no
início dos anos 1990 (SHAPIRO, 2013 p.49-50).

Segundo Ferreira e Hamdan (2003), as estratégias bem sucedidas de desenvolvimento


por meio das políticas industriais estão permeadas por aspectos institucionais que incorporam
instrumentos horizontais de incentivos. Nesse sentido, o autor encontra evidências empíricas
relevantes na literatura que favorecem esse ponto de vista, citando o caso da Coreia do Sul
que utilizou de todo um aparato institucional para favorecer a aplicação das políticas
industriais, tais como questões fiscais e tributárias, infraestrutura, educação, entre outros.
Para o caso do Brasil, o autor destaca que o beneficiamento de alguns setores contribui muito
para o agravamento de distribuição de renda no Brasil, pois privilegia setores intensivos em
capital e em mão-de-obra qualificada.
Pinheiro et al. (2013) compartilham da visão apresentada por Ferreira e Hamdan
(2003) e apresentam argumentos de que o Brasil não consegue identificar corretamente as
falhas de mercado e isso dificulta saber quais os instrumentos corretos a serem utilizados. De
modo geral, os autores citados acreditam que os moldes da política industrial brasileira são
falhos e carecem de respaldo teórico e empírico que justifiquem as intervenções em setores
específicos e, portanto, defendem a visão de implementação de políticas horizontais que
invistam em fortalecimento da infraestrutura, educação, reformas no mercado de crédito,
entre outros.
Destarte, a visão dos autores apresentados corrobora com o que é defendido pela
vertente ortodoxa, ou seja, o Estado é tido como um agente passivo e que deve utilizar das
políticas industriais somente como instrumentos que visam corrigir falhas apresentadas pelo
mercado.
4. Considerações Finais
Este trabalho buscou apresentar o debate acerca do papel do Estado no mercado, por
meio da análise da formulação e execução das políticas industriais mais recentes no Brasil.
Após um breve resgate histórico, fundamental para a compreensão da base da indústria
nacional, foram apresentadas as três políticas e planos focalizados nesse setor aplicados a
partir do início da década de 2000, tendo sido finalizada a última em 2014 e, desde então,
novo plano para o setor não tem sido formalizado.
Sabe-se que, na teoria econômica, diversos autores divergem quanto à forma de
atuação do Estado na economia - ou se essa intervenção deveria acontecer. Os teóricos
defendem, dentre outras coisas, desde o papel passivo do Estado - como mero corretor das
falhas de mercado - ao ativo, como provedor do desenvolvimento focado, ou não, no
processo de inovação e concorrência.
A partir do levantamento proposto, é possível identificar traços dessas correntes
teóricas nas análises dessas políticas. Por exemplo, autores como Pinheiro et al. (2013)
acreditam no papel corretor do Estado, função não descartada por outros, mas complementar
ao papel desenvolvimentista ou evolucionista desse. Dessa forma, apesar dos diferentes
pontos de vista, a análise geral das políticas industriais no Brasil convergem quanto ao
reconhecimento da necessidade de correções institucionais e de infraestrutura, mas divergem
quanto à expansão dessas ações no sentido de promoção do desenvolvimento e concorrência,
principalmente por meio da inovação. Sendo assim, apesar de alguns autores reconhecerem
certos avanços promovidos pelas políticas industriais, é tido quase como consenso entre eles
que essas apresentaram falhas tanto estruturais, quanto à sua implementação.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Julio Sérgio Gomes de. A política de desenvolvimento produtivo. [São Paulo]:
IEDI​, 2008. 33 p.
FERRAZ, João Carlos; DE PAULA, Germano Mendes; KUPFER, David. Política industrial.
In: Economia industrial. Elsevier Editora Ltda., 2013. p. 313-323.
FERREIRA, Pedro Cavalcanti; HAMDAN, Guilherme. Política industrial no Brasil: ineficaz
e regressiva. Econômica, v. 5, n. 2, p. 305-316, 2003.

MATTOS, César. O que é o Plano Brasil Maior. ​Brasil: Economia e Governo​, 2013.
PINHEIRO, Maurício Canêdo et al. Por que o Brasil não precisa de política industrial. 2007.

SALERNO, Mario Sergio; DAHER, Talita. Política industrial, tecnológica e de comércio


exterior do governo federal (PITCE): balanço e perspectivas. ​Brasília: Agência Brasileira
de Desenvolvimento Industrial​, 2006.
SCHAPIRO, Mario. G. Ativismo Estatal e Industrialismo Defensivo: Instrumentos e
Capacidades na Política Industrial Brasileira. Texto para Discussão (IPEA. Brasília) , v.
1856, p. 7-56, 2013.
SUZIGAN, Wilson. Experiência histórica de política industrial no Brasil. ​Revista de
Economia Política​, v. 16, n. 1, p. 61, 1996.

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