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RESUMO
A contaminação do lastro ferroviário com material fino pode modificar a granulometria original do mesmo,
colmatando os poros e contribuindo para a redução da capacidade drenante. Nesse contexto, o presente trabalho
tem como objetivo principal avaliar a capacidade drenante de dois materiais (escória de aciaria e brita), obtidos
nos estados do Ceará e de Pernambuco. Além disso, a partir de um parâmetro que mede o nível de contaminação
(fouling index - FI), foi analisado o comportamento da capacidade drenante de um lastro novo quando contaminado
com três diferentes níveis de FI (15, 30 e 45). Para a análise numérica, utilizou-se um software de elementos finitos
(Slide 6.0) para obter a vazão de descarga em uma seção hipotética de ferrovia. Coeficientes de permeabilidade
(k) foram obtidos experimentalmente e utilizados como input para a simulação de fluxo. Os resultados indicam
que o lastro composto por escória apresenta capacidade drenante 44% inferior àquela obtida para o lastro composto
pela brita. Por fim, à medida que o nível de FI aumenta, a vazão de descarga tende a diminuir até cerca de 40%.
ABSTRACT
The contamination of ballast with fine material might modify the original gradation, fouling the pores and
contributing to the drainage capability reduction. In this context, this paper aims to evaluate the drainability of two
ballast materials (steel slag and crushed stone) obtained in Ceará and Pernambuco. Moreover, from a parameter
that measures de contamination level (fouling index – FI) drainage capacity of originally clean ballast was assessed
after three different levels of FI (15, 30 and 45). For a numerical analysis, a software based on finite elements
(Slide 6.0) was used to determine discharge flows of a hypothetical railroad section. Permeability coefficients (k)
were experimentally obtained and used as an input at a flow simulation. The results show that ballast composed
of steel slag aggregate presents 44% lower drainage capacity if compared to the crushed stone aggregate ballast.
Related to different fouling contents, as the level of FI increase, the discharge flow tends to decrease until about
40%.
1. INTRODUÇÃO
A granulometria de um lastro ferroviário é fundamental para a estabilidade e a segurança
ferroviária. O lastro deve apresentar elevada resistência ao cisalhamento para resistir aos
esforços oriundos do tráfego. Além disso, o mesmo deve apresentar alta permeabilidade para
proporcionar drenagem adequada. Entretanto, para se obter uma melhor resistência é necessário
o uso de material com granulometria bem graduada, enquanto que para melhorar a drenagem é
fundamental o uso de material com granulometria uniforme.
Dessa forma, a composição granulométrica do lastro é fundamental para que o mesmo possa
funcionar adequadamente. Entretanto, durante a vida útil da ferrovia, a composição
granulométrica do lastro pode ser modificada. A contaminação pode ser por fratura, desgaste
do próprio lastro, por infiltração de finos das camadas subjacentes, ou ainda pela queda de
materiais (minério de ferro, grãos e outros), etc. Esse processo modifica a característica inicial
do lastro e reduz a capacidade drenante do mesmo.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Com relação a granulometria dos lastros, a norma ABNT NBR 5564 (2011) estabelece as
características da curva granulométrica do lastro composto por rocha britada. Nos Estados
Unidos, o manual da American Railway Engineering and Maintenance (AREMA, 2013)
especifica a granulometria dos lastros ferroviários. A Figura 1 apresenta exemplos de faixas
granulométricas adotadas pela ABNT e pela AREMA. Para a ABNT, as faixas granulométricas
A e B referem-se a lastros utilizados para aplicação em linhas principais e em linhas de pátios,
respectivamente. Já para a AREMA, as três faixas granulométricas apresentadas na Figura 1(b)
são empregadas em lastros de vias principais.
100 100
Faixa 24 (AREMA)
80 Faixa A (ABNT) 80
Faixa 25 (AREMA)
Passante (%)
Passante (%)
Além das funções citadas anteriormente, uma das principais serventias do lastro é favorecer a
drenagem das águas que caem sobre a via permanente. Para obter a função drenante, o lastro
precisa apresentar curva granulométrica uniforme, com ausência de material fino. Em geral,
partículas menores que 12,5mm (#1/2”) já são consideradas como material fino, como pode-se
verificar na Figura 1, exceto para a Faixa 25 (AREMA), na qual a menor abertura de peneira é
4,75mm (#4). De acordo com Lim (2004), as propriedades físicas necessárias para compor um
lastro de alta qualidade são: i) elevada angularidade das partículas; ii) alta dureza; iii) elevada
resistência aos efeitos do intemperismo; iv) superfície rugosa; v) alta densidade específica; e
vi) elevada resistência ao cisalhamento.
Rahman (2013) aponta uma série de prejuízos causados pela contaminação progressiva da
camada de lastro de vias permanentes. Segundo o citado autor, o preenchimento dos vazios com
materiais finos pode gerar redução na permeabilidade da camada. Além disso, a presença dos
finos gera uma redução do atrito entre os agregados que compõem o lastro, reduzindo a
resistência da camada e gerando instabilidade para a estrutura dos trilhos.
Selig e Waters (1994) elencaram as variadas fontes de contaminação dos vazios apresentados
pela estrutura do lastro. Segundo estes autores, o principal responsável pelo comprometimento
da capacidade drenante da camada é a quebra do próprio material que compõe o lastro;
aproximadamente 76% do material contaminante se deve ao desgaste da camada granular. Além
deste fator, a infiltração proveniente da camada de sublastro e da superfície do lastro,
juntamente com a percolação de finos oriundos do subleito e com o material resultante do atrito
nas interfaces das camadas, também contribui para aumentar o preenchimento dos vazios entre
os agregados graúdos. A Figura 2 apresenta exemplos de fatores que promovem a contaminação
da camada de lastro com material fino.
Vale ressaltar que a contribuição de cada fonte de contaminação pode ser variável, dependendo
do local analisado. Em um local onde há problemas no subleito, por exemplo, a contaminação
do lastro vinda das camadas inferiores pode se dar de maneira mais significativa do que pela
queda de materiais vindos da superfície.
Feldman e Nissen (2002) apontaram que o FI pode gerar algumas interpretações precipitadas
acerca da contaminação do lastro. Segundo os citados autores, a influência de mais de um tipo
de contaminante (e.g. carvão, minério, pó de pedra) pode gerar outro teor de contaminação
devido aos diferentes valores de massa específica dos materiais. Com isso, estes mesmos
autores propuseram o percentage void contamination (PVC) – ou percentual de contaminação
dos vazios –, que relaciona o volume total do material contaminante com o volume de vazios
do lastro limpo. Os autores apontam que o volume total do material contaminante é determinado
através de ensaios em corpos de prova (CP) compactados com energia padrão Proctor.
Tennakoon et al. (2012) sugerem, entretanto, que o volume compactado de contaminante não
representa satisfatoriamente a realidade. Assim, o void contaminant index (VCI) – ou índice de
contaminação dos vazios – é proposto a fim de identificar o papel dos diferentes tipos de
materiais finos que contaminam a camada de lastro. Para o cálculo do VCI, utiliza-se o volume
real dos finos relacionado com o volume do lastro livre de contaminantes.
A Figura 3 apresenta um resultado típico obtido por Tennakoon et al. (2012), representando um
lastro com 30cm de espessura, sendo que apenas 10cm do lastro encontram-se sem
contaminação; o restante, está totalmente contaminado (VCI de 100%). Por causa da simetria,
a Figura 3 apresentam somente metade da seção da via avaliada.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
100
Caucaia/CE (Brita, TMN = 2")
80
Fortaleza/CE (Escória de Aciaria, TMN = 1" 1/2)
Passante (%)
20
0
0,01 0,1 1 10 100
Abertura da Peneira (mm)
Figura 5: Granulometria dos materiais avaliados e da Faixa B especificada pela ABNT
Os materiais foram avaliados com relação à angularidade da parte fina retida nas peneiras
0,075mm (#200), 0,18mm (#80), 0,42mm (#40) e 4,75mm (#4) de ambos os materiais (escória
e brita). Optou-se por esta avaliação, pois os materiais retidos nas peneiras #200 e #4 são
utilizados no cálculo do FI; já os materiais retidos nas demais peneiras, #80 e #40, foram
avaliados por se tratarem das peneiras com significativo percentual na composição
granulométrica. O ensaio foi executado com o uso do equipamento Aggregate Image
Measurement System (AIMS) que, segundo Bessa (2012), fornece esta propriedade de forma
através do Gradiente de Angularidade (GA).
Os resultados obtidos são apresentados em uma escala de 0 a 10.000, onde quanto maior for o
GA, mais angular é a partícula. A Figura 6 apresenta o equipamento com o material a ser
ensaiado. Para a avaliação da angularidade dos agregados, utilizou-se o critério de classificação
proposto por Al Rousan (2004). Esse autor definiu 4 faixas de angularidade, a depender de
valores limites do parâmetro GA (Tabela 3).
(a) Material retido na peneira #4 (4,75mm) (b) Material retido na peneira #200 (0,075mm)
Figura 6: Aggregate Image Measurement System (AIMS)
3.3. Permeabilidade
O ensaio de permeabilidade com carga constante foi realizado para obter o (k) de cada material.
O citado ensaio é geralmente utilizado para caracterizar solos granulares contendo, no máximo,
10% em massa de material passante na peneira #200. A NBR 13292 (1995) padroniza o ensaio
de permeabilidade com carga constante. Para realizar o ensaio de permeabilidade foram
moldados corpos de prova (CP’s) com aproximadamente 4kg de lastro obtidos,
proporcionalmente, a partir da curva granulométrica dos materiais. Primeiramente, foi realizado
o ensaio de permeabilidade para as duas amostras de lastros diferentes (escória de aciaria e
brita). Em seguida, o lastro novo foi contaminado com porcentagens diferentes de material
contaminante proveniente do lastro de brita, oriunda do trecho de ferrovia localizado em
Caucaia/CE. O processo de contaminação utilizado neste estudo será abordado adiante. A
Figura 7a apresenta um CP confeccionado no interior do permeâmetro e a Figura 7b apresenta
a aparelhagem utilizada no ensaio.
Para calcular o k foi utilizada a Equação 1, em que: V é o volume (mL) estabilizado medido no
ensaio de permeabilidade; L é a altura total (cm) do material no permeâmetro; A é a área da
seção transversal (cm²) do permeâmetro; h é a carga hidráulica (cm); e t é o tempo (s) de duração
da leitura. Foi aplicada uma carga hidráulica constante de 30cm. Essa carga foi utilizada devido
à semelhança a uma situação observada em campo, tendo em vista a espessura comum
(aproximadamente 30cm) da camada de lastro. Além disso, no processo de simulação de fluxo,
a mesma carga (30cm) será aplicada na seção hipotética de via férrea.
V × L
k= (1)
A× h ×t
Para moldar o CP de lastro dentro do cilindro foi adotado o mesmo procedimento utilizado por
Paiva et al. (2014). Inicialmente, a parte considerada fina do lastro (retida na peneira de 4,75mm
até o fundo) foi introduzida no permeâmetro. Em seguida, o restante do lastro foi colocado.
Após a moldagem do CP, obtiveram-se as medidas da altura total do material no permeâmetro
através da média de três leituras. A área da seção do permeâmetro é de 181,16cm2. Para cada
ensaio, evidenciou-se a saturação das amostras após a estabilização da leitura do volume d’água
que percola pela amostra em um determinado tempo (3 e 5 minutos).
100
80 FI-15
Passante (%)
FI-30
60
FI-45
40 Faixa B (ABNT)
20
0
0,01 0,1 1 10 100
Abertura da Peneira (mm)
Figura 8: Curvas Granulométricas do Lastro Novo Contaminado
Figura 10: Ilustração do modelo de elementos finitos gerados pelo Slide 6.0
4. RESULTADOS
70 Brita #40
60 Brita #4
50
Escória de Aciaria #200
40
Subangular
Figura 12: Vetores de fluxo gerados na camada de lastro com escória de aciaria
Analisando os resultados apresentados na Tabela 5, observa-se que tanto o lastro composto por
escória de aciaria quanto o lastro composto por brita apresentam drenagem classificada como
deficiente. Vale ressaltar que, com relação ao parâmetro (FI) de contaminação utilizado para
avaliar os lastros no presente estudo, os dois lastros avaliados estão em classes diferentes.
Enquanto a brita é razoavelmente limpa, a escória de aciaria é considerada moderadamente
limpa. Entretanto, com relação à capacidade drenante, os dois materiais são considerados
deficientes, segundo os critérios de classificação adotados.
mesmos. Para o ensaio de permeabilidade realizado com lastro novo contaminado o tempo de
duração foi de 5 minutos.
5. CONCLUSÕES
No presente trabalho foi verificada a capacidade drenante de dois tipos de lastros (escória de
aciaria e brita) retirados de vias férreas localizadas no estado do Ceará/CE. Além disso, a partir
de um lastro novo limpo (Salgueiro/PE), foi verificado o comportamento da drenagem quando
o material foi contaminado com três níveis de FI. Para avaliar a capacidade drenante, foi
observado o comportamento da vazão de descarga em uma seção hipotética de via férrea. Os
resultados indicaram que a vazão de descarga na seção de lastro composta por brita é
aproximadamente 44% superior ao valor de vazão obtido para o lastro composto por escória de
aciaria. A escória de aciaria apresenta maior quantidade de contaminante (FI igual a 12,7). Além
disso, a mesma apresenta agregados finos com maior angularidade o que favorece o
preenchimento dos vazios e a, consequente, redução da capacidade drenante. Com relação ao
comportamento da vazão de descarga para os três diferentes níveis (FI de 15, 30 e 45) de
contaminação avaliados, observou-se que a vazão de descarga tende a diminuir com o aumento
do FI, como esperado. Entretanto, com relação à capacidade drenante, os três estados avaliados
foram considerados como tendo drenagem muito deficiente.
Dessa forma, diante dos resultados obtidos, sugere-se avaliar o lastro de pontos diferentes da
camada, como, por exemplo, a seção abaixo do dormente, pois se acredita que nessa região a
degradação do lastro e a, consequente, contaminação seja maior. Além disso, sugere-se variar
a espessura da camada de lastro que realmente está contaminada, pois alguns estudos indicam
que o material contaminante inicialmente se deposita no fundo do lastro. Por fim, sugere-se
simular o fluxo na camada de lastro considerando que a camada logo abaixo do mesmo
(sublastro ou subleito) não seja impermeável.
Agradecimentos
Os autores agradecem à Transnordestina Logística S/A pelo apoio e pelo fornecimento dos materiais avaliados
neste trabalho. Também, ao CNPq pelas bolsas de mestrado concedidas aos dois primeiros autores.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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