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Gil Vicente:

Gil Vicente (1465-1536) foi um dramaturgo e poeta português, o representante maior


da literatura renascentista de Portugal antes de Camões. Criador de vários autos é
considerado o fundador do teatro em Portugal.

Na Farsa de Inês Pereira (1523), Gil Vicente recorre à expressividade e autenticidade da


protagonista para apontar os defeitos de uma sociedade sem escrúpulos, onde reinam o
oportunismo e o desejo de ascensão social da pequena burguesia, que vê o casamento como
forma de o conseguir.

A protagonista demonstra ainda o seu desprezo pela vida campestre, no entanto ela enfatiza o
prestígio das maneiras cortesãs e a ignorância do rústico.
Inês Pereira apresenta-se como sendo o centro do enredo, revelando “formalidades vazias do
amor e do casamento arranjado por interesse”.

A sua imagem é a de uma jovem que recusa as tarefas domésticas impostas pela mãe, sendo
assim também uma jovem rebelde e determinada, que está em busca de um homem com
quem casar para se libertar da vida cativa que leva.

Mulher à frente para a época em que vive, quer escolher o próprio noivo e não que esse lhe
seja imposto, enfrentando as leis da época e as diretrizes de uma sociedade patriarcal, tendo
em conta de que “as mulheres eram completamente submissas aos homens “, como se pode
confirmar na seguinte passagem:

«Porém, não hem de casar


Senão com homem avisado;
Ainda se pobre e pelado
Seja discreto em falar»

Mulher decidida e que recusa a vida aborrecida que lhe é destinada, Inês Pereira não ouve os
conselhos avisados da própria mãe que incessantemente a adverte e aconselha. Denota-se na
figura da mãe alguma sabedoria e uma visão pragmática do mundo, fruto da sua experiência
existencial e afetiva. Curiosamente, a personagem entra em cena queixando-se da sua
condição social, mas nunca do facto de ser uma mulher. Apresenta se como uma mulher que
recusa “o trabalho doméstico, a clausura do lar e a falta de liberdade”

«Renego deste lavar e


do primeiro que o usou
---------------------------------
Coitada! Assi hei-destar
encerrada nesta casa
como panela sem asa
que sempre está num lugar?
---------------------------------
Todas folgam e eu não!
todas vêm e todas vão
onde querem, senão eu.»

Através desta passagem, o dramaturgo realça as queixas da protagonista recorrendo a um


universo semântico recriado com as palavras associadas à lida doméstica, com o recurso à
panela e à casa.
Para ser uma boa pessoa e para manter um bom casamento, a mulher da época necessitava
ser uma mulher diligente acima de tudo; no entanto, Inês deseja “romper a clausura que a
condena à submissão” (Pisauro, 2011).
Dado o contexto laboral da época, não existindo outro afazer senão o do campo, a mulher
tinha de se concentrar no seu papel de mulher “bonita, doméstica e geradora de filhos”.

Ao ficar com fama de “preguiçosa”, qualquer mulher como Inês poderia estar a prejudicar o
seu bom casamento.
Através do papel de Inês, o dramaturgo procura demonstrar que outro traço marcante da sua
personalidade é a sua irreverência, visto ser constante o questionamento dos valores sociais e
a sua determinação para alcançar os seus objetivos. Deste modo, Inês não espera ser escolhida
pelo seu marido e, ao contrário do que mostra a sua mãe, tem pressa em arranjar marido:

«Mãe, eu me não casarei


senão com homem discreto,
e assi vo-lo prometo
ou antes o deixarei.»

Para além de um homem discreto, esse homem tinha que deter “as virtudes palacianas, ou
seja, o saber, a educação, a finura”.

O destino encarrega-se de castigar Inês, a impulsiva, já que o seu marido age como um
verdadeiro repressor, alegando várias vezes que só tem o que merece já que procurava
discrição.
A protagonista tira daqui uma lição para a vida e a sua salvação chega no dia em que recebe a
notícia da morte do seu marido como cavaleiro em África, morto ao fugir como um cobarde
aquando de uma batalha.
Manipuladora e dominadora, a protagonista Inês casa novamente, porém agora com Pêro
Marques, revendo nele um homem fraco que poderá explorar em todos os sentidos, até
mesmo traí-lo.
Após um casamento dececionante e onde se esvaneceram as fantasias, Inês altera a sua
personalidade, revelando-se “uma mulher de força e de experiência, tornando-se dominadora
e não mais a dominada”

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