Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Um verso de Sophia, surgido numa poesia dedicada aos militantes do PS, vai
inspirar os cartazes que irão desfilar com a multidão no dia 1º de maio, uma semana
depois de 25 de Abril de 1974: “a poesia está na rua”. Esse verso realizou a síntese
do sentimento de liberdade que dominava uma população antes silenciada, e que
passou a expressar seus anseios nos muros da cidade. Também de sua autoria são
muitos outros, que transmitem o sentimento que predomina depois da Revolução
dos Cravos:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Em que emergimos da noite e do silêncio
E vivos habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Brayner Andresen)
1
ANDRESEN, Sophia de Melo Breyner. Obra poética. 5ed. Lisboa: Caminho, 1999.
Esse seu primeiro livro já apresenta alguns dos que serão seus temas
constantes: a “natureza”, “a cidade”, “o tempo” e “o mar”. Porém, esses são apenas
os temas aparentes, que se articulam com o questionamento do mundo e de como o
artista se posiciona nele. Num almoço promovido pela Sociedade Portuguesa de
Escritores, Sophia profere as seguintes palavras, num discurso que reforça sua
atuação política e a compreensão de que o artista não permanece alheio a ela: “O
artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim.
(...) Mesmo que ele fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem
sempre dizer-nos isto: que não somos apenas animais acossados na luta pela
sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da
dignidade do ser”.
O poema “As pessoas sensíveis” pode exemplificar sua observação lúcida de
um mundo em que as contradições prevalecem:
AS PESSOAS SENSÍVEIS
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes
estátuas
balofas e pesadas
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Sophia tem a capacidade de ser suave sem qualquer fragilidade, ser leve
sem ignorar o peso de representar o mundo. Com uma sintaxe direta e palavras
simples ela consegue ser radical e corajosa, assumindo seu compromisso com o
mundo sem abdicar de um estilo próprio, autônomo, com se verifica no poema
“Terror de te amar”, que lembra que o encontro é o prenúncio da despedida, que a
separação é a única certeza, seja temporária, pelas circunstâncias efêmeras, ou
definitiva, pela imposição da morte:
TERROR DE TE AMAR
Dentre seus vários livros publicados destacamos: Dia do Mar, d 1947, que
contêm certas reressões ao ‘paganismo’ invocativo de deuses e figuras clássicas;
Livro Sexto, de 1962, considerado o melhor até o momento da publicação; e
Navegações, de 1983, em que recorre a imagens clássicas portuguesas e
mediterrânicas. Também publicou Literatura Infantil.