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Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Instituto de Física “Gleb Wataghin“ - IFGW


Trabalho final

O ensino da Lei de Faraday com a


analogia Hidrodinâmica

Aluno: Daniel Victor de Carvalho RA: 214789

Orientador: Prof. Dr. Marcio Antonio de Faria Rosa

Resumo

Apresenta-se a lei de Faraday-Maxwell e a geração de energia elé-


trica, associando-a à hidrodinâmica. Propõe-se uma analogia entre
eletromagnetismo e a hidrodinâmica que empregada no ensino de
física traz benefícios aos educandos que passam a compreender as
teorias de forma conectada. Discute-se também o uso de ativida-
des praticas com água para complementar o ensino e estimular o
aluno a associar os conceitos físicos e as expressões matemáticas
com a experiencia cotidiana.

Palavras-Chave: lei de Faraday-Maxwell, hidrodinâmica, analogia,


eletromagnetismo.
1 Introdução

O objetivo do presente trabalho é construir uma analogia simples entre o

eletromagnetismo e a mecânica de fluidos afim de ensinar esses tópicos de

forma significativa. Para tal, apresenta-se em um primeiro momento a lei de

Faraday e a geração de energia elétrica, dessa forma os educandos podem

perceber a importância desses saberes, sua relação com a tecnologia e suas

aplicações na sociedade. Em seguida, discute-se sua interpretação à luz da ana-

logia hidrodinâmica, a qual permitira que tenham uma visualização palpável

da lei de Faraday e consequentemente dos campos eletromagnéticos a partir de

elementos de seu cotidiano. Os fluidos estão por toda a parte em nossas vidas,

portanto, espera-se que a abordagem a ser apresentada levara os educandos a

relacionar esses saberes escolares com seus saberes prévios.

A analogia consistira no fato de que a lei de Faraday relaciona a circulação

do campo elétrico com a variação temporal do fluxo magnético. De forma que

ao observar uma partícula carregada num campo elétrico de circulação não

nula vemos surgir variação em sua aceleração. Semelhantemente um fluido

turbulento induz o surgimento de redemoinhos que produzem variação na

aceleração das partículas presentes na região.

Ressalta-se que apesar de ser um tema matematicamente complexo é possí-

vel apresenta-lo de forma simplificada e adaptada para o ensino médio. Para

tanto, utiliza-se de simplificações de alguns conceitos e recursos imagéticos.

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2 Porque ensinar física a partir de analogias?

Atualmente somos capazes de relacionar os estudos da mente com os estu-

dos do cérebro físico, obtendo assim resultados muito relevantes e que devem

ser levados em consideração para a formulação de qualquer metodologia de

ensino moderna. O renomado Eric Kandel ganhador do Nobel de medicina

encontrou evidencias sólidas e apresentou-as em seu artigo de 1992 [8], acerca

daquilo que os educadores já suspeitavam desde a década de 60, isto é, a

aprendizagem acontece de forma acelerada quando o cérebro cria conexões

entre os saberes a serem apreendidos com aqueles ja apreendidos previamente.

Essa foi uma descoberta incrível do ponto de visto médico e educacional. O

famoso Salman Khan, muito inspirado por esses resultados, faz uma ótima

reflexão em seu conhecido livro “Um mundo, uma escola“ [9]. Ele toma como

ponto inicial a pergunta “como a educação acontece?”, para ele a resposta é

relativamente simples, a educação acontece no cérebro das pessoas, o aprender

é a obtenção de novos saberes enquanto que a memoria é a manutenção desses

saberes em nossos cérebros. Claro que todo este processo e a forma como

as pessoas aprendem tem um impacto profundo sobre o meio social cujo os

indivíduos estão inseridos.

Khan explica que quando estudamos nossos neurônios formam redes de

conexões entre si e essas células executam trabalho de forma semelhante às

células que compõem nossos músculos. Portanto, aprender é uma mudança

física não permanente que ocorre em nossos cérebros, mas como tornar esse

aprendizado permanente, ou pelo menos deixá-lo melhor consolidado em

nossas mentes? Kandel vai dizer que para fixar uma informação o ideal é

associá-la a algum conhecimento prévio. O que é exatamente o oposto daquilo

que a educação formal comumente realiza. Quando a escola divide as matérias

2
e temas em módulos e “caixas“ desconectadas, ela induz o aluno a memorizar

aquilo como algo completamente novo e que pouco se relaciona com o mundo

real, essa abordagem tem uma consequência bem conhecida por todos os

estudantes, o rápido esquecimento daquilo que acabamos de estudar.

O processo de plasticidade ocorre principalmente nos anos iniciais da vida

de uma pessoa e facilita que esta absorva muito conhecimento nessa fase da

vida, ainda que um adulto não tenha tamanha facilidade, se ele tiver feito

muitas conexões ao longo de sua vida o aprendizado ainda poderá ser esti-

mulado no cérebro sem grandes dificuldades. De qualquer forma, devemos

passar a aproveitar a juventude dos cidadãos para que os mesmos desenvolvam

conexões neurais muito enraizadas e possam crescer, tornar-se adultos mas

nunca deixar de ser estudantes, que tanto educam como são educados.

A abordagem construtivista, de forma geral pressupõe que o tema a ser

estudado hoje depende do anterior e mais do que isso, as lições devem se

complementar para que conforme se aprenda algo novo, também seja consoli-

dado os conhecimentos já trabalhados. Dessa forma, o construtivismo muito

se relaciona com os resultados obtidos por Kandel.

Khan propõe que a associação entre os saberes é essencial para o apren-

dizado, para além disso, é essencial o dialogo entre educador-educando e

educando-educando para que se consolide o que fora trabalhado. A experi-

mentação e atividades praticas também são de caráter essencial do ensino,

principalmente no ensino de ciências. O contato dos estudantes com experimen-

tos reforça que aquele saber aprendido seja em sala de aula ou em ambiente de

ensino não-formal, é útil em todas as esferas de sua vida e portanto esquecer

3
tal conhecimento obtido a tanto custo só porque a prova já acabou não parecera

atrativo para a mente do aluno.

Em especial o eletromagnetismo é ensinado nas escolas de forma muito

abstrata e pouco conectada com as experiencias prévias dos alunos. Mesmo os

equipamentos eletrônicos apresentados em aulas interativas de eletromagne-

tismo acabam por se tornarem verdadeiras caixas pretas para os alunos que

apenas memorizam as equações relacionadas com os fenômenos invés de com-

preender o fenômeno associado a conexões neurais sólidas. Afim de propor

uma solução para tal problemática discutiremos nas próximas seções a lei de

Faraday e como ela poderia ser apresentada em conjunto com a hidrodinâmica

para auxiliar os alunos a compreenderem significativamente tais tópicos e de

forma a aproveitar as conexões neurais prévias dos educandos.

3 A lei de Faraday

A lei de Faraday resume de forma pratica e conveniente os fenômenos

de Indução Eletromagnética. Para entender melhor o que é a Lei de Faraday,

devemos voltar no tempo até o começo do século XIX, quando surgiu uma

questão intrigante. Estariam o magnetismo e a eletricidade interligados de

alguma forma? Se sim, de que forma se conectam? A resposta foi parcialmente

dada por Michael Faraday em 1831. Faraday era um jovem brilhante, muito

imaginativo e por conta disso se tornou um dos mais memoráveis físicos expe-

rimentais do século retrasado. Ele descobriu que pode-se induzir o surgimento

de voltagem num fio ao move-lo em relação a um Imã ou outro fio que carrega

eletricidade. Na era da cibernética em que vivemos este efeito pode não pa-

recer tão impressionante, mas o leitor percebera que o efeito descoberto por

Faraday esta nas bases do conhecimento humano e que sem essa descoberta

4
não teríamos construído esse mundo cibernético e utópico que vemos hoje.

A lei de Faraday estabelece uma relação entre a variação de um campo

magnético produzido por um Imã ou sistema elétrico com a diferença de

potencial elétrico observada em um circuito na região de ação deste campo.

Podemos entender melhor o que isso quer dizer observando a figura abaixo.

Figura 1: Ilustração de um Imã movendo-se nas proximidades de uma bobina e induzindo


corrente elétrica na mesma. Fonte: [2]

Como pode-se ver na imagem, o Imã esta se movendo na região da bobina

que esta conectada a um amperímetro. Quando movemos o Imã observamos

alguma leitura no amperímetro, ou seja, o Imã parece estar atuando e produ-

zindo variação na diferença de potencial elétrico da bobina em questão. Esse

efeito carrega grande significância física e histórica, pois durante muito tempo

acreditou-se que não havia qualquer relação entre eletricidade e magnetismo,

mas com um simples circuito e um Imã pode-se observar a conexão entre estes

fenômenos. Além disso, a união entre esses fenômenos é de tamanha elegância

5
que deu origem à teoria eletromagnética, a qual é a base para a compreensão

da luz, da matéria em seus níveis mais elementares e até do movimento estelar

e galáctico. Enfim, estamos estudando um fenômeno tão fundamental que

permeia todos os aspectos de nossa existência

A lei de Faraday também estabelece uma relação entre o numero de espiras

que compõem a bobina com a voltagem induzida nesta. De forma que quanto

mais espiras houverem maior sera a voltagem induzida para um mesmo campo

magnético variante na região. O leitor pode estar pensando que isto viola o

principio mais fundamental da física, a conservação de energia. Entretanto,

já adiantamos que este fenômeno em nada viola tal principio, uma vez que a

entidade que causa a variação no campo magnético esta realizando trabalho

para faze-lo, seja ao mover um Imã ou passando corrente num sistema elétrico

secundário. Ora, se a indução observada numa bobina com um maior numero

de espiras demanda maior energia, devemos supor que a entidade que varia

o campo magnético é quem realiza um trabalho proporcional ao numero de

espiras. De fato, mover um Imã nas proximidades de uma bobina se torna

mais difícil conforme aumenta-se o numero de espiras.

Enfatiza-se que a mera presença de campo magnético numa região não

induz voltagem alguma num circuito ou fio próximo. É a variação deste campo

que induz tal efeito. Isso explica porque um Imã parado em relação a uma

bobina não produz efeito algum sobre esta, mas quando movemos um em

relação ao outro vemos leitura no amperímetro, evidenciando então a indução

de voltagem na bobina em questão em decorrência do movimento realizado.

Além disso, o leitor talvez se pergunte porque em decorrência do principio

de conservação de energia, este movimento se torna mais difícil conforme

6
aumenta-se o numero de espiras da bobina. Esse fato foi bem explicado pelo

físico experimental Heinrich Lenz, quem mostrou que o sentido da corrente

induzida na bobina sempre é tal a se opor proporcionalmente à variação do

campo magnético, em outras palavras, a corrente induzida sempre vai dificultar

o ação da entidade que realiza trabalho.

A partir do que fora exposto até o momento, podemos construir uma

expressão matemática que representa as observações experimentais de Faraday

e Lenz. Ora, dissemos que a lei de Faraday estabelece uma relação entre a

variação do campo magnético e a voltagem emergente na bobina, o que nos

motiva a escrever o seguinte:

∆ϕ
ϵ=
∆t

Onde ϵ representa a voltagem e é denominada FEM (força eletromotriz)

induzida, ϕ por sua vez é o fluxo magnético atuando na bobina. É esta

grandeza que varia temporalmente quando move-se a fonte ou a intensidade

do campo. Dissemos também que a voltagem induzida cresce conforme o

numero de espiras, logo:

∆ϕ
ϵ=N
∆t

Onde N é o numero de espiras. Bom, ainda falta incluir os fatos experi-

mentais observados por Lenz. Isto é, a voltagem induzida sempre se opõe

à variação do campo externo, assim, se o fluxo de campo variar ∆ϕ em um

intervalo de tempo ∆t, veremos a corrente na bobina orientar-se de tal forma

afim de produzir um fluxo magnético −∆ϕ opondo-se à variação produzida

pela entidade externa. Portanto, obtemos finalmente a famosa lei de Faraday:

7
∆ϕ
ϵ = −N (1)
∆t

A partir do exposto, fica evidente que se ficarmos oscilando um Imã nas

proximidade de uma espira a voltagem na mesma também ficara oscilando

periodicamente. Se esta espira estiver ligada a um sistema eletrônico, podería-

mos alimenta-lo apenas utilizando a voltagem induzida no circuito por meio

da movimentação do Imã. Analogamente mover a espira em relação ao Imã

produzira o mesmo resultado, como já discutimos. Na verdade, é justamente

assim que um gerador elétrico funciona, transformando energia mecânica em

energia elétrica obedecendo à lei de Faraday. Um exemplo simplificado de

gerador pode ser visto na figura abaixo.

Figura 2: Ilustração de um Gerador de energia elétrica simples. Fonte: [11]

Veja que neste caso é a espira quem rotaciona na proximidade do Imã e

em decorrência dessa variação de orientação em relação ao campo ela passa

a carregar um sinal elétrico senoidal que pode ser usado para alimentar um

sistema elétrico qualquer. Ora, estamos transformando a energia mecânico

rotacional aplicado diretamente à espira em energia elétrica que sera dissipada

no circuito elétrico alimentado.

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A energia elétrica que usamos em nossas casas também foram geradas

em alguma usina. No Brasil, por exemplo, utiliza-se amplamente as usinas

hidrelétricas que transformam a energia cinética da água em energia elétrica

num processo semelhante ao descrito acima. Fica evidente a importância social

da lei de Faraday, visto que ela é a base do funcionamento dos geradores de

eletricidade e consequentemente de todos os aparatos eletrônicos que usamos

em nosso cotidiano.

4 A lei de Faraday-Maxwell

O conceito de fluxo pode ser definido como a contribuição total de um

campo vetorial que atravessa uma certa área A. De forma que podemos definir

o fluxo do campo elétrico atravessando uma área A da seguinte forma:

ϕ(⃗E) = ⃗E · ⃗nA = EAcosθ (2)

Onde ⃗n representa a direção normal à área A e θ é o angulo entre o campo

elétrico e a normal da superfície. Dessa forma, podemos entender o campo

elétrico como uma densidade do fluxo em questão. A equação 2 deixa claro

que o fluxo é proporcional à densidade do fluxo, isto é, proporcional ao campo

elétrico e à área da superfície em questão. Analogamente pode-se definir fluxo

magnético atravessando uma área A como:

ϕ(⃗B) = ⃗B · ⃗nA = BAcosθ

Nota-se que da proporcionalidade entre fluxo e o produto da densidade

de fluxo com a área da superfície, surge também a dependência com θ. Na

equação 2 o fluxo depende do cosθ, isso se deve ao fato de que o fluxo é

9
máximo quando o campo é paralelo à normal da área e torna-se zero conforme

ficam perpendiculares.

Para exibir o conceito de circuitação, imaginemos um fio de comprimento L

carregando eletricidade em um percurso fechado. Para cada infinitésimo do fio

define-se um vetor ∆⃗S que é tangente ao contorno do fio no ponto em questão.

Figura 3: Contorno ilustrando o conceito de circulação a partir do campo magnético da região.


Fonte: Autoria Própria.

Como é exibido na imagem 3 acima, o vetor de campo magnético pode ser

projetado na direção de ∆⃗S. O resultado do produto escalar entre o vetor de

campo e o vetor tangente à superfície é chamado de elemento de circuitação

do campo elétrico. Definido da seguinte forma:

∆C (⃗B) = ⃗B · ∆⃗S = B∆Scosθ

Onde θ é o angulo entre os vetores em questão. Dessa forma, para calcu-

larmos a circuitação total do referido percurso fechado, basta somarmos as

contribuições de todos os ∆⃗S e de todo o campo elétrico ⃗B na região.

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C (⃗B) = ∑ Bk ∆Sk cosθk (3)
k

Como estamos numa região fechada, se estivermos num caso de campo

constante na região, isto é, todos os Bk da região não variam, teremos as

contribuições se cancelando ao longo do percurso. Isso se deve ao fato de

que o sinal dos termos da somatória se invertem para valores de θ acima de


π
2, e consequentemente resultando uma circuitação nula C (⃗B) = 0 conforme

contornamos todo o circuito. Neste caso o campo é chamado de irrotacional.

Definimos de igual maneira a circulacao do campo eletrico:

C (⃗E) = ∑ Bk ∆Sk cosθk (4)


k

Caso o nosso campo elétrico fosse perturbado, por exemplo por um Imã

movendo-se nas redondezas, então veríamos turbulência elétrica na região

e dessa forma os Ek não seriam todos idênticos, pelo contrario, seriam di-

ferentes em cada ponto da região. Dessa forma obteríamos uma circulação

não nula, isto é, C (⃗E) ̸= 0. Neste caso campo passa a ser chamado de rotacional.

No caso em que o campo não varia na região do circuito não observamos

nenhuma corrente induzida, uma vez que o potencial elétrico atuando em cada

carga do circuito é o mesmo. Fica evidente portanto que só haverá alguma

diferença de potencial elétrico induzida no fio caso haja circulação não nula

nas linhas de campo elétrico da região. Esse fato nos motiva a escrever uma

equivalência entre a força eletromotriz discutida anteriormente e a circulação

do campo elétrico que atua na região.

11
ϵ = C (⃗E)

Consequentemente, temos que:

∆ϕ(⃗B)
C (⃗E) = − (5)
∆t

Essa expressão é a famosa equação de Faraday-Maxwell e carrega um

grande significado físico. Basicamente ela evidencia uma das mais relevantes

descobertas da física do século XIX, isto é, a correlação intrínseca entre magne-

tismo e eletricidade. Nas próximas seções veremos que esta descoberta pode ser

ainda mais impressionante, discutiremos como esses campos eletromagnéticos

podem ser inteligidos à luz da hidrodinâmica.

5 A analogia Hidrodinâmica

Todos nós experienciamos inúmeros tipos de fluidos ao longo de nossas

vidas. Desde a água que bebemos até o Ketchup que colocamos no lanche são

chamados de fluidos. Ora, mas é claro que eles são bem diferentes entre si,

diferem-se de vários modos, densidade, viscosidade, turbulência e etc...

A viscosidade pode ser entendida como uma resistência interna do fluido.

O Ketchup, por exemplo, tem uma viscosidade muito maior que a da água, é

por isso que ele demora para sair do fundo do pote e chegar até nosso delicioso

lanche. Em contrapartida, a água escoa rapidamente se deixamos uma garrafa

aberta cair, ou quando abrimos a torneira para lavar as mãos. Para ter uma

imagem mais clara da viscosidade, podemos imaginar um fluido de baixa

viscosidade como atletas correndo numa maratona, eles não se trombam e

“fluem“ pela pista sem grande dificuldade. Um fluido viscoso por sua vez,

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pode ser visto como uma fila para compra de ingressos de um Show lotado,

as pessoas se movem lentamente, interagindo e trombando umas com as outras.

A turbulência tem especial importância para a nossa analogia. Ela pode ser

entendida como o quão bagunçado um fluido esta. Retomando o exemplo an-

terior, um fluido pouco turbulento é como uma maratona, onde todos “fluem“

no mesmo sentido e quase na mesma velocidade. Um fluido muito turbulento

pode ser comparado com um terminal de ônibus lotado, cada pessoa vai numa

direção, fazem curvas, transitam em círculos e etc... Os fluidos turbulentos

estão por toda a parte em nossas vidas, sempre que vemos redemoinhos, no

ar, na água ou em nosso cafezinho matinal, estamos na presença de um fluido

turbulento.

Ressalta-se que a analogia apresentada é valida para o caso do fluido in-

compressível e não viscoso. Afim de tratar os fenômenos hidrodinâmicos

matematicamente, podemos associar a cada ponto do fluido grandezas veto-

riais que representaram o comportamento do fluido no ponto de interesse.

Ora, o primeiro é que cada elemento infinitesimal de fluido tem um vetor de

velocidade ⃗u associado, este vetor representa a direção em que este elemento

de fluido se propaga e o quão rápido ele o faz. Pode-se também associar um

vetor de aceleração ⃗a. Uma terceira grandeza vetorial menos conhecida é o


⃗ , de forma simplificada ele expressa a tendencia que um
vetor de vorticidade ω

elemento de fluido tem de girar e a direção normal ao plano dessa rotação.

Assim como definimos fluxo e circuitação para os campo eletromagnéticos,

pode-se faze-lo também para estes campos associados aos fluidos. Dessa forma,

definimos o fluxo do campo de velocidades de um fluido que atravessa uma

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região de área A da seguinte forma:

ϕ(⃗u) = ⃗u · An̂ = uAcosθ

Se imaginarmos uma borda arbitraria de comprimento L enlaçando uma

região de interesse do fluido, podemos também calcular a circuitação do campo

de velocidades na região contornada pela borda, como se segue:

C (⃗u) = ∑ uk ∆Sk cosθk


k

Assim como no caso eletromagnético, diz-se irrotacional ao campo de

velocidades associado ao fluido quando este apresenta circuitação nula, conse-

quentemente este é chamado rotacional quando o fluido torna-se turbulento.

A grande vantagem, porem é que podemos visualizar a turbulência nos flui-

dos, diferente do caso elétrico. Seguramente essa visualização ajuda-nos a

compreender o significado dessas relações matemáticas na pratica, tanto na

hidrodinâmica, como no eletromagnetismo por semelhança.

Figura 4: Representação de uma “fatia“ de um tubo de vórtice. Representa também um vórtice


semi-circular visto de cima. Fonte: [12]

A figura acima exibe o conceito de vorticidade, veja que os vórtices na

imagem acima giram no mesmo plano de rotação, mas em sentidos opostos.

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Dessa forma, pela regra da mão direita o vórtice da esquerda tem o vetor de

vorticidade apontando para fora do plano de rotação, enquanto o vórtice da

direita tem vorticidade apontando para dentro do plano. Um bom teste para

verificar se um ponto de um fluido tem alguma vorticidade não nula é colocar

uma bolinha de pingue-pongue sobre este ponto, se a bolinha girar em torno

de si mesma, o ponto tem alguma vorticidade, quanto mais rápido a bolinha

girar maior é o modulo deste vetor.

Figura 5: Bolinha de pingue pongue evidenciando a presença de vorticidade na superfície da


água. Fonte: [3]

Em nosso cotidiano sempre vemos redemoinhos no ar. Entretanto, na

maioria das vezes eles são muito instáveis e cessam rapidamente. Pensando

nisso, podemos nos perguntar, qual é a implicação da vorticidade em um

ponto de um fluido decrescer com o passar do tempo? Bom, apropriando-se

do conceito de circulação apresentado na seção anterior, podemos dizer que

haverá um decréscimo na circulação do campo de acelerações dessa região do

fluido. O inverso também é verdadeiro, se houver um acréscimo de vorticidade

abrupto, haverá também um acréscimo na circulação do campo de acelerações

da região. Essa constatação nos motiva a escrever a seguinte relação:

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∆ϕ(⃗
ω)
C (⃗a) =
∆t

Onde C (⃗a) é a circulação do campo de acelerações e ϕ(⃗


ω ) é o fluxo do

campo de vorticidade do fluido. Esta expressão é idêntica à equação 5, exceto

pela ausência do sinal negativo. Por uma questão de conservação de energia,

devemos considerar que a circulação total do campo sempre se conserva no

tempo. Portanto, quando algum ente causa distúrbios no fluido ideal, vê-se

surgir redemoinhos, cuja circulação se opõe à variação imposta pelo ente. Dessa

forma pode-se entender os vórtices que vemos na água ou no ar diariamente

como regiões de circulação induzida. Discutiremos tal fato formalmente no

apêndice B.

Figura 6: No lado esquerdo (azul) um objeto altera a direção do fluido. No lado direito (vermelho)
surge um redemoinho cuja circulação se opõe àquela imposta pelo objeto. Fonte: [5]

Agora que entendemos porque os vórtices que surgem nos fluidos podem

ser chamados de induzidos, temos a motivação necessária para escrever o

análogo da lei de Faraday-Maxwell fluídica.

∆ϕ(⃗
ω)
C (⃗a) = − (6)
∆t

Comparando as equações 5 e 6, fica evidente que, ao menos matemati-

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camente, os fluidos se comportam de forma muito semelhante aos campos

eletromagnéticos. Mais especificamente, destaca-se que o campo de acelerações

é o análogo do campo elétrico, assim como a vorticidade é análoga ao campo

magnético.

A derivação matemática formal da analogia parte da equação de Navier-

Stokes e fora deduzida no apêndice A. Para uma discussão aprofundada dos

nuances matemáticos da analogia aqui apresentada de forma simplificada,

pode-se consultar os artigos do professor Kambe [6], [7] e também do professor

Haralambos [10].

6 Atividade Pratica com bacia d’água

Vários experimentos são amplamente utilizados para exibir o comporta-

mento dos campos eletromagnéticos com o uso de equipamentos eletrônicos,

Imãs e etc... Todavia, a maioria desses experimentos não exibem o caráter

rotacional do campo elétrico e tem pouco ou nenhum paralelo com o cotidiano

dos educandos que não tem familiaridade com tais aparatos.

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Figura 7: a) Representação de um tubo de vórtice circular formado ao redor de um volume de
fluido que fora deslocado. b) Representação das linhas de campo magnético ao redor
de uma corrente elétrica. Fonte: Autoria Própria.

Destaca-se que ao mover um volume de fluido, induz-se a formação de

um tubo de vórtice circular. Isto é, a região apresenta circuitação do campo

de acelerações e consequentemente uma variação no fluxo de vorticidade. Ao

observar a figura acima, é interessante notar que o vetor de vorticidade em cada

região do vórtice apresenta um comportamento análogo ao campo magnético

produzido pelo fio.

Dessa forma, propõe-se uma atividade muito simples, os itens necessários

são apenas uma bacia grande com água, um objeto para causar turbulência

na água e uma iluminação adequada para que se possa visualizar os vórtices

produzidos.

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Figura 8: Tubo de vórtice semi-circular produzido ao mover uma colher de sopa numa bacia
cheia de água. Fonte: Autoria Própria.

A figura acima mostra um tubo de vórtice em semi-circulo, ele foi produ-

zido apenas agitando a água com uma colher de sopa. A bacia usada é feita

de plástico, seguramente pode-se obter melhor qualidade e vórtices estáveis

se a atividade for realizado em um recipiente maior, com uma iluminação

apropriada e etc...

Espera-se que esta simples atividade possa evidenciar a relação entre a

circuitação do campo elétrico e a variação do fluxo magnético, como explicitada

pela lei de Faraday-Maxwell. Os experimentos comumente utilizados, com o

uso de aparatos como bussolas, fios e solenoides não exibem o fato de que

vórtices no campo elétrico induzem variação no campo magnético, assim como

vórtices no campo de acelerações do fluido produzem variações no campo de

vorticidade.

É impressionante como um fenômeno tão simples e corriqueiro carrega

tamanho significado físico a ponto de se relacionar com a teoria eletromagnética,

que num primeiro momento parece nada ter em comum com a hidrodinâmica.

Por isso, essa analogia pode ter grande valia ao permitir que os educandos

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tenham algum paralelo palpável entre seu cotidiano e a teoria eletromagnética.

7 Conclusão

Como discutido em todo o presente trabalho, o objetivo geral do mesmo é

aproveitar a experiência que todos temos com fluidos ao longo da vida como

trampolim para entender, por analogia, o comportamento dos campos eletro-

magnéticos. Visto que muitas vezes mesmo bons alunos saem do ensino médio

sem conseguir imaginar de forma alguma os fenômenos eletromagnéticos, a

analogia com a hidrodinâmica permite que os alunos possam imaginar ao

menos algum mecanismo por trás desses fenômenos. Para exemplificar como

isso pode ser feito utilizamo-nos do análogo hidrodinâmico da lei de Faraday,

entretanto ressalta-se que muitas outras estratégias podem ser utilizadas, tanto

utilizando a lei de Faraday, ou outras leis do eletromagnetismo e da hidrodinâ-

mica. Ressaltamos também que uma analogia entre a hidráulica e os circuitos

eletrônicos já é utilizada a mais de oitenta anos no ensino, como pode-se ver

no livro de física básica do famoso físico experimental Robert Millikan [1].

Essa abordagem carrega o risco dos alunos desenvolverem uma visão mais

próxima das teorias etéreas do século XIX do que da forma mais moderna

de se conceber os fenomenos eletromagneticos, de qualquer maneira isso não

é problematico, uma vez que os saberes escolares são uma simplificação dos

saberes científicos.

Deve-se ressaltar que ao apresentar a abordagem que se propoe não é

necessário discutir profundamente a matemática da teoria, mas apresentá-la

apoiando-se em imagens, animações e atividades com água.

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A Apêndice A: Derivação da analogia

Começamos a derivação a partir da equação de Navier-Stokes sem viscosi-

dade, também chamada de Equação de Euler:

∂⃗u
ω × ⃗u − ∇Φ
= −⃗ (7)
∂t

Onde Φ é a energia de Bernoulli, que depende da energia de pressão e

da energia cinética em um determinado ponto do meio fluido. Define-se da

seguinte forma:

P u2
Φ= +
ρ 2

Agora, aplicando o rotacional na expressão 7, obtemos:


(∇ × ⃗u) = ∇ × (−⃗
ω × ⃗u)
∂t


∂ω
−→ = ∇ × (−⃗
ω × ⃗u) (8)
∂t

Vejamos que o termo −⃗


ω × ⃗u, chamado de vetor de Lamb, tem unidade

de aceleração e contempla a aceleração temporal e a aceleração convectiva.

Para deixar o caráter do vetor de Lamb explicito, tomemos a divergência da

expressão 7 abaixo:

∂⃗u
∇ · (⃗
ω × ⃗u) = −∇ · − ∇2 Φ
∂t

Considerando agora que trata-se de um fluido incompressível, ou seja,

∇ · ⃗u = 0, temos que:

21
ω × ⃗u) = −∇2 Φ
∇ · (⃗

Onde Φ pode ser entendido como um potencial de aceleração e consequen-

temente o análogo hidrodinâmico do potencial elétrico. Portanto, como se ve

no trabalho de bychkov [4], podemos escrever:

⃗ × ⃗u = ⃗a
ω

Entretanto, é necessário destacar que aqui a aceleração ⃗a expressa não a

aceleração temporal, mas sim a aceleração convectiva ⃗a = ⃗u · ∇⃗u. Isto é, a acele-

ração que um elemento do fluido sofre enquanto se locomove espacialmente.

Retornando agora para a analogia, podemos reescrever a equação 8 na

forma integral:


∂ω
= ∇ × (−⃗a)
∂t


ZZ ZZ
⃗ =− ∂ω ⃗
−→ (∇ ×⃗a) · d A · dA
∂t

I ZZ
∂ ⃗
−→ ⃗a · d⃗L = − ⃗ · dA
ω (9)
∂t

Onde a integral da esquerda é chamada de circulação de ⃗a e a integral da


⃗ , dessa forma, fica evidente que encontramos
direita é chamada de fluxo de ω

exatamente a mesma expressão 6 apresentada acima.

Ressalta-se que esta expressão é o análogo hidrodinâmico da lei de Farday-

Maxwell e fora obtida através da equação e Navier-Stokes sem viscosidade e

22
incompressível. A tabela abaixo apresenta as grandezas análogas no eletromag-

netismo e na hidrodinâmica, seguindo a forma como construímos a analogia

no presente trabalho.

Hidrodinamica Eletromagnetismo

⃗a ⃗E


ω ⃗B

⃗u ⃗
A

Φ V

B Apêndice B: O teorema da Circulação de Kelvin

Neste Apêndice deduziremos o teorema da circulação de Kelvin.

I
C (⃗u) = ⃗u · d⃗L

Tomando a derivada temporal e usando a regra do produto, temos:

DC (⃗u) D⃗u ⃗Dd⃗L


I I
→ = · dL + ⃗u ·
(10)
Dt Dt Dt
 
Reescrevendo 7 em termos da derivada substancial D ⃗u = ∇Φ , e substituindo-
Dt

a na primeira integral acima, temos:

I ZZ
∇Φ · d⃗L = ∇ × (∇Φ) · d A
⃗ =0

∂d⃗L
Lembrando-se que ∂t = 0 e que a integral fechada de um gradiente é nula,

temos para a segunda integral de 10:

Dd⃗L 1
I I I
⃗u · = ⃗u · (d⃗L · ∇)⃗u = ∇(⃗u2 )· = 0
Dt 2

23
Dessa forma, fica evidente que a circulação total da região de fluido em

questão não varia no tempo.

DC (⃗u)
=0 (11)
Dt

Agora que já demonstramos a relação acima, vamos deixar evidente porque

quando o fluxo de vorticidade varia em um ponto induz-se uma variação

oposta. iniciemos relacionando a circulação com o fluxo da vorticidade:

I ZZ ZZ
C (⃗u) = ⃗u · d⃗L = ⃗ =
(∇ × ⃗u) · d A ⃗ = ϕ(⃗
⃗ · dA
ω ω)

Tomando a derivada substancial e igualando-a a zero, temos:

Dϕ(⃗
ω)
=0
Dt

∂ϕ(⃗
ω)
→ + ⃗u · ∇ϕ(⃗
ω) = 0
∂t

 
∂ϕ(⃗
ω) ∂ϕ(⃗
ω) ∂ϕ(⃗
ω) ∂ϕ(⃗
ω)
→ = − ux + uy + uz (12)
∂t ∂x ∂y ∂z

Essa expressão é muito significativa e demonstra o que dissemos na seção

V, em outras palavras, sempre que um ente produz variação do fluxo de

vorticidade num ponto, tem-se uma variação no gradiente desse fluxo. Assim

garante-se que a circulação total é constante no tempo.

Referências

[1] Millikan R. A. New Elementary Physics. 1944.

24
[2] Laxmi Ashrit. Electromagnetic induction – theory, application, ad-

vantage, disadvantage, 2021. https://electricalfundablog.com/

electromagnetic-induction-theory/.

[3] Tullinge Triangelpojkar BTK. Sista träningen för säsongen blir den 11 juni,

2018. https://www.svenskalag.se/ttp-btk-grp1/nyheter/1165328/

sista-traningen-for-sasongen-blir-den-11-juni.

[4] VL Bychkov. Hydrodynamic analogies between the equations of classical

hydrodynamics and electrodynamics in electrochemistry. Russian Journal

of Physical Chemistry B, 8(2):212–220, 2014.

[5] Daniel T. Valentine E.L. Houghton. Wing theory, 2017. https://www.

sciencedirect.com/topics/engineering/starting-vortex.

[6] Tsutomu Kambe. A new formulation of equations of compressible fluids

by analogy with maxwell’s equations. Fluid dynamics research, 42(5):055502,

2010.

[7] Tsutomu Kambe. On fluid maxwell equations. In Frontiers of Fundamental

Physics and Physics Education Research, pages 287–295. Springer, 2014.

[8] Eric R Kandel and Robert D Hawkins. The biological basis of learning

and individuality. Scientific American, 267(3):78–87, 1992.

[9] Salman Khan. Um mundo, uma escola. Editora Intrinseca, 2013.

[10] Haralambos Marmanis. Analogy between the navier–stokes equations

and maxwell’s equations: application to turbulence. Physics of fluids,

10(6):1428–1437, 1998.

[11] Roy Schwitters. Magnetic induction, 2018. https://web2.ph.utexas.

edu/~vadim/Classes/2017f/Faraday.pdf.

25
[12] Karl Sims. Fluid flow tutorial, 2018. https://www.karlsims.com/

fluid-flow.html.

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Avaliação do Orientador

Dezembro 2021

1 Informações e Contato do Orientador:


Orientador: Prof. Dr. Marcio Antonio de Faria Rosa

Cargo: Docente do Instituto de Matemática, Estatı́stica e Computação


Científica (IMECC) na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

E-mail: oicram@unicamp.br

2 Comentários:
Daniel mostrou que, além de ser um estudante muito bom no curso de Física, tem cultura
geral ampla, aproveitou bem a cultura humantistica que recebem os alunos da licenciatura. Ele
escreve com facilidade e perfeição, produzindo um texto muito agradável de ler. Esta
estratégia, de criar um gancho entre eletrodinâmica e a cotidiana mecânica de fluídos para o
ensino do Eletromagnetismo, é muito boa. Noto que as experiências que negaram a existência
de um éter, como a de Michelson-Morley, negaram a existência de um éter com certas
propriedades que foram conjeturadas, mas sempre podemos associar o eletromagnetismo a
um éter que seria um fluido diferente, com propriedades especiais, no sentido daquele
colocado por Dirac (Nature, v.168, pages 906-907). Sem pensar em fluidos e vórtices não há
como interpretar de forma concreta os campos do eletromagnetismo e suas relações, tal é o
mesmo que afastar do Eletromagnetismo a sua musa inspiradora. Esta brilhante proposta de
Daniel, o emprego da analogia entre eletromagnetismo e mecânica de fluidos para ensinar o
eletromagnetismo, vai permitir um melhor entendimento desta disciplina, que hoje é
apresentada de forma fantasmagórica no ensino médio, sem que o aluno entenda quase nada.

Nota atribuı́da à Monografia: 10 (excelente)

3 Assinatura:

4 Assinatura do Orientador:

Marcio Antonio de Faria Rosa

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