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André Bueno
Textos de História da Índia Antiga
Rio de Janeiro: Ebook, 2016.
Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br
ISBN 978-85-65996-40-2

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André Bueno

TEXTOS DE HISTÓRIA
DA ÍNDIA ANTIGA

Rio de Janeiro
2016

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Índice

Introdução, p.7
Antologia, p.15
1. Surgimento do mundo pelo sacrifício de Purusha – Rig Veda
2. Quem criou o Mundo? – Rig Veda
3. O Ovo Cósmico – Shataphata Brahamana
4. O Dilúvio Indiano – Shatapatha Brahmana
5. A história do Universo – Manavadharmashastra
6. Há Deuses? – Mojjhima Nikaya
7. Evolução dos Mundos – Dhiga Nikaya
8. A Alma imortal – Bhagavad Gita
9. A ilusão – Bhagavad Gita
10. Purusartha, os quatro pilares da vida indiana – Kama Sutra
11. As Castas – Mojjhima Nikaya
12. Casta dos Brâmanes – Manavadharmashastra
13. Casta dos Xátrias – Manavadharmashastra
14. Casta dos Vacias – Manavadharmashastra
15. Casta dos Sudras - Manavadharmashastra
16. As Castas na visão dos gregos – Anabasis
17. As regras da Vida - Dharma Sutras
18. Os piores pecados do Dharma - Dharma Sutra
19. A Condição Feminina - Manavadharmashastra
20. A predominância da Misoginia - Manavadharmashastra
21. O Casamento - Grihya Sutra
22. Ritos Matrimoniais - Dharma Sutras
23. Direitos Femininos - Arthashastra
24. A Morte do Amor - Kumarashambava

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25. O Sábio dos Vedas – Rig Veda
26. O Sábio - Khata Upanishad
27. Os Sábios Jainas – Sutra Kritanga
28. Os Sábios Budistas – Dhamapada
29. Diálogo de Sábios e Reis – Milinda Panha
30. O Rei ideal – Manavadharmashastra
31. O Soberano - Arthashastra
32. O Soberano Ecumênico – Éditos de Ashoka
33. Questões econômicas – Manavadharmashastra
34. Questões econômicas – Arthashastra
35. Práticas Políticas – Manavadharmashastra
36. Práticas Políticas - Arthashastra
37. A importância do Conselho - Arthashastra
38. Políticas internacionais – Éditos de Ashoka
39. Os indianos na visão dos gregos – Anabasis
40. A prática das Leis - Manavadharmashastra
41. Invocação divina da Guerra - Rig Veda
42. Prece para derrota de inimigos - Atharva Veda
43. A guerra como exercício do Dharma - Bhagavad Gita
44. A guerra dos indianos - Anabasis
45. Teoria sobre a Guerra - Arthashastra
46. Formação de batalha - Arthashastra
47. Os Nomes de Indra, o Rei dos Deuses – Sama Veda
48. A Cerimônia do Suco do Soma - Sama Veda
49. Iniciação ao Estudo Sagrado - Dharma Sutra
50. Regras para o Asceta - Dharma Sutras
51. Hino à Palavra - Atharva Veda
52. Hino para ser entoado em um funeral - Atharva Veda
53. Libações nas cerimônias fúnebres - Manavadharmashastra
Referências, p.95

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Introdução

Textos de História da Índia Antiga é a tentativa de produzir uma


nova coletânea de textos sobre a história indiana, centrada em
seus períodos mais antigos. Minha primeira iniciativa, mais
extensa, redundou em Cem textos de história indiana [2011], que
pretendia dar um quadro mais amplo, tanto em termos temporais
quanto temáticos, dessa civilização. Agora, proponho-me a fazer
uma versão menos, reduzida, porém mais específica.
Como em outras produções do gênero, faço questão de
frisar que esse não é um livro definitivo, mas antes de tudo,
introdutório. Ele serve de livro fonte para aqueles que gostam de
estudar Índia, ou, de ferramenta pedagógica para aqueles que
precisam abordar esse tema em sala de aula, tanto na escola
quanto na universidade.
Muitos textos aqui já foram apresentados anteriormente,
mas tentei, o quanto pude apresentar textos originais. Igualmente,
não se pode pretender que a literatura indiana dê um quadro
preciso de como funcionava essa sociedade em sua antiguidade:
no entanto, os fragmentos aqui apresentados podem nos auxiliar a
construir um quadro sobre a mentalidade da civilização clássica da
Índia, suas leis, idealizações, costumes e práticas.

Uma introdução a História da Índia Antiga


Apenas com o fito de estabelecer o que veremos a seguir,
precisamos montar um pequeno panorama histórico indiano. O
estudo da história, na Índia, é bastante recente. Os indianos
tradicionais tratavam a questão histórica de modo muito

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semelhante aos gregos antigos: suas histórias deveriam trazer
exemplos morais e espirituais, sem uma preocupação exata com
questões cronológicas ou factuais. Assim, o material de que
dispomos se aproxima muito mais de Homero ou Hesíodo do
que, propriamente, de Heródoto ou Tucídides. Os indianos
conseguiram um feito notável: transferiram o problema de
preservar a narrativa histórica para o de manter as práticas
religiosas. Assim, os indianos não deram atenção substancial ao
tempo, mas sim, a como dar continuidade as suas crenças
espirituais. Com isso, fizeram com o que a história da Índia se
confundisse com a história do próprio hinduísmo [e, de forma
contígua, do Jainismo e do Budismo]. Textos antiquíssimos
foram preservados, por meio de uma zelosa tradição, permitindo-
nos ter acesso ao pensamento de períodos remotos do segundo
milênio AEC. A preservação da cultura indiana tradicional
dispensou, por séculos, a necessidade de ser historiografada.
Por isso, é da arqueologia moderna que proveio um exame
mais nítido das civilizações indianas antigas. Tal como a China, a
Índia parece ter um passado neolítico autóctone. Em torno do
terceiro milênio AEC, civilizações profundamente desenvolvidas,
em termos técnicos e culturais, habitavam cidades ao longo do
vale do Indo, das quais se destacaram Mohenjo Daro e Harappa.
Sabe-se hoje que essas cidades, planejadas e extremamente bem
organizadas, possuíam contatos comerciais diretos com a Suméria,
e provavelmente, com o Egito. Podem, assim, ser tranquilamente
classificadas entre as culturas urbanas mais antigas do mundo.
Todavia, o processo de alteração dos cursos de água forçou uma
gradual mudança dessas sociedades de seu espaço original. Não
conhecemos de modo exato a língua e a escrita utilizada nessa
época, que ainda se encontra em processo de tradução.

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O segundo milênio acompanharia a chegada gradual de
povos vindos da Ásia central, que denominavam a si mesmos de
‘senhores’ [arianos]. Nômades, pastores e guerreiros, com uma
cultura politeísta, eles se infiltrariam ao longo de séculos no
subcontinente indiano, mesclando-se com as populações
autóctones. Dessa rica fusão, nasceria a cultura védica, que
estruturaria os pilares da civilização indiana clássica. Foi o período
em que surgiu a literatura indiana, redigida em sânscrito, sua
língua sagrada, que trouxe a luz os Vedas [revelações] e depois, os
Upanishads, as especulações filosóficas e religiosas sobre o
pensamento indiano.
Pode-se dizer que o período védico termina quando,
justamente, a sociedade começa a repensar suas formas de crença.
Em torno do século -10, um extenso movimento político, social e
intelectual renova a cultura indiana. Isso se reflete no paulatino
crescimento de certos Estados, cuja autoridade real se reforça e se
consolida. Em torno do século -6, esses grandes reinos formam o
período chamado de Mahajanapadas [grandes reinos],
delicadamente equilibrados em frágeis redes de poder. Nessa
mesma época, a insatisfação com esse mundo de conflitos, regido
por um opressivo regime de castas, faz surgir o Jainismo e o
Budismo.
Os indianos sofreriam com as invasões estrangeiras: no
século -5, os persas; depois, no século -4, os gregos. Com eles,
aprenderam a experiência da unificação política, importante como
fator de resistência cultural e política. Em breve construiriam seu
próprio império, a dinastia Maurya, que tomaria quase toda a
Índia sob seu controle, constituindo-se de um dos maiores
impérios da antiguidade. Embora não tenha durado além do

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século -2, revelaram-se ao mundo indiano as vantagens e
desvantagens da unidade cultural e política.

Literatura indiana antiga:


Glossários dos textos utilizados nessa coletânea
Anabasis – Redigido por Arriano, escritor latino do século +2, ele
nos traz fragmentos da Historia Indika de Megastenes, grego que
esteve presente na corte Maurya. Por ser um testemunho histórico
da época, decidi incluí-lo na coletânea, sendo o único texto
estrangeiro dessa coletânea.
Arthashastra – O Livro de Artha [a lei social] é um tratado do
século -4 escrito por Kautilya, um dos principais intelectuais da
dinastia Maurya. Abordando questões sobre política, leis, guerra
e economia, é o principal texto do pensamento social indiano
junto com o Manadharmashastra.
Atharava Veda – Veda tardio, considerado por muitos brâmanes
como apócrifo. Contém fórmulas mágicas, magias e feitiços. É
provável que tenha sido constituído a partir da religiosidade
popular, concomitantemente aos Vedas principais. Hoje, é aceito
como parte absoluta da tradição védica.
Bhagavad Gita – Livro que integra a grande epopeia do
Mahabharata, a ‘Canção do Senhor’ é um dos textos filosóficos e
religiosos mais importantes do hinduísmo. Trata-se do diálogo de
Arjuna, um dos personagens principais da história, e Krishna,
encarnação do deus Vishnu e salvador da humanidade. Sua
redação surgiu, provavelmente, em torno dos séculos -2 ou -1,
mas seus temas são muito anteriores.
Dhamapada – um dos textos fundamentais do budismo, trazendo
os sermões de Buda [Sidarta Gautama] sobre o Dharma [Dhama].

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Dharma Sutras – conjunto de textos elaborado ao longo dos
séculos -5 a -3, tratando sobre questões rituais, práticas
devocionais e discussões sobre aspectos do hinduísmo. Parecer ser
posterior ao Manavadharmashastra, pois algumas de suas seções
são compilações deste texto.
Dhiga Nikaya – um dos textos do cânone budista, provavelmente
produzido a partir de anotações entre os século -5 ou -4.
Éditos de Ashoka – Esse conjunto de epígrafes foi produzido pelo
imperador indiano Ashoka, da dinastia Maurya, ao longo do
século -3. Seu objetivo era difundir uma mensagem política e
religiosa universalista e ecumênica, sendo vertido em vários
idiomas diferentes, como grego e aramaico.
Grihya Sutra – conjunto de textos, provavelmente elaborado no
final do século -3 ou -2 [mas não temos qualquer segurança
quanto a esta afirmação], que junto com os Dharma sutras,
estabelece os mais diversos rituais e procedimentos religiosos de
cunho doméstico.
Kama Sutra – Texto que trata do terceiro pilar da vida indiana,
junto com Dharma [lei religiosa] e Artha [lei social]. O livro do
Desejo [kama] é tardio em relação ao período aqui abordado, mas
foi composto por textos diversos bem anteriores a sua redação.
Trata-se de uma compilação de regras sociais e sexuais, abordadas
por um cunho filosófico e sociológico.
Khata Upanishad – Um dos sete Upanishads fundamentais. Os
Upanishads são textos que completavam a tradição védica,
especulando sobre suas crenças religiosas por um viés metafísico
bem definido. São os textos que definem a crença na
reencarnação, e seu papel dentro do hinduísmo.
Kumarashambava – Peça de teatro do escritor Kalidasa,
dramaturgo do século +4. Embora posterior ao período que

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abordamos, Kalidasa abordava mitos tradicionais do hinduísmo,
das quais trazemos um fragmento nessa coleção.
Manavadharmashastra – As Leis de Manu teriam sido formuladas
por Manu, o sobrevivente indiano do dilúvio universal. De fato, o
livro chama-se ‘O Dharma de Manava’, ou seja, apresenta o
conjunto das leis e prescrições religiosas da sociedade indiana
antiga. É provável que tenha sido redigido em reação as
especulações aparecidas com os Upanishads, tentando reforçar
uma ideia de tradição. É dificílimo datá-lo: com muito cuidado e
reticências, propomos que ele tenha sido redigido em algum
momento do século -7 ou -6.
Milinda Panha – Fabuloso texto budista, escrito em torno do
século -2 ou -1, que trata do encontro de um sábio budista
indiano, Nagasena, com um rei grego, Menandro [Milinda]. Um
dos primeiros encontros interculturais narrados da antiguidade. A
discussão filosófica encaminha temas budistas, que teriam
culminado com a conversão desse soberano a doutrina.
Mojjhima Nikaya – outro dos textos do cânone budista,
construído a partir de memórias recorrentes do Budismo
primitivo.
Rig Veda – Primeiro e fundamental texto do período védico,
trata-se de uma coleção ampla de hinos que nos revelam as
crenças e práticas culturais da Índia Antiga em torno do segundo
ao primeiro milênio AEC.
Sama Veda – Junto com o Sama e o Yajur, é considerado um dos
Vedas [revelações] fundamentais do pensamento védico, contendo
fórmulas rituais e cantos diversos.
Shatapatha Brahmana – Depois dos Vedas, um conjunto de
lendas, tradições e discursos foi recolhido pela classe bramânica,
constituindo esse texto antiquíssimo. Ele nos traz alguns dos

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primeiros mitos da história indiana, contribuindo para a
compreensão de suas origens e transformações.
Sutra Kritanga – um dos textos da escola Jaina, produzido em
torno do século -6 ou -5.

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ANTOLOGIA

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1.Surgimento do mundo pelo sacrifício de Purusha
Rig Veda

Mil cabeças tem Purusha, mil olhos, mil pés.


Por toda parte impregnando a terra
Ele enche um espaço com dez dedos de largura.
Esse Purusha é tudo que até agora já foi e tudo que será,
O senhor da imortalidade que se torna maior ainda pelo
alimento.
Tão poderosa é sua grandeza! Sim, maior do que isto é Purusha.
Todas as criaturas são uma quarta parte dele, três quartas partes
são a vida eterna no céu.
Com três quartos Purusha subiu; um quarto dele novamente
estava aqui.
Daí saiu para todos os lados por sobre o que come e o que não
come.
Dele nasceu Viraj; e novamente de Viraj nasceu Purusha.
Assim que nasceu, espalhou-se para oriente e ocidente sobre a
terra.
Quando os deuses prepararam o Sacrifício com Purusha como sua
oferenda,
Seu óleo foi a primavera; a dádiva santa foi o outono; o verão foi a
madeira.
Eles embalsamaram como vitima sobre a grama o Purusha
nascido no tempo mais antigo.
Com ele as deidades e todos os Sadhyas e Rishis fizeram sacrifício.
Desse grande Sacrifício geral a gordura que gotejava foi colhida.
Ele formou as criaturas do ar, os animais selvagens e
domesticados.

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Daquele grande Sacrifício geral os Hinos Rig e os Hinos Sama
nasceram;
Daí foram produzidos encantamentos e sortilégios; os hinos Yajur
surgiram disso.
Dele nasceram os cavalos e todo o gado com duas fileiras de
dentes;
Dele se reuniu o gado vacum, dele nasceram cabras e ovelhas.
Quando dividiram Purusha, quantos pedaços fizeram?
A que chamam sua boca, seus braços? A que chamam suas coxas e
pés?
O Brâmane foi sua boca, de ambos os seus braços foi feito o
Rajanya (xátria).
Suas coxas tornaram-se o vaixa, de seus pés o sudra foi produzido.
A Lua foi engendrada de sua mente, e de seu olho o Sol nasceu;
Indra e Agni nasceram de sua boca, e Vayu de seu alento.
De seu umbigo veio a atmosfera; o céu foi modelado de sua
cabeça;
A terra de seus pés, e de suas orelhas as regiões. Assim eles
formaram os mundos.
Sete bastões de luta tinha ele, três vezes sete camadas de
combustível foram preparadas,
Quando os deuses, oferecendo o sacrifício, manietaram sua
vítima, Purusha.
Os deuses, sacrificando, sacrificaram a vítima; estes foram os
primeiros sacramentos.
Os poderosos chegaram às alturas do céu, lá onde os Sadhjas,
deuses antigos, estão morando.

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2. Quem criou o Mundo? – Rig Veda

Então não existia o não-existente, nem o existente - não havia


reino do ar, nem céu além dele.
O que encobria, e onde? E o que dava abrigo? Existia água ali,
uma profundidade insondável de água?
Não existia então a morte, nem coisa alguma imortal – não havia
sinal, o divisor do dia e da noite.
Aquela coisa única, sem alento, respirou por sua própria natureza
- a não ser ela, não existia coisa alguma.
Existia treva; de começo oculto na treva, esse Tudo era caos
indiscriminado.
E tudo quanto existia então era vazio e sem forma - pelo grande
poder do calor nasceu aquela unidade.
Daí em diante surgiu o desejo no início, Desejo, a semente e
germes primevos do espírito.
Sábios que buscavam com o pensamento e seus corações
descobriram o parentesco do existente no não-existente.
Transversalmente sua linha de separação se estendeu - o que
estava acima, então, e abaixo?
Existiam reprodutores, forças poderosas, ação livre aqui e energia
acima, além.
Quem realmente sabe e quem pode declarar, de onde nasceu e de
onde veio essa criação?
Os deuses vieram depois da produção deste mundo. Quem sabe,
portanto, de onde ele veio pela primeira vez?
Ele, a primeira origem desta criação, tenha formado a mesma toda
ou não a tenha formado,
Cujo olho controla este mundo no céu mais alto, ele realmente
sabe, ou talvez não saiba.

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3. O Ovo Cósmico – Shataphata Brahamana

Na verdade, de inicio este universo era água, nada mais que um


mar de água. As águas desejaram: "Como podemos reproduzir?”
Elas se esforçaram e praticaram devoções fervorosas, e quando se
estavam aquecendo foi produzido um ovo dourado. O ano, na
verdade, não estava então em existência - esse ovo dourado
flutuou durante o espaço de um ano.
No período de um ano um homem, este Prajapati, a foi
produzido dali, e por isso uma mulher, uma vaca ou uma égua
gera dentro do espaço de um ano, pois Prajapati nasceu em um
ano. Ele rompeu o ovo dourado. Não existia então, na verdade,
qualquer lugar de descanso; apenas esse ovo dourado, trazendo-o,
flutuava durante todo o espaço e um ano.
No finai de um ano, ele tentou falar. Disse "bhuhr", palavra que
se tornou esta terra; - "bhuvar", que se tornou o ar; - “svar", que
se tornou o céu além. Por isso uma criança tenta falar ao fim de
um ano, pois ao fim de um ano Prajapati tentou falar.
Quando falava ela primeira vez, Prajapati dizia palavras de uma
sílaba e de duas sílabas; por isso uma criança, quando fala pela
primeira vez, diz palavras de uma e duas sílabas.
Essas três palavras consistem em cinco sílabas e ele as tornou as
cinco estações. Ao final do primeiro ano, Prajapati subiu para
estar sobre essas palavras assim produzidas; por isso uma criança
tenta estar de pé ao fim de um ano, pois ao um de um ano
Prajapati ficou de pé.
Ele nasceu com uma vida de mil anos; assim como alguém
poderia ver a distância a costa em frente, assim ele olhou a costa a
frente de sua própria vida. Desejando ter progênie, continuou a
cantar louvores e a trabalhar.

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Estabeleceu o poder de reprodução em seu próprio eu. Pelo alento
de sua boca criou os Devas - os deuses foram criados ao entrar no
céu; e esta é a divindade dos deuses, a que tenham sido criados ao
entrar no céu. Tendo-os criado houve, por assim dizer, dia para
ele e esta é também a divindade dos deuses, a que, depois de criá-
los, houve, por assim dizer, dia para ele.
E pelo alento ou respiração para baixo, ele criou os Asuras - que
foram criados entrando nesta terra. Tendo-os criado houve, por
assim dizer, treva para ele.
Agora que a luz do dia, por assim dizer, existia para ele, ao criar os
deuses, isso ele fez o dia; e a treva, por assim dizer, que havia para
ele, ao criar os Asuras, disso ele fez a noite - eles são esses dois, o
dia e a noite.

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4. O Dilúvio Indiano – Shatapatha Brahmana

Pela manhã trouxeram a Manu água para se lavar, assim como


hoje trazem água para lavar as mãos. Quando se lavava, um peixe
veio ter as suas mãos.
O peixe lhe disse: "Ajuda-me, eu te salvarei!" Do que me
salvarás?”
"Uma enchente varrerá todas estas criaturas - isso te salvarei!"
"Como te devo ajudar?”
O peixe lhe disse: "Enquanto somos pequenos, há grande
destruição para nós e um peixe devora o outro. Tu me manterás
primeiro em uma jarra. Quando eu crescer, tu cavarás um poço e
me manterás nele. Quando eu crescer mais, tu me levarás ao mar,
pois estarei então além da destruição".
O peixe logo se tornou grande, com o que disse: "Em tal e qual
ano a enchente virá. Tu ouvirás então o meu conselho,
preparando um navio; e quando a enchente chegar tu entrarás no
navio e eu te salvarei dela".
Depois de criado desse modo, ele o levou para o mar. E no
mesmo ano que o peixe dissera ele ouviu seu conselho,
preparando um navio; e quando a enchente chegou, ele entrou no
navio. O peixe então nadou para ele e a seu chifre ele atou a corda
do navio, passando assim rapidamente para outra montanha no
norte.
Ele disse então: "Eu te salvei. Amarra o navio à uma arvore, mas
não deixa a água te levar, enquanto estiveres na montanha. A
medida que a água baixar, tu poderás descer gradualmente!"
Assim fazendo, ele desceu gradualmente e por isso aquela encosta
da montanha ao norte se chama "a descida de Manu!" A enchente
então varreu todas estas criaturas e somente Manu ficou aqui.

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5. A história do Universo – Manavadharmashastra

O Ser Supremo atribuiu a cada criatura uma categoria diferente, e


dentro dessa categoria, eventos, funções e vários deveres.
Assim foram criados os seres de todos os tipos.
Esses seres, por atos anteriores, nasceram entre deuses, homens ou
animais, e experimentaram suas transformações infinitas em todo
o mundo, que é destruído e renovado constantemente.
Tendo criado o universo dessa maneira, ele cujo poder é
incompreensível, desapareceu novamente, absorto em sua alma e
substituiu o tempo gasto pelo tempo que vem. Quando Deus
vela, o universo torna suas ações; quando ele dorme, seu espírito é
absorvido em um sono profundo e se destrói o próprio universo.
[...]
Um dia de Brahma é composto por mais de 4000 milhões de anos
humanos e é dividido em 14 períodos: cada uma dessas vezes é
presidido por um Manu, e revelado por uma inundação que
destrói tudo.
Quando o dia de Brahma se conclui, a noite de Brahma começa,
então o mundo não existe porque tudo vem ao nada (no
indeterminado).
Um dia e noite de Brahma formam um Kalpa, 360 Kalpas
constituem um ano divino. No final de cem anos desse tipo, o
universo será dissolvido novamente e o mesmo Brahma entrou em
nada (o indefinido) do Ser Supremo, o Ser que só existe em si.
Depois, há a própria a luz, eu espontaneamente dá origem a uma
nova Brahma, e criações começam de novo.

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6. Há Deuses? – Mojjhima Nikaya

- Ora, excelente Gotama, existem devas?


- é uma coisa por mim conhecida de modo certo, Bhãradvãja;
existem Devas.
- Não é isso vão e falso?
- Existem devas, Bhãradvãja. Se [um mestre] interrogado
responde que existem devas, ou se ele diz: "é uma coisa conhecida
de certo modo, conhecida por mim", é bem esta conclusão a que
chegarão os homens inteligentes.
- Por que não explicaste isso desde o princípio, excelente Gotama?
- Mas é uma coisa reconhecida no mundo, que existem Devas.

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7. Evolução dos Mundos – Dhiga Nikaya

Há, ó monges, eremitas e brâmanes que são em parte eternalistas,


em parte não-eternalistas. Eles assentam em princípio por quatro
razões que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-
eternos. Quais são os motivos? Ó monges, se produz um estado
em que, a um momento dado após um longo lapso de tempo, este
mundo está em involução. Este mundo estando em involução, os
seres na sua maioria tornam-se Radiantes. Tornam-se compostos
de espírito, gozam do êxtase, lúcido quanto ao eu, circulando no
céu, permanecendo na glória; eles duram durante uma longa,
longa existência. Ora, monges, produz-se um estado em que, a
um dado momento, após um longo lapso de tempo, este mundo
está em evolução. Este mundo estando em evolução, vem a
aparecer a morada vazia de um Brahma. Então um ser, seja que a
duração de sua vida esteja esgotada seja que seu mérito esteja
esgotado tendo morrido no grupo dos Radiantes, surge na morada
vazia de um Brahma. Ele se toma composto de espírito, goza do
êxtase, lúcido quanto ao eu, circulando no céu, permanecendo na
glória, ele dura durante uma longa, longa existência. Se eu
estando perturbado, de aí permanecer na solidão, após uma longa
existência, a falta de contentamento e a agitação nascem nele, e ele
pensa: "Praza ao Céu que outros seres venham também a este
estado". Então determinados seres também eles, seja porque a
duração de sua vida está esgotada, seja porque seu mérito está
esgotado, tendo morrido no grupo dos Radiantes surjam na
morada de Brahma, na companhia deste ser. Estes são igualmente
compostos de espíritos, etc. e duram durante uma longa
existência.

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8. A Alma imortal – Bhagavad Gita

Tu tens estado lamentando quem não deveria ser lamentado e,


todavia, disseste (parece) palavras de sabedoria; mas a lamentação
verdadeiramente sábia não é para o morto nem para o vivo.
Não é verdade que eu tenha existido antes, nem tu, nem todas as
coisas. Não é verdade que todos nós tenhamos de deixar e existir
daqui por diante.
Como neste corpo a alma encarnada passa através da infância, da
juventude e da velhice, assim também ela vai de um corpo para
outro; portanto, o sábio nunca se engana no que diz respeito a ela
(a alma).
Ó filho de Kunti, as sensações de calor, frio, prazer, dor são
produzidas pelo contacto dos sentidos com os objetos-sentidos:
Têm princípio e fim, são transitórios. Portanto, ó Bharata,
suporta-as (bravamente).
Ó poderoso, entre os homens está apto a ganhar a imortalidade
aquele que é sereno e não se aflige com essas sensações, porém é o
mesmo no prazer e na dor.
Não há existência para o irreal e o real jamais pode ser-inexistente.
Os Videntes de Verdade sabem onde ambos terminam.
Conhecem que é indestrutível Aquele que em tudo penetra.
Ninguém pode jamais destruir este Imutável.
Estes corpos são perecíveis. Mas os que moram nestes corpos são
eternos, indestrutíveis e impenetráveis. Luta, pois, ó descendente
de Bharata!
Aquele que considera este (o Eu) um assassino ou aquele que
supõe que este (o Eu) é assassinado não conhece a Verdade.
Porque ele não mata, nem ele é morto.

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Este (o Eu) não nasce, nem morre, nem depois de ter- sido
descamba no não-ser. Este (o Eu) não nasce, é eterno, imutável,
antigo. Jamais é destruído, nem mesmo quando o corpo o é.
Ó filho de Pritha, como pode matar, ou causar a matança de
outrem, aquele que sabe que este (o Eu) é indescritível, eterno,
inascido e imutável?
Assim como o homem despe as roupas velhas e veste outras novas,
assim também a alma, despindo os corpos gastos, entra em outros
que são novos.
Espada não pode perfurá-lo (o Eu), fogo não pode queimá-lo,
água não pode molhá-lo e o ar não pode secá-lo.
Ele não pode ser perfurado, nem queimado, nem molhado, nem
enxugado. Ele é eterno, onipresente, imutável, permanente,
perpétuo.

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9. A ilusão – Bhagavad Gita

O Bem-aventurado Senhor disse:


Ó poderosamente-armado, Sattwa, Rajas, Tamas, essas Gunas
(qualidades), nascidas de Prakriti, mantendo o imutável, mantêm
a alma no corpo.
Ó sem pecado, dessas (Gunas) Sattwa, sendo transparente,
luminoso e livre de mal, mantém (os corporificados) pelo apego à
felicidade e o apego ao saber.
Ó filho de Kunti, conhece Rajas como tendo a natureza da
paixão, dando origem à sede (pelo prazer) e ao apego. Mantém o
corporificado pelo apego à ação.
Ó Bharata (Arjuna), conhece Tamas como nascido da ignorância;
engana todos os seres corporificados e mantém pela percepção
falsa, indolência e sono.
Ó Bharata, Sattwa prende alguém à felicidade; Rajas à ação;
enquanto Tamas, cobrindo a sabedoria, prende à falsa percepção.
Ó Bharata (algumas vezes) Sattwa predomina sobre Rajas e
Tamas; (algumas vezes) Rajas predomina sobre Sattwa e Tamas; e
(algumas vezes) Tamas sobre Sattwa e Rajas.
Quando a luz da compreensão brilha atravessando todos os
sentidos deste corpo, então deve ser percebido que Sattwa
predomina.
Ó Príncipe da raça Bharata, ambição, atividade (excessiva),
empreendimento, inquietude, anseio, essas coisas prevalecem
quando Rajas predomina.
Ó descendente de Kuru, trevas, inércia, percepção falsa e também
engano prevalecem quando Tamas predomina.

28
Se o corporificado encontra a morte quando Sattwa predomina,
então ele alcança as regiões imaculadas dos que conhecem o
Supremo.
Encontrando-se com a morte em Rajas, nasce-se entre os que
gostam de ação; e morrendo em Tamas, nasce-se nos ventres de
seres insensíveis.
O fruto das boas ações é declarado Sattwika e puro; o fruto de
Rajas (feitos apaixonados) é dor; e ignorância é o fruto de Tamas.
Sabedoria nasce de Sattwa; ambição de Rajas; falsa percepção,
engano e ignorância surgem de Tamas.
Os habitantes de Sattwa elevam-se; os Rajasic (de naturezas
apaixonadas) ficam no meio; e os Tamasic, vivendo nas funções
da mais baixa Guna, inferiorizam-se.
Quando o Vidente não avista outro agente senão os Gunas, e
conhece também Aquilo que é superior às Gunas, então ele atinge
Meu Ser.
O corporificado, tendo ultrapassado essas três Gunas, fora das
quais o corpo desdobra-se, fica livre do nascimento, morte,
declínio e dor, e atinge a imortalidade.
Arjuna disse:
Ó Senhor, quais são os signos daquele que ultrapassou as três
Gunas? Quais são suas características e como ultrapassa essas três
Gunas?
O Bem-aventurado Senhor disse:
Ó Pandava, aquele que nem odeia a presença da iluminação
(Sattwa), atividade (Rajas) ou ilusão (Tamas) nem anseia por elas
quando ausentes;
Aquele que está sentado desinteressado (como um espectador) e a
quem as Gunas não fazem agir, que está parado e sem comover-
se, sabendo que somente as Gunas trabalham;

29
Aquele que é o mesmo no prazer e na dor; controlado;
considerando do mesmo modo um monte de terra, uma pedra e o
ouro; que é o mesmo no prazer e no aborrecimento, no elogio e
na censura, e firme;
Aquele que é igual na honra e na desonra, o mesmo para amigo e
o inimigo, abandonando todos os empreendimentos egoístas, esse
diz-se passou além de todas as Gunas.
E aquele que, passando por cima das Gunas, serve-me com
devoção inabalável, torna-se apto a atingir a unidade com o
Brahman.
Pois eu sou a morada de Brahman, o imutável, o imortal, o
dharma eterno e a bem aventurança absoluta.

30
10. Purusartha, os quatro pilares da vida indiana
Kama Sutra

A existência do homem dura cem anos. Por esse motivo, ele deve
praticar o Dharma, o Artha e Kama, em épocas diferentes, de
modo que possam harmonizar-se sem o menor desacordo. Ele
deve adquirir instrução, quando menino. Chegando à juventude e
à idade madura, vai ocupar-se de Artha e de Kama. Na velhice,
voltará a dedicar-se ao Dharma, a fim de alcançar Moksha (a
libertação) e assim estará isento de mais outra transmigração.
Sendo incerto o curso da existência, ele poderá praticá-los nas
épocas indicadas. Mas note-se que o homem deve ter uma vida de
estudante religioso, até findar a sua educação.
Dharma é obediência ao mandamento dos Shastra - a escritura
sagrada dos hindus -, para que se executem certos atos tais como
os sacrifícios, os quais, geralmente; não se celebra porque,
pertencendo a outro mundo, não produzem efeito visível.
Também os Shastra mandam que não se faça outras coisas, como
alimentar-se de carne, o que se faz frequentemente, pois isso é
deste mundo e tem efeitos visíveis.
Dharma é ensinado pela Shruti (Escritura sagrada) e por aqueles
que a explicam.
Artha é a aprendizagem das artes, a aquisição de terra, ouro, gado,
muitas posses, carruagens, amigos. É a proteção de tudo quanto se
adquiriu e o aumento do que está protegido.
Artha é ensinado pelos oficiais do rei e pelos negociantes que têm
experiência das práticas do comércio.
Kama é o gozo dos objetos acessíveis a cada um dos cinco sentidos
- ouvido, tato, vista, paladar, olfato -, dirigidos pelo intelecto,
inseparavelmente unido ao Ego (alma). O objetivo de Kama é o

31
prazer. Mas o significado especial da palavra kama está denotado
pelo forte desejo, nos homens e mulheres, de um contato especial,
que produz o máximo prazer, seguido de outros prazeres menores,
que são como as sombras do prazer maior.
Kama é ensinado nos Kama Sutra (Aforismos sobre o amor) nas
recepções e reuniões de cavalheiros experientes na arte de amar.
Quando se praticam os três, Dharma, Artha e Kama, o anterior é
melhor do que o posterior, ou seja, Dharma é melhor do que
Artha e Artha melhor do que Kama, Por exemplo; a satisfação do
desejo erótico está subordinada à aquisição de riqueza. Esta, por
sua vez, subordina-se ao mérito religioso, o mais importante entre
os demais objetivos da existência.

32
11. As Castas – Mojjhima Nikaya

Eis, senhor, as quatro castas: a dos nobres, a dos pobres, a dos


comerciantes, e a dos trabalhadores. Entre elas, duas têm a
supremacia: a dos nobres e a dos sacerdotes: isto pelo modo com
que se dirigem a seus membros, com que os saúda levantando-se e
juntando as mãos em homenagem, e com que são tratados. Há
cinco qualidades que devem ser procuradas: a fé, a saúde, a
sinceridade, a energia, a sabedoria. As quatro castas podem ser
dotadas das cinco qualidades que se deve procurar e recebem a
bênção e a felicidade por muito tempo. E eu não digo que em seu
caso que haja uma distinção em seu esforço. É como se se tivesse
um par de elefantes domesticados, cavalos ou bois bem
domesticados, exercitados; e um outro par não domesticado e não
exercitado. O primeiro par seria contado como domesticado,
atingiria o valor dos animais domesticados; o segundo, não. Da
mesma maneira não é possível que o que se adquire pela fé, a
saúde, a sinceridade, a ausência de velhacaria possa se obter onde
há falta de fé, a má saúde, o engano, a velhacaria, a inércia, a
sabedoria limitada. No caso das quatro castas se [seus membros]
são dotados de cinco qualidades que se deve procurar, se eles
fazem os esforços devidos, eu digo que neste caso não há diferença
entre libertação e libertação. É como se quatro homens, um
trazendo lenha bem seca, outro uma acha seca da árvore sãla, o
terceiro uma acha seca de mangueira, o quarto uma acha seca de
figueira, fizessem cada um fogo que produzisse calor. Haveria
uma diferença entre os fogos produzidos por estas diferentes
madeiras quanto à sua chama, sua cor, ou seu clarão? O mesmo
sucede com o calor aceso pela energia e produzido pelo esforço.
Eu não digo que haja diferença entre libertação e libertação.

33
12. Casta dos Brâmanes – Manavadharmashastra

Ao Brâmane corresponde o estudo dos textos sagrados e dos


sacrifícios [...]
Um brâmane deve buscar um meio de subsistência que não cause
dor aos outros, ou a menor possível, e viver disso, a não ser em
tempos difíceis.
Para o fito de ganhar sua subsistência, seja-lhe permitido
acumular propriedade seguindo essas ocupações irrepreensíveis
prescritas para sua casta, sem fatigar demais seu corpo.
Que nunca siga os caminhos do mundo, para subsistir; que viva a
vida pura, correta e honesta de um brâmane.
Quem desejar a felicidade deverá esforçar-se por ter uma
disposição perfeitamente satisfeita e controlar-se, pois a felicidade
tem o contentamento por raiz, sendo a indisposição a raiz da
infelicidade.
Seja ele rico ou mesmo na dificuldade, que não procure a riqueza
em atividades pelas quais os homens se dividem, nem por
ocupações proibidas, nem tampouco aceite presentes de qualquer
pessoa, seja lá quem for.
Que nunca se prenda, por desejo de desfrute, a qualquer prazer
sensual, e que elimine cuidadosamente uma ligação excessiva ao
mesmo, refletindo em seu coração sobre sua falta de valor.
Que evite todos os meios de adquirir riqueza que impeçam o
estudo dos Vedas; que se mantenha de qualquer maneira, mas
estude, porque essa devoção ao estudo dos Vedas garante a
realização de seus objetivos.
Que ande aqui na terra, trazendo suas roupas, fala e pensamentos
em conformidade com sua idade, ocupação, riqueza, sabedoria
sagrada e sua raça.

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13. Casta dos Xátrias – Manavadharmashastra

Um guerreiro nunca deve usar, em uma luta contra os seus


inimigos pérfidos, armas tais como paus que contêm estiletes
pontiagudos ou setas arpadas e flechas envenenadas ou
inflamadas.
Nunca deve ferir: um inimigo que anda a pé, se ele está em um
carro, ou um homem afeminado ou cujas mãos são santas, ou que
tem o cabelo solto, nem o que se rende, ou o que diz: "Eu sou seu
prisioneiro." Nem um homem dormindo, ou que não tem
nenhum escudo, ou quem está nu, ou que está desarmado, ou que
combate olhando sem tomar parte nele; ou que está lutando com
outro. Nem o que tem um braço quebrado, ou a que é oprimido
pela tristeza, nem um homem gravemente ferido, nem um
covarde, um fugitivo. Assim, ele concorda com o dever de bravos
guerreiros. [...] Carruagens, cavalos, elefantes, guarda-chuvas,
roupas, grãos, gado, as mulheres, os ingredientes de todos os
metais, exceto ouro e prata, pertencem de direito a quem os
ganhou na guerra.
O produto do saque deve ser oferecido ao rei; Essa é a regra do
Veda; e o rei deve distribuir entre todos os seus soldados que não
tenham tomado sua parte separadamente. Essa é a lei primária e
irrepreensível relativa a classe militar; um xátria, matando os
inimigos em combate, nunca deve desviar-se esta lei.

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14. Casta dos Vacias – Manavadharmashastra

Que o rei ordene aos Vacias de fazer o comércio, de emprestar


dinheiro a juros, de lavrar a terra ou de criar animais [...]
O Vacia, depois de ter recebido o sacramento da investidura do
cordão sagrado e depois de ter esposado uma mulher da mesma
classe, deve sempre ocupar-se com assiduidade de sua profissão e
da conservação dos animais.
Ele deve conhecer os salários que é preciso dar aos criados, e as
diferentes linguagens dos homens, as melhores precauções a tomar
para conservar as mercadorias e tudo que concerne à compra e
venda.
Que ele faça os melhores esforços para aumentar sua fortuna de
uma maneira legal e que tenha muito cuidado em dar alimento a
todas as criaturas animadas.

36
15. Casta dos Sudras – Manavadharmashastra

Um Sudra, ainda que liberto por seu senhor, não é livre do estado
de servidão; porque este estado, lhe sendo natural, quem poderia
dele isentá-lo?
Há sete espécies de servidores, que são: o cativo feito sob uma
bandeira ou em uma batalha; o doméstico, que se põe ao serviço
de uma pessoa para que o mantenha; o servo, nascido de uma
escrava, na casa do senhor; o que foi comprado ou doado; o que
passou do pai ao filho; o que é escrava por castigo, não podendo
pagar uma multa.
Uma esposa, um filho e um escravo são declarados pela lei nada
possuírem por si mesmos; tudo que eles podem adquirir é a
propriedade daquele de quem dependem.
Um Brâmane, se ele está em necessidade, pode em toda segurança
de consciência apropriar-se do bem de um Sudra, seu escravo, sem
que o rei deva puni-lo; porque um escravo nada tem que lhe
pertença como próprio e nada possui que seu senhor não possa
tomar.
Que o rei ponha todos seus cuidados em obrigar os Vacias e os
Sudras a cumprirem seus deveres; porque se esses homens se
afastassem de seus deveres, seriam capazes de transformar o
mundo.
Os eunucos, os degradados, os cegos e surdos de nascimento, os
loucos, idiotas, mudos e estropiados não são admitidos a
herdar.[...]
Uma obediência cega às ordens dos Brâmanes versados no
conhecimento dos Livros Santos, donos de casa e afamados pela
sua virtude, é o principal dever de um Sudra e ele dá felicidade
depois da morte.

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Um Sudra, puro de espírito e de corpo, submetido às vontades
das classes superiores, doce em sua linguagem, isento de
arrogância e se ligando principalmente aos Brâmanes, obtém um
nascimento mais elevado.

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16. As Castas na visão dos gregos – Anabasis

Todos os indianos foram divididos em sete castas. Entre eles estão


os homens sábios, em menor número do que os outros, mas a
maioria deles estimados em reputação e dignidade. Nenhuma
necessidade lhes incumbe de fazer qualquer trabalho físico; nem
contribui em nada para o bem comum os efeitos do seu trabalho;
nem uma palavra lhes é obrigatória, exceto para oferecer
sacrifícios aos deuses, em nome da comunidade da Índia. Quem
sacrifica em sua casa tem um desses homens sábios como diretor
do sacrifício, pois, caso contrário ele não oferecem sacrifício
aceitável para os deuses. Estes também são os únicos indianos
qualificados em adivinhação; e não é lícito para qualquer um
praticar a arte, com exceção de um homem que é um homem
sábio. Eles praticam a adivinhação em relação às estações do ano,
e se alguma calamidade acontecerá à comunidade. Não é o seu
negócio praticar a sua arte no que diz respeito aos assuntos
privados dos indivíduos, seja porque a arte da adivinhação não se
estende a questões menores, ou porque não é digno deles
trabalhar sobre essas coisas. Quem comete três erros em sua
prática de adivinhação, não recebe nenhuma outra punição,
exceto que no futuro ele é obrigado a ficar em silêncio; e não há
ninguém que possa obrigar esse homem parar de falar, sobre
quem o julgamento do silêncio foi entregue. Estes sábios passam
suas vidas nus; no inverno ao sol, sob o céu aberto, mas no verão,
quando o sol domina, eles vivem nos prados e nos pântanos e
debaixo de grandes árvores, a sombra do que - Nearco diz - se
estende 500 pés, e 10,000 homens poderiam ser protegido sob
uma árvore dessa. Tão grande são essas árvores, que eles se

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alimentam de frutos das estações e do interior da casca dessas
árvores, que é ao mesmo tempo agradável e nutritiva.
Após esses, a segunda casta são os agricultores, que são a classe
mais numerosa dos indianos. Estes não têm armas, nem se
importam com atos de guerra, mas apenas com a terra. Eles
pagam taxas aos reis ou para as cidades que são independentes. Se
qualquer guerra acontece entre os indianos, não é lícito para eles
tocar nos lavradores do solo, ou a devastar o país em si,
destruindo as colheitas. Enquanto estão travando uma guerra uns
contra os outros, e matando uns aos outros como eles acham que
devem fazer, os campônios estão arando em paz e sossego perto
deles, ou estão se reunindo nas vilas, ou estão podando as suas
vinhas, ou estão colhendo suas colheitas.
A terceira casta dos indianos são os pastores, que não habitam
nem nas cidades nem nas aldeias; mas são nômades e vivem em
torno das montanhas. Eles pagam um imposto de seus rebanhos e
manadas. Esses homens também pegar aves e caçar animais
selvagens em toda a terra.
A quarta casta é a dos artesãos e comerciantes de varejo. Estes
homens desempenham funções públicas, a expensas próprias, e
pagam um imposto sobre o trabalho, exceto aqueles que fazem
armas de guerra. Estes recebem remuneração da comunidade.
Nesta casta são os construtores navais e marinheiros que navegam
para cima e para baixo dos rios.
A quinta casta dos indianos consiste dos guerreiros, que vêm em
número próximo aos lavradores e desfrutam de grande liberdade e
bom ânimo. Estes homens nada praticam além dos exercícios
bélicos. Outros fazem as armas para eles, outros fornecem seus
cavalos; outros os servem no acampamento, cuidam dos cavalos
para eles, mantém suas armas brilhante, arrumam os elefantes,

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mantém os carros em ordem, e conduzem os cavalos. Eles estão
sempre prontos a lutar; mas quando há paz, eles vivem com bom
ânimo. Recebem um pagamento elevado do Estado, para não
mudarem de lado.
A sexta casta dos indianos consiste em homens que são chamados
superintendentes. Estes supervisionam o que é feito em todo o
país e nas cidades, e fazem relatórios para o rei, onde os indianos
são governados por um rei, ou aos magistrados, onde as pessoas
têm um governo democrático. É ilegal para esses homens fazer
relatórios falsos; mas nenhum indiano tem incorrido na acusação
de falsidade.
A sétima casta consiste daqueles que ajudam o rei em deliberar
sobre assuntos públicos, ou prestam assistência aos funcionários
nas cidades que gozam de um governo democrático. Esta classe é
pequena em número, mas em sabedoria e justiça supera todos os
outros. A partir deles são escolhidos os seus governantes,
governadores das províncias, deputados, tesoureiros, generais,
almirantes, controladores de despesas, e superintendentes da
agricultura.

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17. As regras da Vida - Dharma Sutras

Agora, portanto, o desejo de conhecer a lei sagrada pelo seu bem-


estar deve surgir nos homens iniciados. Aquele que conhece e
segue a lei sagrada chama-se um homem correto. Ele se torna o
mais digno de louvor neste mundo e depois da morte conquista o
céu. A lei sagrada foi determinada pelos textos revelados e pela
tradição dos sábios. Na falha das regras dadas nessas duas fontes, a
prática dos Shistasa tem autoridade. Mas aquele cujo coração
esteja livre do desejo chama-se um Shista.
Os atos sancionados pela lei sagrada são aqueles para os quais
nenhuma causa mundana é perceptível. O país dos Aryas fica a
leste da região onde o rio Sarasvati desaparece, a oeste da Floresta
Negra, ao norte das montanhas Parapatra, ao sul do Himalaia. Os
atos produtores de mérito espiritual e os costumes aprovados
naquele país podem ser reconhecidos em toda parte como
autorizados.
Mas não os diferentes, isto é, aqueles de países onde leis opostas as
de Aryavarta prevalecem. Alguns dizem que o país dos Aryas
esteja situado entre os rios Ganga e Yamuna. Já outros dizem que
a preeminência espiritual se encontra até onde pasta o antílope
negro. Manu declarou que as leis peculiares aos países, castas e
famílias podem ser seguidas na ausência de regras vindas dos
textos revelados.
Os pecadores são aqueles que dormem ao nascer ou ao pôr do sol,
tem unhas deformadas ou dentes negros, cujo irmão mais novo
casou primeiro, casou antes de seu irmão mais velho, o marido de
uma irmã mais velha cuja irmã mais nova se casou primeiro, o
que extingue os fogos sagrados e o que esquece os Vedas ao
negligenciar a recitação diária.

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18. Os piores pecados do Dharma - Dharma Sutra

Dizem que há cinco pecados mortais.


Quais sejam: violar o leito de um Guru, beber (a bebida
espirituosa chamada) sura, matar um brâmane erudito, roubar o
ouro de um brâmane e associar-se a gente sem casta, quer
entrando em ligação espiritual ou em ligação matrimonial com a
mesma.
Agora, eles citam também o verso seguinte: aquele que por um
ano se associa a uma pessoa sem casta torna-se também sem casta;
não sacrificando para ele, ensinando-o ou formando uma aliança
matrimonial com ele, mas usando a mesma carruagem ou assento.
Comete uma transgressão venial que causa a perda da casta aquele
que, depois de iniciar um sacrifício a Agnihotra, abandona o fogo
sagrado, e aquele que ofende um Guru, o ateísta, o que extrai sua
subsistência de ateístas e aquele que vende a planta Soma.

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19. A Condição Feminina - Manavadharmashastra

Uma mulher está sob a guarda do seu pai durante a infância, sob
a guarda do marido durante a juventude, sob a guarda de seus
filhos em sua velhice; ela não deve jamais conduzir-se à sua
vontade.
Dia e noite, as mulheres devem ser mantidas num estado de
dependência por seus protetores; e mesmo quando elas têm
demasiada inclinação por prazeres inocentes e legítimos, devem
ser submetidas por aqueles de quem dependem à sua autoridade.
Deve-se sobretudo cuidar e garantir as mulheres das más
inclinações, mesmo as mais fracas; se as mulheres não fossem
vigiadas, elas fariam a desgraça de suas famílias.
Que o marido designe para função à sua mulher a receita das
rendas e despesa, a purificação dos objetos e do corpo, o
cumprimento de seu dever, a preparação do alimento e a
conservação dos utensílios do lar.
Quando não se tem filhos, a progenitura que se deseja pode ser
obtida pela união da esposa, convenientemente autorizada, com
um irmão ou com um outro parente.
Que uma fidelidade mútua se mantenha até a morte, tal é, em
suma, o principal dever da mulher e do marido.

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20. A predominância da Misoginia - Manavadharmashastra

O testemunho isolado de um homem isento de cobiça, é


admissível em certos casos; enquanto que o de um grande número
de mulheres, ainda que honestas, não o é (por causa da
inconstância do espírito delas) como não o é o dos homens que
cometeram crimes.
Se se compara o poder procriador masculino com o poder
feminino, o macho é declarado superior porque a progenitura de
todos os seres animados é distinta pelos sinais do poder
masculino.
Uma mulher dada aos licores inebriantes, tendo maus costumes,
sempre em contradição com seu marido, atacada de uma moléstia
incurável, como a lepra, ou de um gênio mau e dissipa seu bem,
deve ser substituída por outra mulher.
Uma mulher estéril deve ser substituída no oitava ano; aquela
cujos filhos têm morrido, no décimo; aquela que só põe no
mundo filhas, no undécimo; aquela que fala com azedume,
imediatamente.
Mas, aquela que, embora doente, é boa e de costumes virtuosos,
não pode ser substituída por outra, senão por seu consentimento e
não deve jamais ser tratada com desprezo.
Um homem de trinta anos deve desposar uma rapariga de doze
que lhe agrade; um de vinte e quatro, uma de oito; se ele acabou
antes seu noivado, para que o cumprimento de seus deveres de
dono da casa não seja retardado, que ele se case logo.

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21. O Casamento - Grihya Sutra

Que ele examine primeiro a família da noiva ou do noivo em


vista. Que ele dê a moça a um jovem dotado de inteligência. Que
ele se case com uma moça que mostre as características de
inteligência, beleza e conduta moral, e esteja livre de doença.
Como as características são difíceis de discernir, que ele faça oito
montinhos de terra, recite sobre os mesmos a formula seguinte:
"O direito nasceu primeiro, no início - sobre o direito a verdade
está fundada. Para o destino que nasceu essa moça, possa ela
cumpri-lo aqui. O que é verdade que possa ser visto", e diga a
moça: "Toma um destes".
Se ela escolher o montinho tomado de um campo que dá duas
Colheitas por ano, ele poderá saber - "A progênie dela será rica
em alimento". Se de um estábulo de vaca, rica em gado. Se da
terra de um altar, rica em brilho sagrado. Se de um poço que não
seca, rica em tudo. Se de um lugar de jogo, viciada na jogatina. Se
de um lugar onde quatro estradas se cruzam, inclinada a direções
diferentes. Se de um lugar estéril, pobre. Se de um cemitério, trará
morte ao marido. Tendo posto ao lado ocidental do fogo uma
mó, ao noroeste um vaso de água, com sua face voltada para o
ocidente ele deverá com a fórmula "Tomo tua mão pela
felicidade" segurar-lhe o polegar, se quiser que nasçam apenas
filhos homens, os demais dedos dela se ele quiser filhos mulheres,
e a mão ao lado do cabelo juntamente com o polegar, se quiser
filhos de ambos os sexos.

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22. Ritos Matrimoniais - Dharma Sutras

Há seis ritos matrimoniais.


Quais sejam o de Brama, o dos deuses, o dos Rishis, o dos
Gandharvas, o dos xatrias e o dos homens.
Se o pai, servindo água para beber, da a filha a um pretendente, a
isto se chama o rito de Brama.
Se o pai da a filha, vestindo-a com ornamentos, a um sacerdote
oficiante, enquanto estiver sendo executado um sacrifício, a isto se
chama o rito Daiva.
E se o pai da a filha em troca de uma vaca e um touro, a isto se
chama o rito Arsha.
Se um enamorado toma uma mulher enamorada de casta igual, a
isto se chama o rito Gandharva.
Se eles tomarem uma donzela à força, destruindo seus parentes
pelas armas, a isto se chama o rito Xatra.
Se depois de barganhar com o pai um pretendente casar-se com
donzela comprada por dinheiro, a isto se chama o rito Manusha.
A compra de uma esposa é mencionada na passagem seguinte dos
Vedas: "Portanto, cem vacas além de uma carruagem devem ser
dadas ao pai da noiva”.

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23. Direitos Femininos - Arthashastra

Meios de subsistência (vritti) ou joias (ábadhya) constituem o que


é chamado de propriedade de uma mulher. Meios de subsistência
no valor de acima de dois mil serão provisionados (em seu nome).
Não há limite para joias. [...] Em calamidades, doenças e fome,
para afastar perigos e em atos de caridade, o marido, também,
pode fazer uso dessa propriedade. Nem haverá qualquer queixa
contra o gozo da propriedade, por consentimento mútuo de um
casal que deu à luz um irmão gêmeo. Nem deverá haver qualquer
queixa se essa propriedade for aproveitada por três anos por
aqueles que são casados, de acordo com os costumes dos
primeiros quatro tipos de casamento. Mas o gozo da propriedade
nos casos dos casamentos Gandharva e Asura será responsável, e
deverá ser restaurado juntamente com os juros sobre o uso. No
caso dos casamentos como são chamados Rakshasa e Paisacha, o
uso dessa propriedade deve ser tratado como roubo. Assim, o
dever de casamento é tratado.
Com a morte de seu marido, uma mulher, desejosa de levar uma
vida piedosa, deve imediatamente receber não só a sua investidura
e joias (sthápyábharanam), mas também a quota de herança
devido a ela. Se ambas as coisas não estiverem realmente em sua
posse, embora nominalmente tenham sido dadas a ela, ela deve
imediatamente receber ambos acrescidos de juros (em seu valor).
Se ela está desejosa de um segundo casamento (kutumbakáma),
ela deve devolver, por ocasião de seu novo casamento (nivesakále),
o que quer que seja - ao seu sogro ou o marido ou ambos -
haviam dado a ela.
Se ela vive uma vida piedosa, ela pode apreciá-lo (dharmakámá
bhunjíta). Nenhuma mulher com um filho ou filhos deve ter a

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liberdade de fazer uso gratuito de sua própria propriedade
(strídhana); essa propriedade, os seus filhos devem receber.
Se uma mulher tenta tomar posse de sua própria propriedade sob
o argumento de manter seus filhos, ela deve colocar os bens em
seu nome. Se uma mulher tem muitos filhos homens, então ela
deve conservar a sua própria propriedade na mesma condição que
ela tinha recebido de seu marido. Mesmo que a propriedade que
tenha sido dado a ela com plenos poderes de fruição e disposição,
ela deve dotar em nome de seus filhos.
Uma viúva estéril, que é fiel à cama de seu marido morto pode,
sob a proteção de seu professor, desfrutar de sua propriedade,
desde que ela viva, pois é para afastar as calamidades que as
mulheres são dotadas de propriedades. Em sua morte, sua
propriedade deve passar para as mãos de seus parentes (Dayada).
Se o marido está vivo e a mulher está morta, então seus filhos e
filhas devem dividir sua propriedade entre si. Se não houver
filhos, suas filhas a têm. Na sua ausência, o marido deve tomar
essa quantidade de dinheiro (Sulka) que ele lhe dera, e seus
parentes devem retomar o que quer na forma de doação ou dote
que tinham apresentado a ela. Assim, a determinação da
propriedade de uma mulher é tratada.

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24. A Morte do Amor - Kumarashambava

Mas Kama, vendo oportunidade para atirar sua seta, como uma
mariposa que queria entrar no fogo, na própria presença de Uma
(a) fazendo sua mira em Hara (b), disparou repetidamente suas
setas.
Foi quando Gauri (b) presenteou o deus asceta residente na
montanha e com mão clara como cobre, dando-lhe um rosário de
sementes de lótus do Ganges, secadas pelos raios do sol. E o deus
de três olhos (b) fez menção de recebê-lo, por bondade para com
seu adorador; e o arqueiro-flor (e) pôs em seu arco a flecha
certeira chamada "Fascínio".
Mas Hara (b) com sua firmeza um tanto perturbada, como o
oceano quando a luz começa a ascender, manteve o olhar fixo na
face de Uma, com lábios como a fruta bimba.(f)
E a filha da montanha (a), traindo sua emoção pelos membros
como brotos trêmulos de kadamba, permaneceu de cabeça
inclinada e rosto ainda mais encantador com seu olhar voltado
para outro lado. Foi quando o deus de três olhos, reconquistando
o comando de seus sentidos perturbados, pelo seu poder de
autocontrole, lançou os olhos em todas as direções, desejando ver
a causa da perturbação de sua mente.
Viu o deus nascido da mente (b), seu punho cerrado erguido ao
canto exterior de seu olho direito, seu ombro encolhido, sua
perna esquerda encolhida, seu arco delicado dobrado em círculo,
pronto a desferir a flecha.
Sua ira aumentada pelo ataque à sua austeridade, seu rosto terrível
de contemplar com suas sobrancelhas arqueadas, de seu terceiro
olho surgiu repentinamente uma chama brilhante. Enquanto as
vozes dos deuses do vento atravessavam o céu - "Contém tua ira,

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Senhor!”, o fogo nascido do olho de Bhava (b) reduziu o deus do
amor a um monte de cinzas.
O desmaio causado pelo choque violento, impedindo o
funcionamento dos sentidos, quase executou para Rati (g) um
serviço bondoso e por algum tempo ela não soube do desastre
ocorrido com seu marido. Tendo esmagado rapidamente o
obstáculo ao seu ascetismo, como o relâmpago destrói a árvore de
uma floresta, ele, o asceta, o Senhor das Criaturas(b), desejando
fugir à proximidade de mulheres, desapareceu juntamente com
suas criaturas. E a filha da montanha (a), pensando que o desejo
de seu pai poderoso e sua própria forma encantadora eram
inúteis, sua vergonha aumentada pelo pensamento de que seus
dois amigos tinham estado presentes, desolada marchou com
dificuldade para sua morada. E enquanto seus olhos estavam
fechados de medo à violência de Rudra (b), a Montanha tomou
sua filha lastimosa em seus braços e como o elefante do céu
trazendo um lótus preso aos colmilhos, partiu para diante, com
membros grandes devido à pressa.

a) Esposa do deus Shiva e filha de Himavant (isto é, Himalaia)


b) Outro nome de Shiva.
d) Outro nome de Uma.
e) Kama.
g) Esposa de Kama, a volúpia personificada.

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25. O Sábio dos Vedas – Rig Veda

Lopamandra - Servi-te com zelo, noite e dia, durante os muitos


anos que me trouxeram a velhice. Agora, o tempo destruiu a
beleza do meu corpo. Que devo de fazer? Aproximem-se os
maridos de suas mulheres.
Os sábios antigos, que proclamavam a verdade e conversavam
com os deuses, geraram descendência numerosa e nem por isso
violaram o seu voto de continência. Aproximem-se os maridos de
suas mulheres.
Agastya - A penitência não foi praticada em vão. Se os deuses nos
protegem, podemos satisfazer todos os nossos desejos. Se usarmos
de valorosos esforços, podemos neste mundo, triunfar em muitos
combates.
Enquanto eu me dedicava à prece e me empenhava em vencer as
minhas paixões, apoderou-se de mim o desejo, suscitado por um
ou outro motivo. Aproxima-te, Lopamandra, do teu marido. A
mulher inconstante seduz o homem firme e resoluto.
O discípulo - Rogo ao suco do soma, embebido em meu coração,
que ele expie todo o nosso pecado. O homem se acha a mercê de
muitos desejos.
Agastya - Um sábio venerável, usando de todos os utensílios
necessários, desejando posteridade e vigor, praticou as duas classes
de deveres e foi agraciado pelos deuses com verdadeiras bênçãos.

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26. O Sábio - Khata Upanishad

Aqueles que vivem na ignorância e, no entanto, se supõem sábios


e instruídos, andam de um lado para outro, em passos incertos
como os de um cego, guiado por outro cego. O jovem insensato,
perturbado pelas ilusões da opulência, não sabe a maneira de
caminhar para chegar ao mundo celeste. Apegando-se a existência
mundana, ele esquece a outra e assim permanece sob o meu
poder. Muitos homens não possuem a alma, da qual ninguém
lhes fala. Outros a ignoram, apesar de já terem ouvido falar sobre
ela. É admirável quem discorre sobre a alma, inteligente o ouvinte
que a entende, superior quem a conhece, quando todos recebem o
ensino de mestre que sabe. Se o homem inferior discorre sobre a
alma, é difícil sabermos o que ela seja. A respeito do que ele diz,
teremos de pensar de muitas maneiras! Mas nenhuma dúvida
haverá, quando o ensino é dado por um mestre, que não vê
diferença. Além disso, sendo a alma ainda mais sutil do que aquilo
que é sutil, não pode ser percebida mediante a discussão. Pela
argumentação, não se pode obter o conhecimento que me pediste,
Nachiketas, meu amigo. Entretanto, é fácil obtê-lo, quando o
expõe um mestre, que não vê diferença. És perseverante na
pesquisa da verdade. Quem dera existisse outro mortal assim
como tu, desejoso de instruir-se!

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27. Os Sábios Jainas – Sutra Kritanga

Houve trezentos e sessenta e três escolas filosóficas, cujos


fundadores diferiam em intelecto, vontade, caráter, gosto,
compreensão e planos, e todos formaram um circulo, em que cada
qual defendia a sua posição. Então um homem, carregando com
um par de tenazes um tacho cheio de carvão em brasa, pediu aos
filósofos que segurassem, por um momento, o tacho com suas
próprias mãos limpas. Mas os filósofos se recusaram, porque,
diziam eles, se fizessem isso, queimariam as mãos e sofreriam dor.
Então lhes tornou o homem: "Esta é uma máxima de aplicação
geral, um autêntico princípio de reflexão religiosa: todas as
criações sentem aversão pela dor. Os que causam sofrimento a
qualquer ser, arcarão no futuro com uma variedade de
sofrimentos."

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28. Os Sábios Budistas – Dhamapada

Se você vir um homem que lhe mostra o que deve ser evitado, que
administra repreensões e é inteligente, siga esse homem sábio
como seguiria aquele que lhe falasse de tesouros escondidos; será
melhor, não pior, para aquele que o segue.
Deixá-lo admoestar, deixá-lo ensinar, deixá-lo proibir o que é
impróprio! - ele será amado pelos bons e será odiado pelos maus.
Não tenha por amigos os que praticam ações más, não faça
amigos entre as pessoas de sentimentos baixos: faça amigos entre
os virtuosos, tenha amigos entre os melhores homens.
Aquele que vai à fonte da lei vive feliz com o espírito tranquilo: o
sábio alegra-se sempre na lei, tal como foi pregada pelo eleito.
Os que distribuem água levam a água para onde quer que
queiram; os que fazem arcos e flechas curvam o arco a seu gosto;
os carpinteiros trabalham num tronco de lenha; os sábios
moldam-se a si mesmos.
Assim como uma rocha sólida não é sacudida pelo vento, as
pessoas sábias não vacilam entre a censura e a lisonja.
Os sábios, após terem ouvido as leis, tornam-se serenos, tais como
um lago profundo, parado e calmo.
OS homens bons, na verdade, agem prudentemente sob todas as
circunstâncias; os bons não exprimem um desejo de recompensa
sensual; sejam tocados pela felicidade ou pelos pesares, os
prudentes jamais parecem ensoberbecidos nem deprimidos.
Se, seja por amor a si mesmo, ou por amor aos outros, um
homem não deseja nem um filho, nem riqueza, nem poderes, e se
ele não deseja seu próprio sucesso por meios injustos, então ele é
bom, prudente e virtuoso.

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São poucos entre os homens os que chegam à outra margem
(tornam-se Arhats); os demais correm praia abaixo, praia acima.
Mas aqueles que, quando a lei lhes foi bem pregada, a seguem,
passarão por cima dos poderes da morte, embora difíceis de
atravessar.

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29. Diálogo de Sábios e Reis – Milinda Panha

[Disse o rei Menandro, ao sábio budista Nagasena]


― Queres discutir comigo, Venerável?
― Sim, se discutires À maneira dos sábios. Não, se discutires
como os reis.
― Como discutem os sábios?
― Quando em uma discussão nós somos enlaçados, nós nos
soltamos do laço. Nós aplicamos uma critica e recebemos outra.
Ora estamos perdendo, ora estamos ganhando. Os sábios não se
irritam. É assim que eles discutem.
― E como discutem os reis?
― Os reis expressam uma opinião. Se alguém contesta, eles
mandam aplicar-lhe algumas pauladas. É assim que os reis
discutem.
― Então vou discutir como os sábios e não como os reis. Sua
Reverência pode discutir comigo livremente, como faria com um
outro religioso, um noviço, um fiel , ou serviçal do convento. Não
tenha nenhum receio.
― Está bem, Maharajá.

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30. O Rei ideal – Manavadharmashastra

Um rei que pune os inocentes, que não inflige castigo aos que
merecem ser punidos, se cobre de ignomínia e vai para o inferno
depois de sua morte. [...]
Tomando o que lhe é devido, prevenindo a mistura das classes e
protegendo o fraco, o rei adquire força e prospera no outro
mundo e neste.
É porque o rei, do mesmo modo que Yama, renunciando a tudo
que lhe pode agradar ou desagradar, deve seguir a regra de
conduta desse juiz supremo dos homens, reprimindo sua cólera e
impondo um freio a seus órgãos.
Mas, o monarca de coração perverso, que em seu desvio
pronuncia sentenças injustas, é logo reduzido à dependência de
seus inimigos.
Ao contrário, quando um rei, reprimindo o amor das volúpias, e a
cólera, examina as causas com equidade, os povos correm para ele,
como os rios se precipitam para o oceano. [...]
Protegendo todas as criaturas com equidade e punindo os
culpados, um rei cumpre cada dia um sacrifício, acompanhado de
cem mil presentes.
O rei, que não protege os povos e que, entretanto, percebe as
rendas, os impostos, os direitos sobre as mercadorias, os presentes
cotidianos [...] e as multas, vai logo para o inferno depois da
morte.
Que se saiba, um soberano que não tem consideração aos
preceitos dos Livros Sagrados, que nega o outro mundo, que
procura riqueza por meios iníquos, que não protege seus súditos e
devora os bens deles, é destinado às regiões infernais.

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31. O Soberano – Arthashastra

O rei e seu reino são os elementos principais do Estado.


Os problemas do rei podem ser internos ou externos. Problemas
internos são mais graves do que problemas externos, que são
como o perigo decorrente de uma serpente à espreita. Problemas
devido a um ministro são mais graves do que outros tipos de
problemas internos. Assim, o rei deverá manter sob seu próprio
controle os poderes das finanças e do exército.
A divisão da lei e o domínio estrangeiro, o governo de um país
dividido por dois reis, o reino perece devido ao ódio mútuo, a
parcialidade e a rivalidade. Quando o domínio estrangeiro chega,
ele se aproveita do país cujo rei ainda está vivo, mas que o povo
não reconhece, empobrecendo-o, tomando a força sua riqueza e
levando-a embora, ou tratando-o como uma mercadoria; e
quando o país deixa de amá-lo [o rei], ele retira-se e abandona o
país.

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32. O Soberano Ecumênico – Éditos de Ashoka

Aquele que é Amado pelos Deuses, Rei Piyadasi assim diz: doze
anos após a minha coroação isto foi ordenado – Em todo lugar
em meu domínio os [oficiais] Yuktas, Rajjukas e os Pradesikas
devem ser seguir em viagens de inspeção, a cada cinco anos, para
o propósito da instrução do Dhamma e para a feitura de suas
obrigações oficiais. Respeito ao pai e a mãe, generosidade aos
amigos, pessoas próximas, parentes, Brâmanes e ascetas é algo
bom, não matar seres vivos é algo bom, moderação no gasto e na
poupança é algo bom. O Conselho deve notificar aos [oficiais]
Yuktas tais instruções, nestas mesmas palavras.
[...]
Aquele que é Amado pelos Deuses, Rei Piyadasi, assim diz: No
passado, os assuntos do estado não eram transacionados nem
relatórios eram enviados ao rei a todas as horas. Mas agora eu dei
esta ordem, de que a qualquer momento, esteja eu comendo, nos
aposentos das minhas consortes, no meu dormitório, na minha
carruagem, no meu palanque, no parque ou em qualquer lugar,
aqueles apontados com instruções devem me reportar os assuntos
do povo para que eu possa atendê-los onde quer que eu esteja. E
qualquer ordem minha em relação à doações e proclamações, ou
quando um assunto urgente é enfrentado pelos Mahamatras, se o
desentendimento ou debate surge no Conselho, então isto deve
ser reportado à mim imediatamente. Isto é o que ordenei. Nunca
me dou por satisfeito quando me dedico ou resolvo aos assuntos
[do povo]. Verdadeiramente, considero o bem-estar de todos ser
meu dever, e a raiz disto é o meu esforço e o pronto atendimento
dos assuntos [do povo]. Não há trabalho melhor que promover o
bem-estar de todas as pessoas e quaisquer esforços que eu esteja

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fazendo é o pagamento da dívida que tenho com todos os seres de
garantir a sua felicidade nesta vida, e o alcançar do paraíso na
próxima.

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33. Questões econômicas – Manavadharmashastra

Que homens, conhecendo bem em que casos se podem impor


direitos, e peritos em todas as espécies de mercadorias, avaliem o
preço das mercadorias e que o rei receba a vigésima parte do
benefício.
Que o rei confisque todo o bem de um negociante que por
cobiça, exporta mercadorias cujo comércio foi declarado reservado
ao rei ou cuja exportação foi proibida.
Aquele que frauda os direitos, que vende ou compra em hora
indevida ou que dá falsa avaliação de suas mercadorias, deve sofrer
uma multa de oito vezes o valor dos objetos.
Depois de ter considerado, para todas as mercadorias, de que
distância elas são trazidas, se elas vêm de país estrangeiro; a que
distância elas devem ser enviadas, no caso das que se exportam;
quanto tempo têm sido guardadas, o benefício que se pode fazer,
a despesa que se faz, que o rei estabeleça regras para a venda e para
a compra.
Todos os quinze dias ou em cada quinzena, segundo o preço dos
objetos é mais ou menos variável, que o rei regule o preço das
mercadorias em presença dos peritos acima mencionados.
Que o valor dos metais preciosos, assim como os pesos e medidas,
sejam exatamente determinados por ele, e que todos os seis meses
ele as examine de novo.
A portagem, por atravessar um rio, é de um pana para uma
carruagem vazia, de meio pana para um homem carregado de um
fardo, de um quarto de pana para um animal, como uma vaca, ou
para uma mulher, de um oitavo de pana para um homem não
carregado.
As carroças que conduzem fardos de mercadorias devem pagar o

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direito em razão do valor; as que só têm caixas vazias, pouca coisa,
do mesmo modo que homens mal vestidos.
Para um longo trajeto, que o preço de transporte sobre um batel
seja proporcional aos lugares e às épocas; mas isto se deve
entender do trajeto sobre um rio; pelo mar, não há frete marcado.

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34. Questões econômicas – Arthashastra

Cabe ao superintendente (ministro) do comércio verificar se há


demanda por vários tipos de mercadorias produzidas em seu país,
os meios pelos quais são transportadas (terra ou água), e a variação
de seus preços. É de sua responsabilidade decidir qual melhor
época para vender, comprar, distribuir e armazenar esses
produtos. O que tem saída fácil deve ser armazenado, para
aumentar seu preço; e quando as pessoas aceitarem esse preço,
outro será planejado e fixado. Produtos locais devem ser
guardados; importados, devem ser distribuídos. Ambos devem ser
vendidos de modo acessível ao povo, e o soberano os protegerá da
exploração gananciosa e dos lucros exorbitantes.
Não se devem estabelecer barreiras contra produtos de saída
constante, que devem ser negociados e armazenados somente
quando necessário.
[...] Ao negociar com mercados estrangeiros, deve buscar saber se
há interesse nas mercadorias de seu país; se ao negociá-las, ele terá
lucro; e se esse lucro valerá a empreitada. Deve distribuir lotes
para que sejam negociados nesses mercados, e caso não seja bem
sucedido, vendê-los de volta em sua própria terra, ou com lucros
menores, para não ter prejuízos severos.

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35. Práticas Políticas – Manavadharmashastra

O rei, seu conselho, sua capital, seu território, seu tesouro, seu
exército e seus aliados, são as sete partes de que se compõe o reino
que, por isso, se diz formado de sete membros.
Entre os sete membros de um reino, assim enumerados por
ordem, deve se considerar a ruína do primeiro como uma maior
calamidade que a daquele vem depois na enumeração e assim por
diante.
Entre os sete poderes cuja reunião forma no mundo um reino, e
que se sustentam reciprocamente como os três bastões de um
devoto ascético que são ligados e de que nenhum ultrapassa o
outro, não há superioridade nascida da preeminência das
qualidades.
Entretanto, certos poderes são mais estimados por certos atos e o
poder pelo qual um negócio é posto em execução é preferível
nesse negócio particular.
Servindo-se de emissários, desenvolvendo seu poder, ocupando-se
dos negócios públicos, que o rei procure sempre reconhecer sua
força e a de seu inimigo.
Depois de haver maduramente considerado as calamidades e as
desordens que afligem seus Estados e os do estrangeiro e sua
maior ou menor importância, que ele ponha em execução o que
ele resolveu. Que ele recomece suas operações muitas vezes, por
mais fatigado que possa estar, porque a fortuna se liga sempre ao
homem empreendedor e dotado de perseverança.

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36. Práticas Políticas - Arthashastra

Ser nativo, nascido de boa e alta família, influente e bem treinado


em artes, precavido, prudente, sábio, de memória forte, corajoso,
eloquente, habilidoso, inteligente, possuidor de entusiasmo,
dignidade e resistência, puro em caráter, afável, firme na fiel
devoção, dotado de conduta excelente, força, saúde e bravura,
livre de procrastinação e preguiça, carinhoso, e desprendido de
qualidades como ódio e inimizade excitada - estas são as
qualificações de um funcionário ministerial (amátyasampat). Os
que são dotados de metade ou de um quarto dessas qualificações
acima estão nos escalões médio e baixo.
Dessas qualificações, nascimento nativo e posição influente são
apurados a partir de pessoas de confiança; qualificações
educacionais, por professores de igual aprendizagem;
conhecimentos teóricos e práticos, previdência, memória
retentiva, e afabilidade devem ser analisados a partir do sucesso na
aplicação em obras; eloquência, habilidade e inteligência, na
energia mostrada nas histórias que narram (katháyogeshu, ou seja,
em conversa); resistência, entusiasmo e coragem em problemas;
pureza de vida, disposição amigável e leal devoção pela associação
frequente; conduta, força, saúde, dignidade e liberdade da
indolência e preguiça serão apuradas com seus amigos íntimos; e
natureza afetuosa e filantrópica pela experiência pessoal.
As obras de um rei podem ser visíveis, invisíveis (Paroksha) ou
indiretas.
Aquilo que ele vê é visível; e aquilo que é repassado a outro é
invisível; e o que é feito sem sua intercessão direta, e corre por seu
curso, é o indireto.

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Como as obras não acontecem de modo simultâneo, são diversas
na forma, e referem-se a localidades distantes e diferentes, o rei,
tendo em vista tempo e o lugar, designa seus ministros para
realizá-los. Essa é a obra de ministros.

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37. A importância do Conselho - Arthashastra

Tendo conquistado um firme e cuidadoso poder tanto em casa


quanto entre os estrangeiros, tanto em seu próprio estado e no do
inimigo, o rei deverá proceder a pensar em medidas
administrativas.
Todos os tipos de medidas administrativas são precedidas por
deliberações de um conselho bem formado. O assunto de um
conselho deve ser totalmente secreto, e as deliberações que devem
ser realizados nem mesmo as aves podem ver; pois é dito que o
sigilo dos conselhos foi divulgado por papagaios, cacatuas, cães e
outras criaturas baixas de nascimento. Assim, sem ter salvaguarda
suficiente contra a divulgação, ele nunca entra em deliberações em
um conselho.
Quem divulgue conselhos deve ser rasgado em pedaços. A
divulgação de conselhos pode ser detectada pela observação de
mudanças na atitude e semblante de enviados, ministros e
mestres. Mudança de conduta é mudança de atitude
(ingitamanyathávrittih); e observação da aparência física é
semblante (ákritigrahanamákárah).
Mantenha o sigilo de uma questão, e vigie os oficiais que tomarão
parte na deliberação sobre ela (deve ser estritamente observado)
até a hora de começar o trabalho.
Descuido, intoxicação, falar no sono, amor e outros maus hábitos
dos conselheiros são as causas da traição de conselhos. [...]
"Nenhuma deliberação", diz Visáláksha, "feita por uma única
pessoa será bem sucedida; a natureza do trabalho que um
soberano tem a fazer é inferida a partir da consideração de ambas
as causas, visíveis e invisíveis. A percepção do que é ou não pode
ser visto, a decisão conclusiva de tudo o que é visto, a folga de

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dúvidas quanto ao que é suscetível de dois pareceres, e a inferência
do todo quando apenas uma parte é visto - tudo isso é possível
somente na decisão tomada por ministros. Por isso, ele deve
sentar-se para deliberação com pessoas de grande intelecto”.

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38. Políticas internacionais – Éditos de Ashoka

Aquele que é Amado pelos Deuses, Rei Piyadasi, assim falou:


Fazer o bem é difícil. Aquele que faz primeiro o bem faz algo
difícil. Eu tenho feito muitas boas ações, e, se meus filhos, netos e
seus descendentes até o fim do mundo assim agirão também, eles
também farão muito o bem. Mas quem quer que seja dentre eles
negligenciar isto, fará o mal. [Pois] verdadeiramente, é fácil fazer
o mal.
No passado não havia Dhamma Mahamatras, mas tais oficiais
foram por mim apontados treze anos após a minha coroação.
Agora eles trabalham entre todas as religiões para o
estabelecimento do Dhamma, para a promoção do Dhamma, e
para o bem-estar e felicidade de todos aqueles devotos ao
Dhamma. Eles trabalham entre os Gregos (Yonakas), Kambojas,
Gandharas, Rastrikas, Pitinikas e outros povos das fronteiras
ocidentais. Eles trabalham entre os soldados, chefes, Brâmanes,
chefes-de-família, pobres, velhos e aqueles devotos ao Dhamma –
para o bem-estar e felicidade – de modo que estejam [todos eles]
livres de tormentos. Eles [os Dhamma Mahamatras] trabalham
pelo tratamento justo de prisioneiros, apontando-os para suas
libertações, e se os Mahamatras pensam, “Este aqui tem uma
família para apoiar”,”Aquele foi enfeitiçado”,”Este está velho”,
então eles trabalham pela libertação de tais prisioneiros. Eles
trabalham aqui, nas cidades, nos aposentos das mulheres, dos
meus irmãos e irmãs, e dentre os meus parentes. Eles estão
ocupados em todo lugar. Estes Dhamma Mahamatras estão
ocupados nos domínios dentre àqueles devotos do Dhamma para
determinar quem está devotado ao Dhamma, quem está
estabelecido no Dhamma, e quem é generoso.

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Este édito do Dhamma foi escrito em pedra para que possa durar
por muito tempo e para que meus descendentes possam agir em
conformidade com este.

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39. Os indianos na visão dos gregos – Anabasis

Megasthenes diz que existem ao todo cento e dezoito nações na


Índia. Eu me concordo com ele que existem muitas nações
indianas; mas eu não sou capaz de conjecturar como ele aprendeu
o número exato e gravou, pois ele só visitou uma mera fração da
Índia, nem fez muito contato com outros povos. Ele diz que, em
tempos antigos, os indianos eram nômades, como a parte dos citas
que não são agricultores, mas vagando em bandos, vivendo uma
parte na Scythia e em outro momento, em outra parte, não
habitam cidades nem consagram templos aos deuses. Então, os
indianos não tinham cidades ou templos construídos para os
deuses. Eles se vestiam com as peles dos animais selvagens que
matavam e comiam a casca interna de determinadas árvores, que
são chamados tala na língua indígena, e, sobre os topos das
palmeiras, crescia um tipo de tufo de lã. Eles também se
alimentavam da carne dos animais selvagens que eles pegavam,
comiam-na crua, até que Dionísio entrou em seu país. Mas
quando Dionísio chegou e conquistou-os, ele fundou cidades e
fez leis para eles, e deu o vinho aos indianos como ele tinha dado
aos gregos. [...] Dionísio primeiro ensinou-os a unir bois ao
arado, e fez a maioria deles tornarem-se lavradores em vez de ser
nômades, e os armou com armas de guerra. Ele também os
ensinou a adorar os deuses, e especialmente a si mesmo com o
rufar dos tambores e do choque de pratos. Ele ensinou os
indianos a dança sátira que entre os gregos é chamado de cordax,
e a deixar seu cabelo crescer em honra do deus. Ele também lhes
mostrou como usar o turbante, e lhes ensinou como ungir com
unguentos a si mesmos. Por isso, mesmo no tempo de Alexandre,

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os indianos ainda avançavam para a batalha com o som de
címbalos e tambores.

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40. A prática das Leis - Manavadharmashastra

Depois de haver proclamado completamente as ações más de cada


um desses miseráveis, que o rei lhes imponha uma pena
justamente proporcional a seus delitos e às suas faculdades.
Porque sem o castigo é impossível reprimir os delitos dos ladrões
de intenções perversas que se espalham furtivamente neste
mundo.
Que o rei faça perecer por diversos suplícios as pessoas que furtam
seu tesouro ou recusam obedecer-lhe, assim como os que
encorajam os inimigos. [...]
Que ele esteja sempre armado de cólera e de energia contra os
criminosos, que seja impiedoso para os maus ministros, ele
desempenhará assim as funções de Agni.[...]
Conduzindo-se de maneira prescrita e se aplicando sempre aos
deveres de um rei, que o monarca ordene a seus ministros
trabalharem pela felicidade do povo.

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41. Invocação divina da Guerra - Rig Veda

Indra, que és fonte da vitória, que humilhas os nossos inimigos,


para nossa segurança, dá-nos abundantes riquezas.
A fim de com elas podermos rechaçar nossos adversários, nos
combates a cavalo ou a pé. Protege-nos, sempre.
Indra, tua proteção é arma temível. Com ela podemos aniquilar
nossos inimigos.
Sendo tu nosso aliado, Indra, com o auxílio dos soldados
flecheiros, podemos vencer as tropas inimigas, no campo de
batalha.
Indra é poderoso e supremo. Ao senhor do raio pertence a
grandeza. Seus fortes exércitos se estendem por todo o céu.
Os sábios desejosos de sabedoria, os homens que querem filhos, os
guerreiros que recorrem a Indra, nas batalhas, alcançam o que
pedem, todas as vezes que invocam Indra.
Como as montanhas regadas pelas torrentes, Indra, está sempre
fresco teu ventre, que cresce como o oceano, ao sorveres em
abundância o suco do soma.
Em verdade, são sinceras e dignas de respeito as palavras de Indra,
a quem o adora. São como o galho carregado de frutos. Elas nos
trazem as vacas.
Indra, verdadeiramente, em todo tempo, tuas glórias protegem a
quem te adora.
Em verdade, devemos de cantar e recitar os louvores a Indra, para
que ele possa sorver o suco do soma.

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42. Prece para derrota de inimigos - Atharva Veda

Indra confunda-os, ó poderoso herói demolidor de cidades, a fim


de desbaratarmos os exércitos dos inimigos.
Desânimo, adversidade cruel, infortúnio, contra o qual não há
oração, fatiga, desgosto, vertigem, eu lhes envio todos estes males.
A corda podre atirada sobre esta tropa, apodreça este exército.
Eu entrego-os à morte. Estão presos nas amarras da morte. Levo-
os acorrentados aos funestos mensageiros da morte.
Árvores da floresta, ervas e plantas vindas da floresta, bípedes,
quadrúpedes, eu os atiro sobre estes soldados, para a derrota deste
exército.
Gandarvas, Apsaras, serpentes, deidades, manes e bons gênios,
visíveis e invisíveis, eu os envio contra este exército.
Morram os soldados, à queimadura da morte, à fome, do
abatimento, ao assassinato, ao pavor! Indra venha com suas
armadilhas destruir este exército e também tu, Sarva!
Quebrem-se as suas armas e que eles não possam acertar nem uma
flecha. Estejam aterrorizados, sejam feridos por nossas flechas de
ponta mortífera.
O céu, a terra, o espaço, urrem juntos com as suas divindades.
Que eles não conheçam ninguém que os auxilie. Morram todos,
ferindo-se uns aos outros.

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43. A guerra como exercício do Dharma - Bhagavad Gita

O morador do corpo de qualquer um é sempre indestrutível:


portanto, ó Bharata, tu não deverias lamentar criatura alguma.
Mesmo encarando este assunto do ponto de vista do teu Dharma,
tu não deverias hesitar, porque nada há mais elevado para um
Khsatrya (guerreiro) do que uma guerra justa.
Ó filho de Pritha, em verdade são afortunados os guerreiros aos
quais vem, sem ser buscada, como um portão aberto para o céu,
uma guerra assim.
Mas se não tomares parte nesta guerra justa, faltando então ao teu
próprio dever e a tua própria honra, incorrerás em pecado.
O povo falará sempre mal de ti; para o que é estimado, a desonra
é ainda pior do que a morte.
Estes grandes guerreiros em carros pensarão que fugiste à batalha
através do medo. E te considerarão levianamente aqueles que já te
prestaram altas honras.
Os teus inimigos dirão de ti coisas indizivelmente ignominiosas e
negarão o teu valor. Que pode ser mais penoso do que isto?
Se tombares na batalha, obterás o céu; se conquistares, gozarás a
terra. Assim, pois, ó filho de Kunti, levanta-te e dispõe-te a lutar.
Olhando por um mesmo prisma prazer e dor, ganho ou perda,
vitória ou derrota, trava a tua batalha. Assim o pecado não te
manchará.

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44. A guerra dos indianos - Anabasis

Os indianos não estão todos armados da mesma forma; sua


infantaria tem um arco de comprimento igual ao do homem que
carrega. Colocar a ponta no chão e pisa contra ela com o pé
esquerdo, colocando a flecha, e puxando a corda para trás. As suas
flechas tem pouco menos de quatro e meio pés de comprimento;
e nada pode resistir a um tiro de um arqueiro indiano, nem
escudo nem peitoral, nem qualquer outra coisa que é forte. Eles
carregam em seus braços esquerdos placas de couro de boi, mais
estreitos do que os homens que as transportam, mas não muito
inferior de comprimento. Outros têm dardos ou lanças em vez de
setas. Todos usam uma espada que é larga, e não menos do que
quatro e meio pés de comprimento. Quando a batalha fica muito
próxima, uma coisa que acontece muito raramente no caso dos
indianos, eles trazem esta espada para baixo contra o antagonista
com ambas as mãos, a fim de que o golpe possa ser poderoso. A
cavalaria leva dois dardos, os dardos são chamados saunia, e um
escudo menor do que a infantaria. Os seus cavalos não são
sobrecarregados ou freados como os dos gregos ou gauleses; mas
um pedaço de couro de boi cru costurado é preso à volta do frente
da boca do cavalo, e nesta há pontas de bronze ou ferro não muito
nítidas, viradas para dentro. Os homens ricos usam picos de
marfim. Na boca os cavalos têm um pedaço de ferro, como um
espeto, para prender as rédeas. Quando, portanto, puxam a rédea,
o espeto restringe a cavalo e os picos que estão presos a ele picam-
no, e não permitem que ele faça qualquer outra coisa do que
obedecer a rédea.

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45. Teoria sobre a Guerra - Arthashastra

O vencedor deve saber a força e fraqueza comparando a si mesmo


e seu inimigo; e ter assegurado o poder, lugar, tempo, o tempo de
marcha e de recrutar o exército, as consequências, a perda de
homens e dinheiro, e os lucros e o perigo, ele deve marchar com
sua força total; caso contrário, ele deve manter a calma.
Meu professor diz que entre o entusiasmo e energia, o entusiasmo
é melhor: um rei, mesmo sendo enérgico, corajoso, forte, livre de
doenças, hábil em empunhar armas, é capaz com seu exército,
mesmo com um poder secundário, subjugar um poderoso rei; seu
exército, embora pequeno, será, quando liderado por ele, ser capaz
de realizar qualquer trabalho. Mas um rei que não tem
entusiasmo em si mesmo, perecerá, embora possua de um exército
forte.
Não, diz Kautilya, ele que é possuidor de poder, pela força do seu
poder, captura outro que é meramente entusiasta. Tendo
adquirido, capturado ou comprado outro rei entusiasmado, bem
como seus bravos soldados, ele torna o seu exército entusiasta de
cavalos, elefantes, carros, e pode passar em qualquer lugar sem
obstrução. Reis poderosos, sem ajuda das mulheres, dos homens
jovens, coxos ou cegos, conquistaram a terra sem a ajuda de
pessoas entusiasmadas.
Meu professor diz que do poder (dinheiro e exército) e habilidade
em intrigas, o poder é melhor; para um rei, embora possuidor de
habilidade para a intriga (mantrasakti) torna-se um homem de
mente estéril, se ele não tem poder; para o trabalho de intriga,
designa-se alguém. Aquele que não tem poder, perde seu reino
como os brotos das sementes, na seca, vomitam sua seiva.

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Não, diz Kautilya, a habilidade para a intriga é melhor; aquele
que tem o olho do conhecimento e está familiarizado com a
ciência da política pode, com pouco esforço, fazer uso de sua
habilidade para a intriga e pode ter sucesso por meio de
conciliação e de outros meios estratégicos. Por espiões e
substâncias sutis, pode deter, mesmo a distância, os reis que são
dotados de entusiasmo e energia. Assim, das três aquisições -
Entusiasmo, energia e habilidade para a intriga - quem possuir
mais das últimas superará quem possuir mais das primeiras.
O País (espaço) significa a terra; na qual os mil yojanas da porção
norte do país, que se estende entre o Himalaia e do oceano
formam o domínio de um imperador nada insignificante; no qual
existem variedades de terra, como florestas, aldeias, cachoeiras,
planícies, e terrenos irregulares. Nessas terras, ele deve realizar
obras que ele considera serem propícias ao seu poder e
prosperidade. Essa parte do país, na qual seu exército encontra
um lugar conveniente para a sua manobra e que se prova
desfavorável ao seu inimigo, é o melhor; as partes do país que são
de natureza inversa, são as piores; e aquela terra que tem ambas as
características, é um país de qualidade medíocre.
O Tempo consiste em períodos frios, quentes e chuvosos. As
divisões do tempo são: a noite, o dia, a quinzena, o mês, a estação,
solstícios, o ano, e o Yuga (ciclo de cinco anos). Nestas divisões
do tempo, devem-se realizar as obras que são propícias para o
crescimento de seu poder e prosperidade. O tempo é essencial
para a manobra de seu Exército, e a falta de tempo é o pior para o
inimigo. O contrário é ruim para o rei, e melhor para o
inimigo.Ambas as coisas são o pior.
Meu professor diz que de força, lugar e tempo, a força é a melhor;
para um homem que é possuidor de força, ele pode superar as

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dificuldades tanto do terreno ou dos períodos frios, quentes ou
chuvosos de tempo. Alguns dizem que é o melhor lugar é aquele
em que um cão pode arrastar um crocodilo, e que o pior é aquele
onde um crocodilo pode arrastar um cão.
Outros dizem que o tempo é o melhor, por que durante o dia o
corvo mata a coruja, e durante a noite a coruja mata o corvo.
Não, diz Kautilya, a força, lugar e tempo, cada um é útil para o
outro; quem é possuidor destas três coisas deve, depois de ter
colocado um terço ou um quarto do seu exército para proteger
sua base de operações contra a sua retaguarda - inimigos e tribos
selvagens em sua vizinhança - tomar com ele tanto exército e
tesouro suficientes para realizar seu empreendimento. Marchar
durante o mês de Margasirsha (dezembro) contra o seu inimigo,
cuja colheita de alimento ainda é insípida, não há comida fácil e
as fortificações não foram reparadas. A fim de destruir o inimigo
nos períodos outonais (Mushti), ele deve marchar durante o mês
de Chaitra (Março), para destruir as culturas outonais do inimigo.
Ele deve marchar durante o mês de Jyestha (maio-junho) contra
aquele cujo armazenamento de forragem, lenha e água tenha
diminuído, e que não tenha reparado suas fortificações, e destruir
colheitas na estação chuvosa vernal do inimigo. Ou ele pode
marchar durante a estação úmida contra um país que é de clima
quente, e no qual as forragens e água são obtidas em pequenas
quantidades. Ou ele pode marchar durante o verão de encontro a
um país em que o sol está envolto pela névoa e que está cheio de
vales profundos e matas de árvores e grama; ou ele pode marchar
durante as chuvas contra um país que seja adequado para a
manobra de seu próprio exército, e que é da natureza inversa para
o exército de seu inimigo. Ele tem que empreender uma longa
marcha entre os meses de Margasirsha (dezembro) e Taisha

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(janeiro), uma marcha de comprimento médio entre março e
abril, e uma curta marcha entre maio e junho; e quando afligido
com problemas, deve manter-se quieto.

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46. Formação de batalha - Arthashastra

As alas e a frente, juntas, capazes de mudarrapidamente (contra


um inimigo) é o que é chamado uma formação de cobra (bhoga);
as duas alas, os dois flancos, da frente e de reserva, são a formação
ideal, de acordo com a escola de Brihaspati. As principais formas
de arrumar um exército, como uma força, como uma cobra, como
um círculo, e em ordem individual, são variedades de duas formas
anteriores da formação consistindo de alas, flancos e frontal.
Estacionar o exército, de modo a ficar lado a lado, é chamado de
formação única (danda).
Estacionar o exército em uma linha para que se possa seguir o
outro, é chamado de formação de cobra (bhoga).
Estacionar o exército, de modo a enfrentar todas as direções, é
chamado de formação círculo (mandala).
Separar o arranjo do exército em corpos pequenos, de modo a
permitir que cada um aja por si mesmo, é denominado um
arranjo em ordem individual (asamhata).
Aquilo que é de igual força em suas alas, flancos e da frente, é
uma formação funcional.
A mesma formação é chamado pradara (quebrando formação do
inimigo), quando seus flancos são feitos para se projetar na frente.
O mesmo é chamado dridhaka (firme) quando suas alas e flancos
são esticados para trás.
O mesmo é chamado asahya (irresistível) quando suas alas são
alongadas.
Quando, depois de ter formado as alas, a frente é feita para ser
empurrada para fora, ele é chamado de uma formação águia.

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As mesmas quatro variedades são chamados de "arco", "o centro
de um arco", "um porão", e "uma fortaleza", quando eles estão
dispostos em uma forma inversa.
Isso é que as alas são vestidas como um arco, é chamado Sanjaya
(vitória).
O mesmo com a parte dianteira projetada é chamado vijaya
(conquistador); que tem seus flancos e alas formadas como uma
unidade é chamado sthúlakarna (orelha grande); o mesmo com a
sua frente duas vezes mais forte, sendo conquistadora, é chamada
visálavijaya (grande vitória); que tem suas alas esticadas para a
frente é chamada chamúmukha (face do exército); e a mesma é
chamada ghashásya (face do peixe) quando é arranjada sob a
forma inversa.
A formação pessoal, que é feita para que um grupo do exército
fique atrás do outro é chamado de formação de ponta.
Quando esta formação é composta de duas destas linhas, é
chamado um agregado (Valaya); e quando de quatro linhas, ele é
chamado um conjunto invencível - estas são as variedades da
formação em unidade.
A formação de cobra em que as alas, flancos e frente são de
profundidade desigual é chamado sarpasári (movimento de
serpente), ou gomútrika (rastro de urina de vaca). [...]
A formação em que carros vão a frente, as alas elefantes e cavalos
de retaguarda, é chamado Arishta (auspicioso).
A formação em que infantaria, cavalaria, carros e elefantes ficam
um atrás do outro é chamado achala (imóvel).
A formação em que os elefantes, cavalos, carruagens e infantaria
estão em ordem, uma atrás da outra é chamado apratihata
(invencível).

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47. Os Nomes de Indra, o Rei dos Deuses - Sama Veda

Canva, O estalido do chicote que eles empunham ouve-se até


aqui, assim como também o ruído dos seus carros, pintados de
muitas cores.
Trisoca, Indra, que estás bebendo o sumo da planta da lua, os teus
amigos aqui presentes olham-te com a afeição de um dono de
rebanho a olhar para o seu gado.
Vatsa, Todos os sacrificantes tratam de aclamar lndra e lhe
rendem homenagem, assim como os rios homenageiam o mar.
Cusidina, Pedimos aos deuses que façam cair a chuva, que nos
protejam, a fim de estarmos bem amparados.
Medatiti, Ó senhor do alimento, faz por mim, chantre no
banquete da planta da lua, o que fizeste por Cacsivan, o filho de
Usija.
Sucacsa, Traz-me a ciência, matador de Vrita. Ouve-me,
poderoso lndra, possuidor de muitas excelentes qualidades.
Concede-nos, divino Savita, abundantes riquezas e muitos
descendentes. Afasta de nós o causador do fatal sono da morte.
Pragata, Onde quer que esteja residindo aquele que envia a chuva,
sempre jovem, que envolve tudo, invencível, é lá que o oficiante
executa o seu trabalho.
Vatsa, É lá, na região das nuvens, onde se juntam as grandes
águas, que o sábio Indra foi gerado pela inteligência.
Irimiri, Elevai a voz para louvar Indra, o rei dos homens, digno de
todo louvor, distribuidor de dons, superior aos heróis.

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48. A Cerimônia do Suco do Soma - Sama Veda

Ó Soma, purifica para Indra o licor saboroso, doce e bem filtrado,


o licor poderoso que difunde a luz.
Ó senhor do alimento, multiplica nossas provisões, aumenta
nossa fama. Ó deus, ao meio dia, enche a taça que os deuses
apreciam.
Louvai e derramai por toda parte o suco da planta da lua, que dá a
salvação, que se espalha por toda parte, misturado às águas e
diluído em outros líquidos.
Soma, de que se extraem licores saborosos, que abrem os céus,
possui toda espécie de riqueza.
Louvo Soma, portador de tesouros, de riquezas, que dá o
alimento e gera heróis intrépidos.
Ó divino Soma, concedes os santos nascimentos futuros, és
celestial, és louvado, pois nos dás a imortalidade.
Este suco embriagador, extraído da planta da lua, purificado pelas
águas, doador de alegria, agita-se como as vagas do mar.
Os touros e as vacas, que têm força para racharem até um
rochedo, juntam-se em volta do estábulo. Ó Savitri, sustentáculo
de todas as coisas, dá-nos vacas e cavalos.

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49. Iniciação ao Estudo Sagrado - Dharma Sutra

A iniciação é a consagração de acordo com os textos dos Vedas, de


um homem que deseja e pode utilizar o conhecimento sagrado.
Saindo da treva, ele na verdade entra na treva, o homem que
outro não-versado nos Vedas inicie, e o mesmo acontece com
aquele que, sem ser versado nos Vedas, execute o rito da iniciação.
Como executante desse rito de iniciação, ele buscará conseguir
um homem em cuja família a sabedoria religiosa seja hereditária,
que a possua ele próprio e seja devoto em seguir a lei.
E sob o mesmo a ciência sagrada deve ser estudada até o fim desde
que o mestre não se desvie dos mandamentos da lei.
Aquele de quem o aluno recolhe o conhecimento de seus deveres
religiosos é chamado mestre.
O mestre jamais devera ser ofendido pelo aluno.
Isso porque o mestre faz que o aluno nasça uma segunda vez,
transmitindo-lhe conhecimento sagrado.
O segundo nascimento é o melhor.
O pai e a mãe produzem o corpo, apenas.
Que ele inicie um brâmane na primavera, um xátria no verão, um
vacia no outono, um brâmane no oitavo ano após sua concepção,
e um vacia no décimo-segundo.
Segue-se agora a enumeração dos anos a escolher para o
cumprimento e algum desejo determinado.
Que ele inicie uma pessoa desejosa de excelência no
conhecimento sagrado em seu sétimo ano, uma pessoa desejosa de
vida longa em seu oitavo ano, uma pessoa desejosa de vigor
masculino em seu nono ano, uma pessoa desejosa de alimento em
seu décimo ano, uma pessoa desejosa de força em seu décimo-

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primeiro ano, uma pessoa desejosa de gado em seu décimo-
segundo ano.
Não ha abandono do dever se a iniciação tiver lugar, no caso do
brâmane, antes de completar dezesseis anos, no caso do xátria
antes de completar vinte e dois anos, no caso do vacia antes de
completar vinte e quatro anos. Que ele seja iniciado em idade tal
em que possa cumprir seus deveres, declarados em seguida.

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50. Regras para o Asceta - Dharma Sutras

Os votos seguintes deverão ser mantidos por um asceta:


Abster-se de ferir seres vivos, veracidade, abstenção quanto a
apropriação de propriedade alheia, continência e liberalidade.
Há cinco votos menores, quais sejam a abstenção quanto à raiva,
obediência para com o guru, evitar a imprudência, limpeza e
pureza ao comer.
Vem agora a regra para esmolar. Que pergunte aos brâmanes,
tanto os que têm casas quanto os de vida peregrina, quando a
oferta de Vaishvadeva terminou.
Que faça a pergunta, antecedendo-a com a palavra "bhavat”.
Que esmole de pé não mais do que o tempo necessário para
ordenhar uma vaca.
Quando regressar disso, ponha as esmolas em lugar seguro, lave
mãos e pés e anuncie o que obteve ao sol.
Dando piedosamente porções de seu alimento aos seres vivos e
aspergindo o restante com água, ele comerá como se o alimento
fosse um remédio.
Que coma alimentos dados sem pedir, sobre os quais nada tenha
sido combinado antecipadamente e lhe tenham chegado por
acidente e apenas o bastante para sustentar sua vida.
Em seguida eles citam os versos: "Oito bocados perfazem a
refeição de um asceta, dezesseis a de um eremita na floresta, trinta
e dois a de um chefe de família, uma quantidade ilimitada de um
estudante".
"As esmolas podem ser obtidas de homens das três castas, ou pode
ser comido o alimento dado por um único brâmane; ou então
poderá obter alimento de homens de todas as castas, e não comer
o que for dado por um único brâmane".

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51. Hino à Palavra - Atharva Veda

Ó Briaspati, quando se pronunciou no princípio a primeira


palavra, quando se deram nomes às coisas, revelou-se
amorosamente, o que nelas havia de melhor e de puro, o que
nelas estava oculto.
Quando os sábios, em seu pensamento, criaram a palavra, como
se estivessem peneirando grãos, os amigos souberam o que é
amizade. A beleza apareceu na linguagem.
Pelo sacrifício, buscaram os rastos da Palavra. Encontraram-na.
Ela entrara na casa dos poetas. Dividiram-na em muitos modos.
Os sete sábios deram-lhe a eloquência.
Mais de um vidente não viu a Palavra. Mais de um que tem
audição não a entende. Ela abre o seu corpo a quem a
compreende, assim como a esposa amante, adornada de joias,
despe-se ante o marido.
Quem não a entende, dizem que é vaidoso, não aceita amizade
nem gosta de discussão. Anda com sua ilusão estéril e a palavra
que ouviu não dá nem flor, nem fruto.
Não participa mais da Palavra quem se afastou do amigo fiel. O
que ele ouve, inutilmente ouve. Ignora o caminho do dever.
Todos os amigos têm olhos e ouvidos, mas são diferentes na
energia do seu pensamento. São como os lagos; alguns chegam à
boca, outros às axilas, um contém água somente para as abluções.
Quando unidos pela amizade, os sacerdotes sacrificam, cultivando
em sua alma o vigor do pensamento, alguns se atrasam em
sabedoria, outros vão muito além, à maneira de um brâmane
afamado.

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Receberam a palavra por engano aqueles que não caminham, nem
para a direita, nem para a esquerda, não são brâmanes, nem
servos. Incapazes de criarem, tecem um pano com farrapos.
Quando um amigo regressa, glorioso, vencedor em um torneio
oratório, alegram-se todos os seus amigos. Preparado, disposto à
prova, ele liberta-os do pecado, ganha alimento para os amigos.
Um aplica-se à escrupulosa composição dos versos sagrados, outro
canta a melodia das estâncias. Um, o brâmane, ensina a ciência
que ele conhece; outro cuida das formas do sacrifício.

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52. Hino para ser entoado em um funeral - Atharva Veda

Terra, sê leve, sem espinhos, repousante. Vasta, oferece-lhe o teu


abrigo.
Deponham-te, não em lugar estreito, mas em terreno largo. Tuas
oblações, enquanto viveste, agora sejam mel para ti.
Chamo o teu pensamento com o meu pensamento. Vai alegre
para a tua morada e reúne-te aos nossos antepassados, a lama.
Que os ventos te sejam favoráveis e benéficos!
Da tua alma, do teu alento, dos teus membros, nada fique por
aqui.
Não sejas oprimido nem pela terra divina e poderosa, nem pela
árvore. Vai para o teu lugar, entre os antepassados, sê feliz entre os
súditos de lama.
O que se perdeu dos teus membros, ao longe, tua respiração, tua
expiração, levadas pelo vento, que os nossos antepassados te
restituam aos poucos.
[Durante a cremação]
Os vivos expulsaram-no de casa. Levem-no para longe da aldeia.
Enquanto enterram os ossos, depois da cremação
Ainda vês, depois não verás mais, o sol que está no céu. Ó Terra,
como a mãe trata do filho, recobre-o com teu manto.
Agora ainda, não mais depois, mesmo em tua velhice, ó Terra,
cobre-o com a tua vestimenta, como esposa com seu marido.
[Ao apagar da fogueira crematória]
Que te seja benéfica a neblina, benfeitora a geada. Fria e fresca de
frieza, fresca e feita de frescura, rã nas águas, sê benéfica. Extingue
esta chama!

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53. Libações nas cerimônias fúnebres - Manavadharmashastra

Um discípulo de teologia não deve fazer libações de água em uma


cerimônia funeral antes de terem completado o seu noviciado;
mas uma vez concluído, fazendo uma libação de água, você
precisa purificar três noites.
Para aqueles que negligenciam suas funções, por aqueles que
nasceram de mistura impura das classes, mendigos hereges, ao
deixar a vida voluntariamente, não deve haver libação de água.
Nem para as mulheres que adotam os costumes e vestimentas
heréticas, nem para aqueles com vida bagunçada, ou que abortam
ou fazem perecer seus maridos ou bebem bebidas alcoólicas.
Um novato, carregando o corpo de seu professor, que o fez
estudar antes da formação um Sakha ou o ramo de Veda, o tutor
que lhe ensinou uma parte do Veda, ou um Vedanga, que
explicou o sentido de os livros sagrados de seu pai ou a sua mãe,
não viola as regras da sua ordem.
Devem ser transportadas para fora da cidade os corpos de Sudra
mortos, ao meio-dia a porta, e dos Dwidjas, pelas portas do oeste,
norte e leste.
Os reis da raça nobre, que receberam a unção real, os noviços, os
homens que se entregam em austeridades piedosas e celebrar um
sacrifício, não sofrem impureza; são próximos de Indra, e são tão
puros quanto Brahma.

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Referências
 Traduções próprias: Anabasis, Arthashastra,
Manavadharmashastra.
 Ananda Coomaraswamy, O Pensamento vivo de Buda.
São Paulo: Martins, 1968: Mojjhima Nikaya, Dhiga
Nikaya.
 Artashastra. Brasília: UNB, 1999 [trad. de Sérgio Bath],
frag. 34. Disponível em:
http://www.senado.gov.br/senado/campanhas/conselhos/
downloads/kautilya.pdf
 Éditos de Ashoka. [Trad. de S. Dhammika] Disponível
em:
http://dhammarakkhita.blogspot.com.br/2009/06/editos-
de-ashoka.html
 Joseph Gaer, Sabedoria das antigas religiões. São Paulo:
Cultrix, 1966: Sutra Krit Anga.
 Lin Yutang, Sabedoria de Índia e China. Rio de Janeiro:
Ponguetti, 1958: Bhagavad Gita [trad. de Swami
Paramananda]
 Louis Renou. O Hinduísmo. Rio de Janeiro: Zahar,
1969: Rig Veda, Shataphata Brahamana, Grihya Sutra,
Dharma Sutra, Kumarashambava.
 Manavadharmashastra. [Trad. Anônima], cap. 8 e 9.
Disponível em:
http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/manu.htm
 Raul Xavier. Milinda Panha. Rio de Janeiro: Livros do
Mundo Inteiro, 1972.

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 Raul Xavier. Os Kama Sutras. Rio de Janeiro: Livros do
Mundo Inteiro, 1969.
 Raul Xavier. Os Upanichadas. Rio de Janeiro: Livros do
Mundo Inteiro, 1972.
 Raul Xavier. Os Vedas. Rio de Janeiro: Livros do Mundo
Inteiro, 1972: Rig Veda, Sama Veda, Atharva Veda.

Veja também:

Antologia de Textos Indianos


http://indianidades.blogspot.com.br/

Cem textos de História indiana


http://www.historiaindiana.blogspot.com.br/

Cem textos de História Asiática


http://asiantiga.blogspot.com.br/

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