Você está na página 1de 4

SOPHIA DE MELLO BRAYNER ANDRESEN (Porto, 1919 – Lisboa, 2004)

Um verso de Sophia, surgido numa poesia dedicada aos militantes do PS, vai
inspirar os cartazes que irão desfilar com a multidão no dia 1º de maio, uma semana
depois de 25 de Abril de 1974: “a poesia está na rua”. Esse verso realizou a síntese
do sentimento de liberdade que dominava uma população antes silenciada, e que
passou a expressar seus anseios nos muros da cidade. Também de sua autoria são
muitos outros, que transmitem o sentimento que predomina depois da Revolução
dos Cravos:
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Em que emergimos da noite e do silêncio
E vivos habitamos a substância do tempo
(Sophia de Mello Brayner Andresen)

Sophia foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX e a


primeira mulher portuguesa a receber o Prémio Camões, em 1999. Amiga de Jorge
de Sena, durante 20 anos se corresponderam, partilhando visões de arte, da
política, enfim, da realidade que lhes coube viver. Essas cartas inspiraram o filme
“Correspondências”, lançado em 2016.  Sua obra para crianças tornou-se um
clássico da literatura infantil em Portugal, marcando gerações.
Seu primeiro livro: Poesia, publicado em 1944, mostra um mundo poético
depurado e a identificação do poeta com as coisas, “com o milagre das coisas que
eram minhas”: uma certa casa, um certo jardim, o mar, a noite, a lua... O poema de
abertura reconhece fracassos, mas sugere que se tire algo positivo deles:

Apesar das ruínas e da morte,


Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.”1.

Aliás, ainda que tenha reconhecido que as promessas de abril não se


cumpriram, Sophia destaca o aspecto positivo do que foi, ainda assim, uma
conquista: o estado democrático, e dá continuidade à militância política que exercia
desde antes da Revolução, quando enfrentou a ditadura do Estado Novo. Em 1975
é eleita deputada constituinte.

1
ANDRESEN, Sophia de Melo Breyner. Obra poética. 5ed. Lisboa: Caminho, 1999.
Esse seu primeiro livro já apresenta alguns dos que serão seus temas
constantes: a “natureza”, “a cidade”, “o tempo” e “o mar”. Porém, esses são apenas
os temas aparentes, que se articulam com o questionamento do mundo e de como o
artista se posiciona nele. Num almoço promovido pela Sociedade Portuguesa de
Escritores, Sophia profere as seguintes palavras, num discurso que reforça sua
atuação política e a compreensão de que o artista não permanece alheio a ela: “O
artista não é, e nunca foi, um homem isolado que vive no alto duma torre de marfim.
(...) Mesmo que ele fale somente de pedras ou de brisas a obra do artista vem
sempre dizer-nos isto: que não somos apenas animais acossados na luta pela
sobrevivência mas que somos, por direito natural, herdeiros da liberdade e da
dignidade do ser”.
O poema “As pessoas sensíveis” pode exemplificar sua observação lúcida de
um mundo em que as contradições prevalecem:

AS PESSOAS SENSÍVEIS

As pessoas sensíveis não são capazes


De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira


À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo

Porque não tinham outra


Porque cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”


Assim nos foi imposto
E não: “Com o suor dos outros ganharás o pão”

Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes
estátuas
balofas e pesadas

Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Sophia tem a capacidade de ser suave sem qualquer fragilidade, ser leve
sem ignorar o peso de representar o mundo. Com uma sintaxe direta e palavras
simples ela consegue ser radical e corajosa, assumindo seu compromisso com o
mundo sem abdicar de um estilo próprio, autônomo, com se verifica no poema
“Terror de te amar”, que lembra que o encontro é o prenúncio da despedida, que a
separação é a única certeza, seja temporária, pelas circunstâncias efêmeras, ou
definitiva, pela imposição da morte:

TERROR DE TE AMAR

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo


Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa

Dentre seus vários livros publicados destacamos: Dia do Mar, d 1947, que
contêm certas reressões ao ‘paganismo’ invocativo de deuses e figuras clássicas;
Livro Sexto, de 1962, considerado o melhor até o momento da publicação; e
Navegações, de 1983, em que recorre a imagens clássicas portuguesas e
mediterrânicas. Também publicou Literatura Infantil.

SOPHIA DE MELLO BRAYNER ANDRESEN (Porto, 1919-2004) - Resumo


“Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo / Mal de te amar neste
lugar de imperfeição / Onde tudo nos quebra e emudece / Onde tudo nos mente e
nos separa”.
Sophia foi uma das mais importantes poetisas portuguesas do século XX. E a
primeira mulher portuguesa a receber o Prémio Camões, em 1999.
Seu primeiro livro: Poesia, publicado em 1944, mostra um mundo poético
depurado e a identificação do poeta com as coisas, “com o milagre das coisas que
eram minhas”: uma certa casa, um certo jardim, o mar, a noite, a lua...
Esse primeiro livro já apresenta alguns dos que serão seus temas constantes:
a “natureza”, “a cidade”, “o tempo” e “o mar”. Porém, esses são apenas os temas
aparentes, que se articulam com o questionamento do mundo e de como o artista se
posiciona nele.
Os versos: Esta é a madrugada que eu esperava / O dia inicial inteiro e
limpo / Em que emergimos da noite e do silêncio / E vivos habitamos a substância
do tempo”, transmitem o sentimento que predomina depois da Revolução dos
Cravos.

Você também pode gostar