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XXIX Congresso Nacional de Pesquisa em Transporte da Anpet

OURO PRETO, 9 a 13 de novembro de 2015

ANÁLISE EXPERIMENTAL E NÚMERICA DA CAPACIDADE DRENANTE DE


DIFERENTES LASTROS FERROVIÁRIOS

Wellington Lorran Gaia Ferreira


Sued Lacerda Costa
Verônica T. F. Castelo Branco
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Departamento de Engenharia de Transportes (DET)
Rosângela dos Santos Motta
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli/USP
Departamento de Engenharia de Transportes

RESUMO
A contaminação do lastro ferroviário com material fino pode modificar a granulometria original do mesmo,
colmatando os poros e contribuindo para a redução da capacidade drenante. Nesse contexto, o presente trabalho
tem como objetivo principal avaliar a capacidade drenante de dois materiais (escória de aciaria e brita), obtidos
nos estados do Ceará e de Pernambuco. Além disso, a partir de um parâmetro que mede o nível de contaminação
(fouling index - FI), foi analisado o comportamento da capacidade drenante de um lastro novo quando contaminado
com três diferentes níveis de FI (15, 30 e 45). Para a análise numérica, utilizou-se um software de elementos finitos
(Slide 6.0) para obter a vazão de descarga em uma seção hipotética de ferrovia. Coeficientes de permeabilidade
(k) foram obtidos experimentalmente e utilizados como input para a simulação de fluxo. Os resultados indicam
que o lastro composto por escória apresenta capacidade drenante 44% inferior àquela obtida para o lastro composto
pela brita. Por fim, à medida que o nível de FI aumenta, a vazão de descarga tende a diminuir até cerca de 40%.

Palavras Chave: ferrovias, drenagem, permeabilidade, fluxo, lastro

ABSTRACT
The contamination of ballast with fine material might modify the original gradation, fouling the pores and
contributing to the drainage capability reduction. In this context, this paper aims to evaluate the drainability of two
ballast materials (steel slag and crushed stone) obtained in Ceará and Pernambuco. Moreover, from a parameter
that measures de contamination level (fouling index – FI) drainage capacity of originally clean ballast was assessed
after three different levels of FI (15, 30 and 45). For a numerical analysis, a software based on finite elements
(Slide 6.0) was used to determine discharge flows of a hypothetical railroad section. Permeability coefficients (k)
were experimentally obtained and used as an input at a flow simulation. The results show that ballast composed
of steel slag aggregate presents 44% lower drainage capacity if compared to the crushed stone aggregate ballast.
Related to different fouling contents, as the level of FI increase, the discharge flow tends to decrease until about
40%.

Keywords: railroads, drainage, permeability, flow, ballast

1. INTRODUÇÃO
A granulometria de um lastro ferroviário é fundamental para a estabilidade e a segurança
ferroviária. O lastro deve apresentar elevada resistência ao cisalhamento para resistir aos
esforços oriundos do tráfego. Além disso, o mesmo deve apresentar alta permeabilidade para
proporcionar drenagem adequada. Entretanto, para se obter uma melhor resistência é necessário
o uso de material com granulometria bem graduada, enquanto que para melhorar a drenagem é
fundamental o uso de material com granulometria uniforme.

Dessa forma, a composição granulométrica do lastro é fundamental para que o mesmo possa
funcionar adequadamente. Entretanto, durante a vida útil da ferrovia, a composição
granulométrica do lastro pode ser modificada. A contaminação pode ser por fratura, desgaste
do próprio lastro, por infiltração de finos das camadas subjacentes, ou ainda pela queda de
materiais (minério de ferro, grãos e outros), etc. Esse processo modifica a característica inicial
do lastro e reduz a capacidade drenante do mesmo.

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Nesse contexto, de forma a avaliar a capacidade de drenagem de diferentes lastros ferroviários


contaminados, o presente trabalho avaliou a vazão de descarga em uma seção hipotética de uma
via férrea. O programa Slide 6.0, comumente utilizado para a análise de fluxo em materiais
granulares (e.g., barragens de terra), foi utilizado nesse estudo. Foram avaliadas a vazão de
descarga para três tipos de lastros ferroviários (duas britas e uma escória de aciaria) encontrados
nos estados do Ceará e de Pernambuco. Além disso, com base no parâmetro fouling index (FI)
que mede o nível de contaminação de lastros através da soma dos percentuais passantes das
peneiras de 4,75mm (#4) e de 0,075mm (#200), foram avaliados três níveis de FI (15, 30 e 45),
partindo de um lastro que inicialmente encontrava-se limpo e foi contaminado naquelas
porcentagens. O coeficiente de permeabilidade (k) do lastro utilizado como input na simulação
numérica foi obtido experimentalmente, a partir de ensaios laboratoriais realizados em materiais
coletados em campo.

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1. Lastro Ferroviário


O lastro ferroviário é uma camada que compõe a subestrutura da via permanente. Construir as
vias férreas no topo da camada granular do lastro trata-se de uma das técnicas mais utilizadas
no mundo devido aos baixos custos de construção e de manutenção. Além da camada de lastro,
a subestrutura é composta das camadas de sublastro e de subleito. O lastro funciona como base
para a superestrutura férrea (trilhos, fixação dos trilhos, dormentes, palmilhas), distribuindo as
cargas oriundas da movimentação do trem. Além dessa função estrutural, outras funções são
atribuídas ao lastro ferroviário, como: manter a via alinhada, absorver a pressão dos dormentes
e facilitar a operação de rearranjo para restaurar a geometria da via.

Com relação a granulometria dos lastros, a norma ABNT NBR 5564 (2011) estabelece as
características da curva granulométrica do lastro composto por rocha britada. Nos Estados
Unidos, o manual da American Railway Engineering and Maintenance (AREMA, 2013)
especifica a granulometria dos lastros ferroviários. A Figura 1 apresenta exemplos de faixas
granulométricas adotadas pela ABNT e pela AREMA. Para a ABNT, as faixas granulométricas
A e B referem-se a lastros utilizados para aplicação em linhas principais e em linhas de pátios,
respectivamente. Já para a AREMA, as três faixas granulométricas apresentadas na Figura 1(b)
são empregadas em lastros de vias principais.

100 100
Faixa 24 (AREMA)
80 Faixa A (ABNT) 80
Faixa 25 (AREMA)
Passante (%)

Passante (%)

60 Faixa B (ABNT) 60 Faixa 3 (AREMA)


40 40
20 20
0 0
1 10 100 1 10 100
Abertura da Peneira (mm) Abertura da Peneira (mm)
(a) ABNT (b) AREMA
Figura 1: Faixas Granulométricas: (a) ABNT e (b) AREMA (Adaptado de Merheb, 2014)

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Além das funções citadas anteriormente, uma das principais serventias do lastro é favorecer a
drenagem das águas que caem sobre a via permanente. Para obter a função drenante, o lastro
precisa apresentar curva granulométrica uniforme, com ausência de material fino. Em geral,
partículas menores que 12,5mm (#1/2”) já são consideradas como material fino, como pode-se
verificar na Figura 1, exceto para a Faixa 25 (AREMA), na qual a menor abertura de peneira é
4,75mm (#4). De acordo com Lim (2004), as propriedades físicas necessárias para compor um
lastro de alta qualidade são: i) elevada angularidade das partículas; ii) alta dureza; iii) elevada
resistência aos efeitos do intemperismo; iv) superfície rugosa; v) alta densidade específica; e
vi) elevada resistência ao cisalhamento.

2.2. Contaminação do Lastro


Segundo Indraratna et al. (2010), com o envelhecer da estrutura e o constante uso da via, os
vazios apresentados pela camada de lastro começam a apresentar acentuado acúmulo de
partículas finas. Esta contaminação da camada granular pode comprometer, principalmente, a
função drenante do lastro.

Rahman (2013) aponta uma série de prejuízos causados pela contaminação progressiva da
camada de lastro de vias permanentes. Segundo o citado autor, o preenchimento dos vazios com
materiais finos pode gerar redução na permeabilidade da camada. Além disso, a presença dos
finos gera uma redução do atrito entre os agregados que compõem o lastro, reduzindo a
resistência da camada e gerando instabilidade para a estrutura dos trilhos.

Selig e Waters (1994) elencaram as variadas fontes de contaminação dos vazios apresentados
pela estrutura do lastro. Segundo estes autores, o principal responsável pelo comprometimento
da capacidade drenante da camada é a quebra do próprio material que compõe o lastro;
aproximadamente 76% do material contaminante se deve ao desgaste da camada granular. Além
deste fator, a infiltração proveniente da camada de sublastro e da superfície do lastro,
juntamente com a percolação de finos oriundos do subleito e com o material resultante do atrito
nas interfaces das camadas, também contribui para aumentar o preenchimento dos vazios entre
os agregados graúdos. A Figura 2 apresenta exemplos de fatores que promovem a contaminação
da camada de lastro com material fino.

Figura 2: Fontes de contaminação da camada de lastro (Adaptado de Selig e Waters, 1994)

Vale ressaltar que a contribuição de cada fonte de contaminação pode ser variável, dependendo
do local analisado. Em um local onde há problemas no subleito, por exemplo, a contaminação
do lastro vinda das camadas inferiores pode se dar de maneira mais significativa do que pela
queda de materiais vindos da superfície.

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Existem na literatura diversos índices para quantificar o grau de contaminação da camada de


lastro. Selig e Waters (1994) propuseram o fouling index (FI), classificando tal contaminação
em cinco níveis, de limpa até muito contaminada. O FI é determinado pela soma dos percentuais
passantes das peneiras de 4,75mm (#4) e de 0,075mm (#200). A Tabela 1 apresenta as faixas de
classificação para a contaminação do lastro, baseadas no valor de FI.

Tabela 1: Classificação da contaminação do lastro pelo FI (Fonte: Selig e Waters, 1994)


Fouling Index F1 < 1 1 ≤ F1 < 10 10 ≤ F1 < 20 20 ≤ F1 < 40 F1 ≥ 40
Razoavelmente Moderadamente Muito
Classificação Limpo Contaminado
Limpo Limpo Contaminado

Feldman e Nissen (2002) apontaram que o FI pode gerar algumas interpretações precipitadas
acerca da contaminação do lastro. Segundo os citados autores, a influência de mais de um tipo
de contaminante (e.g. carvão, minério, pó de pedra) pode gerar outro teor de contaminação
devido aos diferentes valores de massa específica dos materiais. Com isso, estes mesmos
autores propuseram o percentage void contamination (PVC) – ou percentual de contaminação
dos vazios –, que relaciona o volume total do material contaminante com o volume de vazios
do lastro limpo. Os autores apontam que o volume total do material contaminante é determinado
através de ensaios em corpos de prova (CP) compactados com energia padrão Proctor.

Tennakoon et al. (2012) sugerem, entretanto, que o volume compactado de contaminante não
representa satisfatoriamente a realidade. Assim, o void contaminant index (VCI) – ou índice de
contaminação dos vazios – é proposto a fim de identificar o papel dos diferentes tipos de
materiais finos que contaminam a camada de lastro. Para o cálculo do VCI, utiliza-se o volume
real dos finos relacionado com o volume do lastro livre de contaminantes.

2.3. Simulação de Fluxo em Lastro


Tennakoon et al. (2012) realizaram uma simulação, através do uso do software de elementos
finitos SEEP-W, na qual determinaram a vazão de descarga (Q) de camadas de lastro com
variados índices de contaminação. Os autores determinaram, experimentalmente, diferentes
valores de VCI e, para três diferentes cenários de contaminação do lastro, obtiveram as
diferentes Q. Em extensão, baseando-se em uma taxa considerada como crítica para a vazão de
descarga (QC igual a 0,0002m³/s), a condição drenante dos diferentes modelos foi classificada
(Tabela 2).

Tabela 2: Critério de classificação da condição drenante (Fonte: Tennakoon et al., 2012)


Q/QC > 100 10 - 100 1- 10 0,1 - 1 0,001 - 0,1 < 0,001
Drenagem Livre Boa Aceitável Deficiente Muito Deficiente Impermeável

A Figura 3 apresenta um resultado típico obtido por Tennakoon et al. (2012), representando um
lastro com 30cm de espessura, sendo que apenas 10cm do lastro encontram-se sem
contaminação; o restante, está totalmente contaminado (VCI de 100%). Por causa da simetria,
a Figura 3 apresentam somente metade da seção da via avaliada.

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Figura 3: Resultado típico do software SEEP-W (Adaptado de Tennakoon et al., 2012)

3. MATERIAIS E MÉTODOS

3.1. Material Avaliado


O material de lastro que foi avaliado neste trabalho foi coletado em campo, sendo três amostras
de 30kg provenientes dos estados do Ceará e de Pernambuco. A primeira, oriunda de
Caucaia/CE (km 22), era composta de brita e foi coletada na via permanente. A segunda
amostra, obtidas nas proximidades do Porto de Mucuripe, em Fortaleza/CE, tratava-se de
escória de aciaria também coletada na via permanente. Essas duas amostras obtidas em campo
foram coletadas no ombro do lastro. A terceira amostra se tratava de material novo composto
por brita, obtida diretamente da jazida de Salgueiro/PE, fornecedora de lastro para a ferrovia da
região. A Figura 4 apresenta os locais em que as duas primeiras amostras de lastro foram
coletadas. A Figura 5 apresenta a distribuição granulométrica dos três materiais avaliados. O
material obtido da jazida de Salgueiro/PE apresenta material retido somente até a peneira de
12,5mm (#1/2”) e enquadra-se na Faixa B da NBR 5564 (2011).

(a) Caucaia/CE (km 22) (b) Fortaleza/CE (Mucuripe)


Figura 4: Coleta do material de lastro avaliado no estudo

100
Caucaia/CE (Brita, TMN = 2")
80
Fortaleza/CE (Escória de Aciaria, TMN = 1" 1/2)
Passante (%)

60 Salgueiro/PE (Brita Nova, TMN = 2" 1/2)


40 Faixa B (ABNT)

20
0
0,01 0,1 1 10 100
Abertura da Peneira (mm)
Figura 5: Granulometria dos materiais avaliados e da Faixa B especificada pela ABNT

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Após a obtenção da distribuição granulométrica dos três materiais, determinaram-se os valores


de FI para cada um. O estado de contaminação das três amostras foi classificado de acordo com
a Tabela 1 e posteriormente será apresentado.

3.2. Processamento Digital de Imagens (PDI) dos Agregados


A angularidade se trata de uma importante propriedade de forma dos agregados. Espera-se que
agregados mais angulares preencham melhor os espaços vazios no interior do lastro reduzindo
a capacidade drenante do mesmo. Para a avaliação desta propriedade de forma, utilizou-se a
técnica do Processamento Digital de Imagens (PDI).

Os materiais foram avaliados com relação à angularidade da parte fina retida nas peneiras
0,075mm (#200), 0,18mm (#80), 0,42mm (#40) e 4,75mm (#4) de ambos os materiais (escória
e brita). Optou-se por esta avaliação, pois os materiais retidos nas peneiras #200 e #4 são
utilizados no cálculo do FI; já os materiais retidos nas demais peneiras, #80 e #40, foram
avaliados por se tratarem das peneiras com significativo percentual na composição
granulométrica. O ensaio foi executado com o uso do equipamento Aggregate Image
Measurement System (AIMS) que, segundo Bessa (2012), fornece esta propriedade de forma
através do Gradiente de Angularidade (GA).

Os resultados obtidos são apresentados em uma escala de 0 a 10.000, onde quanto maior for o
GA, mais angular é a partícula. A Figura 6 apresenta o equipamento com o material a ser
ensaiado. Para a avaliação da angularidade dos agregados, utilizou-se o critério de classificação
proposto por Al Rousan (2004). Esse autor definiu 4 faixas de angularidade, a depender de
valores limites do parâmetro GA (Tabela 3).

(a) Material retido na peneira #4 (4,75mm) (b) Material retido na peneira #200 (0,075mm)
Figura 6: Aggregate Image Measurement System (AIMS)

Tabela 3: Classificação da angularidade (GA) (Fonte: Al Rousan, 2004)


Classificação Arredondado Subarredondado Subangular Angular
Faixa GA < 2.100 2.100 ≤ GA < 4.000 4.000 ≤ GA < 5.400 GA ≥ 5.400

3.3. Permeabilidade
O ensaio de permeabilidade com carga constante foi realizado para obter o (k) de cada material.
O citado ensaio é geralmente utilizado para caracterizar solos granulares contendo, no máximo,
10% em massa de material passante na peneira #200. A NBR 13292 (1995) padroniza o ensaio
de permeabilidade com carga constante. Para realizar o ensaio de permeabilidade foram
moldados corpos de prova (CP’s) com aproximadamente 4kg de lastro obtidos,
proporcionalmente, a partir da curva granulométrica dos materiais. Primeiramente, foi realizado
o ensaio de permeabilidade para as duas amostras de lastros diferentes (escória de aciaria e

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brita). Em seguida, o lastro novo foi contaminado com porcentagens diferentes de material
contaminante proveniente do lastro de brita, oriunda do trecho de ferrovia localizado em
Caucaia/CE. O processo de contaminação utilizado neste estudo será abordado adiante. A
Figura 7a apresenta um CP confeccionado no interior do permeâmetro e a Figura 7b apresenta
a aparelhagem utilizada no ensaio.

(a) CP no permeâmetro (b) Ensaio de permeabilidade


Figura 7: Ilustração do ensaio de permeabilidade com carga constante

Para calcular o k foi utilizada a Equação 1, em que: V é o volume (mL) estabilizado medido no
ensaio de permeabilidade; L é a altura total (cm) do material no permeâmetro; A é a área da
seção transversal (cm²) do permeâmetro; h é a carga hidráulica (cm); e t é o tempo (s) de duração
da leitura. Foi aplicada uma carga hidráulica constante de 30cm. Essa carga foi utilizada devido
à semelhança a uma situação observada em campo, tendo em vista a espessura comum
(aproximadamente 30cm) da camada de lastro. Além disso, no processo de simulação de fluxo,
a mesma carga (30cm) será aplicada na seção hipotética de via férrea.

V × L
k= (1)
A× h ×t

Para moldar o CP de lastro dentro do cilindro foi adotado o mesmo procedimento utilizado por
Paiva et al. (2014). Inicialmente, a parte considerada fina do lastro (retida na peneira de 4,75mm
até o fundo) foi introduzida no permeâmetro. Em seguida, o restante do lastro foi colocado.
Após a moldagem do CP, obtiveram-se as medidas da altura total do material no permeâmetro
através da média de três leituras. A área da seção do permeâmetro é de 181,16cm2. Para cada
ensaio, evidenciou-se a saturação das amostras após a estabilização da leitura do volume d’água
que percola pela amostra em um determinado tempo (3 e 5 minutos).

3.4. Contaminação do Lastro Novo


Segundo Rahman (2013), a capacidade drenante da camada de lastro é afetada drasticamente a
partir de FI de 30. Assim, buscou-se avaliar três diferentes faixas de contaminação: i) FI de 15;
ii) FI de 30; e iii) FI de 45. A contaminação do lastro novo foi executada utilizando como
contaminante o material a partir da peneira #4 do lastro de brita retirado do trecho localizado
na cidade de Caucaia/CE. A Figura 8 apresenta as curvas granulométricas do material de lastro
novo contaminado.

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100
80 FI-15

Passante (%)
FI-30
60
FI-45
40 Faixa B (ABNT)
20
0
0,01 0,1 1 10 100
Abertura da Peneira (mm)
Figura 8: Curvas Granulométricas do Lastro Novo Contaminado

3.5. Seção Férrea Hipotética Avaliada


A Figura 9 apresenta a seção hipotética avaliada na simulação de fluxo. Foi utilizada a mesma
seção férrea hipotética avaliada por Tennakoon et al. (2011). Por causa da simetria, a análise
numérica foi realizada em apenas uma metade da estrutura. A consideração da camada
impermeável abaixo do lastro é uma simplificação para realização da análise numérica.

Figura 9: Seção férrea hipotética avaliada (Adaptada de Tennakoon et al., 2011)

3.6. Programa – Slide 6.0


Para realizar a análise de fluxo, foi utilizado o programa Slide 6.0. Esse programa, baseado no
método dos elementos finitos (MEF), é um dos mais abrangentes e disponíveis para realizar
análises de estabilidade de taludes, infiltração, fluxo, dentre outros, em materiais porosos. Na
Figura 10 pode-se verificar, a título de exemplo, uma malha gerada no programa, bem como a
seção onde será obtida a vazão de descarga da camada de lastro. Fluxos, pressões e vazões são
calculados com base nas condições de contorno hidráulicas que o usuário define. A malha é
composta por 5.000 elementos triangulares. Devido à simetria da seção, será apresentada
somente metade da camada de lastro.

Figura 10: Ilustração do modelo de elementos finitos gerados pelo Slide 6.0

3.7. Condições de Contorno e Dados de Entrada


Para determinar a vazão de descarga foi considerada uma carga total igual 0,30m na superfície
do lastro; isto é, uma carga total igual à altura do lastro. A carga total é a soma de duas parcelas:
carga altimétrica e carga piezométrica. A carga altimétrica é a diferença entre o ponto
considerado e qualquer cota definida como de referência. A carga piezométrica é a pressão
d’água no ponto, expressa em altura de coluna d’água (PINTO, 2002). Com relação aos dados

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de permeabilidade utilizados na simulação, os valores foram obtidos experimentalmente e serão


apresentados adiante.

4. RESULTADOS

4.1. Lastro de Escória de Aciaria versus Lastro de Brita (Caucaia)


A Tabela 4 apresenta os resultados de permeabilidade obtidos para os dois tipos de lastros
avaliados (brita e escória de aciaria). Além disso, a mesma tabela apresenta o FI obtido para
cada tipo de material, bem como a classificação com relação à contaminação dos mesmos, de
acordo com as classes apresentadas na Tabela 1. A duração do ensaio foi de 3 minutos.

Tabela 4: Resultados de permeabilidade para os dois tipos de lastros avaliados


Altura Volume
Teste k (cm/s) k (média) FI Classificação
Amostra (cm) Medido (mL)
1 290 0,0047
Razoavelmente
Brita 2 16 300 0,0049 0,0049 9,0
Limpo
3 310 0,0051
Escória 1 230 0,0034
Moderadamente
de 2 15 220 0,0035 0,0034 12,7
Limpo
Aciaria 3 220 0,0034

Analisando os resultados apresentados na Tabela 4, verifica-se que em média o (k) da brita é


aproximadamente 44% superior ao valor do (k) da escória de aciaria. O FI da escória de aciaria
é cerca de 40% superior ao valor do FI da brita. De acordo com a classificação quanto ao FI, os
dois materiais ainda não são considerados contaminados (para ser considerado contaminado o
FI deve estar acima de 20). Entretanto, os resultados de permeabilidade corroboram com os
resultados do parâmetro de contaminação (FI), pois a escória de aciaria apresenta maior FI e
menor (k). Quanto maior for o FI, maior deverá ser a quantidade de material fino no lastro e
menor será também a permeabilidade, pois os finos preenchem os vazios. Além disso, a partir
dos resultados de angularidade obtidos por PDI (Figura 11), verificou-se que a escória de aciaria
apresenta maior angularidade se comparada à brita. Quanto maior a angularidade, maior deverá
ser a capacidade do material de preencher os espaços vazios, reduzindo a permeabilidade do
mesmo. O eixo x na Figura 11 representa a frequência acumulada do parâmetro de angularidade
(GA), já o eixo y representa o próprio valor da angularidade (GA).

100 Brita #200


90
80 Brita #80
Acumulado (%)

70 Brita #40
60 Brita #4
50
Escória de Aciaria #200
40
Subangular

30 Escória de Aciaria #80


Angular

20 Escória de Aciaria #40


10
Escória de Aciaria #4
0
0 2000 4000 6000 8000 10000 Subangular
Angularidade (GA)
Figura 11: Frequência Acumulada da Angularidade (GA) para os Materiais Avaliados

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4.1.1 Vazão de Descarga (Q)


Segundo Indraratna et al. (2010), permeabilidades abaixo de 1,4E-04m/s resultam em
capacidade drenante deficiente. Esse valor de k foi utilizado como dado de entrada no programa
de análise de fluxo (Slide 6.0) e resultou em uma vazão de 1,160E-05m3/s, sendo essa
considerada como a vazão crítica (Qc). O objetivo em determinar Qc é qualificar a capacidade
drenante de acordo com as classes definidas por Tennakoon et al. (2012), apresentadas na
Tabela 2. Dessa forma, a vazão Q foi obtida para os dois tipos de lastros avaliados, com base
nos valores de (k) obtidos experimentalmente. A Figura 12 apresenta o comportamento dos
vetores de fluxo gerados na camada de lastro quando se utiliza a escória de aciaria. Como a
base do lastro foi considerada impermeável, o fluxo tende a ser lateral, principalmente, à medida
que a água encontra a camada impermeável.

Figura 12: Vetores de fluxo gerados na camada de lastro com escória de aciaria

Com os valores Qc e Q obtidos para a brita e para a escória de aciaria, classificou-se a


capacidade drenante de acordo com a relação Q/Qc pelos critérios definidos por Tennakoon et
al. (2012), apresentados na Tabela 2. A Tabela 5 apresenta os resultados de vazão de descarga,
bem como a classificação quanto à capacidade drenante para os dois materiais avaliados.

Tabela 5: Resultados obtidos a partir da simulação numérica


Lastro Q (m3/s) Q/Qc Classificação Drenagem
Escória de Aciaria 3,945E-06 0,3 Deficiente
Brita 5,685E-06 0,5 Deficiente
Caso Crítico 1,160E-05 - -

Analisando os resultados apresentados na Tabela 5, observa-se que tanto o lastro composto por
escória de aciaria quanto o lastro composto por brita apresentam drenagem classificada como
deficiente. Vale ressaltar que, com relação ao parâmetro (FI) de contaminação utilizado para
avaliar os lastros no presente estudo, os dois lastros avaliados estão em classes diferentes.
Enquanto a brita é razoavelmente limpa, a escória de aciaria é considerada moderadamente
limpa. Entretanto, com relação à capacidade drenante, os dois materiais são considerados
deficientes, segundo os critérios de classificação adotados.

4.2. Contaminação do Lastro Novo


Para verificar o comportamento do lastro novo quando o mesmo é contaminado com material
fino (a partir da peneira #4), foram testados três valores de FI diferentes. A Tabela 6 apresenta
os resultados de permeabilidade, bem como os valores de FI testados e a classificação dos

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mesmos. Para o ensaio de permeabilidade realizado com lastro novo contaminado o tempo de
duração foi de 5 minutos.

Tabela 6: Resultados de permeabilidade e de vazão de descarga para os três níveis de


contaminação de lastro avaliados
Altura Volume
Classificação Classificação
FI Amostra Medido k (cm/s) Q (m3/s) Q/Qc
(FI) Drenagem
(cm) (mL)
Moderadamente
15 17 90 0,00094 1,097E-06 0,09
Limpo
Muito
30 Contaminado 16 70 0,00069 8,006E-07 0,07
Deficiente
Muito
45 16 50 0,00049 5,685E-07 0,05
Contaminado

Analisando os resultados apresentados na Tabela 6, verifica-se que com o aumento do FI, o k


tende a diminuir, como esperado. Essa redução observada foi de aproximadamente 40% para
cada nível de contaminação avaliado. De acordo com Rahman (2013), para valores de FI acima
de 30, estes materiais já são considerados como totalmente contaminados. Com relação aos
valores de vazão, observa-se que a partir do FI de 30, a ordem de grandeza da vazão de descarga
modifica. Entretanto, segundo os critérios adotados, para todos os três níveis de contaminação
avaliados, a drenagem é classificada como muito deficiente.

5. CONCLUSÕES
No presente trabalho foi verificada a capacidade drenante de dois tipos de lastros (escória de
aciaria e brita) retirados de vias férreas localizadas no estado do Ceará/CE. Além disso, a partir
de um lastro novo limpo (Salgueiro/PE), foi verificado o comportamento da drenagem quando
o material foi contaminado com três níveis de FI. Para avaliar a capacidade drenante, foi
observado o comportamento da vazão de descarga em uma seção hipotética de via férrea. Os
resultados indicaram que a vazão de descarga na seção de lastro composta por brita é
aproximadamente 44% superior ao valor de vazão obtido para o lastro composto por escória de
aciaria. A escória de aciaria apresenta maior quantidade de contaminante (FI igual a 12,7). Além
disso, a mesma apresenta agregados finos com maior angularidade o que favorece o
preenchimento dos vazios e a, consequente, redução da capacidade drenante. Com relação ao
comportamento da vazão de descarga para os três diferentes níveis (FI de 15, 30 e 45) de
contaminação avaliados, observou-se que a vazão de descarga tende a diminuir com o aumento
do FI, como esperado. Entretanto, com relação à capacidade drenante, os três estados avaliados
foram considerados como tendo drenagem muito deficiente.

Dessa forma, diante dos resultados obtidos, sugere-se avaliar o lastro de pontos diferentes da
camada, como, por exemplo, a seção abaixo do dormente, pois se acredita que nessa região a
degradação do lastro e a, consequente, contaminação seja maior. Além disso, sugere-se variar
a espessura da camada de lastro que realmente está contaminada, pois alguns estudos indicam
que o material contaminante inicialmente se deposita no fundo do lastro. Por fim, sugere-se
simular o fluxo na camada de lastro considerando que a camada logo abaixo do mesmo
(sublastro ou subleito) não seja impermeável.

Infraestrutura Modelagem, Aeroportos e Ferrovias II 325


XXIX Congresso Nacional de Pesquisa em Transporte da Anpet
OURO PRETO, 9 a 13 de novembro de 2015

Agradecimentos
Os autores agradecem à Transnordestina Logística S/A pelo apoio e pelo fornecimento dos materiais avaliados
neste trabalho. Também, ao CNPq pelas bolsas de mestrado concedidas aos dois primeiros autores.

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Wellington Lorran Gaia (wlorran@hotmail.com)


Sued Lacerda Costa (sued_lacerda@hotmail.com)
Verônica Teixeira Franco Castelo Branco (veronica@det.ufc.br)
Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes, Departamento de Engenharia de Transportes, Universidade Federal do Ceará
Campus do PICI, s/n – Bloco 703 – CEP. 60440-554 – Fortaleza, CE, Brasil
Rosângela dos Santos Motta (rosangela.motta@usp.br)
Laboratório de Tecnologia da Pavimentação, Departamento de Engenharia de Transportes, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Avenida Professor Almeida Prado, Travessia 2, 83 – CEP. 05508-070 – São Paulo, SP, Brasil

Infraestrutura Modelagem, Aeroportos e Ferrovias II 326

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