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“O pássaro que voa no imaginário coletivo é o mesmo que voa na imaginação do poeta”
(Vicente Salles - 1999)
RESUMO
INTRODUÇÃO
Entendemos que a Escola, por ser uma instituição educacional que tem por
finalidade ministrar educação e acima de tudo desenvolver um ensino de qualidade
e transformador, socializando e contextualizando temas pertinentes à realidade
vivida por seus alunos, precisa criar um ambiente favorável a essas finalidades. Este
estudo discorre sobre a inclusão do folguedo do “Pássaro Junino” como recurso de
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I – UM BREVE HISTÓRICO DO PÁSSARO JUNINO.
Segundo a revista Ver-o-Pará, por volta dos anos de 1877, começou surgir
em Belém uma curiosa manifestação folclórica que, costumeiramente, era
representada no “Pavilhão da Flora” situado no Largo de Nazaré, atualmente, Praça
Justo Chermont ou, simplesmente, CAN. No palco, interpretados por caboclos da
região, era comum encontrar personagens da nobreza e da aristocracia, assim
como, príncipes e princesas, fazendeiros, Marquez e fidalgos. Foi, provavelmente, o
primeiro Pássaro Junino criado exclusivamente pelos paraenses.
Convém dizer que o Pássaro Junino é uma espécie de teatro popular, uma
verdadeira “ópera cabocla” com direito a canto, marcação e um texto ou argumento
de uma ópera, opereta ou comédia musicada. Uma resposta da gente simples aos
grandes espetáculos que vez por outra vinham da Europa para apresentações em
Belém.
A maioria das brincadeiras, manifestações e crendices da época junina
vieram da Europa, e no Brasil foram “rebatizadas” à nossa maneira, e de acordo com
a gente de cada região. Para se ter uma idéia a respeito dessas influências
européias nas manifestações folclóricas, vale recorrer à contribuição de João de
Jesus Paes Loureiro, que em sua obra Cultura Amazônica: Uma poética do
imaginário, ao levantar uma abordagem histórica sobre o Pássaro Junino, enfatiza a
importância do Teatro da Paz para a efetivação do estilo dramático no folguedo do
pássaro. Loureiro menciona sobre a importância desse Teatro, configurando-se na
época como “um dos mais fabulosos centros artísticos do norte do País, um dos
mais movimentados do continente. Dizia-se que rivalizava com os melhores teatros
europeus.”3. Segundo o autor, o estilo dramático adotado pelo Pássaro Junino,
estabeleceu-se graças a uma relação com os espetáculos exibidos no Teatro da
Paz:
Na relação dos espetáculos exibidos no Teatro da Paz, podem-se extrair
alguns exemplos de modalidades do estilo trágico-operístico que continuou
exercendo uma espécie de pedagogia do gosto que influiu no estilo do
Pássaro Junino – gênero de teatro musicado, espécie de ópera popular
originário da Amazônia. (LOUREIRO.1995 p, 323)
3 LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário, p.323.
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dos teatros de Belém. Loureiro ainda nos informa que na Praça da Republica,
chamada antes de Largo da Pólvora, havia “o pavilhão dos recreios onde os
cançonetista e dançarinos de origem francesa, por exemplo, faziam suas
apresentações.”4. Ainda nas proximidades, segundo o autor, situava-se o Teatro-
circo Cosmopolita, neste eram encenados Vaudevilles e Zarzuelas5.
Ainda baseado nas contribuições de João de Jesus, muito antes da
inauguração do Teatro da Paz que ocorrera em 15 de fevereiro de 1878, foi
inaugurado o Teatro Chalet, no Largo de Nazaré onde eram representadas
pequenas chanchadas. Estas representações deram origem a um tipo de teatro
chamado de teatro nazareno. Pode-se dizer que este tipo de teatro contribuiu
também, enormemente, com a caracterização da mestiçagem presente no Pássaro
Junino, como bem afirma Loureiro:
O teatro nazareno apresentava uma estrutura de teatro de vaudeville ou
teatro revista, além de abrigar apresentações cênicas de origem folclórica.
Estruturava-se em cenas rápidas, muitas músicas e quadros humorísticos.
De certa maneira, a mestiçagem cênica que constitui hoje o Pássaro Junino,
se incluirmos nessa síntese de culturas, a influência das óperas e dos autos
jesuíticos. (LOUREIRO.1995 p, 324.)
Esse folguedo popular que apresenta uma forte ligação com a história dos
teatros de Belém, com influências européias, africanas e principalmente indígenas,
comprova a sua singularidade no cenário da cultura popular brasileira. O Pássaro
Junino é invenção paraense, é uma expressão particular da cultura amazônica e
ilustra em sua história uma riqueza cênica de expressionismo e visualidade delirante.
Seria inevitável, porém, tal criação artística, tendo em vista a realidade cultural e
ambiental da Amazônia, que apresenta uma diversidade incomparável de pássaros,
fontes de inspiração e criação do caboclo amazônico. Como afirma Loureiro:
4LOUREIRO, João de Jesus Paes. Cultura Amazônica: Uma Poética do Imaginário, p.324.
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Segundo o Dicionário Aurélio: Vaudeville: Comédia leve e muito movimentada, que originariamente comportava cenas
cantadas e passou, em seguida, a caracterizar-se pelos qüiproquós, e por situações imprevistas e intriga complexa; Zarzuela:
Obra dramática e musical de origem espanhola, espécie de ópera-cômica, na qual alternadamente se declama e se canta
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O Pássaro Junino traduz por meio de sua teatralização a memória e o
imaginário amazônico compreendido como expressão simbólica da cultura regional.
Grupos espalhados pelos subúrbios de Belém ainda sustentam a tradição que vem
de um tempo não marcado pela cronologia, mas que se tem notícia segura a partir
do século XIX. Mas o curioso é que essa manifestação saiu das mediações da
capital do estado e ganhou o interior, chegando ao município de São Sebastião da
Boa Vista por volta dos anos de 1950. Na região essa prática folclórica ficou por
muito tempo longe dos festejos junino e bem próxima da memória de alguns
moradores que presenciaram essa manifestação popular, que teve como principais
precursores Aurino Vulcão e Mestre Sabazinho. No entanto, pouco se fez para
mantê-la sempre viva, ocasionando com isso certo desinteresse e descaso por parte
das novas gerações.
Convém aqui destacar a importância de se preservar a memória cultural de
um povo. Essas ações provem de forma individual ou coletiva. “A memória é sempre
uma construção feita no presente a partir de vivências/experiências ocorridas no
passado”6. A memória tem uma importante função de contribuir com a identidade do
indivíduo, não só no campo histórico, do real, mas, sobretudo no campo simbólico. A
memória se modifica e se rearticula conforme posição que ocupamos e as relações
que estabelecemos, nos diferentes grupos de que participamos. No caso do pássaro
junino de São Sebastião da Boa Vista as informações preservadas por alguns
moradores foram relevantes para se reativar e rearticular essa prática folclórica no
local, e isso só foi possível levantar graças aos diálogos estabelecidos com essas
pessoas.
As primeiras apresentações dos cordões de pássaro no município de São
Sebastião da Boa Vista, segundo os moradores, foram em decorrência da iniciativa
do poder público municipal que acionou o Mestre Sabazinho, recém chegado à
cidade, para tal atividade e que contou com a colaboração de Aurino Vulcão, artista
popular e incentivador do folclore local. Mas foi no ambiente escolar que o folguedo
ganhou mais vida, graças à produção de diversos cordões de pássaro como Guará,
Beija-flor, Borboleta, Tucano e Garça nas dependências da Escola Estadual
Magalhães Barata.
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Atualmente a Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre José de
Anchieta é quem vem desenvolvendo essa prática folclórica no município. Realizou
em 2002 o cordão do Tucano, em 2004 o cordão da Garça que foi reapresentado
novamente em 2009, já em forma de Projeto intitulado como “Pássaro Junino na
Escola”, fato que estimulou a produção do referido estudo e a proposição de um
trabalho pedagógico que procure incentivar a aprendizagem nas aulas de Arte.
Está se percebendo o quanto é importante ter a memória artística e cultural
preservada, valorizada, propagada e, principalmente, transformada em práticas
educativas. Julgamos a memória tanto individual, coletiva ou histórica, fundamentais
para os trabalhos nos quais a memória de alunos, professores e da comunidade
escolar contribuem, consideravelmente, com projetos de características sociais que
evidenciam a memória histórica/cultural local. Um dos elementos mais importantes,
que afirmam o caráter social da memória, é a linguagem. As experiências, vivências
e trocas entre os membros de um grupo, são realizadas por meio de linguagem.
Um aspecto importante acerca da memória é a sua relação com os lugares.
As memórias individuais e coletivas têm nos lugares uma referência importante para
a sua construção, ainda que não seja condição para a sua preservação. As
memórias dos grupos se referenciam, também, nos espaços em que habitam e nas
relações que constroem com estes espaços. Os lugares são importante referência
na memória dos indivíduos, donde se segue que as mudanças empreendidas
nesses lugares acarretam mudanças importantes na vida e na memória dos grupos.
Ao realizar o projeto Pássaro Junino na Escola, os idealizadores, sem duvida,
tiveram que, anteriormente, realizar um levantamento histórico sobre essa prática
folclórica no município de São Sebastião da Boa Vista. Trabalharam então com a
memória individual, buscando tais informações com pessoas que participaram, ou
presenciaram as apresentações, bem como, confrontaram os relatos para que se
pudessem efetivar os elementos característicos e estruturais do folguedo. Desse
modo, trabalhou-se com a memória coletiva, tendo como elemento fundamental no
processo de levantamento dos dados, a linguagem. Ocasionou a estimulação da
memória para se lembrar dos fatos para que estes fossem, por meio da linguagem,
narrados.
Foram os depoimentos de um determinado grupo de moradores que nos
permitiu discutir um assunto que permaneceu por longos anos esquecido da história
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dita oficial. Com um trabalho dessa natureza, pode-se levar ao conhecimento público
personagens e histórias nunca estudadas e, junto com elas, transformá-las em
conhecimento, evidenciando a memória e a tradição dos moradores mais velhos da
cidade, que têm muito a contribuir, mas cuja voz ainda não se fez ouvir pela própria
história.
Todavia, a memória não é oprimida apenas porque lhe foram roubados
suportes materiais, nem só porque o velho foi reduzido à monotonia da
repetição, mas também porque uma outra ação, mais daninha e sinistra,
sufoca a lembrança: a história oficial celebrativa cujo triunfalismo é a vitoria
do vencedor a pisotear a tradição dos vencidos. (CHAUI, apud, BOSI, 1979,
p. 19.)
7 BOSSI, Ecléa. Memória e sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz, 1979.
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Pássaro Junino e levá-las ao conhecimento de outros, é garantir a preservação de
uma sabedoria popular, tornando-a tradicional. Fazendo valer os traços como: “a
antiguidade, a persistência e a oralidade”, elementos essenciais para se considerar
um fato folclórico, muito defendidos por Cássia Frade (1982)8. Mais tudo isso, é
também garantir a preservação da memória artística, cultural e histórica do
município.
O aspecto de mobilidade da cultura pode ser também percebível nesta
manifestação folclórica. De acordo como a sociedade se transforma a cultura tende,
também a sofrer interferências modificadoras. É isso que torna a cultura popular um
tema bastante discutido e estudado, gerando opiniões controversas. O folguedo do
Pássaro Junino em São Sebastião da Boa Vista fez valer essa peculiaridade da
cultura, por mais que as mudanças tenham ocorrido por vias de interferências de
outros lugares o que se fez foi adequar-se ao tempo e as mudanças sociais.
Augusto Arantes em “O que é Cultura Popular”, deixa claro essa concepção
defendida quanto ao aspecto de mobilidade da cultura no momento em que se
alteram inúmeros elementos: o tempo, o contexto, os comportamentos, os aspectos
sociais e até mesmo o local de sua ocorrência:
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FRADE, Cáscia. O Folclore, São Paulo, Global, 1997.
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II – CONCEITUANDO O TERMO PÁSSARO JUNINO.
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III – A IMPORTÂNCIA DO PÁSSARO JUNINO NAS AULAS DE ARTE.
Com Duarte está se percebendo que, para que a aprendizagem possa ser
verdadeiramente efetivada, é necessária a boa articulação entre as coisas que serão
ensinadas com as que os alunos já conhecem. O pássaro junino, por exemplo, já é
de conhecimento da comunidade em estudo, a sua importância como recurso de
ensino e aprendizagem, dar-se-á mediante as boas estratégias de aplicação,
fundamentada nestas contribuições de Duarte. É importante ter a educação como
uma concepção preocupada em colocar o individuo em contato com os sentidos que
circulam em sua cultura, para que, assimilando-os possa nela construir novos
conhecimentos e possa nela viver, cabendo ao professor proporcionar ao educando
o contato com essas novas significações.
Educar significa permitir que os atores envolvidos neste processo, conheça as
múltiplas significações e as compreenda a partir de suas vivências. Assim, a
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experiência estética, mencionada anteriormente, com seu caráter subjetivo, mostra-
se como capaz de tornar a aprendizagem significativa, como aponta novamente o
comentário de João Francisco Duarte Junior, ao observar que:
Assim, é relevante ainda salientar que, o folclore, por ser um fenômeno social,
necessita ser entendido e estudado pelo fato da cultura ser um processo dinâmico,
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estando em permanente transformação dadas as mudanças ocorridas na sociedade
a qual esta representa, e tornar os alunos agentes desse processo, fazendo-os
perceber a sua responsabilidade com a preservação dos bens culturais e
ambientais, pode ser também, garantir a transformação de uma informação em
conhecimento.
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para se desenvolver a aprendizagem a partir desse único tema.
Cada linguagem artística possui no cerne de sua execução inúmeras
contribuições para o desenvolvimento físico, psíquico e cognitivo do aluno, bem
como, estimula a criatividade, o respeito mutuo, a experiência estética e a
sensibilidade. Esses benefícios poderão ser adquiridos a partir do envolvimento nas
práticas de arte cênica ou nas que estimulam a produção e execução de música e
dança, nas quais a expressão corporal pode ser, não somente uma manifestação de
sentimentos e ideias, mas um recurso de autoconhecimento e transformação
pessoal.
Pode-se dizer que as manifestações folclóricas, uma vez incluídas como
recurso pedagógico, tende a contribuir fortemente no processo de adaptação,
interação e convivência das crianças e adolescentes. É na escola que esses valores
encontram um ambiente propício e favorável. A esse respeito da escola ser esse
local de excelente interação, Olga Reverbel argumenta dizendo:
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CONSINDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Antonio Augusto. O que é Cultura Popular 14ª ed. São Paulo:
Brasiliense,1990.
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