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BASES PARA UMA METODOLOGIA DA PESQUISA EM DIREITO

João Maurício Adeodato


Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.

Sumário: 1. Introdução: o contexto brasileiro e a importância da pesquisa e da pós-


graduação em direito. 2. Como escolher o tema. 3. Organização da pesquisa jurídica. 4.
Fontes de pesquisa jurídica. 5. Redação do trabalho científico. 6. Formas de referências
às fontes utilizadas. 7. Sugestões bibliográficas.

1. Introdução: o contexto brasileiro e a importância da pesquisa e da pós-graduação


em direito.

O ensino jurídico vem atravessando mais uma grande modificação estrutural,


talvez a maior na história do ensino superior no Brasil, o que vem provocando debates
mais que salutares. Embora se venha escrevendo copiosamente sobre metodologia de
pesquisa no Brasil, o direito tem sido sistematicamente esquecido. A pesquisa jurídica é
das mais atrasadas do país e os investimentos governamentais na área são irrisórios, nada
obstante ser direito um dos cursos superiores mais importantes e procurados pelos
egressos do segundo grau no país1. Este fenômeno deve-se a diversos fatores, tais como a
profissionalização (e mesmo proletarização) da profissão, mercantilismo nos cursos
jurídicos privados, omissão do Estado e da sociedade, sem falar nas duradouras
conseqüências do esvaziamento qualitativo do corpo docente jurídico levado a efeito pelo
governo militar que se estendeu desde 1964. Apesar de sua importância, não cabe aqui
considerar essas causas.
Além da ignorância sobre como pesquisar e como apresentar os resultados de suas
pesquisas, os juristas estão em geral tão envolvidos com problemas práticos do dia-a-dia
que não têm tempo para estudos mais aprofundados. A pesquisa toma tempo, exige
grande dedicação e as recompensas imediatas são parcas, ainda que seu resultado, o
saber, seja extremamente útil no tratamento de problemas práticos do dia-a-dia. E a
comunidade jurídica nacional vem percebendo isto. Não só a pós-graduação stricto sensu
(mestrado e doutorado) e lato sensu (especialização) em direito crescem visivelmente em
quantidade e qualidade, nos ensinos público e privado, como também as entidades que
congregam profissionais tradicionalmente afastados da pesquisa preocupam-se mais e
mais em melhor formar seus quadros, sejam estes da magistratura, do ministério público,
da advocacia, e procuram a pouco e pouco privilegiar a pesquisa e o currículo dos

1
Conferir os quatro volumes publicados pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB,
Brasília, 1992, 1993, 1996 e 1997. Também Luciano Oliveira - João Maurício Adeodato: O Estado da Arte
da Pesquisa Jurídica e Sócio-Jurídica no Brasil. Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos
Judiciários, 1996.

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candidatos em concursos de ingresso que promovem, além de oferecerem oportunidades


de estudo investindo em seus próprios quadros.
É falaciosa a argumentação de que a pós-graduação não é necessariamente
garantia de qualidade. O silogismo é falso pois o paradigma se transforma em um sofisma
quando o exemplo é casual, isolado ou mesmo pouco freqüente. O paradigma só tem
sentido quando é a regra, não o mero exemplo excepcional2. Apesar da retórica
supostamente objetiva e geral, parece que as ações contrárias e aquelas que pretendem
minimizar a importância da pós-graduação em direito no Brasil têm um fundamento
nitidamente pragmático e, por motivo deste caráter existencial de sobrevivência, seus
baluartes atuam tão denodadamente em defesa de seus próprios interesses.
Daí a resistência de muitos setores conservadores a mudanças mais profundas,
procurando desqualificar a pesquisa e a pós-graduação. Como não a obtiveram nem a
querem ou podem obter, revoltam-se contra o estabelecimento de critérios e contra
aqueles que esforçam-se neste sentido. É sintomático observar que todas as críticas ao
“excesso de importância” dado à pesquisa e à pós-graduação em direito venham, sem
exceção, de pessoas que não conseguiram uma coisa nem outra. Nunca se viu um doutor
menosprezando publicamente a importância da pós-graduação.
Mas os problemas internos da pós-graduação são muitos e mais sérios. Um deles é
o alto índice de desistência, fenômeno que não é exclusivo da pós-graduação brasileira
nem do curso de direito3, mas neles atinge níveis ainda mais significativos. Por um lado,
tem-se o aspecto psicológico da “síndrome da desistência”, quando o aluno procura
explicar seu próprio fracasso na empreitada através de argumentos “objetivos”, tais como
ter pouco tempo disponível, ser arrimo de família, ter coisas mais importantes a fazer, a
pouca importância profissional da pós-graduação e toda sorte de problemas pessoais. O
fato é que, ao lado da disponibilidade intelectual, pesquisa é tarefa das mais estafantes e
nem todos têm conseguido levá-la a cabo satisfatoriamente.
Por outro lado, há a atitude leniente das agências governamentais para com
bolsistas que não cumprem suas obrigações, culminando na perda de todos os prazos sem
defender a dissertação ou tese, inadimplentes após usufruírem de recursos de um país
pobre que tão pouco investe em educação. Com base em pareceres no mínimo
questionáveis, as agências têm entendido a bolsa de estudos pública como uma doação
pura e simples, sem contrapartidas, quando sanções cíveis contra quem não cumpre
contratos seriam ao menos argumentáveis em quaisquer tribunais e são a regra no que
concerne às agências de fomento públicas em outros países.
Este texto pretende auxiliar quem pretende participar de uma discussão sobre o
direito em bases científicas, através de uma série de sugestões que o bom senso e a
experiência confirmam.

2
Aristóteles: Retórica, I, 2, 1357b, 30-35, in The Works of Aristotle, trad. de W. Rhys Roberts, coleção
Great Books of the Western World. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1990, vol. 8.
3
Estelle M. Phillips - Derek. S. Pugh: How to get a PhD - A Handbook for Students and their Supervisors.
Buckingham - Philadelphia: Open University Press, 1995, passim.

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2. Como escolher o tema.

O tema do trabalho não precisa necessariamente ser original. É bastante que o


enfoque, a atitude do pesquisador o seja. Costuma-se dizer que uma dissertação de
mestrado ou monografia de pós-graduação pode-se reduzir a comentar um tema qualquer,
ficando a exigência de originalidade adstrita à tese de doutorado. Isto não procede.
Evidentemente a originalidade científica é uma virtude e deve ser buscada, qualquer que
seja a dimensão ou a pretensão do texto a ser produzido. Assim, uma monografia será
tanto melhor quanto mais pareça uma dissertação de mestrado e uma dissertação de
mestrado será tanto melhor quanto mais pareça uma tese de doutorado. A avaliação piora
na direção inversa.
A abrangência do tema é uma questão delicada quando se trata de defini-lo. Os
autores de obras jurídicas parecem tender a uma ampliação exagerada de seus temas, fato
que, embora possa atrair estudantes incautos, preocupados com o sucesso em provas, não
se prestam ao trabalho científico. Não faz sentido que um jovem mestrando se dedique a
escrever uma dissertação como “Hermenêutica Jurídica” ou “Fundamentos do Direito
Penal” ou “O Estado Moderno”. Temas muito amplos perdem em precisão e acuidade e
demandam muita experiência por parte de seu autor4.
Estratégias para reduzir um tema jurídico são basicamente por assunto (“A
dispensa abusiva no contrato de trabalho”), por autor (“O conceito de legitimidade em
Hannah Arendt”), por circunscrição temporal (“Evolução do concubinato na segunda
metade do século XX”), por circunscrição espacial (“Ações de despejo na Comarca de
Escada”), por referência expressa a aspecto específico do direito positivo (“O princípio
da nacionalidade na Lei de Introdução ao Código Civil de 1916”) etc., além desses
critérios combinados.
O que é bom para as editoras, posteriormente, se o trabalho vier a ser publicado
com objetivos de mercado, nem sempre é de bom tom científico. Editores tendem a
querer uniformizar os títulos, buscando atingir maior público, muitas vezes com o nome
da disciplina a que se podem dirigir os livros (“Filosofia do Direito” ao invés de
“Ontologia do Dever Ser no Neokantismo Tardio”). Ao escrever para seus pares e
examinadores, porém, a norma deve ser invertida.
Outra regra é nunca separar “teoria” de “praxis”, pensar conceitualmente e
realidade empírica só têm sentido um com o outro. Interessante observar que, nada
obstante o direito constituir matéria eminentemente prática, os juristas pouco mencionam
a “prática” do direito quando escrevem seus trabalhos “teóricos”, eles dificilmente
referem-se a seus “trabalhos de campo”, a suas experiências práticas enquanto operadores
jurídicos, para confirmar empiricamente suas teses, o que, em outras áreas, constitui
metodologia unânime dos pesquisadores.

4
Franz Wieacker, já autor consagrado, escreveu a História do Direito Privado Moderno mas teve o
cuidado de colocar como subtítulo: Com especial atenção ao desenvolvimento alemão. V.
Privatrechtsgeschichte der Neuzeit - unter besonderer Berücksichtigung der deutschen Entwicklung.
Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1967.

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3. Organização da pesquisa jurídica.

Uma questão que preocupa quem se propõe a escrever um trabalho científico


refere-se às dimensões, ao número de páginas que o texto deve ter. Claro que não há uma
resposta pronta para isto, devendo preponderar o bom senso. O grau de especificidade e o
número de partes, capítulos, subitens etc. dependerão, obviamente, do número de laudas.
Subdividir tanto, a ponto de ter dois ou mais subitens em uma só página ou mesmo um
por página é um exagero detalhista. Subdividir um trabalho de cem laudas em apenas três
partes é o pecado oposto.
Um projeto é sobretudo prospectivo, diferindo do relatório, cujo caráter é
retrospectivo. Assim, nada há de errado em listar na bibliografia do projeto obras de que
ainda não se dispõe nem se sabe como conseguir, obtidas a partir das listagens
bibliográficas de outras obras. Desonesto é fazê-lo na versão final do trabalho.
Pesquisar é quase que sinônimo de estudar, significando, quando muito, uma
forma especial de estudo. O advogado que estuda para melhor fundamentar sua
argumentação no processo faz pesquisa, sem dúvida. Especificamente, contudo, o
trabalho de pesquisa é mais ambicioso, apresentando-se de forma sistemática, com
pretensões de racionalidade e aplicação generalizada. Ele precisa apoiar-se o mais
claramente possível no objeto investigado, seja este objeto formado por eventos, um
conjunto de normas ou opiniões de leigos, agentes jurídicos, doutrinadores. Daí a
importância das fontes de referência, que serão comentadas adiante.
Devido à inseparabilidade entre teoria e praxis, o trabalho de pesquisa precisa
descrever seus pontos de partida e ao mesmo tempo problematizá-los e explicá-los, isto é,
procurar compreendê-los dentro de uma visão (“teoria”) de mundo coerente. Esquecer as
bases empíricas do direito faz a “visão de mundo” irreal e inútil, ainda que pareça
coerente; reduzir-se a descrever dados empíricos sem uma teoria, por outro lado, deixa a
informação fora de rumo e dificulta a comunicação.
Ainda que um trabalho de pesquisa possa ser predominantemente conceitual ou
predominantemente empírico, o pesquisador deve ter o cuidado de explicitar as
interrelações entre as duas formas de abordagem: se quiser conceituar a diferença entre a
prescrição e a decadência, nada melhor do que ajuntar exemplos reais e atuais, além da
análise de precedentes, jurisprudência, casos concretos. Parece-nos, portanto, que um
capítulo “empírico” ou mesmo referências constantes a fatos reais só têm a enriquecer um
trabalho de pesquisa “teórico”.
Conceitualmente, então, devendo mais serem entendidas como fases de uma única
tarefa do que como atitudes distintas, podemos dividir a pesquisa em bibliográfica e
empírica.
Pesquisa bibliográfica é aquela “... desenvolvida a partir de material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos”5. Mas ela também inclui outras
formas de publicação, tais como artigos de jornais e revistas dirigidos ao público em

5
Cf. Antônio Carlos Gil: Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991, p. 48.

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geral. No caso da pesquisa jurídica, é importante também o estudo de documentos como


leis, repertórios de jurisprudência, sentenças, contratos, anais legislativos, pareceres etc.,
constituindo uma vertente específica da pesquisa bibliográfica que podemos chamar de
documental.
Já na pesquisa empírica, o pesquisador vai mais diretamente aos eventos e fatos,
sem intermediação de outro observador, investigando as variáveis de seu objeto e
tentando explicá-las controladamente. Seus métodos são muitos, tais como questionários,
entrevistas, estudos de caso, entre outros.
A pesquisa jurídica pode ser classificada, dentre outros critérios, em científica,
que tem por fim descrever e criticar os fenômenos definidos como objeto, e dogmática,
destinada a sugerir estratégias de argumentação e decisão diante de conflitos a partir de
normas jurídicas estabelecidas.
Os manuais sobre como redigir um trabalho, disponíveis nas livrarias, insistem
sobre os aspectos formais dos planos e projetos. Isto é, sem dúvida, fundamental.
A parte mais importante é dividir o tema escolhido em tópicos razoavelmente
detalhados. Esses tópicos devem ter títulos específicos, personalizando o plano de
trabalho desde logo. Não nos parecem os melhores aqueles projetos de pesquisa com
sumários assépticos, que poderiam servir a qualquer tema e a qualquer autor, tal como
ensinado em alguns cursos de biblioteconomia: “Projeto: As Estratégias de Inconsistência
no Judiciário Brasileiro”. 1. Introdução (1.1. Importância do tema. 1.2. Justificativa). 2.
Objetivos geral e específicos. 3. Hipóteses de trabalho. 4. Metodologia (4.1. Material e
métodos. 4.2. Universo. 4.3. Instrumentos. 4.4. Procedimentos). 5. Conceitos básicos. 6.
Conclusões. 7. Cronograma. 8. Bibliografia”.
Na pesquisa jurídica, pelo menos, isto não funciona. Ainda que tais idéias
precisem estar presentes por trás do projeto ou sumário, o autor deve procurar títulos que
já exponham ao leitor, a partir do índice, algo do conteúdo que o espera e que
individualizem o trabalho. O ideal é que a introdução tenha um título específico, que já
expresse uma justificativa pela escolha; dentro desta introdução, um subtítulo designará a
importância do tema: outro explicitará a metodologia empregada, tanto na pesquisa (quais
as fontes, quais as formas utilizadas) quanto na redação (optou por este ou aquele sistema
de referência, este ou aquele autor-guia, porque excluiu ou incluiu este ou aquele tema -
dependendo de seu papel, a metodologia pode ocupar um capítulo à parte); outro
apontará, muito resumida e atrativamente, o conteúdo de cada capítulo. No nosso
exemplo: “Projeto: As Estratégias de Inconsistência no Judiciário Brasileiro”. 1.
Hipóteses de trabalho (1.1. Direito e Estado subdesenvolvidos. 1.2. Direito estatal e
direito extra-estatal. 1.3. O direito extra-estatal dependente do Estado. 1.4. Como se
organiza esta pesquisa). 2. Pressupostos epistemológicos (2.1. Pluralismo jurídico versus
monismo estatal. 2.2. Estratégia. 2.3. Disfunção). 3. O direito extra-estatal no judiciário
brasileiro (3.1. O nível dogmático previsto no ordenamento oficial. 3.2. O nível extra-
dogmático ensejado pelo ordenamento oficial. 3.3. O nível extra-dogmático contrário ao
ordenamento oficial). 4. Metodologia (4.1. Pesquisa bibliográfica dos fundamentos
epistemológicos. 4.2. Coleta de decisões judiciais singulares e jurisprudências
exemplificativas. 4.3. Pesquisa de legislação. 4.4. Levantamento estatístico de denúncias,
tramitação e resultados. 4.5. Observação controlada e induzida de processos em

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tramitação no Foro do Recife). 5. A atuação da sociedade no controle externo do


judiciário. 6. O judiciário e o controle interno das práticas extra-dogmáticas. 7.
Conclusão: a ineficiência do procedimento jurídico brasileiro na estruturação dogmática
do direito positivo. 8. Bibliografia”.

4. Fontes de pesquisa jurídica.

Certamente as principais fontes de pesquisa em direito são os livros e artigos


especializados. Os juristas brasileiros costumam usar mais livros e manuais do que
artigos, o que contraria as tendências mais modernas, quando tempo é escasso e precioso.
Em uma área como física, por exemplo, os livros são dirigidos aos iniciantes e os
iniciados concentram-se em artigos menores e mais objetivos.
Quanto mais específicas as fontes bibliográficas, melhor, devendo-se eliminar as
obras genéricas que nada têm a ver com o tema e aquelas básicas que são de leitura
obrigatória para formação na área, a não ser se especialmente analisadas no texto.
Chama atenção que os juristas, cuja atividade é essencialmente prática, pouco se
referem a legislação, jurisprudência e casos práticos quando publicam trabalhos
doutrinários. Essas referências dão maior peso a uma teoria, além de a tornarem mais
clara e eficiente no trato com os problemas, conforme já mencionado. Se o trabalho
dogmático nas lides dos profissionais do direito “prático” pouco tem de científico, ele
certamente é um objeto de todo interesse para a perspectiva científica que deve ter a
pesquisa jurídica.
Certos temas, por suas características ou novidade, têm nos artigos e reportagens
da imprensa uma fonte de pesquisa importante. O pesquisador não deve ter pejo de referi-
los. Mas óbvio que, por sua própria pretensão limitada, tais fontes não têm a mesma
dignidade de artigos especializados, por exemplo. Claro que pode haver artigos de jornais
superiores a artigos de revistas especializadas, sobretudo se o controle de qualidade
destas deixa a desejar, misturando níveis quilometricamente distantes, como é quase
regra unânime no Brasil. Mais aconselhável é, portanto, observar cada referência
concreta.
A consulta à bibliografia estrangeira nunca é prejudicial e é, no mais das vezes,
indispensável. As fontes são tão importantes que a escolha do próprio tema precisa
considerar a acessibilidade delas; de nada adianta um tema genial se não há como
informar-se a respeito dele. A leitura de línguas estrangeiras amplia em proporção
geométrica as possibilidades de obtenção de informações.
A ficha de leitura é uma das formas mais eficientes de consulta às fontes. Com ela
o pesquisador consegue ter disponível um maior número de informações quando da
redação dos textos, sem que precise a todo momento recorrer a livros, códigos,
repertórios de jurisprudência etc. Com a vantagem adicional de ter como fonte para
redação de seu texto final um texto que já foi redigido pelo próprio autor, desde que a
ficha não se limite a transcrever ipsis litteris o conteúdo da fonte, o que equivaleria ao

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trabalho de grifar trechos dos textos consultados; a ficha de leitura será mais eficiente se
já expressar o conteúdo das fontes nos termos e na perspectiva do pesquisador.
Uma regra geral importante é atentar para a necessidade de referir
especificamente, no decorrer do texto, tudo aquilo que aparecer listado na bibliografia. E
vice-versa. Conforme já sugerido, não se devem listar obras de leitura obrigatória ou
fontes que, embora tenham sido importantes na formação do pesquisador, pouco ou nada
tenham a ver com a efetiva elaboração daquela pesquisa e não apareçam diretamente
referidas nos rodapés.
Fontes não-bibliográficas de pesquisa, tão ao gosto dos demais estudiosos dos
fenômenos sociais, não vêm sendo utilizadas pelos juristas como seria de desejar:
questionários, entrevistas, amostragens estatísticas, dentre outros métodos, desde que
corretamente conduzidos, só trarão conseqüências benéficas à credibilidade de uma
pesquisa jurídica. Até mesmo relatos provenientes de observações pessoais quase nunca
são aproveitados, perdendo-se por vezes a rica experiência que juízes, advogados,
procuradores, promotores que querem participar das discussões científicas têm a relatar.
Outro meio importante de acesso a fontes de pesquisa jurídica são as redes de
computação, eficientes para consulta a bibliotecas, legislação, jurisprudência e a imensa
gama de informações que possibilita. O mais importante nessas redes é que as regiões
geográficas diminuem sua importância, difundindo-se a informação a pesquisadores de
regiões distantes dos grandes centros, outrora monopolizadores das fontes. Isto é
fundamental para o pesquisador brasileiro, a quem o debate científico quase sempre
chega com atraso. Com as redes computacionais, desde que domine alguma língua
estrangeira mais universal, qualquer pessoa pode comunicar-se e acessar de imediato
fontes antes indisponíveis.

6. Redação do trabalho científico.

Como forma de linguagem que é, ao trabalho científico aplicam-se, em princípio,


as mesmas regras do bem redigir: clareza, concisão, objetividade etc. Cada capítulo deve
cuidar de um tema, dentro deles cada subitem tem um assunto específico, cada parágrafo
precisa expressar uma idéia, tudo isto em função da unidade e coerência internas quanto a
títulos e subtítulos, para que não se repita em uma parte o que já foi dito em outra,
atentando rigidamente para as relações contém e está contido etc.
A clareza é fundamental. E o trabalho tem que partir de um suporte de
conhecimentos que o leitor divida com o autor. Se o leitor que o autor tem em mente é
iniciante, o trabalho deve partir de bases genéricas, senso comum sobre o direito; se o
leitor é especializado, o autor pode começar mais especificamente. Mas a regra é a
mesma: começar mostrando ao leitor o ponto de partida que se supõe ser dominado por
ele. Tudo isto levando também em conta o espaço disponível: trazer a novidade com
clareza, sem ser repetitivo ou óbvio. É inútil escrever para si mesmo ou achar que o leitor
sabe tudo o que o autor sabe, pois aí tem-se o dilema: quem domina os pressupostos do
tema não precisa ler o texto do autor, pois ele nada acrescenta; quem não os domina,

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simplesmente não compreende patavina do que se diz no trabalho. Ambas as opções


deixam a desejar.
Usar gráficos, fórmulas, tabelas e assemelhados pode ser um recurso muito
efetivo. Mas é preciso cuidado com aqueles que, muito comumente, mais tornam
ininteligível o que se quer explicar.
Evidentemente a linguagem discursiva não é tida como a única forma de
comunicação. Os hippies tentaram comunicar-se pelos olhos e coração e o apelo das
experiências telepáticas, cinéticas, holísticas demonstram tal convicção. Mas à linguagem
científica, descritiva, só resta o discurso, com pretensões de racionalidade, de
entendimento universal, por assim dizer.
O texto transcrito a seguir, efetivamente publicado6, é um exagero dos defeitos
que fizeram com que se generalizasse a convicção de que a filosofia e a teoria geral do
direito, assim como muito da teoria dogmática, são puro palavrório. Mas tais problemas
de redação são reais na área jurídica e vale a pena transcrever a aludida peça.
“Direito: uma percepção de infinito. A reflexão filosófica situa o Direito na
dimensão infinita ao enfocar o sentido do termo e o modo pelo qual o seu significado foi
percebido. Assim é que a evidência detectora viu a latitude e a profundidade ôntica desta
realidade ao divisá-la no rumo impetuoso e solene da sua finalidade, o que demonstra a
ausência absoluta de qualquer limite, tanto na sua percepção como no ente percebido.
A direção e a dimensão deste raciocínio explicitam e indicam, objetivamente, a
intrinsidade qualitativa, quer seja do objeto da percepção, quer seja do sujeito perceptor.
A direção aponta o fim bem como o método de atingi-lo; a dimensão estabelece a
infinitude desse fim. Logo, o Direito é o caminho infinito ao encontro do infinito. A
qualidade deste caminho está sentida e impressa nele mesmo, e isto se diga, igualmente,
do seu perceptor.
O Direito - orientação iluminada - espelha em suas propriedades a qualidade
infinita do seu escopo, bem como do sujeito deste fito, quer dizer, o fim do Direito se
traduz na sua propriedade de conduzir o homem ao seu objetivo (onde se coloca, original
e positivamente (,) o caráter educativo da pena).
Ora, se somente o infinito chega ao infinito, o Direito se compreende na
percepção infinita do próprio infinito em que a ilimitação ôntica determinante dessa
percepção estabelece a própria incomensurabilidade do ente percebido.
A infinitude (d)o ser do Direito como evidência racional encerra a propriedade
qualificada e qualitativa do próprio homem, quer dizer, como realidade racional o Direito
se caracteriza pela racionalidade mesma. Neste caso, é uma nítida percepção de infinito,
porque foi percebido pela propriedade infinita do homem: a razão.”
Mas não só de textos esdrúxulos dos filósofos, grandes ou não, vive a
incompreensibilidade. A primeira parte do artigo 58 do Código Civil define o conceito de
“coisa principal”: “Principal é a coisa que existe sobre si, abstrata ou concretamente”7.

6
Artigo assinado no Jornal Gazeta do Povo. Curitiba: sábado, 6 de setembro de 1997, 6a. página.
7
Código Civil (Lei n. 3.071 de 1.1.1916). São Paulo: Saraiva, 1997.

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Muitos outros exemplos poderiam ser pinçados, mostrando como a vigilância em prol da
clareza precisa ser permanente e incansável.

6. Formas de referências às fontes utilizadas.

A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem muita razão ao


estabelecer aquelas regras que provocam risos nos juristas mais antiquados, ainda que
haja alguns exageros que em nada contribuem. Mas é fora de dúvida que a grande
cortesia do cientista ao seu auditório é fornecer os meios possíveis para repetição de
todos os seus passos. O leitor tem todo fundamento para desconfiar do autor que se refere
a uma obra sem especificá-la, sem referir-se o mais exatamente possível ao trecho sob
exame. Diógenes Laércio e Kant puderam dar-se aos luxos da economia e da imprecisão
de referências; no mundo moderno, contudo, o número e a variedade dos envolvidos no
debate científico exigem mais.
Além desta justificativa metodológico-científica, o rigor formal é eficiente
pragmaticamente, sobretudo com a edição de textos por computadores. Um exemplo: dos
trabalhos selecionados para publicação a partir dos Anais do XVII Congresso Mundial da
Associação Internacional de Filosofia Jurídica e Social, realizado em Bolonha, no verão
de 1995, exigiam-se detalhes de forma centimétricos, sob pena de exclusão. É que assim
salva-se tempo, eliminam-se custos e diminuem-se margens de erro no imenso trabalho
envolvido em digitar ou mesmo uniformizar dezenas de artigos impressos ou formatados
diferentemente, entregues ao risco da criatividade gráfica dos diversos autores.
Mas mesmo para quem vai redigir uma tarefa escolar, sem ambições maiores,
alguns cuidados formais são imprescindíveis. O mais básico deles é a referência às fontes
utilizadas.
Um critério genérico é que as referências, qualquer que seja o sistema escolhido,
não obriguem o leitor interessado a ser constantemente remetido a outras partes do
trabalho. Assim, pior do que notas e referências ao final do livro só se elas estiverem ao
final de cada parte ou capítulo.
Há dois sistemas básicos, ambos úteis, se corretamente utilizados, ainda que os
juristas brasileiros não lhes tenham dado devida atenção. O chamado sistema completo
é o mais cômodo para o leitor - desde que as referências venham mesmo ao pé da página
e não ao final do livro ou, pior ainda, dos capítulos - posto que todos os dados das fontes
estão a qualquer tempo disponíveis. Para ver como ele funciona, observe-se a forma dos
rodapés e das sugestões bibliográficas ao final deste trabalho. O pesquisador pode optar
entre apor apenas a inicial do primeiro ou dos dois primeiros nomes do autor ou colocá-
los por extenso, ainda que seja preferível esta última hipótese. Em se tratando de obra de
diversos autores, há várias possibilidades: 1. Quando os autores são em pequeno número,
três ou quatro, é aconselhável citá-los todos; 2. Se há muitos autores, pode-se citar o
nome do primeiro, seguido da expressão et allii (e outros), mas talvez assim destaque-se

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indevidamente o nome do mesmo, daí porque Umberto Eco sugere o uso da sigla AAVV
(autores vários)8, que tem a vantagem de colocar todos os autores em um mesmo plano;
3. Se a obra é coletiva mas com um ou mais organizadores, a referência deve vir em
nome destes, seguidos da abreviatura “orgs.” entre parênteses.
Existem os dados indispensáveis e dispensáveis nas referências. Na primeira
categoria, em caso de livros, estão autor, título da obra (que deve vir em destaque - em
negrito ou itálico), cidade, editora, ano de publicação e página ou páginas específicas
referidas no caso. Quando se tratar de artigos de revistas ou capítulos de livros, são
indispensáveis o título do texto (entre aspas ou não), o título do veículo em que a obra se
insere (em destaque), referências deste veículo (fascículo, número, anos de existência -
quando houver - em suma, como ele se apresenta para identificação), páginas de início e
fim do texto, além de página ou páginas específicas referidas ali. Dispensáveis, porém
úteis e assim desejáveis, são o tradutor, a edição, a coleção em que a obra se insere
(quando houver, é claro), o número de páginas da obra etc. A opção do pesquisador fica
basicamente entre dar comodidade ao leitor ou economizar espaço. Na listagem
bibliográfica, obviamente, dispensa-se a página específica referida.
E é justamente pelo critério da economia de espaço que cresce a adesão ao sistema
autor-data. Aqui, as referências podem vir no rodapé ou mesmo no próprio corpo do
texto: o nome do autor é seguido de vírgula, do ano de publicação da obra, de dois pontos
e da página ou páginas específicas consultadas (Saldanha, 1982: 68). Os dados completos
da referência estarão na listagem das fontes, sem que seja necessário referi-los a cada
oportunidade. A única diferença na forma é que o ano de publicação, na listagem
bibliográfica, deve aparecer logo depois do nome do autor, entre parênteses, já que é o
ano, além do nome, que individualiza a referência feita ao longo do texto. Se o
pesquisador tiver consultado mais de uma obra de um mesmo autor, publicadas no
mesmo ano, a diferenciação deve ser feita através de letras minúsculas colocadas logo
após o ano. Caso haja mais de um autor com o mesmo sobrenome, deve-se recorrer às
iniciais do primeiro nome; se ainda ainda assim houver confusão, às iniciais do segundo e
assim por diante. Colocar os primeiros nomes por extenso no corpo do texto não é usual
neste sistema, posto que seu critério-guia é a economia de espaço. Na listagem
bibliográfica, porém, é desejável.
Note-se que o sistema autor-data não afasta necessariamente os rodapés, ainda que
elimine boa parte deles, aqueles simplesmente referenciais. Mas há os rodapés
explicativos, os quais não podem vir entre parênteses no corpo do texto.
A listagem bibliográfica final (bibliografia) é dispensável quando se optar pelo
sistema completo e se tratar de texto relativamente curto e com poucas referências, como
é o caso deste aqui.
Mas a norma formal básica é uma só, além daquele “critério material” já
mencionado, o de possibilitar ao leitor refazer os passos da pesquisa: a uniformidade. O
pesquisador deve escolher seu próprio sistema de listagem de fontes e estabelecer com o
leitor um código de comunicação o mais possívelmente objetivo e inequívoco.

8
Umberto Eco: Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Trad. Ana Falcão Bastos e Luís Leitão,
prefácio de Hamilton Costa. Lisboa: Editorial Presença, 1977, pp. 86-87.

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11

A numeração das referências deve ser contínua, por capítulo ou ao longo de todo
o trabalho, com preferência para esta, pois individualiza cada referência, sem precisar
citar o capítulo. Embora isto pareça trivial, muitos pesquisadores iniciantes preferem
recomeçar a numeração a cada página, o que é inadmissível.
Idem significa o mesmo autor, ibidem significa na mesma obra; da mesma forma
que op. cit. (obra citada), vêm sendo pouco usados, sobretudo porque podem dificultar o
acesso do leitor à informação. Só devem ser usados quando a obra que indicam teve suas
referências completas discriminadas imediatamente antes, por exemplo: na nota número
12 o livro foi referido; se as notas 13 e 14 se referem à mesma fonte, as expressões acima
são palatáveis. Mas se as notas seguintes referem-se a outras obras, como é comum
acontecer, e a obra referida na nota 12 volta a aparecer lá na frente, digamos, na nota 32,
o leitor dificilmente achará as referências necessárias quando se defrontar com idem ou
ibidem, principalmente se entre elas há referências a várias outras obras, todas lançando
mão das mesmas expressões, por sua vez. É confuso.
Para evitar tais dificuldades, alguns autores9 repetem o nome do autor
anteriormente citado e colocam entre parênteses o número da nota em que as referências
completas daquela obra primeiro apareceram. A vantagem sobre ibidem ou op. cit. é
óbvia, pois o leitor saberá exatamente onde encontrar as referências completas, quando
delas precisar. Mas se o número de referências é muito grande, o leitor terá algum
trabalho.
No sistema autor-data, como as referências se repetem tantas vezes quantas
necessárias, as expressões idem, ibidem e op. cit. não são utilizadas.
Mas as expressões latinas apud, (citado por, conforme) e passim (aqui e ali)
servem para os dois sistemas. A citação apud cabe quando o autor que se cita não foi
diretamente consultado mas a informação chegou através de um outro autor. Deve ser
usada com toda parcimônia, pois não se trata de fonte bibliográfica primária, e apenas
quando a obra que se cita é de difícil acesso; não fica bem citar Pontes de Miranda apud
Lourival Vilanova, pois a fonte que se quer pode ser sem dificuldade consultada
diretamente. A expressão passim é usada quando o tema abordado está em tantas páginas
da obra-fonte que o pesquisador não se dispõe a enumerá-las. É um tipo de referência que
implica responsabilidade de ter consultado toda a obra citada e que a mesma esteja
realmente imbricada com o assunto sob exame. Sempre é mais exato citar página por
página.
A citação ipsis literis, aquela que transcreve literalmente um enunciado da fonte,
também é utilizada independentemente do sistema de referência que se escolha. Deve ser
da mesma maneira usada com economia, quando o pesquisador considere que a fonte
chegou a uma formulação irretocável, exemplar para algum argumento, para analisá-la
especificamente etc.
Quem escreve um trabalho sempre se pergunta a quantidade de referências que
deve fazer. Esta questão é impossível de ser precisamente respondida, devendo, como

9
Como Robert Alexy: “Probleme der Diskurstheorie”, in Zeitschrift für philosophische Forschung, Band
43, 1989, pp. 81-93, ou a tradução brasileira: “Problemas da Teoria do Discurso”, in Anuário do Mestrado
da Faculdade de Direito do Recife n° 5. Recife: ed. UFPE, 1992, pp. 87-105.

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12

sempre, prevalecer o contexto e o bom senso. Talvez, à guisa de mero palpite, um


trabalho jurídico exija em média entre uma referência a cada três páginas e três
referências a cada página.
Ao organizar a bibliografia ao final do texto, o pesquisador deve também atentar
para a quantidade de fontes. Em trabalhos mais alentados, esperam-se mais obras na
listagem bibliográfica, é claro. Se forem muitas, é aconselhável dividi-las, sempre sob o
critério de facilitar o trabalho de reconstrução do leitor: livros, artigos, legislação,
jurisprudência, redes de computação e outras espécies de documentos. Se o trabalho tem
dez laudas, por outro lado, devem-se referir apenas as fontes mais importantes.
Finalmente, uma palavra sobre a forma “física” do trabalho, sobre como ele deve
apresentar-se no papel. Se o critério básico para a informação do leitor é a referência ao
maior número de dados possível para localização da fonte, o critério básico na
formatação, assim como dito para a escolha dos métodos de citação, precisa ser a
uniformidade. Quase nunca o trabalho é escrito em um só fôlego e é comum o emprego
de formas diferentes ao longo do mesmo texto, o que não é bom. Para evitar isto os
programas editores de textos dispõem das “makros”. Mas o melhor é de todo jeito prestar
atenção à formatação: se o primeiro item está em algarismo arábico, o mesmo deve
ocorrer com todos; o espaço dos títulos e subtítulos deve ser idêntico a cada um deles,
assim como deve ser uniforme toda sorte de espaços e recuos escolhidos; é ideal evitar a
“obra de arte” gráfica e não lançar mão de todos os tipos, formas e tamanhos oferecidos
pelo editor de texto do computador. Sempre é melhor sobriedade e comedimento.
Como sugestão de uniformidade, podem-se reservar as aspas para as citações ipsis
literis, ironias e títulos; o negrito, para os trechos que pretende-se sejam destacados,
enfatizados no texto; e o itálico pode ficar para as expressões estrangeiras. Mas tal
escolha é relativa e o importante é, como dito, a uniformidade.

7. Sugestões bibliográficas.

Conforme esta epígrafe, não se trata da bibliografia utilizada para redação do


presente trabalho, a qual se encontra listada nos rodapés do mesmo, mas sim de sugestões
para quem deseja aprofundar-se um pouco mais na metodologia da pesquisa geral e
jurídica. Artigos sobre o tema são raros, daí porque listamos apenas livros.

. ACKOFF, Russel: Planejamento de Pesquisa Social. São Paulo: Herder-EDUSP, 1967.


. ALMEIDA, Maria Lúcia de: Como Elaborar Monografias. Belém: CEJUP, 1991.
. ANDRADE, Maria Margarida de: Introdução à Metodologia do Trabalho Científico -
Elaboração de Trabalhos na Graduação. São Paulo: Atlas, 1993.
. BARBOSA Filho, Manuel: Introdução à Pesquisa - Métodos, Técnicas e Instrumentos.
Rio de Janeiro: LTC, 1980.

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13

. BARROS, Aidil de Jesus: Projeto de Pesquisa - Propostas Metodológicas. Petrópolis:


Vozes, 1990.
. BASTOS, Lília da Rocha, PAIXÃO, Lyra e FERNANDES, Lucia Monteiro: Manual
para a Elaboração de Projetos e Relatórios de Pesquisa, Teses e Dissertações. Rio de
Janeiro: Zahar Editores - UFRJ, 1982.
CAMPESTRINI, Hildebrando: Como Redigir Ementas. São Paulo: Saraiva, 1994.
. CARRAHER, David: Senso Crítico do Dia-a-Dia das Ciências Humanas. São Paulo:
Pioneira, 1983.
. CARVALHO, Maria Cecília de: Construindo o Saber - Técnicas de Metodologia
Científica. Campinas: Papirus, 1988.
. CASTRO, Cláudio de Moura: A Prática de Pesquisa. São Paulo: McGraw Hill do
Brasil, 1977.
. CERVO, Amado e BERVIAN, Paulo: Metodologia Científica. São Paulo: McGraw Hill
do Brasil, 1978.
. DEMO, Pedro: Metodologia Científica em Ciências Sociais. São Paulo: Atlas, 1981.
. ECO, Umberto: Como se Faz uma Tese em Ciências Humanas. Trad. Ana Falcão Bastos
e Luís Leitão, prefácio de Hamilton Costa. Lisboa: Editorial Presença, 1977.
. EMERENCIANO, Maria do Socorro Jordão: Técnicas de Estudo. Belo Horizonte:
Interlivros, 1977.
. ESPÍRITO SANTO, Alexandre do: Delineamentos da Metodologia Científica. São
Paulo: Loyola, 1992.
. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson: Metodologia do Ensino Jurídico e Avaliação em
Direito. Porto Alegre: Fabris, 1997.
. FERREIRA SOBRINHO, José Wilson: Pesquisa em Direito e Redação de Monografia
Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1997.
. GAIDZINSKI, Areti e CARMINATI, Fábia: Metodologia do Trabalho Científico -
Conceitos Preliminares, Estratégias e Ações, Diretrizes para a Elaboração do Trabalho
Científico na Graduação. Criciúma: Gráfica Líder, 1995.
. GALLIANO, Alfredo Guilherme: O Método Científico - Teoria e Prática. São Paulo,
Harbra, 1979.
. GIL, Antônio Carlos: Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991.
. GOODE, William e HATT, Paul: Métodos em Pesquisa Social. Trad. de Carolina Bori.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973.
. HEGENBERG, Leônidas: Etapas da Investigação Científica. São Paulo: EPV, 1976.
. HÜHNE, Leda Miranda (org.): Metodologia Científica - Cadernos de Textos e Técnicas.
Rio de Janeiro: Agir, 1992.

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14

. JABINE, Thomas Boyd: “O Uso de Amostragem Probabilística nas Ciências Sociais”.


Boletim do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais do MEC (n. 6). Recife:
IJNPS, 1957.
. KAPLAN, Abraham: A Conduta na Pesquisa - Metodologia para as Ciências do
Comportamento. São Paulo: EPU-EDUSP, 1975.
. KOTAIT, Ivani: Editoração Científica. São Paulo: Ática, 1981.
. LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade: Metodologia do Trabalho
Científico - Procedimentos Básicos de Pesquisa Bibliográfica, Projeto e Relatório. São
Paulo: Atlas, 1983.
. LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina Andrade: Fundamentos de Metodologia
Científica. São Paulo: Atlas, 1992.
. LEITE, José Alfredo: Metodologia de Elaboração de Teses. São Paulo: McGraw Hill do
Brasil, 1978.
. LEITE, Eduardo de Oliveira: A Monografia Jurídica. Porto Alegre: Fabris, 1985.
. MACEDO, Neusa Dias de: Metodologia de Pesquisa Bibliográfica - Tendo em Vista o
Trabalho de Pesquisa. São Paulo: EDUSP, 1987.
. MANN, Peter: Métodos de Investigação Sociológica. Trad. de Octávio Alves Velho.
Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
. MANZO, Abelardo: Manual para la Preparación de Monografias - Una Guia para
Presentar Informes y Tesis. Buenos Aires: Humanitas, 1974.
. MARCONI, Marina de Andrade: Técnicas de Pesquisa - Planejamento e Execução de
Pesquisas. São Paulo: Atlas, 1982.
. MARTINS, Joel: Subsídio para Redação de Dissertação de Mestrado e Tese de
Doutorado. São Paulo: Moraes, 1991.
. MORAES, Irany Novah: Elaboração da Pesquisa Científica. São Paulo: Atheneu, 1990.
. NEOTTI, Ana et allii: Manual de Procedimentos para Elaboração de Trabalhos
Científicos. Ponta Grossa: UEPG, 1985.
. PESSOA, Ida Brandão de Sá: Apresentação de Trabalho Acadêmico. Recife:
Universitária, 1982.
. PHILLIPS, Estelle M. e PUGH, Derek S.: How to Get a PhD - A Handbook for Students
and Their Supervisors. Buckingham - Philadelphia: Open University Press, 1995.
. POPPER, Karl: A Lógica da Pesquisa Científica. São Paulo: Cultrix, 1972.
. RUDIO, Franz Victor: Introdução ao Projeto de Pesquisa Científica. São Paulo, Vozes,
1989.
. RUIZ, João Álvaro: Metodologia Científica - Guia para Eficiência nos Estudos. São
Paulo: Atlas, 1986.
. SALOMON, Délcio Vieira: Como Fazer uma Monografia - Elementos de Metodologia
de Trabalho Científico. Belo Horizonte: Interlivros, 1979.

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15

. SANTOS, Gildenir e SILVA, Arlete: Normas para Referências Bibliográficas:


Conceitos Básicos (NBR-6023/ABNT-1989). Campinas: UNICAMP, 1995.
. SCHWARZMANN, Simon e CASTRO, Cláudio: Pesquisa Universitária em Questão.
São Paulo: UNICAMP - Ícone, 1986.
. SELLTIZ, Claire, JAHODA, Marie, DEUTSCH, Morton e COOK, Stuart: Métodos de
Pesquisa nas Relações Sociais. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Herder - EDUSP,
1967.
. SEVERINO, Antônio Joaquim: Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez,
s/d.
. TARGINO, Maria das Graças: Citações Bibliográficas e Notas de Rodapé - Nova
Versão. Teresina: UFPI, 1994.
. THIOLLENT, Michel: Metodologia de Pesquisa - Ação. São Paulo: Cortez, 1994.
. THOMPSON, Augusto: Manual de Orientação para Preparo de Monografia -
Destinado Especialmente a Bacharelados e Iniciantes. Rio de Janeiro: Forense-
Universitária, 1991.
. VERA, Armando Asti: Metodologia da Pesquisa Científica. Trad. Maria Helena Crespo
e Beatriz Magalhães. São Paulo: Globo, 1989.
. VIEIRA, Sônia: Como Escrever uma Tese. São Paulo: Pioneira, 1991.

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METODOLOGIA DA PESQUISA NOS CURSOS DE DIREITO:

UMA LEITURA CRÍTICA

Horácio Wanderlei Rodrigues **

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo demonstrar a importância da pesquisa no


contexto do processo de ensino-aprendizagem e os equívocos que se entende hoje
serem cometidos nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa, em especial no
âmbito dos Cursos de Direito.

Para isso o texto possui três momentos distintos, destinados a: trabalhar o


tratamento dado à pesquisa no contexto da legislação educacional; expor o que são
o conhecimento e a pesquisa; e, finalmente, denunciar a insuficiência da forma como
é trabalhado nas disciplinas específicas o processo acadêmico de pesquisa.

Deve ser lido considerando que é constituído de fragmentos do que se


pretende seja o primeiro capítulo de um livro destinado a: expor a situação atual da
pesquisa nos Cursos de Direito; efetivar uma nova proposta para as disciplinas de
Metodologia da Pesquisa (nos âmbitos da graduação e da pós-graduação);
apresentar um modelo de pesquisa destinado especificamente à área de Direito; e,
também, trabalhar as questões formais dos trabalhos escolares e acadêmicos, a
partir de uma leitura pró meio ambiente das normas da ABNT.
* *
Mestre e Doutor em Direito pela UFSC, instituição da qual é professor titular, lecionando na Graduação e na Pós-
Graduação. É também professor convidado para cursos de Pós-Graduação em diversas IES brasileiras. Escreveu os livros
“Ensino jurídico: saber e poder”, “Ensino jurídico e direito alternativo”, “Acesso à justiça no direito processual brasileiro”,
“Novo currículo mínimo dos cursos jurídicos” e “Ensino do Direito no Brasil: diretrizes curriculares e avaliação das condições
de ensino” (este último em conjunto com Eliane Botelho Junqueira); organizou as coletâneas “Lições alternativas de direito
processual”, “Solução de controvérsias no Mercosul”, “O Direito no terceiro milênio” e “Ensino Jurídico para que(m)?”.
Publicou também dezenas de artigos em coletâneas e revistas especializadas. Integrou, de 1996 a 1998, a Comissão do
Exame Nacional de Cursos (“provão”) para a área de Direito. É consultor ad hoc do CNPq e das Comissões de
Especialistas de Ensino de Direito da SESU/MEC e do INEP/MEC.

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2

2 PESQUISA NO DIREITO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Para se começar a falar sobre a importância da pesquisa no ensino


superior, é importante situá-la no âmbito do Direito Educacional, tendo em vista que
muito de discute sobre a obrigatoriedade da pesquisa, principalmente no que se
refere às Instituições de Ensino Superior (IES) que não são Universidades.

Relativamente às Universidades não há qualquer dúvida, considerando


que a Constituição Federal estabelece expressamente:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica,


administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao
princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

Da aplicação desse dispositivo resta claro a obrigatoriedade de atividades


de pesquisa nas IES credenciadas como Universidades. E o espaço privilegiado
para sua efetivação tem sido os cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e
doutorado).

No que se refere à educação superior, de forma geral (ou seja, para todas
as IES, mesmo que não sejam universidades), o tema é tratado pela Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) da seguinte forma:

Art. 43 – A educação superior tem por finalidade:


[...]
III – incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da
cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio
em que vive;
[...]

Da leitura desse texto fica presente que a educação superior, de forma


geral (em IES credenciadas ou não como universidades), tem por finalidade
incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica. Ou seja, a
obrigatoriedade da pesquisa não se restringe às Universidades.

A necessidade do incentivo à pesquisa na educação superior decorre,


então, do disposto no artigo 43, inciso III, da LDB. Em nível de IES, seu Regimento e
os projetos pedagógicos de seus cursos devem estabelecer, de forma clara, como
será ele realizado. Isso significa que todo e qualquer curso superior deverá possuir

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3

atividades de pesquisa, independentemente de pertencer a Faculdade Isolada, a


Faculdades Integradas, a Centro Universitário ou a Universidade.

O que muda, de acordo com a espécie de credenciamento de cada


Instituição, é o nível de exigência, que vai da existência de programas de iniciação
científica nas IES isoladas até a exigência de programas de mestrado e doutorado
nas Universidades. A pesquisa, nesse sentido, envolve, de um lado, um princípio
educativo e, de outro, o desenvolvimento de competências e habilidades básicas
para a sua efetivação, em especial em nível da iniciação científica, e deve ser
incentivada em toda a educação superior1.

Em resumo, pode-se dizer que as IES não credenciadas como


Universidades, podem limitar-se ao seu incentivo, o que é realizável, por exemplo,
através da manutenção de programas de iniciação científica, com bolsas para
alunos2 e atribuição de carga horária para os docentes3. Já as Universidades tem o
dever de manter, de forma indissociável, atividades de ensino de ensino, pesquisa e
extensão. Relativamente à pesquisa, essa exigência é, regra geral, cumprida através
da manutenção de cursos de pós-graduação stricto sensu, sendo que nas áreas que
elas não possuírem esses programas, a pesquisa deverá ser mantida através de
outros instrumentos.

O processo educacional, para ser plenamente eficaz em sua dinâmica


formativa, deve abranger o ensino, a pesquisa e a extensão – restringindo-se a
atividades exclusivamente de ensino, torna-o meramente informativo. O sentido que
se deve emprestar a essa exigência não deve ser apenas formal (por que a lei
exige), mas sim material, implementando um processo que passe necessariamente
pela produção de novos conhecimentos e pela inserção de seus futuros operadores
na própria realidade política, econômica, social e cultural do país e, em especial, da
sua região. As determinações constantes da LDB devem ser cumpridas; nem
mesmo o CNE pode desconsiderá-las, tendo em vista o princípio da hierarquia das
leis. Cabe às IES serem criativas no cumprimento das exigências, elaborarando

1
É importante ressaltar que a LDB se refere à educação superior e não à ensino superior, exatamente porque nesse nível
as exigências não se restringem ao ensino.
2
Um programa desse tipo tem de respeitar as normas constitucionais em termos de isonomia, o que implica em estabelecer
critérios objetivos e claros de escolha dos alunos, sendo recomendável a utilização de seleção pública por prova específica
ou por análise de projeto (como ocorre no PIBIC/CNPq).
3
Relativamente ao corpo docente o incentivo pode ocorrer através da concessão de bolsa, do pagamento de carga horária
especificamente destinada ao desenvolvimento do projeto ou, em se tratando de professores em tempo parcial ou integral,
de destinação de parte da carga horária atinente ao regime de trabalho especificamente para essa atividade.

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4

modelos e programas inovadores, o que é plenamente possível frente aos princípios


de liberdade e pluralismo, como inerentes ao processo de ensino-aprendizagem 4 e,
portanto, à sua organização por parte das instituições, tendo por base diretrizes
curriculares razoavelmente flexíveis5.

Relativamente aos cursos de pós-graduação lato sensu, a Resolução


CNE/CES n.º 1/2001, ao prever para eles, em seu artigo 10, a exigência de
monografia ou trabalho de conclusão, inclui a pesquisa como sua atividade
obrigatória. Desnecessário se faz qualquer referência aos programas de mestrado e
doutorado (pós-graduação stricto sensu), cuja essência está exatamente em
estarem voltados à formação de docentes e pesquisadores.

No que diz respeito aos cursos de graduação, interessa aqui o estudo


específico do Bacharelado em Direito. Para ele as novas diretrizes curriculares,
presentes na Resolução CNE/CES n.º 9/2004, estabelecem, em seu artigo 10, a
obrigatoriedade do trabalho de curso. Essas mesmas diretrizes, em seu artigo 2º
estabelecem:

Art. 2º [...].
§ 1º O Projeto Pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
Direito, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, os seguintes
elementos estruturais:
[...]
VIII - incentivo à pesquisa e à extensão, como necessário prolongamento da
atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica;
[...]
XI - inclusão obrigatória do Trabalho de Curso.

Ainda nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em Direito,


constantes da Resolução CNE/CES n.º 9/2004, encontram-se os seguintes
dispositivos, relativamente ao perfil que se espera de seus egressos e às
habilidades e competências que devem possuir:

Art. 3º. O curso de graduação em Direito deverá assegurar, no perfil do


graduando, sólida formação geral, humanística e axiológica, capacidade de
análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada
argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e
4
Sobre esse tema ver: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. A flexibilidade e o direito educacional brasileiro. Revista
@prender, ed. 7, a. 2, n. 5, set./out. 2002, p. 26-29.
5
Diretrizes curriculares que contenham normas definidoras de determinadas formas de pesquisa e extensão, como únicas
obrigatórias e capazes de atender à exigência contida na LDB, são ilegais, pois ferem os princípios de liberdade e
pluralismo, como inerentes ao processo de ensino-aprendizagem – exemplo dessa ilegalidade é a exigência, em nível de
diretrizes curriculares, da monografia final como forma exclusiva de trabalho de conclusão de curso, desrespeitando a
autonomia da IES para a construção de seus projetos pedagógicos.

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5

sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a


capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica,
indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e
do desenvolvimento da cidadania.
Art. 4º. O curso de graduação em Direito deverá possibilitar a formação
profissional que revele, pelo menos, as seguintes habilidades e
competências:
I - leitura, compreensão e elaboração de textos, atos e documentos jurídicos
ou normativos, com a devida utilização das normas técnico-jurídicas;
II - interpretação e aplicação do Direito;
III - pesquisa e utilização da legislação, da jurisprudência, da doutrina e
de outras fontes do Direito;
IV - adequada atuação técnico-jurídica, em diferentes instâncias,
administrativas ou judiciais, com a devida utilização de processos, atos e
procedimentos;
V - correta utilização da terminologia jurídica ou da Ciência do Direito;
VI - utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de
reflexão crítica;
VII - julgamento e tomada de decisões; e,
VIII - domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e
aplicação do Direito. (grifo nosso).

Os textos legais acima mencionados e transcritos positivam a exigência


do incentivo à pesquisa em todas as etapas do ensino superior e, no caso específico
dos Cursos de Direito, institucionalizam, através das diretrizes curriculares, a
necessidade da capacitação obrigatória de seus egressos para realizarem-na (art.
4º, inc. III). A enumeração de habilidades e competências trazida pelas diretrizes
curriculares demonstra a opção por um projeto pedagógico híbrido, estruturado por
competências e conteúdos, em substituição ao projeto pedagógico tradicional,
estruturado apenas por conteúdos6. E muitas das competências e habilidades
propostas para o Bacharelado em Direito apenas podem ser desenvolvidas de forma
adequada em um processo de ensino-aprendizagem em que a pesquisa seja um
instrumento do processo como um todo e não um apêndice, alocado em um único
espaço, a Monografia Final ou o Trabalho de Conclusão de Curso. É nesse contexto
que aparece e ganha importância a Metodologia da Pesquisa, como disciplina
institucionalizada.

Entretanto, o que se percebe quando da leitura de muitos manuais de


Metodologia da Pesquisa e de muitos programas dessas disciplinas, em todos os
graus do ensino superior, é que os conteúdos, habilidades e competências

6
Sobre esse tema ver: RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Pensando do ensino do Direito no século XXI: diretrizes
curriculares, projeto pedagógico e outras questões pertinentes. Florianópolis: Fund. Boiteux, 2005.

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6

trabalhados são apenas parcialmente adequados aos objetivos mais amplos do


processo educacional. Na prática é comum perceber-se a redução da Metodologia
da Pesquisa à normalização do trabalho acadêmico: o que se ensina é como fazer
um projeto de pesquisa, como formatar o trabalho final (relatório, artigo, monografia,
TCC, dissertação ou tese) e apresentá-lo segundo as normas da ABNT. Isso tudo é
importante, mas com absoluta certeza é também muito pouco.7

Dentro de um processo de ensino-aprendizagem que se deseja seja


crítico e criativo, são as atividades de pesquisa fundamentais para o trabalho
pedagógico de interação entre teoria e prática: sem pesquisa não há análise
adequada das práticas vigentes e nem novo conhecimento que seja capaz de
modificá-las.

Para que isso ocorra a Metodologia da Pesquisa, enquanto disciplina, no


âmbito do ensino superior, deve estar voltada a desenvolver as competências
inerentes ao processo de produção de conhecimento, o que não se reduz ou
confunde com as habilidades de elaborar projetos e construir relatórios formais,
cujos conteúdos regra geral em nada contribuem para a área e, muitas vezes,
sequer para a formação do próprio acadêmico.

3 DA CONSTITUIÇÃO DO SENSO COMUM À CONSTRUÇÃO DO


CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Para se falar da pesquisa no âmbito do ensino superior, é necessário


ainda que se considere que há diferentes níveis de conhecimento e que nem todo
conhecimento deriva de atividade de pesquisa. Também que o fato de o
conhecimento ser ou não ser oriundo de pesquisa científica não lhe atribuí qualidade
inferior ou superior8. As artes em geral constituem elementos fundamentais para o

7
Em grande parte essa situação decorre de tais disciplinas terem sido entregues, na maioria das instituições, para os
departamentos de biblioteconomia. Embora o grande respeito que merecem esses profissionais, a sua tendência é
transformar a metodologia em normalização do trabalho acadêmico. Na forma como é pensada aqui a Metodologia da
Pesquisa, como estratégia do processo de ensino-aprendizagem, é absolutamente indispensável para ministrá-la que se
possua formação docente e epistemológica. Especificamente nos Cursos de Direito, essa realidade se deve também à
ausência de uma tradição de pesquisa e ao privilegiamento que os aspectos formais regra geral recebem dos profissionais
da área jurídica.
8
Ver FEYERABEND, Paul. Contra o método. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.

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7

ser humano; a elas estão vinculadas em grande parte as atividades de lazer e, como
conseqüência, a alegria e a felicidade. Também algumas áreas técnicas trabalham
com conhecimentos fundamentais para o ser humano, mas que não são produzidos
por pesquisa científica, como é o caso do Direito; não se pode, em sã consciência,
dizer que a legislação e a jurisprudência são construções científicas, embora
possam ser construções derivadas de atividade de pesquisa. Nesse sentido é
importante iniciar verificando quais são as principais espécies de conhecimento.

Considera-se senso comum aquele conhecimento que, regra geral, todos


possuem. É passado de geração em geração e não possui, necessariamente,
comprovação científica; tampouco deriva de atividade de pesquisa, embora
eventualmente essa espécie de atividade possa ter lhe dado origem. A aquisição do
senso comum se dá através dos diversos processos e instituições de socialização e
reprodução cultural, dentre os quais se pode destacar a família, a religião e os meios
de comunicação.

Por conhecimento técnico-profissional entende-se aqui o corpo de


conhecimentos necessários ao desenvolvimento de uma determinada atividade
profissional. Pode ser oriundo da pesquisa científica, como também pode não o ser.
Há muitos conhecimentos técnico-profissionais que possuem origem empírica e que
são passados de geração em geração, como a produção de ferramentas e as
técnicas agrícolas mais simples. Também é perfeitamente possível ter acesso ou
produzir conhecimento técnico-profissional através da pesquisa; mas essa pesquisa
não é necessariamente científica. Na área de Direito, quando um profissional faz um
levantamento doutrinário ou jurisprudencial para embasar os argumentos a favor da
tese jurídica a ser utilizada está fazendo pesquisa, mas não pesquisa científica.

Utiliza-se neste texto a categoria conhecimento escolar-acadêmico para


designar o conjunto de conhecimentos que são transmitidos e produzidos no âmbito
educacional. Esses conhecimentos podem possuir ou não possuir natureza
científica. Na área das artes o conhecimento transmitido e produzido não é, muitas
vezes, científico9; na área do Direito, não se pode dizer que a dogmática jurídica e a
jurisprudência sejam conhecimento científico. Então quando se faz pesquisa no
ensino superior, essa pesquisa pode ser de naturezas diversas, dependendo da
área do Curso. No caso do Direito pode-se realizar pesquisa técnico-profissional
9
Música, escultura, literatura, pintura, etc. não se realizam, necessariamente, por critérios científicos.

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8

(busca de argumentos), pesquisa escolar-acadêmica (levantamento, organização e


sistematização do conhecimento acumulado) ou pesquisa científica (produção de
conhecimento novo).

Talvez seja menos comum falar-se em conhecimento intuitivo, em


especial em um trabalho construído na e para a academia. Mas não se pode omiti-
lo. Estudos contemporâneos reforçam a existência desse sexto sentido do ser
humano. A intuição faz sentir, perceber que algo existe ou não existe, é ou não é de
uma determinada forma. Essa percepção não se dá através dos cinco sentidos; ela
aparece como uma sensação. É importante que se aprenda e escutar essas
sensações, pois podem levar a grandes descobertas. A intuição pode ser o ponto de
partida para a pesquisa, inclusive a científica. Ou seja, a intuição oferece um
determinado caminho; mas a comprovação da sua autenticidade tem ser buscada
através de instrumentos técnicos ou científicos.

Relativamente ao conhecimento científico, era ele visto, tradicionalmente,


como o conhecimento verdadeiro sobre um determinado objeto, descoberto com a
utilização do método científico. Embora essa visão ainda seja muito forte em
algumas áreas, a visão dominante hoje no campo das ciências é a de que a principal
característica do conhecimento científico é sua testabilidade: ele tem de ser público
quanto aos resultados, às hipóteses testadas e aos métodos utilizados para sua
obtenção, de forma que a sua produção possa ser reproduzida em qualquer outro
lugar por qualquer outro cientista, sendo então confirmado ou refutado. Essa visão
da ciência se deve a Karl Popper10, para quem a verdade científica é sempre uma
verdade provisória e sua característica principal a refutabilidade. É da essência do
conhecimento científico a sua produção através da pesquisa, utilizando métodos e
técnicas adequados a cada área do conhecimento.

Há também o denominado conhecimento filosófico. A Filosofia busca


sempre conhecer o objeto de forma crítica, radical e em sua totalidade.11 Nesse
sentido, o conhecimento filosófico é aquele que busca compreender os fundamentos
de um determinado objeto cognoscível ou do próprio conhecimento sobre ele. Isso
não significa que o conhecimento filosófico encontre os fundamentos verdadeiros,
10
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972. ______. Conhecimento objetivo. Belo Horizonte:
Itatiaia; São Paulo: USP; 1975. ______. A lógica das ciências sociais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: UnB; 1978.
______. A lógica da investigação científica. Três concepções acerca do conhecimento humano. São Paulo: Abril, 1980. (Os
Pensadores). ______. Conjecturas e refutações. Brasília: UnB, s.d. p. 63-94; p. 367-77.
11
OLIVEIRA, Admardo Serafim de et. al. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Loyola, 1990.

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9

tanto que existem várias escolas filosóficas e várias explicações filosóficas para um
mesmo fenômeno. O conhecimento filosófico pode nascer em qualquer espaço,
sobre qualquer objeto e a qualquer momento. Sua essencialidade está em impedir a
dogmatização de qualquer um dos demais conhecimentos. A Filosofia é, por
essência, anti-dogmática; se se tornar dogmática, Filosofia não é.

Para encerrar é importante lembrar que todas as formas de conhecimento


podem ser transformar em conhecimento dogmático, que é aquele que se coloca
como um dogma inquestionável; como uma verdade absoluta. Um exemplo claro
dessa forma de conhecimento é o conhecimento religioso que, regra geral, não
aceita contestação. Mas não é apenas a Religião que pode ser dogmatizada: em
muitos momentos a Ciência e a Filosofia apresentam seus conhecimentos como
absolutos e definitivos, o que é a negação de suas próprias essências.

Nesse sentido, todo conhecimento deve ser visto como construção e


reconstrução, pelo ser humano, de um determinado objeto ideal, natural ou cultural.
Em razão disso, é sempre produção, não a captação contemplativa de qualquer
essência. O ser humano só conhece a realidade na medida em que a cria.

Entende-se que todo objeto do conhecimento está em constante


construção12, não estando colocado na natureza como um dado. O objeto
cognoscível é construído a partir do próprio processo de conhecimento, através do
método de abordagem utilizado, que delimita os parâmetros da realidade,
respaldado por sua construção epistemológica. Todo dado e todo objeto de análise
são construídos. Portanto toda teoria efetuada sobre eles se caracteriza por ser um
conhecimento aproximado, retificável, e não o reflexo dos fatos.

A pesquisa é hoje a forma privilegiada de produção de conhecimento.


Inclui a busca do e o acesso ao conhecimento já produzido, sua organização e
sistematização e, quando se tratar de pesquisa científica, a produção de
conhecimento novo. A pesquisa se constitui, portanto, em um processo específico
de apropriação e de produção do conhecimento, exigindo, para a sua adequada
efetivação, a aquisição de habilidades e competências próprias e a utilização de
métodos e técnicas pertinentes.

12
Sobre a questão da construção do objeto da ciência ver, de BACHELARD, Gaston, O racionalismo aplicado e A
epistemologia.

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10

4 ETAPAS DA PESQUISA COMO PROCESSO


INSTITUCIONALIZADO

A pesquisa como atividade acadêmica formal, tal qual se apresenta na


educação superior e é exigida pelos principais órgãos de fomento, pressupõe uma
estrutura seqüencial, que obedece, em termos gerais, às seguintes etapas:

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11

Escolha do tema

MOMENTO PREPARATÓRIO Especificação e delimitação do tema

Formulação do problema, das hipóteses e das


(Planejamento da pesquisa) variáveis (quando for o caso)

Levantamento inicial de dados, documentos e


bibliografia

Elaboração do projeto de pesquisa

Levantamento complementar de dados,


informações, documentos e bibliografia
MOMENTO OPERACIONAL
Análise de dados e documentos e leitura da
(Execução da pesquisa e estruturação bibliografia
das idéias) Crítica dos dados, documentos e bibliografia;
reflexão pessoal

Redação inicial do relatório / trabalho

MOMENTO REDACIONAL E Revisão do relatório / trabalho


COMUNICATIVO
Redação definitiva do relatório / trabalho
(Apresentação dos resultados da Defesa pública do relatório / trabalho, quando for
pesquisa) o caso

Publicação dos resultados da pesquisa

O que se percebe dentro do processo educacional contemporâneo é um


privilegiamento dos momentos inicial e final: privilegia-se o planejamento (projeto de
pesquisa) e o relatório (documento escrito final). O momento intermediário que é o
da efetivação da pesquisa em si fica abandonado.

O grande problema desse tratamento dado à Metodologia da Pesquisa é


que ele é extremamente formalista. Preocupa-se fundamentalmente com a produção
material e formal dos documentos que dão origem à pesquisa e a relatam, mas
abandonam a pesquisa em si: o processo de localização, recuperação, leitura,
compreensão, análise, interpretação, ordenação, sistematização e reelaboração do
conhecimento acumulado e de produção do conhecimento novo.

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12

E como não há preocupação com esse momento, que é aquele que


deveria ser privilegiado, na prática não se tem pesquisa no ensino superior, pelo
menos na área de Direito. O que se tem é apenas um “recorta e cola” de manuais,
que sequer deveriam ser utilizados como fonte de pesquisa, fosse ela séria.

É necessário que se veja a pesquisa como inerente ao processo


educacional, como o principal instrumento de aprendizagem no ensino superior. Isso
exige uma mudança de postura frente à disciplina, que deve ser colocada no início
do curso e possuir grande parte do seu espaço temporal destinado ao como fazer
pesquisa13, desenvolvendo as competências e habilidades relativas a esse saber
fazer e que incluem, dentre outras:

a) capacidade de localizar e selecionar as informações;


b) capacidade de ler e compreender as informações;
c) capacidade de analisar e interpretar as informações;
d) capacidade de ordenar e sistematizar as informações;
e) capacidade de, a partir das informações trabalhadas, elaborar ou
reelaborar o conhecimento respectivo;
f) capacidade de, quando se tratar de pesquisa científica (exigência dos
Programas de Doutorado) construir, a partir das informações
trabalhadas, novo conhecimento.

É preciso também, de forma diversa do pensamento cartesiano14,


entender, como propõe Edgar Morin15, que o conhecimento pertinente deve ser
produzido considerando:

a) o contexto: as informações e os dados apenas adquirem sentido


dentro de seu contexto;

13
Regra geral o aprender pressupõe o fazer, exigindo atividades práticas reais, ou seja, estratégias pedagógicas específicas.
14
Conforme René Descartes (Discurso do método. São Paulo: Abril, 1979. p. 37-38. Os Pensadores.), os quatro princípios
básicos que compõe o método adequado ao conhecimento são:
“O primeiro era de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse evidentemente como tal; isto é,
de evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão
clara e tão distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, o de dividir.cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas parcelas quantas possíveis e quantas
necessárias fossem para melhor resolvê-las.
O terceiro, o de conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma
certa ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros.
E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de nada
omitir.”
15
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco; 2000.

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13

b) o global: as informações somente podem ser corretamente


compreendidas quando se compreende as relações entre o todo e as
partes – é preciso recompor o todo para conhecer as partes;

c) o multidimensional: o ser humano é ao mesmo tempo biológico,


psíquico, social, afetivo, racional e espiritual16; a sociedade comporta
as dimensões histórica, econômica, sociológica, religiosa, entre muitas
outras – o conhecimento pertinente deve reconhecer esse caráter
multidimensional e nele inserir esses dados;

d) o complexo: quando as diversas categorias de construção da


realidade estão interligadas, ou seja, são diferentes mas interligadas,
interativas, interdependentes, tem-se a complexidade, que é a união
entre a unidade e a multiplicidade – o conhecimento pertinente deve
enfrentar essa complexidade.

Além disso, a pesquisa, na área do Direito, precisa ser vista em suas


várias dimensões, incluindo necessariamente a pesquisa técnico-profissional. E em
todas elas, para que seja adequada, não pode ser confundida com a simples leitura
e compilação de manuais escolares e a coletânea, sem critérios, de jurisprudências.

A pesquisa do operador do Direito é uma pesquisa pragmática, com


objetivos definidos.17 Nela não se buscam confirmar hipóteses, mas sim encontrar
argumentos para sustentar a hipótese que vai ser utilizada e defendida – é pesquisa
argumentativa, não prova verdades, defende posições.

A pesquisa dos operadores do Direito é sempre comprometida com algum


argumento que se pretende defender, mas é pesquisa, sim! E é essa
pesquisa, principalmente essa pesquisa, que os alunos precisam aprender a
fazer nas Faculdades de Direito, pois a grande maioria dos que trabalharem
com Direito [...] será operador de Direito.18

Na pesquisa jurídica a hipótese é sempre confirmada, porque em Direito


não de descobre, se justifica. E isso não é pesquisa científica; mas é a pesquisa que
tem sentido para o mundo do Direito. Entretanto é exatamente aquela que não é
trabalhada nas disciplinas de Metodologia da Pesquisa.

16
Essa dimensão não consta da obra de Edgar Morin e está aqui incluída tendo em vista as posições pessoais do autor deste
artigo.
17
Conforme Eliane Junqueira, na lista de discussão da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi), durante um
debate ocorrido sobre a pesquisa nos cursos de Direito, no segundo semestre de 2004.
18
Eliane Junqueira, na lista de discussão da Associação Brasileira de Ensino do Direito, durante um debate ocorrido sobre a
pesquisa nos cursos de Direito, no segundo semestre de 2004.

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14

5 CONCLUSÃO

A pesquisa jurídica possui características específicas; é necessário


portanto que no Curso de Direito o estudante aprenda a realizá-la de forma
adequada. Para isso são necessários alguns passos importantes:

a) superar a idéia de que só é conhecimento pertinente o conhecimento


científico e de que somente é pesquisa a pesquisa científica;

b) superar a idéia de que o Direito é uma ciência; o Direito, como


conjunto normativo não é ciência; e é mesmo discutível que possa ser
objeto de análise científica;

c) evitar a simples transposição de modelos metodológicos de outras


áreas; é necessário adequá-los à realidade da área do Direito, bem
como buscar alternativas próprias, adequadas ao tratamento de seu
objeto específico;

d) superar a visão dominante nas disciplinas de Metodologia da


Pesquisa, que confundem pesquisa com normalização; e

e) priorizar, nessas disciplinas, o fazer pesquisa, superando a atual


limitação de seus conteúdos nas questões da elaboração de projetos e
de relatórios.

Relativamente ao Trabalho de Conclusão de Curso, é necessário


perceber que ele ocorre no momento de saída do Curso; e não deve ser esse o
momento para se aprender a fazer pesquisa, mas sim para consolidar a capacidade
de fazer pesquisa, aprendida e desenvolvida durante todo o curso. E essa
capacidade de fazer deve estar vinculada às exigências profissionais da área para
um egresso do curso de graduação.

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ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

E s t u d o Dirigido

Roteiro didático de elaboração


de projetos de pesquisa em Direito
Túlio Lima Vianna

"Toda longa caminhada começa Penal, Direito Processual Penal, Criminologia, Na realidade, muitos dos pretensos traba-
com um primeiro passo. " etc; optando por Direito Penal, deverá escolher lhos científicos produzidos em nossas universi-
Provérbio chinês entre Teoria do Delito, Teoria da Pena, Execução dades não passam de manuais ou resumos da
Penal, etc. e assim sucessivamente, até delimitar matéria objeto de estudo sem qualquer caráter

A recente obrigatoriedade de apresentação


de monografias de final de curso como re-
quisito para a conclusão do curso de gra-
duação em Direito, bem como a proliferação dos
cursos de Pós-Graduação lato sensu no país,
a sua perspectiva de estudo.
Muitas vezes, o aluno deseja trabalhar a
partir de dois ou mais ramos do conhecimento
humano. Nestas hipóteses, o trabalho poderá ser
multidisciplinar (análise do tema sob a perspec-
inovador. Evidentemente, tais obras têm uma
grande importância como material didático, mas
decididamente não é esta a finalidade das teses,
dissertações e monografias de final de curso, que
necessariamente devem propor uma solução para
gerou uma enorme demanda por trabalhos de tiva de dois ou mais ramos do conhecimento), um problema previamente definido.
metodologia de pesquisa. interdisciplinar (análise do tema sob a perspecti- A escolha do tema-problema deverá pau-
A grande maioria desses trabalhos, po- va de dois ou mais ramos do conhecimento, rela- tar-se pelo binômio interesse-capacidade pesso-
rém, parece dar mais ênfase às lombadas dos cionando-os entre si) ou mesmo transdisciplinar al e social na resolução do problema.
livros que ao seu conteúdo e não raras são as (análise do tema sob a perspectiva de dois ou Assim, quatro perguntas básicas deve-
bancas examinadoras que se limitam à discussão mais ramos do conhecimento, dando origem a um rão ser respondidas positivamente para que
de aspectos formais da obra - como formatação novo, distinto dos anteriores). o tema possa ser eleito com acerto:
de margens, notas de rodapé, bibliografia, etc. - Selecionada(s) a(s) área(s) do conhecimento
sem sequer tecerem considerações sobre o con- em que o aluno pretende trabalhar, deverá ele - Tenho interesse no problema? (curiosidade
teúdo do trabalho. escolher um problema a ser solucionado naquela pessoal e/ou profissional em relação ao problema)
Fugindo desta tendência muito em moda área do saber. O pesquisador deve se sentir atraído pelo
na academia, procuramos tratar aqui - ainda que A pesquisa jurídica não é mera compila- problema proposto. Sua curiosidade quanto ao
muito sucintamente - dos principais elementos ção do conhecimento adquirido por seu autor, tema de estudo pode provir de interesses pesso-
de um projeto de pesquisa que resulte não em mas envolve necessariamente a criação de solu- ais ou profissionais. Para um policial, a pesquisa
um trabalho final burocrático - mero pré-requi- ções novas a serem incorporadas à doutrina naci- em Direito Penal pode ser atraente por sua expe-
sito da conclusão do curso - mas em conclusões onal. Oportuna é a lição de Celso Albuquerque riência profissional; para um aficcionado em com-
de real contribuição para a literatura jurídica na- Mello: putadores, um trabalho transdisciplinar envol-
cional. vendo o Direito Penal e.a Informática será um
"A meu ver existem duas categorias de tema irresistível.
juristas: os criadores de novas teorias e os
O problema: o que pesquisar? sistematizadores que tentam classificar e - Sou capaz de resolver o problema? (conhe-
aprofundar o trabalho dos primeiros. Contu- cimento e experiência em relação ao problema)
A eleição do tema da pesquisa deverá ini- do, em países atrasados como o Brasil, há ain- O pesquisador deve propor um problema
ciar-se pela área do conhecimento humano na da espaço para uma categoria, cujos integran- que tenha maior facilidade em resolver por seus
qual o aluno pretende trabalhar. Quanto mais tes não podem ser denominados juristas, que conhecimentos e experiência anterior à pesquisa.
específica for a área escolhida, mais fácil será são os 'divulgadores de Direito'. Ela existe Por mais que alguém se interesse por computa-
para o pesquisador encontrar seu objeto de pes- devido à ausência de bibliotecas públicas, o dores, certamente não poderá realizar um grande
quisa. preço elevado dos livros estrangeiros, bem trabalho em Direito Informático se não tiver o
Assim, o aluno que deseja pesquisar em como poucos estudantes lêem língua estran- mínimo de conhecimento em Informática. Na elei-
Ciências Penais deverá escolher entre Direito geira."1 ção do problema a ser pesquisado vale a lei do

66 - Justilex - Ano II - Nº 13 - Janeiro de 2003


Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
mínimo esforço: o pesquisador deverá optar por Os objetivos: A metodologia: como pesquisar?
temas em que seus conhecimentos prévios lhe
possam ser úteis. para que pesquisar?
Nesta parte do projeto o pesquisador de-
O objetivo geral da pesquisa científica é verá demonstrar como irá testar a veracidade de
- Há interesse social na resolução do proble- sua hipótese de trabalho.
ma? (originalidade e relevância social) oferecer uma resposta ao problema que é o nú-
cleo da investigação, testando a veracidade da Para tanto, deverá estabelecer um marco
O pesquisador deve propor problemas teórico e definir se sua estratégia de pesquisa
originais, pois de nada adianta escolher um tema hipótese de trabalho.
Os objetivos específicos da pesquisa, por será dogmática ou empírica.
exaustivamente discutido na doutrina. Um pro-
blema que pode ser solucionado através de uma outro lado, são as perguntas secundárias a que o
simples pesquisa doutrinária ou jurisprudencial pesquisador deverá responder, cujas respostas
não é adequado para ser objeto de uma pesquisa. conjuntas levará à consecução do objetivo geral. Marco teórico
Na academia são comuns "modismos" em Tradicionalmente os objetivos - geral e
relação aos temas de pesquisa o que, muitas ve- específicos - vêm expressos através de verbos Na academia a expressão "marco teórico"
zes, acaba originando inúmeros trabalhos com no infinitivo. é utilizada muitas vezes para designar o autor
conclusões absolutamente idênticas, nada acres- O objetivo geral nada mais é do que o pro- cujas idéias mais influenciaram o pesquisador em
centando à literatura jurídica já existente. Por outro blema redigido sobre a forma de ação: "analisar a sua formação. Assim, se diz que "meu marco
lado, toda pesquisa tem uma função social que viabilidade da descriminalização do uso de ma- teórico é Kelsen", "meu marco teórico é
não pode ser desprezada. Por mais que o proble- conha no Brasil do século XXI". Habermas", etc.
ma "pode o crime de adultério ser cometido pela Os objetivos específicos são ações a se- Marco teórico, porém, é uma concepção
Internet?" possa despertar curiosidade no pes- rem realizadas pelo pesquisador, que tornarão teórica da realidade concebida ou consagrada na
quisador, sem dúvida seu interesse social é míni- possível alcançar o objetivo geral: "1) identificar obra de determinado pensador.
mo. A solução do problema deve ser socialmente as origens históricas da criminalização da maco- As pesquisas jurídicas sempre retomam
útil. nha no Brasil; 2) identificar os efeitos da droga uma série de conceitos que necessitam de um
no organismo humano; 3) avaliar os aumento dos fundamento teórico de apoio: crime, democracia,
- A sociedade em que vivo me oferece recur- gastos com a saúde após a descriminalização da soberania, cidadania, direito, justiça, etc.
sos para solucionar o problema? (bibliografia, droga; 4) avaliar o decréscimo da violência urba- Se cada pesquisador precisasse desenvol-
financiamento, possibilidade de coletar dados, na após a descriminalização da droga; etc". ver seus próprios conceitos, a pesquisa certa-
prazo para apresentar os resultados, etc) mente não evoluiria. Assim, o pesquisador parte
O pesquisador deve analisar se dentro do pressuposto de que a concepção teórica de
do contexto social em que irá pesquisar será A justificativa: por que pesquisar? determinado autor sobre aquele conceito é sufi-
viável alcançar a solução do problema. Se sua cientemente adequada.
proposta for pesquisar o Direito Penal de A justificativa é a fase do projeto na qual Ao indagar-se sobre a "viabilidade da
Cabo Verde, deverá certificar-se se terá aces- o pesquisador irá expor quais elementos dentro descriminalização do uso de maconha no Brasil
so à legislação e a livros doutrinários daquele do binômio interesse/capacidade pessoal e social do início do século XXI", o pesquisador terá
país. Se necessitar de verbas ou de autoriza- foram decisivos na eleição do seu tema de estudo. como ponto de partida para solucionar o seu
ções para coletar dados, deverá ter certeza de Evidentemente, o principal elemento a ser problema o conceito de crime que certamente
poder obtê-los. explicitado aqui é o interesse social na solução do será decisivo no rumo da pesquisa. Se seu marco
Por fim, deverá lembrar-se de que sua problema, pois será a partir dele que o orientador, teórico for juspositivista, sua concepção de cri-
pesquisa não poderá durar eternamente e a universidade e as agências de financiamento irão me será diversa da de um jusnaturalista, que tam-
portanto seu tema deverá necessariamente decidir se há ou não interesse institucional em se bém será diferente da de um criminólogo crítico.
estar delimitado principalmente quanto ao concretizar o projeto. Assim, pesquisadores com marcos teóri-
objeto, quanto ao tempo e quanto ao espa- O pesquisador, nesta fase, deverá iniciar cos diferentes, muitas vezes, usarão métodos de
ço. Assim, em vez de indagar-se se "a explicitando o "estado da arte", ou seja, o atual pesquisa bastante semelhantes, mas chegarão a
descriminalização das drogas é viável?" estado das pesquisas científicas sobre o tema. É resultados absolutamente diversos, já que o ponto
melhor seria q u e s t i o n a r - s e se "a importante que se faça uma revisão da literatura de partida da análise é distinto.3
descriminalização do uso de maconha é vi- existente, comentando sucintamente as princi- Definido o marco teórico, deverá o pes-
ável no Brasil do início do século XXI?" 2 pais obras que tratam direta ou indiretamente do quisador optar entre uma pesquisa jurídico-teó-
Delimitado o tema-problema, deverá o tema proposto. rica ou um trabalho empírico.
pesquisador oferecer uma resposta provisória à Em seguida, necessário se faz demonstrar
sua indagação: "sim, a descriminalização do uso a relevância social do problema, explicitando-se
da maconha é perfeitamente viável no Brasil do nesta fase o que já foi comentado anteriormente Pesquisa jurídico-teórica
início do século XXI". quanto ao interesse social na resolução do pro-
A esta resposta provisória que é dada ao blema. É uma estratégia de pesquisa que tem por
problema denomina-se hipótese e sobre ela o Em síntese, será nesta fase que o pesqui- objeto a análise da norma jurídica isolada do con-
pesquisador irá traçar seu objetivo que, em últi- sador irá "vender seu peixe", ou em uma lingua- texto social em que se manifesta.
I ma análise, será testar a veracidade ou não da gem mais acadêmica, demonstrar ao leitor o real Esta concepção baseia-se na análise do
I resposta previamente apresentada. interesse social de seu projeto de pesquisa. dogma jurídico, que é um ponto fundamental

Ano II - Nº 13-Janeiro de 2003 - Justílex - 67


Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
ESPAÇO UNIVERSITÁRIO

Estuclo D i r i g i d o

apresentado como certo e indiscutível, cuja ver- Nem sempre, porém, é possível obter Evidentemente, na fase do projeto, não
dade se espera que as pessoas aceitem sem ques- os dados de forma direta, através dos proce- há necessidade de o pesquisador ter acesso
tionar: a lei, a jurisprudência, os costumes, os dimentos acima. Assim, na pesquisa empírica, físico às obras, muito menos de adquiri-las.
princípios gerais do Direito, etc. poderá o pesquisador valer-se de dados obti- Deverá, no entanto, ter as referências com-
O Direito deverá ser pesquisado en- dos indiretamente que podem ser encontra- pletas das obras que futuramente poderá con-
quanto ciência pura e, portanto, isolado dos dos em livros, em artigos de periódicos e em sultar devidamente formatadas no padrão
elementos sociais que se relacionem com o todo e qualquer material bibliográfico impresso ABNT. Atualmente, é indispensável a con-
problema pesquisado. ou informático. sulta através da Internet às bibliotecas das
O único objeto válido para este tipo de Ainda que o ideal - até por uma ques- principais Faculdades de Direito do Brasil,
pesquisa jurídica é o dogma, daí porque a pes- tão de confiabilidade dos dados - seja obter bem como à base de dados da Biblioteca do
quisa teórica pode muito bem ser denominada os dados diretamente, vale lembrar que o pes- Senado Federal 6 .
de dogmática. quisador empírico não necessita obrigatoria-
A solução do problema não é buscada mente realizar trabalhos de campo, pois mui- Conclusões
no mundo fático, mas é concebida na mente tos dos dados da realidade social, política e
do pesquisador a partir da análise dos dogmas econômica de seu problema podem perfeita- Evidentemente, não tivemos a preten-
jurídicos no tempo (História do Direito) e no mente ser encontrados em material bibliográ- são de nestas breves linhas esgotar o assunto,
espaço (Direito Comparado). fico das mais diversas fontes. mas tão-somente de oferecer os primeiros
Trata-se de uma concepção formal do O que caracteriza a pesquisa empírica subsídios à elaboração de um projeto de pes-
Direito que é entendido como ciência inde- não é a coleta dos dados, mas sim a postura quisa original.
pendente das demais ciências sociais e, por do pesquisador em relação ao objeto da pes- Esperamos ter despertado o interesse
conseguinte, dotada de autosuficiência quisa: enquanto na pesquisa teórica a solução daqueles que darão os primeiros passos na
metodológica e técnica. do problema encontra-se no dogma, na pes- trabalhosa, mas sempre instigante, pesquisa
Vê-se claramente que a pesquisa jurí- quisa empírica deverá o pesquisador buscá-la jurídica.
dico teórica é uma pesquisa de gabinete, na realidade social.5
construída em uma torre de marfim e abso- NOTAS
lutamente alienada quanto à realidade soci-
al, econômica e política da sociedade para a 1 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de
O cronograma: Direito Internacional Público. 13§ed. Rio de Janei-
qual o dogma jurídico está sendo construído.
O pesquisador crítico deve, pois, evi-
quando pesquisar? ro: Renovar, 2001. p. 38. O Prof. Celso Mello se
coloca entre os "divulgadores do Direito", o que só
tar uma análise exclusiva dos dogmas jurídi- se justifica pela infinita humildade do mestre
cos, procurando as respostas do seu proble- Como já foi dito anteriormente, nenhu-
ma pesquisa pode prolongar-se indefinida- internacionalista, haja vista o inegável conteúdo ci-
ma não só na lei, na doutrina ou na jurispru- entífico de sua obra.
dência, mas principalmente na realidade soci- mente no tempo. Assim, necessário é que o
2 Sobre o tema-problema e sua delimitação cf.
al onde está inserido seu objeto de estudo. pesquisador estabeleça um cronograma no qual
PEREIRA, Lusia Ribeiro. VIEIRA, Martha Louren-
especificará quanto tempo levará na realiza-
ço. Fazer pesquisa é um problema? Belo Horizon-
ção de cada etapa de sua pesquisa. te, Lápis Lazúli, 1999. 39p.
Em geral este cronograma é apresenta- 3 Para maiores detalhes sobre o marco teórico cf.
do através de uma tabela na qual as colunas GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa. DIAS, Maria
Pesquisa empírica representam os meses em que será realizada a Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica:
pesquisa e as linhas, as tarefas a serem con- teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
É uma estratégia de pesquisa que tem cluídas. p.55
por objeto a análise da norma jurídica no Dentre outros itens, deverão constar no 4 Sobre os diversos procedimentos da pesquisa
contexto da realidade social em que se ma- cronograma: levantamento bibliográfico, ob- empírica cf. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa.
nifesta. servações, entrevistas, transcrição das entre- DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pes-
Por esta concepção, deverá o pesquisa- vistas, análise das entrevistas, leitura do ma- quisa jurídica: teoria e prática. Belo Horizonte: Del
dor analisar uma série de fatores econômicos, Rey, 2002. p. 100
terial bibliográfico, cruzamento de dados, re-
políticos e sociais e a partir destas 5 Sobre as diferenças da pesquisa jurídico teórica e
dação preliminar do texto, discussão do texto
constatações empíricas, estabelecer a solução da pesquisa empírica cf. WITKER, Jorge. Como
preliminar com o orientador, redação final do elaborar una tesis en derecho: pautas metodológicas
do problema pesquisado. texto, revisão e edição final. y técnicas para el estudiante o investigador del
Parte-se do "ser" para se alcançar o "de-
Derecho. s/l: Civitas, s/d. p. 85-120.
ver ser"; do "real" para o "ideal"; por isto, é
6 Os endereços eletrônicos destas bibliotecas po-
uma concepção realista de pesquisa jurídica.
A observação direta (espontânea ou
A bibliografia preliminar: dem ser obtidos em: www.tuliovianna.org

dirigida), a coleta e análise de documentos, de onde pesquisar?


legislações, jurisprudência, etc, a aplicação de Túlio Lima Vianna
questionários (abertos ou fechados) e as en- Para encerrar o projeto de pesquisa, o Professor de Direito Penal da
trevistas (espontâneas ou dirigidas)4 são al- pesquisador deverá listar toda a bibliografia Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
guns dos principais procedimentos da pes- que potencialmente irá utilizar na realização Mestre em Ciências Penais pela
quisa jurídica empírica. do trabalho. Universidade Federal de Minas Gerais

68 - Justilex - Ano II - Nº 13 - Janeiro de 2003


Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
A pesquisa eiD Direito:
UID sobre a pesquisa
eiD grupo, o
''Sprechstunde'' e a iniciação
científica na pós-1nodernidade 1
Cláudia Lima Sfía'lques
Doutora em Direito (Heidelberg), Mestre em Direito (Tübingen), Especialista em Integração
Européia (Saarbrücken), Alemanha, Prof. Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Depto. de Direito Público e Filosofia do Direito.

"... any viable education theory has to begin with a language that links schooling to democratic
public life, that defines teachers as engaged intellectuals and border crossers, and develops fonns of
pedagogy that incorporate difference, plurality, and the language of the everyday as central to the
production and legitimation of leaming.... Postmodem educational criticism offers the opportunity for a
discursive practice, works in the interest of mankind... aclawwledging difference as the basis for a public
philosophy that rejects totalizing theories that view the Other as a deficit, and providing the basis for
raising questions the dominant culturefinds too dangerous to raise." (ARANOWI17JGIROUX,Postmodem
Education- Politics, Culture & Social Criticism, University ofMinnesotaPress, Minea)xllis, 1993, p. 187 e 188).

lntJ:odução
• inquietude, a curiosidade, o interesse brir a solução de um caso ou um problema da
peio são características normais de quem vida, para reconstruir o respeito e a admiração
está a aprender, de quem está desenvolvendo e pelas descobertas e caminhos dos juristas que
acumulando conhecimentos, como os alunos nos antecederam, para conhecer e acompanhar
de Direito de qualquer Universidade brasileira. as novas descobertas e os novos caminhos dos
Penso ser possível direcionar e utilizar esta for- juristas de hoje, para desenvolver uma visão
ça de inquietude e de dúvida para a pesquisa própria da realidade, para admirar e descortinar
científica, para a beleza da descoberta e da ex- a lógica - racional ou sentimental- das atuais
plicação da realidade, para o prazer de construir soluções jurídicas para os velhos e novos con-
o pensamento, de desenvolver o raciocínio crí- flitos e problemas de nossa sociedade.
tico, dedutivo ou indutivo, o prazer de desco-

1
Trabalho apresentado no IX Encontro Nacional do CONPEDI -Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Direito, PUC-RIO, no dia 19 de setembro (GTR4-Cooperação Interinstitucional e Programa Simon Bolívar)
e discutido no dia 20 de setembro (GTEl-Direito Internacional e Integração regional: os efeitos da globalização).
A autora gostaria de agradecer (e homenagear) ao Prof. Michael R. Will e ao Programa DAAD/CAPES pelo apoio
recebido durante meu aprendizado na Alemanha.
Réf;ista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 63

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
64 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 65

Pesquisar é pensar, refletir, ler, discutir, tas atuais com uma visão pós-moderna. 4 Quem dernos, 7 mister construir em atitude afirmati- relatar aqui um pouco a forma, o método, as
perguntar, criticar, descobrir, enfim, é buscar uma sabe, assim poderei contribuir um pouco para va,8 recusando-se a sermos nós, juristas-pes- dificuldades e os resultados deste trabalho de
visão, uma explicação, uma idéia, uma solução uma - a meu ver, ainda necessária - reconstru- quisadores, mais um instrumento de exclusão e pesquisa em grupo na Faculdade de Direito da
para as perguntas e problemas que nos movi- ção e redirecionamento de nossos próprios pre- de preconceito em relação aos nossos colegas, UFRGS. Este testemunho tem como finalidade
mentam e interessam; é construir, formar e or- conceitos em relação à pesquisa em Direito e à das Universidades e das Instituições da socie- não só abrir a metodologia que desenvolvi para
ganizar um pensamento (próprio ou não); é al- pesquisa realizada em nossas Faculdades de dade,9 pesquisadores em Direito (Parte I). A ensinar a pesquisar e que denominei
cançar um resultado que apazigúe ou que con- Direito. segunda parte será dedicada aos problemas e "Sprechstunde", mas principalmente, como
firme a inquietude inicial. dificuldades de se "ensinar a pesquisar em Di- se trata de um caminho misto, altamente in-
Neste sentido, gostaria de dividir minhas
fluenciado pelos métodos alemães e não-
Se pesquisar em Direito é algo tão sim- reflexões em duas partes. A primeira analisan- reito". Em nossa realidade acadêmica, a pesqui-
convencionais no Brasil, de ajudar a refle-
ples e hermenêutico, quase natural e intrínseco do a pesquisa em Direito na Universidade e as sa extraclasse de estudantes, a pesquisa de ini-
tir sobre a necessária abertura de espírito
a nossa ciência, porque é tratado como algo tão dificuldades de pesquisar hoje em Direito, cons- ciação científica, sem finalidade de nota ou para
em relação aos esforços dos colegas em ini-
complexo, egoístico e exclusivo de poucos? As cientes da crise da pós-modernidade. 5 A reali- trabalhos de conclusão, é ainda muito pouco ciação científica e em ensino da pesquisa.
explicações são muitas, de jogos de poder, 2 à dade é que, na Universidade e nas outras ciên- realizada no país. Como tive a sorte e o privilé- Talvez, assim, possamos refletir um pouco
influência do positivismo e do empirismo em cias, considera-se pouco a pesquisa realizada gio de ter sido pesquisadora-junior da Univer- sobre o norinal "egoísmo" dos professores-
nosso pensamento científico. 3 Parece-me útil, em Direito. Mister, pois, refletir o porquê deste sidade de Saarlandes, do Instituto Max-Planck, pesquisadores e do "fechamento" da
pois neste IX Encontro Nacional do CONPEDI preconceito contra a pesquisa jurídica, mister na Alemanha e do Instituto Suíço de Direito redoma da pesquisa. 10 Talvez, assim, pos-
-Conselho Nacional de Pesquisa em Direito, re- defender a pluralidade de métodos em pes- Comparado, e, como desde minha entrada na samos iniciar uma contratendência, de tra-
fletir sobre esta pergunta e, analisar as respos- quisa,6 especialmente em tempos pós-mo- Universidade Federal do Rio Grande do Sul,\h4 balho mais cooperativo, interdisciplinar, em
10 anos, tenho trabalhado em iniciação científi- grupo, respeitoso das diferenças e da
ca e pesquisa em grupo, penso poder contri- pluralidade atual, em uma espécie de
2
Assim TRINDADE, Hélgio, Universidade, Ciência e Poder, in Universidade em ruínas, 2ed., Ed. Vozes, 2000, buir à discussão com um testemunho. Quero "criticismo educacional pós-moderno" 11
p. 14 a 21.
3
Assim ensina SAMAJA, Juan, Apartes de la metodologia a la refexión epistemológica, in in La posciencia-El
conocimento cientifico en las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires,
2000, p. 151. 7
Defendo a idéia que a crise da pós-modernidade no Direito advém também da modificação dos bens economica-
4
Esta análise pós-moderna é uma homenagem ao mestre orientador de Doutorado, Prof. Dr. Dr.h.c. Erik Jayme, mente relevantes, que na idade média eram os bens imóveis, na idade moderna, o bem móvel material e que na idade
da Universidade de Heidelberg, que em seu brilhante curso de Haia lançou sua teoria dos reflexos da pós-modernidade atual seria o bem móvel imaterial ou o desmaterializado "fazer" dos serviços, do software, da comunicação, do
no direito. Veja JAYME, Erik, ldentité culturelle et intégration: Le droit internationale privé postmoderne - lazer, da segurança, da educação, da saúde, do crédito. Se só este bens imateriais e fazeres que são a riqueza atual,
in: Recueil des Cours de I' Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, pg. 36 e seg. os contratos que autorizam e regulam a transferência destas "riquezas" na sociedade também têm de mudar, evoluir
5
Sobre os reflexos da atual pós-modernidade, na pesquisa e na ciência do Direito, veja meu artigo A crise cientifica do modelo de dar da compra e venda para modelos novos de serviços e dares complexos, adaptando-se a este
do Direito na pós-modernidade e seus reflexos na pesquisa, in Cidadania e Justiça-Revista da AMB, ano 3, n. 6 desafio desmaterializante "pós-moderno". Veja nosso livro, Contratos, p .. 89 e seg. Os sociólogos preferem
(1999), p. 237 e seg. (republicado na Revista Arquivos do Ministério da Justiça) e no livro de Anais da Conferên- estudar o fenômeno na mudança dos meios de produção: pré-industrial, industrial e pós-industrial ou
cia , Rumos da Pesquisa-Múltiplas Trajetórias , Organizadoras Maria da Graça KRIEGER e Marininha Aranha informacionalismo (informationalism), veja Castells analisando os ensinamentos de Tourraine, CASTELLS,
ROCHA, Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa!Ed.UFRGS, 1998, p. 95 a 108. Manuel, The rise of the network society, vol. I, The lnformation age: economy, society and culture, Blackwell,
6
Inspiro-menestetrabalhonolivrodeARANOWI1ZeGIROUX(ARANOW11Z,StanleyeGIROUX,Henry A.,Postmodem Massachusetts, 199611999, p. 14 e seg.
Education - Culture & Social Criticism, University of Minnesota Press, Mineapolis, 1993) que demonstra como os 8
Segundo ROSENAU, Pauline Marie, Post-modernism and the social sciences, Princeton Uni v. Press, Princenton,
paradigmas pós-modernos, como o pluralismo e o fim das metanarrativas absolutas e universais para todas as ciências (como 1992, p. 117. Na classificação de ROSENAU, p. 53, seriam "skeptical" pós-modernos, para contraponto aos
por exemplo, o fim da tradicional metarrativa da necessidade do uso de métodos empíricos para uma pesquisa ser considerada "affirmative" pós-modernos (ROSENAU p. 57), estes últimos clamam por reconstrução e utilização de parte das
"científica''), pode e deve ser usada para discutir a crise na educação e os nossos métodos universitários atuais: "Regardless of metanarrativas da modernidade, como a posição defendida neste artigo.
whether critics see postmodemism as pastiche, parody, o r serious cultural criticism, the postmodem temperament arisesfrom 9
the exaustion of the still prevailing intellectual and artistic knowledge and the crisis of the institutions charged with their
Mister frisar que a pesquisa em Direito naao está restrita às Faculdades e Universidades, ao contrário, após minha
production and transmission - the schools. The "nihilism" of postmodem discourse does not signify ist rejection of ethics, experiência em Institutos de pesquisa na Alemanha e Suíça e no Brasilcon-Instituto Brasileiro de Política e Direito
politisc, and power, only its refosai to accept the givens ofpublic and private moraiity and the judgements arising from them do Consumidor, considero que no futuro a pesquisa, também no Brasil, se fará tanto nas universidades como nas
Of course, we go forther in this book and argue that criticai postmodemism provides a politicai and pedagogicai basis not organizações e Instituições do Terceiro Setor.
10
only for challenging current fonns ofacademic hegemony but aisofor deconstructing conservative fonns ofpostmodemism Defendi o pluralismo na pesquisa escrevi no trabalho "A crise", p. 95 e seg ..
in which sociallife merely made over to accommodate expanding fields of infonnation in which reaiity collapses into the 11
A expressão "Postrnodern educational criticism" é um tanto incongruente, pois a crítica é típica da modernidade,
proliferation of images. At its bests, a criticai postmodemism signals the possibility for not only rethinking the issue of mas esta expressão foi usada por ARANOVITZ/GIROUX, p. 188, para descrever sua teoria de reconstrução da
educational refonn but aiso creating a pedagogical discourse that deepens the most radical impulses and social practices educação, de forma democrática, plural e crítica em plena pós-modernidade: "Postmodem educational criticism
of democracy itse!f" (ARANOW11Z, Stanley e GIROUX, Henry A., Postmodem Education - Politics, Culture & Social points to need for constructing a criticai discourse to both constitute and reorder the ideological broader
Criticism, University of Minnesota Press, Mineapolis, 1993, p. 187). parameters of a radical democracy"

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
66 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 67

também em Direito. 12 compreensão da realidade e fundamentação do A) Dificuldades da pesqu&lemDireito e do diálogo de científica. Isto teve enorme repercussão na
conhecimento, um modo empírico: "El pensa- Universitário em tempos pós-modernos Filosofia, na Religião e no Direito. Inicialmente o
mento cientifico abandoná la incuestiona- Direito não mudou seus métodos de pesquisa, de
bilidad del dogma y la tradición que teíiiá el O termo "método", usado no contexto
I. A pesquisa em Direito na da pesquisa científica, tem um duplo significa-
procura, de investigação e de "descoberta" dos co-
pensamento medieval para opornele la nhecimentos, continuou utilizando o método
Universidade legitimidad y lafuerza de los hechos empíricos. do: a) pode evocar os procedimentos para ob-
hermenêutico (dogmático e dedutivo)24 típico des-
Como ensina Pádua, em "um sentido La razón vinculada con la experiencia permitió ter um conhecimento, para descobri-lo, para
de os estudos dos livros romanos na Idade Média, o
amplo, pesquisa é toda atividade voltada para el conocimiento de los fenómenos físicos y conhecê-lo, para investigá-lo e b) pode evocar
que resultou em uma grande crise de validação (ou
a solução de problemas, como atividade de natureales. La observación, la experimen- os procedimentos para "validar" ou ')ustificar"
de justificação) para a pesquisa em Direito, ajudan-
busca, indagação, investigação, inquirição da tación y la medición fueron las metodologías um conhecimento, uma assertiva, um resultado
do no triunfo do método positivista, único conside-
realidade, é a atividade que vai nos permitir, fundamentales que facilitaron esta fructífera que já se sabe. 18
rado "científico" àépoca. 25
no âmbito da ciência, elaborar um conheci- relación entre teorias y hechos. " 15 A dificuldade básica da pesquisa em
mento, ou um conjunto de conhecimentos, que Direito é seu método, apesar de ser polêmico
Os êxitos alcançado nas ciências
nos auxilie na compreensão desta realidade e também seu resultado. 19 Efetivamente, em Di-
nos oriente em nossas ações." 13
exatas permitiram aos pensadores do sécu- 1. O método hermenêutico e o
lo XVII transferir esta visão "científica" reito, é polêmico tanto o método de pesquisa
Durante os séculos XVI e XVII assenta- para as análises dos fenômenos sociais, (método de investigación )20 em si, quanto o menosprezo pela pesquisa em
ram-se as bases epistemológicas e forçando as ciências sociais e aplicadas, 16 método de validação da pesquisa jurídica (mé- Direito: a falta de validação ou
metodológicas do saber científico moderno, 14 como o Direito, para ter "validade" e alcan- todo dejustificaciôn). 21 A primeira crise foi,de
no qual Galileu Galilei, Isaac Newton e Johannes çar a "verdade", a utilizar estes métodos. 17 seu método de validação. Nos séculos XIX'e justificação dos métodos qualita-
Kepler são considerados precursores, e que Estava aberta a crise do método de pesqui- XX, o Wienerkreis, o Círculo de Viena com tivos
resultou na constituição de um modo novo de sa em Direito. Carnap22 e o fundador da sociologia empírica e
do método positivista, Auguste Comte, 23 aca- Por muito tempo, os pensadores menos-
baram por defender, contra toda metafísica e prezaram a importância e mesmo a possibilida-
especulação, que somente o que se podia expli- de de se pesquisar em Direito. 26 Sem querem
12
Para alguns, esta é uma tarefa muito difícil, que exige uma volta ao pensamento epitesmologico. Assim o mestre argentino, car positivamente e empiricamente teria valida- repetir esta discussão estéril (e hoje felizmente
Carlos Alberto Ghersi (GHERSI, Carlos Alberto, Tercera Vw-ÂnúJito Jurídico, Ed. Gowa, 2000), considera que a pós-
modernidade construiu um perigoso subjetivismo jurídico e uma metodologia abstrata de ensino, que abstrai da realidade e
discursa sobre o direito posto como se fosse real, mesmo que não seja efetivo (p.30), que exalta o individualismo e vê o direito
como um fim em si mesmo (p. 44), a destruir a própria validade e função social do Direito (p. 45). Prega o autor uma 18
Assim ensina SAMAJA, Juan, Apartes de la metodologia a la refexión epistemológica, in in La posciencia-El conocimento
contratendência (p. 33), que "el derecho debe ensefíarse como fenómeno social complejo" e com recurso às outras ciências, cient(fico en las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires, 2000, p. 151.
pois "definir la frontera de una ciencia, es limitar la investigación, es no permitir la consubstanciación o entrecruzamento de 19
Os hoje denominados produtos da pesquisa em Direito são incialmente os mesmos das outras ciências: livros,
los saberes, lo social es un todo inescindible, pues apunta a la humanidad en comunidade, parcializada en Estados o globalizada artigos, estudos, relatórios, palestras, conferências etc. Mas também os resultam indiretamente da pesquisa em
en un solo mundo"(p. 33 e 34) e conclui: ''Pensamos que a partir de involucrar el derecho con los saberes que están en lo social,
Direito o próprio "objeto" ou Direito, uma lei, um Tratado, uma doutrina nova, um parecer opinativo ou
mostramos aspectos de las normas que las sumergen en un mundo de contradicciones y de causalismos; la contextuación
consultivo, um trabalho forense, uma decisão de líder. Estes são normalmente desconsiderados como produtos da
enfrenta así a la abstracción individualista, es la ciência, pois fáticos-jurídicos.
13
Assim define pesquisa, PÁDUA, Elisabeth Matallo Marchesini de, Metodologia da pesquisa- Abordagem 20
Segundo ensina GIANELLA, p. 78: "[Los métodos de investigación]... están dirigidos al incremento dei conocimiento, a
teórico-prática, Ed. Papirus, 2.ed, Campinas, 1997, p. 29. conocer neuvos hechos, propriedades, relaciones y regularidades." (GIANELLA, Alicia E., Introduccion a la epistemologia
14
Assim ensina Trindade, op. cit., p. 14. y la metodologia de la ciencia, Ed. da la Universidad Nacional de la Plata, La Plata, 1995, p.78).
21
15 Segundo ensina GIANELLA, op. cit., p. 78: "[Los métodos de validación o justificación} tiene por función
LUQUE, Susana de, El objeto de estudio en las ciencias sociales, in La posciencia-El conocimento científico en
ejercer una espécie de "contrai de calidad" de los conocimientos, evaluar las hipótesis y teorías desde los
las postrimerías de la modernidad, Esther Díaz (Editora), Ed. Biblos, Buenos Aires, 2000, p. 223. corriente de
fundamentos que ofrecen."
reacción o su contratendencia."(p. 37). 22
16
Assim ensina SAMAJA, op. cit., p. 152.
Sobre o tema das especificidades das áreas das ciências e a cada vez maior distinção entre "ciência básica" e "ciência 23
Assim ensina LUQUE, op. cit., p. 228.
aplicada'', veja síntese do congresso,REGNER, Anna Carolina K. P. , O fazer científico: as especificidades das áreas e uma 24
Assim as palavras clássicas de Reinhold Zippelius: "Der Gegenstand bestimmt die Methode", ZIPPELIUS,
nova agenda para a ciência, in Rumos da Pesquisa-Múltiplas Trajetórias , Organizadoras Maria da Graça KRIEGER e Reinhold, Juristische Methodenlehre, 5. Aufl., Beck, München, 1990, p. 1.
Marininha Aranha ROCHA, Porto Alegre: Pró-Reitoria de Pesquisa/Ecl.UFRGS, 1998, p. 273. 25
PÁDUA, op. cit., p. 31.
17 26
Assim LU QUE, Laposciencia, p. 223: "Los éxitos alcanzados en el ámbito de las cienciasfísicas impulsionaron Veja sobre o tema as reflexões de ZITSCHER, Harriet Christiane, Como pesquisar?, in Revista da Faculdade de
a los pensadores dei siglo XVII a trasladar la mirada científica hacia dos fenómenos sociales ... [las ciencias Direito da UFRGS, vol. 17(1999), p. 103 e seg., que distingue entre pesquisa conceitualldogmática e pesquisa
sociales] sólo alcanzarían la verdad en la emedidad en que siguieran el modelo de la físico-matemática ..." empírica, também no Direito.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
68 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 69

quase superada), 27 gostaria apenas de desta- Relembre-se, porém, que na Idade Mé- xa realidade social pudesse ser compreendida e rei to passaram a valorar e a elaborar seu pensa-
car que esta visão é típica da mono-metodologia dia, o método científico era exclusivamente captada apenas pelos métodos empírico e de mento científico de forma distinta das demais
da idade moderna e não mais condiz com o hermenêutico. Quando surgiram as primeiras pesquisas quantitativas. ciências sociais, 34 em uma independência de
pluralismo de métodos28 da idade atual ou pós- Universidades, a hermenêutica é a ciência por "descompreensão" e falta de diálogo. A pes-
moderna.29 Em nossas Universidades ainda hoje
excelência, ciência da compreensão e da inter- quisa era individual, por interesse próprio dos
encontramos alguns que pensam que o caráter
pretação dos textos , das escrituras e das leis. docentes 35 ou comercial das editoras, 36 sem
Como ensina Pádua: "Até meados do científico (da pesquisa) depende do uso de
As três primeiras Faculdades organizadas fo- chegar aos alunos e muito menos aos colegas
século XX, considerou-se como cientifico o métodos empíricos. Criticam os juristas e seus
ram justamente de Teologia (Filosofia), Direito de outras áreas. 37
conhecimento produzido a partir das bases métodos, criticam sua falta de dedicação à pes-
e MedicinaY
estabelecidas pelo método positivista, apoia- quisa, à Universidade, sua baixa produção "ci- A avaliação da produção científica
do na experimentação, mensuração e contro- O Direito, Teologia e Filosofia constro- entífica" , sua preocupação com a prática, sua oriunda das Faculdades, porém, veio da Uni-
le rigoroso dos dados (fatos), tanto nas ciên- em seus conhecimentos, sua ciência, seu saber falta de profissionalismo. 33 Mal ou bem este versidade, utilizando seus métodos, seus crité-
cias naturais como nas ciências humanas. As- de forma hermenêutica. É historicamente, pois, menosprezo estrutural pelo método rios, seu empirismo, suas perguntas ao traba-
sociou-se a idéia de cientificidade à pesquisa recente considerar-se científico apenas o méto- hermenêutico usado no Direito contribuiu para lho realizado pelos juristas, poucas vezes foi
experimental e quantitativa, cuja objetivida- do empírico, da reação de Galilei até a formula- o isolamento (e fechamento) do pensamento, este classificado de científico. Chegamos ao
de seria garantida pelos instrumentos e técni- ção do empirismo por Locke e outros. Como do discurso e das atividades científicas dos ju- ponto de documentos oriundos da universida-
cas de mensuração e pela neutralidade do pró- vimos anteriormente, é somente nos séculos ristas nas Universidades. Se nos séculos XVIII de considerarem que não havia "pesquisa ci-
prio pesquisador frente à investigação da re- XIX e XX que chegarão os pensadores a consi- e XIX, o Direito era ciência de destaque e os entífica" nas Faculdades de Direito, apesar da
alidade. Com o desenvolvimento das investi- derar o método empírico, mais afeito às ciências juristas consistiam na elite pensante daqti'elas representativa produção intelectual, especial-
gações nas ciências humanas, as chamadas exatas e ciências outras do que ao Direito, como sociedades, no século XX, a partir. da década mente livros de grande repercussão lá realiza-
pesquisas qualitativas procuraram consolidar o único científico, em uma visão perfeccionista de 60, com a reforma das universidades e com dos. 38 Importantes eram estátisticas de "impac-
procedimentos que pudessem superar os limi- típica das crenças universais e absolutas da um novo "cientifismo-neutro" imposto as Fa- to", a repercussão abstrata dos veículos utili-
tes das análises meramente quantitativas. A idade modema. 32 O método hermenêutico e tra- culdades de Direito, esta posição científica de zados para publicação nacional e internacional
partir de pressupostos estabelecidos pelo mé- dicional do Direito causa espécie, é considera- destaque, modificou-se, isolando ainda mais e não as citações ou a repercussão, prática que
todo dialético, e também apoiadas em bases do problemático, não científico ou não-válido. nossos predecessores. As Faculdades de Di- nossos mestres conseguiram nos Tribunais, na
fenomenológicas, pode-se dizer que as pesqui- É preciso fugir deste método, separar-se, é pre-
sas qualitativas têm se preocupado com o sig- ciso medir, comparar, preparar estudos empíricos
nificado dos fenômenos e processos sociais, e quantitativos sobre a realidade, para que a 33
Efetivamente, TRINDADE, p. 12 comprova que o "profissionalismo" na universidade está intimamente ligado
levando em consideração as motivações, cren- pesquisa em Direito seja científica. à pesquisa e à dedicação acadêmica, desde o século XVIII: "Com a criação das academias cientificas, intensifica-
ças, valores, representações sociais, que Passa-se a menosprezar a forma de pro- se a profissionalização das ciências,fato que vai permitir sua inserção nas universidades através da pesquisa. Até
permeiam a rede de relações sociais. Como dução do conhecimento jurídico até então exis- o século XVII, o cientista não tem um papel especializado na sociedade, mas a partir daí desencadeia-se uma
estes aspectos não são passíveis de mesuração mudança profunda no sistema de valores e normas universitárias, reconhecendo-se, não sem conflitos, a
tente, menosprezam-se os juristas e legitimidade de uma atividade relacionada com as ciências em geral" (p. 12)
e controle, nos moldes da ciência dominante, doutrinadores desta época, como não-científi- 34
Assim OLIVEIRA, Luciano e ADEODATO, João Maurício, O Estado da Arte da pesquisa jurídica e sócio-
sua cientificidade tem sido freqüentemente cos. Força-se o Direito a mudar, a usar métodos jurídica no Brasil, Ed. CJF/CEJ, Brasília, 1996, p. Il: "Há um notório descompasso entre a pesquisa jurídica e
questionada." 30 outros e com exclusividade, como se a comple- o estágio atual" nas outras ciências.
35
Bastante críticos, OLIVEIRA/ADEODATO, p. I2, usam a expressão " quase diletante" para descrever a
pesquisa das Faculdades de Direito desta época.
27 36
Assim, bastante pós-moderna, REGNER, op. cit., p. 274. Não se pode desconhece o fato do mercado editorial de livros jurídicos estar muito ligado aos nomes da
28
Sobre pluralismo de métodos, como reflexo nessário dos tempos atuais, veja JAYME, Curso, p. 36 e seg. academia. Veja no Brasil, a tradição em publicações dos professores, por exemplo, da Faculdade Largo de São
29
Veja uma bela defesa do pluralismo, in SILVA, Tomaz Tadeu, A produção social da identidade e da diferença, in Francisco da USP.
37
Identidade e Diferença, Coord. SILVA, Tomaz Tadeu, Ed. Vozes, São Paulo, 2000, p. 73. Veja também excepci- OLIVEIRA/ADEODATO, p. 11, comprovam que a pesquisa jurídica está quase toda concentrada nas Univer-
onal sobre pluralismo no Direito. FRIEDMAN. Lawrence, The Republic ofChoice, Cambridge, Harvard University sidades Públicas, mas que o "debate sobre a pesquisa e o ensino jurídico no Brasil remonta a San Thiago Dantas e
Press, I994, p. II e seg. Como explica Vattimo em sua introdução, "O pós de pós-moderno indica, com efeito, Rui Barbosa" (p. 9).
38
uma despedida da modernidade ...", veja VATTIMO, Gianni, O fim da modernidade- niilismo e hermenêutica Surpreende o número de publicações dos professores da Faculdade de Direito de 1904 a 1975, levantadas no livro
na cultura pós-moderna, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. VII. de nosso falecido professor SANTOS, João Pedro, A Faculdade de Direito de Porto Alegre- Subsídios para sua
30
PÁDUA, op.cit., p. 31. História, Ed. Síntese, Porto Alegre, p. 189 a 277 e p. 341 a 370.
31 de Kuhn e a evolução da epistemologia, veja em português, BOMBASSARO, Luiz Carlos, Ciência e Mudança
Veja sobre a universidade medieval, TRINDADE, op. cit., p. 12.
32
PÁDUA, op. cit., p. 31. conceituai- Notas sobre Epitesmologia e História da Ciência, Edipucrs, Porto Alegre, 1995, p. 61 e seg.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
70 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 71

sociedade, nas leis que ajudaram a realizar, nas dedicação de nossos predecessores foi pouca lise jurisprudencial45 e a pesquisa de campo, 2. Crise da pós-modernidade:
Constituições e na jurisprudência em gerai.3 9 à Universidade e à pesquisa então considerada em suas mais variadas formas. 46 Geralmente,
Chegamos a ponto de considerar não-cientis- científica, também foi grande a falta de compre- hoje optamos por uma combinação de método "desconstrução" do Direito e
tas, os grandes autores e doutrinadores do Di- ensão quanto as especificidades de nossa ci- de investigação. Com a consolidação da pós- novo acirramento metodológico
reito do início deste século. 40 ência e métodos tradicionais. graduação no país, a produção científica no
Direito aumentou fortemente, 47 assim como o Efeti vamente, veio a crise da pós-
A incorreção desta lógica de exclusão Bem, hoje, nós juristas, superamos os
profissionalismo do professor-pesquisador. O que modernidade,50 as incertezas e o caos atingi-
da produção jurídica da Universidade repousa preconceitos, o sentimento de vergonha de
parecia um avanço calmo e certo, porém, sofre com a ram todas as ciências. 51 Por ironia do destino,
principalmente em sua visão metodológica re- nosso próprio método, repensamos nosso pa-
perda de modelo com a crise social da pós- foi justamente a ciência do Direito uma das que
duzida. Um exemplo pode esclarecer: os médi- pel na Universidade, envidamos esforços pelo
mcx:lemidade.48 É necessário continuar a construir.49 mais se descontruiu com a crise da pós-
cos, geralmente, também dedicam pouco tempo pluralismo de pensamento e multiplicação da
à Universidade, praticam e realizam suas técni- pesquisa jurídica, aceitamos e utilizamos mui-
cas na sociedade, modificam a realidade e apli- tos métodos e discursamos sobre a pesquisa
cam sua ciência em prol da coletividade. Nunca quase de iguais para iguais com as outras ciên- 45Bom exemplo é a pesquisa quantitativa e qualitativa de jurisprudência gaúcha sobre seguro-saúde e o CDC,
ninguém, porém, acusaria estes brilhantes pro- realizada pelo Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor", coord. Claudia Lima Marques e
cia sociais. 41 O pluralismo de métodos, de abor-
fessores e práticos da medicina de não-científi- Harriet C. Zitscher, conjuntamente com estudantes, cujo Relatório foi publicado na Revista Direito do Consumi-
dagens, de procedimentos na pesquisa jurídica dor (São Paulo), vol. 29, jan/mar 1999, p. 88 a 105.
cos. E porque não? Simplesmente por que a
é uma realidade. 42 As pesquisas qualitativas 46Bom exemplo de pesquisa de campo é fornecido por RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio, Manual da Monografia
Medicina, ao contrário do Direito e da Teolo-
de hoje não usam apenas o método Jurídica, 2. ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1999, p. 22",
gia, sempre utilizou o método empírico. Fácil
hermenêutico, o comparatista e o histórico, mas 47 Veja sobre o tema, trazendo lista das monografias publicadas no país de 1980 a 1995, LEITE, Eduardo de
acusar um hermenêuta de "a-científico", dificí-
há também a análise jurisprudencial qualitativa Oliveira, A monografiajurídica, Ed. Revista dos Tribunais, 3. ed., 1997, p. 288 e seg.
limo acusar um médico, que usa quase que ex-
ou discursiva, o estudo das diferenças no Di- 48 Assim MINDA, Garry, Postmodern Legal Movements- Law and Jurisprudence at Century's end, New York
clusivamente os métodos empíricos, de não ci-
entífico. Observem, pois, como cala fundo este reito Comparado Pós-moderno, 43 sem falar no University Press, New York, 1995, p. 247 e, conclusão, p. 249: "Academic trends in legal scholarship do not
occur in a vaccum, nor are law schools and legal scholars autonomous. To understand what has been going on
preconceito, pré-concebido mito de uma só crescente uso das pesquisas quantitativas no
in contemporary legal theory, one must look to what has been going on at the university... an intellectual and
metodologia científica para a pesquisa. Se a Direito, como o estudo de casos, 44 como a aná- cultural revolution is now under way at American Universities ... The crisis of representation, known as
postmodernism, has reached the legal academy and it is represented by a new form ofpostmodernjurisprudence"
Veja como ZIMA, Peter, Moderne!Postmoderne, UTB, Francke, Tübingen, 1997, p. 61, identifica nos movimen-
tos neo-liberais conservadores e economicistas (de direita) um dos braços da pós-modernidade. Assim também
39Como ensina LOPES José Reinaldo de Lima, Direito e Tramformação Social, Belo Horizonte, Ed. Nova MINDA, p. 83, identifica o movimento conservador de "direita" da análise econômica do Direito como pós-
1997, p. 77 tanto o Direito faz parte da cultura quanto possui sua própria cultura e reflexos típicos na moderno.
sociedade: " ... o sistema jurídico é constituído de uma "cultura". São as atitudes que fazem do sistema um todo 49 Assim também, para todas as ciências sociais, conclui REGNER, p. 276.
uma unidade e que determinam o lugar dos aparelhos e das normas na sociedade globalmente considerada. A 50Assim manifestou-se ROSENAU, 1992, p. 124: "Legal theory is an arena where post-modern views of
cultura jurídica engloba tanto as atitudes hábitos e treinamento dos profissionais quanto do cidadão comum."
epistemology and method have created one of the most serious intellectual crises, questioning the very legitimacy
Tal linha de pensamento possui tradição no Brasil através da escola de Recife e a influência do ,culturalismo
of judicial systems and the integrity of legal studies."
jurídico" de Tobias Barreto sobre o tema veja o nosso Artigo Cem anos de BGB e o Código Civil Brasileiro, in:
51 Como antes escrevi, A crise, p. 99: "A realidade denominada pós-moderna (LYOTARD, 1994, p. 13) é a
Revista dos Tribunaus vol. 741. p. 21 e seg.
40Sobre a intolerância científica como forma de manutenção de paradigmas, veja KUHN, Thomas, Die Struktur realidade da pós-industrialização, do pós-fordismo, da tópica, do ceticismo quanto às ciências, quanto ao positivismo
wissenschaftlicher Revolutionen, Suhrkamp, Frankfurt, 1996, p. 38 e seg., sobre o neo-radicalismo, como respos- (HABERMAS, 1992, p. 35); época do caos, da multiciplicidade de culturas e formas, do Direito à diferença, da
ta à intolerância frente ao pluralismo pós-moderno e à nascente neo-ortodoxia, veja GELLNER, Ernest, Pós- ,euforia do individualismo e do mercado",(GHERSI, p. 27) da globalização e da volta ao tribal. É a realidade da
modernismo, Razão e Religião, Instituto Piaget, Lisboa, 1992, p. 70 e seg. O autor denomina esta última vertente substituição do Estado pelas empresas particulares, de privatizações, do neo-liberalismo, de terceirizações, de
neo-ortodoxa de "ultra-subjetivismo" como forma de responder ao antigo ultra-cientismo moderno.Sobre a obra comunicação irrestrita, de informatização e de um neo-conservadorismo. Realidade de acumulação de bens não
de e a evolução da epistemologia, veja em português, BOMBASSARO, Luiz Carlos, Ciência e Mudança materiais, de desemprego massivo (GHERSI, 1994, p. 13), de ceticismo sobre o geral, de um individualismo
concettual- Notas sobre Epitesmologia e História da Ciência, Edipucrs, Porto Alegre, 1995, p. 61 e seg. necessário, da coexistência de muitas meta-narrativas simultâneas e contraditórias, da perda dos valores moder-
41 VejaZitscher, Como pesquisar?, p. 104 a 107. nos, esculpidos pela revolução burguesa e substituídos por uma ética meramente discursiva e argumentativa, de
42 legitimação pela linguagem, pelo consenso momentâneo e não mais pela lógica, pela razão ou somente pelos
Veja bom exemplo deste pluralismo no recente livro de VENTURA, Deisi, Monografia Jurídica- uma visão
valores que apresenta (KAUFMANN, 1994, p. 224 ). É uma época de vazio, de individualismo nas soluções
prática, Ed. Livraria dos Advogados, Porto Alegre, 2000, p. 76 a 78.
43 Veja sobre o tema JAYME, Erik, Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado, in Revista dos (LIPOVETSKY, 1996, p. 7) e de insegurança jurídica, onde as antinomias são inevitáveis e a de-regulamentação
do sistema convive com um pluralismo de fontes legislativas e uma forte internacionalidade (JAYME, 1995, p. 36)
Tribunais nr. 759, janeiro 1999, p.24 a 40.
44 das relações. É a condição pós-moderna que, com a pós-industrialização e a globalização das economias, já atinge
Veja sobre o tema ARAÚJO, Nádia, Formação do jurista pesquisador: Pressupostos e requisitos. Técnicas de pesquisa e ensino
a América Latina e tem reflexos importantes na ciência do Direito. É a crise do Estado do Bem-Estar Social."
na pós-graduação, in Revista Direito, Estado e Sociedade, nr. 14, janJjulho. 1999, PUCIRJ, p. 23 a 37.
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modernidade, mas uma das últimas a se dar conta quisa renovada, ao mesmo tempo cientifica e dos sentimentos, do discurso, à literatura ou à subjective judgment, imagination, as well as
sobre os efeitos desta crise em sua ciência, tal- jurídica, plural e tolerante, como se está ten- economia. 55 Rejeitada a verdade jurídica, aber- diverse forms of creativity and play. "
vez por seu isolamento ainda existente. Como tando fazer na Faculdade de Direito da to o sistema do Direito, deslegitimado o Direi- ... Como ensina Rosenau 59 , esta frag-
ensina Rosenau, conhecer o fenômeno da pós- UFRGS, 53 apesar das dificuldades. Pesquisa to e suas instituições, cria-se assim um vazio mentação e desconstrução não pode ser acei-
modernidade e seus efeitos nas ciências soci- renovada esta que, consciente da crise pós- cientifico e uma desconfortante igualdade ci- ta totalmente, uma reação deve existir. Em
ais é o melhor caminho para superar seu efeito moderna, possa responder à crescente dispu- entifica dos discursos, todos iguais56 uma vez outras palavras, para evitar o atual vazio do
destruidor: "Postmodemism haunts social science ta vazia de formas, métodos e linhas de pensa- que todos sem base e subjetivados ou estudo do discurso é necessário um reviva[ do
today. ln a nwnber of respects, some plausible and mento, que ameaçam hoje devastar as nossas flexibilizados 57 há uma grande dificuldade sério estudo da filosofia do Direito. Para com-
some preposterous, post-modem approaches dis- F acuidades, reduzindo-as em um misto de ra- para os estudantes e professores identificarem bater o vazio das formas metodológicas, é ne-
pute the underlying assumptions of mainstream dicalismo, intolerância e passividade cientifi- e avaliarem a qualidade das pesquisas e suas cessário revisitar a especificidade do conhe-
social science and ist research product over the ca no final de século. Pesquisa esta que de- contribuições à sociedade e ao Direito. cimento jurídico, 60 aceitar as bases do Direito
la.st three decades. The challenges post-modemism monstre que a ciência do Direito ainda possui Esta crise da pós-modernidade é, em como procura do justo e valorizar mesmo seus
poses seem endless. lt rejects epistemological um valor em si mesmo, que o Direito ainda verdade, uma mudança na maneira de pensar métodos tradicionais e específicos. 61 Para
assumptions, refites methodological conventions, pode e deve dar respostas aos problemas do o Direito a resultar um certo apatismo e combater a guerrilha metodológica, é neces-
resists knowledge claims, obscures all versions of homem em sociedade e não só pesquisar sobre imobilismo em relação às novidades por parte sário defender o pluralismo de pesquisas e a
truth, and dismisse policy recommendations. lf so- seu método, sua ideologia, seu discurso, seus da maioria, combinado com um certo radica- tolerância cientifica, única forma de evitar que
cial scientits are to meet this challenge and take afores, suas relações de poder, isto é, que a lismo por parte de minorias, face aos novos os radicais "antimodernos" acabem excluin-
advantage of what post-modemism has to offer ciência do Direito ainda está legitimada a desafios da sociedade pós-moderna. É uma do vários cientistas que poderiam dar alguma
witlwut becoming casualities ofit excesses, then an procurar o justo e o eqüitativo, apesar da sua desconcertante crise de ideais e de valores, contribuição à criação de um Direito adapta-
adequate understanding of the challenge is atual e profunda crise de fundamentos. entre pluralismo e radicalismo de verdades, do ao novo milênio. Em outras palavras, há
essential."52 que tem grande influência no Direito e na pes- que se superar a visão que o Direito em si, sua
... Neste sentido, como Rosenau, mister
Sobre o tema já escrevi de forma crítica e alertar que ao quebrar sua legitimidade como quisa deste final de século. Como ensina metodologia e seu discurso ou a economia se-
ati vista que: "Se o desafio do passado era ver ciência de conduta, a crise pós-modernidade Rosenau, 58 o vazio e a insegurança nas ciên- ria o único objeto de pesquisa válido. Há que
a pesquisa em Direito reconhecida como tal levou a uma desconstrução dos fundamentos cias sociais são grandes: " Post-modernists se defender a pesquisa em Direito como con-
na Universidade, o desafio do presente é supe- do Direito tão profunda que nenhuma teoria reduce social science knowledge to the status tribuição à ciência do Direito, contribuição à
rar a crise da pós-modernidade, de forma a ou linha de pensamento mais seria absoluta- of stories .. Post-modern methodology is post- procura do justo e da solução dos problemas
reconstruir uma razão para a pesquisa jurídi- mente válida e a pesquisa teria ficado "sem positivist or anti-positivist. As substitutes for individuais e sociais atuais, não importando
ca e viabilizar um avançar do Direito no objeto ". 54 O foco o ponto de concentração se- the 'scientific method', the affirmatives (post- a sua linha de pensamento, se alternativa
futuro.A reação necessária é, pois, de uma pes- ria qualquer outro objeto que não o Direito, modernists) look to feelings, personal desdogmatizante, se tradicional ou se conser-
experience, empathy, emotion, intuition, vadora neo-liberal." 62

52
ROSENAU, p. 3.
Veja ROSENAU,l992, p.50 a 52: "Post-modernists in almost
55 field ofthe social sciences
53
Destaque-se que no livro da Pesquisa UFRGS de 1988 a 1992, a Faculdade de Direito aparece com 41 professores, have been experimenting with a subjectless approach in their inquiries... Rejecting the subject
autores de livros e artigos, no Brasil e exterior, denotando que mais da metade dos professores 80 professores da permits them to the focus of the inquiry elsewhere... "
instituição e 70% dos professores ativos de sala de aula fazem pesquisa e submetem-se à crítica através de
56
publicações. No livro da Pesquisa UFRGS de 1993 a 1994, este número aumenta para 51 professores-autores da ROSENAU,1992,p.77 ep. 89.
Faculdade de Direito e no livro da Pesquisa UFRGS de 1995-1996 chega a um total de 54 autores, denotando que FACHIN, Luiz Edson e CARNEIRO, Maria Francisca, A5pectos da avaliação institucional dos programas de
57

67% dos professores oficialmente ligados à instituição e quase 90% dos 62 professores ati vos de sala de aula fazem pós-graduação em Direito: instrumentos e concepções, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, nr.
pesquisa individual e publicam. Desde 1988, já chegam a seis os grupos de pesquisa oficialmente reconhecidos pelo 137, jan/mar 1998, p. 205.
CNPq. Dois são os nossos pesquisadores A 1, contamos com um Mestrado cientificamente muito ati vo, assim 58
ROSENAU,1992, p. 91 e p.117.
como multiplicam-se os trabalhos de iniciação científica de acadêmicos orientados por professores de nossa casa;
59
de 3 trabalhos no I Salão para os 32 trabalhos inscritos em 1998, assim como dois prêmios Jovem Pesquisador e ROSENAU, 1992, p. 124.
6
vários destaques e menções honrosas nesses dez anos de Salão. Este aumento quantitativo é acompanhado por uma °FACHIN/CARNEIRO, p. 205.
crescente preocupação com a formação acadêmica dos professores, Doutores e Mestres, sensibilizados todos para 61
LARENZ, Karl, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 6.Aufl., Springer, Berlin, 1991,p. 6.
a pesquisa científica. 62
54
Assim ROSENAU, 1992, p. 50. Extratos de nosso artigo, "A Crise, p. 96 a 101.

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Parece-me, efetivamente, se vamos ser Will, professor da Universidade de Saarbrücken, com a exatidão e exaustão das fontes. Esta pri-
pós-modernos, sejamos pelo menos conscien-
1. Compilando influências ale-
durante os seus seis meses de estadia em Porto meira pesquisa com casos foi uma experiência
tes de nosso papel na evolução da ciência do Alegre. Estas duas experiências confirmaram mãs e brasileiras para formar ímpar, que muito me ajudou no futuro, especial-
Direito, sejamos ao menos pós-modernos afir- minha vocação para ser professora e para con- mente na escolha de meus temas de Mestrado e
mativos.63 É o momento do reviva! pós-moder-
a "Sprechstunde"
tinuar na pesquisa. A convite do Professor Will Doutorado. Nada melhor para descortinar as
no, plural e tolerannte, dos Direitos humanos fui para a Alemanha, realizei um Mestrado e uma A monitoria é uma boa experiência para perguntas importantes, do que saber o que
refletir-se na própria academia e na liberdade especialização e ainda tive a sorte e honra de quem quer ser professor, mas a pesquisa é uma acontece na prática e quais as falhas o nosso
científica de cada um, como forma de constru- ter sido sua pesquisadora-assistente por seis boa experiência para qualquer futuro profissio- sistema legal ainda possui. Esta pesquisa aju-
ção de uma teoria não-discriminatória e efetiva meses na Universidade de Saarlandes, assim nal do Direito. A pesquisa é um elemento dou-me muito também quando dos trabalhos
de harmonia social, teoria de inclusão científica como pesquisadora contratada por 3 meses no diferenciador, tão ou mais importante hoje, quan- de elaboração e crítica do Estatuto da Criança e
para o Direito no novo século. Repito: O desa- Instituto Max-Planck, de Freiburg im Breisgau, do tantos estudam Direito e apenas passam nas do Adolescente, quando trabalhava na
fio neste início de século não é mais a simples trabalhando com o Professor Hühnerfeld, além Faculdades, como números à procura de um Consultaria Jurídica do Ministério da Justiça.
inclusão da pesquisa jurídica nas ciências soci- de ser colaboradora científica por três meses diploma autorizador do exercício de uma profis- Por ironia do destino, justamente a evolução e
ais, mas o seu desenvolvimento como efetiva no Instituto Suíço de Direito Comparado, em são. Saber pesquisar é um instrumento de cria- a mudança da lei brasileira de 1990 acabou por
contribuição à sociedade64 e à Justiça , não ao Lausanne, trabalhando com o Professor Alfred ção de competência em Direito, é um caminho deixar inédito o trabalho resultado destapes-
cientificismo e à burocracia. von Overbeck. Ao retornar para o Brasil, que- para a excelência e a especialização cada vez quisa. De outro lado, esta pesquisa quantitati-
ria compartilhar estes ensinamentos. Procurei mais procuradas no mercado, é uma base a mais va e qualitativa ajudou-me decivamente a abrir
basear-me nos modelos europeus que obser- para a formação própria, a suprir falhas eventu,.., meus horizontes também para a
II - Ensinando a pesquisar: O vei, adaptando-os à nossa realidade e necessi- ais nos curricula das Faculdades ou os limites interdiciplinariedade, pois tive a oportunidade
dade. dos nossos próprios mestres e de nossas bibli- de trabalhar durante um ano com as assistentes
Grupo de Pesquisa CNPq otecas. Saber pesquisar é uma maneira para sociais e psicológas do então Juizado de Me-
A solidão da pesquisa, da elaboração
"Mercosul e Direito do Con- dos trabalhos é inevitável. Aprendi, porém, que
enfrentar qualquer desafio novo em Direito e a nores.66
vida dos profissionais é uma constante reno-
sumidor" e o desenvolvimen- é possível crescer em conjunto, observando e
vação destes desafios.
Já na Alemanha, fui contratada como
compartilhando os trabalhos prévios de elabo- pesquisadora-junior no Instituto Max-Planck de
to da metodologia de ensino da ração das produções científicas com os gran- Particularmente, considero que a pesqui- Freiburgjunto ao Prof. Dr. Peter Hühnerfeld. O
pesquisa ''Sprechstunde'' des mestres. Observei que de um talentoso sa foi meu caminho de destaque e de excelên- Instituto, que consiste em uma maravilhosa Bi-
"aprendiz" de pesquisa se pode fazer um bri- cia. Quando o professor Michael Will me con- blioteca, realiza estudos para o governo alemão
lhante sucessor, e que vários aprendizes moti- vidou para com ele levantar e pesquisar todos e pude participar de dois destes trabalhos de
A. Metodologia de pesquisa em grupo vados mantém e renovam importantes escolas os casos de adoção internacional em Porto Ale- pesquisa, transformados mais tardes em livros,
"Sprechstunde" do pensamento. Efetivamente, eu própria apren- gre nos últimos 5 anos, poderia ter dito "não", um sobre o aborto e a condição da mulher no
di muito com a precisão, rigorismo e sincerida- mas aceitei e isto me descortinou o mundo do Brasil e outro sobre a proteção do meio ambien-
Desenvolvi uma metodologia para ensi- de intelectual destes grandes professores-pes- Direito. Não há pesquisa em Direito Internacio- te no Brasil. Aprendi que o simples levanta-
nar a pesquisar e parar pesquisar em grupo, quisadores e fundar um grupo de pesquisa foi a nal, porém, sem conhecimento de línguas es- mento bibliográfico e fichamento das obras já é
compilando influências alemãs e brasileiras, o maneira que encontrei para multiplicar estes trangeiras e neste caso, fui escolhida inicial- um momento de grande crescimento para o alu-
resultado final é mais uma experiência do que ensinamentos. Desde minha entrada na Uni- mente por esta aptidão. 65 Então no quarto ano no. Aprender a resumir, a criticar as obras por
um caminho, um método, mas de qualquer ma- versidade Federal do Rio Grande do Sul, há 10 da Faculdade tive o prazer de acompanhar o sua relevância, sua organização, suas notas ou
neira quero agora compartilhar este modelo de anos, tenho trabalhado em iniciação científica e mestre de Saarbrücken, desde a elaboração das pela origem de suas principais teses, é um vali-
erros e acertos. Como antes observei, fui pesquisa em grupo. Ao desenvolver uma fichas de casos e formulários, das fichas de lei- oso exercício, que poupa o tempo do pesquisa-
monitora na Faculdade de Direito da UFRGS, e metodologia própria para ensinar a pesquisar, turas e bibliográficas, até o fotocopiar de todas dor sénior (ainda mais em um Brasil que tudo se
ainda aluna pude colaborar com uma pesquisa nomeie em sua homenagem, face à acessibilida- as fontes e os processos. Observei seu rigor e publica) e enriquece em muito, solidificando,
quantitativa realizada pelo Prof. Dr. Michael R. de e à grandeza de meus mestres europeus: preciosismo, sua preocupação com os erros, os conhecimentos do pesquisador-júnior. Des-
"Sprechstunde".
65
63
Assim também ARAÚJO, p. 29.
ROSENAU, 1992, p. 57. 66
Minhas homenagens à assistente social Sylvia Nabinger, que realizou com os mesmos casos a pesquisa de seu
64
GELLNER, Ernest, Pós-modernismo, Razão e Religião, Instituto Piaget, Lisboa , 1992, p. 60. doutorado na Faculdade de Direito de Lyon, França, por seu aopoio e modelo.
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taque-se a sinceridade intelectual deste mes- Privado junto ao Prof. Alfred von Overbeck. O lência e da camaradagem. A organização de um pode cala ou manifesta o motivo porque não
tres alemães. Foi muito positivo poder observá- Instituto conta, ao total, com cerca de 1O cola- Instituto como o de Heidelberg (que também é pode participar. Assim valoriza-se a tarefa e o
los e ajudá-los a elaborar suas notas de rodapé, boradores, que se reúnem regularmente com o uma das mais excepcionais Bibliotecas que co- grupo desenvolve uma dinâmica própria de aju-
seu minucioso re-exame das fontes e organiza- professor coordenador, este e os colaborado- nheci) é o ideal de qualquer pesquisador. da àqueles que receberam uma tarefa e não po-
ção lógica do pensamento. Os pesquisadores- res de todos os continentes escrevem juntos dem a cumprir sozinhos. A reunião é toda
junior nada escrevem, mas tudo acompanham, os livros do Instituto. Cada colaborador ou pes- conduzida pelo líder, que determina a ordem de
e este acompanhar, inclusive em Congressos e quisador tem seu tema individual, afeito a sua
em discussões de grupos de pesquisadores, origem, sua língua materna, sistema jurídico ou
2. O resultado final: temas a ser discutidos. Quando as reuniões
semanais terminam, o líder coloca-se à disposi-
são momentos de grande crescimento. Outro religião, e assim todos trabalham com uma fina- a "Sprechstunde" ção dos pesquisadores juniores para tratar de
fator a destacar é a liberdade no trabalho de lidade comum, mas individualmente e com ple- suas pesquisas individuais e aconselhá-los em
pesquisa, organizado nas horas (inclusive nos Se o resultado final parece-se um pouco
na liberdade de opinião. Este método pareceu- suas dificuldades. 68
finais de semana) e espaços livres e "inspira- com tudo - e não é idêntico a nada que conheci
me muito frutífero, pois estimula a cooperação
dos" do pesquisador-júnior. Há controle de ta- -,resolvi nomear a metodologia com uma ex- O método usado distingüe-se de outros
e o trabalho em grupo, na convergência do ob-
refas, não de horas ou dedicação, que apare- pressão alemã, justamente na esperança que grupos de pesquisa por nunca impor leituras
jetivo comum, mas valoriza as individualidades
cem claras nos resultados concretos do levan- fosse algo sólido e frutuoso, como o que ob- obrigatórias, referenciais teóricos ou discutir
e as origens diferentes (contávamos, por exem-
tamento. servei. Queria bem marcar as influências que textos previamente lidos em conjunto. O cresci-
plo, em 1987, com especialistas sobre os siste-
sofri: "Hora de aconselhamento", "hora da con- mento do aluno de iniciação científica é fomen-
Em Tübingen, tive o prazer de acompa- mas socialistas, sobre China e Japão, sobre os
versa", "hora de encontro" são algumas possí- tado individualmente, pela dinâmica de coope-
nhar o Professor Dr. Wolfgang Knutt Norr em países muçulmanos, sobre Israel, sobre Aus-
veis traduções desta expressão alemã que está· ração do grupo, pela reincidência das tarefas,
muitas de suas "Sprechstunden". Chamou-me trália e Oceania, sobre o sistema da common
na porta de cada professor, em cada Faculdade nunca por condução do pensamento. Leituras
muita a atenção como este grande historiador law, sobre o direito alemão, direito francês, di-
de Direito: "Sprechstunde". dirigidas, reflexões coordenadas e em grupo
do Direito estava lá, todas as semanas, na mes- reito suíço e direitos da América-Latina).
A metodologia de ensino da pesquisa é dirigem e manipulam o interesse dos alunos,
ma hora, a nossa disposição, junto com seus Ao retornar para o Brasil, em 1988 e nivelando-os e igualando-os no pensamento.
assistentes, para aconselhar e tirar dúvidas, para simples. Repousa sobre três pilares básicos: a)
após, em 1990, ao passar no concurso da Facul- O método "Sprechstunde" se assenta justamen-
liberdade acadêmica, b) uso positivo do inte-
guiar-nos e repassar-nos literatura e tarefas dade de Direito da UFRGS, procurei organizar te na manutenção das diferenças e tendências
resse, das tarefas e dos erros, c) Aprender pes-
como se isto fosse parte de uma missão. O aces- algo semelhante, adaptado as nossas circuns-
quisa, pesquisando e observando. individuais. Leituras são recomendadas indivi-
so ao professor-orientador é um fator de segu- tâncias e contextos. Não posso porém deixar de dualmente e nunca discutidas em grupo. Natu-
rança. O contato com o mestre, o poder partici- mencionar a enorme influência que os anos de A liberdade acadêmica está retratada no ralmente, porém, os participantes do grupo aca-
par das reuniões de Cátedra e observar suas Doutorado, passados no Instituto de Direito grupo em dois flSpectos: na liberdade do pes- bam por ler a produção intelectual dos profes-
discussões e trabalhos com os assessores, Estrangeiro e Direito Internacional Privado da quisador-senior em escolher o assunto das pes-
sores que participam do grupo, por curiosidade
enriquece o aluno. Outra boa experiência na Universidade de Heidelberg, sob a coordena- quisas guarda-chuva e na liberdade de escolha
e interesse, não, por imposição. O ritmo de lei-
Faculdade de Direito de Tübingen foi ter parti- ção do Prof. Dr. Dr. h. c. multi Erik Jayme, exer- dos temas individuais pelos pesquisadores-
turas de cada um, o despertar de seus interes-
cipado dos "Doktorseminaren", seminários ceram em mim. Neste Instituto, observei apre- juniores. O pesquisador-líder determina livre-
ses próprios (mais filosóficos, mais ligados à
onde os doutorandos expõem suas pesquisas paração das reuniões de redação da Revista mente o tema da pesquisa guarda-chuva, a de-
ao direito comparado etc.) é um dos
para se submeter às críticas dos professores e IPRAx, onde todos os 26 pesquisadores pender de seu interesse ou necessidade mo-
objetivos do método.
assistentes. A mistura entre ambos, da gradua- (seniores e juniores) do Instituto colaboram com mentânea, ele determina também as tarefas que
ção e da pós-graduação, agradou-me muito. 67 material, traduções e artigos. Observei como deverão ser cumpridas pelos pesquisadores A iniciação científica, nas pesquisas
organizavam em conjunto os congressos - as juniores e seus prazos, explicando-as. Receber guarda-chuva, dá-se por observação, por cons-
Já mestre fui contratada para ser cola- tradicionais festas de final de semestre- e semi- uma tarefa é sinal de confiança no potencial do trução própria e imitação, não é conduzida, nem
boradora científica do Instituto Suíço de Direi- nários, como cooperam para cumprir com as ta- aluno. Quem pode participar naquela semana, o método é discutido ou revelado para os alu-
to Comparado em Lausanne, podendo escrever refas distribuídas pelos 3 professores Direto- manifesta-se e pede para colaborar, quem não nos, sendo a tarefa de condução metodológica
um artigo (Prêmio van Calker), mas tendo que res, como compartilham o conhecimento com
escrever pareceres de Direito Internacional seus "sucessores", sempre na procura da exce-
68
Como ensina Jeniffer GORE,p. 12, citando Foucault, por vezes ser menos democrático, dar forma e dirigir a
conduta dos indivíduos em formação pode ser positivo, pois "nesse sentido, é estruturar o campo possível de ação
67
Assim também o testemunho de GUERRA, Willis,Critérios de avaliação e reconhecimento dos cursos de pós- dos outros".(GORE, Jeniffer, Foucault e Educação: fascinantes desafios, in SILVA, Tomaz Tadeu, O Sujeito da
graduação em Direito, Cad. Pós-Grad. Dir. UFPA, Belém, Ed. Especial, out.1999 , p. 79 Educação, Ed. Vozes, Petrópolis, 1994, p. 12).
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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
78 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 79

apenas do líder do grupo. Não há qualquer lei- mapear a pesquisa na Faculdade, assim como concursados nos Tribunais. Como as reuniões ticados e explicados. A crítica é sempre cons-
tura metodológica indicada, nem qualquer dis- treinar e desinibir os alunos para a apresenta- do grupo são entre 12h30min e 14horas, quase trutiva, mas a demonstrar a valorização do tra-
cussão sobre o método entre aluno de inicia- ção principal na Universidade. todos que fazem estágios podem participar. A balho do aluno, pois se o erro persistir, o traba-
ção científica e o professor-pesquisador, as lei- combinação entre prática e ensino da pesquisa lho principal pode ser comprometido. Por exem-
Há liberdade de determinação do tempo
turas metodológicas nascem da necessidade em grupo tem sido muito exitosa, tanto que vá- plo, se o aluno fotocopia uma fonte e não indi-
de dedicação à pesquisa, pois o importante é a
sentida pelo aluno, que é então orientado. rios juizes do Rio Grande do Sul hoje dão prefe- ca a Revista da qual retirou o artigo, ou esque-
realização da tarefa, não quando e como o alu-
rência (ou convidam) os pesquisadores do nos- ce de fotocopiar uma página, o erro será identi-
A liberdade acadêmica do aluno se ma- no a cumprirá. Observei no Instituto Max-Planck
so grupo para assessores, vários escritórios e ficado pelo orientador, que pedirá para o aluno
nifesta na escolha de seu tem a individual. Cada que a determinação própria do tempo é uma ex-
grandes empresas de Porto Alegre e São Paulo corrigir, explicando que assim a fonte está in-
aluno, que participar das pesquisas guarda-chu- celente medida de disciplina e de adaptação.
nos telefonam pedindo "pesquisadores" dos completa e não pode ser citada, o que a inutili-
va e das reuniões do grupo, deve escolher um Cada um tem um ritmo para trabalhar e a pesqui-
últimos anos e as cartas de recomendação do za. No Brasil, há certo receio em criticar e mos-
tema, um aspecto, dentre os três tópicos possí- sa muitas vezes necessita de inspiração ou aten-
grupo têm aberto várias portas profissionais, trar os erros, mas isto pode levar a uma repeti-
veis: "Direito do Consumidor", "Mercosul", ção redobrada. Poder pesquisar apenas uma
assim como permitido vantagens comparati vas ção negativa. Na Alemanha, criticar é sinônimo
"Pós-modernidade jurídica". Cada aluno passa hora por dia ou 5 horas corridas ou 2 noites na
ao se concorrer por bolsas de estudo. O grupo de respeito e, seriedade pelo trabalho alheio e
a pesquisar um tema individual, por ele livre- semana, vai depender de cada um e de suas
oferece também pequenas aulas sobre próprio, leva ao crescimento, a melhoria. Errar é
mente determinado, de acordo com a sua curio- tendências. Parece-me que não deve haver ho-
metodologia da pesquisa, que são dadas pelos natural, e é um indício que o aluno se esforçou,
sidade, seu interesse e vocação individual. 69 rários obrigatórios para a pesquisa ou para a
mestrandos e professores visitantes DAAD/ está ativo, atuando, pesquisando. Só erra, quem
Neste tema ele prepara um pequeno trabalho presença do pesquisador na Universidade. A
CAPES. faz. Quem erra, porque está iniciando e se de-
oral de 1O a 20 minutos para ser apresentado liberdade é também manifestada na presença
senvolvendo (em pesquisa), merece saber como
nos Congressos Acadêmicos do Brasilcon (Ins- não obrigatória nas reuniões do grupo. As reu- O uso positivo do interesse, das tarefas
acertar na próxima .71
tituto Brasileiro de Política e Direito do Consu- niões e o contato mais íntimo com os professo- e dos erros, é uma tentativa de respeitar as indi-
midor), em caso de intercâmbio internacional res-orientadores e mestrandos é um oferecimen- vidualidades e permitir que cada um desenvol- Mais do que funcional, o grupo deve
(como aconteceu nos anos de 1996,97,98 e 99 to. Se o aluno pode e quer aproveitar do ofere- va-se no seu ritmo e conforme suas inclinações servir para convívio. A aprendizagem passa
com congressos acadêmicos organizados na cimento, excelente, se não, poderá mesmo as- temáticas (linguísticas e ideológicas). Todos os pelo convívio. É o que distingue a escola da
Argentina e no Paraguai) e, especialmente, nos sim pesquisar. pesquisadores falam pelo menos uma língua Universidade, que é fórum e lugar de convívio.
Salões de Iniciação Científica da UFRGS. Os estrangeira e entendem espanhol, que é consi- Do modelo do hiwi alemão aprendi a beleza e
Especialmente com alunos que trabalham prazer de conhecer e conviver mais intimamen-
salões de iniciação científica realizam-se há 12 derada língua de trabalho no Rio Grande do Sul.
durante a graduação, dois caminhos são possí- te com os grandes mestres. O grupo de pesqui-
anos na UFRGS, sempre em setembro. Há tam- O grupo facilita o acesso dos pesquisadores
bém o Salão preparatório da Faculdade de Di- veis: ou os alunos mantém a comunicação por sa é uma maneira de conviver com o professor
aos cursos de línguas, através do pedido de
reito da UFRGS, que se realiza, há quatro anos, e-mail e participam das demais atividades do orientador, mas principalmente de encontrar,
bolsas (principalmente de alemão) e recebe a
sempre em agosto, organizado pela Comissão grupo (seminários, encontros, congressos) ou acompanhar e ajudar, durante sua estada na ci-
colaboração constante do Instituto Goethe e
de Pesquisa da Faculdade (que atualmente co- os alunos combinam com seus chefes poder do DAAD. 70 As tarefas são valorizadas atra- dade, os professores convidados de fora. Co-
ordeno) e o Centro Acadêmico André da Ro- participar de algumas reuniões. Muitos pesqui- vés da explicação de sua função: o aluno sabe nhecer um importante professor estrangeiro, um
cha. Este foi o pioneiro salão de uma unidade sadores voluntários não tem bolsas de pesqui- então da importância do levantamento que vai professor de uma outra Universidade, um dou-
da UFRGS e tem como finalidade divulgar e sa, justamente pois fazem estágios ou já são fazer para a pesquisa guarda-chuva do profes- torando, um pesquisador associado é também
sor ou do grupo, sabe se está procurando uma o descortinar de novos horizontes, novos inte-
69
Como exemplo podemos observar a diversidade de temas escolhidos pelos alunos mais adiantados (pesquisado- nota de rodapé ou uma recente crítica publicada resses, novos temas, nova bibliografia, novas
res-seniôres) este ano de 2000 nos Salões de Iniciação Científica da UFRGS e da Faculdade de Direito: 1. Aspectos da posição defendida do professor, de forma a idéias, é sobretudo , importante motivação e
da Harmonização do Direito Societário na União Européia: Um exemplo para o Mercosul -Lucas Faria Annes, 2. demonstrar ao aluno como ele está colaboran- modelo para se continuar a pesquisar, a querer
Publicidade Abusiva: sua regulamentação no Mercosul- Daniela Correa Jacques, 3. Serviços públicos essenciais e saber sempre mais, a acompanhar este mundo
do com o pesquisador-senior. Os erros são cri-
o princípio da continuidade: tutela do consumidor versus Estado-Fornecedor - Fernanda Girardi, 4. As várias
nuances do dever de informar no Código de Defesa do Consumidor- Fernanda Nunes Barbosa, 5. Medicamentos
genéricos: a liberdade de escolha do consumidor - Laura Ederich, 6. Cláusulas abusivas na Argentina e no Brasil- 70 Em 2000, receberam as bolsas de curta do duração DAAD para cursos de verão em alemão, na Universidade de
Guillermo Campbell (UFRGS!Univ. de Cordoba, Argentina), 7. Fundamentos da proteção dos direitos da persona- Heidelberg e Freiburg, Rafael Garcia e Aline J ackisch.
lidade: a evolução da tutela do direito de imagem na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (
71 Veja sobre análise do erro (Fehleranalyse) na aprendizagem, EDMONDSON, Willis e HOUSE, Juliane,Einführung
1984 a 2000) - Bruno Nunes Barbosa Miragem; 8. Internet e Direito- Antonia Espíndola Longoni Klee, 9.
Garantia globalizada: Análise de um possívelleading case - Rafael Garcia; 10. Limitação de juros nos cartões de in die Sprachlehrforschung, Ed. Francke, Tübingen, 1993, p. 205: "Fehler sind aus dieser Sichtweise also durchaus
crédito- Odiléa Oliveira de Almeida Simão. etwas natürliches, namlich Indizien dafür, dass der Lerner sich aktiv mit [dem Objekt] auseinandersetzt."

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
80 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 81

que passa a estar ao alcance. Receber a tarefa cas existentes na Universidade e na cidade, acer- e Direito do Consumidor", já com 9 anos de Observei uma primeira dificuldade, pois
de acompanhar, de ser o "Angel" do mestre vo de documentos disponível na Internet, nas existência prática em Direito Internacional e Di- como todos os alunos de Direito Internacional
visitante, pode determinar o lugar onde o es- publicações e levantamentos anteriores do pró- reito Comparado. Privado, cadeira obrigatória do 9 e 10 semestres
tudante fará seu futuro mestrado e doutorado, prio grupo, etc.). Mesmo sem escrever ou elabo- na UFRGS, formaram-se naquele ano e inicia-
pode mudar a perspectiva de vida do pesqui- rar textos científicos, é possível aprender a vam suas carreiras, as reuniões semanais eram
sador-júnior. O convívio também deve se fazer pesquisar. Observar vários momentos e méto- 1. Evolução e Estrutura atual difíceis e começavam a rarear. As tarefas pedi-
no próprio grupo, por isso aprendi em dos do orientador, pesquisar de forma própria, das não eram realizadas com regularidade e o
Heidelberg que é preciso encontrar-se em ou- útil e orientada, são os caminhos escolhidos. do Grupo de Pesquisa CNPq incentivo à pesquisa era pouco. Em 1991, mi-
tros momentos e tempos do que apenas na "Mercosul e Direito do Con- nistrei algumas aulas de Direito Civil, nos pri-
Universidade, especialmente em festas e co- meiros anos da Graduação, e a pedido destes
memorações. sumidor"IUFRGS alunos reavivei as reuniões. Este pequeno gru-
po de quatro alunos perseverou e apresentou
O terceiro pilar é a prática da pesquisa: B) O Grupo de Pesquisa CNPq ''Mercosul e Di- O Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul seus trabalhos de DIPr., no Salão de Iniciação
aprender, pesquisando. Se o Grupo de Pesqui- reito do Consumidor" e a pesquisa em Direito e Direito do Consumidor", que fundei e tenho a Científica da UFRGS em 1992.75 Observei a difi-
sa funciona como grupo de apoio e levanta- Internacional honra de liderar, completa agora 11 anos de ex- culdade dos alunos com os temas de Direito
mento de fontes para os pesquisadores seniors periência. Iniciou-se em fins de 1990, com alu-
Uma vez que leciono na graduação da Fa- Internacional Privado, motivo pelo qual, em
e ao líder, ajudando na elaboração de seus tra- nos da minha primeira turma de Direito Interna-
culdade de Direito da UFRGS as cadeiras de Di- 1993, permiti apenas aqueles quinto-anistas, que
balhos, produções científicas e acadêmicas, cional Privado na Faculdade de Direito
reito Internacional Privado e Direito das Rela- realizassem suas pesquisas nestes temas. Os
especialmente para preparar artigos de doutri- UFRGS, então formandos, com o mesmo méto-'
ções Internacionais (Direito da Integração) fico demais foram direcionados a pesquisar sobre
na, livros, pesquisas quantitativas de jurispru- do proposto, mas não frutificou. Como na épo-
especialmente honrada com o convite da colega Mercosul e/ou Direito do Consumidor no
dência, levantar novos leading cases, nova ca era apenas Mestre e Especialista em Direito
e eminente colaboradora, Profa. Dra. Nádia de Mercosul. 76 Os resultados foram melhores e a
bibliografia e acompanhar a rapidez das modi- Comunitário Europeu, fazíamos parte do Grupo
Araújo, para participar das discussão do Grupo pesquisadora voluntária Elaine Ramos da Sil-
ficações legislativas. O Grupo funciona, prin- de Pesquisa sobre Mercosulliderado pela Profa.
Temático 1 "Direito Internacional e Integração va, conquistou neste ano de 1993, no V Salão
cipalmente, como um laboratório de iniciação Dra. Martha Olivar no PPGD da UFRGS, com
Regional: os efeitos da globalização". Gostaria de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, na Se-
científica para os alunos, que assessoram as um sub-projeto intitulado "Mercosul: Realida-
de colaborar tecendo algumas observações e ção III: Ciências Sociais Aplicadas, pela primei-
pesquisas principais (exceção feita à redação de Jurídica?", dentro da linha de pesquisa do
reflexões sobre dois aspectos: 1. A possibilida- ra vez para a Faculdade de Direito, o PRÊMIO
dos trabalhos, que é exclusiva dos pesquisa- PPGD/UFRGS "Integração como tarefa para a
de que a pesquisa em Direito Internacional abre JOVEM PESQUISADOR UFRGS, com o traba-
dores-seniors),72 que levantam o material, dis- ciência do Direito". Visava o grupo pesquisar
para trabalhos conjuntos, para a produção do lho: " Sobre a necessidade da Harmonização
cutem a sua relevância, precisão, orientação e apenas os temas momentosos de Direito Inter-
conhecimento em grupos de pesquisa, em gru- das Legislações nos países integrantes do
atualidade, lêem e elaboram fichas de leituras nacional Privado73 e do nascente MercosuJ.74
pos interdisciplinares, interinstitucionais e inter- Mercosul".
individuais (do material selecionado como im-
nacionais, através da análise comparativa, da pro-
portante pelos pesquisadores seniors), obser-
dução em conjunto e na diversidade atual; 2. A
vam as técnicas de delimitação, de precisão,
vocação intrínseca e estrutural do Direito Inter-
de clareza, de sinceridade intelectual e de re- 73
nacional, como matéria, e da pesquisa realizada Este projeto de Pesquisa, na linha de pesquisa "Integração como tarefa para a ciência do Direito" e teve três fases intituladas:
flexão usadas pelos pesquisadores seniores, 1991192- Fase I: Contratos InterÍlacionais e Mercosul/Circulação de bens, 1992/93 -Fase II:Contratos Internacionais e
neste campo do conhecimento refletir, desenvol-
assim como passam a dominar os instrumen- Mercosul/Circulação de pessoas; 1993/94- Fase ill: Proteção do Consumidor no Mercosul.
ver e ser instrumento da integração regional.
tos técnicos da pesquisa (fichas de leituras, 74
Este projeto de Pesquisa intitulado "Integração do Cone Sul- Realidade Juríd.ca ?"teve apenas duas fases: 1991-
fichas de bibliografia, desenvolvimento de fi- Como forma de unir e organizar estes dois Fase I- Mercosul- Aspectos Jurídicos; 1992-1994- Fase II- Mercosul- Realidade Jurídica.
75
temas usarei minha experiência como líder e fun- 0s trabalhos individuais apresentados em 1992 tinham como temas: 1. Mercosul e Harmonização: Política
chas de análise de casos, etc.) e instrumentos
de Transportes (Ana Inês Algotarta Latorre); 2. Mercosul - Realidade Jurídica (Luiz Carlos Hagmann); 3. O
materiais (domínio dos acervos das Bibliote- dadora do Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul Contrato de Transporte Internacional de Cargas no contexto da integração Latinoamericana (Sabina Cavalli); 4.
O papel do projeto de Código de Conduta da ONU sobre transferência de tecnologia nos países em desenvolvimen-
to (Elaine Ramos da Silva).
76
72
Ao não permitir que os pesquisadores juniores elaborem qualquer texto, nem que ajudem nas pesquisas de Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1993, tinham
Mestrado e Doutorado dos outros pesquisadores seniores, evita-se qualquer tipo de exploração de idéias e textos como títulos: 1. Sobre a necessidade da Harmonização das Legislações nos países integrantes do Mercosul (Elaine
dos pesquisadores juniores e mantém-se a sinceridade intelectual de trabalhos exigida pelo modelo alemão, permi- Ramos da Silva); 2. Responsabilidade do Importador no Mercosul (Katia Kneipp); 3. A pessoa como consumidor
tindo a sua participaçao somente em algumas atividades básicas e que acompanhem os resultados e observem os no Mercosul (Fabiana d' Andrea Ramos); 4. Direito Internacional Privado- O casamento e as novas uniões (Ana
métodos de cada pesquisador senior. Inês Latorre); 5. Relações de Sucessão no Mercosul (Sabina Cavalli).

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
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Em 1994, em virtude da saída dos quin- até março de 1996, o grupo ficou sob a coorde- caso incluindo, na área de Ciências Sociais com o trabalho individual: "Comunicação
to-anistas, resolvi reformular novamente os pro- nação da Profa. Dra. Martha Olivar. A;licadas, novamente o PRÊMIO JOVEM de Massa: implicações legais das
jetas direcionando-os apenas para a pesquisa PESQUISADOR UFRGS, em 1999, 81 com tecnologias emergentes".
Com o meu Doutorado em 1996,78 resol-
em temas envolvendo o Mercosul e o Direito vi formalizar o Grupo e minha posição de pes- 0 trabalho do Pesquisador e Bolsista O Grupo de Pesquisa CNPq
do consumidor interno, de forma a permitir que quisador líder junto ao CNPq, dando-lhe a es- FAPERGS Fábio Costa Morosini, que mere- "Mercosul e Direito do Consumidor", atu-
alunos dos primeiros anos participassem do trutura e o nome atual "Mercosul e Direito do ceu o prêmio máximo do Salão da UFRGS almente congrega 12 alunos de graduação
grupo. Novamente fomos premiados e o grupo Consumidor". Desde então o Grupo tem sido
renovou-se, 77 mas como retornei para a Alema- muito ati vo e de 1996 a 2001 79 recebeu mais
800s prêmios recebidos pelos integrantes do Grupo, em iniciação científica, foram: 1. Pesquisadora PROPESP-
nha em fins de 1994 e lá escrevi meu Doutorado 25 prêmios de pesquisa de iniciação científi- UFRGS Patrícia Peressutti, DESTAQUE no XI Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Seção III, 1997 . 2.
Pesquisadora FAPERGS Giovana Maciel (PUC), DESTAQUE no IX Salão Iniciação
Seção III, 1997 . 3. Pesquisador CNPq/UFRGS Pedro Montenegro- .. PREMIO no I Salao de Ctenttfica
77
Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1994, tinham da Faculdade de Direito/UFRGS, Bolsa de estudo do Mestrado em Dtretto/UFRGS para 1998. 4. CNPq/
como títulos: 1. A informática e o Direito à Privacidade (Angela Dumerque); 2. Direito de Arrependimento no UFRGS, Bárbara S. Garcia, DESTAQUE no I Salão de Iniciação Científica do Direito, .de
Código de Defesa do Consumidor (Clarissa Costa de Lima); 3. A nova concepção de oferta e cláusulas abusivas no 1998 . 5. Pesquisadora CNPq/UFRGS, Ariane Cunha Freitas, DESTAQUE no I Salão de Imciação Ctenttflca do
CDC (Elaine Ramos da Silva); 4. Os contratos de adesão e as cláusulas abusivas sob a perspectiva do CDC (Ana Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1998. 6. Pesquisador voluntário Fabiano Menck, DESTAQUE
Letícia Fialho); 5. O sistema de solução de controvérsias no Mercosul (Pedro Montenegro); 6. O dever de X Salão de Iniciação Científica UFR<}S e CNPq, Ciências So.ci.ais_ 1998 . 7. voluntána
informar e a publicidade no CDC (Fabiana D' Andrea Ramos). Cláudia Travi Pitta Pinheiro - 2. PREMIO no III Salão de Imciaçao Cientifica da Faculdade de Dtreito/UFRGS,
78 Os trabalhos individuais de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1996, tinham 1999 Bolsa de estudo do Mestrado em Direito/UFRGS para 2000. 8. Pesquisadora CNPq/PIBIC Aline Jackisch,
como títulos: 1. O direito da Concorrência no Mercosul (Pedro Montenegro); 2.Mercosul: Arcabouço jurídico e Co-o;ientador o Prof. Sérgio José Porto, DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, de
políticas universitárias (Fábio Morosini); 3.Meio ambiente e consumidor (Ana Letícia Fialho); 4. Importância do Direito UFRGS, 1999. 9. Pesquisadora CNPq/PIBIC Laura Oliveira Ederich, DESTAQUE no III Salão de Imciação
conceito de consumidor no Mercosul (Ariane Freitas); 5. Evolução da Família no Direito Brasileiro (Clarissa Costa Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGSl 1999.10. Pesquisadora PROPE:S91UFRGS Rosaura Macagna.n
de Lima); 6. A responsabilidade civil por dano ambiental (Jesus Tupã Silveira Gomes). Viau, DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito !999:11.
79
0s trabalhos individuais de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1997, tinham como títulos:
sador PROPESQ/UFRGS Bruno Nunes Barbosa Miragem, III. ?e!mciaçao _do
Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1999. 12. Pesquisadora voluntana Odtleia Ohvetra de Almeida Simao,
- 1. Ilusão de Segurança Jurídica no Mercosul (Pedro Montenegro); 2. Comissão de Comércio do Mercosul (Rodrigo Cogo); 3. DESTAQUE no III Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 1999. 13.
A importância do Art. 28 do COC-A Desconsideração da Personalidade Jurídica frente ao consumidor (Barbara Garcia); 4. FAPERGS Fábio Costa Morosini (PUC), DESTAQUE no XI Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências
Contratos à distância e a proteção do consumidor (Ariane Freitas); 5. Quantificação do dano moral: determinação de critérios Sociais Aplicadas, 1999 .14. Pesquisadora voluntária Fernanda Nunes Barbosa DESTAQUE no .XI Salã? de
(Patrícia Peressutti); 6. O conceito de consumidor no CDC (Fernanda Barbosa); 7. Contratos de Seguro-Saúde e o Código de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências Sociais Aplicadas, 1999. 15. Ahne Jackisch,
Defesa do Consumidor (Alberto Franco); 8. Direito do consumidor de serviços médicos (Giovanna Maciel); 9. Reconhecimen- Co-orientador o Prof. Sérgio José Porto, DESTAQUE no XI Salão de Imciaçao Cientifica UFARGS e CNPq,
to de Paternidade: Um estudo paralelo entre Brasil e Argentina (Fábio Costa Morosíni). Os trabalhos individuais de pesquisa, Ciências Sociais Aplicadas, 1999. 16. Pesquisador FAPERGS Fábio Costa Morosini (PUC), PREMIO JOVEM
apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1998, tinham como títulos: 1. A publicidade enganosa e abusiva PESQUISADOR do XI Salão de Iniciação Científica e CNPq, Ciências
no CDC e suas tendências (Aline Jackisch); 2. Consumo sustentável e o Direito do Consumidor (Bárbara Garcia); 3. Novo Pesquisadora voluntária, ex-CNPq/PIBIC, Laura Oliveira DESTAQUE no IV Salao de Cientifi-
regime das incorporações imobiliárias e o Coe (Fernanda Barbosa); 4. A responsabilidade civil no Coe pelo fato do produto ca do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 18. Pesqmsador PROPESQ/UFRGS, Bruno Mtragem, DESTA-
e pelo vício do produto (Fabiano Menck); 5. O atual direito do consumidor de serviços no Brasil (Giovana Maciel) 6. O QUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000.19. Pesquisa.dora volun-
consumidor equiparado: reflexos nos serviços bancários (Fábio Morosini); 7. Contratos à distância e perspectivas de harmonização tária, Daniela Jacques, DESTAQUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, .de
das leis (Ariane Freitas), 8. Atividade da Comissão de Comércio no Mercosul (Rodrigo Cogo). Os trabalhos individuais de 2000. 20. Pesquisadora voluntária, Fernanda Gíradi, DESTAQUE no IV Salão de. Imciaçao Cientifica do DI_:etto,
pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 1999, tinham como títulos: ... Os trabalhos individuais Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 21. Pesquisador CNPq/UFRGS, Rafael Garcia, DESTAQUE no IV Salao de
de pesquisa, apresentados no Salão de Iniciação Científica da UFRGS, em 2000, tinham como títulos: 1. Aspectos da Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 22. voluntária, Klee,
Harmonização do Direito Societário na União Européia: Um exemplo para o Mercosul (Lucas Faria Annes); 2. Publicidade DESTAQUE no IV Salão de Iniciação Científica do Direito, Faculdade de Direito UFRGS, 2000. 23. Pesqutsadora
Abusiva: sua regulamentação no Mercosul (Daniela Correa Jacques) 3. Serviços públicos essenciais e o princípio da continui- voluntária, ex-CNPq/PIBIC, Laura Oliveira Ederich, DESTAQUE no XII Salão de Iniciação Científica UFRGS e
dade: tutela do consumidor versus Estado-Fornecedor (Fernanda Girardi) 4. As várias nuances do dever de informar no Código CNPq, Ciências Sociais Aplicadas, 2000 .24. Pesquisador Bruno DESTAQUE no XII
de Defesa do Consumidor (Fernanda Nunes Barbosa) 5. Medicamentos genéricos: a liberdade de escolha do consumidor (Laura Salão de Iniciação Científica UFRGS e CNPq, Ciências Aplicadas, 2000 .
Ederich) 6. Cláusulas abusivas na Argentina e no Brasil - Guillermo Campbell (UFRGS/Univ. de Cordoba, Argentina); 7. Rafael Garcia, DESTAQUE no XII Salão de Iniciação Cientifica UFRGS e CNPq, Ciencias Sociais Aphcadas, 2000
Fundamentos da proteção dos direitos da personalidade: a evolução da tutela do direito de imagem na jurisprudência do Tribunal . Em 2001 recbemos dois destaques internacionais: primeiro lugar Brasil na nacional. realizada na
de Justiça do Rio Grande do Sul (1984 a 2000) (Bruno Nunes Barbosa Miragem); 8. Garantia globalizada: Análise de um possível UFSC do Philip C. Jessup International Law Moot Court Competttwn/2001 1 parttctpaçao em Washmgton, D.C.,
leading- case (Rafael Garcia); 9. Limitação de juros nos cartões de crédito (Odiléa Oliveira de Almeida Simão). Os trabalhos Estados Unidos , com Professores Cláudio Moretti e Manoel André da Rocha), e estudantes do grupo: Ana Gerdau
individuais de pesquisa que serão apresentados no XIII Salão de Iniciação Científica da UFRGS, que ocorrerá entre os dias 03 de Borja ; Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos Maitê de Souza Schmitz , Ricardo Medeiros. de Castro.
e 07 de dezembro próximo, têm como títulos: 1. A Homologação de Sentenças Arbitrais Estrangeiras pelo Supremo Tribunal Prêmio de Melhor Delegado, representando o Canadá, no Comitê de Direitos Humanos, no IV Amencas. Model
Federal: comércio Brasil-Alemanha (Ana Gerdau de Botja); 2. Dever de Informação e os Produtos Transgênicos (Ana Rispoli United Nations (AMUN), realizado em Brasília, D.F, entre 14 e 19 de julho de 2001 para Thomaz Francisco de
d'Azevedo); 3. A Proteção dos Consumidores nos Contratos Eletrônicos (Antonia Espíndola Longoni Klee); 4. Alimentos Araújo Santos.
Transgênicos: Ética, Consumo e Meio Ambiente (Laura Oliveira Ederich); 5. Aspectos Jurídicos do "Recai!'' e sua Introdução
no Direito Brasileiro (Lucas Faria Annes); 6. Análise Crítica do Caso Colgate/Kolynos (Lúcia Carvalhal Sica); 7. Aspectos 81 Os trabalhos individuais de pesquisa apresentados no Salão Iniciação da •. em 199?, tinham
Jurídicos da Proteção aos Programas de Computador com Código-Fonte Aberto no Brasil (Maitê de Souza Schmitz); 8. O como títulos: 1. A cláusula de indexação no contrato de leasmg e o consumidor- Laura Oliveira Edench; 2. A
Código de Defesa do Consumidor enquanto Lei de Função Social (Man1ia Zanchet); 9. Os Contratos de Previdência Privada garantia como pós-venda no direito do consumidor- Rafael B. 3. C? prazo de nos de
e o Código de Defesa do Consumidor (Odiléa Oliveira de Almeida Simão); 10. O Uso da Internet para a Aquisição de Bens e incorporação imobiliária - Fernanda Nunes Barbosa; 4. A prestaçao de serviços a luz do do
Serviços: alternativa segura? (Rafael Barreto Garcia); 11. Posição Imutável do Superior Tribunal de Justiça: A Questão da consumidor- Carina Bonzanini da Silva; 5. O Bug do milênio e seus reflexos para o consunndor - Roberto Silva da
Importação de Merluzas (Rafael Pellegrini Ribeiro); 12. Comparação Principiológica entre a Affirrnative Action e o Código Rocha; 6. Multi propriedade - Rosaura Macagnan Viau; 7. A. problemática se:viços através das linhas
de Defesa do Consumidor (Ricardo Medeiros de Castro); 13. Responsabilidade do Transportador Aéreo por Extravio de 0900 - Odiléia Oliveira de Almeida Simão; 8. O Plano NaciOnal de Desestattzaçao e o consunndor - Bruno Nunes
Bagagem (Tatiana de Campos Aranovich); 14. O Cartel de Preços e a Defesa do Consumidor (Thales Gonçalves Della Barbosa Miragem; 9. A agência estadual de regulação dos serviços públicos do Rio do Sul -
Giustina); 15. As linhas gerais da responsabilidade pelo fato do serviço no coe e sua recepção ou não pelo Tribunal de Justiça AGERGS e o consumidor- Cláudia Travi Pitta Pinheiro;lO. As sociedades comerciais no Mercosul - Simone Stabel
do Rio Grande do Sul - (Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos) Daudt. 11. Comunicação de Massa: implicações legais das tecnologias emergentes - Fábio Costa Morosini.
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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
84 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação cientifica na pós-modernidade 85

da Faculdade de Direito da UFRGS, 82 3 alu- naco-orientação, contamos até o mês de janei- com 2 colegas professoras da Faculdade de França, com o Center of Comparative Law da
nos da Faculdade de Direito da PUC/RS, 83 ro de 2001, com um jovem professor alemão, o Direito da UFRGS. 89 Universidade de Baltimore, com o Texas
uma aluna estrangeira (convênio ) 84 , seis docente de longa duração DAAD/CAPES 86 International Law Jornal da Universidade do
mestrandos do PPGDIUFRGS, 85 que realizam na lotado na Faculdade de Direito da UFRGS e com Texas-Austin, USA.
co-orientação do grupo, como parte de sua "ati- professores convidados estrangeiros 87 por cur- 2. Relações institucionais, O Grupo de Pesquisa participa ativamen-
vidade docente", um doutorando, que oriento to período, assim como com professores brasi- te do Departamento Acadêmico do Brasilcon,
e uma economista, especialista em regulação, e leiros e mestrandos de outras instituições, 88 e inter-institucionais e com a Instituto Brasileiro de Política e Direito do Con-
sociedade sumidor, uma organização não-governamental
82
Atualmente fazem parte do grupo, que se reúne sempre as terças feiras na sala de aula da Biblioteca Depositária de caráter científico, criada pelos autores do
da Organização das Nações Unidas (ONU), na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
A UFRGS mantêm vários convênios,90 Código de Defesa do Consumidor para estudar
os seguintes alunos: Ana Gerdau de Borja, Ana Rispoli d' Azevedo, Antonia Espíndola Longoni Klee, Laura a Faculdade de Direito 91 também, mas o grupo a eficácia desta lei e controlar a sua manuten-
Oliveira Ederich, Lucas Faria Annes, Lúcia Carvalhal Sica, Maitê de Souza Schmitz, Marília Zanchet, Odiléa mantém contatos próprios e menos formais, além ção no mercado brasileiro. A colaboração com
Oliveira de Almeida Simão, Rafael Barreto Garcia, Rafael Pellegrini Ribeiro, Ricardo Medeiros de Castro, Tatiana destes já formalizados, especialmente com o o Brasilcon se concretiza de várias formas. Em
de Campos Aranovich, Thales Gonçalves Della Giustina e Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos. Instituto Brasileiro de Política e Direito do Con-
83
primeiro lugar, através de publicações, trabalho
Ana Rispoli d' Azevedo, Lúcia Carvalhal Sica e Tatiana de Campos Aranovich, Faculdade de Direito da sumidor (São Paulo), algumas cátedras da UBA,
Pontifícia Universidade Católica, PUC/RS, Porto Alegre.
que foi iniciado com a organização do congres-
da Universidade de Rosário e de Santa Fé (Ar- so e após do livro que coordeno "Estudos so-
84
Já participaram do grupo os seguintes alunos estrangeiros: No ano letivo de 1996, o aluno alemão Christian gentina), com a UROU de Montevidéu, com o
Schindler, aluno então matriculado na Universidade de Heidelberg, Alemanha, hoje assistente do Prof. Dr. Erik bre a proteção do Consumidor no Brasil e no
Centre de Droit de la Consommation, na Mercosul", publicado em 1994 pela Editora Li-
Jayme, no Instituto de Direito Estrangeiro e Direito Internacional Privado da Univ. de Heidelberg, justamente
ca, com o Instituto de Direito Internacional Pri'-
por seu conhecimento do Direito brasileiro. O Doutorando Schindler, que recebeu na época crédito educativo do vraria dos Advogados, de Porto Alegre.
governo alemão para sua estada na UFRGS, é o secretário da Associação de Juristas Luso-Alemã da Univ. de vado da Universidade de Heidelberg, mais re-
Heidelberg e coordenou a ida de alunos do grupo para a Alemanha, como o mestrado de Fabiana D 'Andrea Ramos centemente com a Universidade de Bremen na Especialmente, depois volta de meu dou-
na Universidade de Heidelberg, e os cursos de verão em alemão, na Universidade de Heidelberg de Rafael Barreto Alemanha, com o Centre de Recherches torado, o grupo passou a realizar traduções do
Garcia e Aline Jackisch. No ano de 2000, por dois meses, duas alunas da Universidade conveniada de Santa Fé Européeennes da Université de Rennes I, na francês, 92 alemão 93 , inglês 94 e espanhol95 para
(Argentina). Este Intercâmbio de estudantes da graduação da Faculdade de Direito da Universidad Nacional dei
Litoral, Argentina, por dois meses na Faculdade de Direito da UFRGS, para assistir aulas e pesquisar sobre Direito
do Consumidor, em maio/junho 2000, foi uma experiência muito positiva para o grupo e foi financiando pela
UNL, que deu prêmios de pesquisa às duas estudantes, e esperamos que se repita em 2001. Atualmente, temos
s9 As colegas que colaboram nas publicações coletivas do grupo, na organização de congressos e eventos do grupo,
acompanhado a estada de Helene Heyd, aluna de Relações Internacionais da Universidade de Berlim, Alemanha.
85
assim como acompanham o grupo em suas viagens ao exterior são as colegas Vera Jacob de Fradera (UFRGS) e
Atualmente Fernanda Nunes Barbosa, Daniela Correa Jacques, Michele Costa da Silveira, Bruno Nubens Martha Olivar Gimenez (UFRGS-PPGD e PUC/RS). Há 4 anos contamos também com a cc-orientação de um
Barbosa Miragem, Cristiano Heineck Schmidt e José Salvador Cabral Marks., PPGD/UFRGS. bolsista pelo Prof. Me. Sérgio José Porto (UFRGS).
86 90 O grupo utilizou os convênio da UFRGS até agora com a Universidade de Heidelberg, Tübingen, Kiel na Alemanha, UBA-
Até o mês de janeiro do ano de 2001 tivemos o acompanhamento e orientação do Dr. Ulrich Wehner, professor
convidado UFRGS, DAAD/CAPES, oriundo da Universidade de Colônia, Alemanha e indicado pela Universidade Argentina, Universidad Nacional de Córdoba e Universidad Nacional dei Litoral, na Argentina, Universidade de Baltimore, nos
de Heidelberg, conveniada com a UFRGS, mas antes contamos por 2 anos com o acompanhamento da Dra. EUA, Universidad Nacional de Assunción, Paraguai, e Universidad da República, Uruguai.
91 A Faculdade de Direito e o PPGD possuem convênios com a Universidade de Münster, Alemanha, Universidade
Harriet Christiane Zitscher, do Instituto Max-Planck em Hamburgo (Alemanha), professora convidada UFRGS/
DAAD/CAPES, nesta cátedra alemã na Faculdade de Direito de 1998 a 1999. de Paris I (Panthéon- Sorbonne), Universidad Nacional de Rosário, Argentil,ia e USP, São Paulo.
92Assim os artigos de Alfred von Overbeck (Instituto Suíço de Direito Comparado), "Eleição de Foro segundo a
87
Entre junho e outubro de 2000 tivemos a colaboração do pesquisador do Centre de Droit de la Consommation nova lei suíça sobre Direito Internacional Privado de 18 de dezembro de 198T', in Revista da Faculdade de Direito
da Universidade Católica de Louvain-la-Neuve, Bélgica, o Mestre alemão Jens Karsten, enviado pelo Prof. Dr. da UFRGS, vo. 12, 1996, p. 7 a 18 e artigo do Prof. Bernard Dutoit.
Thierry Bourgoignie para pesquisar sobre a proteção do consumidor no Mercosul. Tentamos enviar nossos 93 Tradução do artigo de Michael R. Will (Instituto Europa, Saarbücken), A experiência de harmonização das

mestrandos para o mesmo intercâmbio no Centre, mas não obtivemos financiamento. O Intercâmbio de Mestrandos legislações na Europa-Harmonização Autônoma?, executada por Elaine Ramos da Silva e publicada na Revista da
do Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor"IUFRGS com pesquisadores do Centre de Droit Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 13, 1997, p. 207-234. e tradução executada pela líder do grupo do capítulo
de La Consommation da Universidade de Louvain-la-Neuve, Bélgica, em estágios de pesquisa de 4 meses, iniciou- do livro de Eike von HIPPEL, "Verbraucherschutz" e publicada na Revista Direito do Consumidor, São Paulo, vol.
se com a vinda do Me. Jens Karsten. 1, pg. 7 a 15:"A proteção do consumidor-comprador" e também a tradução de artigo do alemão para o português
88
do Prof. Dr. Dr. h.c. Erik Jayme, com 31 pgs., publicada na Revista dos Tribunais nr. 759,janeiro 1999, p.24 a 40,
0s hoje jovens professores das Faculdades de Direito de Porto Alegre, os hoje mestrandos e especializandos,que
sobre o tema:"Visões para uma teoria pós-moderna do Direito Comparado".
tem sua origem como pesquisadores do grupo, costumam acompanhar as reuniões do grupo e colaborar na 94Tradução do artigo de J.H.A. van Loon, do inglês para o português, "Os Aspectos Legais da Adoção internaci-
orientação dos mais jovens em seus temas de especialização, assim hoje colaborarm com o Grupo as professoras onal e a proteção da criança- Relatório da Associação de Direito Internacional", publicada no livro : -Homenagem
Fabiana D' Andrea Ramos (PUC/RS), Elaine Ramos da Silva (UFSMIRS), Sandra Lima Alves (CEUB/Brasilía), à Carlos Henrique de Carvalho, Ed.Revistas dos Tribunais, São Paulo, 1995, pg. 241ss
Sabina Cavalli (Católica!CE). Assim também colaboram os especializandos: Fabiano Mencke, Roberto Silva, 95 Veja tradução executada pela líder do grupo, para o português de artigo em espanhol do Prof. S. Stiglitz
Gustavo Aguiar, Alberto Franco, os mestrandos Cláudia Pitta Pinheiro (UFRGS) e Evelena Boenning (UFRGS) e (Universidad de Buenos Aires), publicado na Revista Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 13, Janlmarço 1995,
o doutorando Fábio Costa Morosini, University of Texas, Austin. pg. 5 a 11, com o título: "Aspectos Modernos do Contrato e da Responsabilidade Civil"

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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
"Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 87
86 Cláudia Lima Marques

o português e publicar na Revista do Basilcon inicialmente, de 1992 a 1998, ajudamos o os trabalhos de nossos correspondentes. 99 de saúde, coordenada nacionalmente pelo Prof.
(Revista Direito do Consumidor) e também na trabalho pioneiro e inovador de Antônio A pesquisadora líder é correspondente in- Dr. José Reinaldo de Lima Lopes (USP). Tive a
Revista da Faculdade de Direito UFRGS. Tam- Herman Benjamin, presidente e fundador do ternacional da Revista argentina, "Revista oportunidade de coordenar a pesquisa no Rio
bém organizamos e publicamos colabora- Brasilcon, 98 na editoração da Revista Di- de Responsabilidad civil y seguros", cujo Grande do Sul e Paraná, realizada no Rio Gran-
ções em espanhol de nossos "correspon- rei to do Consumi dor. Ao assumir a Diretor é o Prof. Atílio Alterni, publicado por La de do Sul com a ajuda da Docente convidada
dentes estrangeiros" ,96 especialmente nos- editoração da Revista, em 1998, criamos uma Ley, Buenos Aires e da revista belgo/inglesa, alemã, Dra. Harriet Zitscher e contando no
seção especial para doutrina internacional, Consumer Law Jornal, que tem como editores Paraná com a contribuição no levantamento dos
sos professores visitantes argentinos. 97
Quanto à editoração de Revistas Jurídicas, onde continuamos a publicar, em espanhol, gerais Thierry Bourgoignie (Uni v. de Louvain- casos da acadêmica da PUC/PR, Caroline Araú-
la-Neuve) e Geraint Howells (Uni v. of Sheffield), jo, também co-autora do relatório do Grupo.
publicada pelo Centre de Droit de la O Grupo fornece jurisprudência atu-
Consommation-CDC .100
96
Assim publicamos os trabalhos dos jovens professores e pesquisadores estrangeiros que se correspondem
alizada para a Revista do Instituto, Revista
com o grupo, Diego Fernandez Arroyo, argentino, professor na Univ. de Autonoma Madri (Sobre Ia
existência de una família jurídica latinoamericana, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 12, Outro exemplo de colaboração com o Direito do Consumidor, que atualmente co-
1996, p. 93 a 110), Gilles Cistac, francês, Diretor da Univ. de Maputo, Monçambique (Poder Legislativo Brasilcon foi a elaboração e a publicação do ordeno, revista especializada considerada
e Poder regulador na Constituição Moçambicana de 30 de novembro de 1990, in Revista da Faculdade de relatório de pesquisa exaustiva sobre seguro- a 3a Revista mais vendida pela Editora Re-
Direito da UFRGS, vo. 12, 1996, p. 148-160), Christoph Benicke, alemão, assitente na Universidade de vista dos Tribunais e editada em São Pau-
saúde realizado pelo grupo no TJ/RS da entra-
Heidelberg ( La convención sobre los derechos dei nino de las naciones unidas y la reforma dei derecho lo. Da mesma forma, a professora alemã Dra.
de custodia y de visita en Alemania, , in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 51- da em vigor do CDC até a elaboração da lei de
seguro-saúde, de 1996 a 1998. Este relatório foi Harriet Zitscher publicou pelo Brasilcon,
70), Erasmo Marcos Ramos, brasileiro, mestrando na Universidade de Heidelberg, Alemanha (A influên-
cia do BGB na parte geral do novo Código Civil português, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, publicado na Revista do Instituto (Revista Di- com apresentação minha, seu livro
vol. 15, 1998, p. 75-98). reito do Consumidor/RT) 101 e no livro do Insti- "Metodologia do ensino com casos práti-
tuto "Saúde e Responsabilidade" em 1998 e fa- cos- Exemplos do Direito do Consumi-
97
Yeja os artigos de Carlos Alberto Ghersi (UBA) publicados na Revista da Faculdade de Direito da
UFRGS (La contracción entre la reformulación de la categoria jurídica dei dano resarcible y ele acceso ai zia parte de uma pesquisa do Brasilcon sobre a dor"102, inaugurando uma nova linha de pu-
dano resacible en el final dei siglo XX, in vol. 11,1996, p. 24-39 e Posmodernidad jurídica- el analisis jurisprudência brasileira em seguros e planos blicações do Brasilcon/MG.
contextuai dei Derecho como contracorriente a la abstracción jurídica, in vol. 15, 1998, p. 21-32 ) e na
Revista Direito do Consumidor, de Ricardo Lorenzetti (UBA), publicados na Revista da Faculdade de
Direito da UFRGS (La descodificación y fractura dei Derecho Civil, in vol. 11,1996, p. 78-93 e Redes
Contractuales, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 16, 1999, p. 161-202) e na Revista 99 Assim foram publicados, na Revista Direito do Consumidor, os trabalhos de nossos correspondentes da
Direito do Consumidor e apresentação do livro de Lorenzetti publicado pela Editora Revista dos Tribu- Argentina: Gabriel Stiglitz- Modificaciones a la ley argentina de defesa dei consumidor y su influencia en el
nais (Fundamentos do Direito Privado), Maria Blanca Noodt Taquela (UBA), publicado na Revista da mercosur, RDC n.29- jan./mar. 1999, p. 9/20; Carlos Alberto Ghersi- La caracterización de los servicios
Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 15, 1998, p. 181-192, Atílio Alterini (UBA), Informe sobre la professionales de la abogacia. El poder cultural y la desigualdad en la formación contractual. RDC n.25- jan./mar
Responsabilidad Civil en el Proyecto de codigo Civil de 1998,vol. 17, 1999, p. 3 e seg. e os publicados 1998, p. 9/18 e Consumo sustentable y medio ambiente, RDC n.31- jul./set. 1999, p. 971103; Medida anticipativa.
na Revista Direito do Consumidor. Prevención de agravamiento del dano a la persona, RDC n.32- out./dez. 1999, p. 1491154 e Esquema de una teoria
98
Assim foram publicados de nossos correspondentes, por inicativa do Dr. Benjamin, na Revista Direito sistemica del contrato, Revista n.33- jan./mar. 2000, p. 51177; Ricardo Lorenzetti- Redes Contractuales:
do Consumidor (RT, São Paulo), os seguintes trabalhos: Gabriel Stiglitz "O direito contratual e a prote- Conceptualización jurídica, relaciones internas de colaboración, efectos frente a terceros, RDC n.28- out./dez.
ção jurídica do consumidor". RDC n. 01, p. 184-199, "O Direito do Consumidor e as práticas abusivas- 1998, p. 22/58, Esquema de una teoria sistemica del contrato, RDC 33, jan/mar. 2000, p. 51177; Atilio Aníbal
Realidade e perspectivas na Argentina" RDC n.03, set/dez 1992, p. 27-35 e "Las acciones colectivas en Alterini- Tendencias en la contratación moderna, RDC n.31- jul./set. 1999, p. 104/114 e Roberto M. Lopez
proteccion dei consumidor"RDC n. 15,jul/set 1995, p. 20-27. Rúben S. Stiglitz "Aspectos modernos do Cabana- Defesa jurídica de los más débiles, RDC n.28- out./dez. 1998, p. 7/21.
contrato e da responsabilidade civil" RDC n. 13, jan/mar 1995, p. 5-11. Ricardo Luiz Lorenzetti 100 Veja Informações sobre jurisprudência e legislação brasileira, artigos de Claudia Lima Marques, no "Consumer

"Analisis crítico de la autonomia privada contractual" RDC n. 14, abr/jun 1995, p. 5-19. Atílio Aníbal Law Jornal" (CDC Publications, Bélgica), vol. 7 (1999), p. 108-109 e p. 119-120 :"Consumer car leasing
Alterini "Os contratos de consumo e as cláusulas abusivas", in RDC n. 15, jul/set 1995, p. 5-19 e contracts- Repayment indexed in dollars -Currency devaluation - Court applies principies of Consumer code" e
"Control de la publicidad y comercialización"RDC n. 12, out/dez 1994, p. 12-16; Roberto M. López "Brazil- New healph insurance law", no vo1.8 (2000), com Gabriel Stiglitz: "New Consumer Protection Laws in
Cabana "Ecología y consumo" RDC n. 12, p. 25-28 e, após, 1994: Gabriel A. Stiglitz - Danõ moral Mercosur" e a aparecer: "The cigarette industry have the burden of proving that nicotine is not addictive to
individual y colectivo, medioambiente consumidor y danosidad coletiva, RDC n.l9- jul./set. 1996, p. consumers".
68176, Atilio Aníbal Alterini- Bases para armar la teoría general del contrato em el derecho moderno,RDC 101 Relatório de Pesquisa quantitativa e qualitativa de jurisprudência gaúcha sobre seguro-saúde e o CDC, realizada
n.19- jul./set. 1996, p. 7/24; Rubén S. Stiglitz- Seguro contra la responsabilidad civil. Control estatal de pelo Grupo de Pesquisa CNPq "Mercosul e Direito do Consumidor", coord. Claudia Lima Marques e Harriet C.
las condiciones generales de la poliza- estado actual en los países del mercosul, RDC n.20- out./dez. Zitscher, conjuntamente com estudantes, publicado na Revista Direito do Consumidor (São Paulo), vol. 29, jan/
1996,p. 9114; Ricardo Lorenzetti- La relación de consumo: conceptualización dogmática en base al mar 1999, p. 88 a 105:"Relatório BRASILCON sobre seguro-saúde no TJRS, de 1991 até maio de 1998"
derecho del mercosur, RDC n.21- jan./mar 1997, p. 9/31; Rubén S. Stiglitz- La obligación precontractual
102Livro de Bolso, "Metodologia do ensino com casos práticos- Exemplos do Direito do Consumidor" Ed. Del
y contractual de información. El deber de conseso, RDC n.22- abr./jun. 1997, p. 9/25; Carlos Alberto
Rey, Belo Horizonte, 1999. Apresentação de Cláudia Lima Marques, p. 1 a 19.
Ghersi- Los profesionales y la posmodernidad- los abogados, RDC n.23/24- jun./dez. 1997, p. 9118.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001
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A pesquisa em Direito: Um testemunho sobre a pesquisa em grupo, o método
88 Cláudia Lima Marques "Sprechstunde" e a iniciação científica na pós-modernidade 89
Em matéria de relações interdisciplinares UFRGS), coordenados pela Profa. Dra. Maria A pesquisa em Direito internacional é um
ceram várias publicações conjuntas, na Argen-
e interinstitucionais, mister destacar que o gru- Suzana Arrosa Soares, uma vez que os alunos tina107 e no Brasil. 108 Assim também mantêm o caminho aberto para o trabalho conjunto,
po possui uma interface muito importante com de iniciação científica lá realizam suas pesqui- de criação e evolução do pensamento e da
grupo colaboração com a cátedra do Prof.
o Juizado de Pequenas Causas da Faculdade sas e todos os professores envolvidos no gru- doutrina Latino-americana. A colaboração
Ricardo Lorenzetti, da UBA e Prof. Gabriel
de Direito da UFRGS, uma vez que geralmente o po, ministram aulas neste curso, 103 assim como Stiglitz, uni v. de La Plata, com a Uni v. de Rosá- com a sociedade c i vil organizada não pos-
mestrando em estágio docente do Grupo coor- com o Curso de Especialização da Faculdade sui apenas o caminho da extensão, também
rio e Uni v. Nacional dei Litoral, Santa Fé.
dena tal posto do J uizado ou lá realiza suas pes- de Direito da UFRGS "O Novo Direito Interna- pode ocorrer através da pesquisa acadêmi-
quisas de Mestrado em Direito do Consumidor, cional".104 O grupo também coopera com o pro- ca e publicações direcionadas para a solu-
com a FEE-Fundação de Economia e Estatística jeto TERMISUL, na elaboração de um dicioná- ção dos problemas regionais ou setoriais.
do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que rio de termos do Direito Ambiental Internacio- Conclusão A Universidade Brasileira evoluiu muito no
contamos com um economista da FEE acompa- nal, coordenado pela Profa. Dra. Maria da Gra-
Como se observa, é possível realizar que concerne a pesquisa de iniciação cien-
nhando e orientado os trabalhos sobre ça Krieger. 105 tífica e este tem se mostrando um caminho
regulação, agências reguladoras e outros tra- pesquisa em grupo,, frutífera e séria, em Direito.
Em matéria de relações internacionais, 106 O método aqui retratado é apenas um, muitos positivo para alunos e professores-pesqui-
balhos voltados para o estudo do impacto das
o grupo mantém contato com a Universidade outros podem ser desenvolvidos e aperfeiçoa- sadores também no Direito. Esperamos que
desestatizações frente as consumidores e com
de Buenos Aires, com a cátedra da Carlos dos pelos colegas interessados em pesquisa. este testemunho possa motivar e ajudar.
a AGERGS, uma vez que vários egressados do
grupo trabalham e assessoram a Agência Re- Alberto Ghersi (Direito Civil: Obrigações e Con-
guladora do Estado do Rio Grande do Sul. tratos), sendo que vários alunos do grupo pu-
deram participar de Congressos na Argentina
Na UFRGS, o grupo mantém contatos em 1993, 1994, 1997 e 1998, os professores do
com o CEDEP, Centro e Biblioteca especializa- grupo são convidados anualmente a palestrar
da em Integração e seu curso de Especialização na Argentina e os professores da cátedra no
Interdisciplinar "Mercosul e Integração" (IFCH/ Brasil. Da colaboração destes dois grupo nas-

107
Em 1993 veja capítulo de Livro publicado na Argentina, "MERCOSUL - Perspectivas desde el Derecho
Privado", Carlos Alberto Ghersi(Director), Editorial Universidad, Buenos Aires, 1993, p. 167 a 209: Cap.VIII-
"Tranferencia de Tecnología." e 1996 - Parte Brasileira do Capítulo IX do Livro coletivo publicado na Argentina,
,,MERCOSUR- Perspectivas desde el derecho privado- Segunda Parte", org. Ghersi, Carlos Alberto, Editorial
Universidad, Buenos Aires, 1996, tradução para o espanhol de Carlos Alberto Ghersi, pg. 199 a 226: Cap.IX-"Los
derechos del consumidor. Una visión comparativa entre el Brasil y la Argentina. A) El Código Brasilefío de
103
São professores do Curso, além da autora, as professoras Vera Fradera, Martha Olivar e Fabiana Ramos, além Defensa dei Consumidor y el Mercosrn'' e em 2000 , capítulo de Livro publicado na Argentina, "Los Nuevos
do professor convidado DAAD/CAPES, Ulrich Wehner. Danos- Soluciones modernas de reparación", vol. 2, Carlos Alberto Ghersi (Director), Editorial Hammurabi,
104 Buenos Aires, 2000, traduzido para o espanhol, pg. 69 a 105: Cap.IV-"Contratos de Time-Sharing en Brasil y la
São professores do Curso do Departamento, além da autora, que o coordena junto com o Prof. Manoel André
protección de los consumidores: critica ai Derecho Civil en tiempos posmodernos".
da Rocha, as professoras Vera Fradera, Martha Olivar e Fabiana Ramos, além do professor convidado DAAD/
CAPES, Ulrich Wehner. 108
Assim foram publicado os artigos dos Assistentes da Cátedra de Carlos Alberto Ghersi, Manuel Cunha Rodriguez
105
Cooperaram com o Projeto os alunos Fábio Morosini e Fernanda Barbosa, além da líder do grupo. (El Sistema de Franchising y la tutela de los consumidores y usuários en el derecho argentino, in Revista da
106 Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 147-172), GracielaLovece (El tiempo compartido,, in Revista
Como conclama FERNADEZ ARROYO, Diego, Propuestas para la enseiíanza y la investigación deZ Derecho
da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 131-146), Eduardo Barbier (La tutela dei cliente bancaria
Internacional Privado en América Latina, no livro "Jornadas de Derecho Internacional', Ed. OEA/Sec. de
desde Ia Iey de defensa dei consumidor en el derecho argentino, , in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v o.
Asuntos Jurídicos, 2000, p. 93 a 112, há que se criar um "jurista americano abierto ai mundo",p. 96 e especialmen-
13, 1997, p. 99-116), Célia Weingarten (Estado de la doctrina y jurisprudencia en la responsabilidade medica, in
te frisar os estudos e pesquisas na "integración Iatinoamericana", p. 97.
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vo. 13, 1997, p. 39-50).
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001
Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 20, Outubro/2001

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Iniciação Científica CESUMAR
Jan./Jun. 2008, v. 10, n.01, p. 27-34

ESTRATÉGIAS DE LEITURA E ESTUDO NO CURSO DE DIREITO

Judith Apda de Souza Bedê*

RESUMO: Abundam na mídia informações sobre o desempenho brasileiro nos testes internacionais de leitura, inferior ao de países com economia
muito menos avançada. Também não faltam comentários sobre a proliferação de cursos de Direito com baixa qualidade. De um lado, professores
do ensino fundamental e médio trabalham em péssimas condições, com remuneração, no mínimo, vexatória; de outro, professores do ensino
superior estarrecidos com a “qualidade” do novo acadêmico. Em meio a tudo isso fica o alunado: “mal lê, mal fala, mal ouve e mal vê”. Nesta
conjuntura sobressai a questão da leitura, que há muito tem preocupado os educadores e a sociedade em geral. É fato que os alunos pouco ou
nada lêem durante todo o processo de escolarização, deficiência que persiste mesmo diante do prejuízo para sua formação profissional. Quando
lêem, restringem-se a um baixo nível de compreensão das informações contidas em textos simples. Assim, o problema em torno do qual se firma
esta pesquisa é o do resgate da leitura nos bancos universitários, a partir da vivência coletiva e da cosmovisão artística e interdisciplinar, visto que
a leitura permite dialogar com diversas outras áreas do conhecimento, em suas várias interfaces. Para tanto, este projeto, posto em prática na
disciplina de Comunicação e Investigação Científica, tem por escopo explorar questões relacionadas à leitura aliando-a à expressão oral, com vista
à expansão e aprimoramento do conhecimento acadêmico. Pretende-se dinamizar o processo de leitura, com a conseqüente transformação do
aluno em cidadão, em falante e em leitor da sua própria língua e da ciência jurídica.

PALAVRAS-CHAVE: Direito; Leitura; Oralidade; Clássicos jurídicos.

READING AND STUDYING STRATEGIES IN LAW SCHOOL

ABSTRACT: There are, inside the media, a lot of information about the Brazilian performance in international tests of reading, which is lower than
countries with its economy less advanced comparing to Brazil. Also comments about the Law schools proliferation with low quality exist. On the
one hand, teachers of the elementary and high school works in poor conditions with remuneration at least embarrassing; on the other hand,
college teachers astounded with the “quality” of the new college student. Among all of this, there are the learners: barely read and speak; barely
hear and see. In this context, the issue of the reading highlights, once it has been concerning the educators and the society in general for a long
time. It is a fact that the students do not read or do it very bad during the whole learning process, a deficiency that persists even standing the
damage for its own professional formation. When read, restrict itself to a low level of comprehension of the information founded in simple texts.
Thus, the problem around this research is the recover of the reading at the university field, starting from living as a group and from the artistic and
interdisciplinary cosmovision, once reading allows to dialogue with many other areas of knowledge in its various interfaces. This project, put into
practice at the Communication and Scientific Investigation subject, aims at exploring questions related to the reading, working together with the oral
expression, aiming the expansion and improvement of the student knowledge. It intends to improve the reading process with the consequent
transformation of the student into a citizen, a speaker and into a reader of its own language and of the juridical science.

KEYWORDS: Law; Reading; Orality; Juridical classics.

INTRODUÇÃO mação do gosto é retomar as relações entre leitura, literatura e escola do


ponto de vista das possibilidades políticas do movimento no sentido de de-
Já dizia Monteiro Lobato: “Um país se faz com homens e livros”. No en-
sestabilização da dicotomia entre prazer e saber”. (MAGNANI, 1989, p. 27-
tanto, deve-se destacar que, além dos livros, é preciso avaliar algumas con-
29). Desta feita, pensar os problemas, estudar teorias e desenvolver estratégias
cepções pelas quais se opta, como as de sociedade, de educação, de lin-
para minimizar problemas com a leitura, a oralidade e a compreensão de
guagem, de leitura e de literatura, além da formação do gosto. “E falar em for-
textos do universo jurídico foi o objeto de trabalho desta pesquisa.

*
Docente da disciplina de Comunicação e Investigação Científica no curso de Direito no Centro Universitário de Maringá – CESUMAR; Mestranda em Direito da Personalidade
no Centro Universitário de Maringá – CESUMAR; Licenciada em Letras e em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM. E-mail: judithbede@cesumar.br

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28 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

Buscou-se explorar o desenvolvimento de estratégias de leitura Diante deste estado de coisas, é preciso agir, buscar novos
que levassem o acadêmico do primeiro ano de Direito a tomar contato paradigmas, o que passa pela concepção de língua como discurso
com as leituras do universo jurídico e algumas boas obras da literatura que se efetiva nas diferentes práticas sociais, cabendo à escola
nacional, aprimorando-lhe o gosto e incentivando a perspicácia e agudeza oportunizar o contato com textos literários que aprimorem o
de sentidos, assim como a argumentação a partir de determinados pensamento crítico e a sensibilidade estética dos alunos; fomentando
pontos de vista. Boa literatura é como uma obra de arte: vem carregada o espaço dialógico e polissêmico da Literatura.
de prazer estético, primordial à humanidade. Assim, o problema em torno do qual se firma esta pesquisa é o do
Toda área dispõe de mestres, pesquisadores, estudiosos que, através resgate da leitura como forma de subsidiar o aluno no trato da vivência
de seu trabalho, ofereceram valioso contributo às ciências às quais se coletiva a partir da cosmovisão artística e interdisciplinar, visto que a Literatura
filiaram; nos bancos universitários são eles chamados de clássicos. dialoga, em suas variadas interfaces, com diversas outras áreas do
Entretanto, com o passar do tempo e as mudanças sociais e idiomáticas, conhecimento. Para tanto, haverá o estudo de questões relacionadas à
o acesso àquele saber fica mais “difícil”, falta intimidade com os termos leitura do texto literário, a partir do qual se pretende desenvolver práticas de
técnicos, faltam pré-requisitos cognitivos, são escassas as habilidades de estudo que conduzam à dinamização do processo de leitura com a
leitura e muito daquilo que é valioso, motivador e interessante, perde-se. conseqüente formação do aluno como leitor, sobretudo um leitor do universo
Quando se trata de uma ciência milenar como o Direito, a compreensão jurídico, e também da arte da palavra: a Literatura.
do desenvolvimento histórico-social e da evolução do pensamento jurídico O fracasso escolar, desde as séries iniciais, tem sido associado, de
em muito pode contribuir para a formação do acadêmico. Não obstante, a acordo com Magnani (1989, p.10), à falta de leitura, e isso se agrava quando
leitura dos clássicos da área, da boa literatura, das matérias bem redigidas se fala de formação profissional, pois existe o pressuposto da leitura para
dos melhores jornais, habilita o aluno a conviver com o outro de modo aprimoramento, complementação e descoberta de conhecimentos através
mais abrangente, tornando-o homem mais completo, cidadão cônscio de do ato de ler. À deficiência da leitura da palavra junta-se a falta de leitura de
seus direitos e deveres, profissional apto a diligenciar em favor do direito mundo, como diria Paulo Freire, e o resultado é um acadêmico que se ilude
de seu cliente ou a aplicar a melhor interpretação da lei ao caso concreto. acerca do desenvolvimento de seus conhecimentos - além de um professor
Ler, para o acadêmico de Direito, é pressuposto fundamental. desestimulado, pois sente estar sempre voltando a etapas iniciais, dizendo o
dito. A conseqüência disso é o fracasso do cidadão, uma vez que sua
2 DESENVOLVIMENTO compreensão fica turvada, sua ação não tem objetivo, se é que se pode falar
de ação. Forma-se um homem pela metade: alijado do poder da arte literária
2.1 LEITURA, LITERATURA E ARTE e da força dos argumentos e inconsciente da potência do discurso, vai
sendo engolido por ele. Mostrar ao aluno que a leitura está ligada ao prazer
No intuito de buscar soluções para o déficit de leitura demonstrado estético e à arte de dizer, em muito contribui para que ele veja o mundo que
pelos alunos do curso de Direito, buscou-se a melhor teoria sobre os o cerca. A esta idéia se filia Fischer (2002, p. 19):
problemas da leitura na escola. O ponto de partida está no próprio homem.
O ser humano, à semelhança das formigas, símios e cupins, vive em O poder educacional e social das palavras e
das imagens é pacifica-mente reconhecido.
sociedade; no entanto, diferentemente dos animais, não apenas se
Uma obra de arte é encarada não como um
movimenta em meio à natureza, mas age motivadamente, visando atingir acontecimento efêmero, mas como uma ação
um objetivo; transforma a natureza, a si mesmo e aos outros a partir de cujas conseqüências alcançam muito longe:
seus atos; como ser social, precisa conviver. Aliás, já dizia Aristóteles: “O nascida do real, ela reage sobre a realidade.
homem só ou é um bruto ou é um deus”. Ocorre que, desde a Revolução
Industrial até nossos dias, houve um processo crescente de mecanização A leitura, assim, transmuta-se em meio de difusão da arte, da cultura,
da vida, e a sociedade, dividida em classes, gera um homem insociável, do saber acumulado. Alfredo Bosi (2002, p. 109) defende a idéia de que,
ou seja, desligado do compromisso de conviver. em tempos de televisão e cinema muito evoluídos, a leitura, sobretudo
A grande expansão do mercado livreiro deixa entrever que o problema dos textos clássicos, parece ter perdido o fascínio, sendo fulminada pela
da leitura encontra ainda outro percalço: a massificação e a crise da boa comodidade da imagem pronta.
leitura. Para Alfredo Bosi (1999, p. 108), o indivíduo foi massificado. A Não se advoga contra os recursos tecnológicos, mas há que se
complexidade da leitura dá lugar ao folhetim de qualidade duvidosa e ao compreender que, se o aluno de outras épocas chegava aos bancos
apelo aos sentidos, perdem-se valores e padrões estéticos. A leitura universitários com poucas leituras, isso se devia, muitas vezes, à falta
passou a ser mercadoria vendida no shopping neste século de extremos. de acesso ao livro, ao passo que o acadêmico de hoje tem o acesso,

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as condições e até facilidades, mas não se interessa por um meio Assis, além de diversos excertos de textos interessantes, promoveu-se
menos imediatista que os jogos eletrônicos, filmes e programas, em amplo debate sobre a natureza humana do ponto de vista dos autores dos
que se torna mero ouvinte, platéia muda. A leitura exige participação. textos. Seguiu-se a leitura do clássico jurídico “Como nasce o Direito”, de
Desta feita, novos tempos exigem novos paradigmas, cabendo Francesco Carnelutti, em consonância com os conteúdos abordados na
aos operadores da educação superior oportunizar o contato com textos disciplina de Economia Jurídica. Eram freqüentes os debates, a produção
literários, com doutrinas clássicas, com obras de relevo, aprimorando de parágrafos de forma individual, em duplas e equipes, o que favorece a
o pensamento crítico e a sensibilidade estética dos alunos; fomentando troca de idéias e amplia a compreensão a partir da visão do outro,
um espaço dialógico e polissêmico, que estimule a leitura e a reflexão acrescentando-se, neste ponto, a necessidade de exercitar o respeito à
sobre ela. O ato da leitura é complexo, exigindo amadurecimento do diversidade na convivência social necessária.
leitor, ainda mais quando o texto tem alto padrão e valor estético O passo seguinte, já no segundo bimestre, exigiu uma leitura mais
A sociedade cria o homem a partir de um modelo preexistente, complexa, recheada de termos técnicos e conceitos jurídicos: o livro de
impondo ideologias, por isso não é neutra, mas plena de significado. Roberto Lyra Filho “O que é Direito”. Em sala de aula, após a leitura,
Desse modo, não pode a academia deixar o indivíduo à mercê das realizada pela maioria dos acadêmicos, aliou-se à compreensão básica
ideologias dominantes, mas deve oferecer-lhe os meios para compreender a exposição de técnicas de resumo e fichamento. Primeiramente,
o universo no qual se insere. Para Bordini e Aguiar (1993, p.11-12), é comentou-se em sala a obra como um todo, colhendo-se dúvidas
inegável o prestígio conferido ao texto escrito e a desvalorização daqueles surgidas durante a leitura. Posteriormente, a professora releu com os
que não dominam o código. O livro, detentor por excelência do texto alunos o capítulo inicial, marcando trechos de destaque e registrando-
escrito em código verbal, é o mediador do conhecimento e pertence à os no quadro. Para o capítulo segundo, os trechos de destaque foram
classe dominante, que veicula apenas a sua versão da realidade. De dados pelos alunos seguindo-se um roteiro oral, do tipo perguntas e
acordo com as autoras supracitadas, o ser humano busca dar sentido à respostas, dado pela professora. Para os dois últimos capítulos, os
sua existência e ao mundo que o cerca, e o livro pode ser o veículo para alunos elaboraram o resumo e realizaram o fichamento para estudo da
este diálogo, e mais ainda aqueles livros que, por sua abrangência, atingem obra. A fim de exercitar o raciocínio lógico e a capacidade de comparação,
uma significação mais ampla. explorou-se a música “O meu país”, cantada por Zé Ramalho,
Desse modo, o primeiro aspecto a ser considerado é o da leitura-frui- estabelecendo-se relações entre a teoria do direito e sua prática na
ção, tentando provocar no aluno a emoção do belo; para tanto, serão pro- sociedade brasileira contemporânea. Na ocasião, casos recentes de
movidos cotejamentos de textos variados, filmes, dramatizações. A leitura crime e corrupção foram analisados a partir de noticiários de TV e
será tomada como espectro de possibilidades a partir da exploração de reportagens do jornal escrito. Diante da superação de muitas das
textos variados (no sentido mais abrangente que a palavra texto possa dificuldades iniciais, introduziram-se, no terceiro bimestre, as aulas de
comportar, significando todo material visual, audiovisual, verbal ou não- teatro e a solicitação de leitura de uma obra de fôlego “A cidade antiga”,
verbal). O intuito é desenvolver, reavaliar, aplicar e criar técnicas de mo- de Fustel de Coulanges. Em consonância com a disciplina de Ciência
tivação da leitura que efetivem a melhora da leitura e da qualidade do leitor. Política, foi recomendada a leitura do livro “O povo brasileiro”, de Darci
Ribeiro, além de termos assistido partes do documentário de mesmo
2.2 ESTRATÉGIAS DE ESTUDO E TRABALHO nome, o qual prendeu muito a atenção de todos, gerando reflexão. Nas
aulas de teatro, exploram-se a expressão corporal, a concentração, a
A fim de dar conta dos objetivos a que o projeto se propôs, atacou-se a dicção, a postura, o volume adequado à exposição oral de conteúdos,
capacidade de compreensão de textos escritos curtos, chegando-se até os enfim. Ainda no terceiro bimestre, desenvolveu-se a idéia de um
mais longos e finalizando-se com a leitura completa de obras ligadas ao uni- seminário dramatizado, a saber, a junção de teoria e prática, um recurso
verso jurídico. Para tanto, foram usados os recursos de análise lingüística, criado pela professora para que os alunos leiam, escrevam, expliquem
gramática aplicada e exposição de conceitos jurídicos e idiomáticos funda- e dramatizem capítulos da obra de Coulanges, o que lhes oferece a
mentais à compreensão dos textos, trabalhando com acadêmicos de pri- oportunidade de trabalhar individualmente enquanto leitores e
meiro ano de Direito dos períodos diurno e noturno - por volta de 200 alunos. coletivamente, na qualidade de componentes de um grupo que deverá
Os métodos utilizados são os mais comuns em pesquisa jurídica: o explanar um tema. É obrigatória a pesquisa sobre a situação do Direito
indutivo, o dialético e o sistêmico. Foram utilizados testes de concursos na Antigüidade e atualmente, comparando-se práticas sociais e jurídicas;
públicos, inicialmente, partindo-se para a leitura do livro de Paulo Freire: “A o que lhes exige pesquisa e leitura da legislação e da doutrina, além do
importância do ato de ler”, com destaque para as idéias principais nele que lhes é dado no primeiro ano. Foi freqüente a relação estabelecida,
contidas. Em seguida, com o conto “A igreja do diabo”, de Machado de pelos próprios alunos, com conteúdos ministrados pelos demais

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30 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

professores, o que demonstra compreensão, interesse e, sobretudo, 3 ALGUNS ROTEIROS DE TRABALHO


aprimoramento da capacidade de leitura e interpretação, bem como
habilidade para a abstração. Nesta fase, foram acrescentados recursos 3.1 “COMO NASCE O DIREITO”
tecnológicos para enriquecer as apresentações e evidenciou-se o
interesse e a melhoria do nível de leitura No nível universitário, o material lido precisa passar por um processo de
O trabalho, embora tenha sido pensado e parcialmente aplicado em registro, que tornará possível sua posterior retomada, daí a necessidade de
2006, sofreu mudanças para aprimoramento, e em 2007 encontra-se em escrever, anotar, elaborar fichas de resumo sobre o que se lê. Apenas
curso; mas tanto no ano anterior como agora, tem apresentado excelentes aplicar o questionário pode ser uma prática, mas pode-se ir além: proporcionar
resultados, pois os acadêmicos têm demonstrado interesse, desem- com ele a releitura necessária, favorecer uma discussão posterior acerca
penhando seu papel de forma respeitosa e responsável, havendo, inclusive, do que foi perguntado e do que foi respondido, realizar a troca de i-déias que
aumento da média bimestral. Muitos trabalhos deixam claro que houve levam à reflexão. Embora bastante antigo, o recurso do questionário pode
pesquisa para além do que se pediu como leitura obrigatória, chegando a se tornar válido, sobretudo quando se está diante de uma situação de pouco
envolver clássicos da literatura nacional, com a obra “Morte e vida Severina” contato com a leitura, como é o caso da maioria dos nossos jovens.
de João Cabral de Melo Neto, além de músicas e filmes relacionados aos
temas trabalhados. Para o quarto bimestre, será explorada a técnica da QUESTIONÁRIO
pesquisa com produção de um trabalho, sendo que cada equipe escolheu 1.O que diferencia o direito dos juristas, de acordo com Carnelutti?
um tema ligado ao Direito e já começou a ler e a fichar. Também será feito 2.Quando estudamos em sala os universos cultural e natural,
um júri simulado a partir dos livros de Lon Füher “O caso dos exploradores vimos que o homem convive. É nesse meio social que atua, trava
de cavernas” e “O caso dos denunciantes invejosos”. conhecimento com os outros, buscando atender seus anseios.
A universidade e todo o ensino superior não podem se render à Carnelutti também trata das necessidades humanas, relacionando-
dinâmica do mercado e deixar tudo como está; é preciso que o as com outro ramo do conhecimento. Que ramo é este? Qual o ponto
homem retome sua identidade e sua humanidade, e isto se faz pela de encontro entre esta outra ciência e a ciência do Direito?
leitura, pela arte, pelo diálogo e pela qualidade que se busca oferecer 3.No contexto do capítulo, fala-se do contrato como fenômeno
e adquirir nos bancos universitários. Observa-se que o acadêmico, econômico e jurídico: qual o papel dele na sociedade, de acordo
desacostumado à leitura freqüente, de início apresenta dificuldades, com Francesco Carnelutti?
mas adapta-se às exigências das disciplinas. É preciso incentivá-lo e 4.Em determinado ponto do capítulo II, o autor cita o filósofo Kant,
cobrar resultados. Muitos dos nossos acadêmicos podem reclamar dizendo que a base da razão moral é a capacidade do homem de agir
de falta de tempo, excesso de trabalho, dificuldades de concentração, racionalmente. Assim, a paz social seria obtida quando cada o indivíduo
mas a prática tem demonstrado a superação de tais obstáculos e se comportasse com o outro do mesmo modo como gostaria que as
ótimos resultados, que revertem em benefício dele mesmo e de sua outras pessoas se comportassem com ele. Nessa linha estreita-se a
vida profissional e pessoal. Outro fator preponderante é que o professor relação entre Direito e Moral, e pergunta-se: Direito e Moral confundem-
seja leitor, sempre em busca de novidades na sua área ou de se? Se sim, de que modo? Se não, como estão ligados?
disposição para resgatar antigas práticas. Somente o professor leitor 5.Qual o papel da sanção de acordo com Carnelutti? Estaria ela
é capaz de formar leitores. O professor pesquisador incentivará a ligada mais à Moral ou mais ao Direito?
pesquisa entre seus alunos, pois o acadêmico de hoje é o profissional 6.De acordo com o autor, o delito é resultado dos tempos de
de amanhã, que trabalhará, no caso do Direito, com nossos litígios e guerra ou dos tempos de paz? Por quê?
pendências, com nossos direitos e deveres, por isso este acadêmico 7.Diferencie sanção penal de sanção civil seguindo os
precisa de uma formação ampla e voltada para o convívio em parâmetros dados pelo autor.
sociedade. Nesse ponto, houve total apoio dos colegas de trabalho, 8.No livro, o que distingue os delitos dolosos dos culposos? Os
que exploraram obras clássicas da Filosofia e até da tragédia grega. omissivos dos comissivos?
Entendo que, uma vez no mercado, o bom profissional colhe frutos 9.Em que consistem a prevenção geral e a prevenção especial
para si, mas também traz ganhos para a instituição que o formou, pois previstas no ordenamento?
esta lhe ofereceu o suporte necessário para desenvolvimento de 10.O que vem a ser direito objetivo? E direito subjetivo?
suas potencialidades. Não apenas em Direito este trabalho é possível, 11.Como se explica que a propriedade tenha passado de instituto
mas em todas as áreas, afinal, conhecer da leitura, explorar a oralidade, econômico a instituto jurídico, e mais, alçado à qualidade de direito?
conviver em sociedade é tarefa de todos nós.

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12. Explique com suas palavras como Carnelutti desenvolve a e adequação” e escapam ao que é “verdadeiro e correto”
idéia de que pela propriedade chegou-se ao direito de crédito, juridicamente”. O que ele quis dizer? Você concorda? Por quê?
ressaltando a importância deste instituto para o direito. 5) Gramsci, importante líder marxista italiano, defendia: “a visão
13.Explique a seguinte assertiva: “Pode-se comparar a dialética precisa alargar o foco do Direito”. Qual a abrangência deste
economia à terra sobre a qual a ética espalha sua semente; sobre posicionamento? Explique o que ele quis dizer.
essa terra e dessa semente nasce, cresce e agiganta-se o direito. 6) Dentro da temática da ideologia abordada no livro, explique a assertiva:
Por analogia, não há, no complexo ordenamento jurídico, uma “O ‘discurso competente’, em que a ciência se corrompe a fim de servir à
vegetação mais luxuriante do que a do contrato”. dominação, mantém ligação inextrincável com o discurso conveniente”.
14.O que é e como deve ser o ler, de acordo com Carnelutti? 7) Quais os principais modelos de ideologia jurídica citados no início
15.Existe, para Carnelutti, relação entre o progresso da do segundo capítulo? Como se caracterizam? Que autores são citados?
sociedade e o número de leis criadas para ela? Quais as palavras-chave para estes modelos? Há uma subdivisão nesses
16.O que vem a ser a “Lei das XII Tábuas”? E o “Código de modelos? Seja abrangente na resposta, mas sem copiar do livro.
Hamurabi”?
17. Qual a concepção de juízo defendida pelo autor? 3.3 SEMINÁRIO DRAMATIZADO
18. Explique a evolução do Estado a partir da célula familiar,
ressaltando pontos relevantes desse desenvolvimento histórico A leitura do livro “A cidade antiga” foi solicitada com bastante antecedência,
explicitados no capítulo VIII do livro mas contando-se com as dificuldades de compreensão e concentração e
19. Pode-se dizer que a “previsão” de Victor Hugo (1851) realizou-se? com a possível resistência à leitura de uma obra de mais de quatrocentas
20.Se Estado e Direito se encontram tão intimamente páginas, optou-se por um trabalho em grupo. A fim de deixar claros os
relacionados que um pressupõe a existência do outro, seria correto objetivos do trabalho e o processo de desenvolvimento, foi dado ao aluno um
afirmar que a globalização atual poderia corresponder a um Estado roteiro com as regras do trabalho a ser desenvolvido.Além disso, as equipes
Internacional? Explique de acordo com o seu entendimento do texto. puderam marcar horário para atendimento com a professora, a fim de
21. Direito e justiça são a mesma coisa, de acordo com o autor? sanar dúvidas e discutir idéias. O roteiro não foi discutido em sala, mas
Explique. disponibilizado no sistema aluno on line. O intuito deste ato foi, justamente, o
22. “Se o Direito é um instrumento da justiça, nem a técnica nem a de promover a leitura, uma leitura que, para o acadêmico, se tornaria
ciência bastam para saber manejá-lo. (...) mas qualquer um de nós fundamental.As perguntas direcionadas à professora deixaram claro quais
tem o dever de fazer o quanto puder para alcançar esse objetivo (a os problemas mais comuns no campo da compreensão de textos
justiça)”. O que você compreende desta afirmação de Carnelutti? instrucionais, os quais são comuns no cotidiano de todos os indivíduos
letrados, da receita de bolo à receita de remédio, passando pelos manuais
3.2 “O QUE É DIREITO” dos utensílios da casa e os cadastros em sites, onde seguir instruções é
fundamental. Eis as instruções dadas:
Considerando a complexidade da leitura do livro “O que é Direito”, o
professor deve retomar alguns conceitos, até mesmo discutir a SEMINÁRIO DRAMATIZADO_ORIENTAÇÕES GERAIS
organização do livro, que pode ser feita oralmente, mas seguindo um 1. O que é?
roteiro que leve o aluno a compreender a leitura, a assimilar os conteúdos 2. Para que serve?
ali veiculados. Um exemplo de questões a serem vistas é o que segue: 3. Como deverá ocorrer?
4. Quem participará?
1) A organização topográfica proposta pelo autor (colocação de 5. Quanto vale?
capítulos, itens, seqüência) favoreceu a leitura? Seguiu uma ordem
de complexidade? Propôs retomadas de temas citados em capítulos Caros alunos, penso que alguma(s) pergunta(s) acima ainda possa(m)
antecedentes ou exigia conhecimento sobre teorias jurídicas? estar ecoando na cabeça de muitos; assim, aproveito o serviço do aluno on
Explique como você realizou a leitura. line, que a instituição oferece, para trazer, por escrito, mais detalhes.
2) Existe diferença entre lei e direito?
3) Seria correto afirmar que da lei emana o Direito? 1. O que é?
4) Roberto Lyra, autor do livro estudado, afirma na p. 09 que Um seminário é um trabalho acadêmico que tem como meta a
também no Socialismo “surgem leis que carecem de “autenticidade exposição e o debate de assuntos explorados por grupos de estudos

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32 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

a partir da explanação de cada um dos participantes. Já uma a) ajudar o aluno a compreender os conteúdos veiculados por
dramatização tem por escopo tornar ou procurar tornar interessantes diversas fontes de pesquisa;
(curiosos, dramáticos ou comoventes) fatos, situações, problemas, b) explorar o trabalho em grupo como ferramenta do profissional
narrativas (HOLANDA, 1998). do Direito;
A modalidade seminário dramatizado foi desenvolvida pela c) favorecer a oralidade, muito negligenciada no ensino
professora com o objetivo de reunir os dois elementos, portanto, a fundamental e médio e essencial para a nossa área;
partir do estudo do grupo, haverá a explicação de um dos conteúdos d) oportunizar situações de postura pública com certa carga de
previamente selecionados, juntamente com a dramatização dos estresse;
fatos que envolvem o citado conteúdo. e) por meio da discussão em grupo e da elaboração de material
Assim, os grupos estão cientes de que deverão apresentar-se a ser repassado aos colegas, aprimorar a prática da pesquisa e da
contemplando os dois requisitos. escrita em língua padrão;
Para o seminário, considera-se correto que a equipe escolha f) o aluno se fazer entender oralmente e por escrito;
ou combine alguns dos elementos abaixo: g) completar o entrosamento entre colegas a partir da base do
a) cartazes; respeito mútuo, havendo situações de embate, discussão e
b) lâminas de transparência; concórdia a serem resolvidas internamente;
c) eslaides do power point; h) gerar um ambiente de parceria responsável, uma vez que
d) material fotocopiado; todos os conteúdos poderão ser objeto de avaliação escrita posterior.
e) banner;
f) apostilas; Enfim, como podem ver, o presente trabalho é um recurso
g) imagens e textos variados. didático muito valioso e que não deve ser negligenciado.

Para a parte a ser dramatizada, o grupo deverá atentar para a 3.Como deverá ocorrer?
presença de: Uma vez organizados os grupos, com as devidas datas
a) cenário mínimo; agendadas, cada equipe terá em torno de 20 minutos para se
b) caracterização das personagens; apresentar (não menos que 10 nem mais que 30 minutos).
c) diálogos claros e compreensíveis; Durante a apresentação, a equipe deverá observar os critérios
d) fala audível para todos os presentes; salientados nos itens anteriores, sempre respeitando colegas e
e) obediência aos conteúdos do livro; professores e tentando ser o mais clara possível nas suas explanações.
f) relação com a atualidade. O grupo que, por qualquer motivo, não se apresentar no dia e
Os alunos podem optar por registrar previamente em material local marcados, sofrerá como sanção a perda total dos pontos do
audiovisual seu trabalho, mas este deve obedecer aos mesmos trabalho (4,0, a saber).
critérios acima, assumindo a equipe a responsabilidade por Nos casos legais previstos pela instituição para faltas, o grupo
eventuais problemas técnicos. deverá encaminhar requerimento escrito e documentado para a
professora com, no mínimo, 24 horas de antecedência, solicitando
Pressupostos mínimos: nova data para apresentação.
a) leitura do capítulo com o qual se comprometeu; Caso seja marcada nova data, esta NÃO se prenderá a dias de
b) compreensão suficiente para solidarizar as informações mais aula da disciplina ou a dias letivos.
relevantes, interessantes, curiosas; Se apenas um elemento do grupo enquadrar-se numa das
c) pesquisa em outros materiais como forma de enriquecer sua situações anteriores (abandono ou falta justificada), deverão os
apresentação, compreensão e repasse para os colegas; demais integrantes substituí-lo como possível, a fim de não se
d) ambos – seminário e dramatização - serem trabalhados, prejudicarem ou trazerem prejuízo aos colegas.
não importando a ordem em que apareçam; Ao final da apresentação do seminário dramatizado, os alunos
e) fazer a relação da Antigüidade com a atualidade. poderão fazer perguntas aos colegas para o esclarecimento de
eventuais dúvidas. O fato de o grupo, porventura, não saber
2. Para que serve? responder a alguma questão, não trará prejuízo à equipe.
O presente trabalho servirá para:

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4. Quem participará? 2. Quais informações são muito importantes e quais dados são
Participam do evento todos os acadêmicos de primeiro ano de secundários?
Direito, matutino e noturno, regularmente matriculados no Cesumar. 3. Qual é o problema a ser resolvido?
Os alunos em dependência ou adaptação poderão anexar-se a 4. Esquematize todos os elementos do problema.
qualquer grupo ou entrar em contato com a professora para fazerem 5. Registre tudo até aqui.
o trabalho correspondente. 6. Extraia informações de um documento e tome notas de
comunicação oral.
5. Quanto vale?
A apresentação (seminário dramatizado), juntamente com o APRENDER A SINTETIZAR
respectivo resumo, valerá 4,0 (quatro) pontos, sendo 3,0 (três) para 7. Estruture a resolução do problema;
o dia do evento (apresentação) e 1,0 (um) para a parte escrita, que 8. organize informações sobre o tema;
deverá estar em conformidade com as regras para trabalhos científicos
da instituição disponíveis no site. Por isso, todos da equipe devem APRENDER A DEDUZIR (apoiar-se em princípios e deles
“falar” no dia e escrever bem o texto!!! extrair conseqüências para um fato)
Para a apresentação serão observados: empenho, desenvoltura, 9. Quais conclusões lógicas poderiam ser feitas?
domínio do assunto, dicção, clareza na exposição de idéias, recursos
utilizados e demais elementos que possam ser explorados pelo APRENDER A COMUNICAR-SE
grupo para transmitir o conteúdo do seu trabalho. 10. Conte a história com outras palavras:
6.No dia da apresentação, já marcado, a equipe deverá entregar a) deixando a situação melhor;
o resumo impresso da parte que lhe coube, incluindo as falas de b) deixando a situação pior.
encenação e detalhes pertinentes da apresentação, indicando a
função de cada elemento da equipe. Ao final, deverá ser anexada APRENDER A DECIDIR (julgar e estabelecer planos de ação)
uma conclusão da equipe. Este trabalho será, em seguida, enviado APRENDER A AGIR (a partir dos planos, dar vida aos projetos)
por e-mail para a professora, no formato de documento do Word e APRENDER A REFAZER (fazer ajustes nos planos ou decisões)
disponibilizado para os colegas no aluno on line. Dadas as bases para o raciocínio dos casos, a turma é dividida
7. Alunos de DP e ADAP deverão procurar a professora para em equipes:
fazerem o respectivo trabalho; 1. Defesa;
8. Caso ainda restem dúvidas, por favor, entrar em contato com 2. Acusação;
a professora no horário de aula. 3. Magistrados;
Sucesso! Beijo carinhoso, abraço apertado! Profª Judith Bedê 4. Jurados;
Invoca-me no dia da angústia, e eu te livrarei, e tu me 5. Réus e testemunhas;
glorificarás” Salmos 50:15 “ 6. Dois indivíduos para registro do evento.

3.4 JÚRI SIMULADO Definidas as funções, são discutidas com a turma as condições
de uso da palavra, o tempo de intervenção, o devido respeito aos
O recurso do júri simulado como técnica de trabalho traz resultados colegas, a forma de votação. Tenta-se seguir, ao máximo, o rito do
muito alentadores, porque o aluno de Direito vivencia, pelos meios de tribunal do júri, fazendo as adaptações necessárias.
comunicação de massa, sobretudo a televisão, situações em que o Direito O resultado é uma turma comprometida com a argumentação,
é discutido. Pelo fato de ser ligada à sua opção profissional, essa é uma lendo teses sobre as obras, buscando soluções em códigos e minúcias
atividade que lhe desperta interesse e para a qual ele já vem motivado. do texto escrito que poderão ajudá-los no deslinde da situação.
Assim, o roteiro básico de trabalho envolve algumas etapas, a saber:
Pede-se que leiam os livros:”O caso dos exploradores de 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
cavernas” e “O caso dos denunciantes invejosos” de Lon Füher e
refletam seguindo os passos dados: Favorecer a leitura, estimular a oralidade, proporcionar
APRENDER A VER + APRENDER A INFORMAR-SE crescimento e emancipação são papéis da escola em todos os
1. Qual a situação? níveis, e quando o ensino superior se propõe a resgatar alunos,

Iniciação Científica CESUMAR - jan./jun. 2008, v. 10, n.1, p. 27-34

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34 Estratégias de Leitura e Estudo no Curso de Direito

buscando soluções para os problemas que o atingem, está-se COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: estudos sobre o culto,
cumprindo o papel social da educação. o direito e as instituições da Grécia e de Roma. Tradução de Edson
Ainda que os resultados só sejam percebidos a longo prazo, não é Bini. São Paulo: Edipro, 1998.
recomendável desistir, porque se a leitura é relevante para o acadêmico
do curso de Direito, ainda é mais importante para o homem que, convivendo FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. Tradução de Leandro
com outros homens, transforma tudo o que o cerca. A percepção estética, Konder. 9. ed. Rio de Janeiro: Guababara Koogan, 2002.
o trato com o próximo, as lições de solidariedade, o companheirismo
desenvolvido, a responsabilidade cobrada e assumida trarão ao aluno FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três volumes
mais que um diploma para o exercício profissional, pois o estudo, a leitura, que se completam. 42. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
a pesquisa e a prática do raciocínio lógico são recursos que possibilitarão
ao acadêmico acesso a uma formação em humanidades capaz de FÜHER, Lon. O caso dos exploradores de cavernas. São Paulo:
transformar sua vida e a dos que o cercam. É esse o maior papel da RT, 2005.
educação: favorecer o pleno desenvolvimento das potencialidades do
homem a fim de fazê-lo conviver com outros homens segundo os preceitos ________ . O caso dos denunciantes invejosos. Tradução de
de justiça, honradez, dignidade e sabedoria; enfim, fornecer-lhe os meios Dimitri Domoulis. São Paulo: RT, 2005.
de acesso aos instrumentos de uma vida feliz.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário eletrônico Aurélio.
REFERÊNCIAS Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

ASSIS, Machado de. A igreja do diabo. In: OBRA COMPLETA de LIRA FILHO, Roberto. O que é Direito. São Paulo: Brasiliense,
Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. II. 1996. (Coleção Primeiros Passos).
Disponível em: < http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/diabo.html>
Acesso em: 20 fev. 2007. MAGNANI, Maria do Rosário Mortatti. Leitura, Literatura e
escola: sobre a formação do gosto. São Paulo: Martins Fontes,
BORDINI, Mª da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura e 1989.
formação do leitor: alternativas metodológicas. 2. ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1993. MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida severina. Rio de
Janeiro: Editora Sabiá,1969.
BOSI, Alfredo. Literatura na Era dos Extremos. In: AGUIAR, Flávio.
Estudos em Homenagem a Antônio Cândido. São Paulo: RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do
Humanitas, 1999. Brasil. 2.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

CARNELUTI, Francesco. Como nasce o Direito. Tradução de


Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russel, 2004.

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Tópicos de Fundamentos e Formação em
Biblioteconomia e Ciência da Informação

Fichamento como método de


documentação e estudo

Marivalde Moacir Francelin

1. Introdução
Apesar de o enfoque deste capítulo ser o fichamento,
destacamos que as três formas básicas de apresentação de
análise do texto acadêmico podem ser: fichamentos, resumos
e resenhas. Entre os manuais metodológicos é comum dizer
que fichar, resumir e resenhar documentos fazem parte dos
métodos de [1] estudo do pesquisador iniciante. Na verdade
fazem parte dos métodos de quase todo pesquisador que lida
com fontes e registros de informação.
Esses elementos do processo da documentação e da
pesquisa não são estanques e nem se isolam em suas etapas
e formas de desenvolvimento. Pode-se fichar um documento
e, logo em seguida, usar o fichamento para confeccionar um
resumo ou uma resenha.
Além de recursos essenciais para estudantes e pesqui-
sadores, fichamentos, resumos e resenhas acadêmicos tam-
bém são parte das atividades cotidianas de trabalhos em
disciplinas e relatórios de pesquisa. Portanto, podem ser con-
siderados etapas de investigação acadêmico-científica.
No caso dos trabalhos acadêmicos não há um único
método de desenvolvimento ou padrão de apresentação. Pro-
fessores requisitam esses trabalhos como atividade e podem
se apoiar em concepções e formatos distintos de fichamentos,
resumos e resenhas. Dessa maneira, mesmo sabendo como

121
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

e porque fazê-lo, quando lhe for solicitado um fichamento,


uma resenha ou um resumo, cabe ao estudante perguntar ao
professor sobre o modelo que será usado na apresentação do
trabalho.
Em síntese, podemos dizer que o fichamento é um mé-
todo de pesquisa pessoal, portanto pode ser realizado de vá-
rias maneiras como veremos mais adiante. Sua função é de
organizar ideias através do material consultado para a reali-
zação de uma pesquisa. Não há limite para se fazer fichamen-
tos, mas isso depende de coerência. Não se pode fichar tudo
sobre um assunto e, geralmente, não usamos todo o material
que levantamos e fichamos, mas teremos uma fonte de infor-
mação organizada para consultas posteriores.
Os resumos já seguem, por exemplo, parâmetros pré
-estabelecidos como as normas da ABNT (Associação Brasi-
leira de Normas Técnicas). A função do resumo, muitas ve-
zes, é de divulgação, ou seja, não serve apenas como método
pessoal de pesquisa. Vocês verão muitos resumos e resenhas
publicados mas, dificilmente, verão um fichamento em algu-
ma publicação.
Um resumo tem extensão limitada e não comporta,
como em resenhas e fichamentos, citações e comentários e,
muito menos menciona outras obras. Geralmente, os resu-
mos trazem informações sobre o conteúdo de uma obra. Tais
informações devem ser claras e objetivas, representando o
tema da obra, a metodologia utilizada, as hipóteses levanta-
das, metodologias e conclusões. Em fichamentos e resenhas
estes itens não são obrigatórios, a não ser que sejam a temá-
tica da pesquisa empreendida e/ou da obra que está sendo
analisada.
Outra coisa importante sobre os resumos está no fato
de existirem vários tipos deles, mas não estamos falando ape-
nas de resumos críticos, informativos e descritivos como as

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José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

normas sugerem. Estamos falando de resumos acadêmicos e


resumos documentários. Qual é a diferença entre eles?
Os resumos acadêmicos são feitos como atividades de
análise de textos para as disciplinas de graduação. Possuem
linguagem menos formal e objetiva e não se baseiam, neces-
sariamente, em normas. Os resumos acadêmicos são aqueles
que os professores requisitam como atividade de análise de
textos. Assim como na linguagem, também não há uma for-
matação para o texto do resumo acadêmico e nem mesmo
critérios quanto à sua extensão. Eles podem ser apresenta-
dos em espaços duplos, com parágrafos e em mais de uma
página, desde que mantenham as informações essenciais do
documento.
A resenha comporta alguns elementos do fichamento e
do resumo. Sendo um texto informativo e crítico ao mesmo
tempo, a resenha, invariavelmente, pode intercalar comentá-
rios e citações (diretas e indiretas), fazer referências a outros
textos, constituindo já um exercício de produção textual. As
resenhas não possuem número máximo de páginas, mas de-
vem respeitar alguns limites para não ser confundida com
um ensaio ou um artigo ou com um resumo.
Não vamos nos estender muito nestas observações,
mas é importante ter em mente que:

1. O fichamento é o primeiro passo na realização de uma


pesquisa, portanto, quase sempre fazemos fichamentos,
independentemente do tipo da pesquisa.
2. O resumo é uma atividade, um exercício de raciocínio que
visa entendimento e síntese de uma obra a partir de regras
pré-estabelecidas ou não.
3. Já a resenha é uma atividade de análise e síntese que per-
mite maior elasticidade na abordagem, porém, exige, além
das características já mencionadas, um certo domínio so-
bre assunto tratado na obra que está sendo resenhada. A

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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

resenha é, portanto, uma atividade mais complexa, porém


torna-se mais fácil quando o hábito de fazer fichamentos e
resumos são familiares ao pesquisador.
Bem, chega de teoria e vamos aos exemplos. Por outro
lado, devemos lembrar que a teoria é extremamente impor-
tante, pois, é a partir dela que refletimos sobre o que estamos
fazendo e sobre o que pretendemos fazer. Lembrem-se que
saber e fazer andam juntos! Se não pensamos, estaremos ape-
nas copiando modelos mecanicamente e voltamos à estaca
zero em termos de pesquisa e desenvolvimento de conheci-
mento. Pesquisa é um ir e vir constantes. Então, ao entrarem
em contato com os exemplos abaixo, sempre procurem con-
sultar o que está escrito acima como indicativo, e obras de
referência para maiores detalhes, ou seja, as próprias fontes
citadas e o material de apoio relacionado na bibliografia.

2. Formas de análise
Salomon (2001, p.91) diz que resumir faz parte da vida
dos estudos, porém, esse exercício intelectual torna-se evi-
dente, e frequente, na universidade, seguindo também como
uma necessidade na vida profissional.
O autor revela ainda que os estudantes têm dificulda-
des em resumir, encontrar as ideias centrais e detalhes do
texto lido. Assim, Salomon (2001, p. 92-94), indica duas “fon-
tes” principais dessas dificuldades.
Dificuldades do estudante: alguns têm facilidade em
encontrar semelhanças (processo de síntese), outros, diferen-
ças (processo de análise). O principal problema, no entanto,
reside no fato de, diante da necessidade de identificar o que
é “fundamental, integrante ou acessório”, acaba-se agindo
de forma apressada e retirando, de forma irrefletida, partes
e mais partes do texto. “Antes tudo do que nada.”, conforme
diz o autor.

124
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

Dificuldades do texto: estilo e temática podem interfe-


rir na leitura e compreensão de um texto. Assim como a difi-
culdade anterior, entendimento, base de leitura, domínio do
vocabulário corrente e conhecimento do assunto são ques-
tões que se impõem ao estudante. O resultado é o mesmo:
“Antes tudo do que nada.” É fato, podemos acrescentar, que
a linguagem usada e a terminologia especializada também
dificultam a compreensão do texto. Mas, nesse caso, existe
ainda a possibilidade de se encontrar diante de um texto es-
crito por um autor que não estava muito preocupado com a
comunicação de suas ideias. São minoria em boa parte das
áreas do conhecimento, mas é bom saber que, esses autores,
que escrevem de maneira complexa, truncada e, muitas ve-
zes, incompreensível, provocam enorme desgaste naqueles
que precisam resumir ou resenhar seus textos.
Cabe destacar que essas dificuldades não se restringem
ao resumo, elas fazem parte dos fichamentos e das resenhas.
Dessa maneira, é importante que se esteja preparado para
momentos em que tais dificuldades surgirem. Com paciên-
cia, aplicação e insistência elas serão superadas. Os resultados
são motivadores quando se consegue superar tais obstáculos.
Referindo-se às resenhas, Létourneau (2011, p. 19), diz que
As vantagens desse exercício são numerosas: ele pos-
sibilita descobrir as obras de um autor, apreciar as sutile-
zas de sua reflexão, afinar-se com o diapasão da ciência,
assimilar novos conhecimentos e familiarizar-se com téc-
nicas, métodos de trabalho e procedimentos de análise.

Quando novos conhecimentos são assimilados, a per-


cepção que se tem de determinados tipos de textos pode mu-
dar, justificando um esforço maior de leitura daqueles docu-
mentos que parecem mais uma obrigação disciplinar do que
uma etapa no processo de aprendizado. Busca-se, como diz
Létourneau na citação acima, uma familiarização metodo-

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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

lógica que permita que essa forma de estudo e pesquisa seja


incluída nos afazeres diários da academia.
Entendendo que há um propósito na leitura para um
fichamento, um resumo ou uma resenha, evita-se o desperdí-
cio de tempo e outros aborrecimentos que aparecem quando
não se vê sentido naquilo que está sendo feito. Para Salomon
(2001, p. 95),
O estudante que tem o hábito de ler sem um propó-
sito determinado assenta-se e simplesmente lê; ao término
diz: ‘Pronto, já li.’ Assim o faz com todas as matérias, no
mesmo ritmo de leitura, e reage da mesma maneira diante
de qualquer assunto. Tal estudante tem muito a aprender,
pois este não é o modo correto de agir.
É preciso ter um propósito inicial e ler em função
dele. Um propósito inicial pode ser o de ter ideia do assun-
to. Outro pode ser o de tirar a essência ou o mais impor-
tante do que se vai ler.

“Por que estou lendo esse documento?” e “Do que se


trata esse documento?” são perguntas que sevem, primeiro,
como ponto de partida, motivação, compreensão de uma
ação diante de um documento e, segundo, como integração
com o conteúdo do documento e a apropriação de suas in-
formações. Antes de passar ao tópico seguinte, destaca-se
que essa apropriação de informações segue objetivos prévios
do estudante pesquisador, mas, também, é influenciada pe-
los objetivos do próprio documento. Reflete, portanto, um
processo dialético, de extrema importância, pois, conduzirá
leitor e documento para novas sínteses, conclusões, análises,
perguntas e relações.

3. Etapas da análise do Documento Acadêmico


Indicados esses momentos de encontro com alguns
obstáculos nos estudos e compreendido que esses obstáculos
quase sempre se apresentarão, às vezes perceptíveis, outras

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não, pois, são parte do processo de conhecimento e o objetivo


é superá-los, passa-se agora para a apresentação das etapas
básicas de análise do documento acadêmico.
Na esfera da leitura do documento acadêmico, na Figu-
ra 1, seguem as etapas propostas por Antônio Joaquim Seve-
rino, no livro “Metodologia do Trabalho Científico”.
Figura 1. Etapas da leitura analítica.

Fonte: Severino (2010, p. 64).

Para Macedo (1994, p. 34-35), “[...] o pesquisador é um


homem como qualquer outro; pensa numa língua dada, cujas
categorias lhe foram introjetadas através da educação, que é
um processo social; possui uma visão de mundo socialmente
condicionada pela sua realidade histórica concreta [...]”, ou
seja, possui uma memória de saberes contextuais e afetivos.
Dessa maneira, segundo a autora, “O discurso ‘objetivo’ su-
põe sempre o ponto de vista acerca da objetividade de quem
o emite, calcado no grupo a que pertence, no momento his-
tórico no qual vive, na ‘verdade’ que elegeu ou que lhe foi im-
posta.” Isso quer dizer que mesmo um texto objetivo tem sua
objetividade analisada de um determinado ponto de vista,

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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

incorporando a ele elementos históricos e contextuais enri-


quecedores, porém, ao mesmo tempo, subjetivos.
São esses elementos que podem ser trazidos à tona com
a leitura analítica (Figura 1). Por outro lado, nosso foco prin-
cipal é, justamente, o registro das leituras enquanto registros
de informação.
É importante que, desde o primeiro texto lido, um ar-
quivo para anotações seja aberto. Mas, como fazer tais ano-
tações? Geralmente, elas podem ser feitas por meio de ficha-
mentos.
O fichamento é o primeiro exercício que fazemos quan-
do entramos em contato com novos ambientes de pesquisa,
quando temos novas ideias e/ou quando precisamos “esca-
var” subsídios para sustentar pontos de vista.

4. Observações sobre os fichamentos


Como já mencionado na introdução, o fichamento é
um método de pesquisa e de documentação pessoal, portanto,
pode ser realizado de várias maneiras. Sua função é de orga-
nizar ideias a partir do estudo do material de pesquisa.
Não há limite para se fazer fichamentos, mas isso de-
pende de coerência. Não se pode fichar tudo sobre um tema
e, geralmente, não usamos todo o material que levantamos.
Mas será que o simples ato de produzir fichas é tão im-
portante assim? Quer dizer que “copiar” trechos de textos é
uma tarefa fundamental?
Três pontos podem ser observados em relação às pergun-
tas acima:

1. Fazer um fichamento não é um ato mecânico e isolado.


Não é uma questão de quantidade de registros, mas de
pesquisa. Quando falamos em pesquisa temos que ter em
mente que a perspectiva reflexiva e crítica deve sobressair,
em tese, à característica da mensuração. Entender um

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assunto é, na maioria das vezes, mais importante do que


compilar muitos assuntos mecanicamente.
2. Quando fazemos algum fichamento devemos ter claro
qual é o seu objetivo. Por que fazer um fichamento? Qual
o seu objetivo? Qual o tema ou ideia que será usada para
selecionar os trechos para o fichamento? Assim, não são
apenas trechos que “copiamos”, mas ideias que vamos dis-
pondo de forma ordenada para organizar nosso raciocí-
nio, permitindo sua recuperação.
3. Se pensarmos nossa atividade de documentar como uma
forma de pesquisa e de geração de novos conhecimentos,
não veremos o fichamento como um simples “copiar-co-
lar”, mas como uma base confiável e coerente para dar sus-
tentação às nossas ideias.
Orientações gerais:
t Todo fichamento deve conter a referência completa da
obra;
t Os trechos literais extraídos dos textos devem aparecer
como citações;
t Toda citação direta ou indireta deve seguir uma normali-
zação;
t Dispor coerentemente o texto;
t Incluir todas as informações necessárias sobre o tema fi-
chado;
t Ter objetividade, respeitando os dois itens anteriores;
t Seja coeso na construção textual;
t Se possível, use suas próprias palavras entre as citações (o
fichamento reelabora ideias);
t Sempre que possível, procure fazer uma síntese geral no
início ou no final do fichamento.

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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

No fichamento é possível registrar as anotações em fi-


chas, cadernos, blocos de anotações; também pode digitar no
computador, montar pastas e fazer arquivos online.
Vejamos agora como é um fichamento na prática:
Antônio Joaquim Severino divide os fichamentos em:
temáticos, bibliográficos e biográficos. Lembremos que há
uma certa liberdade nesta atividade, pois é um método pes-
soal de estudo.

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a] Ficha de documentação temática

ESPISTEMOLOGIA
Conceituação

Segundo Lalande, trata-se de uma filosofia das ciências, mas de


modo especial, enquanto “é essencialmente o estudo crítico dos prin-
cípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado
a determinar sua origem lógica (não psicológica), seu valor e seu al-
cance objetivo”. Para Lalande, ela se distingue, portanto, da teoria do
conhecimento, da qual serve, contudo, como introdução e auxiliar
indispensável.

LALANDE, Voc. Tecn., 293

“Por Epistemologia, no sentido bem amplo do termo, podemos


considerar o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organiza-
ção, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento
e de seus produtos intelectuais.”

JAPIASSU, Intr., 16.

Japiassu distingue três tipos de Epistemologia:

1. a Epistemologia global ou geral que trata do saber global-


mente considerado, com a virtualidade e os problemas do
conjunto de sua organização, quer sejam especulativos, quer
científicos;

2. a Epistemologia particular que trata de levar em considera-


ção um campo particular do saber, quer seja especulativo,
quer científico;

3. a Epistemologia específica que trata de levar em conta uma


disciplina intelectualmente constituída em unidade bem de-
finida do saber e de estuda-la de modo próximo, detalhado
e técnico, mostrando sua organização, seu funcionamento
e as possíveis relações que ela mantém com as demais dis-
ciplinas.

Obs.: Conteúdo global da obra.

Fonte: Severino (2010, p.75).

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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Notem que não há um padrão. O que é importante


num fichamento é coletar elementos, de maneira coerente,
retratando o conteúdo de um texto e/ou de um tema. Mas,
atenção, o que deve ser levado em consideração também é a
estrutura e não somente a formatação. Geralmente, os ma-
nuais de metodologia estão desatualizados e/ou imprimem
uma interpretação própria. Assim, a primeira citação do
exemplo a] ficaria da seguinte maneira:
b]
“[...] é essencialmente o estudo crítico dos princípios, das hipóteses
e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar sua
origem lógica (não psicológica), seu valor e seu alcance objetivo.”
(LALANDE, ano, p. 293).

Vejam também que o fichamento do exemplo a] traz,


no final, uma síntese do conteúdo que interessa ao autor.
Nestes casos não é necessário indicar páginas, pois o que está
sendo tratado é o conteúdo global da obra.
Nos fichamentos, assim como em qualquer outro tex-
to, as citações diretas devem aparecer entre aspas, acompa-
nhadas de sobrenome do autor, ano e página (exemplo b]).
Quando a citação tiver mais que três linhas, deve ser deslo-
cada, sem espacejamento e com a letra menor que o resto do
texto. As citações indiretas não precisam de aspas, mas de-
vem trazer autoria, ano e página, se for o caso. Aconselha-se
consultar as NBRs 6023 (referência), 10520 (citação) e 14724
(apresentação de trabalhos).
Saber usar as normas não é um simples requisito aca-
dêmico e/ou profissional, mas é uma obrigação daqueles que
trabalham com textos e estão comprometidos com a qualida-
de do que produzem, fazendo justiça aos autores utilizados.
Existem muitos manuais que trazem roteiros para o uso das
normas da ABNT. Eles podem ser encontrados com facilida-
de na internet.

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Continuemos com os exemplos.


c] Ficha de documentação bibliográfica

EPISTEMOLOGIA

JAPIASSU, Hilton F.
O mito da neutralidade científica
Rio, Imago, 1975 (Série Logoteca), 188p.
Resenhas: Reflexão I (2): 163-168. abr. 1976.
Revista Brasileira de Filosofia 26
O texto visa fornecer alguns elementos e instrumentos introdutó-
rios a uma reflexão aprofundada e crítica sobre certos problemas
epistemológicos (p.15) e trata da questão da objetividade científica,
dos pressupostos ideológicos da ciência, do caráter praxiológico das
ciências humanas, dos fundamentos epistemológicos do cientificis-
mo, da ética do conhecimento objetivo, do problema da cientificida-
de da epistemologia e do papel do educador da inteligência.
Embora se trate de capítulos autônomos, todos se inscrevem dentro
de uma problemática fundamental: a das relações entre ciência obje-
tiva e alguns de seus pressupostos.
O primeiro capítulo, “Objetividade científica e pressupostos axio-
lógicos” (p.17-47), coloca o problema da objetividade da ciência e
levanta os principais pressupostos axiológicos que subjazem ao pro-
cesso de constituição e de desenvolvimento das ciências humanas.
No segundo capítulo, “Ciências humanas e praxiologia” (p.49-70),
é abordado o caráter intervencionista destas ciências: elas, nas suas
condições concretas de realização, apresentam-se como técnicas de
intervenção na realidade, participando ao mesmo tempo do descri-
tivo e do normativo.
No terceiro capítulo, “Fundamentos epistemológicos do cientificis-
mo” (p.71-96), o autor busca elucidar os fundamentos epistemoló-
gicos responsáveis pela atitude cientificista e mostra como o méto-
do experimental, racional e objetivo, apresentando-se como único
instrumento particular da razão, assumiu um papel imperialista, a
ponto de identificar-se com a própria razão.

Fonte: Severino (2010, p.76).

133
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Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

No caso acima c], a estrutura está bem definida e as


indicações de conteúdo também, porém é de difícil identi-
ficação a obra que é objeto do fichamento. Há um conjun-
to desordenado de elementos bibliográficos no início do fi-
chamento, mas não há nenhuma menção do porque estão
ali. Também não há uma referência correta de acordo com
a NBR 6023. Porém, olhando com mais atenção, podemos
verificar que o fichamento é sobre o livro O mito da neutrali-
dade científica. Na sequência, Severino indica duas resenhas
que estão, respectivamente, nas revistas Reflexão e Revista
Brasileira de Filosofia. Na verdade, a referência do exemplo
c] seria a seguinte:
d]

JAPIASSU, Hilton F. O mito da neutralidade científica. Rio de Ja-


neiro: Imago, 1975.

É importante que, no âmbito do fichamento pessoal,


todas as informações necessárias sejam incorporadas e de
maneira correta, principalmente, no caso de referências bi-
bliográficas relacionadas. Deve-se dizer porque foram rela-
cionadas, pois, muitas vezes, é comum se esquecer o motivo
de elas estarem ali, perdendo alguma informação importante
para trabalhos posteriores. Dessa maneira, mesmo com a li-
berdade de se realizar um fichamento no âmbito da docu-
mentação pessoal, é necessário o uso de algum padrão para o
registro das informações.

134
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

e] Ficha de documentação biográfica

JAPIASSU

Hilton Ferreira Japiassu

1934-

Licenciou-se em Filosofia pela PUC do Rio de Janeiro, em 1969; for-


mou-se em Teologia, pelo Studium Generale Santo Tomás de Aqui-
no, de São Paulo. Fez o mestrado em Filosofia, na área de Epistemo-
logia, na Université des Sciences Sociales, de Grenoble, na França,
em 1970; nessa mesma Universidade, doutorou-se em Filosofia, em
1973. Fez pós-doutorado em Strasbourg, no período 84/85, também
na área de Epistemologia.

Atualmente é docente de Epistemologia e de História das Ciências e


de Filosofia da Ciência, nos cursos de pós-graduação em Filosofia,
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Desenvolve suas pesquisas nas áreas de epistemologia, investigando


as relações entre ciência e sociedade, o sentido da interdisciplinari-
dade e o estatuto epistemológico das Ciências Humanas em geral, e
da Psicologia em particular.

Além da tradução de vários textos filosóficos e da publicação de


muitos artigos, Japiassu já lançou os seguintes livros: Introdução ao
pensamento epistemológico, 1975; O mito da neutralidade científica,
1975; Interdisciplinaridade e patologia do saber, 1976; Para ler Ba-
chelard, 1976; Nascimento e morte das ciências humanas, 1978; Intro-
dução à epistemologia da Psicologia, 1978; A psicologia dos psicólo-
gos, 1979; Questões epistemológicas, 1981; A pedagogia da incerteza,
1983; A revolução científica moderna, 1985; As paixões da ciência,
1991; Francis Bacon: o profeta da ciência moderna, 1995.

Fonte: Severino (2010, p.77).

A partir do exemplo acima poderíamos levantar a se-


guinte questão: por que devemos fazer um fichamento sobre
um autor?
Claro que escrever sobre autores não parece comum,
talvez desnecessário, mas isto é um engano. Conhecer o lega-

135
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

do literário/científico de um autor/pesquisador é tão impor-


tante quanto conhecer uma única obra sua em profundidade.
É comum escrevermos usando outros autores, por vezes, nos
detemos demoradamente sobre ideias alheias, porém, pouco
sabemos sobre quem as escreveu.
Apresentamos trabalhos e seminários, nos baseamos
em outras obras para fazer isso, mas, na maioria das vezes,
mal sabemos o primeiro nome ou o sobrenome dos autores
dessas obras. Muitas vezes nos referimos a um texto ou autor
como “aquele que trata de tal assunto”, ignorando até mesmo
seu título.
É importante conhecer as pesquisas de determinado
autor. É importante saber qual a sua formação. São informa-
ções que nos ajudam a compreender o itinerário de pensa-
mento do próprio autor, suas predileções e principalmente, a
escola de pensamento a qual segue.
Claro que, sempre que tivermos que fichar um mate-
rial, não iremos fazer fichas “temáticas”, “bibliográficas” e
“biográficas”, mas podemos incluir, em um mesmo ficha-
mento todos esses elementos e ter outros resultados como
uma resenha ou o início de uma revisão bibliográfica.
Para finalizar, tente fazer um exercício de fichamento
unindo a], c] e e], não necessariamente nesta ordem, para ver
como isso se daria na prática.

136
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

Exemplos de fichas

Fonte: Eco (2014, p. 78).Fonte: Eco (2014, p. 114).

137
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Tópicos para o Ensino de Biblioteconomia

Fonte: Eco (2014, p. 123).Fonte: Eco (2014, p. 124).

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Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
José Fernando Modesto da Silva e Francisco Carlos Paletta

Referências
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Tradução Gilson Cesar
Cardoso de Souza. 25. ed. São Paulo: Perspectiva, 2014.
LÉTOURNEAU, Jocelyn. Como fazer uma resenha de leitura.
In:_________. Ferramentas para o pesquisador iniciante. São
Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 19-35.
MACEDO, Neusa Dias de. Iniciação à pesquisa bibliográfica:
guia do estudante para a fundamentação do trabalho de pes-
quisa. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 1994.
SALOMON, Délcio Vieira. Como resumir. In:________. Como
fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001. p. 91-120.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científi-
co. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2010.

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GÊNEROS TEXTUAIS PRÓPRIOS DA COMUNIDADE DISCURSIVA FORENSE

Viviane Raposo PIMENTA


(Universidade Federal de Uberlândia)

ABSTRACT: This work aims the investigation of the several criminal suit court record text categories: types,
genres and species (according to TRAVAGLIA, 2003a) which are used in our society in the criminal court.
Therefore, our intention is to verify the existence of these several categories of texts and verify in the genre
“sentence” the reflexes, by means of linguistic marks, of those text genres which were used in criminal processes
and motivated the judge to make up his decision and declare his “sentence”. Once the law science depends
substantially on the language which can not nominate different institutes with the same name neither can it
nominate the same institutes with different names. Such analyses and characterizations are based on the
foundations of the Text Linguistics, the Theory of the Speech Acts (AUSTIN, 1962), The Communicative Action
Theory (HABERMAS, 1983), as well as the postulate of Discourse Communities (SWALES, 1990).

KEYWORDS: criminal suit; genres; sentence; text.

1. Introdução

Este estudo tem como finalidade investigar as várias categorias de texto forenses da
área criminal: tipos, gêneros e espécies (segundo TRAVAGLIA, 2003a) que circulam em
nossa sociedade. Destarte, é necessário contemplar a idéia de que grande é o número das
categorias de texto que circulam em nossa sociedade e que cada época vive um complexo de
regras que lhe são próprias, ou seja, não desprezam o passado, não rompem com as tradições,
contudo, modelam ou disciplinam os fatos humanos, segundo as exigências do seu momento.
Norteia-se, este estudo, teoricamente pelos estudos da Lingüística Textual e pelas
reflexões sobre as mais variadas categorias de texto presentes no nosso dia a dia forense,
sobre as quais manuais de advogados ora se referem como peças processuais, ora como
processo, ou simplesmente pela terminologia jurídica proposta na legislação, que muitas vezes
leva ao erro, uma vez que não possui um rigor da terminologia na linguagem jurídica. Haja
vista, que o rigor da ciência jurídica depende substancialmente da linguagem, não devendo
designar com um nome comum institutos diversos, nem institutos iguais com nomes
diferentes. O legislador não abraçou, porém, critério lingüístico e divorciado de qualquer
preocupação científica ou sistemática, preferiu, em cada lei, as soluções meramente empíricas.
As análises dos gêneros textuais que mais influenciam o juiz ao proferir sua sentença
norteiam-se, também, pelos pressupostos teóricos da Teoria dos Atos de Fala (AUSTIN,
1962), da teoria da Ação Comunicativa (HABERMAS, 1983), assim como do postulado
teórico de Comunidades Discursivas (SWALES, 1990).
Sobre o ato de fazer pesquisa e sobre as conseqüências éticas das escolhas envolvidas
na pesquisa. Em consonância com Cameron et al (1992), entendemos que os pesquisadores
são pessoas posicionadas socialmente, e assim, trazem, inevitavelmente, seus pensamentos e
tudo o que constitui sua subjetividade para dentro dos processos de pesquisa com os quais se
envolvem. No entanto, segundo os mesmos autores, essa subjetividade não deve ser vista
como algo negativo, mas como “um elemento presente nas interações humanas que incluem o
objeto de estudo” (CAMERON et al, 1992, p.5).
Assim, estando na posição de pesquisadora de um tema interdisciplinar, crítico (não
ingênuo)1 não podemos ignorar “as condições afetivas, sociais e históricas, sob as quais
1
Entendemos que a interdisciplinaridade é uma questão de atitude, está longe de ser apenas fusão de conteúdos
ou métodos, e, ao invés de se prender nos elementos, busca sempre as relações entre eles, ou seja, trabalha-se
sempre com uma estrutura de relações. Não se realiza sob ordens/decretos, nem tampouco tem etapas definidas

2028

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


existem e funcionam a ciência e o homem de ciência contemporâneos” (CASTORIADIS,
apud SIQUEIRA, 2003, p. 1). Sendo assim, o estudo que estamos propondo diz respeito às
inúmeras interações e interferências em vários campos do saber, dentre eles: a Lingüística
(sobretudo os Estudos sobre Texto e Discurso e especialmente a Lingüística Textual), o
Direito, o Direito Penal e Processual Penal, a Filosofia, a Filosofia da Linguagem e a
Hermenêutica.
É preciso explicar que optamos por utilizar o termo “comunidade discursiva
forense” e não “comunidade discursiva jurídica” por acreditarmos que os textos redigidos
por esta encampariam todos os textos jurídicos, de todas as áreas do Direito, ou seja, apenas a
título de ilustração: do Direito Civil, Comercial, Financeiro, Administrativo, Penal,
Tributário, do Trabalho, Internacional Público e Privado, Agrário, do Meio Ambiente, do
Consumidor, dos Direitos Difusos e Coletivos, dentre outros, além daqueles que não têm a ver
com áreas específicas do Direito.
Desta forma, tivemos que fazer um recorte e por questões de interesse e curiosidade da
população em geral (muitas vezes quando se fala em Direito e Advogado, logo se pensa em
Crime e Direito Penal – senso comum2). Também por se tratar de uma área que, para atender
a própria legislação, possui características muito próprias e peculiares optamos pelo estudo
das categorias de texto: tipos, gêneros e espécies, redigidos pelos “operadores do Direito”
que, por não encontrarmos em nossa metalinguagem nenhuma expressão sobre o tema,
optamos por chamar de “comunidade discursiva forense” de acordo com o conceito de
‘Comunidade discursiva’ de Swales (1990), conforme explicaremos em nossa
fundamentação teórica.
Chamamos aqui “operadores do Direito” todos aqueles que atuam na atividade
adjudicante: (advogados, defensores públicos, o representante do ministério público); o juiz, o
oficial de justiça, o escrivão/escrevente, e os serventuários da justiça que trabalham nas
secretarias das varas criminais. Por se tratar de Direito Penal, estaremos considerando também
os textos redigidos pelo Delegado de Polícia, seus auxiliares e policiais (embora eles, de
acordo com o conceito por nós adotado, não pertençam à comunidade discursiva forense, mas
sim à comunidade discursiva policial judiciária).
Observamos que a comunidade discursiva forense, ao redigir seus textos, recorre a
modelos, exemplos e fórmulas já preparadas, o que induz ao erro e à má redação destes textos.
Sabemos que muitos membros desta comunidade discursiva não se sentirão representados
aqui, mas, nos referimos a uma grande maioria.
Devido a este problema é que realizamos este estudo, com intuito de alertar aqueles
que desconhecem a ciência cujo objeto de estudo é seu instrumento de trabalho (a língua/
linguagem) e de melhor compreendermos e utilizarmos os conceitos oriundos da Lingüística
com a finalidade de melhor operacionalizar nosso trabalho, conscientes das contribuições que
tal ciência pode nos oferecer. Uma vez que já pesquisamos, nos mais diversos anais
científicos sobre as categorias de texto próprias da comunidade científica jurídica, e não
encontramos nenhum trabalho nesta área, acreditamos ser este um estudo relevante não só
para nós operadores do Direito, mas também para os estudos lingüísticos.
Podemos dizer que os variados gêneros textuais, característicos da área do Direito, são
instrumentos sem os quais não pode haver a operacionalização do trabalho forense. Isto pode
se tornar um problema grave, uma vez que o mau desenvolvimento desses gêneros (que

que possam ser aplicadas indiscriminadamente, é um processo que se desenvolve de acordo com as necessidades
específicas de cada contexto e estudo.
2
"Senso comum", seria, na nossa opinião, uma analogia com a formulação de Bakhtin (1997) sobre a
circularidade da cultura, em que existe uma influência recíproca entre a cultura das classes subalternas e a
cultura hegemônica. As formas ideativas do "senso comum" concebido para analisar como determinadas "idéias
e noções" científicas são apropriadas pelo conhecimento ordinário.

2029

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formam as peças processuais) pode exercer influência direta no processo jurídico, inclusive na
sentença jurídica proferida. É por meio da redação desses gêneros textuais que os fatos serão
narrados e descritos e, ao serem narrados e descritos (serão reconstituídos; verdades serão
reconstruídas) e os fatos interpretados pelas partes envolvidas nos processos. Cabe ressaltar,
que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o juiz deve se ater apenas às peças que
compõem o processo (apresentadas por meio dos diferentes gêneros de texto) para julgar e
proferir a sentença. Não cabe ao juiz julgar “extra petita” nem “ultra-petita”3. Daí a
importância desses textos constitutivos de um processo.
Não se trata aqui de “encapsulamento” dos textos, pois sabemos que a língua é
dinâmica, trata-se de uma tentativa de organização destes textos, uma vez que, como podemos
ver em nossas considerações teóricas, vários são os estudiosos que procuram uma explicação
para o assunto ora tratado. E nesta tentativa de organização destes textos, acreditamos que a
proposta de Travaglia (2003a) é a que melhor nos atente, uma vez que, embora não tenhamos
encontrado em nosso estudo nenhuma espécie do tipo, várias foram as espécies do gênero que
encontramos no corpus analisado, apenas a título de ilustração encontramos o gênero auto de
prisão em flagrante e as espécies que dele derivam por apresentarem características formais
de estrutura e da superfície lingüística e/ou por aspectos de conteúdo que resultarão em “ação
penal pública incondicionada”, “ação penal pública condicionada à representação” e “ação
penal condicionada à representação”.
Entendemos que trabalhar com taxonomia não é tarefa fácil, classificar textos é muito
mais complexo do que se imagina e só conseguimos entender a amplitude do trabalho quando
colocamos “a mão na massa”.
O juiz pode, no final do processo, deixar de julgar uma causa alegando que os fatos
não lhe foram trazidos de forma tal que ele possa motivar sua sentença. Isto implicará na não
realização do Direito material e na frustração, por parte das partes envolvidas e da sociedade,
quanto à justeza do Direito.
Baseamos nosso levantamento das categorias de textos forenses criminais, sua
caracterização e estudo da relação de outros gêneros com o estabelecimento da sentença, na
análise de 10 (dez) processos penais, sendo: 5 (cinco) sobre o tipo penal: crimes dolosos,
contra a vida e os outros 5 (cinco) sobre outros tipos penais dolosos ou culposos

2. Fundamentação teórica

2.1. Sobre comunidades discursivas.

Swales (1990) aponta que nem todas as comunidades serão necessariamente


comunidades discursivas e que então, faz-se necessário o estabelecimento de critérios para
eliminar as controvérsias e a circularidade entre comunidade e discurso. Swales (1990) propõe
então a diferenciação entre ‘comunidade de fala’ e ‘comunidade discursiva’ a fim de eliminar
as controvérsias.
Segundo Swales (1990) a comunidade de fala compartilha formas lingüísticas, regras e
conceitos culturais. Para o autor em uma comunidade de fala sócio-lingüística, as
necessidades de socialização ou solidariedade do grupo tendem a predominar no
desenvolvimento e na manutenção de suas características discursivas. Assim, o autor afirma
que o que determina primariamente o comportamento lingüístico é o social, enquanto que em
uma comunidade discursiva retórica o que determina o comportamento lingüístico está ligado
ao funcional. Para Swales (1990):

3
O juiz não pode julgar fora do que foi apresentado nos autos do processo mesmo que ele tenha conhecimento
de algo que não foi citado no processo ‘extra petita’. Também não pode julgar além do que foi pedido ‘ultra
petita’.

2030

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


“. uma ‘comunidade discursiva’ consiste em um grupo de pessoas que se unem com
objetivos que estão acima dos objetivos de socialização e solidariedade, mesmo que
estes também ocorram. Numa ‘comunidade discursiva’ as necessidades de
comunicação de seus objetivos tendem a predominar no desenvolvimento e
manutenção de suas características discursivas.”4 (SWALES, 1990, p. 24)

Finalmente Swales (1990) esclarece que as comunidades de fala são centrípetas, pois
tendem a absorver as pessoas enquanto que as comunidades discursivas são centrífugas e
tendem a separar as pessoas em termos de ocupação ou grupos de interesses. O autor advoga
que uma ‘comunidade de fala’ herda sua participação por meio do nascimento, por acidente
ou por adoção enquanto que uma ‘comunidade discursiva’ recruta seus membros por meio de
persuasão, treinamento ou qualificação.
Swales (1990) apresenta seis características que considera suficientes para identificar
um grupo como sendo uma ‘comunidade discursiva’. Para o autor uma ‘comunidade
discursiva’:
“1. Possui um conjunto de objetivos públicos comuns;
2. Possui mecanismos de inter comunicação entre seus membros;
3. Utiliza seus mecanismos de participação para oferecer informação e feedback;
4. Utiliza e possui um ou mais gêneros na função comunicativa de seus objetivos;
5. Além de possuir gêneros, uma comunidade discursiva possui um léxico
específico;
6. Possui um nível de membros com uma formação própria de conteúdo relevante e
uma expertise em discurso.”5(SWALES, 1990, p.24 - 27).

O autor finaliza com algumas questões ainda restantes, mostrando que o uso da
linguagem é uma forma de comportamento social, e o discurso mantém e aumenta o
conhecimento do grupo segundo os critérios utilizados por ele para definir ‘comunidade
discursiva’.
Para Swales (1990) por várias razões, é possível negar a premissa de que a
participação leva à assimilação, de que a participação não é tão incomum, e toma um contexto
relativamente inócuo. Assim, um indivíduo pode participar de várias comunidades
discursivas, os indivíduos podem variar de comunidades de acordo com os gêneros que eles
comandam.

2.2. Sobre tipologia textual.

Para fins deste trabalho sobre os gêneros textuais próprios da comunidade discursiva
forense, adotamos a proposta de tipologia textual advogada por Travaglia (1991, 2001 e
2003a) que afirma que os tipos e as espécies compõem os gêneros, ou seja, os tipos e
espécies não se apresentam sozinhos, necessitam dos gêneros para tomarem forma. Assim, a
título de ilustração, não encontramos uma narrativa solta no espaço e no tempo se auto-
denominando ‘sou uma narrativa’, mas a encontramos no gênero DENÚNCIA, mais
especificamente na parte do texto que trata do relato dos fatos.
Devemos ressaltar que, como toda tipologização, a proposta por nós adotada deve ser
entendida como uma proposta que possui critérios que não devem ser vistos como únicos e

4
Tradução nossa para o seguinte trecho: “a discourse community consists of a group of people who link up in
order to pursue objectives that are prior to those of socialization and solidarity, even if these latter should
consequently occur. In a discourse community, the communicative needs of the goals tend to predominate in the
development and maintenance of its discoursal characteristics.”
5
Tradução nossa para os trechos: “1. A discourse community has a broadly agreed set of common public goals.
2. A discourse community has mechanisms of intercommunication among its members. 3. In addition to owing
genres, a discourse community has acquired some specific lexis. 6. A discourse community has a threshold level
of members with a suitable degree of relevant contents and discoursal expertise.”

2031

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absolutos, mas que são pertinentes tendo em vista um projeto maior de construção de uma
teoria geral de tipologia que possua parâmetros lingüísticos de análise do corpus.
Travaglia (1991) apresenta três tipologias textuais, a saber:
Conforme Travaglia (1991) na primeira classificação temos o tipo descrição, em
que o enunciador se coloca na perspectiva do espaço em seu conhecer, o que se quer é
caracterizar, dizer como é, o interlocutor é percebido como um “voyeur” do espetáculo.
Na narração o que se pretende é dizer os fatos, contar os acontecimentos, o
enunciador se coloca na perspectiva do tempo e a narração instaura o interlocutor como o
assistente, “o espectador não participante”. Sobre este tipo gostaríamos de ressaltar que nos
textos forenses as narrativas se mostram muito argumentativas e podemos perceber o
enunciador como emissor de argumentos no ato de narrar. Voltaremos a esta questão ao
discutirmos a segunda tipologia proposta por Travaglia (1991).
Na dissertação a atitude do enunciador em relação ao objeto é a de explicar, avaliar,
refletir, conceituar, expor idéias, associando-se à análise e à síntese de representações. Neste
tipo o enunciador se coloca na perspectiva do conhecer abstraído do tempo e do espaço e o
interlocutor é o ser pensante que raciocina. A dissertação no texto forense é muito utilizada
logo após a narrativa dos fatos quando o enunciador utiliza os fatos narrados para avaliar e
expor idéias no sentido de convencer o juiz e/ou o tribunal.
O quarto tipo proposto na primeira tipologia é a injunção na qual o enunciador se
coloca na perspectiva do fazer posterior ao tempo da enunciação, trata-se da ação requerida,
desejada, o que e/ou como fazer. Este tipo é muito comum nas categorias de texto forenses
uma vez que o juiz é aquele que determina o que deve ser feito, como e quando e em muitas
peças processuais as partes também requerem ações futuras.
Dentro desta perspectiva temos textos descritivos, dissertativos, narrativos e
injuntivos que se caracterizam por uma tendência que estabelece uma dominância. É sabido
que existem tipos puros, porém os textos que apresentam os diferentes tipos cruzados,
articulados aparecem em maior freqüência.
A segunda tipologia proposta por Travaglia (1991) é chamada de “discurso da
transformação” e “discurso da cumplicidade”.
No primeiro, o discurso da transformação o enunciador tem o seu alocutório e/ou
interlocutor como alguém que deve ser convencido, persuadido, influenciado, o enunciador
utiliza o texto para fazer com que o seu alocutário ou interlocutor receba suas idéias e
opiniões e as aceite. Aqui o interlocutor ou alocutário é visto como um adversário que deve
ser convencido. O texto resultante do discurso da transformação é chamado por Travaglia
(1991) de argumentativo “stricto sensu”: são textos nos quais a argumentação se apresenta de
maneira explícita e atinge o seu grau máximo.
Já no discurso da cumplicidade o enunciador se coloca numa situação mais
confortável, pois, tem o seu interlocutor como seu cúmplice, alguém que já compartilha de
suas idéias e opiniões. Neste caso o enunciador sustenta, reforça e acrescenta novos
argumentos. O texto resultante do discurso da cumplicidade é chamado de argumentativo não
“stricto sensu”6, uma vez que, nesta perspectiva, todo texto seria argumentativo, mesmo
quando a intenção do enunciador é a de reforçar, sustentar ou acrescentar novos argumentos.
O autor advoga que a argumentação é feita através de descrições, dissertações,
injunções e narrações de diferentes formas. Nos textos forenses a argumentação se apresenta
de forma muito clara, até mesmo nos textos injuntivos que deferem ou indeferem um
determinado agravo com intenção meramente procrastinatória, isto é postergação.

6
Esta denominação é ligeiramente diferente da proposta por TRAVAGLIA (1991) e foi proposta pelo autor em
comunicação pessoal em sala de aula.

2032

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A terceira tipologia proposta apresenta os textos “preditivos” e “não-preditivos”,
sendo que nos preditivos o enunciador faz uma antecipação no seu dizer, está pré-dizendo
algo, enquanto que nos não preditivos não há antecipação, previsão ou anúncio antecipado.
Em 1998, Travaglia estabelece a hipótese de que haveria “elementos tipológicos
fundamentais” (TRAVAGLIA, 2002a, p.2), ou seja, elementos tipológicos que estariam
presentes na composição de todos ou da maioria dos textos existentes em nossa
cultura/sociedade, independentemente da classificação tipológica desses textos, Na busca dos
elementos tipológicos fundamentais, o autor pôde encontrar fatos sobre tipologização que
sugeriam a necessidade e a validade de se distinguir três “elementos tipológicos” (categorias
de texto) de naturezas diferentes. Para o autor a não distinção desses três elementos
tipológicos seria responsável pela criação de mal entendidos por um lado no estabelecimento
de tipologia e da relação entre elas e por outro na classificação tipológica de textos e em como
relacionar diferentes classificações que um mesmo texto pode receber.

2.3. Tipelementos: tipos, gêneros e espécie.

Travaglia (2002b) propõe a distinção de três naturezas diferentes de categorias de


texto que julgamos interessante considerar ao tratar dos textos redigidos pela comunidade
discursiva forense, pois, nestes textos, podemos encontrar e distinguir os três tipelementos
propostos por Travaglia (2001 e 2003a) que propôs o termo tipelementos como um termo
genérico para os elementos tipo, gênero e espécie de texto.
Assim, o primeiro “elemento tipológico” é o tipo e este comporá os gêneros
juntamente com as espécies. Para o autor o tipo se caracteriza por instaurar uma forma de
interação, de interlocução, segundo perspectivas que podem variar e constituir critérios para
se estabelecer tipologias diferentes.
O segundo “elemento tipológico” proposto é o gênero de texto caracterizado por
exercer uma função sócio-comunicativa específica que embora sejam vivenciadas não são de
fácil explicitação e o terceiro tipelemento é a espécie7, definido e caracterizado por aspectos
formais de estrutura e da superfície lingüística e/ou por aspectos de conteúdo. Finalmente,
queremos registrar que, o “gênero pode se vincular a vários tipos diferentes em termos de
dominância, assim o gênero pode ser de um ou outro tipo. Quanto às espécies, algumas
podem ser vinculadas a um tipo ou gênero sendo que não possuem realização independente,
ou seja, estão sempre na composição de um gênero. Desta forma, o que funciona na sociedade
e na cultura são os gêneros que são compostos por tipos e espécies, sendo que as espécies
estabelecem variedades de um tipo ou gênero necessárias à interação.

2.4. As teorias dos atos de fala e da ação comunicativa

Neste momento gostaríamos de sinalizar que para verificarmos a influência ou não de


determinados gêneros na sentença proferida pelo juiz, temos a intenção de utilizar as
propostas de Austin (1962) em sua obra “How to do things with words”, traduzida por Danilo
Marcondes como “Quando dizer é fazer – palavras e ações”, para podermos apreender o
significado de atos locucionários, ilocucionários e perlocucionários. Uma vez que sabemos
Austin tinha um interesse peculiar pelo crime, conforme Marcondes (1990):
“.a questão da ética, a questão da responsabilidade que decorre de uma ação. e a
razão de assim proceder radica-se no fato de as condições de possibilidade de
emprego desses termos revelarem as circunstâncias que permitem ao falante usá-los
para justificar, desculpar ou eximir-se da responsabilidade de seu ato.

7
Travaglia (2001 e 2002a) utilizou o termo “subtipo”, para o que hoje chama de espécie.

2033

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. Nesta sua análise, Austin recorre a uma série de exemplos tirados não só da prática
cotidiana do uso lingüístico, como também de processos criminais8 em que alguém
foi ou não responsabilizado por uma ação.” (SOUZA FILHO, Danilo Marcondes de.
Apresentação: A filosofia da Linguagem, 1990, p. 9. In: AUSTIN (1962). Quando
Dizer é fazer: palavras e ação).

Austin (1962) fizera a separação entre atos locucionários, ilocucionários e


perlocucionários; entre enunciados constatativos – afirmações com valores semânticos de
verdade ou falsidade – e performativos, aqueles que não visam descrever um estado de coisas,
porém realizar uma ação no mundo, como nomeações, ordens, promessas, declarações, juras,
perguntas etc. que são chamados de atos ilocucionários. Todo enunciado pode produzir efeitos
perlocucionários, os enunciados produzem efeitos nos ouvintes o que Austin chama de atos
perlocucionários como ofender, estimular, convencer, dissuadir, entre outros. Os atos
ilocucionários dependem de um assentimento do ouvinte quanto a sua satisfação ou
adequação, segundo as circunstâncias em que foram proferidos.
No entanto, nos parece que na XII conferência, Austin chega à conclusão de que todo
ato de fala possui uma força performativa. Exemplificando, podemos dizer que no gênero
QUALIFICAÇÃO, por mais inocente que seja a descrição de uma parte como “do lar”,
“desempregada”, “divorciada”, numa ação de alimentos, por exemplo, esta descrição terá sua
força performativa e, sobretudo perlocucionária. O mesmo pode ocorrer num crime de furto, a
descrição, “desempregado”, “sem residência fixa estabelecida” também implicará em um
fazer.
Entendemos que na XII conferência apresentada em “How to do Things with words”
(1962), Austin resume suas conferências e nos parece que chega à conclusão de que o que sua
teoria apresenta de novo e relevante seria a visão performativa presente em todos os atos de
fala e que, mesmo uma declaração, por ter sido feita, não seria somente um ato de fala mais
sim um fazer.
Com a débâcle da razão prática, i.e., desse resoluto estado interno centrado na boa
vontade, (HABERMAS 1983, p. 19) propõe que ela seja recolhida e em seu posto fique a ação
comunicativa, por esta se apresentar mais adequada do ponto de vista da moral e
especialmente por permitir a reflexão e a própria meta-reflexão.
Embora só desenvolvida em plenitude na década de 80, já (HABERMAS 1989, p. 41)
e sobretudo (HABERMAS 1983, p. 31) acenam com a ação comunicativa como capaz de
ocupar o vazio conceitual/teórico que razão prática e mesmo o trabalho e a produção haviam
deixado via materialismo dialético.
A ação comunicativa pertence à faculdade da linguagem ou a este processador neuro-
cortical humano, capaz de combinar conceitos e expressões simbólicas articuladas
linearmente, capazes de sustentar o pensamento conceitual e proposicional. Por ser
extremamente econômica em seu trabalho, a faculdade da linguagem estabelece
representações do mundo na fôrma de conceitos e na forma de símbolos estruturalmente
seqüencializados.
Neste sentido, não é a realidade que deve estar em jogo durante o ato de comunicação,
mas dois pontos de vista em questão. Assim, entender-se é uma questão primordial na ação
comunicativa. A referência como um acordo entre emissor/receptor.
Encaixada dentro da racionalidade, a ação comunicativa, que é função da linguagem,
que não escapa à normatividade, porque ela mesma, a linguagem, é constituída de normas
convencionais. Uma convenção conceitual/expressiva combina com outra, para formar uma
proposição, capaz de aproximar intersubjetividades discursivamente.

8
Grifo nosso.

2034

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


A ação comunicativa ocorre principalmente por meio da proposição. Base na
estruturação da proposição, os conceitos/categorias a constituem.
Um aspecto da linguagem, ou mais precisamente da lógica, que merece destaque é o
fato da proposição assertiva ser verdadeira ou falsa. A referência nem sempre é um problema
lingüístico, porque a linguagem opera com conceitos que são construtos da realidade. O
consenso de verdade depende muito mais do entendimento da comunidade lingüística, e mais
ainda, a proposição não depende também da realidade a que se refere, para ser válida ou não
válida.
(HABERMAS, 2003, p. 35) considera o "agir comunicativo" capaz de coordenar o
processo de entendimento entre os agentes sociais. Como parte fundamental da racionalidade,
em exercício, a ação comunicativa permite que emissor e receptor elaborem e re-elaborem
mensagens na interação social.
Parte decisiva na manutenção da ordem normativa e na integração social, a ação
comunicativa é fator fundamental no estabelecimento da conduta humana. Na verdade, ela
não só é decisiva na integração social, mas também na própria desintegração social. Sem ser
causa direta de uma ou de outra, ela é parte integrante do sucesso ou do insucesso do
entendimento intersubjetivo.
O poder do mundo da vida é enorme no dia-a-dia e no entendimento entre as pessoas.
Sob seu horizonte, as pessoas se aproximam e se distanciam; aceitam-se ou não se aceitam;
auxiliam-se ou não se auxiliam; são amigos, são indiferentes ou são mesmo inimigos. No
mundo da vida, os sentimentos e emoções têm espaço e pertinência.
Quando o mundo da vida é marcado por circunstâncias sociais de desigualdade, a ação
comunicativa encontra resistências para alcançar o consenso desejado. Nesse caso, mundo da
vida e a ação comunicativa mantêm estreitas relações entre si.
Na passagem do direito natural para o direito positivo, o Estado assumiu o papel de
regulador e mantenedor da ordem jurídica. A norma torna-se um fato e sua validade uma
questão do Estado, como forma de garantir a organização social e a liberdade individual e
coletiva.
Na sociedade democrática, com a liberdade de imprensa, escrita, falada e televisada, à
facticidade da norma acresceu-se não só a validade oficial, mas também a validade emergente
da ação comunicativa. Os cidadãos, ao se tornarem esclarecidos e críticos, podem rever
normas, entendê-las de maneira diferente bem como criar outras, desde que sejam
transformadas em consensos junto da maioria social.
Enfim, (HABERMAS, 2003) propõe novas alternativas para problemas antigos da
teoria da sociedade. A razão prática é substituída pela razão comunicativa; a ação
comunicativa faz a razão prática se expressar; e o direito natural, já convertido em positivo e
administrado pelo Estado, mantém-se como facticidade normativa, mas à procura da validade
social conferida pela permeabilidade da sociedade democrática.
Contudo por não ser natural, ou seja, por ser uma construção social, o direito positivo,
com sua facticidade normativa, na sociedade democrática carece da validação social, para
exercer na plenitude seu papel de integrador social.
A possibilidade de entendimento que Habermas alcança com a ação comunicativa e
com a validade social versus a facticidade das normas, não são horizontes claros, pois a
comunicação, embora de natureza argumentativa, nem sempre se estriba em proposições
assertivas. E mais que isso, na maioria das vezes, não é o conteúdo das proposições que leva
ao entendimento, mas sim a intenção de busca de entendimento.
Em outros termos, a intenção de entendimento precede ao conteúdo proposicional,
contido nos argumentos utilizados na ação comunicativa. Pai e filho, independente do
problema existente e que os perturba, procuram se entender, porque o entendimento vital é
vital para a relação familiar que procuram mantêm.

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Enfim, entendemos que John Langslaw Austin assim como Jürgen Habermas não
podem ser esgotados prematuramente e muito menos serem recebidos de maneira imprópria
pela academia, especialmente fazendo-os dizer o que nunca pretenderam dizer. Este cuidado
temos de ter.

3. Gêneros textuais próprios da comunidade discursiva forense criminal

Como já mencionamos um dos objetivos da Lingüística Textual é definir e classificar


os mais diferentes tipos de textos, e, segundo Travaglia (1991), a tipologização de textos
ainda se encontra em fase de controvérsias e faltam critérios adequados para a descrição
global das diversas categorias de texto, uma vez que, para esta classificação, as propostas
apresentadas variam de acordo com o objetivo de análise.
O fato de termos diversas propostas no sentido de construir uma teoria tipológica de
textos não torna o estudo menos interessante, ao contrário, nos mostra que fazer ciência é um
ato que deve ser exercitado, de acordo com Kuhn (1989), as ciências não evoluem de forma
linear, mas se desenvolvem após crises às quais o autor denominou crises de paradigmas. O
autor também refere-se a métodos em ciências, como um conjunto de processos pelos quais se
torna possível chegar ao conhecimento de algo, o que depende do objeto da pesquisa, do
problema ao qual se propõe resolver e do objetivo da pesquisa.
Ora, o objetivo de toda ciência é o conhecimento, porém, para se possuir
conhecimento, particularmente científico, é preciso deter algum tipo de justificação para
sustentar o que acreditamos, e o tipo de justificação nem sempre é o mesmo. Assim sendo, o
conhecimento nas ciências, segundo (KUHN, 1989), é a “crença” verdadeira e justificada, de
tal modo que o conhecimento encontra-se correlacionado com a “verdade”.
A ciência hoje, não é considerada algo pronto, acabado ou definitivo. Não é a posse de
“verdades absolutas e imutáveis”, mas sim a busca constante de explicações e soluções e de
revisão de seus resultados.
Neste sentido para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer melhor que
suas competidoras, mas não precisa explicar todos os fatos com os quais pode ser
confrontada. O novo paradigma implica uma definição nova e mais rígida do campo de
estudos.
A título de exemplo, podemos citar o fato de, recentemente, termos sido surpreendidos
com a notícia de que astrônomos, de todo o mundo, haviam se reunido e decidido que o
planeta Plutão havia deixado de ser um planeta, ficando assim, o sistema solar com apenas 8
(oito) planetas. Ou seja, o que acreditávamos como se tratando de uma “verdade” na área da
Astronomia, devido a novas pesquisas, após tanto tempo, novos critérios foram definidos e
estabelecidos e, sem demérito para o que se pensava anteriormente, uma nova “verdade” foi
estabelecida nesta área de conhecimento.
Assim, sendo na Lingüística e no Direito ciências não prontas, não definitivas e nem
acabadas, mas sim, ciências em constante evolução, a cada atividade de análise surgem novas
propostas, novos olhares, novos paradigmas.
E é neste sentido que fizemos a leitura do nosso corpus de pesquisa, segundo os
critérios teóricos por nós adotados, ou seja, a partir do conceito de categorias de textos que
possuem uma função social e fazem parte da esfera da atividade humana forense criminal; e,
baseando-nos em nossa carta magna Constituição Federal de 1988, na lei penal e processual
penal, em relação ao produtor do texto, a quem o texto se dirige e à função básica comum de
cada texto, encontramos 130 (cento e trinta) gêneros de textuais que pertencem à comunidade
discursiva forense criminal que, por questão de delimitação, apenas as relataremos abaixo:
1) Noticia- crime; 2) boletim de ocorrência; 3) Qualificação; 4) Auto de prisão em
flagrante; 5)Nota de culpa; 6) Despacho de deferimento de pedido de fiança; 7) Termo de

2036

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


fiança; 8) Despacho que determina ordem de serviço; 9) Ordem de serviço; 10) Relatório de
ordem de serviço; 11) Portaria; 12) Auto de busca pessoal; 13) Auto de busca e apreensão;
14) Termo de representação; 15) Termo de representação, ofendida menor; 16) Termo de
representação apresentado ao promotor de justiça; 17) Termo de representação apresentado
para o juiz de direito; 18) Termo de representação, ofendida menor ao juiz de direito por seu
representante legal; 19) Termo de representação, ofendida menor ao promotor de justiça por
seu representante legal; 20) Termo de representação, por escrito, por advogado com poderes
que lhe foram outorgados pela ofendida ou, se for o caso de menor, por seu representante
legal; 21) Requisição de Instauração de Inquérito Policial, pelo promotor; 22) Requisição de
Instauração de Inquérito Policial, pelo juiz de direito; 23) Procuração; 24) Assentada; 25)
Relatório; 26) Distribuição; 27) Despacho de expediente; 28) Despacho, decisões
interlocutórias; 29) Exceção de suspeição e de impedimento; 30) Exceção de suspeição e de
impedimento, pelas partes; 31) Conclusão dos autos; 32) Resposta do excepto; 33) Liminar
que rejeita a resposta do excepto; 34) Decisão que reconhece a argüição de suspeição; 35)
Acórdão; 36) Exceção de incompetência do juízo, pelas partes; 37) Exceção de litispendência;
38) Exceção de coisa julgada; 39) Exceção de ilegitimidade de parte; 40) Autuação; 41)
Termo de recebimento dos autos, pelo ministério público; 41) Termo de arquivamento dos
autos do inquérito policial, pelo ministério público; 42) Pedido de arquivamento do inquérito
policial, pelo ministério público; 43) Remessa dos autos à procuradoria geral da justiça; 44)
Denúncia; 45) Intimação para comparecer em juízo; 46) Citação; 47) Intimação de decisão do
juiz; 48) Rejeição da denúncia; 49) Despacho recebendo a denúncia; 50) Termo de audiência
de interrogatório do réu; 51) Pregão; 52) Assentada em juízo; 53) Defesa prévia; 54) Termo
de audiência de inquirição das testemunhas; 55) Abertura de vista; 56) Pedido de vista; 57)
Termo de vista; 58) Alegações finais; 59) Sentença penal; 60) Absolvisão sumária; 61)
Desclassificação; 62) Impronúncia; 63) Pronúncia; 64) Conclusão ao juiz presidente do
tribunal do júri; 65) Libelo crime acusatório; 66) Contrariedade do libelo crime acusatório;
67) Julgamento pelo tribunal do júri; 68) Queixa crime; 69) Audiência de reconciliação; 70)
Exceção da verdade; 71) Contestação da exceção da verdade; 72) Pedido de perdão; 73)
Aceitação do pedido de perdão; 74) Oferta de perdão ao querelado; 75) Reconvenção; 76)
Queixa crime, ação subsidiária da pública; 77) Remessa dos autos; 78) Recurso em sentido
estrito; 79) Apelação; 80) Contra razões de apelação; 81) Hábeas Corpus; 82) Hábeas Corpus
Preventivo; 83) Protesto por novo júri; 84) Revisão criminal; 85) Embargos divergentes e
infringentes; 86) Embargos de declaração; 87) Embargos de divergência; 88) Carta
testemunhável; 89) Recurso especial; 90) Agravo; 91) Recurso ordinário constitucional; 92)
Recurso extraordinário; 93) Correição parcial; 94) Embargos infringentes ou de nulidade; 95)
Suspensão Condicional da Pena (SURSIS); 96) Requisição; 97) Traslado; 98) Atestado de
antecedentes; 99) Ofício; 100) Pedido de habilitação de assistente; 101) Rol de testemunhas;
102) Recibo ao testemunhante; 103) Autenticação; 104) Graça; 105) Indulto; 106) Termo de
acareação; 107) Pedido de liberdade provisória; 108) Alvará de soltura; 109) Carta precatória;
110) Edital; 111) Ofício de mandado de prisão; 112) Ofício ao diário oficial para publicação
de edital; 113) Termo de apensação; 114) Termo de compromisso aos peritos; 115) Petição
interlocutória; 116) termo de recebimento; 117) termo de recurso; 118) Parecer do ministério
público; 119) Argüição de conflito de competência; 120) Decreto de revelia; 121) Decreto
deferindo pedido de devolução do valor da fiança – réu absolvido; 122) Termo de ocorrência
e deliberação; 123) Relatório médico; 124) Exame de corpo delito; 125) Laudo de exame
cadavérico; 126) termo de compromisso de perito ad-hoc; 127) Laudo de exame de veículo;
128) Declaração; 129) Atestado; 130) Certidão.
Quanto à sentença proferida pelo juiz, as sentenças por nós estudadas apresentam as
seguintes características formais escritas.

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Num primeiro momento, o juiz faz uma exposição do histórico do processo, um
resumo. Neste momento o juiz já mostra indícios de quais peças processuais – gêneros
forenses criminais - que o levaram a tomar sua decisão, já demonstra quais provas
apresentadas lhe pareceram pertinentes, verdadeiras, melhor redigidas, com argumentos
lógico-racionais bem encadeados e elaborados no sentido de convencê-lo. Neste momento
observamos que a comparação da pretensão deduzida com a norma que constitui o direito
objetivo se transforma numa arena na qual nem sempre o direito objetivo se realiza via
processo, uma vez que, como já mencionamos “os fatos serão tantos quantas forem suas
narrativas e descrições”.
O texto melhor elaborado e melhor redigido por profissionais experts se faz presente,
talvez daí o fato de ‘pobres mortais’, pessoas que possuem baixo poder aquisitivo,
acreditarem que “a justiça só é feita para os pobres, ladrões de galinha”.
Entendemos que, de alguma forma, cada juiz empresta às suas sentenças as marcas de
seu temperamento e as dominantes de sua formação. No entanto, não vemos este fato de
forma pejorativa, ao contrário, acreditamos que aquele que tem autoridade para fazê-lo indica
com excelências supremas do julgado a concisão que não argua pobreza ou dê ao estilo
‘supremas do estilo do julgado’ a concisão que não abastarde em vulgaridade, a clareza. O
que podemos exigir do juiz, como já relatamos, é que dê os fundamentos da sua convicção.

4. Considerações finais.

Partindo do pressuposto de que os gêneros se caracterizam por exercer uma função


sócio-comunicativa que podem revelar atividades profissionais específicas, admitimos que os
gêneros textuais produzidos por profissionais que atuam na esfera forense, que denominamos,
de acordo com o postulado por Swales (1990), de ‘comunidade discursiva forense’, possuem
funções rígidas, organização textual própria, estrutura composicional que os diferem
facilmente dos textos redigidos por profissionais de outras áreas, estilo altamente formal, um
variado leque de léxico próprio que é dificilmente compreendido por senão por seus pares,
dentre outros, acreditamos ter confirmado nossa hipótese e alcançado o nosso objetivo de
fazer um levantamento e breve caracterização destes gêneros textuais que consideramos
próprios desta comunidade discursiva.
Na área da Lingüística Textual, afirmar que é possível encontrar mais de cem
categorias de texto distintas entre si, ora devido ao seu produtor, ora devido às suas condições
de produção, ora devido as suas conseqüências jurídicas futuras, não é tarefa fácil.
Acreditamos que esta definição e caracterização só é possível baseada numa teoria de
tipologização de textos que estabeleça critérios bem definidos para a sua realização. Neste
sentido, acreditamos que a proposta de Travaglia (2003a) “Dos Tipelementos” nos forneceu os
critérios adequados para a realização do trabalho.
Quanto ao nosso objetivo de fazer um estudo mais detalhado da ‘sentença judicial’ e
dos gêneros que a influenciam e que, portanto, merecem maior atenção por parte dos
operadores do Direito, entendemos que em relação à estrutura composicional da ‘sentença
judicial’ foi possível percebermos que, embora tenhamos analisado sentenças do mesmo juiz,
cada julgado recebe por parte do juiz tratamento diferenciado e único, afinal trata-se de fatos
sociais diferentes, e que, embora o juiz tenha que atender o dispositivo no art. 381 do CPP em
relação ao que deve conter a sentença, o juiz prima pela fundamentação de sua sentença.
Nesta parte do texto, o juiz argumenta consigo mesmo, se convence, trava uma batalha interna
com intuito de promover a justiça.
Procuramos fazer uma análise da ‘sentença judicial’ enquanto ‘acontecimento’ como a
exterioridade que não está fora e que representa o lugar de ruptura com os sentidos

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Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


estabelecidos, e também como ‘estrutura’, o sujeito, a ideologia e o próprio discurso, como
sistemas cujas fronteiras não são fechadas e cujo princípio de organização não está no centro.
Ora, o texto redigido pelo juiz no gênero ‘sentença judicial’ já no inicio, quando faz o
breve relatório dos fatos que lhe foram trazidos, já demonstra como será o seu julgado. As
escolhas lingüísticas feitas pelo juiz possuem papel fundamental no texto, o que corrobora
nossa hipótese de não haver texto neutro, imparcial nem inocente. Dessa forma, o juiz não
está no centro de si mesmo e tampouco é a fonte do sentido; e o lugar onde está não tem
centro, mas é uma estrutura.
As técnicas argumentativas implícitas na estrutura textual podem construir verdades
que nem sempre visam o auditório universal, por se tratarem de ‘verdades’ ‘construtos’
localizadas no tempo e no espaço, são ‘verdades’ baseadas naqueles ‘fatos’ específicos e que
portanto estão voltadas para um auditório particular.
Percebemos que para proferir a sentença judicial, o juiz se baseia na comparação,
principalmente, daqueles gêneros que lhe trazem as várias versões do fato, buscando assim
um meio que o conduz para sua decisão.
Neste sentido, entendemos que nossa hipótese de que alguns gêneros exercem maior
influência para a sentença judicial se confirma. Esses gêneros são aqueles cuja função sócio-
comunicativa é a de trazer a versão das partes para o fato, tornando o fato em tantos fatos
quantas forem suas narrativas, descrições e argumentos nelas apresentadas. Ganha o melhor
argumento, o mais articulado, o mais convincente, o que menos dúvida deixa sobre a sua
veracidade.
Assim, quanto ao nosso objetivo específico de fazer uma caracterização mais
detalhada do gênero textual ‘sentença’ na tentativa de encontrar os gêneros ‘outros’ que a
afetam, reconhecemos que este estudo só é possível com o estudo sobre as teorias da
argumentação, dos atos de fala e da ação comunicativa que entendemos estão de alguma
forma relacionadas.
Não temos a intenção de mudar o panorama da Lingüística Textual no que se refere a
um de seus objetivos que é o de definir e classificar os diferentes tipos de textos encontrados
na sociedade atual. Mas, baseado no aparato teórico que adotamos e no estudo aqui
apresentado, gostaríamos de poder somar, no sentido de contribuir para a construção de uma
teoria tipológica geral de textos. Pesquisa, que devido à sua dimensão e grandeza, requer
muito mais.
Esperamos ter conseguido mostrar como o estudo das categorias de textos redigidos
por membros da ‘comunidade discursiva forense’ pode servir como meio para uma
abordagem mais ampla destes e, ao mesmo tempo, servir como uma sugestão na classificação
e tipologização de textos.

Referências

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_____, Quando Dizer é fazer: palavras e ação. Tradução: SOUZA FILHO, D. M. de.
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BAKHTIN, Michail. Estética da criação verbal. Trad. PEREIRA, M. E. G. G. São Paulo:
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal,
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_____. Código Penal (1940), Legislação brasileira. Org. dos textos, notas remissivas e
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_____. Código de Processo Penal (1940), Legislação brasileira. Org. dos textos, notas
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2039

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


CAMERON, D. et al. Researching languague: uisssues of power and method. London:
Routledge, 1992.
HABERMAS, J. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução:
SIEBENEICHLER, F. B. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
_____. El discurso filosófico de la modernidad. Tradução: REDONDO, M. J. Madrid: Altea,
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KUHN, T. S. A Estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva S.A. 1975.
SWALES, J. English in academic and research settings. Cambridge: Cambridge University
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TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Tipologias textuais literárias e lingüísticas. In: Abordagens
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_____, Tipos gêneros e subtipos textuais e o ensino de língua materna. In: BASTOS, Neuza
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_____. Um estudo textual-discursivo do verbo no Português do Brasil. Tese de Doutorado.
UNICAMP/ILEL Campinas, 1991. Pp. 46 – 306.

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O JURIDIQUÊS E A LINGUAGEM JURÍDICA:
O CERTO E O ERRADO NO DISCURSO

Valdeciliana da Silva Ramos Andrade1

O Direito, como qualquer outro ciência – matemática, biologia, economia, medicina,


informática, etc –, tem uma linguagem técnica que lhe é peculiar, a qual deverá será
empregada sempre que for preciso. Contudo, o problema do juridiquês não se refere
ao uso comedido e necessário de termos técnicos.

Infelizmente, cumpre destacar que a prática do juridiquês não é restrita somente a


magistrados, como acreditam algumas pessoas, mas também é uma prática de
muitos advogados, procuradores, promotores, enfim de muitos profissionais do
Direito.

É claro que o profissional do Direito não pode se esquecer nunca da função social
da linguagem nesta área, pois muito mais do que produzir uma peça o profissional
deve ter em foco o outro o qual é destinatário de sua mensagem deseja saber que
direitos estão sendo defendidos ou violados. Assim, o operador do Direito precisará
dosar o seu texto, de forma que a linguagem técnica não deverá sacrificar nunca a
clareza do que está sendo dito. Não é um campo fácil, mas é algo que se pode
realizar.

Voltando ao juridiquês, este não surgiu por causa da linguagem técnica, mas, sim,
por causa do excesso de formalismo na área jurídica, que é visto até hoje nos
pronomes de tratamento, mesmo fora do âmbito forense entre os pares, nos trajes,
na burocracia que envolve o processo, nas formas de acesso à justiça.

Convém esclarecer somente que vivemos em um mundo globalizado, onde o tempo


da informação é instantâneo – tudo ocorre no tempo real. Já existe o processo on-
line, as decisões estão disponíveis em rede, o acompanhamento processual pode

1
Doutora em Língua Portuguesa pela UERJ, mestre em Linguística e Filologia pela UNESP,
professora de Linguagem Jurídica da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


ser feito por qualquer pessoa, entre outras realidades virtuais que estão se inserindo
no mundo jurídico. É bem verdade que o processo de inserção dessas “novidades” é
lento, entretanto é real e tangível.

A única área que resiste a essas mudanças é a do Direito, mas muito pior que
resistir é cometer o desvio, o exagero. É exatamente isso que é o juridiquês – um
desvio da linguagem jurídica. Isso se dá de duas formas, a saber: o preciosismo
empregado na linguagem jurídica e os problemas que rondam a construção textual
na área do direito.

1 O JURIDIQUÊS NAS PALAVRAS E NAS EXPRESSÕES

Antes de tratarmos acerca do que seja “preciosismo” no âmbito jurídico, é


importante, antes, prestar um esclarecimento. Juridiquês não é tecnicismo, como já
dissemos, muitas vezes, o emprego de termos técnicos será necessário, mas nada
impede que o profissional esclarecido utilize recursos para esclarecer tal linguagem
técnica. Preciosismo é um desvio que contempla o uso descomedido de latinismo,
de termos ou expressões arcaicas ou mesmo rebuscadas e de neologismos. Tais
recursos impedem a compreensão adequada do está sendo proferido, deste modo o
processo de comunicação fica prejudicado. Parece que há um prazer em se eleger
um léxico que não seja acessível ao cidadão comum.

Infelizmente, há profissionais do âmbito jurídico que acreditam que escrever bem é


escrever difícil – ISSO NÃO É VERDADE! Um bom texto não é medido pela
quantidade de palavras latinas, arcaicas ou rebuscadas que se utiliza. Além disso,
parece que o uso de um vernáculo mais elitizado demonstra cultura – ledo engano,
isso hoje é burrice!

Apenas para perceber como isso ocorre, vejamos alguns exemplos desse desvio
que está exposto em um site (http://www.paginalegal.com/categoria/juridiques). Para
designar “petição inicial” (peça que se inicia uma ação – petição ! pedir), como é

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


previsto pelo art. 282 do Código de Processo Civil, foram encontradas 23
ocorrências, como vemos:

• peça atrial
• peça autoral
• peça de arranque
• peça de ingresso
• peça de intróito
• peça dilucular
• peça exordial
• peça gênese
• peça inaugural
• peça incoativa
• peça introdutória
• peça ovo
• peça preambular
• peça prefacial
• peça preludial
• peça primeva
• peça primígena
• peça prodrômica
• peça proemial
• peça prologal
• peça pórtico
• peça umbilical
• peça vestibular

Não raro, o que se vê aqui são neologismos, os quais se constituem em erros


crassos em se tratando de língua portuguesa. Sejamos técnicos, por que não utilizar
“petição inicial”, mas não é só isso. Há mais.

• Alvazir de piso: o juiz de primeira instância


• Aresto doméstico: alguma jurisprudência do tribunal local
• Autarquia ancilar: Instituto Nacional de Previdência Social (INSS)

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• Caderno indiciário: inquérito policial
• Cártula chéquica: folha de cheque
• Consorte virago: esposa
• Digesto obreiro: Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
• Ergástulo público: cadeia
• Exordial increpatória: denúncia (peça inicial do processo criminal)
• Repositório adjetivo: Código de Processo, seja Civil ou Penal

Os problemas do juridiquês não residem apenas nisso, visto que essa ânsia de
trazer para língua portuguesa um status de erudição em nome da “clareza jurídica”,
pois os que defendem tal tese asseguram que os termos técnicos não dão margem
à ambigüidade (quem assegura isso é está extremamente equivocado). Muitas
vezes, os profissionais criam códigos que são só conhecidos por eles, inclusive as
abreviações são, quase sempre, incógnitas. Isso pode ser visto em

[...] que o d. Juízo de V.Exa. omitiu-se acerca do que deveria se pronunciar, d.m.v.,
como se sustenta nas razões que se seguem:[...]

O que será “d. Juízo de V.Exa”? Será que é uma homenagem à inteligência do juiz?
Como disse Shakespeare – “Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha
nossa vã filosofia”. Ademais, ninguém sabe informar, de fato, o que seja “D.M.V.”.
Por curiosidade, apenas para verificar, indaguei o que seria a possível sigla para
alguns juízes – nem eles mesmos sabem. Quem dirá então o cidadão comum. Isso
não é linguagem jurídica, mas é pura e simplesmente ERRO de língua portuguesa.

No tocante a isso, o ministro Edson Vidigal, do Superior Tribunal de Justiça,

[...] compara o “juridiquês” ao latim em missa, acobertando um mistério que amplia


a distância entre a fé e o religioso; do mesmo modo, entre o cidadão e a lei. Ou
seja, o uso da linguagem rebuscada, incompreensível para a maioria, seria também
uma maneira de demonstração de poder e de manutenção do monopólio do
conhecimento. (apud ALVARENGA, 2005)

Isso é presente não só em termos ou expressões do âmbito jurídico, está permeado


em construções marcadas pela falta de clareza, como se vê nos exemplos2 a seguir:

2
Exemplos disponíveis em: < www.gazetadotriangulo.com.br>. Acesso em: 16 fev. 2008.

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


V. Exª., data máxima venia não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e
jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam, hialinamente, o dano
sofrido.

Com espia no referido precedente, plenamente afincado, de modo consuetudinário,


por entendimento turmário iterativo e remansoso, e com amplo supedâneo na Carta
Política, que não preceitua garantia ao contencioso nem absoluta nem ilimitada,
padecendo ao revés dos temperamentos constritores limados pela dicção do
legislador infraconstitucional, resulta de meridiana clareza, tornando despicienda
maior peroração, que o apelo a este Pretório se compadece do imperioso
prequestionamento da matéria alojada na insurgência, tal entendido como
expressamente abordada no Acórdão guerreado, sem o que estéril se mostrará a
irresignação, inviabilizada ab ovo por carecer de pressuposto essencial ao
desabrochar da operação cognitiva.

Em todas essas ocorrências, não há emprego de linguagem técnica, só há


juridiquês. Conseguir traduzir o juridiquês é uma arte de muito mau gosto. É melhor
desprezar construções que não trazem beleza, nem elegância para o texto, apenas
afastam as pessoas da compreensão de seus direitos. Apenas para perceber, é
possível fazermos uma “tradução” do que está posto nos parágrafos anteriores.
Assim, temos:

! 1º exemplo – V. Exª. Não abordou devidamente a doutrina e a jurisprudência


citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido.

! 2º exemplo – Um recurso, para ser recebido pelos tribunais superiores, deve


abordar matéria explicitamente tocada pela instância inferior ao julgar a causa. Se
isto não ocorrer, será pura e simplesmente rejeitado, sem exame do mérito da
questão.

Parece ser absurdo isso – mas pode ter certeza de que não é!!!

Outro aspecto do juridiquês é o emprego de latinismos. Neste sentido, cabe uma


explicação. A língua portuguesa, conquanto tenha sua origem no latim, evoluiu
assim como ocorreu com as demais línguas neolatinas. Tal evolução não significa
que desprezamos nossas raízes, mas é não é possível utilizar, a todo momento,
expressões ou termos que possuem equivalentes em língua portuguesa e são mais
comunicativos.

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Ainda é muito comum vermos termos ou expressões em latim no Direito, isso ocorre
em virtude de alguns tentarem demonstrar que sabem latim. Aqui convém um
pequeno esclarecimento – praticamente a maioria dos que empregam
constantemente latinismos em seus textos não sabem latim de fato. Decoram
expressões ou brocardos e passam a utilizá-los indistintamente.

Apesar disso, é verdade também que a língua portuguesa já incorporou algumas


expressões latinas, inclusive há dicionários que trazem expressões acentuadas (algo
que não existe na língua latina), como exemplo, temos: habeas corpus – que é uma
ação judicial com o objetivo de proteger o direito de liberdade de locomoção lesado
ou ameaçado por ato abusivo de autoridade3 –; habeas data (que já traz acento
habeas no dicionário Houaisss) – é uma ação que assegura o livre acesso de
qualquer cidadão a informações a ele próprio relativas, constantes de registros,
fichários ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público4 –;
data venia – em língua portuguesa, corresponde a uma locução adverbial, que
remete a uma expressão respeitosa com a qual se inicia uma argumentação,
contrariando a opinião de outrem, uma possível tradução seria “com a devida
licença” ou “com o devido respeito”5.

Nota-se que, nesses casos, o emprego da expressão latina é mais sucinta e precisa
que o equivalente em língua portuguesa, em virtude disso tais expressões (assim
como outras – “per capita”, “vide”, “vade mecum”, “versus”, “corpus”, “supra”,
“status”, etc) têm sido incorporadas na língua portuguesa. Tal processo de
incorporação de palavras de outras línguas à nossa língua mãe é algo comum.
Apenas para exemplificar, basta lembrarmo-nos de algumas palavras, tais como:
show, abajur, entre outras.

Nossa crítica ao latinismo não se refere a este tipo de emprego de palavras ou de


expressões, mas tão somente se refere àquelas que têm um equivalente apropriado
em língua portuguesa e não é observado. Em geral, o uso descomedido do latim
visa denotar uma falsa cultura, que, em geral, funciona como elemento de

3
Definição trazida pelo Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
4
Ibidem.
5
Ibidem.

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distanciamento entre o operador do Direito e o homem comum o qual, muitas vezes,
é uma pessoa culta, com curso superior, entre outros predicativos. Tais absurdos
podem ser vislumbrados nos exemplos seguintes:

Ad argumentandum tantum considerando que ao adentrarmos na res in juditio


deducta, o contestante nada trouxe de espeque para inviabilizar [...]

Na construção acima, as expressões “ad argumentandum tantum” e “res in juditio


deducta” significam “apenas para argumentar” e “coisa ou questão trazida a juízo”.
São expressões que apenas complicam o processo de compreensão e não trazem
clareza ao texto, ao contrário somente dão a sensação de que quem lê não sabe
nada. Deste modo, uma possível tradução seria – Apenas para argumentar,
considerando que, ao adentrarmos na questão trazida a juízo, o contestante (ou réu)
não trouxe nada como apoio (arrimo, amparo) para inviabilizar [a ação ...].

Há um aspecto pior, a expressão “res in juditio deducta” não se encontra grafada


nos dicionários desta forma, mas como “res in iudicium deducta”. É muito provável
que o autor tenha copiado de algum lugar e foi reproduzindo sem observar a grafia
adequada. Ademais, o autor desconhece regras básicas do emprego da vírgula,
basta ver a “tradução”.

A falsa cultura disseminada por aqueles que utilizam o latim como forma de tornar o
texto mais claro e mais culto revela, geralmente, uma falta de conhecimento da
língua portuguesa, pois, com freqüência, erram o uso da vírgula e de outros sinais
de pontuação, empregam inadequadamente o gerúndio entre tantos outros erros
comuns.6 O descaso com a língua atinge todos os âmbitos gramaticais
(concordância, regência, ortografia, etc)7. Como se vê nos exemplos8 a seguir:

Brasileiro, casada de fato, garson, CTPS [...] (RT, n° 0420.2005.013.1700-2, grifo


nosso)
[...] intenta a presente reclamatória, afim de que seja a reclamada compelida [...]
(RT, n° 01535.2004.005.17.0-9)
[...] pois o que levou a empresa nessa situação foi concorrências acirradas
supermercados [...]. (Contestação, n° 00736.2003.006.17.0-4, grifo nosso)

6
Para ter mais informações acerca de problemas em textos jurídicos, ver a pesquisa desenvolvida pelo
advogado, especialista em Direitos Humanos, Daniel Roepke Viana, cujo título é “DIREITO E LINGUAGEM: OS
ENTRAVES LINGÜÍSTICOS E SUA REPERCUSSÃO NO TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL”.
7
Para se ter mais informações acerca desses problemas, verificar a monografia de Daniel Roepke Viana.
8
Os exemplos foram retirados da monografia de Daniel Roepke Viana.

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A empresa-ré, possui no Estado do Espírito Santo, 02 (duas) gerências
INDIVIDUALIZADAS [...]. (Contestação, n° 0029.2002.005.17.00-8, grifo nosso)

Este cenário é paradoxal – a pessoa emprega a língua latina com tantos cuidados,
que não é a nossa língua oficial, nem mesmo é falado por comunidades lingüísticas
(trata-se, para muitos, de uma língua morta), no entanto é incapaz de empregar
corretamente, de acordo com a norma padrão, a língua portuguesa que é o
instrumento diário de interação do profissional da área jurídica no Brasil.

Parece que alguns profissionais do Direito se esquecem do que está posto no art.
156 do Código de Processo Civil – “Em todos os atos e termos do processo, é
obrigatório o uso do vernáculo”. Ora o vernáculo a que se refere o art. 156 é a língua
portuguesa de acordo com o padrão da norma culta.

2 O JURIDIQUÊS NA PRODUÇÃO TEXTUAL

Há que se acrescentar que juridiquês não é só o uso de arcaísmos, palavras


rebuscadas, neologismos, latinismos e o uso inadequado da língua portuguesa, mas
também contribui para a existência do juridiquês a produção textual truncada,
extensa.

Em nome do rigor e do formalismo jurídico, a produção textual jurídica passa muito


longe dos princípios básicos que regem a boa escrita. Aliás, os textos jurídicos
parecem não só ter parado no tempo, mas ter regredido, pois, além de os textos
serem extensos, são difíceis de serem compreendidos.

É comum ver textos permeados de citações, sem qualquer relação textual.


Esclarecendo melhor, os textos processuais trazem uma espécie de “colagem” de
diversas citações, não há, em geral, qualquer comentário acerca do que foi citado, o
texto trazido é como se fosse uma espécie de apêndice, pois a citação está ali para
“enfeitar” o texto.

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Este é um dos grandes problemas do texto jurídico – a falta de objetividade. Há um
equívoco disseminado no meio jurídico de que é preciso falar muito, citar muito para
se ter um bom texto. Isso transgride as normas de conduta de um bom texto,
primeiro porque não pelo muito falar que um texto será bom – a qualidade de um
texto está no desenvolvimento de habilidades textuais –; segundo porque o fato de
citar não garante cientificidade, nem qualidade textual.

Vivemos uma época em que tempo é algo precioso, portanto não adianta se produzir
textos extensos, redundantes, pois os mesmos não serão lidos nem mesmo pelos
magistrados. É época de se primar pela economia lingüística, de se primar pela
clareza, pela objetividade, pela concisão e porque não dizer pela cientificidade.

A grande questão é como conseguir esses atributos para um texto. Para conseguir
isso, é preciso que o profissional do Direito se esforce para melhorar sua produção
textual jurídica. É importante, então, que se desfaçam os conceitos preconcebidos, a
fim de se obter melhor qualidade do que será produzido.

O texto deve ter apenas o essencial, falar o que deve ser dito, argumentar com
coerência e precisão, averiguar o veículo adequado da comunicação e vislumbrar o
destinatário, sabendo que, muitas vezes, este nem sempre coincide com
interpretante real. O desafio está posto.

Assim, passemos a alguns aspectos que merecem destaque. Ao falarmos em


economia lingüística, falamos em objetividade, quanto a isso devemos seguir uma
máxima de Winston Churchil – “Das palavras, as mais simples: das mais simples, a
menor”. Isso significa que devemos primar sempre por palavras que trazem maior
clareza para o texto e, sempre que possível, pelas que são de menor tamanho. Tais
dicas são importantes, pois elas determinam a escolha do léxico a ser utilizado no
texto, que pode contribuir ou não para a compreensão textual. Infelizmente, o que
encontramos hoje no discurso jurídico são palavras empoladas que não trazem luz
ao que se está dizendo.

Outro aspecto importante no processo textual é a clareza, a objetividade e a


concisão. Tais elementos conduzem-nos a uma estruturação adequada do

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parágrafo. O que vemos ultimamente são parágrafos longos em que as idéias não
são claras e redundantes, isto é, muitas vezes, os profissionais do Direito não
conseguem ser claros em um parágrafo e acabam repetindo o mesmo assunto em
outros parágrafos. Isso, não raro, faz com que as pessoas se percam no
emaranhado de informações. Como se vê no fragmento a seguir, o qual retirado de
uma petição inicial.

[...] Cabe ressaltar, como cediço, que o trabalho dignifica o homem, de forma
que a sociedade e o Estado não podem mais ficar assistindo inertes ao
aumento assustador da legião de pessoas que estão sendo aleijadas,
mutiladas e mortas por falta de proteção e segurança no trabalho, face
costumeiramente à omissão das empresas em cumprirem com as normas de
segurança e medicina do trabalho e a imprudência de prepostos mal eleitos
para o exercício de certas funções.

Como dito, a Autora depois de ocorrido o fato, tem dificuldade até mesmo
para andar, o que somente consegue realizar com o auxílio de muletas, fato
este que se soma as enormes dores físicas que vem sentindo desde então e
que somente são amenizadas com os remédios que se vê obrigada a
adquirir.

Desta forma, mister se faz uma indenização à Autora como forma de


reparação a dor íntima, tanto física como psicológica e, ao fato de conviver
com limitações que outrora não possuía, fazendo-se assim mais do que justa
a indenização também por danos morais.

No caso em tela a culpa da ré é evidente, já que foi negligente em não


cumprir com as normas de trânsito, medicina e segurança do trabalho e por
empregar como motorista indivíduo que se mostrou imprudente ao imprimir
ao ônibus velocidade incompatível com o local (culpa in eligendo), fazendo
com que o corpo da Autora fosse arremessado de encontro a lataria interna
do ônibus no qual eram transportados, tendo como conseqüência os citados
danos a sua perna.

Assim, o prejuízo moral sofrido pela Autora está amplamente comprovado,


pois a sua paz, tranqüilidade de espírito, saúde física, honra e moral foram
violentamente abaladas.

Além disso, se deve ter em mente que a Autora é mulher, divorciada,


possuindo atualmente apenas 37 (trinta e sete anos) de idade, tendo tais
danos prejudicado sua estética, posto que como dito somente se locomove
com o auxílio de muletas, trazendo assim danos à sua beleza exterior que
outrora não possuía.

Ao sofrer tais danos torna-se a Autora merecedora de uma reparação através


de um valor compensatório e satisfatório para que possa abrandar a dor
moral suportada, podendo estes, como sabido, se cumularem aos danos
materiais acima descritos, de acordo com a súmula 37 do Superior Tribunal
de Justiça que assim determina [...]

Além dos problemas de língua portuguesa (uso da vírgula, gerundismo,


concordância, etc.), há problemas sérios de coerência que, muitas vezes, é causado

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por causa da repetição de idéias ou mesmo do uso inadequado do pronome relativo,
como se tem em: “somente se locomove com o auxílio de muletas, trazendo assim
danos à sua beleza exterior que outrora não possuía”.

A repetição é tão notória que, em 7 parágrafos, há 4 expressões que remetem ao


que já foi mencionado. Na verdade, a falta de objetividade faz com que o produtor do
texto fale a mesma coisa até perder o rumo do texto, pois, em geral, começa a
empregar argumentos que não são muito plausíveis – a autora é mulher e possui 37
anos – o que isso significa exatamente? O autor não deixa claro.

Parece que, quando faltam argumentos e quando falta clareza acerca do que será
dito, o profissional do Direito passa a andar em círculos em seu próprio texto – na
verdade, quando falta argumentação, sobra “enrolação”.

Em oposição a esta cultura do juridiquês, falar, falar e não dizer nada, é importante
que exista uma atenção especial à produção dos parágrafos. Neste sentido,
apresentamos a seguir alguns princípios que devem ser observados, a saber:

" Todo parágrafo deve ter apenas uma idéia básica que deve ser expressa em
uma frase.
" A frase que contém a idéia básica (tópico frasal) deve ser grafada no início do
parágrafo (topicalização), pois, se alguém ler o texto superficialmente, lerá a
primeira frase de cada parágrafo. Neste caso, o autor do texto já cumprido
com seu objetivo (ao menos em parte) comunicacional.
" O parágrafo não deve ser longo – máximo entre 8 a 10 linhas. Não mais que
isso.
" Os parágrafos devem promover uma continuidade textual – quando o leitor
terminar de ler o texto, deve conseguir percorrer mentalmente os argumentos
elencados pelo autor.
" Os parágrafos devem ser encadeados adequadamente – empregar as
relações textuais necessárias para promover a progressão textual e, desta
forma, a continuidade do que se está tratando no texto.

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" Só pode haver o reforço da tese que perpassa o texto e não de um
argumento específico que pode cansar. Tal reforço é a retomada da idéia
central que está sendo defendida.
" Falar apenas o necessário – nada mais.
" Evite o excesso de predicativos.
" Evite as generalizações, mas não se prenda excessivamente aos detalhes de
forma que o leitor possa perder o foco do que está sendo dito.
" Observe as normas gramaticais – isso pode depor contra a pessoa.
" Nunca utilize o juridiquês!!!

Verificados esses aspectos, cabe ressaltar apenas mais um – a cientificidade. O uso


indiscriminado de citações só produz textos longos que nunca são lidos por
ninguém, nem mesmo por quem produz, visto que, invariavelmente, a pessoa “copia
e cola” o texto citado de algum lugar. O emprego de citações deve ser
extremamente comedido, USE APENAS O ESSENCIAL para fundamentar a tese.

Além disso, deve ser referenciado adequadamente, quando se tratar de texto


processual ou de texto que não tenha referência bibliográfica, em nota de rodapé.
Se se tratar de outros tipos de texto jurídico em que é possível haver, no final,
referências, é facultativo o tipo de chamada, isto é, a chamada da citação pode ser
autor-data (FULANO DE TAL, ano, p.11) ou pode ser numérica (nota de rodapé).
Isso é importante para denotar que houve uma preocupação científica por parte de
quem produziu o texto.

Há ainda que se informar que não é só pôr a citação, fazer referência, é preciso
muito mais. É preciso que tal citação seja fundamental e que ela seja explorada por
quem está argumentando, deste modo reforça a tese à luz de outros textos que
conferem credibilidade que se está defendendo.

Tais dicas não são regras infalíveis para abolir o juridiquês, mas são um bom
caminho para que tenhamos um texto mais limpo, claro, conciso e coerente.

Por fim, usar a linguagem técnica não é nem pode ser pressuposto para o emprego
do juridiquês. É possível usar a linguagem técnica jurídica e ser claro e objetivo.

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


Basta que se prime por empregar uma linguagem culta, num texto com parágrafos
concisos e bem estruturados, nos quais a idéia básica esteja evidente. Além disso,
sempre que for necessário, o autor do texto pode recorrer ao aposto (expressões ou
frases explicativas) para explicar acerca do trata determinado termo ou expressão.

Na verdade, o emprego do juridiquês é uma forma de afastar o cidadão da


comunicação de seus direitos e de seus deveres, este recurso visa tornar o
processo mais moroso e, em conseqüência, a justiça mais lenta. Decididamente,
empregar juridiquês é estar na contra mão da história e é ir de encontro com a
evolução real e natural da língua. Por isso, ABAIXO O JURIDIQUÊS e VIVA A
LINGUAGEM JURÍDICA, clara, correta e concisa!

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http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/

Direito & Justiça : http://dx.doi.org/10.15448/1984-7718.2015.2.21432


v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

A medida acautelatória de indisponibilidade de bens


particulares dos sócios, administradores e conselheiros
na sociedade anônima aberta
The precautionary measure for the unavailability of the assets of the controlling
shareholders, directors and advisers of the Publicly-Held Company
Jorge Luiz Lopes do Cantoa

RESUMO
O presente estudo visa perscrutar os pressupostos processuais para concessão da cautela preparatória de
indisponibilidade de bens particulares dos sócios controladores, administradores e dos conselheiros de
sociedade anônima aberta, bem como os efeitos jurídicos daí decorrentes, à luz da doutrina e jurisprudência.
Palavras-chave: Cautelar Preparatória. Indisponibilidade de bens. Sociedade Anônima. Capital Aberto. Sócios. Controlador.
Administrador. Conselheiro.

ABSTRACT
This research aims to examine the procedural prerequisites for granting the preparatory precautionary measure
of the unavailability of the assets of the controlling shareholders, directors and advisers of the Publicly-Held
Company, as well as the legal consequences arising therefrom, within the doctrine and jurisprudence spectrum.
Keywords: Preparatory Precautionary Measure. Unavailability of Assets. Joint-Stock Company. Publicly-Held Company.
Shareholders. Controlling Shareholder. Director. Advisers.

INTRODUÇÃO na sociedade anônima de capital aberto, a fim de


possibilitar eventual responsabilidade pessoal destas.
O presente estudo se trata de breve escorço sobre Por sua vez, a responsabilização pessoal desses atores
a repercussão jurídica da indisponibilidade de bens da companhia aberta tem por finalidade assegurar aos
no patrimônio particular daquelas pessoas que detêm, demais sócios e a terceiros a obtenção de eventual
em algum grau, a responsabilidade de gerir, bem ressarcimento decorrente da má fé e culpa lato sensu
administrar e fiscalizar uma sociedade anônima de (dolo e culpa).
capital aberto. O estudo precitado começou a ser desenvolvido
A sociedade anônima de capital aberto é um nos idos de 1996, quando da discussão e elaboração
ícone do sistema capitalista, no sentido que se trata da atual lei de falência e recuperação de empresas,
da personificação de direitos, interesses jurídicos passando a existir regulação específica a esse respeito
e patrimônio autônomo distinto da personalidade por ocasião da edição deste diploma (art. 83, § 2º, da
daqueles que, individualmente, tem poder decisório de Lei nº 11.101/2005). Entretanto, o primeiro texto legal
administrar a mesma, em prol da concretização de seu que regulamenta de forma expressa esta possibilidade
objeto estatutário. jurídica no país é o fiscal, mediante o art. 4º, § 1º, da
A medida processual preparatória visa garantir Lei nº 8.397/92, de acordo com a redação dada pela
a solvabilidade de determinadas pessoas que atuam Lei nº 9.532/97.

a
Desembargador do TJRS. E-mail: <jcanto@tj.rs.gov.br>.
Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é licenciada
sob forma de uma licença Creative Commons - Atribuição 4.0 Internacional.
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

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196 Canto, J. L. L.

Cabe mencionar que na década de 90 já havia Neste caso, em face da dispersão dos tomadores
decisões na seara falimentar a esse respeito, com base de valores mobiliários emitidos pela companhia, que
no poder geral de cautela do juiz da falência (art. se presume incapazes de formar uma comunidade apta
14, VI, da Lei nº 7.661/45, atual 99, inc. VII, da Lei a defender eficazmente seus interesses perante aquela,
nº 11.101/2005). seus controladores e administradores, a lei estabelece
O primeiro ponto a ser abordado no presente um regime especial de tutela do Poder Público em
trabalho diz respeito à sociedade anônima de capital favor dessa coletividade de acionistas, debenturistas e
aberto, esta, em apertada síntese, é aquela que admite demais portadores de títulos acionários.
a captação de recursos mediante negociação de ações
no mercado mobiliário, ou seja, bolsa de valores ou Se a sociedade logra ou não colocar seus títulos
mercado de balcão. em consequência da oferta, pouco importa. Basta
Sob esse viés é que há o interesse jurídico de que haja a oferta junto ao público investidor para
proteger acionistas e terceiros, no caso, aplicadores que, sobre a sociedade, incida o regime especial de
no mercado de ações, como os debenturistas, quanto tutela estatal previsto em lei.
à malversação dos recursos de companhia aberta,
resultante do controle exercido, da má administração Não obstante isso, resta indubitável no art. 4º da
ou da conivência com esta. Lei das Sociedades Anônimas que há intervenção do
Por fim, o último tópico a ser tratado no presente Estado na regulação deste mercado, diante da previsão
trabalho é quanto às questões de ordem processual, que de que a empresa deve registrar-se na Comissão de
exsurgem da cautela de indisponibilidade de bens, no Valores Mobiliários para negociar suas ações na Bolsa
que tange aos seus efeitos em função de sua natureza de Valores. Destaque-se que o prévio registro mostra-
jurídica e requisitos necessários para concessão da se essencial quando a sociedade anônima de capital
mesma, além do prazo razoável pela qual esta pode aberto é de economia mista, uma vez que o prevalente
vigorar. interesse público se faz presente.
Desta forma, a complexidade deste tema, diante Em qualquer destas hipóteses há que se levar
da interpolação de questões de direito material e em conta o interesse do particular, na condição de
processual, privado e público, bem como garantias investidor, e o interesse público, no sentido de preservar
de ordem constitucional, assim como, a prevalência a coletividade que atua na economia para consecução
entre interesses distintos, no caso o particular e o de um fim determinado, ao mesmo tempo que busca o
coletivo, é que torna fascinante este estudo, diante desenvolvimento desta e o avanço econômico-social
dos mais diversos matizes jurídicos a serem exami- daí decorrente.
nados. Desse modo, imprescindível voltar a atenção para
este tipo de sociedade de capital, sem olvidar-se daqueles
1 SOCIEDADE ANÔNIMA DE que a controlam, gerem ou administram, bem como as
CAPITAL ABERTO pessoas que atuam em seus conselhos de administração
ou fiscal, as quais podem ser consideradas, no mínimo,
A companhia aberta é a que melhor personifica o coniventes com a má administração deste tipo de
sistema capitalista, pois se trata de sociedade de capital, sociedade em prejuízo da coletividade.
cuja formação gira em torno da obtenção de recursos
no mercado para constituição desta, a fim de alcançar 1.1 Os sócios, administradores e conselheiros
a justa remuneração do investimento feito mediante a da companhia aberta
realização do objeto social, sendo mais evidente aqui o A responsabilidade dos sócios, administradores
intuito de obter o lucro almejado, sob o ponto de vista e conselheiros na sociedade anônima aberta não
econômico. decorre de causa indistinta ou de razão jurídica que
O insigne jurista Modesto Carvalhosa1, a meu não esteja subsumida na forma de participação nesta,
ver, é quem melhor define este tipo de sociedade, ao pelo contrário, estão sujeitos à indisponibilidade de
lecionar que: bens apenas aqueles atores que atuarem na gestão ou
administração da referida companhia, ou ainda, que
Quando, por outro lado, a companhia procura forem coniventes com os atos praticados por estes,
recursos de capital próprio (ações) ou de terceiros como na hipótese dos conselheiros fiscais.
(debêntures) junto ao público, oferecendo a Igualmente, há que se sopesar a prática de conduta
qualquer pessoa desconhecida ações e debêntures ilícita e o nexo causal entre esta e o dano ocasionado,
de sua emissão, temos uma companhia aberta. para que surja o dever de reparação, aqui independe

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

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A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 197

se é adotada a teoria da responsabilidade subjetiva ou sobre os atos e negócios jurídicos da sociedade anônima
objetiva, pois, sob o ponto de vista que se analisar, há aberta.
necessidade de averiguar se houve a prática de ilicitude, A partir de tal premissa, conclui-se que não se
de má-gestão ou de atos contrários ao estatuto social. sujeita ao bloqueio de seu patrimônio o mero sócio
Portanto, a medida acautelatória de indisponi- capitalista que não disponha dos poderes precitados,
bilidade de bens particulares do sócio, administrador estando restrita a sua participação ao capital investido
ou mesmo conselheiro decorre do exame prévio e a perceber os frutos civis daí decorrentes.
da responsabilidade destes pela prática dos atos Igualmente, também não se submete a este tipo
precitados, que importem em prejuízo da companhia de medida o conselheiro que não participa relações
aberta considerada, dos sócios desta, ou de terceiro que jurídicas precitadas, ou cuja aprovação destas esteja em
investiu ou negociou com aquela. consonância com a ordem jurídica vigente, inexistindo
omissão que caracterize culpa e possa importar em
a) Extensão de cautela inerente à patrimônio responsabilidade civil.
distinto daquele pertencente à sociedade Estabelecidos estes parâmetros, resta claro que
anônima de capital aberto o denominado sócio controlador, assim como seus
A extensão dessa cautela preparatória de indis- presentantes ou representantes, estão sujeitos à
ponibilidade de bens visa garantir a solvabilidade cautela de indisponibilidade de seus bens particulares,
de sócio controlador, gestor, administrador ou de sendo necessário para tanto investigar se houve
conselheiro da referida sociedade, que tenha o locupletamento ilícito em virtude de seu poder de
dever de responder pelos atos praticados e ressarcir mando na realização de determinado ato ou negócio
os prejuízos causados, enquanto presentante ou jurídico, o qual resulte em prejuízo da sociedade
representante daquela, em função de ter se beneficiado controlada, da coletividade que participa (acionista,
economicamente dos mesmos, direta ou indireta- etc.) ou mantém relação negocial com aquela.
mente. O culto doutrinador Comparato2 traça com precisão
A responsabilização do patrimônio pessoal dos o perfil de quem é o controlador numa sociedade
sócios controladores, administradores, gestores ou anônima, como se vê a seguir:
conselheiros de uma sociedade anônima aberta é
exceção, pois se trata aqui de patrimônios distintos e Na economia da nova sociedade anônima o
controlador se afirma como seu mais recente órgão,
autônomos, cada qual respondendo, como regra, pelas
ou se preferir a explicação funcional do mecanismo
obrigações que assumem em suas relações jurídicas. societário, como o titular de um novo cargo social.
Assim, a responsabilidade pessoal em questão recai Cargo, em sua mais vasta acepção jurídica, designa
sobre o patrimônio pertencente à determinada pessoa, um centro de competência, envolvendo uma ou
seja ela natural ou jurídica, que pratique os atos ou mais funções. O reconhecimento de um cargo, em
negócios jurídicos que causem lesão à sociedade, qualquer tipo de organização, faz-se pela definição
aos sócios ou a terceiro, cujo nexo causal deve estar de funções próprias e necessárias. Ora, tais funções
perfeitamente delineado. existem vinculadas à pessoa do controlador. No
Desse modo, é possível a ampliação da medida vigente direito acionário brasileiro, elas podem
resumir-se no poder de orientar e dirigir, em
processual de indisponibilidade dos bens ao patrimônio
última instância, as atividades sociais; ou como
de pessoa diversa da sociedade anônima em questão, se diz no art. 116, alínea “b” da Lei nº 6.404, no
de sorte a bloquear este e permitir, durante lapso de poder de “dirigir as atividades sociais e orientar o
tempo certo, o exame dos atos e negócios jurídicos funcionamento dos demais órgãos da companhia”
que teriam ocasionado danos à companhia em questão (com o reconhecimento implícito de que o acionista
ou a terceiros, que mantiveram relação jurídica com controlador é um dos órgãos da companhia).
esta, a fim de permitir a justa reparação dos prejuízos Trata-se de um feixe de funções indispensáveis
causados. ao funcionamento de qualquer entidade coletiva –
como assinalamos anteriormente – e especialmente
b) As pessoas passíveis de atingimento pela da sociedade anônima. Poderia, sem dúvida, o
cautela de indisponibilidade de bens legislador manter essas prerrogativas diluídas
– Sujeito Passivo no corpo acionário, tal como ocorria no passado.
Preferiu, no entanto, desde a Lei n. 6.404, localizá-
Ressalte-se que as pessoas que se sujeitam a este las no “titular de direitos de sócio que lhe assegurem,
tipo de cautela preparatória são exclusivamente os de modo permanente, a maioria dos votos nas
sócios, administradores, gestores e conselheiros que deliberações da assembleia geral e o poder de eleger
detêm poder de gestão, administração e fiscalização a maioria dos administradores da companhia”.

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Igualmente, os sócios administradores ou gestores administradores e conselheiros, como analisado


da companhia aberta, assim como aqueles designados anteriormente, a eficácia pretendida e a medida
para administrá-la ou geri-la, se sujeitam à medida preparatória em questão decorrem de justa causa e
acautelatória em questão, a fim de aferir a prática de estão, necessariamente, vinculadas a ato ou a negócio
ato ou negócio lesivo aos interesses da mesma, quer em jurídico certo, bem como possuem caráter excepcional,
razão da ilicitude da conduta adotada, quer em função pois o bom direito alegado na cautela proposta deve
de ser o ato praticado contrário à lei ou aos estatutos estabelecer o nexo causal entre aquela e o resultado
daquela. Em qualquer destas hipóteses responderiam descrito, isto é, o prejuízo econômico determinado ou
os sócios controladores, administradores ou gestores da determinável.
companhia aberta com o patrimônio particular. Ainda, é preciso delimitar qual o patrimônio será
Note-se que a responsabilidade aqui é solidária e atingido, que parcela deste é economicamente útil para
ilimitada, conforme conclusão do enunciado nº 59 reparar o prejuízo ocasionado e o lapso temporal que
do CEJ – CJF, devendo os sócios controladores, admi- os bens submetidos a esta medida de indisponibilidade
nistradores ou gestores reparar a integralidade do deverá ser considerado para tanto, ou seja, o prazo no
prejuízo ocasionado à referida sociedade, aos sócios qual ficarão adstritos à averiguação da responsabilidade
desta e a terceiros, em função dos atos ou negócios dos sócios controladores, administradores e conse-
jurídicos realizados da forma preconizada anteriormente. lheiros.
Há que se distinguir aqui duas espécies de con-
selheiros: a) os que integram o denominado conselho a) Impossibilidade temporária de transmissão
de administração; e b) os que compõem o conselho dos bens pertencentes ao sócio controlador,
fiscal da companhia aberta. administradores e conselheiros da companhia
Na primeira hipótese os conselheiros respondem O primeiro ponto a ser abordado neste tópico diz
também pelo excesso, tanto de poder, como por respeito à duração dos efeitos da medida acautelatória
ultrapassar o objeto social, além das circunstâncias sobre os bens particulares das pessoas antes referidas.
elencadas anteriormente. À toda evidência, este interregno de tempo não é
Já no que diz respeito ao conselheiro fiscal o patri- indefinido, ao contrário, está sujeito a termo final.
mônio particular deste estará sujeito a eventual medida A questão a ser definida é qual é este prazo? A
de indisponibilidade, caso tenha se omitido, ainda que resposta a esse questionamento parece óbvia. A medida
por culpa strictu sensu (negligência, imprudência e impe- cautelar preparatória em questão deve perdurar até ser
rícia), de se manifestar específica e circunstanciadamen- solvida a ação principal indicada nesta, que visa apurar
te sobre a ocorrência de algum dos atos ou negócios a responsabilidade dos sócios, dos administradores ou
jurídicos passíveis de gerar a responsabilização dos dos conselheiros.
administradores ou gestores da sociedade em tela, sendo A razão da referida limitação temporal decorre
ou não, neste caso, detentores da condição de sócio. do fato de que na hipótese de ser comprovada a
Aqui há que se ter em mente a denominada omissão responsabilidade de reparar o prejuízo causado
prejudicial, que sonega o direito de informação dos por parte do sócio controlador, administrador ou
demais acionistas ou investidores a dado sigiloso ou conselheiro, estar-se-ia diante do fumus boni juris
reservado que seria decisivo para prática de determinado alegado na cautelar de indisponibilidade de bens
ato ou negócio, ou que causaria dano à companhia em daqueles, bem como do periculum in mora de não ser
função de retirar desta determinada oportunidade de adotada esta medida de urgência, pois haveria o risco
negócio que lhe seria vantajosa. deles se desfazerem de seu patrimônio e se reduzirem
Conclui-se que a medida cautelar em análise a insolvabilidade.
inerente às pessoas anteriormente elencadas decorre Contudo, encerrado o prazo para apurar a referida
do direito subjetivo de reparação dos danos que deram responsabilidade, desaparece a possibilidade jurídica
causa, em decorrência da própria Lei especial das de obter o ressarcimento do prejuízo causado, quer em
Sociedades Anônimas (art. 158) ou das regras gerais função da prescrição ou da decadência, quer resultando
dispostas no estatuto civil. da inexistência do dever de reparar o dano ocasionado
por parte daqueles, conclusão que se deduz, em função
1.2 Efeitos sobre os bens particulares daqueles da improcedência da ação principal ajuizada, que tinha
que atuam na gestão, administração e por escopo alcançar a responsabilização das pessoas
fiscalização da sociedade anônima aberta supracitadas sujeitas à medida acautelatória em tela.
É oportuno destacar que para surtirem efeitos Assim, a referida medida cautelar vigora por prazo
sobre os bens particulares dos sócios controladores, certo, ou seja, até a apuração da responsabilidade

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A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 199

daqueles que respondem com o patrimônio particular 2.1 A tutela de indisponibilidade de bens
pelo prejuízo ocasionado à sociedade anônima de do sócio controlador, administradores e
capital aberto, aos sócios destas e mesmo a ter- conselheiros da sociedade anônima aberta
ceiros, que mantêm relação jurídica com a referida
companhia. O bom direito alegado decorre da possibilidade
jurídica de existir o dever de reparar ou de pagar
b) Direito de uso, gozo e fruição dos dívida exequível por parte do sócio controlador,
proprietários na vigência da medida administrador e conselheiro pela prática de conduta
cautelar de indisponibilidade ilícita, consubstanciada em abuso de poder, ato ou
É de se destacar que a indisponibilidade de bens negócio contrário à ordem jurídica ou aos estatutos da
alcança apenas uma das faculdades do domínio e, empresa.
ainda, de forma parcial, pois o proprietário do bem Ao passo que o perigo da demora na prestação
atingido pela medida em questão tem restringido o seu jurisdicional está adstrito ao risco de insolvabilidade do
direito de transmitir para outrem o domínio sobre a proprietário dos bens precitados, o que inviabilizaria
coisa, corpórea ou incorpórea (bens ou direitos), sujeita eventual excussão destes para satisfazer o débito
a cautela analisada. decorrente da ação principal declinada na mesma.
Desse modo, é atingido parte do direito de dis- É de se elucidar que tal cautela também pode
posição, permanecendo o proprietário, sujeito a esta ser incidental, o que seria possível em dois tipos de
medida cautelar, com a posse da coisa, uso, gozo, execução: a) a coletiva falimentar; e b) a fiscal. A
fruição e o direito reipersecutório atinente ao bem primeira, ocorrerá na falência como medida preparatória
indisponível, podendo adotar todas as medidas para apurar a responsabilidade do sócio controlador ou
necessárias à conservação do mesmo, bem como administrador pela quebra, isto é, se esta decorreu da
perceber os frutos relativos a este, o que cessará malversação do patrimônio da empresa. Já a segunda,
mediante a excussão da coisa (corpórea ou incorpórea) dar-se-á no executivo fiscal com o fim de garantir o
através de ação própria. proveito econômico pretendido, coibindo o dolo, a
Portanto, trata-se a indisponibilidade de bens de fraude ou a má fé daquele tipo de ator da sociedade
medida cautelar temporária de restrição de uma das anônima de capital aberto.
faculdades do domínio, no caso, o direito de dispor Note-se que a tutela cautelar em questão destina-
livremente daquele patrimônio, até que seja apurada a se a efetividade da prestação jurisdicional, na medida
responsabilidade dos atores precitados pelos prejuízos em que objetiva manter incólume o patrimônio do
que deram causa. devedor, a fim de que os credores exerçam o seu direito
de reparação mediante a liquidação judicial deste.
2 A CAUTELA DE INDISPONIBILIDADE a) Hipóteses de incidência e solução
DE BENS jurisprudencial
A cautela de indisponibilidade de bens é pre- O direito pátrio estabelece expressamente a
paratória, ou seja, trata-se de medida acessória, indisponibilidade de bens, tanto no art. 4º, § 1º, da Lei
desprovida de caráter satisfativo, não prescindindo da n. 8.397/92, como no art. 83, § 2º, da Lei n. 11.101/2005,
indicação da demanda principal a ser dirimida, bem regulando as condições para obtenção da referida
como se destina a garantir a solvabilidade do sócio cautela acessória.
controlador, administrador, gestor ou conselheiro de Inicialmente, passa-se a abordar a matéria que
sociedade anônima de capital aberto, a fim de que seja diz respeito a indisponibilidade de bens decorrente de
apurada a responsabilidade daqueles pelos prejuízos medida cautelar que precede o executivo fiscal, cuja
que deram causa à sociedade, aos demais sócios desta aparência de bom direito – fumus boni juris – está
ou a terceiros. consubstanciada na existência de obrigação líquida e
A incidência daquela medida ocorre sobre a exigível, bem como na possibilidade jurídica de existir
faculdade de disposição do domínio de determinada a prática de determinada conduta ilícita por parte do
coisa, de acordo com o esclarecido anteriormente, sócio controlador, administrador ou conselheiro que
bem como vigora temporariamente até ser sol- implique no dever de reparação a pessoa certa, física
vida a ação principal que visa à indenização dos ou jurídica.
prejuízos causados pelas pessoas supracitadas, O segundo requisito a ser examinado para concessão
as quais respondem com o seu patrimônio parti- da referida cautela preventiva é o risco de dano grave
cular. ou de difícil reparação – periculum in mora –. Aqui há

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que se ater à possibilidade daquelas pessoas, em face Nesse diapasão é entendimento jurisprudencial do
das quais se busca a reparação, estarem em situação Superior Tribunal de Justiça4, cujo precedente delimita
de déficit econômico. Note-se que neste caso deve o uso da referida cautela preventiva, que colaciono a
se atentar a duas circunstâncias fáticas específicas: a seguir:
primeira, a identificação do prejuízo no que concerne
a sua extensão; a segunda, a proporção suficiente PROCESSUAL TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAU-
do patrimônio particular do sócio controlador, do TELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS
administrador e conselheiro da companhia aberta que BENS DOS SÓCIOS INTEGRANTES DO CON-
seja útil à reparação pretendida. SELHO DE ADMINISTRAÇÃO. LEI 8.397/92.
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AUSÊN-
A proporcionalidade aqui é essencial, pois se de
CIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSO DE
um lado o bloqueio autorizado não pode impedir o
MANDATO, INFRAÇÃO À LEI OU AO REGU-
prosseguimento da atividade mercantil de determinada LAMENTO.
sociedade, de outro, quando incidir sobre coisa atinente 1. É assente na Corte que o redirecionamento
ao patrimônio de pessoa natural, não deve reduzir esta da execução fiscal, e seus consectários legais,
ao estado de miserabilidade, atentando a dignidade da para o sócio-gerente da empresa, somente é
pessoa humana, ou a impeça de prosseguir em suas cabível quando reste demonstrado que este agiu
atividades profissionais habituais. com excesso de poderes, infração à lei ou contra
A esse respeito é oportuno trazer à baila as lições o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular
do jurista Humberto Theodoro Jr.3 que seguem: da empresa (Precedentes: REsp nº 513.912/MG,
Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 01/08/2005;
É fácil verificar, portanto, que a proibição REsp nº 704.502/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ
de dispor, regulada pela Lei 8.937/92, não é de 02/05/2005; EREsp nº 422.732/RS, Rel. Min.
automática, nem muito menos pode ser imposta João Otávio de Noronha, DJ de 09/05/2005; e AgRg
discricionariamente pelo juiz. Tal como fez o Có- nos EREsp nº 471.107/MG, deste relator, DJ de
digo de Processo Civil (LGL/1973/5), em relação 25/10/2004).
ao arresto, a lei especial também sujeitou a medida 2. Os requisitos necessários para a imputação
cautelar fiscal a requisitos que obrigatoriamente da responsabilidade patrimonial secundária na ação
devem ser demonstrados pela parte promovente principal de execução são também exigidos na ação
e que, dentro da técnica geral, da tutela cautelar, cautelar fiscal, posto acessória por natureza.
correspondem ao fumus boni iuris e ao periculum 3. Medida cautelar fiscal que decretou a
in mora: o primeiro localiza-se na comprovação indisponibilidade de bens dos sócios integrantes do
de existência de obrigação líquida e certa, Conselho de Administração da empresa devedora,
documentalmente revelada (caput do art. 2º) com base no artigo 4º, da Lei 8.397/92.
e o segundo situa-se na conduta do devedor ina- 4. Deveras, a aludida regra deve ser interpretada
dimplente que põe em risco a exeqüibilidade do cum grano salis, em virtude da remansosa
crédito fazendário, diante do fundado receio de jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade
que irá fazer desaparecer os bens que, a seu tempo,
tributária dos sócios.
deverão suportar a penhora no processo de execução
5. Consectariamente, a indisponibilidade patri-
fiscal (incs. I a V do art. 2º).
monial, efeito imediato da decretação da medida
É sempre bom lembrar a insuperável lição
cautelar fiscal, somente pode ser estendida aos bens
de Calamandrei de que todos provimentos
do acionista controlador e aos dos que em razão
jurisdicionais existem como “instrumento do
direito material, que por intermédio deles atua”. do contrato social ou estatuto tenham poderes
Nos provimentos cautelares, porém, “verifica-se para fazer a empresa cumprir suas obrigações
uma instrumentalidade qualificada, ou seja, elevada, fiscais, desde que demonstrado que as obrigações
por assim dizer, ao quadrado: eles são, de fato, tributárias resultaram de atos praticados com
inquestionavelmente, um meio predisposto para excesso de poderes ou infração de lei, contrato
a melhor eficácia do provimento definitivo, que a social ou estatutos (responsabilidade pessoal),
sua vez é um meio para a atuação do direito; isto é, nos termos do artigo 135, do CTN. No caso de
são eles, em relação à finalidade última da função liquidação de sociedade de pessoas, os sócios são
jurisdicional, instrumento do instrumento”. Vale “solidariamente” responsáveis (artigo 134, do CTN)
dizer: os provimentos cautelares nunca são um fim nos atos em que intervieram ou pelas omissões que
em si mesmos, e surgem sempre “da existência de lhes forem atribuídas.
um perigo de dano jurídico, derivado do atraso de 6. Precedente da Corte no sentido de que:
um provimento jurisdicional definitivo (periculum “(...) Não deve prevalecer, portanto, o disposto
in mora)” (apud Clayton Maranhão, in Rev. Direito no artigo 4º, § 2º, da Lei 8.397/92, ao estabelecer
Processual – Genesis, Curitiba, 1996, v. I, p. 134). que, na concessão de medida cautelar fiscal, ‘a

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A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 201

indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida resultar na efetividade do provimento, é salutar


em relação aos bens adquiridos a qualquer título que se fundamente a determinação, a fim de que na
do requerido ou daqueles que estejam ou tenham condenação haja meio necessário ao pagamento do
estado na função de administrador’. prejuízo imposto.
Em se tratando de responsabilidade subjetiva, é Singularmente, andou bem o legislador ao
mister que lhe seja imputada a autoria do ato ilegal, estabelecer o primado da compatibilidade entre a
o que se mostra inviável quando o sócio sequer era reserva e o valor exigido na demanda proposta contra
administrador da sociedade à época da ocorrência os responsáveis. Assim, supõe-se um lineamento
do fato gerador do débito tributário pendente que possa respaldar o efeito de se alcançar um nexo
de pagamento. (...)” (REsp 197278/AL, Relator causal entre ambos.
Ministro Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ de Perdurará a indisponibilidade até o sentencia-
24.06.2002) mento do feito; porém, sendo acolhida a pretensão,
7. In casu, verifica-se que a decretação da evidente que a medida se manterá incólume, e na
indisponibilidade dos bens dos sócios baseou-se, hipótese diversa quando for julgada improcedente,
tão-somente, no fato de integrarem o Conselho isso não exige necessariamente sua desconsideração,
de Administração da Olvepar S.A. – Indústria e até em virtude da sujeição recursal no duplo efeito.
Comércio, “com competência para fiscalizar a Realça-se o color da indenização como
gestão dos diretores, através de exame de livros e pressuposto da ação, daí por que a indisponibilidade
documentos da sociedade, bem como, para solicitar visa prestigiar a regra da existência de bens que
informações sobre contratos celebrados, incluin- possam ser constritados no tempo adequado e que
do-se o presente Contrato de Benefício Fiscal se mostrem compatíveis com os danos exigidos na
concedido à referida empresa por intermédio do lide.
PRODEI (Programa de Desenvolvimento Industrial O caráter acautelatório da media se reveste de
do Estado)”, o que configura ofensa ao artigo 135, substancial relevância por vários motivos: permite
do CTN. congelamento e subsunção do patrimônio, da
8. Ressalva do ponto de vista no sentido informes suficientes à ação de responsabilização
de que a ciência por parte do sócio-gerente do e, por derradeiro, evita eventuais fraudes com a
inadimplemento dos tributos e contribuições, transferência antes da propositura, facilitando assim
mercê do recolhimento de lucros e pro labore, o ingresso de valores na massa falida.
caracteriza, inequivocamente, ato ilícito, porquanto
há conhecimento da lesão ao erário público.
9. Recursos especiais providos. (REsp 722.998/ De igual modo, trago a esse estudo jurisprudência
MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do
julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272) Sul, cujo voto condutor foi de minha lavra6, conforme
se vê abaixo:
Por fim, há que se examinar a cautela preventiva
de indisponibilidade de bens particulares dos sócios APELAÇÃO CÍVEL. FALÊNCIA. MEDIDA
controladores, administradores e conselheiros da CAUTELAR DE SEQUESTRO. AÇÃO DE RES-
companhia aberta na execução coletiva falimentar, cuja PONSABILIZAÇÃO DOS SÓCIOS DA FALIDA.
aparência de bom direito – fumus boni juris – decorre RESTRIÇÃO JUDICIAL DE INDISPONIBILI-
do exame de eventual abuso de direito ou da infração DADE DOS BENS. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
à lei ou ao estatuto social por parte daqueles, que Da preliminar de nulidade da sentença
implique no dever de indenizar o prejuízo ocasionado. 1. Não há que se falar em nulidade da sen-
O segundo pressuposto a ser examinado para o tença por desrespeito ao devido processo legal
deferimento da cautela preparatória em questão é o em função de que supostamente não teriam sido
risco de dano grave ou de difícil reparação – periculum analisadas as provas dos autos, ou em função de
in mora –, aqui há que se ater à possibilidade daquelas ausência de fundamentação, quando atendido
pessoas, em face das quais se busca a reparação, serem o ordenamento jurídico vigente, que adotou o
reduzidos à insolvabilidade (carência econômica), em princípio do livre convencimento motivado ou
persuasão racional do Juiz.
virtude de se desfazerem de seu patrimônio por estarem
2. Assim, todas as decisões judiciais devem
no exercício do jus abutendi. ser assentadas em razões jurídicas, cuja invalidade
No que diz respeito a essa matéria merece trans- decorre da falta destas, consoante estabelecem
crição os ensinamento do jurista Abrão5 a seguir: os artigos 93, inc.IX da Constituição Federal e
458 do Código de Processo Civil, o que inocor-
Na medida em que a indisponibilidade patri- reu no presente feito, logo, rejeita-se a prefacial
monial dos sócios ou antigos administradores suscitada.

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Mérito do recurso sócio controlador, administrador e conselheiro, seja


3. Denota-se dos autos que em abril de 2002 pertencente ao conselho administrativo ou fiscal
o Síndico da Massa Falida apelada ajuizou ação da companhia aberta, na ação de responsabilização
de responsabilidade contra os sócios da falida, em pessoal prevista na lei de falências, a contar do trânsito
virtude dos desmandos apurados em relatório do em julgado da decisão que decreta a quebra.
Banco Central do Brasil, em perícia criminal e em
Ademais, a indisponibilidade de bens precitada
processo crime, para tornar juridicamente possível
a responsabilização pessoal e solidária destes pelas
poderá ser concedida com base no poder de cautela
dívidas da sociedade. geral da lei processual civil, conforme disposto no
4. Na presente ação cautelar de seqüestro foi art. 798, a fim de prevenir a ocorrência de lesão grave
determinada, liminarmente, a restrição judicial de ou de difícil reparação, a qual pode se dar tanto de
indisponibilidade sobre os bens dos sócios da falida, forma incidental quanto preparatória. Logo, havendo
a qual foi definitivamente confirmada na sentença a possibilidade jurídica de responsabilização daqueles
de primeiro grau. com base, por exemplo, na Lei especial das Sociedades
5. O Juiz pode determinar a restrição judicial Anônimas, cujo prazo de prescrição é o trienal, na
de indisponibilidade sobre o bem imóvel da forma do art. 287, inc. II, do referido diploma legal,
embargante com base no artigo 14, VI, do Decreto- o tempo de duração da medida poderá ser este, na
Lei 7.661/45, aplicável ao caso em tela, a teor do hipótese de incidência em discussão.
que estabelece o art. 192 da Lei 11.101/2005.
Não obstante isso, a regra é que, a medida cautelar
6. Ressalte-se que a providência adotada
encontra amparo atualmente no artigo 99, inciso
perdura até a fluência do prazo de exercício do direito da
VII, da novel Lei de Falências e Recuperação de ação principal indicada para responsabilizar civilmente
Empresas, visto que se trata do poder geral de aqueles atores que têm atuação na companhia aberta,
cautela, a fim de garantir a isonomia de tratamento ou quando decaia aquele direito, em qualquer hipótese
entre os credores. sempre haverá prazo certo de vigência da referida
7. O Síndico tem o direito, em tese, de tutela jurisdicional vinculado ao tipo de pretensão a ser
propugnar pela declaração de ineficácia dos atos deduzida e a eficácia sentencial preponderante desta.
praticados pelo falido que resultem na alienação
de bens em flagrante prejuízo à massa, bem como, 2.2 Questões de ordem processual da
pleitear responsabilização direta dos sócios por indisponibilidade de bens
eventual ilícito praticado por estes, cuja reparação No presente estudo é oportuno que se esclareça que
repercuta em proveito da massa subjetiva.
a indisponibilidade de coisa, corpórea ou incorpórea,
Negado provimento ao apelo.
pertencente ao patrimônio do sócio controlador,
administrador ou conselheiro, é uma medida cautelar
b) Efeitos patrimoniais e vigência temporal assecuratória da reparação civil, mas não sujeita ao
O principal efeito sobre o patrimônio particular perdimento de pronto do referido bem, importando
do sócio controlador, administrador ou conselheiro da apenas em eventual ineficácia relativa à transmissão
companhia aberta é no que tange à faculdade de dispor do domínio deste ou cessão dos direitos atinentes ao
do proprietário de determinada coisa afeta aquele, mesmo.
ainda que de forma parcial, isto é, restrita a transmissão Por conseguinte, não é possível suprimir garantias
do domínio ou a cessão dos direitos deste, a qual fica constitucionais do exercício da ampla defesa (art. 5º,
bloqueada provisória e temporariamente. LV, da CF), do direito ao devido processo legal (art. 5º,
O efeito acessório patrimonial daí decorrente é a LIV, da CF), nem do direito à propriedade privada (art.
possibilidade jurídica de que, caso seja transferido o 5º, XXII, da CF), cuja eventual perda desta decorre de
domínio de determinado bem, ou cedido os direitos regular provimento judicial e do reconhecimento da
sobre este, o referido ato ou negócio será ineficaz frente responsabilidade civil de reparar os prejuízos causados
aos credores, caracterizando fraude à execução, por à companhia aberta, aos sócios desta ou a terceiro que
exemplo, na hipótese do executivo fiscal, caso aquela mantenha relação jurídica com a referida empresa.
medida processual seja anterior essa relação jurídica e
a esta execução. a) Natureza jurídica e requisitos
Frise-se que a vigência temporal está adstrita à Trata-se aqui de matéria de ordem pública, pois
prescrição quinquenal da dívida ativa na hipótese da processual, cuja natureza jurídica é de cunho cautelar
execução fiscal, bem como da decadência no lapso preventiva, ou seja, a prestação jurisdicional não
de dois (02) anos do direito de responsabilizar por se exauriu com a eventual concessão provisória da
eventual prejuízo ocasionado à empresa falida pelo tutela de indisponibilidade de bens, isto é, mediante o

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A medida acautelatória de indisponibilidade de bens particulares ... 203

bloqueio da possibilidade jurídica de transmissão do Ainda, há que se aplicar a esse tipo de cautela
domínio de determinada coisa, corpórea ou incorpórea, preparatória o princípio da proporcionalidade, isto é,
ou a cessão dos direitos desta. atenta-se aqui a limitação do estado-juiz, detentor do
É necessário que seja intentado o feito principal poder público, no sentido de que a restrição do direito
do qual a medida acautelatória precitada é acessória, de propriedade precitada não importe em ônus maior
a fim de que seja solvida a questão de direito material do que o objetivo perseguido, qual seja de garantir
pertinente aquele, qual seja, o bom direito alegado na patrimônio suficiente para eventual reparação de
cautelar, assim como aferir o risco de ocorrer prejuízo prejuízo causado.
grave (irreparável) ou de difícil reparação devido à Aliás, a esse respeito à doutrinadora Taíza Ribeiro7
demora da prestação jurisdicional. tece os comentários pertinentes quanto ao tema
Assim, os requisitos exigidos para apreciação da discutido abaixo:
cautela preparatória de indisponibilidade de bens dos
agentes antes mencionados, que atuam na companhia Os princípios da proporcionalidade e razoabi-
lidade, nas palavras de Fabrício dos Reis Brandão
aberta, são: o fumus boni juris e o periculum in mora.
contém elementos intrínsecos para sua utilização
A primeira questão a ser analisada para con- na solução dos conflitos, que se dividem em
cessão da tutela de indisponibilidade de bens é a subprincípios, quais sejam: adequação, exigibilidade
existência de direito plausível, no sentido de que e proporcionalidade em sentido estrito”. Nesse
o sócio controlador, administrador ou conselheiro liame, extrai-se que a proporcionalidade subdivide-
possam ter adotado conduta, comissiva ou omissiva, se em três aspectos: a adequação, a necessidade e a
abusiva, contrária à lei ou ao estatuto da sociedade proporcionalidade estritamente. A adequação refere-
anônima de capital aberto, que resulte no dever de se à escolha de uma medida coerente e propícia a
responder civilmente perante a sociedade, seus sócios alcançar o fim almejado. Por sua vez, a necessidade
ou terceiros com o patrimônio particular, em função do diz respeito à escolha do meio estritamente
necessário e imprescindível para a consecução do fim
referido comportamento antijurídico.
objetivado, sem exceder os limites indispensáveis.
Por fim, o último requisito a ser considerado para E, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito
a concessão da cautela preventiva de indisponibilidade significa que o ônus, o sacrifício gerado ao valor
dos bens daqueles agentes é ocorrência de perigo efetivo sacrificado deve ser menor do que as vantagens
de retardo na prestação jurisdicional, o qual importaria advindas do valor preponderante.
em prejuízo grave ou de difícil reparação, decorrente
da insuficiência patrimonial resultante do exercício do Desse modo, a cautela preventiva em questão não
direito de disposição dos bens particulares dos mesmos, pode desbordar da extensão do prejuízo que se pretende
cuja medida restritiva a ser adotada deve se limitar a reparar, devendo guardar relação e proporcionalidade
exata proporção dos prejuízos que se pretende ressarcir a este, de sorte que a medida imposta assegure o
na ação principal indicada. direito vindicado, sem importar em ônus desmedido
ao proprietário da coisa sujeita a esta restrição que
b) Consequências de ordem processual ultrapasse o objetivo a ser alcançado na demanda
O primeiro corolário processual que decorre da principal.
medida de indisponibilidade dos bens é o de que
descabe este tipo de cautela se não há plausibilidade CONCLUSÃO
do direito alegado como bom, nem existe o risco de
ocorrer dano grave ou de difícil reparação, pois se há A natureza jurídica da tutela de indisponibilidade
patrimônio suficiente e a alienação de determinado de bens é de cautelar preventiva, que visa garantir a
bem não desfalca este, a ponto de reduzir o devedor à solvência patrimonial para hipótese de ser respon-
insolvabilidade, carece o pleito de causa jurídica para sabilizado pessoalmente o sócio controlador, adminis-
conceder aquela. trador ou conselheiro, seja fiscal ou administrativo, pela
Outra consequência que exsurge da cautela de prática de conduta lesiva à sociedade anônima aberta,
indisponibilidade de bens em exame, é que ela importa em decorrência do poder de gestão, administração ou
em mera restrição parcial da faculdade de disposição de fiscalização sobre os atos e negócios jurídicos desta.
atinente ao direito de propriedade, provisória e É oportuno destacar que para surtirem efeitos
temporária, cuja deliberação final a esse respeito se dará sobre os bens particulares dos sócios controladores,
apenas quando houver a decisão no feito principal do administradores e conselheiros, como analisado ante-
qual a mesma serve apenas para garantir e efetividade riormente, a eficácia pretendida e a medida preparatória
desta. decorrem de justa causa e estão, necessariamente,

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 195-204, jul.-dez. 2015

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204 Canto, J. L. L.

vinculadas a ato ou a negócio jurídico certo, que se O último requisito a ser considerado para a con-
mostraram danosos aos interesses da companhia cessão da cautela preventiva de indisponibilidade dos
aberta, demais sócios ou a terceiro. Aliado ao fato de bens daqueles agentes é ocorrência de perigo efetivo
que a tutela em questão possui caráter excepcional, de retardo na prestação jurisdicional – periculum in
pois o bom direito alegado na cautela proposta deve mora –, o qual importaria em prejuízo grave ou de difí-
estabelecer o nexo causal entre a conduta antijurídica cil reparação, decorrente da insuficiência patrimonial
praticada e o resultado descrito, isto é, o prejuízo resultante do exercício do direito de disposição dos bens
econômico determinado ou determinável. particulares dos mesmos, cuja medida restritiva a ser
Assim, a referida medida cautelar vigora por prazo adotada deve se limitar a exata proporção dos prejuízos
certo, ou seja, até a apuração da responsabilidade que se pretende ressarcir na ação principal indicada.
daqueles que respondem com o patrimônio particular
pelo prejuízo ocasionado à sociedade anônima de REFERÊNCIAS
capital aberto, aos sócios destas e mesmo a terceiros,
que mantêm relação jurídica com a referida companhia. ABRÃO. Carlos Henrique. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles;
ABRÃO, Carlos Henrique (coord.). Comentários à lei de
Trata-se a indisponibilidade de bens de cautela recuperação de empresas e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva,
provisória de restrição de uma das faculdades do 2009. p. 251-252.
domínio, no caso, o direito de dispor livremente daquele CARVALHOSA, Modesto, Comentários à Lei de Sociedades
patrimônio, até que seja apurada a responsabilidade Anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997. Vol. 1: arts. 1º a 74, p. 31-32.
dos atores precitados pelos prejuízos que deram causa. COMPARATO, Fábio Konder, O poder de controle na sociedade
A primeira questão a ser analisada para concessão anônima. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 107.
RIBEIRO, Taíza Irene de Haro Pouchain. A indisponibilidade dos
da tutela de indisponibilidade de bens é a existência bens na cautelar fiscal e sua extensão ao ativo circulante. Revista
de direito plausível – fumus boni juris –, no sentido de da PGFN, p. 161-184.
que o sócio controlador, administrador ou conselheiro THEODORO JÚNIOR, Humberto, medida cautelar fiscal –
possam ter adotado conduta, comissiva ou omissiva, responsabilidade tributária do sócio-gerente (CTN, art. 135).
abusiva, contrária à lei ou ao estatuto da sociedade Revista dos Tribunais, São Paulo v. 739 p. 115, maio 1997.
Doutrinas essenciais de Direito Tributário, v. 6, p. 453, fev. 2011.
anônima de capital aberto, que resulte no dever de
STJ, PRIMEIRA TURMA, REsp 722.998/MT, Rel. Ministro LUIZ
responder civilmente perante a sociedade, seus sócios FUX, julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272.
ou terceiros com o patrimônio particular, em função do TJRS, 5ª Câmara Cível, processo nº 70036298545, julgado em
referido comportamento antijurídico. 26.01.2011.

NOTAS 4 STJ, PRIMEIRA TURMA, REsp 722.998/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX,
julgado em 11/04/2006, DJ 28/04/2006, p. 272.
1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 5 ABRÃO. Carlos Henrique. In: TOLEDO, Paulo F. C. Salles; ABRÃO,
São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1: arts. 1º a 74, p. 31-32. Carlos Henrique (coord.). Comentários à lei de recuperação de empresas
2 COMPARATO, Fábio Konder, O poder de controle na sociedade
e falência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 251-252.
anônima, 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 107. 6 TJRS, 5ª Câmara Cível, processo nº 70036298545, julgado em
3 THEODORO JÚNIOR, Humberto, medida cautelar fiscal – responsa-
26.01.2011.
bilidade tributária do sócio-gerente (CTN, art. 135). Revista dos 7
RIBEIRO, Taíza Irene de Haro Pouchain, A indisponibilidade dos bens
Tribunais, São Paulo, v. 739, p. 115, maio 1997. Doutrinas Essenciais na cautelar fiscal e sua extensão ao ativo circulante. Revista da PGFN,
de Direito Tributário, v. 6, p. 453, fev. 2011. p. 161-184.

Recebido em: 30/10/2014; aceito em: 04/11/2014.

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Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas

Documentary research: theoretical and methodological clues

Jackson Ronie Sá-Silva1


Cristóvão Domingos de Almeida2
Joel Felipe Guindani3

Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns apontamentos teóricos e


metodológicos sobre a pesquisa documental. Ao fazermos essa exposição pública, por meio
de ensaio bibliográfico, queremos provocar o debate sobre a utilização desse procedimento
no cotidiano das pesquisas de estudantes, professores e pesquisadores. Primeiramente,
conceituamos a pesquisa documental, apresentando as similaridades e diferenças entre
esta e a pesquisa bibliográfica, para, em seguida, discutirmos o conceito de documento. Na
seqüência, abordamos os critérios metodológicos de pré-análise do documento escrito e,
por fim, apresentamos as etapas da análise documental.
Palavras-chave: Pesquisa documental; Metodologia; Documentos escritos.

Abstract: This paper presents some theoretical and methodological notes on the
documentary research. By making this public exposure, through bibliographic essay, we
want to lead the debate on the use of this procedure in daily researches of students,
teachers and researchers. First, we define the documentary research, showing the
similarities and differences between this research and the literature research, and then we
discuss the concept of document. Next, we accost the methodological criteria for pre-
analysis of the written document, and, finally, we present the steps of the documentary
analysis.
Key-words: Documentary research, Methodology, Written documents.

Notas introdutórias

Ao conhecer, caracterizar, analisar e elaborar sínteses sobre um objeto de


pesquisa, o investigador dispõe atualmente de diversos instrumentos metodológicos. Sendo

1
Professor Assistente da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Doutorando em Educação
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS). E-mail: jacksonronie@ig.com.br.
2
Doutorando em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) e bolsista CAPES. E-mail: cristovaoalmeida@gmail.com.
3
Mestrando em Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS-RS) e bolsista
CAPES. E-mail: j.educom@gmail.com.

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assim, o direcionamento do tipo de pesquisa que será empreendido dependerá de fatores
como a natureza do objeto, o problema de pesquisa e a corrente de pensamento que guia o
pesquisador. Goldenberg (2002: 14) sintetiza esse pensamento: “o que determina como
trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só se escolhe o caminho quando se sabe
aonde se quer chegar”.
Inúmeros são os autores que se dedicam às categorizações e classificações de
tipologias de pesquisa. A literatura é vasta e rica. Nesse ensaio não é nosso objetivo
discorrer sobre os principais tipos de pesquisas utilizadas no campo das ciências sociais.
Faremos um recorte e aqui será destacada a pesquisa documental. Colocar em destaque a
pesquisa documental implicar trazer para a discussão uma metodologia que é “pouco
explorada não só na área da educação como em outras áreas das ciências sociais” (LÜDKE
e ANDRÉ, 1986: 38).
O uso de documentos em pesquisa deve ser apreciado e valorizado. A riqueza
de informações que deles podemos extrair e resgatar justifica o seu uso em várias áreas das
Ciências Humanas e Sociais porque possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja
compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural. Por exemplo, na
reconstrução de uma história vivida,
[...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para
todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível
em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante,
pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da
atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito
freqüentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades
particulares ocorridas num passado recente (CELLARD, 2008: 295).
Outra justificativa para o uso de documentos em pesquisa é que ele permite
acrescentar a dimensão do tempo à compreensão do social. A análise documental favorece
a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos,
conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre outros. (CELLARD, 2008).
O que é a pesquisa documental? O que é um documento? Como se constitui
uma análise documental? Estes são os questionamentos centrais que conduzirão as nossas
reflexões. Utilizando os princípios da pesquisa bibliográfica e tendo como material de apoio
investigativo livros e artigos que enfocam o campo da pesquisa documental, pretendemos:
1. Conceituar e caracterizar a pesquisa documental; 2. Discutir o conceito de documento; e
3. Demonstrar os procedimentos da análise documental. Reconhecendo as limitações em
abordar a totalidade da metodologia de trabalho com os diversos tipos de documento,
priorizamos a discussão da análise documental com o texto escrito ou impresso.

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Pesquisa, método, análise ou técnica documental?

Como classificar o trabalho acadêmico com documentos? Os pesquisadores


realizam pesquisa documental ou análise documental? Ou seria uma técnica de pesquisa
com documentos? May (2004: 206) chama esse procedimento de Pesquisa Documental e
reconhece a dificuldade de lidar com o tema:
Não é uma categoria distinta e bem reconhecida, como a pesquisa survey e
a observação participante. Dificilmente pode ser considerada como
constituindo um método, uma vez que dizer que se utilizará documentos é
não dizer nada sobre como eles serão utilizados.
Ao tentarem nomear o uso de documentos na investigação científica os
pesquisadores pronunciam palavras como pesquisa, método, técnica e análise. Então
teríamos as seguintes denominações: pesquisa documental, método documental, técnica
documental e análise documental. Vejamos como alguns autores se expressam: “A análise
documental busca identificar informações factuais nos documentos a partir de questões e
hipóteses de interesse” (CAULLEY apud LÜDKE e ANDRE, 1986:38); “Uma pessoa que
deseja empreender uma pesquisa documental deve, com o objetivo de constituir um corpus
satisfatório, esgotar todas as pistas capazes de lhe fornecer informações interessantes”
(CELLARD, 2008: 298); “A técnica documental vale-se de documentos originais, que ainda
não receberam tratamento analítico por nenhum autor. [...] é uma das técnicas decisivas
para a pesquisa em ciências sociais e humanas” (HELDER, 2006:1-2). E por fim temos o
olhar de Kelly apud Gauthier (1984: 296):
Trata-se de um método de coleta de dados que elimina, ao menos em parte,
a eventualidade de qualquer influência – presença ou intervenção do
pesquisador – do conjunto das interações, acontecimentos ou
comportamentos pesquisados, anulando a possibilidade de reação do
sujeito à operação de medida.
Pimentel (2001: 179) mescla esses termos quando aborda o tema do trabalho
acadêmico com documentos. No artigo O método de análise documental: seu uso numa
pesquisa historiográfica, a autora nos apresenta as possibilidades para o uso desse
procedimento metodológico:
Com o intuito de contribuir para a utilização da análise documental em
pesquisa esse texto apresenta o processo de uma investigação. [...] São
descritos os instrumentos e meios de realização da análise de conteúdo,
apontando o percurso em que as decisões foram sendo tomadas quanto às
técnicas de manuseio de documentos: desde a organização e classificação
do material até a elaboração das categorias de análise.

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Os termos “processo de investigação” e “percurso”, usados pela autora, lembram
a palavra “metodologia”. Já as palavras “instrumentos e meios” nos fazem pensar em
“procedimentos técnicos”. Vale lembrar que alguns autores usam essas palavras quase que
como sinônimas quando abordam o uso de documentos em pesquisas. Lüdke e André
(1986: 38) falam sobre a importância do uso de documentos em investigações educacionais:
“Que é análise documental? Quais as vantagens do uso de documentos em pesquisa?
Quando é apropriado o uso dessa técnica?”. Dizem também: “Como uma técnica
exploratória, a análise documental indica problemas que devem ser mais bem explorados
através de outros métodos”.
Qual seria o termo que melhor traduz esse tipo de investigação? Pesquisa,
método, técnica ou análise? Será que os dicionaristas nos ajudariam com suas definições?
No dicionário Houiss, por exemplo, pesquisa significa: investigação científica, artística,
escolar; método: 1) procedimento, técnica ou meio para atingir um objetivo; 2) processo
organizado de pesquisa; 3) modo de agir; metodologia: conjunto de métodos, princípios e
regras empregados por uma atividade ou disciplina e técnica: 1) conjunto de procedimentos
ligados a uma arte ou ciência; 2) maneira própria de realizar uma tarefa; análise: 1) estudo
de diversas partes de um todo; 2) investigação; exame.
Quando um pesquisador utiliza documentos objetivando extrair dele
informações, ele o faz investigando, examinando, usando técnicas apropriadas para seu
manuseio e análise; segue etapas e procedimentos; organiza informações a serem
categorizadas e posteriormente analisadas; por fim, elabora sínteses, ou seja, na realidade,
as ações dos investigadores – cujos objetos são documentos – estão impregnadas de
aspectos metodológicos, técnicos e analíticos:
Para pesquisar precisamos de métodos e técnicas que nos levem
criteriosamente a resolver problemas. [...] é pertinente que a pesquisa
científica esteja alicerçada pelo método, o que significa elucidar a
capacidade de observar, selecionar e organizar cientificamente os caminhos
que devem ser percorridos para que a investigação se concretize (GAIO,
CARVALHO e SIMÕES, 2008: 148).
Buscando elementos que possibilitem compreender melhor o que aqui foi
exposto sobre método, técnica, análise e pesquisa e relacionando esses conceitos ao
campo da pesquisa documental, encontramos o posicionamento de Minayo (2008) que, ao
discutir o conceito e o papel da metodologia nas pesquisas em ciências sociais, imprime um
enfoque plural para a questão: “a metodologia inclui as concepções teóricas de abordagem,
o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade e também o potencial
criativo do pesquisador” (MINAYO, 2008: 22). Esse fundamento se aplica às pesquisas de
um modo geral e no campo da utilização de documentos não é diferente. Portanto, a

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pesquisa documental é um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a
apreensão, compreensão e análise de documentos dos mais variados tipos.

Pesquisa documental ou pesquisa bibliográfica?

Alguns autores divulgam que pesquisa documental e pesquisa bibliográfica são


sinônimas. Appolinário (2009), no Dicionário de Metodologia Científica descreve o seguinte:
pesquisa documental: [bibliographical research,; documental research]; pesquisa
bibliográfica: [bibliographical research,; documental research]. Pesquisa que se restringe à
análise de documentos. Além disso, ele faz a indicação para ver também as estratégias de
coleta de dados (p.152). Seguindo as recomendações do autor citado buscamos
compreender o sentido desses termos e chegamos à definição estratégia de coleta de
dados. No verbete, Estratégia de coleta de dado, ele nos informa que:
Normalmente, as pesquisas possuem duas categorias de estratégias de
coleta de dados: a primeira refere-se ao local onde os dados são coletados
(estratégia-local) e, neste item, há duas possibilidades: campo ou
laboratório. [...] A segunda estratégia refere-se à fonte dos dados:
documental ou campo. Sempre que uma pesquisa se utiliza apenas de
fontes documentais (livros, revistas, documentos legais, arquivos em mídia
eletrônica, diz-se que a pesquisa possui estratégia documental (ver
pesquisa bibliográfica). Quando a pesquisa não se restringe à utilização de
documentos, mas também se utiliza de sujeitos (humanos ou não), diz-se
que a pesquisa possui estratégia de campo (APPOLINÁRIO, 2009: 85).
Tanto a pesquisa documental como a pesquisa bibliográfica têm o documento
como objeto de investigação. No entanto, o conceito de documento ultrapassa a idéia de
textos escritos e/ou impressos. O documento como fonte de pesquisa pode ser escrito e não
escrito, tais como filmes, vídeos, slides, fotografias ou pôsteres. Esses documentos são
utilizados como fontes de informações, indicações e esclarecimentos que trazem seu
conteúdo para elucidar determinadas questões e servir de prova para outras, de acordo com
o interesse do pesquisador (FIGUEIREDO, 2007). Tendo em vista essa dimensão fica claro
existir diferenças entre pesquisa documental e pesquisa bibliográfica.
Oliveira (2007) faz uma importante distinção entre essas modalidades de
pesquisa. Para essa autora a pesquisa bibliográfica é uma modalidade de estudo e análise
de documentos de domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios
críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica diferenciadora ela pontua que é
um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos
fatos/fenômenos da realidade empírica” (p. 69). Argumenta que a principal finalidade da
pesquisa bibliográfica é proporcionar aos pesquisadores e pesquisadoras o contato direto

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com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo: “o mais importante para
quem faz opção pela pesquisa bibliográfica é ter a certeza de que as fontes a serem
pesquisadas já são reconhecidamente do domínio científico” (p. 69). Ela se posiciona sobre
a pesquisa documental: “a documental caracteriza-se pela busca de informações em
documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens
de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de
divulgação” (p. 69).
A pesquisa documental é muito próxima da pesquisa bibliográfica. O elemento
diferenciador está na natureza das fontes: a pesquisa bibliográfica remete para as
contribuições de diferentes autores sobre o tema, atentando para as fontes secundárias,
enquanto a pesquisa documental recorre a materiais que ainda não receberam tratamento
analítico, ou seja, as fontes primárias. Essa é a principal diferença entre a pesquisa
documental e pesquisa bibliográfica. No entanto, chamamos a atenção para o fato de que:
“na pesquisa documental, o trabalho do pesquisador (a) requer uma análise mais cuidadosa,
visto que os documentos não passaram antes por nenhum tratamento científico” (OLIVEIRA,
2007: 70).
É fundamental que os (as) cientistas sociais entendam o significado de fontes
primárias e fontes secundárias. As fontes primárias são dados originais, a partir dos quais se
tem uma relação direta com os fatos a serem analisados, ou seja, é o pesquisador (a) que
analisa. Por fontes secundárias compreende-se a pesquisa de dados de segunda mão
(OLIVEIRA, 2007), ou seja, informações que foram trabalhadas por outros estudiosos e, por
isso, já são de domínio científico, o chamado estado da arte do conhecimento.
O conceito de documento
O que é um documento? Para Cellard (2008: 296) não é tarefa fácil conceituá-lo:
“definir o documento representa em si um desafio”. Recuperar a palavra “documento” é uma
maneira de analisar o conceito e então pensarmos numa definição: “documento: 1.
declaração escrita, oficialmente reconhecida, que serve de prova de um acontecimento, fato
ou estado; 2. qualquer objeto que comprove, elucide, prove ou registre um fato,
acontecimento; 3. arquivo de dados gerado por processadores de texto” (HOUAISS, 2008:
260). Phillips (1974: 187) expõe sua visão ao considerar que documentos são “quaisquer
materiais escritos que possam ser usados como fonte de informação sobre o
comportamento humano”.
As definições acima mostram com muita clareza a representação do documento
como material escrito. No final do século XIX com a escola positivista, o registro escolhido
pela maioria dos historiadores era o documento escrito, sobretudo o oficial. Esse documento
assumia o peso da prova histórica e a objetividade em garantia pela fidelidade ao mesmo

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(VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY, 1995). Os historiadores Seignobos e Langlois, no século
XIX, fizeram do documento o principal elemento de discussão de uma obra de metodologia
que influenciou inúmeros pesquisadores – Introduction aux études historiques. Esses
célebres historiadores deram início ao desenvolvimento da História como ciência, todavia o
conceito de documento se aplicava quase que exclusivamente ao texto, e, particularmente,
aos arquivos oficiais. Tal definição decorria principalmente da abordagem histórica praticada
por quase todos os investigadores da época: “uma abordagem conjuntural, focada,
sobretudo, nos fatos e gestos dos políticos e dos ‘maiorais’ desse mundo” (CELLARD, 2008:
296).
A valorização do documento como garantia de objetividade, marca indelével dos
historiadores positivistas, exclui a noção de intencionalidade contida na ação estudada e na
ação do pesquisador, sendo esse processo construído historicamente. A palavra documento
com o sentido de prova jurídica, representação que se mantém até a atualidade, já era
usada pelos romanos, tendo sido retomada na Europa Ocidental no século XVII. Assim, os
historiadores positivistas, ao se apropriarem do termo, conservam-lhe o sentido de prova,
agora não mais jurídica, e sim com status científico. O próprio fato de nomear a palavra
documento aos testemunhos históricos traduz uma concepção de história que confunde o
real com o documento e o transforma em conhecimento histórico. Captar o real nessa lógica
cartesiana seria conhecer os fatos relevantes e fundamentais que si impõem por si mesmos
ao conhecimento do pesquisador. Como resultado desse pensamento, só se considerava
relevante para o campo da História aquilo que estava documentado, dando privilégio para os
termos e ações da política governamental: ações do governo, atuações de personalidades,
questões ligadas à política internacional, e outros assuntos. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY,
1995).
Este conceito de documento será profundamente modificado devido à evolução
da História enquanto disciplina e método, tendo como principal impulsionador o movimento
feito pela Escola de Annales.
Para esses historiadores o acontecer histórico se faz a partir dos homens.
Daí o documento histórico se produzir com tudo o que, pertencendo ao
homem, depende do homem, exprime o homem, demonstra a presença, a
atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Nesse caso, ao
documento incorporam-se outros de natureza diversa, tais como objetos,
signos, paisagens, etc. (VIEIRA, PEIXOTO e KHOURY, 1995: 14-15).
A Escola de Annales ao privilegiar uma abordagem mais globalizante amplia
consubstancialmente o conceito de documento: “tudo o que é vestígio do passado, tudo o
que serve de testemunho, é considerado como documento ou ‘fonte’” (CELLARD, 2008, p.
296). E mais: “pode tratar-se de texto escritos, mas também de documentos de natureza

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iconográfica e cinematográfica, ou de qualquer outro tipo de testemunho registrado, objetos
do cotidiano, elementos folclóricos, etc” (p. 297). No limite, poder-se-ia até qualificar de
documento um relatório de entrevista, ou anotações feitas durante uma observação.
(CELLARD, 2008).
Appolinário (2009: 67), amplia a definição de documento: “Qualquer suporte que
contenha informação registrada, formando uma unidade, que possa servir para consulta,
estudo ou prova. Incluem-se nesse universo os impressos, os manuscritos, os registros
audiovisuais e sonoros, as imagens, entre outros”. E, de acordo com o conceito técnico da
Associação de Arquivistas Brasileiros, o documento defini-se como qualquer informação
fixada em um suporte (AAB, 1990).
Preparando um documento para análise: a ritualística necessária
Quem trabalha com documentos deve superar alguns obstáculos e desconfiar de
determinadas armadilhas, antes de estar apto a fazer uma análise de seu corpus
documental. Inicialmente deve localizar os textos pertinentes e avaliar a sua credibilidade,
assim como a sua representatividade. O autor do documento conseguiu reportar fielmente
os fatos? Ou ele exprime mais as percepções de uma fração particular da população? Por
outro lado o investigador deve compreender adequadamente o sentido da mensagem e
contentar-se com o que tiver na mão: eventuais fragmentos, passagens difíceis de
interpretar e repletas de termos e conceitos que lhes são estranhos e foram redigidos por
um desconhecido. É impossível transformar um documento; é preciso aceitá-lo tal como ele
se apresenta, às vezes, tão incompleto, parcial ou impreciso. No entanto, torna-se, essencial
saber compor com algumas fontes documentais, mesmo as mais pobres, pois elas são
geralmente as únicas fontes que podem nos esclarecer sobre uma determinada situação.
Desta forma, é fundamental usar de cautela e avaliar adequadamente, com um olhar crítico,
a documentação que se pretende fazer análise.
Listamos abaixo as orientações dadas por Cellard (2008) sobre a avaliação
preliminar dos documentos. Tal avaliação constitui a primeira etapa de toda a análise
documental que se aplica em cinco dimensões:
O contexto
É primordial em todas as etapas de uma análise documental que se avalie o
contexto histórico no qual foi produzido o documento, o universo sócio-político do autor e
daqueles a quem foi destinado, seja qual tenha sido a época em que o texto foi escrito.
Indispensável quando se trata de um passado distante, esse exercício o é de igual modo,
quando a análise se refere a um passado recente. No último caso, no entanto, cabe admitir
que a falta de distância tenha algumas implicações na tarefa do pesquisador, mas vale
como desafio. O pesquisador não pode prescindir de conhecer satisfatoriamente a

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conjuntura socioeconômico-cultural e política que propiciou a produção de um determinado
documento. Tal conhecimento possibilita apreender os esquemas conceituais dos autores,
seus argumentos, refutações, reações e, ainda, identificar as pessoas, grupos sociais,
locais, fatos aos quais se faz alusão, etc. Pela análise do contexto, o pesquisador se coloca
em excelentes condições até para compreender as particularidades da forma de
organização, e, sobretudo, para evitar interpretar o conteúdo do documento em função de
valores modernos. Tal etapa é tão mais importante, que não se poderia prescindir dela,
durante a análise que se seguirá.

O autor (ou os autores)

Não se pode pensar em interpretar um texto, sem ter previamente uma boa
identidade da pessoa que se expressa, de seus interesses e dos motivos que a levaram a
escrever. Uma questão é fundamental: “esse indivíduo fala em nome próprio, ou em nome
de um grupo social?”. Cellard (2008) acreditar ser “bem difícil compreender os interesses
(confessos, ou não!) de um texto, quando se ignora tudo sobre aquele ou aqueles que se
manifestam, suas razões e as daqueles a quem eles se dirigem” (p. 300).
Elucidar a identidade do autor possibilita, portanto, avaliar melhor a credibilidade
do texto, a interpretação que é dada de alguns fatos, a tomada de posição que transparece
de uma descrição, as deformações que puderam sobrevir na reconstituição de um
acontecimento. Na mesma ordem de idéias, é salutar nos questionarmos por que esse
documento, preferencialmente a outros, chegou até nós, foi conservado e publicado. Muitas
vezes, sobretudo num passado relativamente distante, uma única categoria de indivíduos,
ou seja, os que pertenciam à classe instruída podiam expressar seus pontos de vista por
meio da escrita. É preciso, então, poder ler nas entrelinhas, para compreender melhor o que
os outros viviam, senão as interpretações correm o risco de serem grosseiramente
falseadas.

A autenticidade e a confiabilidade do texto

Cellard (2008: 301) nos lembra que “é importante assegurar-se da qualidade da


informação transmitida”. Para ele, não se deve esquecer de verificar a procedência do
documento. Em alguns casos, é também necessário considerar o fato de que alguns
documentos nos chegam por intermédio de copistas que tinham, às vezes, de decifrar
escritas quase ilegíveis. Por outro lado, é importante estar atento à relação existente entre o
autor e o que ele escreve. Ele foi testemunha direta ou indireta do que relatou? Quanto
tempo decorreu entre o acontecimento e a sua descrição? Ele reportou as falas de alguma

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outra pessoa? Ele poderia estar enganado? Ele estava em posição de fazer esta ou aquela
observação, de estabelecer tal julgamento?

A natureza do texto

Na análise de um documento deve-se levar em consideração a natureza do


texto, ou seu suporte, antes de tirar conclusões. Efetivamente a abertura do autor, os
subentendidos, a estrutura de um texto pode variar enormemente, conforme o contexto no
qual ele é redigido. Cellard (2008) cita um exemplo para facilitar a compreensão dessa
dimensão: “é o caso, entre outros, de documentos de natureza teológica, médica, ou
jurídica, que são estruturados de forma diferente e só adquirem um sentido para o leitor em
função de seu grau de iniciação no contexto particular de sua produção” (p. 302).

Os conceitos-chave e a lógica interna do texto

Delimitar adequadamente o sentido das palavras e dos conceitos é, aliás, uma


precaução totalmente pertinente no caso de documentos mais recentes nos quais, por
exemplo, utiliza-se um “jargão” profissional específico, ou nos que contém regionalismos,
gíria própria e meios particulares, linguagem popular, etc. Deve-se prestar atenção aos
conceitos-chave presentes em um texto e avaliar sua importância e seu sentido, segundo o
contexto preciso em que eles são empregados. Finalmente, é útil examinar a lógica interna,
o esquema ou o plano do texto: Como um argumento se desenvolveu? Quais são as partes
principais da argumentação? Essa contextualização pode ser um apoio muito importante,
quando, por exemplo, comparam-se vários documentos da mesma natureza.

A análise documental

A etapa de análise dos documentos propõe-se a produzir ou reelaborar


conhecimentos e criar novas formas de compreender os fenômenos. É condição necessária
que os fatos devem ser mencionados, pois constituem os objetos da pesquisa, mas, por si
mesmos, não explicam nada. O investigador deve interpretá-los, sintetizar as informações,
determinar tendências e na medida do possível fazer a inferência. May (2004) diz que os
documentos não existem isoladamente, mas precisam ser situados em uma estrutura teórica
para que o seu conteúdo seja entendido.
Feito a seleção e análise preliminar dos documentos, o pesquisador procederá à
análise dos dados: “é o momento de reunir todas as partes – elementos da problemática ou
do quadro teórico, contexto, autores, interesses, confiabilidade, natureza do texto, conceitos-

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chave” (CELLARD, 2008: 303). O pesquisador poderá, assim, fornecer uma interpretação
coerente, tendo em conta a temática ou o questionamento inicial.
A análise é desenvolvida através da discussão que os temas e os dados
suscitam e inclui geralmente o corpus da pesquisa, as referências bibliográficas e o modelo
teórico. No caso da análise de documentos recorre-se geralmente para a metodologia da
análise do conteúdo:
Conjunto de técnicas de investigação científicas utilizadas em ciências
humanas, caracterizadas pela análise de dados lingüísticos. [...]
Normalmente, nesse tipo de análise, os elementos fundamentais da
comunicação são identificados, numerados e categotizados. Posteriormente
as categorias encontradas são analisadas face a um teoria específica
(APPOLINÁRIO, 2009: 27).
Ressalta-se que a análise de conteúdo é uma dentre as diferentes formas de
interpretar o conteúdo de um texto, adotando normas sistemáticas de extrair significados
temáticos ou os significantes lexicais, por meio dos elementos mais simples do texto.
Consiste em relacionar a freqüência da citação de alguns temas, palavras ou idéias em um
texto para medir o peso relativo atribuído a um determinado assunto pelo seu autor.
Pressupõe, assim, que um texto contém sentidos e significados, patentes ou ocultos, que
podem ser apreendidos por um leitor que interpreta a mensagem contida nele por meio de
técnicas sistemáticas apropriadas. A mensagem pode ser apreendida, decompondo-se o
conteúdo do documento em fragmentos mais simples, que revelem sutilezas contidas em
um texto. Os fragmentos podem ser palavras, termos ou frases significativas de uma
mensagem (CHIZZOTTI, 2006).
A análise qualitativa do conteúdo começa com a idéia de processo, ou contexto
social, e vê o autor como um auto-consciente que se dirige a um público em circunstâncias
particulares. A tarefa do analista torna-se, nas palavras de May (2004), uma “leitura” do
texto em termos dos seus símbolos. Com isso em mente, o texto é abordado a partir do
entendimento do contexto da sua produção pelos próprios analistas. Devemos então estar
atentos para o fato de que a análise de conteúdo pode caracterizar-se como um método de
investigação do conteúdo simbólico das mensagens. Essas mensagens podem ser
abordadas de diferentes formas e sob inúmeros ângulos.
O processo de análise de conteúdo dos documentos tem início quando tomamos
a decisão sobre a Unidade de Análise. Ludke e André (1986) dizem que existem dois tipos
de Unidade de Análise: a Unidade de Registro e a Unidade de Contexto. Na Unidade de
Análise o investigador pode selecionar segmentos específicos do conteúdo para fazer a
análise, determinando, por exemplo, a freqüência com que aparece no texto uma palavra,
um tópico um tema uma expressão, uma personagem ou um determinado item (operação

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que usa a quantificação dos termos). No entanto, dependendo dos objetivos e das
perguntas de investigação, pode se mais importante explorar o contexto em que uma
determinada unidade ocorre, e não apenas sua freqüência. Assim, o método de codificação
escolhido vai depender da natureza do problema, do arcabouço teórico e das questões
específicas de pesquisa.
Realizado a codificação da Unidade de Análise, o passo seguinte no processo
de análise documental é caracterizar a forma de registro. Alguns pesquisadores preferem
fazer anotações à margem do próprio material analisado, outros fazem esquemas,
diagramas e outras formas de síntese. Tais anotações como um primeiro momento de
classificação dos dados podem incluir o tipo de fonte de informação, os tópicos ou temas
tratados, o momento e o local das ocorrências e a natureza do material coletado. Após
organizar os dados, num processo de numerosas leituras e releituras, o investigador pode
voltar a examiná-los para tentar detectar temas e temáticas mais freqüentes: “esse
processo, essencialmente indutivo, vai culminar na construção de categorias ou tipologias”
(LUDKE e ANDRÉ, 1986: 42).
Construir categorias de análise não é tarefa fácil. Elas surgem, num primeiro
momento, da teoria em que se apóia a investigação. Esse conjunto preliminar de categorias
pode ser modificado ao longo do estudo, num processo dinâmico de confronto constante
entre empiria e teoria, o que dará gênese a novas concepções e, por conseqüência, novos
olhares sobre o objeto e o interesse do investigador. Sobre a construção de categorias
analíticas vale lembrar os seguintes ensinamentos:
Não existem normas fixas nem procedimentos padronizados para a criação
de categorias, mas acredita-se que um quadro teórico consistente pode
auxiliar uma seleção inicial mais segura e relevante. [...] Em primeiro lugar
[...] faça o exame do material procurando encontrar os aspectos relevantes.
Verifique se certos temas, observações e comentários aparecem e
reaparecem em contextos variados, vindos de diferentes fontes e diferentes
situações. Esses aspectos que aparecem com certa regularidade são a
base para o primeiro agrupamento da informação em categorias. Os dados
que não puderem ser agregados devem ser classificados em um grupo à
parte para serem posteriormente examinados (Ludke e André ,1986: 43).
Com as categorias iniciais organizadas é necessário que se faça uma avaliação
desse conjunto. Guba e Lincoln (1981) argumentam que as categorias devem antes de tudo
refletir os propósitos da pesquisa. Eles apontam alguns critérios que podem auxiliar o
investigador a avaliar com mais segurança as categorias que foram originadas do material
documental: a homogeneidade interna, a heterogeneidade externa, inclusividade, coerência
e plausibilidade. O que eles querem propor com a introdução desses critérios? Para Guba e

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Lincoln (1981), se uma categoria abrange um único conceito, todos os itens nessa categoria
devem ser homogêneos, ou seja, devem estar coerentemente integrados. Além do mais, as
categorias devem ser mutuamente exclusivas, de modo que as diferenças entre elas fiquem
bem claras. Espera-se, de acordo com esses pesquisadores, que grande parte dos dados
seja incluída em uma ou em outra categoria.
O processo de análise documental tem um desenvolvimento concatenado.
Depois de obter um conjunto inicial de categorias, a próxima fase envolve um
enriquecimento do sistema mediante um processo divergente, incluindo as seguintes
estratégias: aprofundamento, ligação e ampliação. Baseado naquilo que já obteve, o
pesquisador volta a examinar o material no intuito de aumentar o seu conhecimento,
descobrir novos ângulos e aprofundar a sua visão. Pode também explorar as ligações
existentes entre os vários itens, tentando estabelecer relações e associações e passando
então a combiná-los, separá-los ou reorganizá-los. Finalmente, o investigador procurará
ampliar o campo de informações identificando os elementos emergentes que precisam ser
mais aprofundados (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
A etapa final consistirá num novo julgamento das categorias quanto à sua
abrangência e delimitação. Ludke e André nos dão a seguinte orientação:
Quando não há mais documentos para analisar, quando a exploração de
novas fontes leva à redundância de informação ou a um acréscimo muito
pequeno, em vista do esforço despendido, e quando há um sentido de
integração na informação já obtida, é um bom sinal para concluir o estudo
(Ludke e André (1986: 44).

Considerações finais

A pesquisa documental é um procedimento metodológico decisivo em ciências


humanas e sociais porque a maior parte das fontes escritas – ou não – são quase sempre a
base do trabalho de investigação. Dependendo do objeto de estudo e dos objetivos da
pesquisa, pode se caracterizar como principal caminho de concretização da investigação ou
se constituir como instrumento metodológico complementar. Apresenta-se como um método
de escolha e de verificação de dados; visa o acesso às fontes pertinentes, e, a esse título,
faz parte integrante da heurística de investigação. Deve muito à História e, sobretudo aos
seus métodos críticos de investigação sobre fontes escritas. Isso por que a investigação
histórica ao pretender estabelecer sínteses sistemáticas dos acontecimentos históricos
serviu, sobretudo, às ciências sociais, no sentido da reconstrução crítica de dados que
permitam inferências e conclusões. Enfim, a possibilidade que se tem de partir de dados
passados, fazer algumas inferências para o futuro e, mais, a importância de se compreender

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os seus antecedentes numa espécie de reconstrução das vivências e do vivido. Portanto, a
pesquisa documental, bem como outros tipos de pesquisa, propõe-se a produzir novos
conhecimentos, criar novas formas de compreender os fenômenos e dar a conhecer a forma
como estes têm sido desenvolvidos. Ao apresentar esse panorama metodológico queremos
provocar a reflexão de estudantes, professores e pesquisadores que utilizam documentos
como método investigativo para o desvelamento de seus objetos de estudo e
problematização das suas hipóteses. Acreditamos que as pistas elencadas neste artigo são
elementos essenciais para todos que se aventuram em produzir conhecimento no campo da
pesquisa documental.

Bibliográficas

ASSOCIAÇÃO DOS ARQUIVISTAS BRASILEIROS (AAB). Dicionário brasileiro de


terminologia arquivística: contribuição para o estabelecimento de uma terminologia
arquivística em língua portuguesa. São Paulo, CENEDEM, 1990.
APPOLINÁRIO, F. Dicionário de metodologia científica: um guia para a produção do
conhecimento científico. São Paulo, Atlas, 2009.
CELLARD, A. A análise documental. In: POUPART, J. et al. A pesquisa qualitativa:
enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, Vozes, 2008.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis, Vozes,
2006.
FIGUEIREDO, N.M.A. Método e metodologia na pesquisa científica. 2a ed. São Caetano
do Sul, São Paulo, Yendis Editora, 2007.
GAIO, R.; CARVALHO, R.B.; SIMÕES, R. Métodos e técnicas de pesquisa: a
metodologia em questão. In: GAIO, R. (org.). Metodologia de pesquisa e produção de
conhecimento. Petrópolis, Vozes, 2008.
GUBA, E.G.; LINCOLN, Y.S. Effective evaluation. San Francisco, Jossey-Bass, 1981.
HAUAISS, A. Minidicionário Hauaiss. 3a ed. Rio de Janeiro, Objetiva, 2008.
HELDER, R. R. Como fazer análise documental. Porto, Universidade de Algarve, 2006.
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São
Paulo, EPU, 1986.
MAY, T. Pesquisa social: questões, métodos e processo. Porto Alegre, Artmed, 2004.
MINAYO, M.C.S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 11a ed. São
Paulo, HUCITEC, 2008.
OLIVEIRA, M. M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007.
PHILLIPIS, B.S. Pesquisa social: estratégias e táticas. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora,
1974.
PIMENTEL, A. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa histórica.
Cadernos de Pesquisa, n.114, p.179-195, nov., 2001.

Recebido em 27/05/2009

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Aprovado em 18/06/2009

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Dez coisas que você deveria saber sobre o Qualis

Rita de Cássia Barradas Barata*

Resumo
Este artigo trata de dez pontos essenciais para se compreender o Qualis Periódicos e,
assim, dirimir as dúvidas frequentemente apresentadas aos coordenadores de área por
editores científicos, docentes e alunos de programas de pós-graduação. As questões
serão apresentadas de modo a esclarecer aspectos aplicáveis a todas as áreas de
avaliação sempre que possível. Alguns aspectos particulares terão por base a
experiência da área de Saúde Coletiva.

Palavras-chave: Produção Científica. Avaliação de Programas. Classificação de


Periódicos. Ferramentas de Avaliação.

1 PRIMEIRO PONTO: O QUE É O QUALIS PERIÓDICOS?

O sistema de avaliação dos programas de pós-graduação no país foi instituído


pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) em
1977, ocasião em que foram criadas as comissões de assessores por área, para a
avaliação e o acompanhamento dos cursos, e foi estabelecido o Conselho Técnico-
Científico da Educação Superior (CTC-ES). Nesse primeiro momento, o resultado da
avaliação realizada não tinha divulgação pública, sendo informado apenas às
instituições. A avaliação era expressa em conceitos: A (muito bom), B (bom), C
(regular), D (fraco) e E (insuficiente) (FERREIRA; MOREIRA, 2001; CAPES,
2011).
Em 1990, sob a presidência da Profa. Eunice Durham, os conceitos foram
substituídos por notas de 1 a 5, e passaram a ser incluídos no processo de avaliação
alguns indicadores quantitativos, entre os quais a quantidade de artigos publicados
pelos programas (FERREIRA; MOREIRA, 2001; CAPES, 2011). Em 1998, ocorreu
mudança substancial no processo, com a padronização da ficha de avaliação, que
incluía sete quesitos: a proposta do programa, o corpo docente, as atividades de
pesquisa, as atividades de formação, o corpo discente, as teses e dissertações e a
produção intelectual. Todas as áreas de avaliação deveriam analisar os mesmos
quesitos embora pudessem utilizar, no processo, diferentes tipos de indicadores
(BARATA, 2015).
Nesse momento, o CTC-ES sentiu a necessidade de qualificar a produção dos
programas e não mais apenas contabilizar o número de artigos publicados. Já então, o
número de artigos publicados nos programas, em cada triênio de avaliação, era
bastante expressivo, tornando impraticável qualquer tentativa de avaliar a qualidade
de cada um desses produtos do trabalho científico. Diante dessa impossibilidade, a
opção adotada foi a classificação dos veículos de divulgação da produção científica,
pressupondo-se que a aceitação de um artigo por periódico indexado e com sistema de
peer review garantia, de certo modo, a sua qualidade. Por outro lado, considerou-se
que periódicos com circulação internacional e maior impacto na comunidade
acadêmica teriam processos de seleção mais competitivos e, portanto, os artigos por
eles selecionados teriam qualidade e relevância (LINDSEY, 1989).

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A primeira classificação adotada dividia os periódicos em três grupos com três
estratos em cada grupo. Os grupos separavam os periódicos segundo a circulação –
internacional, nacional ou local –, e, em cada grupo, as revistas científicas eram
classificadas nos estratos A, B e C, conforme seu impacto ou relevância para um
determinado campo científico.
Dada a heterogeneidade de tradições científicas existentes nas diversas áreas
de avaliação, cada uma delas teve a liberdade de eleger os critérios segundo os quais
procederia à classificação da produção em sua área. Nas grandes áreas de Ciências
Exatas, Ciências Biológicas, Ciências Agrárias e Ciências da Saúde, a tendência
predominante foi a de construir a classificação considerando as bases de indexação e
as medidas de impacto bibliométrico. Nas grandes áreas de Ciências Sociais e
Humanas, a tendência foi a de utilizar um conjunto de aspectos formais dos
periódicos científicos, normalmente empregados pelas bases indexadoras para a
aceitação da indexação, para realizar a classificação.
Durante dez anos, essa classificação foi adotada no processo de avaliação,
sofrendo diversos ajustes a cada período avaliativo. Após a trienal de 2007, a
Diretoria de Avaliação propôs ao CTC-ES a reformulação do Qualis com base em
uma avaliação quantitativa que mostrava o uso inadequado da classificação e a perda
progressiva do poder discriminatório ao longo dos anos. Muitas áreas acabavam
efetivamente utilizando três ou quatro estratos na avaliação, e poucas eram aquelas
que usavam os nove estratos previstos (BARATA, 2015).
Após praticamente um ano de intensas discussões, o CTC-ES aprovou a nova
classificação contendo sete estratos: A1, A2, B1, B2, B3, B4 e B5. Há ainda um
estrato C, destinado a publicações que não constituem periódicos científicos ou não
atendem aos critérios mínimos estabelecidos em cada área para ser classificado.
O Qualis Periódicos, portanto, é uma das ferramentas utilizadas para a
avaliação dos programas de pós-graduação no Brasil. Sua função é auxiliar os comitês
de avaliação no processo de análise e de qualificação da produção bibliográfica dos
docentes e discentes dos programas de pós-graduação credenciados pela Capes. Ao
lado do sistema de classificação de capítulos e livros, o Qualis Periódicos é um dos
instrumentos fundamentais para a avaliação do quesito produção intelectual,
agregando o aspecto quantitativo ao qualitativo.

2 SEGUNDO PONTO: O QUE O QUALIS PERIÓDICOS NÃO É?

Saber o que o Qualis não é parece tão importante quanto saber o que ele é,
pois muitos dos usos inadequados e das incompreensões em torno dessa ferramenta
resultam justamente da pouca compreensão sobre esse ponto. O Qualis não é uma
base de indexação de periódicos – este é o ponto que provavelmente gera maior
confusão entre os editores científicos e é fonte de inúmeras consultas aos
coordenadores de área.
Vários são os editores que solicitam a inclusão, vale dizer a indexação, de seus
periódicos na lista do Qualis. Entretanto, tal solicitação não tem sentido visto que o
Qualis só existe como ferramenta para a avaliação de programas. Estar ou não na lista
do Qualis significa tão somente que algum dos alunos ou professores dos programas
credenciados publicaram artigos naqueles periódicos. Do mesmo modo, o Qualis
Periódicos não é uma base bibliométrica e não permite o cálculo de nenhuma medida
de impacto dos periódicos nele incluídos. Sendo assim, o Qualis Periódicos não deve
ser considerado como uma fonte adequada de classificação da qualidade dos
periódicos científicos para outros fins que não a avaliação dos programas de pós-

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graduação. Por uma série de características que serão destacadas a seguir, a
classificação de uma revista no Qualis não pode ser usada fora de seu contexto, sob
pena de produzir mais problemas do que soluções.
O Qualis Periódicos não é uma classificação absoluta, estando sujeita a
revisão permanente. Tendo em vista que a classificação é sempre feita a posteriori,
conforme será detalhado em outro item, não é aconselhável que a lista sirva de
referência para ações futuras, tais como a escolha de periódicos para submissão de
artigos. A escolha de um periódico para a submissão deveria levar em conta, entre
outros aspectos, o público-alvo do próprio artigo, o escopo dos diversos periódicos
em um mesmo campo científico, a credibilidade, a rapidez no processo de julgamento
e de publicação, a competitividade expressa pela taxa de rejeição, a circulação que os
periódicos têm na comunidade de interesse e seu prestígio, o que pode ser
indiretamente avaliado por diferentes medidas de impacto.
Finalmente, o Qualis Periódicos não é uma ferramenta que possa ser utilizada
em avaliações do desempenho científico individual de pesquisadores, visto que não
foi desenvolvido com essa finalidade. Sua aplicação faz sentido para a análise coletiva
da produção de um programa, cumprindo requisitos específicos do processo de
avaliação comparativo estabelecido pela Capes. Em avaliações orientadas por
princípios essencialistas, os instrumentos usados para comparações relativas nem
sempre se mostrarão adequados.

3 TERCEIRO PONTO: A GERAÇÃO DA LISTA

Como mencionado anteriormente, a classificação dos periódicos não é


duradoura. A cada ano uma listagem de periódicos é gerada a partir dos dados sobre a
produção científica publicada sob a forma de artigos informados pelos programas nos
aplicativos da Capes. Os programas enviavam anualmente suas informações por meio
do Coleta Capes; mais recentemente, com a introdução da plataforma Sucupira, os
dados podem ser permanentemente incluídos durante o desenrolar das atividades dos
programas. Essa forma de geração da listagem faz com que ela seja sempre um retrato
a posteriori, pois é sempre referente aos anos anteriores cujos dados já foram
informados para a Capes. Assim, por exemplo, a classificação de 2014 divulgada em
2015 se refere aos artigos publicados em 2014.
O desconhecimento sobre esse mecanismo de geração da lista é outro motivo
de inúmeras consultas aos coordenadores de área. Editores científicos encaminham
exemplares de suas publicações e solicitações de inclusão, alegando que suas
publicações abrangem temáticas daquela área do conhecimento. No entanto, se
nenhum docente ou discente de um programa de pós-graduação credenciado tiver
publicado um artigo naquela revista, não há nenhum sentido em incluí-la na lista, uma
vez que a única finalidade do Qualis Periódicos é classificar os artigos produzidos
pelos programas.
Docentes e discentes apresentam dois tipos de preocupações que também não
procedem, desde que se conheça o mecanismo de geração da listagem. O primeiro
receio é o de não encontrar na lista o periódico no qual acabaram de ter um artigo
publicado. Evidentemente, se o artigo for informado na plataforma Sucupira, no ano
subsequente, o periódico estará incluído automaticamente na listagem. O segundo
questionamento, decorrente do anterior, diz respeito à consideração ou não dessa
produção para efeito de avaliação. Novamente, trata-se de uma precipitação. Mesmo
que, no último ano do período de avaliação, alguns periódicos não estejam incluídos
como resultado de falhas no processamento dos dados, as comissões procederão à sua

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classificação manual, utilizando exatamente os mesmos critérios usados para os
demais periódicos.
Outra dúvida frequente entre docentes e discentes surge quando da escolha de
uma revista científica para a submissão de um artigo, diante da constatação de que
esta ainda não se encontra na listagem da área. Evidentemente, por tudo que já ficou
dito, tal revista científica passará a figurar na lista desde que, aceito o artigo, seja a
publicação informada por meio da plataforma Sucupira.

4 QUARTO PONTO: CLASSIFICAÇÃO EXAUSTIVA

Tendo em vista o processo de geração da lista anteriormente descrito e a


finalidade precípua do Qualis Periódicos, cada área de avaliação deverá classificar
todos os títulos constantes de sua lista. Nenhum dos títulos listados poderá ficar sem
classificação, uma vez que isso significaria a exclusão a priori de determinados
produtos informados pelos programas.
Para que essa regra básica seja cumprida, foi proposto o estrato C, que pode
ser utilizado de diferentes maneiras para garantir a exaustividade da classificação.
Muitos programas informam como produção intelectual bibliográfica produtos que
não se qualificam como artigos científicos, tais como matérias ou entrevistas em
jornais ou revistas destinados ao público leigo, textos elaborados para blogs e outras
mídias eletrônicas, boletins, material de propaganda como posters, folders e outros,
material didático e artigos técnicos. Nesses casos, de acordo com a definição de cada
área de avaliação, essas entradas na listagem do Qualis podem ser classificadas como
C, separando-as dos demais artigos científicos produzidos pelo programa. Geralmente
esse tipo de material pode ser informado corretamente como produção técnica, ou
seja, não deve ser informado como artigos completos em periódicos científicos. Esses
produtos podem ser excluídos da classificação por meio de uma opção disponível no
aplicativo que permite identificá-los como não sendo artigos científicos.
Algumas áreas de avaliação utilizam o estrato C para desconsiderar os artigos
científicos publicados em periódicos não indexados ou que não atendam aos critérios
mínimos estabelecidos pela comissão de avaliação. Assim, aquela produção
classificada no estrato C estaria automaticamente glosada. Há, ainda, algumas poucas
áreas que utilizam o estrato C para glosar toda a produção divulgada em periódicos
que, por seu escopo, não pertencem à área de conhecimento sob avaliação. Esse é um
recurso discutível, tendo em vista o fato de que a ciência atual é cada vez mais
interdisciplinar, e os limites disciplinares estreitos muitas vezes não refletem
corretamente o que está sendo produzido. Felizmente, poucas são as áreas de
avaliação que adotam visão tão exclusivamente disciplinar. Afinal, uma deliberação
como essa por parte do coordenador de área ou de sua comissão de avaliação pode ter
efeitos deletérios sobre as possibilidades de cooperação interdisciplinar.
Além dos problemas já mencionados, a decisão de classificar no estrato C
periódicos considerados “fora de área” ou que não apresentem pelo menos
determinado fator de impacto gera muito ruído entre a comunidade, pois revistas bem
classificadas em alguma das áreas podem estar classificadas como C em outras,
sugerindo que a classificação é desprovida de sentido e feita de forma totalmente
aleatória. Para evitar esse tipo de situação seria recomendável que todas as áreas de
avaliação reservassem o estrato C apenas para publicações que não pudessem ser
classificadas como científicas, independentemente da área de conhecimento.
Para o caso de haver ocorrido falha no processamento dos dados completos
dos programas no momento de geração da listagem, o processamento dos cadernos de

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indicadores ou dos relatórios da produção classificará cada produto em um dos
estratos do Qualis, separando em um bloco à parte aqueles que ficarem sem
classificação. Esses produtos poderão ser classificados manualmente de acordo com a
disponibilidade de tempo dos membros das comissões de avaliação. Para evitar que
essa produção seja desconsiderada na avaliação, é importante que o preenchimento
dos dados relativos aos artigos seja o mais completo e correto possível, com especial
atenção para o número correto do ISSN e para o título correto e atualizado da revista
científica. Outros dados importantes são o ano, o volume e o fascículo da publicação.

5 QUINTO PONTO: REGRAS COMUNS A TODAS AS ÁREAS DE


AVALIAÇÃO

A avaliação dos programas de pós-graduação está sempre tensionada pela


necessidade de ter uma base comum para avaliar o conjunto dos programas
independentemente das áreas de conhecimento e pelas evidências de que diferentes
áreas de conhecimento têm diferentes tradições de produção científica, e suas
especificidades precisam ser levadas em conta para que a avaliação seja justa e
apropriada.
Do ponto de vista estrito de cada programa, não haveria problema em que os
critérios avaliativos fossem totalmente diferentes entre as diversas áreas de avaliação,
uma vez que em cada uma delas o processo é comparativo e, assim, só importaria
garantir que os mesmos critérios fossem aplicados, da mesma maneira, para todos os
programas em uma determinada área.
No entanto, os programas existem em unidades acadêmicas dentro de
faculdades, centros universitários ou universidades onde avaliações muito
discrepantes podem gerar dificuldades e problemas. Assim, tanto o CTC-ES quanto o
Conselho Superior da CAPES sempre se preocuparam em ter alguns parâmetros que
pudessem tornar a avaliação minimamente comparável entre as áreas.
Nesse sentido, são utilizados basicamente três mecanismos: as portarias e
resoluções da Presidência, do Conselho Superior, da Diretoria de Avaliação ou do
Conselho Técnico-Científico da Educação Superior; a padronização da ficha de
avaliação e as regras de construção do Qualis Periódicos e da classificação de livros.
As portarias, resoluções e outros atos normativos visam estabelecer diretrizes que
devem ser seguidas em todo o sistema nacional de pós-graduação (SNPG),
conferindo-lhe unidade e organicidade.
A padronização da ficha de avaliação visou estabelecer os quesitos e os itens
indispensáveis e comuns a todas as áreas no processo de avaliação. Ao longo dos anos
foram sendo modificados esses componentes na medida em que a evolução do SNPG
foi superando certos problemas e gerando outros. Atualmente, a ficha está composta
por cinco quesitos: proposta do programa, corpo docente, corpo discente, produção
intelectual e inserção social; e 17 itens comuns distribuídos entre esses quesitos. As
áreas de avaliação têm a liberdade de propor itens adicionais e definir os indicadores e
critérios que serão utilizados na avaliação de cada item. Desse modo, pretende-se
garantir a comparabilidade sem perder a flexibilidade necessária para abarcar toda a
diversidade contida nas 48 áreas de avaliação. O instrumento de classificação de
capítulos e livros também contém elementos mínimos e outras variáveis de modo que
diversas áreas do conhecimento possam utilizá-lo. Nesse caso, há inclusive a opção de
não considerar a produção de capítulos e livros na produção científica dos programas,
a critério de cada área de avaliação.

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Com relação ao Qualis Periódicos, as regras comuns a todas as áreas são três,
além daquela já apresentada da obrigatoriedade de classificar todos os títulos da
listagem da área. Na tentativa de preservar o caráter classificatório e a capacidade de
discriminação entre produções de maior ou menor “qualidade”, foram estabelecidas
essas regras que forçam as comissões de área a serem bastante seletivas. A primeira
regra estabelece que no máximo 50% dos títulos presentes em cada lista podem ser
classificados nos três estratos mais altos da classificação: A1, A2 ou B1. Ou seja,
qualquer que seja a área de conhecimento, apenas metade dos periódicos utilizados
pelos docentes e discentes para veicular suas publicações pode ser classificada entre
os de excelência (estratos A) ou de maior qualidade (B1). A segunda regra estabelece
que apenas 25% dos títulos em cada lista podem ser considerados de excelência e,
portanto, classificados nos estratos A. Ou seja, dentro do conjunto, apenas um quarto
dos títulos usados em cada área pode ser classificado como excelente. A terceira regra
estabelece que, entre os títulos classificados no estrato A, aqueles inseridos no estrato
A1 têm de, necessariamente, ser em menor proporção do que os classificados no
estrato A2.
Essas regras, embora tenham sido propostas para garantir alguma
comparabilidade entre as diferentes áreas do conhecimento, ignoram o fato de que os
critérios de classificação são bastante diferentes entre elas e permitem apenas uma
comparação relativa, na medida em que as mesmas proporções se aplicam a
totalidades muito diversas.

Quadro 1 – Número de títulos e aplicação das regras comuns à listagem de cada


área de avaliação, Qualis 2014

Área de Avaliação Títulos A1+A2 A1+A2+B1 C


CIÊNCIAS EXATAS E DA TERRA
Astronomia e Física 739 18,8 41,8 20,0
Ciência da Computação 636 17,3 36,9 22,2
Geociências 565 23,4 47,3 5,3
Matemática, Probabilidade e Estatística 563 23,4 47,2 0,9
Química 1.088 18,8 40,3 17,9
ENGENHARIAS
Engenharias I 866 19,7 34,3 14,1
Engenharias II 966 26,1 50,0 0,0
Engenharias III 1.375 23,9 45,7 4,1
Engenharias IV 844 23,8 48,2 3,2
MULTIDISCIPLINAR
Biotecnologia 1.528 21,9 42,6 11,7
Ciências Ambientais 1.396 22,9 47,5 5,0
Ensino 686 9,3 23,5 3,4
Interdisciplinar
Materiais 602 18,4 40,5 13,0
CIÊNCIAS AGRÁRIAS
Ciência de Alimentos 621 19,2 39,1 18,2
Ciências Agrárias I 1.601 19,6 46,2 7,4
Medicina Veterinária 749 21,9 45,5 0,0
Zootecnia e Recursos Pesqueiros 670 16,7 34,6 26,3
CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
Biodiversidade 1.539 16,0 36,1 23,5
Ciências Biológicas I 1.520 23,4 47,8 0,5
Ciências Biológicas II 1.564 21,6 43,4 13,2
Ciências Biológicas III 895 18,5 34,1 22,0
CIÊNCIAS DA SAÚDE

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Educação Física 772 24,5 47,9 0,0
Enfermagem 573 24,1 46,8 2,4
Farmácia 1.199 22,3 44,5 10,9
Medicina I 2.084 24,0 47,9 3,2
Medicina II 1.984 23,9 47,5 4,1
Medicina III 711 22,2 45,3 9,1
Nutrição 479 21,3 48,2 3,5
Odontologia 946 25,7 42,3 1,2
Saúde Coletiva 1.177 22,0 40,4 5,0
CIÊNCIAS HUMANAS
Antropologia 270 11,5 27,8 5,9
Ciência Política e Relações Internacionais 391 15,9 25,3 16,1
Educação 1.333 9,4 19,5 34,9
Filosofia 304 14,5 35,2 14,8
Geografia 488 18,9 32,0 14,5
História 682 14,5 28,0 17,0
Psicologia 895 23,6 46,4 2,3
Sociologia 664 8,4 18,8 16,1
Teologia 142 11,3 26,1 19,7
CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
Administração e Turismo 1.054 19,6 32,5 2,5
Arquitetura, Urbanismo e Design 311 21,2 27,7 8,7
Ciências Sociais Aplicadas I 477 9,9 28,3 19,7
Direito 657 11,4 22,8 41,4
Economia 504 11,3 25,0 11,3
Planejamento Urbano e Regional/Demografia 481 17,9 39,9 2,5
Serviço Social 197 10,7 20,3 24,9
LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES
Artes /Música 346 11,0 21,7 31,5
Letras e Linguística 890 13,8 24,4 32,9
Fonte: elaboração própria.

Em 2014, o número de títulos variou entre 142 (Teologia) e 2.084 (Medicina


I). A proporção de periódicos classificados no estrato A1 foi de 0,7%, na área de
Teologia, a 13,1%, na área de Engenharia II, enquanto a proporção de periódicos no
estrato A2 foi de 4,8%, na área de Ensino, a 15,1%, na área de Psicologia. O valor
mediano para a proporção de periódicos no estrato A1 foi de 8,5% e, para o estrato
A2, 11,5%.
A somatória entre os dois estratos superiores variou de 8,4%, na área de
Sociologia, a 26,1%, na área de Engenharias II. A parcela dos três estratos superiores
apresentou o menor valor na área de Sociologia, com apenas 18,8%, e o maior na área
de Engenharias II, com exatos 50%.
Houve também grande variação na proporção de periódicos classificados no
estrato C. Algumas áreas não tiveram nenhum título classificado no estrato C,
enquanto outras apresentaram valores bastante altos. A área do Direito foi a que mais
classificou títulos no estrato C, chegando a 41,4%. Ou seja, mesmo em relação à
aplicação das regras gerais, observa-se grande variação entre as áreas, embora possam
ser notadas algumas tendências. A grande área das Ciências da Saúde é a que
apresenta maior homogeneidade. De modo geral, as Ciências da Vida e as Ciências
Exatas apresentam proporções maiores de revistas classificadas nos três primeiros
estratos e nos estratos A, enquanto as Humanidades tendem a mostrar menores
proporções de periódicos nesses estratos, refletindo uma tradição diferente de
publicações. No primeiro grupo de Ciências predominam periódicos editados por
editoras comerciais ou associações científicas de grande prestígio acadêmico,

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enquanto no segundo grupo ainda predominam publicações vinculadas aos próprios
programas acadêmicos.

6 SEXTO PONTO: CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS

Conforme assinalado anteriormente, cada área de avaliação tem a liberdade de


estabelecer seus próprios critérios classificatórios desde que as regras comuns de
construção do Qualis sejam cumpridas. Ainda que os indicadores utilizados pelas
diferentes comissões variem, 31 (65%) áreas de avaliação compreendidas nas grandes
áreas de Ciências Exatas e da Terra, Ciências Biológicas, Engenharias, Ciências da
Saúde, Ciências Agrárias e Multidisciplinar utilizam critérios que combinam aspectos
da circulação, avaliada por meio das bases de indexação às quais os periódicos
pertencem, e aspectos relativos aos impactos bibliométricos, avaliados por intermédio
de um ou mais indicadores obtidos em uma ou mais fontes de informação.
As fontes de dados bibliométricos mais utilizadas são JCR (Journal Current
Report), Scopus e SciELO. Cada uma delas fornece indicadores um pouco diferentes
e valores distintos para indicadores equivalentes porque possuem em sua base um
número variável de periódicos. A base mais ampla é a Scopus, portanto, os
indicadores calculados por ela tendem a ser mais altos do que nas outras duas. A
menor é a SciELO, e os fatores de impacto medidos nessa base serão todos menores
do que nas outras duas. O JCR possui uma base um pouco menor que a da Scopus e,
além disso, adota uma definição pouco clara e polêmica do que considera documentos
citáveis, podendo assim subestimar ou superestimar o fator de impacto (BARRETO,
2013).
Os indicadores mais usados são o fator de impacto, as citações por documento
citável e o índice “h”. Algumas áreas utilizam ainda a vida média ou o fator de
“imediatez” para ponderar as medidas de impacto. A combinação de fontes e
indicadores é uma forma de balancear as características e fragilidades de cada um
deles isoladamente.
Quinze (31%) áreas de avaliação incluídas nas grandes áreas de Artes e Letras,
Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas utilizam um conjunto de critérios
formais (tais como periodicidade, regularidade, corpo editorial diversificado, revisão
por pares, distribuição, indexação) e um “ranqueamento” estabelecido pelas
comissões avaliadoras quanto à relevância de cada revista para o campo.
Finalmente, as áreas de Economia e Administração e de Turismo utilizam
critérios mistos, combinando aspectos dos dois anteriormente descritos. É facultado
aos coordenadores de área e a suas comissões de revisão do Qualis optar por atribuir
uma classificação mais elevada para um pequeno número de revistas nacionais que
sejam consideradas relevantes. Esse recurso tem ajudado diversas revistas nacionais a
receber um número maior de artigos; assim, elas podem selecionar os melhores e,
com isso, aumentar o fator de impacto. O mecanismo chamado de “indução” deve
estar claramente explicitado no documento de atualização do Qualis e ser aprovado
pelo CTC-ES.

7 SÉTIMO PONTO: ATUALIZAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO

A atualização do Qualis Periódicos é feita anualmente, cerca de um a dois


meses após a data de chancela dos dados dos programas. A Diretoria de
Avaliação da Capes estabelece um período para que o Qualis seja atualizado por todas
as áreas de avaliação.

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A área interdisciplinar é a única que realiza a atualização do Qualis em data
separada porque, dadas as características de seus programas, habitualmente sua
classificação é construída com base na combinação das classificações realizadas pelas
áreas disciplinares. Essa atualização ocorre quase sempre no mês de julho, quando o
JCR divulga os fatores de impacto relativos ao ano anterior. Desse modo a nova
classificação pode refletir o desempenho dos periódicos no ano da publicação dos
artigos. No entanto, devido a problemas de calendário da própria DAV, algumas
vezes a atualização é feita antes que essas informações estejam disponíveis e, nessa
hipótese, são utilizados os indicadores do ano anterior. Eventualmente, no caso de
revistas que vêm apresentando mudança acelerada de indicadores, tal procedimento
pode ser prejudicial.
Uma vez realizada a atualização e chancelada a nova classificação, não é
possível realizar correções até o ano seguinte. Esse é um motivo constante de
reclamações de coordenadores de programas e de editores científicos sempre que
consideram ter havido erro por parte da comissão ou uso de dados desatualizados. Em
geral, quem não conhece de perto o funcionamento da agência não consegue entender
por que não é possível fazer uma correção em um banco de dados eletrônico assim
que um erro é detectado. No entanto, devido à sobrecarga que os sistemas
informatizados apresentam e à própria escassez de funcionários da área técnica,
operacionalmente torna-se inviável realizar modificações fora do período de
atualização.

8 OITAVO PONTO: POR QUE UMA MESMA REVISTA POSSUIU


CLASSIFICAÇÃO TÃO VARIADA ENTRE AS ÁREAS?

Como cada uma das áreas de avaliação possui seus próprios critérios
classificatórios e deve classificar todos os periódicos que constem em sua lista, a
mesma revista científica pode ter classificações bastante distintas em cada uma das
áreas de avaliação. Além disso, para cumprir as regras comuns, dando destaque aos
periódicos do próprio campo de conhecimentos, várias áreas rebaixam periódicos de
outros campos, mesmo que eles cumpram os critérios para uma melhor classificação.
Esse aspecto do Qualis é fonte de inúmeros mal-entendidos entre coordenadores de
programas, docentes e editores científicos.
Do ponto de vista dos editores é sempre difícil de compreender como o
mesmo periódico pode assumir classificações tão diferentes. Se os critérios usados
para a classificação são baseados em características do periódico, não é fácil aceitar
que a mesma revista possa ser classificada em praticamente qualquer dos estratos,
dependendo da área de avaliação. Essas discrepâncias podem ter a ver com diferentes
pontos de corte adotados para a classificação com base nos indicadores de impacto,
uma vez que a distribuição desses valores é variável conforme a área de
conhecimento; mas também podem resultar de julgamentos da relevância do
periódico para determinada área do conhecimento aliados, geralmente, a concepções
fortemente disciplinares.

Quadro 2 – Exemplos de classificação homogênea e heterogênea de periódicos


nas diferentes áreas de avaliação, Qualis 2013-2014

Área de Avaliação Science Nature Anais da Academia


(FI = 17,710) (FI = 42,351) Brasileira de Ciências
(FI = 1,065)

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Astronomia - A1 -
Biodiversidade A1 A1 -
Biotecnologia A1 A1 -
Ciências Agrárias A1 A1 A1
Ciência de Alimentos - - B2
Ciências Ambientais A1 A1 B1
Ciências Biológicas I A1 A1 -
Ciências Biológicas II A1 - B4
Ciências Biológicas III A1 - -
Engenharias II - A1 -
Geociências - A1 B1
Medicina I - - B2
Medicina II - A1 B2
Medicina Veterinária - - B2
Química - A1 B2
Zootecnia - - B1
Fonte: Webqualis Capes. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em: out. 2015.

O Quadro 2 mostra a classificação de três periódicos científicos que não são


dedicados a uma disciplina ou campo científico em particular. Os três são dedicados a
todos os campos científicos. Evidentemente, periódicos com fatores de impacto tão
altos quanto os da revista Science ou Nature garantem que qualquer que seja a área de
conhecimento, ela será classificada no estrato A1. Já os Anais da Academia Brasileira
de Ciências, embora com um fator de impacto bom para uma revista brasileira,
dependendo dos pontos de corte utilizados em cada área de avaliação, teve
classificações bastante diferentes, variando entre o estrato A1 e o B4.

Quadro 3 – Exemplos de classificações heterogêneas para periódicos brasileiros


de escopo multidisciplinar, Qualis 2014

Cadernos de Dados – Revista de Ciência & Saúde


Saúde Pública Ciências Sociais Coletiva
(FI=1,097) (FI= 0,327) (FI=0,761)
Área de avaliação
Direito A1 A1 -
Ciência Política - A1 -
História - A1 -
Planejamento Urbano, Regional e A1 - A2
Demografia
Sociologia - A1 -
Administração e Turismo A2 A2 -
Antropologia A2 - -
Ciências Ambientais A2 B1 -
Ciências Sociais Aplicadas I A2 - -
Enfermagem A2 - B1
Ensino A2 - A2
Odontologia A2 - B1
Psicologia A2 - A2
Saúde Coletiva A2 - B1
Serviço Social A2 A2 -
Ciências Agrárias B1 B2 -
Educação Física B1 - B1
Engenharias III B1 - -
Nutrição B1 - -
Economia B2 B2 -
Educação B2 - -
Engenharias IV B2 - -

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Medicina I B2 - B3
Medicina II B2 - B3
Medicina Veterinária B2 - -
Biodiversidade B3 - -
Biotecnologia B3 - -
Farmácia B3 - B3
Medicina III B3 - -
Ciências Biológicas I B4 - -
Ciências Biológicas II B4 - -
Ciências Biológicas III B4 - -
Ciência da Computação C - -
Fonte: WebQualis Capes. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em: out. 2015.

O Cadernos de Saúde Pública, editado pela Escola Nacional de Saúde


Pública, da Fiocruz, é o periódico que aparece referido em maior número de áreas de
avaliação (30) e também o que apresenta a maior diversidade de classificações, indo
de A1 a C, com exceção do estrato B5. Como uma revista que atende a todos os
requisitos formais, arbitrada, indexada nas mais importantes bases bibliográficas e
com fator de impacto acima de 1 pode ser classificada no estrato C? Ocorre que o
documento do Qualis da área de Ciência da Computação informa que utiliza o fator
de impacto normalizado e introduz um deflator de dois níveis para periódicos de
outras áreas do conhecimento. Supondo que a normalização seja feita com base na
média e no desvio-padrão do fator de impacto dos periódicos da área, isso explicaria a
posição do Cadernos de Saúde Pública no estrato C.
A revista Dados, publicada pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da
UERJ, é a revista de Ciências Sociais mais bem indexada e com o maior fator de
impacto entre as brasileiras nesse campo. Nesse caso, as classificações vão de A1 a
B2, refletindo a relevância atribuída ao periódico nas diferentes áreas em que ele é
utilizado.
Finalmente a revista Ciência & Saúde Coletiva, publicada pela Associação
Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), apresenta classificações nos estratos A2, B1
ou B3 nas dez diferentes áreas em cujos programas os autores estão inseridos como
docentes.
A única maneira de solucionar essa contradição entre diferentes classificações
para as mesmas revistas seria a adoção de uma lista única, na qual cada periódico
fosse classificado apenas pela área ou pelas áreas de conhecimento incluídas em seu
escopo de publicação. Revistas dedicadas à ciência em geral, tais como Science,
Nature, Anais da Academia Brasileira de Ciências, Annals of the New York Academy
of Sciences, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of
America, poderiam ser classificadas pela área interdisciplinar. Periódicos cujo escopo
abrangesse mais de uma área de avaliação seriam classificados em comum acordo.
Desse modo, o Qualis Periódicos poderia ser uma listagem livre de contradições e,
desde que cada área, ao classificar seu conjunto de periódicos, adotasse as regras
comuns, a listagem final também cumpriria os mesmos requisitos. Uma vantagem
adicional dessa alternativa seria aprimorar o processo de classificação, uma vez que
cada área teria uma lista menor de periódicos para analisar, podendo dedicar maior
tempo e cuidado à tarefa de avaliação.

9 NONO PONTO: COMENSURABILIDADE ENTRE AS ÁREAS DE


AVALIAÇÃO

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Conforme já mencionado anteriormente, há uma preocupação constante no
CTC-ES, no Conselho Superior e nas pró-reitorias de pós-graduação e pesquisa das
universidades com a comparabilidade dos resultados da avaliação dos PPGs, visto que
esses resultados são utilizados para orientar uma série de ações e políticas no interior
das universidades e no país em geral.
Apesar da padronização dos instrumentos de avaliação, será que um PPG nota
5, 6 ou 7 em uma dada área de avaliação é comparável com outro PPG nota 5, 6 ou 7
em outra área de avaliação? Esta pergunta não tem, evidentemente, uma resposta
simples. A tendência do sistema de avaliação da pós-graduação tem sido a de adotar o
princípio do “ranqueamento” em vez do princípio essencialista. Ou seja, os programas
são avaliados em cada uma das áreas, e as notas são atribuídas não a partir de
características essenciais, mas, antes, pela posição relativa daquele programa no
conjunto dos programas da área. Desse modo, pode-se dizer que a comparação entre
programas com a mesma nota em áreas de avaliação diferentes indicaria apenas que
eles ocupam a mesma posição relativa nos PPGs da área sem, contudo, significar que
têm qualidade equivalente quanto aos quesitos avaliados.
Algumas áreas de avaliação tentam adotar o princípio essencialista definindo
“tipos ideais” para cada uma das notas, isto é, definindo que características, em
relação a cada um dos quesitos, um PPG deve ter para receber determinada nota.
Entretanto, essa postura acaba sendo pressionada pela ideia de que, assim, as
comissões de avaliação estariam “prejudicando” a própria área na comparação com
outras áreas de conhecimento.
Focando especificamente o Qualis como um desses instrumentos de
padronização da avaliação, é frequente ouvir de membros do Conselho Superior ou de
coordenadores de programas menos afeitos aos estudos bibliométricos que tal ou qual
área não é rigorosa na atribuição de suas notas porque os pontos de corte que utiliza
para construir os estratos do Qualis são inferiores àqueles usados por áreas
consideradas como de referência (geralmente as Ciências Exatas ou Biológicas). Ou
ainda, em se tratando das Ciências Humanas e Sociais, que é inaceitável ter
classificados nos estratos superiores periódicos publicados exclusivamente em
português, portanto, com circulação internacional limitada.
É sabido que os fatores de impacto são influenciados por muitos aspectos que
não estão diretamente relacionados com a qualidade da produção, tais como o
tamanho da comunidade científica em cada área, o prestígio de subáreas do
conhecimento dentro de um mesmo campo, o número médio de autores por artigo, a
língua da publicação, o país de residência dos autores, entre outros (LEEUWEN et al.,
2001; WALTER et al., 2003; TAYLOR; PERAKAKIS; TRACHANA, 2008;
RUANO-RAVINA; ALVAREZ-DARDET, 2012).
As diferentes áreas do conhecimento têm distribuições específicas e não
comparáveis (GLÄNZEL; MOED, 2002). Análise de todos os periódicos indexados
na base Scopus, segundo as áreas do conhecimento e com indicadores de impacto do
ano de 2012, mostra que a distribuição dos fatores de impacto é muito variável.
Considerando apenas as Ciências Exatas e da Terra, observa-se que o valor máximo
do fator de impacto chega a 14,88 para os periódicos da Matemática e Ciência da
Computação, 26,13 para os de Geociências, 39,73 para os de Química e 41,56 para os
de Astronomia e Física. Na área das Ciências Médicas, o maior valor passa de 100.
Portanto, não se pode simplesmente comparar valores do fator de impacto dos pontos
de corte de cada estrato.
Do mesmo modo, é sabido que nas áreas de Ciências Humanas e Sociais até
recentemente havia um número reduzido de periódicos indexados em bases

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bibliométricas; portanto, para a maioria dos veículos não havia nenhuma medida de
impacto disponível, sem contar o fato de que parte da publicação nessas áreas se faz
preferencialmente por meio de livros e coletâneas. Essa tradição começa a mudar
pressionada pelo uso crescente desses indicadores em diversos processos de avaliação
do desempenho acadêmico. Hoje é possível encontrar na base SCImago um número
considerável de periódicos classificados em Ciências Sociais (5.092), inferior apenas
ao número dos periódicos da área médica. Assim, em médio prazo seria possível
pensar em um uso crescente desses indicadores abarcando todas as áreas de avaliação.
Esse problema requer dois conjuntos de soluções, uma aplicável àquelas áreas de
avaliação que utilizam medidas de impacto para a construção do Qualis Periódicos;
outra, aplicável àquelas áreas que não utilizam nenhuma medida de impacto por não
ser tradição em suas áreas de conhecimento.
Para as 31 áreas de avaliação que utilizam medidas de impacto na construção
do Qualis, a opção de tornar as classificações comensuráveis, ou seja, capazes de
expressar grandezas diferentes, porém com o mesmo significado relativo em cada
campo, seria a adoção de percentis preestabelecidos para cada um dos estratos
(BORNMANN, 2013). Por exemplo, se todas as áreas adotassem como ponto de corte
para o estrato A1 o percentil 95 da distribuição de um determinado indicador ou
conjunto de indicadores de impacto, seria imediatamente comparável a produção
qualificada nesse estrato para as diferentes áreas do conhecimento, visto que os
periódicos aí classificados corresponderiam aos 5% superiores, isto é, aos 5% com
maior impacto em cada uma das áreas.

Quadro 4 – Fatores de Impacto correspondentes a percentis selecionados da


distribuição dos periódicos das áreas de Ciências Exatas e da Terra, 2012

Percentil Matemática Computação Física Química Geociências


P25 0,380 0,430 0,340 0,530 0,240
P50 0,645 1,010 0,850 1,310 0,750
P75 1,118 1,920 1,790 2,640 1,690
P90 1,900 3,158 3,266 4,286 2,661
P95 2,441 4,032 5,926 5,906 3,290
Fonte: elaboração própria.

Esses poderiam ser os pontos de corte para os estratos, de tal modo que, em
qualquer área de avaliação, os periódicos classificados no estrato B5 fossem aqueles
com fator de impacto igual a zero ou sem fator de impacto medido; no estrato B4
estariam os periódicos com fator de impacto maior do que zero e inferior ou igual ao
valor do percentil 25; no estrato B3 ficariam as revistas com impacto entre o percentil
25 e a mediana (P50); no estrato B2, aquelas com impacto entre a mediana e o
percentil 75; no estrato B1, os periódicos com impacto entre o percentil 75 e o
percentil 90; no estrato A2, as revistas com impacto entre o percentil 90 e o 95, e,
finalmente, no estrato A1, aquelas acima do percentil 95.
Assim, o Qualis das áreas seria imediatamente comparável, e a produção dos
PPGs poderia ser avaliada com base na proporção de artigos em cada estrato, pois eles
teriam todos o mesmo sentido. Para as demais áreas que ainda não utilizam medidas
de impacto, seria necessário estabelecer critérios de transição e políticas de incentivo
aos periódicos nacionais para que busquem a indexação nas bases bibliométricas; e,
aos autores, para que comecem a publicar em periódicos já indexados nessas bases.

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Somente dessa forma, será possível dar maior visibilidade à produção científica do
país e incentivar a publicação de pesquisas de qualidade em todas as áreas do
conhecimento.

Quadro 5 – Fatores de impacto correspondentes a percentis selecionados da


distribuição dos periódicos das áreas de Ciências Sociais e Humanas, 2012

Percentil Economia Administração Educação Geografia Direito


P25 0,193 0,240 0,160 0,090 0,130
P50 0,515 0,580 0,460 0,315 0,380
P75 1,130 1,230 0,940 0,733 0,870
P90 1,980 2,229 1,500 1,236 1,314
P95 2,833 3,170 2,052 1,787 1,701
Fonte: elaboração própria.

O Quadro 5 mostra a distribuição dos fatores de impacto para cinco áreas


selecionadas das Ciências Sociais e Humanas. O mesmo princípio discutido
anteriormente se aplicaria neste caso. Atualmente na base SCImago estão listadas
cinco revistas brasileiras de Administração, sete de Economia, três de Direito, seis de
Geografia e 18 de Educação. Destas, tomando por base os pontos de corte
apresentados na tabela, três seriam classificadas no estrato B5, 25 no estrato B4 e 11
no estrato B3, pois nenhuma delas apresenta fator de impacto acima do valor
mediano. Entretanto, uma vez que na atualidade os artigos produzidos na pós-
graduação brasileira não se destinam a essas publicações, seria necessário estabelecer
alguns critérios comuns que permitissem estipular a equivalência entre as
classificações das diferentes áreas. Por exemplo, para ser classificada no estrato A1, a
revista deveria estar indexada em pelo menos uma base bibliométrica, ter impacto
diferente de zero e ter artigos publicados em outra língua além do português. E assim,
sucessivamente, poderiam ser determinados critérios qualitativos para o
preenchimento de cada estrato. Se esses esforços, por um lado, restringem a
flexibilidade de cada área no estabelecimento de suas próprias regras, por outro,
poderiam contribuir para um sistema mais coeso e racional de avaliação.

10 DÉCIMO PONTO: USOS INDEVIDOS DO QUALIS PERIÓDICOS

O Qualis Periódicos, como anteriormente assinalado, é um dos instrumentos


utilizados na avaliação dos programas de pós-graduação, tendo sido introduzido
fundamentalmente para qualificar a produção bibliográfica sob a forma de artigos dos
mencionados programas. Há, no entanto, usos indevidos ou inadequados desse
instrumento, seja no processo de avaliação, seja em outros âmbitos da política
acadêmica ou científica.
Apesar das tentativas da Diretoria de Avaliação de estabelecer regras comuns,
nem todas as áreas do conhecimento fazem um uso adequado desse instrumento. A
intenção inicial de utilizar os estratos para efetivamente discriminar de forma
adequada os distintos tipos de produtos pode ficar seriamente comprometida se no
processo de construção os estratos não forem exaustivos e mutuamente exclusivos.
Além disso, a proposta original pressupunha que a produção seria avaliada por meio
da pontuação obtida pela multiplicação do número de artigos em cada estrato pelo seu
peso ou fator de ponderação. Assim, se em uma área for atribuído o peso 10 aos
artigos no estrato A1 e o peso 5 aos artigos no estrato B1, haveria equivalência entre

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um artigo A1 e dois artigos B1. Entretanto, nem todas as áreas vêm utilizando o
Qualis dessa forma, preferindo simplesmente comparar proporções de artigos nos
estratos superiores ou acima de um determinado estrato. Desse modo, os sete estratos
não são efetivamente utilizados.
Há, contudo, outros usos indevidos do Qualis fora do âmbito da avaliação dos
programas que deveriam ser evitados. Entre esses possíveis usos, três serão aqui
destacados: pelos editores científicos, pelos comitês de assessoramento do CNPq e
pelas próprias universidades ou institutos de pesquisa na avaliação de docentes e
pesquisadores. O uso da classificação do Qualis pelos editores científicos para
obtenção de fomentos e pelas agências para aprová-los é bastante discutível em se
tratando da competição entre periódicos dos diferentes campos científicos, na medida
em que as classificações são incomensuráveis, como anteriormente demonstrado. As
características da classificação com suas regras de proporções pré-fixadas para os
estratos superiores, e os diferentes critérios classificatórios usados pelas diferentes
áreas, além da possibilidade do recurso à indução ou sobrevalorização de
determinados periódicos, tornam seu uso como aferidor da qualidade do periódico,
fora do âmbito da avaliação de programas, bastante discutível. Um periódico pode ter
qualidade e atender a todos os critérios formais desejáveis, mas, por ser publicado em
português e receber poucas citações nas bases internacionais, estar classificado em um
estrato como B3 ou B4. Isso não significa que não deva receber o fomento adequado,
inclusive para superar essa situação, podendo, por exemplo, traduzir todos os artigos
para o inglês e, assim, aumentar sua probabilidade de receber citações.
Nas avaliações dos pesquisadores feitas pelos comitês assessores do CNPq
para a concessão de bolsas de produtividade, de auxílios diversos ou de fomento à
pesquisa, o uso do Qualis para avaliar a produção científica individual é bastante
incorreto e inadequado. Os comitês deveriam analisar detidamente os critérios usados
em cada área de avaliação e adaptá-los para as finalidades da avaliação da produção
individual. Diversas áreas, como, por exemplo, a Saúde Coletiva, classificam no
estrato B2 periódicos com impacto acima da mediana da área, portanto, todos os
artigos publicados em periódicos B2 ou superiores poderiam ser considerados de
qualidade equivalente. Tendo em vista as travas representadas pelas regras comuns da
classificação, o que diferencia os periódicos classificados nos quatro primeiros
estratos é apenas o valor dos indicadores de impacto, sem que, necessariamente, essas
diferentes quantitativas remetam a diferenças fundamentais na qualidade da pesquisa
publicada. Muitas vezes, a diferença tem mais a ver com o tema da pesquisa do que
com a qualidade intrínseca, dados os diferentes padrões de citação observados nas
subáreas de um mesmo campo científico. Do ponto de vista das avaliações do CNPq
para a área de Saúde Coletiva, por exemplo, faria mais sentido separar os artigos
usando apenas três estratos do Qualis, e não os sete originais. Os artigos publicados
em periódicos classificados nos estratos B2 a A1 formariam um grupo, aqueles
publicados em periódicos dos estratos B3 e B4 formariam outro grupo, e o terceiro
seria formado pelos artigos publicados em periódicos do estrato B5.
As mesmas limitações apontadas para a avaliação da produção individual dos
pesquisadores se aplicam à avaliação da produção docente para fins de promoções na
carreira acadêmica ou para definição de incentivos financeiros definidos pelas
universidades e outras instituições de ensino superior. Os comitês acadêmicos
encarregados dessas avaliações teriam de adaptar o Qualis de cada uma das áreas de
avaliação antes de aplicá-lo indiscriminadamente. Nesse caso em particular, como as
avaliações, muitas vezes, implicam a comparação entre as diferentes unidades

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acadêmicas, o problema se torna ainda maior exatamente pela incomensurabilidade
das classificações.

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como todo instrumento de classificação utilizado em processos avaliativos, o


Qualis Periódicos apresenta uma série de vantagens, mas traz também uma série de
dificuldades e problemas. Há margem para vários desenvolvimentos dessa ferramenta,
tornando-a mais apropriada para a finalidade que motivou sua criação.
E, para que esse processo de desenvolvimento e aprimoramento ocorra, é
necessário que exista melhor compreensão sobre os diferentes aspectos envolvidos.
Em primeiro lugar, é preciso compreender os motivos e os pressupostos por trás do
instrumento. Em segundo lugar, é essencial ter clareza sobre os princípios
classificatórios adotados. Em seguida, é necessário combinar diferentes fontes de
informação e indicadores de impacto, buscando minimizar as limitações inerentes a
cada um, e, finalmente, é importante desenvolver um sistema que permita a
comparação entre diferentes áreas e elimine as contradições atualmente existentes no
sistema.

Ten things you should know about the Qualis


Abstract
This article aims to address ten key points to understand the Qualis (classification of
journals) and thus answer questions that are often presented to area coordinators by
scientific editors, teachers and students of graduate programs. The questions will be
presented in order to clarify aspects applicable to all areas of evaluation whenever
possible. Some particular aspects will build on the experience of Public Health area.

Keywords: Scientific Production. Graduate Course Evaluation. Journals


Classification. Assessment Tools.

Diez cosas que vosostros debeis saber acerca del Qualis


Resumen
Este artículo trata de abordar diez puntos clave para entender el Qualis periódicos y
así responder a las preguntas que a menudo se presentan a coordinadores de área por
editores científicos, profesores y estudiantes de los programas de postgrado. Los
tópicos se presentarán a fin de aclarar los aspectos aplicables a todos los ámbitos de la
evaluación siempre que sea posible. Algunos aspectos particulares se basarán en la
experiencia de la área de Salud Colectiva.

Palabras clave: Producción Científica. Evaluación de Posgrados. Clasificación de


Periódicos Científicos. Herramientas de Evaluación.

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Notas
* Doutora em Medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo (USP) e
professora-adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo,
São Paulo, SP, Brasil. E-mail: rita.barradasbarata@gmail.com.

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In: LIMA, N. T.; SANTANA, J. P.; PAIVA, C. H. A. (Eds.) Saúde Coletiva: a
ABRASCO em 35 anos de história. Rio de Janeiro: Fiocruz/Abrasco, 2015

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BARATA, R. B. Diferenças entre as medidas do índice h geradas em distintas fontes
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bibliometrics: the statistical analysis of distributions, percentil rank classes and top-
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WEBQUALIS CAPES. Disponível em: <www.sucupira.capes.gov.br>. Acesso em:


out. 2015.

Recebido em 28/03/2016
Aprovado em 27/06/2016

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DIREITO & JUSTIÇA
A revista da Escola de Direito da PUCRS

e-ISSN: 1984-7718 DIREITOS FUNDAMENTAIS | BIODIREITO

Direito Fundamental à vida e o Princípio da Autonomia da Vontade: uma visão


histórica diante das práticas abortivas

Fundamental right to life and the principle of autonomy of will: an historical view
forward practices abortifacient

BAEZ, Narciso Leandro Xavier


Stephani Elizabeth Steffen

DOI: 10.15448/1984-7718.2016.2.24691

RESUMO: A presente pesquisa versa sobre o direito fundamental à vida e o princípio da


autonomia da vontade no ordenamento jurídico brasileiro, em que faz referência a uma
discussão em face do aborto analisado sob uma perspectiva histórica. Os estudos realizados
têm por objetivo dissertar de forma breve sobre o significado e entendimentos doutrinários
do direito fundamental a vida e do princípio da autonomia da vontade. Pretende-se também
explicar quais são as espécies de abortos permitidos e proibidos no ordenamento jurídico
pátrio, bem como sua história e alterações através dos tempos. Ainda, desenvolver a
discussão sobre a prática do aborto no direito pátrio diante dos direitos supramencionados.
Entre os pressupostos mencionados e destacados estão o direito fundamental a vida, o
princípio da autonomia da vontade, e o instituto do aborto analisados em consonância com
o princípio da dignidade humana que é o pilar da Constituição Federal.
Palavras-chave: Direito Fundamental a Vida; Princípio da Autonomia da Vontade; Aborto.

ABSTRACT: This research is about the fundamental right to life and the principle of freedom
of choice in the Brazilian legal system, which refers to a discussion in the face of abortion
analyzed from a historical perspective. The studies aim to expound briefly on the meaning
and doctrinal understanding of the fundamental right to life and the principle of freedom of
choice. It also intends to explain what kinds of allowed and prohibited abortions in the

Coordenador Acadêmico-Científico do Centro de Excelência em Direito e do Programa de


Mestrado em Direito da Universidade do Oeste de Catarina; Pós-Doutor em Mecanismos de
Efetividade dos Direitos Fundamentais pela Universidade Federal de Santa Catarina; Doutor em
Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá, com estágio bolsa
PDEE/Capes, no Center for Civil and Human Rights, da University of Notre Dame, Indiana, Estados
Unidos; Mestre em Direito Público; Especialista em Processo Civil; Juiz Federal da Justiça Federal
de Santa Catarina. Email: baez@gmail.com .
Graduanda em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC Chapecó. Bolsista
FAPE do Programa Mestrado em Direitos Fundamentais. Contato: sthesteffen@gmail.com .

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 255

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Brazilian legal system, as well as its history and changes over time. Still, developing the
discussion on the practice of abortion in parental rights on such rights. Among those
mentioned and highlighted assumptions are the fundamental right to life, the principle of
freedom of choice, and abortion institute analyzed in line with the principle of human dignity
which is the pillar of the Constitution..
Keywords: Fundamental Right to Life; Principle of Freedom of Choice; Abortion.

INTRODUÇÃO
A presente pesquisa tem por base examinar mesmo que de forma sucinta o
direito fundamental à vida e o princípio da autonomia da vontade, tendo como
balizador o princípio da dignidade humana, tratando todos os direitos expressos e
implícitos na Constituição Brasileira de 1988 com o mesmo grau de hierarquia, ou
seja, verticalizados.
O estudo norteia-se pelo instituto do aborto, tema bastante controverso e
polêmico, enraizado culturalmente nas sociedades desde a antiguidade sob
diferentes aspectos. Embora a legislação brasileira venha evoluindo em que pese
alguns posicionamentos no que tange ao direito fundamental à vida e o princípio da
autonomia da vontade, no entanto ainda atrelados a tabus que não mais condizem
com a sociedade contemporânea.
Diante da vasta bibliografia produzida a respeito desses temas e das
diferentes vertentes teóricas que problematizam os assuntos, sem, no entanto,
alcançarem consenso, adota-se a postura científica de simplificar a sua abordagem,
dividindo-a em partes.
Primeiramente estudam-se o conceito de direitos fundamentais, para tanto,
analisa-se os direitos e princípios fundamentais, mais especificamente o princípio da
dignidade humana, seus entendimentos sob o enfoque doutrinário. Além disso,
aborda-se o direito fundamental a vida e o princípio da autonomia da vontade. Após,
disserta-se a respeito do instituto do aborto, tanto do ponto de vista histórico,
filosófico quanto jurídico, para enfim verificar a tutela jurídica do direito
fundamental à vida e do princípio da autonomia da vontade diante das práticas
abortivas.
O aporte teórico deste estudo pauta-se na pesquisa bibliográfica,
consubstanciada na leitura crítica de obras doutrinárias e julgados do Supremo
Tribunal Federal, utilizando-se da abordagem qualitativa para a consecução dos

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 256

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objetivos propostos.

1 DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA E O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE:


ASPECTOS CONCEITUAIS
A grande problemática do direito fundamental à vida refere-se
principalmente ao conflito de interesses e consequentemente a colisão de princípios,
pois embora o direito a liberdade, autonomia da vontade e o direito à vida estejam
dispostos na Constituição Pátria com o mesmo grau de hierarquia existe
entendimentos que o direito à vida possua uma valoração superior e por vezes
inferioriza o direito a autonomia da vontade do indivíduo, ou seja, o direito a
liberdade da pessoa.
Visto sob uma perspectiva histórica os direitos fundamentais sempre
estiveram ligados ao aspecto político de cada sociedade tendo por principal objetivo
romper com a ideia de poderes ilimitados do Estado (GALINDO, 2003) buscando a
proteção do indivíduo, ou seja, a autonomia do cidadão em face do governo
restringindo assim sua intromissão na vida social (THEODORO, 2002).
Assim, os direitos fundamentais se tornaram basicamente instrumentos de
efetividade e garantia de concretização de uma vida digna tendo em vista que o fato
de existirem em inúmeras constituições ao redor do mundo contribuiu para a
concretização dos direitos humanos, bem como possibilita por meio de ações
judiciais devido à vinculação do Estado a defesa contra arbitrariedades. Portanto, os
direitos fundamentais são a positivação dos direitos humanos dentro de cada Estado
tendo por objetivo a realização da dignidade da pessoa humana (BAEZ, 2010).
A dignidade da pessoa humana foi consagrada como condição de
fundamento do nosso Estado Democrático (SARLET, 2012), considerada como um de
seus sustentáculos (PEIXINHO, 2003), sendo a Constituição Federal de 1988
entendida por excelência como garantidora desse instituto tido como elemento
basilar e informador dos direitos e garantias fundamentais (SARLET, 2012).
Hodiernamente, a tese sobre a dignidade da pessoa humana desenvolvida
por Immanuel Kant (1980) é referência para a maioria dos doutrinadores, nela Kant
afirma que o ser humano por ser possuidor de razão possui autonomia da vontade,

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 257

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se autodetermina, dessa forma vive de acordo com as leis que ele mesmo produz
sendo um fim em si mesmo o que o diferencia dos seres irracionais que apenas
servem como meio sendo considerados como meras coisas. O fato de possuir
dignidade impede substituição, logo não possui valor.
Dessa forma, o ser humano por ser possuidor de razão e detentor de
autonomia de vontade, consciente de seus atos possui dignidade, diferentemente de
seres irracionais tratados como meras coisas, objetos, ou seja, passíveis de
substituição, coisificação. Dito isso, percebe-se que a dignidade está acima de
qualquer preço, sendo exclusiva ao ser humano (BAEZ, 2010), e não somente por sua
condição humana, mas pelo fato de viver de acordo com seus próprios parâmetros e
decisões (COMPARATO, 2003).
O direito à vida é característico dos direitos de personalidade, sendo
indisponível pelo fato de ser direito à vida e não direito sobre a vida, bem como um
direito de ordem negativa, pois não se pode dispor da vida com ou sem
consentimento, sendo de valor supremo tutelado pelo Estado (Ó CATÂO, 2004).
Considerado também um direito de primeira dimensão1, nasceu com o advento das
revoluções francesas e norte-americanas, onde a burguesia reclamava por liberdades
individuais bem como a limitação dos poderes tidos pelos governos absolutistas.
Mas a proteção do direito à vida começou a ser realmente vista e tutelada
com maior rigor com o advento da Segunda Guerra Mundial, a partir de todas as
atrocidades e desrespeitos cometidos nos campos de concentração nazista, gerando
assim a consciência da proteção da dignidade humana a qualquer custo (PIOVESAN,
2011).
A Organização das Nações Unidas - ONU órgão criado com o intuito de
celebrar e promover internacionalmente a paz e a segurança mundial teve como
precursora a Liga das Nações estabelecida em 1919 durante a Primeira Guerra
Mundial que possuía previsões genéricas relativas a Direitos Humanos, embora
somente com a ONU em meados do século XX que ocorreu a verdadeira

1
Direitos fundamentais de Primeira Dimensão são os direitos conquistados pelo indivíduo em face do
Estado, consagrados no período do liberalismo e implantados nas primeiras constituições. Os Direitos
contemplados são: direito a vida, direito a liberdade, direito a propriedade e igualdade formal.
(GALINDO, 2003)

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 258

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consolidação dos Direitos Humanos. Seu principal instrumento, a Declaração


Universal dos Direitos Humanos estabeleceu no Art. III “que toda pessoa tem direito
à vida, à liberdade e à segurança pessoal”. A partir disso, diversos pactos e tratados
foram firmados em todo o mundo (PIOVESAN, 2011).
O Brasil no que tange a proteção ao direito à vida somente trouxe
especificamente positivado no texto constitucional de 1988 na chamada Constituição
Cidadã, que prevê no artigo 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida”, bem como dos demais direitos que dela
nascem (SARLET, 2012). O direito à vida foi inserido no rol dos direitos fundamentais,
assumindo posição de valor superior em relação aos demais direitos de acordo com
diversos doutrinadores, assegurando desta forma não só o direito à vida dos
nacionais como também dos estrangeiros, e dos seres humanos de forma geral.
Dentre as sete constituições do Brasil, a constituição de 1988, foi pioneira
no que diz respeito a Direitos Humanos, embora as demais Constituições não
trouxessem expressamente à proteção a vida, esta era tida como inata, pois
indiretamente se referia nas leis infraconstitucionais, assim passou a sua positivação
diretamente no texto constitucional em 1988 para que não houvesse mais dúvidas
da posição do país em que pese à dignidade humana e o respeito ao próprio ser
humano. A partir de então as monstruosidades da Segunda Guerra Mundial e os
trinta anos de ditadura que o Brasil havia acabado de “superar” ficariam para trás de
acordo com o novo texto constitucional.
Enquanto que a idéia de liberdade tornou-se mais forte com o advento da
revolução francesa ocorrida em 1789 em que o povo passa a se autodeterminar,
exercer sua autonomia da vontade sob a forma de legislar suas próprias leis e assim
findando uma era dos governos despóticos (BOBBIO, 1992).
Kant (2004) desde a revolução francesa defende a tese da
autodeterminação, onde o princípio da autonomia da vontade é a capacidade que
somente os seres racionais têm de se auto-determinar e agir de acordo com a
representação de certas leis, visto ser um princípio norteado pela dignidade da
natureza (SARLET, 2011). Assim, acredita que a verdadeira finalidade do Estado é dar

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 259

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liberdade ao seu povo, para que com ela busque sua felicidade plena (BOBBIO,
1992). Nesse sentido menciona que o homem é um fim em si mesmo não podendo
ser coisificado, sendo um fim e não um meio, pois não possui um preço, possuindo
assim dignidade.
De acordo com Berlim (1981), muitas são as perspectivas que a ideia de
liberdade pode trazer, a liberdade individual pode ser considerada como conclusiva e
de acordo com essa tese ninguém poderia simplesmente retirá-la por ser intrínseca,
visto de forma adaptada como liberdade institucional que prevê a máxima de não
trate os outros como não gostaria de ser tratado, considerada como uma das bases
da moralidade liberal, e dessa forma a liberdade institucional é considerada como
um dos objetivos do homem.
A liberdade em si, apresenta-se num primeiro momento em uma dicotomia:
liberdade interna e liberdade externa. A primeira é subjetiva, a liberdade moral, é o
livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no mundo interior do homem,
a outra liberdade é objetiva, e consiste na reprodução externa do querer pessoal, é a
liberdade de poder fazer, mas esta liberdade implica o afastamento de obstáculo ou
coações, de modo que o homem possa agir livremente (SILVA, 2002).
A liberdade só existe, sempre e onde quer que se aproveite a oportunidade
de auto-realização, adquirindo forma na conduta efetiva dos homens. Portanto, a
principal ideia consiste em eliminar toda espécie de coação que se oponha no
caminho da liberdade. Nada deve restringir a auto-realização do homem no aspecto
de sua vida, restando apenas à sociedade preservar seus principais interesses em
prol da coletividade (DAHRENDORF, 1981).
A liberdade não pode ser conceituada por fórmulas simples ou conceitos
anárquicos, mas pelo estudo dos limites e das condições que, num campo e numa
situação determinada, podem tornar efetiva e eficaz a possibilidade de auto-
realização do homem. Laski (1934) afirma que por liberdade pode-se entender como
a ávida manutenção daquela atmosfera através da qual os homens têm
oportunidade de ser o melhor de si.2

2
“By liberty I mean the eager maintenance of that atmosphere in which men have opportunity to be
their best selves.”

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Sarmento (2005) exara que “É certo que a autonomia privada recebe


proteção da ordem constitucional, também está fora de dúvida que, dentro do
quadro axiológico delineado pela Constituição de 1988, essa tutela não é uniforme,
sendo muito mais intensa no plano concernente às escolhas existenciais da pessoa
humana do que no campo da sua vida patrimonial e econômica. Por outro lado,
considerando a noção de pessoa subjacente à ordem constitucional brasileira, é fácil
inferir que a proteção da autonomia privada, em cada caso, não pode prescindir de
considerações a propósito das condições efetivas de liberdade do sujeito de direito
no mundo da vida”.
O Ordenamento jurídico brasileiro prestigia o direito a liberdade no inciso X
do artigo 5º da Constituição Federal em que menciona que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, dessa forma,
autorizando as pessoas como seres individuais a se auto-reger, com poder de
decisão sobre suas próprias vidas.
Portanto, conforme explanado por Sarmento (2005) “Não cabe ao Estado, a
qualquer seita religiosa ou instituição comunitária, à coletividade ou mesmo à
Constituição estabelecer os fins que cada pessoa humana deve perseguir, os valores
e crenças que deve professar, o modo como deve orientar sua vida, os caminhos que
deve trilhar. Compete a cada homem ou mulher determinar os rumos de sua
existência, de acordo com suas preferências subjetivas e mundividências,
respeitando as escolhas feitas por seus semelhantes, pois os particulares são
titulares de uma esfera de liberdade juridicamente protegida, que deriva do
reconhecimento da sua dignidade”.
Dessa forma, basta percorrer e analisar com a mínima atenção a
Constituição de 1988 para verificar que a liberdade que ela pretende assegurar não é
a mera liberdade formal ou negativa, circunscrita à ausência de constrangimentos
externos ao comportamento dos agentes. Pois, é flagrante no discurso constitucional
a preocupação com a efetividade da liberdade, e com a garantia das condições
materiais indispensáveis ao seu exercício, o que se evidencia diante do generoso
preâmbulo, do amplo rol de direitos sociais consagrado, e ainda dos princípios

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norteadores da ordem econômica e da ordem social brasileira acolhido pelo


constituinte (SARMENTO, 2005).
Mas poder ponderar entre o direito à liberdade, autodeterminação,
autonomia das escolhas frente ao também direito fundamental, o direito à vida é
demasiadamente complicado. Tendo em vista que o direito à vida é bastante
difundido na legislação vigente e aos poucos supera a ideia do divino ou do
entendimento do direito a vida como algo intocável, faz-se necessário o
entendimento que o princípio da inviolabilidade à vida tornou-se insuficiente e o ser
humano cada vez mais governa sua vida com autodeterminação, sendo autor e
responsável de sua própria existência, dessa forma usufruindo do seu direito de
autonomia (JUNGES, 2005).

2 ABORTO: UMA VISÃO HISTÓRICA


A palavra aborto tem origem no latim abortacus, derivado de aboriri
(perecer), e oriri (nascer). Significa a interrupção do processo natural de gestação,
resultando em morte pré-natal da vida humana intra-uterina (SILVA , 2002).
Conforme ensina Hungria (1955), a prática do aborto nem sempre foi
criminalizada, pois era comum nas civilizações gregas e hebraicas. De acordo com a
lei das XII tábuas na Roma antiga, o produto da concepção era considerado somente
como parte integrante do corpo da mulher onde ela poderia dispor conforme sua
vontade. Após, com os imperadores Adriano, Constantino, e Teodósio, a partir do
cristianismo é que o aborto passou a ser reprovado por ser uma lesão ao direito do
marido em que pese sua descendência.
Na idade média o teólogo Santo Agostinho com base na doutrina de
Aristóteles datada do século XIII, que considerava o aborto justificável, o considerava
crime apenas quando o feto tivesse recebido alma, o que se julgava correr quarenta
ou oitenta dias após a concepção segundo se tratasse de varão ou mulher “quod
hominem e quod feminam”, não considerando criminoso o aborto praticado antes do
decurso de tais períodos. A Igreja católica passou a adotar tal tese, mas após com os
conhecimentos biológicos e falta de certezas oferecida pela ciência, passa-se a

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considerar aborto a destruição do embrião, pois era já considerado sagrado


(WARNOCK , 2004).
Muito embora essa prática fosse corroborada na Grécia antiga pela grande
maioria de pensadores, sendo utilizado em grande escala, Hipócrates 460 a.C,
considerado o pai da medicina era severamente contra a qualquer médico ensinar
ou fornecer ajuda para práticas abortivas (ALMEIDA, 2000), legado esse deixado em
seu juramento difundido até os dias atuais.
Assim, com o passar dos tempos, o aborto foi sendo muito discutido na
sociedade contemporânea, onde diversas nações optaram por sua regulamentação
cada qual com suas peculiaridades, tais como os Estados Unidos, França, Itália,
Alemanha, Portugal, Espanha entre diversos outros enquanto outros se mantêm
terminantemente contra como o Chile (SARMENTO, 2007).
Roxin aduz sobre o fato de países como a Alemanha ser favorável a prática
do aborto em fetos que apresentam severas lesões hereditárias, dessa forma não
obrigando coercitivamente a genitora a suportar os encargos devidos aos problemas
ocasionados pelas deficiências do feto. O Brasil por sua vez é severamente contrário
a essa perspectiva (ROXIN, 2008).
Apesar de figurar entre as nações contrárias a prática, admite algumas
exceções, muito embora possua uma das legislações mais severas do mundo, sendo
tratado na legislação brasileira desde o Código Criminal de 1830. O auto-aborto não
era previsto como crime nem se atribuía à mulher qualquer atitude criminosa pelo
consentimento para o aborto praticado por terceiros, sendo o bem tutelado a
segurança da pessoa e da vida. Dessa forma veio o código de 1890, derrogando o
anterior e trazendo como conduta tipificada o auto-aborto, mas somente em 1940
com atual Código que nos rege que o legislador deixou o tema mais claro e
específico (SARMENTO, 2007).
O referido Código Penal do Império de 1890 então ampliou a imputabilidade
do crime de aborto punindo o auto-aborto, embora nos casos de desonra não fosse
tão rígido, pois ainda era visto como meio de ocultar desonra própria. A grande
importância desse código foi à introdução da noção de aborto legal ou necessário,
usado em casos onde não houvesse outro meio de salvar a vida da gestante.

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As espécies de aborto permitidas no ordenamento jurídico brasileiro,


previstas como excludente de ilicitude são o aborto intitulado terapêutico que
ocorre quando a vida da gestante corre risco de morte e o Aborto Humanitário,
também chamado de sentimental sendo outro caso de excludente de ilicitude. Essa
modalidade de aborto surgiu quando alguns países da Europa, na Primeira Guerra
Mundial tiveram suas mulheres violentadas por invasores, diante da indignação
patriota, criou-se a figura do aborto sentimental, para que essas mulheres não
fossem obrigadas a carregar no ventre os filhos de seus agressores.
Nos casos previstos como excludentes de ilicitude a mulher pode optar pelo
aborto ou não, somente nos casos de aborto por motivo de estupro que são exigidos
alguns requisitos tal como se a progenitora for menor de idade ou incapaz o
consentimento dar-se-á por seu representante legal. Nos casos de violência sexual, a
realização do aborto é praticada pela rede pública de saúde com a apresentação do
boletim de ocorrência juntamente com a declaração da gestante (BRAUNER, 2003).
Recentemente pacificado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da ADPF-
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 que alega ofensa à
dignidade humana da mãe, que se vê obrigada a carregar no ventre um feto que não
teria condições de sobreviver após o parto, pois a tese adotada pelo relator consiste
na má formação do tubo neural, caracterizando-se pela ausência parcial do encéfalo
e do crânio, resultante de defeito no fechamento do tubo neural durante a formação
embrionária. Dessa forma, segundo a ciência médica, causa-se morte em 100% dos
casos, o feto se alcançar o final da gestação, sobrevive minutos ou dias no máximo,
visto que para o direito é um natimorto cerebral (STF, 2012).
O voto do relator trouxe como dado relevante o fato do Brasil figurar em
quarto colocado em que pese casos de fetos anencefálicos, ficando atrás apenas do
Chile, do México e do Paraguai, alem de trazer o direito à vida não como um direito
intocável e absoluto, mas sim, ganhando contornos mais amplos e atraindo proteção
estatal de forma mais intensa, a medida que ocorre o seu desenvolvimento (STF,
2012).
Visto que não se coaduna com o princípio da proporcionalidade proteger
apenas um dos seres da relação, privilegiar aquele que, no caso da anencefalia, não

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tem sequer expectativa de vida extra-uterina, aniquilando, em contrapartida, os


direitos da mulher, sendo que o resultado final será a morte do feto, indo de
encontro aos princípios basilares do sistema constitucional, mais precisamente à
dignidade da pessoa humana, à liberdade, à autodeterminação, à saúde, ao direito
de privacidade, ao reconhecimento pleno dos direitos sexuais e reprodutivos de
milhares de mulheres (STF, 2012).
O ato de obrigar a mulher a manter a gestação, colocando-a em uma
espécie de cárcere privado em seu próprio corpo, desprovida do mínimo essencial de
autodeterminação e liberdade, assemelha-se à tortura ou a um sacrifício que não
pode ser pedido a qualquer pessoa ou dela exigido (STF, 2012).
Em 1994, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento
realizada no Cairo o aborto foi considerado como um grave problema de saúde
pública, e em 1995 na Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em
Beijing, adotou-se a recomendação que fosse revista às leis que punem as mulheres
que recorrem à interrupção voluntária da gravidez, sendo importante frisar que o
Brasil é signatário sem reservas de ambos os programas implantados nas
conferências. Dessa forma é nítido que o Brasil está violando direitos humanos
internacionalmente protegidos (PIOVESAN, 2007).
Visto que devido a estas conferências a comunidade internacional por meio
dos comitês da ONU sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, sobre a
Eliminação da Discriminação contra a Mulher e sobre Direitos Humanos
recomendaram ao Brasil uma revisão na legislação vigente para que possam garantir
os direitos inerentes às mulheres e que principalmente passem a tratar a entidade
do aborto como um grave problema de saúde pública (PIOVESAN, 2007).
Visto isso, é propício que se discorra sobre a tutela jurídica do direito
fundamental à vida e do princípio da autonomia da vontade diante das práticas
abortivas, analisando os aspectos tanto dos direitos dados as mulheres quanto o
direito a vida do embrião/feto, onde busca-se enfim encontrar alternativas para que
todos os interessados tenham seus direitos assegurados.

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3 A TUTELA JURÍDICA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA E OS LIMITES DO


PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DIANTE DAS PRÁTICAS ABORTIVAS
A vida é tratada e entendida por diversas perspectivas nas mais diversas
civilizações, bem como divergente dentro de uma mesma sociedade ao ponto de
proteger o embrião fecundado no corpo da genitora com extrema rigidez ou
simplesmente ser favorável ao aborto até o momento do nascimento. Ocorre, que a
simbiose no corpo da mãe pode vir a gerar colisões de interesse que somente serão
resolvidas por meio de ponderações (ROXIN, 2008).
Embora a vida intrauterina goze de proteção constitucional o grau de sua
intensidade é menor em comparação ao nascituro, mas é percebido que a proteção
dada desde o embrião aumenta consubstancialmente ao passo de seu
desenvolvimento, portanto não se equipara a vida intrauterina e a extrauterina
(SARMENTO, 2007).
O Código Penal Brasileiro não se preocupou necessariamente com uma
expressa posição referente ao início da vida, portanto é possível sustentar em tese
diversos posicionamentos, tais como o entendimento que o embrião não pode gozar
da mesma proteção que um homem já nascido, bem como nos casos de embriões
que se encontram extra uterinamente, casos esses crescentes hodiernamente
(ROXIN, 2008).
Ó Catão (2004) diz que o direito a vida propriamente dito está condicionado
ao nascimento com vida, sendo que o nascituro apenas possui uma mera expectativa
de direito à vida. Dessa forma ao analisar a diferença entre “vida humana e pessoa
humana” ao passo que são dois institutos diferentes, vê-se que o embrião é humano,
pois pertence à espécie homo sapiens sendo dotado de identidade própria e mesmo
dentro da gestante é um ser único, mas ainda não é pessoa, somente em potencial,
com seus direitos tutelados, mas não podendo ser equiparado ao tratamento dado à
pessoa (SARMENTO, 2007).
Sarmento (2007) acrescenta que esta visão intermediária que reconhece os
direitos dados à vida intrauterina atribuindo a ela proporção ligeiramente inferior à
dada a extra-uterina é amplamente aceita em que pese às demais Nações, sendo

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praticado por diversos tribunais inclusive estando em harmonia com a ordem


constitucional brasileira, visto que acima de tudo possui respaldo científico.
Importante ressaltar que esta é a análise de apenas um dos lados em suas
diversas perspectivas, mas quando entra-se no mérito do direito à vida em si, é
perceptível que inúmeros outros direitos fundamentais são afetados. Feriria o direito
a saúde da mulher, obrigá-la a conviver com o fruto traumático de um estupro ou
com a gravidez de anencéfalo que não teria chances de sobrevivência pós-útero,
seria um natimorto visto do ponto de vista jurídico.
A grande questão versa sobre se o feto tem direito intrínseco a vida ou não
e se a mulher grávida possui direitos menos relevantes em comparação, pergunta
esta extremamente complicada, tendo em vista o fato de ter-se interiorizado a ideia
de que tirar uma vida é algo ruim ou mau, mesmo embora no caso concreto não seja
ruim. Assim, acredita-se que mesmo que o feto não tenha direitos ou interesses eles
não podem de forma alguma ser violados, ou seja, acredita-se verdadeiramente na
ideia que a vida é sagrada independentemente de qualquer coisa (DWORKIN, 2009).
Para uma possível resolução desse impasse, Roxim admite duas hipóteses
que denomina como "solução de indicações" e "solução de prazo". Em princípio as
"solução de indicações" são entendidas como havendo punibilidade para o aborto,
contudo, pode vir a ser justificado e impunível desde que realizado por um médico a
requerimento da gestante baseado em situações como perigo de vida à gestante,
gravidez decorrente de abuso sexual entre outros. Enquanto, a "solução de prazo"
permite dentro de determinado prazo, geralmente um lapso temporal de três meses
a requerimento da mãe interromper a gestação sem qualquer justificativa, muito
embora após esse prazo somente com prescrição médica (ROXIN, 2008).
Cabe mencionar que as divergências entre a proibição e a liberação do
aborto basicamente são fundadas em valores morais, filosóficos e, sobretudo
religiosos e no que se refere ao direito à vida, necessário se faz questionar os direitos
do indivíduo de forma ampla, pois todos de forma geral são tutelados igualmente
pelo Estado, mas ao passo que exista uma busca de obrigar este sem considerar os
demais vieses, perde-se o princípio basilar da igualdade, isto levando em

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consideração o que move tal conduta, se é exclusivamente por razões públicas ou se


deixar ser afetada por questões externas como a religiosa (SARMENTO, 2007).
Na Alemanha, por exemplo, o aborto deve ser realizado por médico a
requerimento da gestante no lapso temporal de 12 semanas desde a concepção,
tendo sido submetida a orientação da "repartição de aconselhamento em casos de
conflitos na gravidez" em pelo menos três dias anteriores a cirurgia. Esse
aconselhamento tem um viés de encorajamento a gestante com o propósito de
manter a gestação responsável e consciente, entendendo que a decisão final só cabe
a ela (ROXIN, 2008).
Roxim (2008) assevera que os interesses vitais da mulher devem prevalecer
sobre os do embrião,mas que de qualquer forma o Tribunal constitucional alemão
peca no mundo dos conceitos jurídicos, pois admitir um aborto até os três primeiros
meses de gestação trata-se de unilateralidade, além de fazer referência apenas a
realidade do ponto de vista social, embora a solução do aconselhamento traga do
ponto de vista prático maior efetividade, muito embora uma mulher decidida a um
aborto possivelmente não retroagirá.
O embrião tanto do ponto de vista brasileiro quanto do alemão é similar,
pois é protegido somente contra o homicídio doloso, por meio da incriminação do
aborto. Tendo em vista que o momento específico do nascimento não é tratado com
exclusividade pelo direito brasileiro sendo apenas registrado no Código Civil com a
menção ao nascimento com vida, enquanto a Alemanha aduz já no início do
nascimento com as dores do parto, com isso, entende-se que lesões provocadas
esporadicamente durante o processo de nascimento deixariam de ser puníveis caso
fossem entendidas como conduta culposa (ROXIN, 2008).
Em que pese os direitos encontra-se de um lado a sociedade buscando
proteger a todos que nela façam parte, independente se for de forma subjetiva com
mera expectativa de vida ou de outros direitos das mulheres e seus interesses reais
devendo ser respeitada sua dignidade. Dessa forma encontra-se o conflito de
inúmeros direitos fundamentais envolvendo a dignidade humana, o usufruto da vida,
a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 268

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individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos de milhares de


mulheres (STF, 2012).
Dessa forma se faz necessário o entendimento que em nenhuma hipótese
um direito fundamental deve suprimir outro numa colisão, isso porque os princípios
não são eliminados como as normas que estão em desacordo com o ordenamento
jurídico. E com base nisso se entende que se deve sacrificar o mínimo para que o
máximo de direitos fundamentais possa vigorar (FREITAS, 2005).
Portanto, a liberdade e a igualdade, direitos estes tidos como fundamentais
são condições de convivência dos demais valores inexistindo hierarquia entre eles,
dessa forma devem ser vistos e usados como vetores para uma vida digna para todos
e não somente para os que compartilham dos mesmos pressupostos (STF, 2012).
Com isso, nota-se que o direito a vida e o direito a autonomia do corpo da
mulher dentre os outros princípios atingidos entram em colisão quando o tema do
aborto é iniciado, mas visto que esses princípios podem ser sopesados aplicando o
princípio da proporcionalidade buscando uma ponderação em que o resultado possa
ser visto em análise ao caso fático e jurídico trazendo uma maior justiça para os
interessados, visto que na seara da vida tudo está em constante desenvolvimento e
ocorrem mudanças instantâneas não podendo permanecer reféns de um direito ou
reféns de um direito estático.
Com isso o direito de forma alguma deve manter-se engessado visto a
medida da complexidade da sociedade que diverge muito da estabelecida pelo
código penal de 1940. Logo, não se aconselha manter o direito à vida como um
direito intocável, mas admitir a harmonização dos direitos fundamentais de acordo
com o princípio da dignidade humana.

CONCLUSÃO
Embora a Constituição Federal ratifique a posição nacional no que tange ao
direito à vida como direito fundamental, nota-se que o direito a liberdade e em
consequência a autonomia da vontade também direito fundamental mantém-se em
constante colisão ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo este
norteador da legislação brasileira.

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A sociedade de forma geral continua sofrendo modificações, mudando


valores, o que é percebido claramente em que pese à entidade do aborto que
deveras foram às alterações sobre suas possibilidades, tanto de cunho filosófico,
religioso, social ou jurídico. E não pode-se deixar de mencionar que o Código Penal
vigente é datado do ano de 1940, deixando assim a letra da lei mais dura e em
descompasso com a realidade social. Bem como, considerando o fato do aborto não
ser novidade na contemporaneidade possuindo registros de sua prática nas mais
longínquas civilizações.
Ressalta-se ainda o fato do Brasil ser signatário de tratados internacionais
de proteção às mulheres e violá-los constantemente, apesar das recomendações dos
órgãos competentes que solicitaram uma legislação mais branda e adequada de
acordo com a realidade atual que levasse em consideração o problema social
vivenciado.
Logo, não se trata de ser favorável ou estar em desacordo com a prática do
aborto, se trata da possibilidade de ponderação entre os princípios fundamentais em
que passe a ser analisado e respeitado o direito de todos os envolvidos de acordo
com sua relevância, sem negligenciar o princípio da dignidade humana em favor de
tabus ou preceitos religiosos, entendendo que ter direito a uma vida digna é não a
proteção concedida à vida do embrião, mas também os direitos das mulheres em
todas as suas concepções respeitando o ideário de um Estado laico e pluralista.

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WARNOCK, B. A ética reprodutiva e o conceito filosófico do pré-embrião. In; GARRAFA, V; PESSINI, L


(Org.). Bioética: Poder e Injustiça. São Paulo: Edições Loyola. 2004.

COMO CITAR ESTE ARTIGO


BAEZ, N. F. X.; STEFFEN, S. E. Direito Fundamental à vida e o Princípio da Autonomia da Vontade: uma
visão histórica diante das práticas abortivas. Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, p. 254-272,
jul./dez. 2016.

Exceto onde especificado diferentemente, a matéria publicada neste periódico é licenciada sob forma
de uma licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional.

Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 24691. 272

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


DIREITO E LINGUAGEM: OS ENTRAVES
LINGUÍSTICOS E SUA REPERCUSSÃO NO
TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL

Daniel Roepke Viana*


Valdeciliana Da Silva Ramos Andrade**

Resumo: A pesquisa aborda a relação entre Direito e Linguagem,


visto que a linguagem se materializa por meio da palavra que é a
ferramenta mor do profissional da área jurídica. Observa como os
entraves linguístico-gramaticais interferem na compreensão textual e
dificultam o andamento processual, busca-se também diagnosticar em
que medida tais entraves interferem na construção da comunicação
jurídica, produzida em textos processuais, além de se observar qual a
responsabilidade do profissional de direito nesta área. Assim, foram
verificados os problemas mais correntes, por meio da análise de peças
processuais, e foram verificados problemas tanto da perspectiva
gramatical quanto da perspectiva estrutural de construção de sentidos
do texto jurídico.

Palavras-chave: Linguagem Jurídica. Juridiquês. Advogado.

* Advogado, Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de


Direito da Universidade de Coimbra, ex-aluno da FDV, bolsista
de iniciação científica. E-mail: daniel_roepke@hotmail.com.
** Doutora em Língua Portuguesa pela UERJ, mestre em Linguística
e Filologia pela UNESP.

Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Abstract: The research deals with the relationship between Law and
Language, because the language is materialized through the word
which is the main tool of the Law professionals. It observes how the
linguistic and grammatical obstacles affect the reading comprehension
and hinder the procedural progress, It also seeks to diagnose to what
extent these barriers affect the legal communication, produced in
procedural texts, in addition to observe what is the responsibility of the
Law professional in this area. Therefore, the most common problems
were checked, through the analysis of procedural documents, and
problems were observed both from the perspective of structural and
grammatical construction of meanings of legal text.

Keywords: Legal Text. Juridiquês. Lawyer.

INTRODUÇÃO

A linguagem é o instrumento de trabalho do operador do


Direito. Logo, o profissional da área jurídica deve dominar
o seu instrumento de trabalho – a língua portuguesa, neste estudo
especificamente, a modalidade escrita. Além dos conhecimentos
gramaticais, é importante saber articular as palavras e materializar
argumentos em um texto de forma coerente, além de ser capaz de
transmitir a mensagem ao receptor de forma clara e concisa.
Assim, Direito e linguagem são indissociáveis, mantém uma
relação de interdependência, visto que o direito se concretiza
efetivamente por meio da linguagem, neste sentido Calmon de Passos
(2001, p.63-64) declara que:

[...] o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da


linguagem. Como Direito posto é linguagem, sendo em
nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto
editado e comunicado, mediante a linguagem escrita,
por quem com poderes para tanto. Também linguagem
é o Direito aplicado ao caso concreto, sob a forma de
decisão judicial ou administrativa. Dissociar o Direito da
Linguagem será privá-lo de sua própria existência, porque,
ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem.

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Importante esclarecer que o texto jurídico sempre foi marcado por


construções fraseológicas complexas e por um elevado grau de conhecimento
da língua, não só no processo de estruturação textual, mas também no
conhecimento profundo da gramática da língua portuguesa. Em virtude
disso, o profissional do Direito destacou-se, por séculos, como referência
na tradição de produzir bons textos e na tradição de ter amplo domínio
da norma culta, no entanto essa imagem positiva tem sido depreciada por
uma vasta quantidade de erros básicos referentes à utilização da língua
e à estruturação da linguagem. Não bastassem os percalços decorrentes
dos vícios de linguagem, eles estão sendo potencializados devido ao uso
indiscriminado de arcaísmos e de latinismos.
Na verdade, os textos jurídicos têm sido afetados pela “fraseomania”
dos operadores do direito, que possuem o vício de formular frases
rebuscadas sem conteúdo relevante. Isso remete ao tão falado “juridiquês”
que, ao invés de aproximar o jurisdicionado, cria um abismo entre quem
busca seus direitos e a concretização do direito em si. Na verdade, esse
prejuízo não é só para o cidadão comum que se vê distante do direito
almejado, mas também é para o profissional do direito, visto que há o
descrédito da justiça e, por consequência, do próprio operador jurídico.
Essas falhas inviabilizam destroem a estrutura textual e,
consequentemente, a coerência no texto. Logo, ao se empregar entraves
gramaticais e linguísticos, o profissional do Direito inviabiliza a compreensão
textual, ou permite uma versão às avessas do que foi enunciado.
Esta pesquisa, financiada pela Faculdade de Direito de Vitória,
como atividade de Iniciação Científica, averigua a relação entre Direito e
linguagem, neste processo, busca vislumbrar se há entraves linguísticos
no texto jurídico. Para tanto, emprega o método de abordagem hipotético-
dedutivo (LAKATOS, 1991, p. 95), pois pressupõe um problema
– os textos jurídicos processuais apresentam entraves linguísticos e
gramaticais – para o qual se ofereceu uma solução provisória – nos textos
jurídicos processuais, há determinadas construções que são exigidas pela
linguagem jurídica clara, objetiva e bem estruturada –, disso produzimos
um falseamento – como deve ser a estrutura textual da linguagem
jurídica em textos processuais e qual é o papel do advogado no processo
de produção de um texto jurídico-processual. Isso é o que se pretende
averiguar por meio da pesquisa documental.

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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Nesse sentido, a pesquisa documental é constituída por petições


e contestações, as quais formam um corpus de análise. Neste, foram
catalogadas 138 ocorrências, que foram selecionadas a partir da análise
dos entraves gramaticais e dos casos de transgressão à coerência.

A PALAVRA

A palavra é um signo linguístico artificial que é um representante.


Para cumprir essa sua função, o signo se compõe de duas
partes, quais sejam, significante e significado. O primeiro diz respeito
à forma como o signo se materializa (que pode ser sonora, visual,
olfativa, dentre outras) e o segundo refere-se à imagem mental que
se forma a partir deste significante e essa imagem é uma convenção.
Assim, as palavras são signos linguísticos e, como expõe José Carlos
de Azevedo (2004, p. 139), são “[...] o mais elaborado, o mais versátil,
o mais abrangente instrumento de criação, circulação e assimilação
de representações do conjunto de nossas experiências da realidade”
e, em sua peculiaridade, permite aos homens materializar conceitos
que povoam as suas mentes e vestir de significados e características os
objetos que os cercam. Além disso, elas são capazes de retratar todos
os demais signos, revestindo-os de conceitos.
A palavra, como signo, seja na forma escrita ou na falada, evoca
em nossa mente, quando a lemos ou ouvimos, um conceito, ou seja,
um significado. Um mesmo vocábulo, no entanto, pode ter vários
significados convencionados em dicionário. Um exemplo típico
e oportuno de se mencionar é a palavra justiça. Manifestamente
polissêmico, o termo pode, dentre as suas diversas acepções, significar
equidade, honestidade e até mesmo o próprio poder judiciário.
Da mesma forma, um significado pode ser representado por mais
de um significante. Nesse caso, está-se diante de palavras sinônimas,
ou quase sinônimas. Embora sejam palavras fisicamente diferentes,
podem, em determinado casos, evocar a mesma ideia, como ocorre
com os vocábulos pensar, arrazoar, refletir, raciocinar e ponderar.
Para sabermos qual o significado pretendido pelo escritor do
texto, ao escrever a palavra, é imprescindível considerar o contexto
em que ela se encontra inserida. Levar em consideração o contexto

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implica, necessariamente, compreender as demais palavras com as


quais a palavra em questão se relaciona no texto, pois umas fornecem
elementos para a compreensão das outras e todas unidas formam o
texto. Com isso, também se pretende dizer que o significado do texto
é depreendido do todo, levando em consideração todas as palavras
que o constroem. Assim, o texto só pode ser compreendido em sua
plenitude, quando todas as palavras que o compõem interligam seus
significados, formando uma rede, enfim, um todo significativo.
Como uma única palavra pode ensejar diversos significados, é de
suma importância que o escritor seja prudente ao escrever seu texto.
Ele deve tomar todas as precauções necessárias para que as palavras
sejam compreendidas. Isso significa que o texto deve ser o mais claro
possível para que as palavras contidas no mesmo sejam claras. Na
verdade, isso é o que possibilita ao destinatário alcançar a mensagem
transmitida pelo texto, na forma mais próxima da que foi concebida
pelo emissor.
Desta forma, é imprescindível que o receptor conheça as
palavras utilizadas pelo emissor e tenha possibilidade de aferir-lhes
os significados que lhes são apropriados, a fim de que a mensagem
seja apreendida adequadamente. Do contrário, haverá significante,
uma vez que as palavras estão postas no texto, no entanto o outro não
abstrairá delas o significado ou, então, poderá conferir-lhes significado
diverso do idealizado pelo produtor do texto.
Tendo em vista que o texto é um todo significativo, construído pelos
significados entrelaçados das palavras que o compõem, a presença de
termos desconhecidos do leitor ou inadequados torna a compreensão
do texto lenta e incompleta. Em determinados casos, tais palavras
mal empregadas são capazes de tornar o texto incompreensível por
completo para o leitor.

O advogado e a palavra
O profissional do Direito é, por excelência, o profissional da
palavra. Ela é o seu instrumento de trabalho, conforme se depreende da
própria Lei, no artigo 156 do Código de Processo Civil Brasileiro: “Em

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todos os atos e termos do processo é obrigatório o uso do vernáculo”. O


termo vernáculo, utilizado no referido dispositivo legal, alude à pureza
idiomática, à clareza e à correição no falar e no escrever pertinentes ao
texto jurídico processual.
O art. 156 do Código de Processo Civil, por si só, já é suficiente
para justificar o zelo que profissional do Direito deve ter pelo uso
correto das palavras. Além disso, soma-se a essa exigência legal a
própria realidade vivida por esses profissionais, uma vez que, em seu
cotidiano, lidam com interpretação de textos, problemas de linguagem
e polissemia de palavras.
Ao advogado, destaque-se, é devido um esmero maior ao lidar
com as palavras, pois ele tem por dever legal e ético defender o(s)
direito(s) de seu(s) cliente(s). Assim, a produção textual, além de fazer
parte essencial de seu dia a dia, é um instrumento de se fazer justiça, na
medida em que os seus textos visam garantir à pessoa por ele defendida
em juízo a proteção/reivindicação de seu(s) direito(s).
Nesse ponto, é importante ressaltar que a própria Constituição
confere às pessoas direitos que lhes são fundamentais e que, devido a
isso, não são passíveis de disposição. Tais direitos, como a liberdade, a
vida e a dignidade do indivíduo são oponíveis contra qualquer pessoa
que os infrinja.
O advogado, como procurador de seu cliente, é responsável por
impedir que o direito de seu cliente seja ameaçado ou, em caso de já
haver ameaça, que esta cesse de imediato para que, na medida do
possível, não agrave mais o seu cliente. Para tanto, o advogado deve
utilizar todo o seu conhecimento jurídico e legal, bem como de sua
desenvoltura linguística, para que possa produzir um texto apto a
atingir aos objetivos pretendidos. Dessa forma, apenas conhecimento
do Direito não é o bastante para refutar os argumentos contrários aos
seus e convencer o magistrado de que o direito pertence ao seu cliente.
Pode haver diversas provas e argumentos que defendam o direito
ameaçado, porém só há um meio de se convencer o juiz de que o seu
posicionamento está correto. Essa via é a palavra.
As palavras são, portanto, imprescindíveis ao advogado, na
medida em que elas, bem selecionadas e devidamente agrupadas,
interligam seus significados e transmitem ao magistrado a narração

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dos fatos, as provas e os argumentos capazes de possibilitar ao juiz a


compreensão dos fatos e dos motivos pelos quais ele alega ter o seu
cliente o direito. Elas conferem ao advogado poder de persuasão, de
convencimento e, de certa forma, até mesmo de sedução no processo,
a partir do momento em que ele consegue tornar o seu texto aceitável
e aprazível ao seu destinatário. Enfim, o saber jurídico aliado ao bom
manejo do vernáculo, por parte do advogado, são instrumentos capazes
de transpor a barreira da imparcialidade do juiz, conduzindo-o ao
convencimento de que há um direito e de que esse direito pertence ao
seu cliente.

O MAU USO DA PALAVRA PELO ADVOGADO


“Ai, palavras, ai, palavras, Que estranha potência, a vossa!”. Este
é um verso de Cecília Meireles (1967, p.560), em seu poema Romance das
Palavras Aéreas, o qual trata da importância das palavras no contexto da
Inconfidência Mineira, de como elas são poderosas, sendo capazes de
determinar o destino de um homem. Na conjuntura da Inconfidência,
foram suficientes para levar Tiradentes à forca. O mesmo poema, trazido ao
mundo jurídico, serve de base para justificar a prudência, imprescindível
ao advogado, no momento de elaborar um texto jurídico processual.
Palavras são armas. Bem manejadas levam à vitória, mal empregadas à
derrota. O advogado hábil no seu manejo é capaz de defender seu cliente
com eficácia. Todavia, o advogado desleixado, que negligencia o cuidado
devido com a linguagem, prejudica por completo a defesa de seu cliente e
terá, por consequência, a ruína e o descrédito de suas alegações.
Desta forma, o advogado deve primar pela linguagem que utiliza,
pois ele exerce uma função pública essencial à administração da Justiça,
nos termos do artigo 2° da Lei 8906/94 (Estatuto da Advocacia e da
OAB) – “O advogado é indispensável à administração da Justiça” – e
do art. 2° do Código de Ética e disciplina da OAB:
O advogado, indispensável á administração da justiça, é defensor
do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública,
da justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu ministério
privado à elevada função pública que exerce.

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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Consciente da relevância da atividade que exerce, o advogado


deve saber manusear adequadamente o seu instrumento de trabalho,
ou seja, a palavra, e empenhar-se no seu aperfeiçoamento. Neste
sentido, dispõe o Código de Ética e Disciplina da OAB, no art. 2°,
parágrafo único, IV: “São deveres do advogado: [...] empenhar-se,
permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional.”
Destaca-se que o referido dispositivo legal não faz referência apenas
ao aperfeiçoamento jurídico. O artigo utiliza o termo aperfeiçoamento
profissional, de modo que abrange também o aprimoramento linguístico
e a prudência na produção do texto adequado ao ato processual. Tal
zelo é indispensável, visto que a palavra, no cenário de tessitura textual,
possibilita ao advogado defender, acusar, afirmar, instigar, indagar,
sugerir, persuadir e convencer. Enfim, é o seu instrumento de trabalho,
de modo que a sua má utilização pode depreciar consideravelmente o
seu trabalho.
Vale frisar que a Lei impõe determinados deveres, como o
aprimoramento e o esmero linguístico, em virtude disso também
estabelece sanções em caso de descumprimento. Nesse sentido, dispõe
o art. 32 do Estatuto da Advocacia e da OAB: “O advogado é responsável
pelos atos que, no exercício profissional, pratica com dolo ou culpa.” O
referido artigo faz alusão à responsabilidade do advogado pelos atos
por ele praticado, com dolo ou culpa, que resultem em dano para o
cliente ou para o processo. Isso significa que a responsabilidade do
advogado é subjetiva, de modo que depende de verificação de culpa,
conforme dispõe o art. 14, §4º, do Código de Defesa do Consumidor:
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação da culpa.”
Portanto, para que o advogado seja responsabilizado, é necessária
a comprovação de que a sua conduta lesiva esteve eivada de culpa.
Cumpre esclarecer que a culpa, em seu sentido amplo, pode se
manifestar na forma de dolo ou de culpa em sentido estrito. O ato
lesivo praticado com dolo é aquele que se comete tencionando o dano
ou simplesmente assumindo o risco de que ele pode vir a ocorrer. Por
sua vez, o ato perpetrado com culpa no sentido estrito não tem por
finalidade ocasionar o dano. Este ocorre involuntariamente devido

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à conduta viciosa do agente e pode ser praticado nas modalidades:


negligência (quando se omite a praticar um ato que deveria, a fim
de evitar a ocorrência do dano); imprudência (ocasião em que se age
precipitadamente, sem as devidas cautelas, ocasionando o dano) ou
imperícia (quando o dano é provocado em virtude da inabilidade
técnica do profissional na realização do ato).
A responsabilidade do advogado se dá, deste modo, mediante a
comprovação de existência de culpa, haja vista que a sua obrigação
para com o cliente é de meio, via de regra. Nesse sentido, entendem
Gagliano e Pamplona Filho (2003, p. 252):

A prestação de serviços de serviços advocatícios é, em regra,


uma obrigação de meio, uma vez que o advogado não tem
como assegurar o resultado da atividade ao seu cliente.

Assim, da mesma forma como o ofício do médico, demanda uma


responsabilidade civil subjetiva, com fundo contratual que, no caso do
processo judicial, decorre do mandato.
Afirmar que o advogado exerce atividade-meio implica dizer
que ele não tem o compromisso de obter o êxito da causa, até mesmo
porque a decisão final acerca do provimento dos pedidos formulados
é atribuição exclusiva do magistrado. A sua obrigação é ser diligente
na utilização dos expedientes para alcançar o objetivo final, ou seja, a
vitória em prol do seu cliente no pleito judicial, que não necessariamente
acontecerá. Portanto, a obrigação do advogado é fazer uso adequado
dos instrumentos judiciais, sob pena de, se comprovado o seu agir
com culpa, ser responsabilizado na esfera civil e ser condenado a
pagar indenização ao seu cliente. Soma-se a isso o dever do operador
do Direito de manejar adequadamente a linguagem, pois, conforme já
explicitado, a palavra é o instrumento profissional do advogado, sem a
qual seria impossível a realização de qualquer atividade jurídica.
No caso de falha grotesca relativa á utilização da palavra por
parte do advogado, que ocasiona lesão à administração da justiça,
está-se diante de manifesta imperícia1, visto que se trata de deficiência
no aperfeiçoamento técnico-linguístico do profissional, que torna
deficitária a prestação de seu serviço.

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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Vale dizer que se trata de imperícia e não de simples negligência,


decorrente de omissão, pois o advogado, no seu exercício profissional,
necessita de uma habilidade específica no que concerne à linguagem,
tal qual o domínio da gramática pátria e de técnicas de argumentação,
o que o diferencia dos profissionais de outras áreas. Logo, assim
como um cirurgião plástico necessita de aptidão para o manejo de um
bisturi, analogicamente, o advogado precisa dominar a palavra, que
é o seu instrumento de trabalho, sem o qual o seu serviço não pode
ser prestado. O manejo inadequado da palavra, desta maneira, é a
exteriorização da falta de habilidade técnica do profissional do Direito,
ou seja, manifesta imperícia.
Um exemplo incontroverso de imperícia decorrente de inabilidade
linguística é a peça processual que se segue, redigida abaixo em sua
íntegra2:

MAXLENE DOS SANTOSE WARLEY DOS SANTOS,


SÃO FILHOS DE GEDALVA M DOS SANTOS
BRASILEIRA, VIÚVA, DO LAR, RESIDENTE da
DOMICILIADA A RUA GUARAPES NUMERO 258
ALECRIM VILA VELHA por sua advogada abaixo
assinada inscrita na OAB/ES sob o n. ___ com escritório
na rua _________________________ Vila Velha, onde
receberá as intimação.
A requerente IRMÃ do WARLEY DOS SANTOSCARLOS
,falecido no dia 11 DE NOVEMBRO DE 2003, nesta cidade
Vila Velha.
2- Entretanto GERDALVA É PENSIONISTA CVRD,
ENTÃO MAXLENE DOS TEM O DIREITO DE RECBER
O IMPOSTOS DE RENDA QUE ESTADEPOSITADO
NO BANCO DO BRASIL DE VILA VELHA., PODENDO
VERIFICADO DOCUMENTO ANEXO..
QUE REQUERENTE ESTA PASANDO POR
DIFICULDADE FINANCEIRA
ENTÃO RAZÃO DO EXOSTOREQUERA VOSSA
EXCELENCIA QUE APÓS DE OUVISUA FILHA MAXLENE
DOS SANTOS, A REQUERENTE MINISTÉRIO PÚBLICO
PETICIONARÁ AUTORIZAÇÃO , VIA DE ALVARÁ
JUDICIAL E LEVANTAR A IMPORTÃNCIA R$484,33..
ASSIM DOCUMENTO A TRI BUIDO PARA E FEITO.

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QUE A REQUERENTE VEM PEDIR AUXILIO


ASSSISTENCIA JUDICIARIA BASEADA NA LEI
NUMERO 1060/50 .

VALOR DASCUSTA R $100,00

VILA VELHA , 29 DE JANEIRO DE 2005.


Com a leitura desta peça processual, percebe-se o quanto um
texto mal redigido pode atravancar a atividade jurídica e prejudicar o
cliente. O texto encontra-se de tal modo mal redigido, que é plausível
questionar se o profissional responsável pelo escrito acima de fato
cursou cinco anos de Direito e foi aprovado no exame da OAB. Pela
leitura, é praticamente impossível identificar com clareza o autor da
ação, os fatos, os argumentos jurídicos e os pedidos.
Logo de início, percebe-se a imprecisão quanto ao requerente que
figura na peça. Primeiramente, o advogado posta no sentido de que
Maxlene dos Santos e Warley dos Santos são os autores. Depois, no
segundo parágrafo, é dado a entender que Warley (que já não é mais
apenas Warley dos Santos, mas Warley dos Santos Carlos) é falecido e
que a sua irmã seria a requerente.
Mas não é só isso, o texto segue num processo desenfreado de erros
em todos os níveis gramaticais – regência, concordância, ortografia,
etc. Além disso, parecer que a própria inabilidade não atinge só a
parte gramatical e a parte estrutural, que abarca a coesão e a coerência,
mas também atinge a própria apresentação do texto, uma vez que,
o autor do texto prossegue num processo descomedido de engolir
letras – recber (“receber”), pasando (“passando”) e velh (“velha”) – e de
espaços entre as palavras – Santose (“Santos e”), SantosCarlos (“Santos
Carlos”), estadepositado (“está depositado”), exostorequera (presume-se
significar “pelo exposto requer a”), ouvisua (“ouvir sua”), dascusta (“das
custas”). Em alguns desses casos, a compreensão da expressão resulta
prejudicada, como é o caso da sequência de letras exostorequera. Não
bastasse o advogado ter juntado três palavras (“exposto” e “requer a”),
também omitiu duas letras (“p” e “i”).

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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

A peça processual acima constitui aglomerado de palavras e


de frases desconexas. O fragmento seguinte é um claro exemplo
disso: “A REQUERENTE MINISTÉRIO PÚBLICO PETICIONARÁ
AUTORIZAÇÃO , VIA DE ALVARÁ JUDICIAL E LEVANTAR A
IMPORTÃNCIA R$484,33”. Ante a leitura do seguimento acima, é
difícil (se não impossível) extrair um significado.
Erros crassos concernentes à linguagem, como os cometidos
pelo advogado acima, infelizmente não são tão raros como se pode
imaginar. Eles acontecem com frequência e ocasionam dano para o
cliente e para o processo. Tal inabilidade linguística, além de gerar
responsabilização civil por parte do advogado junto ao cliente, pode
resultar em responsabilização junto à Ordem dos Advogados do Brasil,
conforme foi notícia no Fantástico, programa dominical da Rede Globo,
do dia 20 de outubro de 2002. Na reportagem foi relatado o caso de um
advogado que, devido à inadequação gramatical de suas petições, teve
seu registro suspenso pela OAB, sendo obrigado a fazer outro exame
da Ordem para recuperar o direito de advogar.
Um dos problemas mais frequentes referente ao uso inadequado
da linguagem, diz respeito a termos e a expressões ambíguas e
vagas. As palavras, como signos, evocam um ou diversos conceitos.
A multiplicidade de significados que cada palavra possibilita deve
ser restringida no texto em concreto para evitar ambiguidades e a
vagueza de sentidos. Há de se destacar que essas duas palavras não
são sinônimas. A vagueza é caracterizada pela imprecisão de sentido
deixado por uma palavra ou expressão.
A ambiguidade, por sua vez, está contida na vagueza, porém com
ela não se confunde. Enquanto uma palavra vaga traz um número
de significados indeterminados, uma palavra ou expressão ambígua
evoca significados determinados, passíveis de aplicação no texto. Na
realidade, enquanto na vagueza é impossível assegurar se a postura de
A ou de B é que está correta; na ambiguidade, é possível dizer que A
está correta do mesmo modo que B também está.
É importante ressaltar que a utilização de palavras vagas
e ambíguas pode prejudicar por completo a peça processual,
desvirtuando a narração dos fatos, retirando as forças dos argumentos
e deixando os pedidos imprecisos. No caso de petições iniciais, pode

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ensejar a inépcia da peça e seu consequente indeferimento, neste


sentido dispõe o art. 295, inc. I, do CPC.

ANÁLISE: O TEXTO JURÍDICO PROCESSUAL

C abe alertar os advogados sobre o descaso para com a linguagem


jurídica, despertando-os para os problemas decorrentes
dessa negligência, que, ao afetar a compreensão do texto, desencadeia
diversos prejuízos: o fracasso no pleito do cliente, a mácula na imagem
do advogado e a contribuição para a lentidão do trâmite processual.
É necessário que a imagem distorcida, que muitas pessoas trazem
consigo, acerca do advogado, seja desfeita. O caminho propício a
desmistificar essa má impressão é a linguagem. Em outras palavras,
ao invés de buscar palavras bonitas e pomposas para impressionar
o leitor da peça processual, o advogado deve procurar empregar as
palavras adequadas ao que ele pretende comunicar. A linguagem
ostentosa pode atravancar a compreensão textual e denotar arrogância,
enquanto que a linguagem clara e acessível favorece a comunicação e
é mais atrativa ao leitor.
Diante disso, a análise dos textos jurídico-processuais contempla
problemas linguístico-gramaticais e de coerência, que podem levar à
alteração do sentido da informação a ser transmitida ou à completa
inviabilidade da comunicação.

OS ENTRAVES LINGUÍSTICO-GRAMATICAIS

Eles correspondem a 69% dos entraves vistos e são diversos:


grafia errada; má disposição de palavras na frase; omissão de termos;
imprecisão vocabular; pontuação incorreta; excesso de intercalações;
ambiguidades, etc. – por isso serão abordados apenas alguns que
foram mais frequentes.

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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Ortografia
A ortografia é um elemento gramatical básico da língua, sendo objeto
de estudo, nas escolas primárias, logo no início, antes de se aprender a
formar e a pontuar as frases. Em virtude disso, cometer deslizes graves
concernentes à grafia das palavras manifesta o reduzido conhecimento
lexical do advogado, o que é inaceitável para um profissional do Direito,
que cursou a disciplina de língua portuguesa por, pelo menos, oito anos
no ensino fundamental e três anos no ensino médio, além, obviamente,
de ter cursado cinco anos do curso de Direito.
Apesar de todos esses anos de estudo, palavras escritas com grafia
errada nos textos processuais são mais comuns do que se esperava, o que
demonstra despreparo técnico do advogado, como podemos ver em:

Brasileiro, casada de fato, garson, CTPS [...] (Reclamação


trabalhista, proc. n° 0420.2005.013.1700-2, grifo nosso)

Esses entraves, quando permeiam o texto jurídico-processual,


mesmo que não atrapalhem a compreensão do texto, maculam a
imagem do advogado e comprometem seus argumentos.

Regência
Um dos problemas mais usuais, concernentes à regência verbal,
no texto forense, é escrever “residente à”. Das dez peças processuais
examinadas, oito foram perpassadas por esse equívoco. O verbo
residir pede o uso da preposição “em”, pois essa preposição serve
para indicar localizações exatas. Em contrapartida, a preposição “a”
indica localização aproximada. Assim, este tipo de regência, com a
preposição “a”, indica que a localização não é precisa, ou seja, que fica
nas imediações do endereço dado e não é essa a intenção pretendida
pelo advogado ao redigir a peça.
A importância da regência se deve ao fato de ela ser responsável
por estabelecer a relação de dependência gramatical entre os termos
de uma sequência frásica. Por essa razão, nas frases com problemas de

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regência, em diversas ocasiões, as palavras ficam desconectadas, o que


pode gerar a incompreensão do texto.

Concordância
Assim como a regência, a concordância é de grande essencial ao
texto, pois auxilia, em sua organização, sentido e clareza. Com relação
a esse item, a gramática especifica diversos casos de concordância, de
maneira que o elevado número de hipóteses dificulta a assimilação das
regras. Cumpre advertir, todavia, que os problemas averiguados na
presente análise não são de grande complexidade, mas de conhecimento
primário, como a concordância entre sujeito e verbo ou substantivo e
adjetivo, tal qual o exemplo a seguir:

[...] pois o que levou a empresa nessa situação foi


concorrências acirradas supermercados [...] (Contestação,
proc. n° 00736.2003.006.17.0-4, grifo nosso)

Neste caso, o correto seria que estivesse escrito “foram


concorrências”, desta forma o verbo concordaria com o sujeito
“concorrências”.

Pontuação
A pontuação é fundamental para que o autor expresse suas ideias
de forma correta e precisa. Em virtude disso, erros desta natureza são
responsáveis por causar graves entraves na redação forense, como
mistura de ideias, períodos muito complexos devido ao tamanho da
frase, quebra de encadeamento lógico, dificuldade no ritmo de leitura,
dentre outros.
É oportuno fixar que o emprego de vírgulas não deve seguir
a respiração, como preconizam algumas pessoas. Este é um dos
equívocos mais comuns e que acarretam, algumas vezes, na separação
entre sujeito e verbo pela vírgula, como neste exemplo:

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 51


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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

A empresa-ré, possui no Estado do Espírito Santo, 02


(duas) gerências INDIVIDUALIZADAS [...]. (Contestação,
proc. n° 0029.2002.005.17.00-8, grifo nosso)

Importante deixar claro que nunca se deve separar o sujeito


“Empresa-ré” do verbo “possui”. Na dúvida, é sempre conveniente
consultar as regras gramaticais.

Latinismo
O discurso jurídico, por se tratar de um discurso técnico, exige
um acervo terminológico próprio. Sendo assim, algumas palavras e
expressões estrangeiras, especialmente em latim, são úteis ao texto
jurídico, em virtude de não haver, na língua portuguesa, vocábulos
que exprimam os significados de tais termos com a perfeição e com a
concisão das palavras latinas. São exemplos de expressões latinas úteis:
erga omnes, corpus, habeas corpus, habeas data, ex nunc, ex tunc e outras.
A utilidade dessas expressões/termos é evidente, pois tais vocábulos
estão presentes nos bons dicionários de língua portuguesa não só com
a definição desses termos, mas também com a transcrição fonética que
permite a pronúncia adequada.
Contudo, muitos advogados têm cometido excessos no uso
de termos em latim. No corpus em análise, foram encontradas vinte
e nove ocorrências desnecessárias de expressões latinas, como ad
argumentandum tantum, in casu, in fine, ad cautelan, ab ovo. Não há
motivo real para usá-las no texto jurídico, pois tais expressões possuem
equivalentes na língua portuguesa, que exprimem o mesmo sentido
com perfeição. Veja que muito distinto das demais expressões aduzidas
anteriormente estas expressões não trazem nenhuma informação
nova ou mesmo técnica para o texto, possuem somente o objetivo de
obscurecer o que se está proferindo no texto.

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OS ENTRAVES NA COERÊNCIA
No universo discursivo-textual, o qual é construído pelo produtor
e reconstruído pelo receptor, a coerência é um elemento basilar,
pois é ela que permite a percepção adequada do texto por parte do
receptor. Daí advir a afirmação de que a coerência como um princípio
básico de textualidade se constitui num elemento fundamental para a
interpretabilidade do texto.
Neste sentido, a coerência ultrapassa a mera junção de frases
corretas do ponto de vista da língua, ela ultrapassa a noção gramatical
e mesmo a noção coesiva de um texto, pois a função dela é justamente
transformar as sequências frasais em texto com unidade de sentido,
por isso que ela é um pilar fundamental em um texto.
Com vistas a isso, Mira Mateus (2003, p.115) aduz que a coerência
é “um factor de textualidade que resulta da interacção entre os
elementos cognitivos apresentados pelas ocorrências textuais e o
nosso conhecimento do mundo. Assim, uma condição cognitiva sobre
a coerência de um texto é a suposição da normalidade do(s) mundo(s)
criado(s) por esse texto”.
Além disso, Costa Val (1994, p.5) também a vê como um fator
fundamental da textualidade, visto que ela determina o sentido
do texto. Além disso, ela envolve não somente “aspectos lógicos e
semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do
partilhar de conhecimento entre os interlocutores”.
Assim, é necessário que se ressalte que a coerência não é um mero
traço presente nos textos, mas, sim, o resultado de processos cognitivos
entre produtor e receptor. Isso ocorre porque ela é construída por uma
operação de inferência, uma vez que o texto não tem sentido em si,
mas faz sentido pela interação entre os conhecimentos que apresenta e
o conhecimento de mundo de seus usuários.
Desta forma, a coerência é imprescindível ao texto, pois todo leitor
espera que o texto se desenvolva, mantenha uma continuidade temática
e apresente uma sequência de ideias, de forma a atingir um objetivo pré-
estabelecido. Ela se manifesta no texto por meio dessas características e é
exatamente isso que proporciona a unidade de sentido no texto.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 53


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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Na realidade, quando um texto atinge este propósito de tornar


claros os objetivos a que se propôs, ele caminha no sentido de se tornar
mais acessível para o receptor. Em suma, a coerência é, de fato, um
princípio de interpretabilidade, uma vez que o texto incoerente impede
a adequada reconstrução dos sentidos por parte do receptor.
Concernente à existência da coerência em textos, Charolles (2002,
p. 49 e seguintes) menciona quatro metarregras que revelam os traços
de coerência em uma realidade textual. Assim, para que um texto seja
considerado coerente, o mesmo deve conter:
a) REPETIÇÃO: elementos de recorrência estrita (pronominali-
zações, referências dêiticas, substituições lexicais, etc.)
b) PROGRESSÃO: contribuição semântica constantemente ren-
ovada.
c) NÃO-CONTRADIÇÃO: ausência de elemento semântico que
contradiga o conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrên-
cia anterior.
d) RELAÇÃO: fatos que se denotam no mundo representado de-
vem estar relacionados com aquilo que nos cerca.

Notamos que tais metarregras trazem em si todos os aspectos


pragmáticos que abarcam a construção do discurso. Por isso, é possível
dizer que a coerência não pertence ao texto, mas aos usuários do texto,
visto que ela pode estar pautada na adequação do que é comunicado
em cada fragmento do texto associado à intenção comunicativa. Assim,
quando há falha na coerência do texto, podemos ter obras totalmente
incompreensíveis.
O número de trechos incoerentes constatados nas peças processuais
examinadas corresponde a 31% do total das ocorrências que compõem
a presente análise. Isso evidencia que o texto jurídico-processual dos
advogados tem sido severamente prejudicado pela deficiência na
construção de sentidos. Ao se considerar a coerência um fator essencial
para a interpretabilidade do enunciado, sem a qual não há veiculação de
sentido, tem-se que a quantidade de incoerências levantada evidencia
que 31% das petições são impróprias à comunicação eficiente, em

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outras palavras, 31% desses textos é descartável. Vale esclarecer que


os problemas referentes à coerência foram separados de acordo com
a proposta de análise preconizada por Charolles, a saber: relação, não
contradição, progressão, repetição.
Assim, pautados nestes princípios de análise, podemos vislumbrar
o seguinte quadro, que será visto especificamente nos itens a seguir:

Relação
Das metarregras de coerência apresentadas por Charolles, a
que apresentou mais problemas foi a relação, representando 59% do
total das ocorrências referentes aos problemas de coerência. Tal fato
demonstra que os advogados encontram dificuldades para expor as
ideias e articular os argumentos, conforme destaca o exemplo a seguir:

HORÁRIO : Cumpria horário das 15:00 AS 22,30 de


2ªfeira a sábado, Domingo das 11 hs as 23hs., recebia Adc
Noturno com 25%., teve folga 07 de setembro.
Pra efeito de horário de descanso, tinha que assinar
ponto das 19hs as 20hs, sem gozar de tal horário integral,
porem subia para fazer as refeições no piso superior
da loja,setor de produção, em 10 a 15 minutos, sem o
devido descanso, continuando a trabalhar, atento ao
atendimento da clientela, reclamando nos termos do
art 71 as horas de descanso a serem apuradas em todo o
período trabalhado, assi como as horas extras trabalhadas
com 50%, a serem apuradas.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 55


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Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

- Que os pagamentos eram efetuados sempre com atraso de


5 dias ou mais, tendo que assinar a data de lei, concluindo
que o Rte. pagava suas dívidas com atraso. (Reclamação
trabalhista, RT 0420.2005.013.1700-2)

O texto apresentado deixa claro que a falta de relação nem


sempre é fruto do pequeno conteúdo informativo a ser comunicado.
Muitas vezes, como ocorre nesse caso, existem diversas informações a
serem repassadas, no entanto o advogado não é capaz de organizá-las
estabelecendo, entre elas, um elo que as disponham em forma de texto
inteligível. Nem mesmo que tenham relação coerente com o mundo
externo.

Progressão
Um texto processual, para ser bem sucedido, deve apresentar
uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão. Trazendo
para o contexto processual, deve apresentar os fatos, progredir na
argumentação e finalizar com a formulação de pedidos. Para tanto,
é necessário que o texto evolua em seu conteúdo, com a adição de
informações novas. Não basta que sejam acrescentadas palavras novas,
essas palavras devem servir com uma contribuição semântica nova. Na
ocorrência seguinte, não bastasse a ausência de renovação semântica, o
advogado reproduz as mesmas palavras:

O horário contratual do reclamante é de 12:00 às 18:00 hs,


todavia na realidade chega em média às 11:30 e sai por
volta das 18:30 hs.
Todavia, trabalha diariamente de 11:30 hs às 18:30 hs...
(Reclamação trabalhista, proc. n° 109.2005.013.17.0-3).

Neste caso, o segundo fragmento repete as mesmas palavras


contidas no primeiro e não acrescenta nenhum dado novo que
contribua para a progressão textual. Assim sendo, o referido segmento
é completamente dispensável.

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Não-contradição
Esse tipo de entrave consiste em permear o texto com elementos
que contradigam um conteúdo posto pressuposto ou dedutível. É
preciso que se diga que o ato de se contradizer revela despreparo
argumentativo – capacidade que se pressupõe que qualquer
profissional do direito deva possuir, afinal a linguagem jurídica é,
por excelência, o campo da argumentação, da dialética. Ora, se o
operador jurídico é incapaz de construir uma proposição e depois
desconstruir o que ele mesmo enunciou, isso se avulta como uma
incapacidade notória de ser representante de alguém. Este realidade
pode ser vista no exemplo seguinte:

No que respeita ainda ao dano moral, temos por fim que


autor teria sido caluniado, o que também se repele e nega
com vigor”. (Contestação, proc. 0029.2002.005.17.00-8)

Inicialmente, o advogado diz que o autor foi caluniado, no


momento seguinte, nega o que acabou de afirmar. Assim, o advogado
levanta uma proposição e a desmente na mesma frase. Como não pode
haver, no texto, uma proposição que seja ao mesmo tempo verdadeira
e falsa, está-se diante de um vício.

Repetição
Um dos casos encontrados é o que se segue:

Venia concessa, tal comportamento não reflete aquele do


ser humano normal.
Que se resista à investidas e insinuações, segundo o autor,
“com medo de ser demitido”, ainda é plausível.
Mas que com elas aquiesça e sabe-se lá por quanto tempo,
posto que não informado na inicial, vai de encontro ao
comportamento normal de qualquer pessoa... (contestação,
proc. n° 0029.2002.005.17.00-8).

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 57


Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

Acima, encontram-se três parágrafos curtos subsequentes, mas


que não apresentam elementos de recorrência restrita que estabeleçam
uma sequência entre eles. Está-se diante, portanto de três parágrafos
soltos, desconectados, sem a existência de uma unidade temática que
garanta a continuidade do que se está discutindo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

E ste estudo confirma o imprescindível papel que a linguagem


exerce no Direito. Para o advogado exercer sua profissão
adequadamente, não basta o conhecimento técnico para produzir uma
peça processual. Ele deve ter o conhecimento das estruturas linguístico-
gramaticais para a produção de um texto coerente.
A deficiência na linguagem do advogado foi confirmada
pela quantidade exorbitante de entraves que permeiam as peças
processuais que foram o objeto do diagnóstico realizado. Essa carência
denota o descaso do advogado com a linguagem, o que constitui um
desrespeito ao magistrado, que terá que ler um texto escrito de forma
lamentável, e ao cliente, que sofrerá as consequências do despreparo
linguístico de seu patrono. Na verdade há um abismo linguístico que
coíbe o processo comunicacional pleno, impede o acesso à justiça e
desqualifica os profissionais envolvidos no ato de comunicação.
Consoante os dados desta análise, nenhuma das peças processuais
saiu ilesa aos problemas linguísticos e gramaticais. Tal realidade é
inaceitável, pois não se trata de produções realizadas por amadores,
mas por profissionais da palavra.
Esse diagnóstico deve servir de alerta à OAB e às faculdades de
Direito em geral. Na tentativa de reverter esse quadro, a OAB deve
tomar providências para aperfeiçoar os seus filiados e também para
evitar que bacharéis despreparados linguisticamente adentrem ao rol
de advogados. As faculdades, ao visar à qualidade dos profissionais,
precisam reformular o ensino da linguagem, firmando a disciplina de
linguagem jurídica como uma das prioridades do curso.
Sobretudo, deve haver um repensar do profissional acerca da
necessidade de aprimoramento da linguagem, numa busca incessante

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Daniel Roepke Viana | Valdeciliana da Silva Ramos Andrade

de sempre atualizar-se. É preciso que o profissional do direito entenda


que o processo de produção e de correção gramatical é inesgotável
e que o conhecimento obtido pelo operador jurídico nunca é demais
para a consolidação do conhecimento e de maturidade na linguagem.

REFERÊNCIAS

AZEREDO, J. C. S.. Texto, sentido e ensino de português. In: Claudio


Cezar Henriques; Darcília Simões. (Org.). Língua e cidadania: novas
perspectivas para o ensino. 1 ed. Rio de Janeiro: Europa, 2004,

CALMON DE PASSOS, J. J. Instrumentalidade do processo e devido


processo legal. Revista de processo, v. 102, São Paulo, 2001.

COSTA VAL, Maria das Graças. Redação e Textualidade. São Paulo:


Martins Fontes, 1994.

CHAROLLES, Michel. Introdução aos problemas da coerência dos


textos. In: ______. O texto: leitura e escrita. 3. ed. Campinas: Pontes,
2002.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso


de direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 3.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos


de metodologia científica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

MEIRELES, Cecília. Obra Poética. 2 ed. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora,
1967.

MIRA MATEUS, Maria Helena et. al. Gramática da Língua Portuguesa.


5.ed. rev. e aument. Lisboa: Editorial Caminho, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A Coerência


Textual. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

Revista de Direitos e Garantias Fundamentais - n° 5, 2011 59


Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Direito e linguagem: os entraves linguísticos e sua repercussão no texto jurídico processual

NOTAS
1
De acordo com Gagliano e Pamplona Filho, a imperícia “[...] decorre
da falta de aptidão ou habilidade específica para a realização de uma
atividade técnica ou científica.” (2003, p. 144)
2
O nome, o endereço, o número da OAB do advogado, bem como o
número da petição foram omitidos por questões éticas.

Artigo recebido em: 02/06/2009


Aprovado para publicação em: 10/06/2009

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Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130


Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 09.07.2018
Revista de Direito de Família e Sucessão Aprovado em: 11.08.2018

O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO


CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS
DESCENDENTES DO “DE CUJUS”

Ilton Garcia Da Costa 1


Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb 2

Resumo: O escopo deste trabalho é apresentar os entendimentos do Superior Tribunal de


Justiça sobre o regime de separação convencional de bens. Referido Tribunal, em 2009,
entendeu pela não concorrência em tal regime, com alteração oposta em 2015. A primeira parte
do artigo apresenta conhecimentos sobre os regimes de bens. A segunda parte apresenta o
regime de separação convencional de bens e as decisões do Superior Tribunal de Justiça e seu
atual posicionamento criticado a luz da autonomia da vontade. Como fonte de pesquisa utilizou-
se da doutrina, jurisprudência, legislação e periódicos na internet.

Palavras-chave: Regime de bensseparação convencional de bensSuperior Tribuna de


justiçaautonomia da vontade

THE REGIME OF CONVENTIONAL SEPARATION OF GOODS AND


THE NON-COMPETITION OF THE SUPÉRSTITE SPOUSE WITH THE
DESCENDANTS OF "DE CUJUS"
Abstract:
The scope of this work is the understandings of the Superior Court of Justice on the regime of
conventional separation of goods. Referred Court in 2009, understood by non-competition in
such a scheme, with opposite view in 2015. The first part of the article presents knowledge
about the regimes of goods. The second part presents the regime of conventional separation of
assets and the decisions of the Superior Court of Justice and its current position criticized in the
light of the autonomy of the will. As a source of research was used doctrine, jurisprudence,
legislation and periodicals on the internet.

Keywords: Regime of goods conventional separation of goodsSuperior Court of


justiceautonomy of the will

1
Doutor e mestre em Direito pela PUC-SP. Professor do programa de mestrado e doutorado da UENP-PR.
2
Mestrando em Ciência Jurídica pela UENP-PR.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

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Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb

1. INTRODUÇÃO

No Brasil há quatro regimes típicos de bens, quais sejam: o regime de separação de


bens, que se divide em separação obrigatória e convencional; regime de participação final nos
aquestos; regime de comunhão universal de bens e; regime de comunhão parcial de bens.
Excetuado o regime de comunhão parcial de bens e o de separação obrigatória de bens, todos
os demais regimes devem ser escolhidos por meio de pacto antenupcial. Cada um desses
regimes de bens possuem regras diferenciadas no momento da dissolução da sociedade
conjugal, seja pelo divórcio, seja pela morte, sendo o estudo desta última modalidade a proposta
do presente trabalho.
A atual interpretação da doutrina e da jurisprudência, sob a análise da simples
literalidade do artigo 1.829, inciso I, combinado com o artigo 1.845 do Código Civil, não
restringe a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do “de cujus” em
determinados regimes de bens do casamento, tendo em vista a consideração de que o mesmo
foi alçado a herdeiro necessário.
A discussão doutrinária e jurisprudencial em relação aos efeitos patrimoniais do
casamento após a morte reside na possibilidade ou não da concorrência do cônjuge sobrevivente
com os descendentes do falecido.
O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, interpretando os dispositivos da
matéria, entendeu que o cônjuge sobrevivente casado no regime de separação convencional de
bens não concorre com os descendentes do falecido. No entanto, referido Tribunal no ano de
2015 proferiu entendimento em sentido oposto, afirmando que no regime de separação
convencional de bens o cônjuge deve concorrer com os herdeiros do “de cujus”.
Os entendimentos do Superior Tribunal de Justiça recebem criticas a favor e contra
por parte da doutrina, diante da polêmica causada. É que a interpretação conferida pelo Superior
Tribunal de Justiça, doravante influenciará nas decisões das cortes inferiores, repercurtindo na
vida daqueles que convolarem núpcias pelo regime de separação convencional de bens.
Não fosse a falta de técnica legislativa, não haveria margem para interpretações
divergentes, o que conferiria maior segurança jurídica.
Como informado, o Código Civil de 2002 elevou o cônjuge a qualidade de herdeiro
necessário de terceira classe, porém a disciplina conferida ao mesmo no art. 1.829, inciso I,

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
deu-lhe tratamento vantajoso, posto que é chamado a concorrer com os herdeiros de primeira e
de segunda classe, a depender do regime de bens estabelecido.
O objetivo geral do presente trabalho é discutir os aspectos patrimoniais sucessórios
do cônjuge sobrevivente em concorrência com os descendentes do “de cujus” nos diversos
regimes de bens, sendo o objetivo específico demonstrar que o cônjuge casado no regime de
separação convencional de bens não deve concorrer com os descentes do falecido, posto que
esta não foi a intenção da norma, sendo este também a problematização do tema proposto.
Volta-se particular atenção de que o regime da separação convencional de bens é
escolhido por meio de pacto antenupcial voluntaria e livremente entre os nubentes, a qual a lei
não deve contrariar o que em vida optaram deixar separado. Entendimento diverso certamente
viola o princípio da autonomia da vontade.
Para a elaboração e conclusão deste trabalho, optou-se como método de pesquisa o
dedutivo, pois por meio da análise da doutrinária e jurisprudência, bem como da legislação
pertinente, foi possível teorizar o entendimento quanto a concorrência do cônjuge supérstite nos
diversos regimes de bens. A técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica, legislativa e de
decisões judiciais.

2. DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE EM CONCORRÊNCIA COM OS DESCENDENTES


NOS DIVERSOS REGIMES DE BENS

Sabe-se que o atual Código Civil abordou a concorrência do cônjuge sobrevivente


tanto com os descendentes quanto com os ascendentes do “de cujus”. No entanto, o presente
trabalho tem como finalidade abordar a concorrência do cônjuge apenas com os descendentes
do “de cujus”, superficialmente nos diversos regimes de bens, conferindo maior ênfase ao
regime de separação convencional de bens, posto este ser o objeto central do tema.
“A concorrência com o descendente permite ao cônjuge receber uma parte de herança
que na época do Código Civil de 1916 era destinada exclusivamente ao descendente,
independentemente da sua meação” (NETO, 2008, p. 106).
O art. 1.829 do Código Civil afirma que o cônjuge concorrerá com os descendentes do
“de cujus”, a depender do regime de bens estabelecido.

Revista de Direito de Família e Sucessão | e-ISSN: 2526-0227 | Salvador | v. 4 | n. 1 | p. 71 – 93 | Jan/Jun. 2018

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Ilton Garcia Da Costa & Marcos Paulo dos Santos Bahig Merheb

Pela nova disposição legal, o cônjuge herda juntamente com os


descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da
comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens, ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares. Ou seja, herda o cônjuge se for casado com o regime
de separação total (convencional) de bens, participação final nos
aquestos ou, não havendo bens particulares, comunhão parcial de bens.
(NETO, 2008, p. 128).

“Não é sempre que o sobrevivente recebe um naco do quinhão dos descendentes.


Depende do regime de bens que os cônjuges elegeram antes do casamento” (DIAS, 2008, p.
154).
O ordenamento jurídico brasileiro estabeleceu como regimes de bens o regime da
comunhão universal, da comunhão parcial, da separação convencional, da separação obrigatória
e da participação final nos aquestos.
No que se refere ao regime de comunhão universal de bens, afirma o Código Civil que
os bens presentes e futuros serão comunicáveis entre os nubentes, salvo hipóteses especificas
de não comunicabilidade. (art. 1.667 e 1.671)
Em tal regime, quando da ocorrência da morte de um dos nubentes, “inexiste direito
de concorrência, isso porque o sobrevivente tem o direito de meação sobre todo o acervo
patrimonial” (DIAS, 2008, p. 154). A regra é a meação da totalidade dos bens.
A meação em nada tem haver com o direito das sucessões, pois este instituto pertence
ao direito de família, posto decorrer do regime de bens escolhido pelos nubentes no momento
do matrimonio.

Dentre os direitos patrimoniais do cônjuge, distinguem-se a meação e a


herança. Uma coisa é a meação, que decorre do regime de bens e
preexiste ao óbito do outro cônjuge, devendo ser apurada sempre que
dissolvida a sociedade conjugal. Diversamente, herança é a parte do
patrimônio que pertencia ao cônjuge falecido, transmitindo-se aos seus
sucessores legítimos ou testamentários (AMORIM, p. 94).

“Meação não é herança, pois os bens comuns são divididos, visto que a porção ideal
deles já lhe pertencia” (DINIZ, 2008, p. 124)

O cônjuge supérstite já terá direito à meação e, por essa razão, o


legislador entendeu que não haverá o direito à concorrência, já que o
sobrevivente terá bens próprios suficientes para garantir o seu sustento.

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Note-se que, pela comunhão universal, os bens que pertencem ao
marido em regra, também pertencem à esposa e vice-versa. Assim,
estará garantida ao sobrevivente sua meação e seu amparo (TARTUCE,
SIMÃO, p. 167).

Portanto, no regime de comunhão universal de bens, o cônjuge sobrevivente não


herdará em concorrência com os descendentes do “de cujus”, posto que já terá direito a metade
dos bens a título de meação, estando economicamente amparado.
“Entretanto, um aspecto interessante de ressaltar é que mesmo no regime de comunhão
universal podem existir bens que não são comuns, mas que pertencem a apenas um dos
cônjuges, sendo, portanto, bens particulares” (TARTUCE, SIMÃO, p. 168).
A esse respeito, a doutrina tem afirmado que o cônjuge terá direito a concorrência com
os descendentes em relação aos bens particulares, caso não haja patrimônio comum. Assim, em
sendo o matrimônio contraído sob o regime de comunhão universal de bens e não havendo bens
em comum, havendo somente bens particulares com clausula de incomunicabilidade, como as
do art. 1.668 do Código Civil, o cônjuge sobrevivente tocará parte desses bens a título de
herança.

Não é outra a opinião de Francisco José Cahali, para quem “haverá de


se questionar se terá o viúvo direito sucessório, quando casado no
regime da comunhão universal de bens, ou qualquer outro regime
convencional, e o falecido possuir apenas bens particulares (p. ex.
gravados por cláusula de incomunicabilidade na doação ou por
testamento). A coerência recomenda seja deferida a sucessão ao
cônjuge sobre os bens particulares, se a estes for restrita a herança do
viúvo, a despeito da literalidade do texto ser de diverso conteúdo
(TARTUCE, SIMÃO, apud CAHALI, p. 168).

Com este entendimento, mesmo em havendo clausula de incomunicabilidade dos bens


particulares do “de cujus”, tal condição não possui validade quando a divisão decorrer da
morte, posto que a incomunicabilidade deve ser aplicada apenas quando houver o fim do
vinculo matrimonial pelo divórcio.
Verifica-se, portanto, a possibilidade de ocorrência de duas situações quando o regime
patrimonial do casamento for o da comunhão universal de bens. Primeiro quando houver bens
comuns, hipótese em que não haverá concorrência do cônjuge sobrevivente, tendo este direito
apenas a meação; segundo quando não houver bens comuns, sendo que o cônjuge sobrevivente

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terá direito a concorrência sobre os bens particulares do “de cujus”, ainda que gravados com
clausula de incomunicabilidade.
Em relação ao regime de comunhão parcial de bens, verifica-se uma maior gama de
divisão do patrimônio entre os nubentes, posto que há possiblidade da existência de bens
comuns, de bens apenas do marido e bens apenas da mulher. Neste regime, comunicam-se
entre os cônjuges os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, excluindo da
comunhão os bens particulares, considerando estes como os que cada cônjuge possuía ao se
casar e os incomunicáveis constantes no art. 1.659 do Código Civil.
No regime de comunhão parcial de bens, segundo o art. 1.829, I, do Código Civil, o
cônjuge concorre com os descendentes quando houver bens particulares. Sob este prisma, a
doutrina debate se o cônjuge concorre sobre todo o acervo hereditário ou se apenas em relação
aos bens particulares.
Quando não houver bens particulares de cada cônjuge, o sobrevivente não herdará,
possuindo direito apenas a meação, sendo este o entendimento consolidado na doutrina e
jurisprudência.
Isso porque se não há bens particulares de cada cônjuge, o cônjuge sobrevivente será
meeiro da totalidade do que houver, já que a partilha ocorrerá apenas em relação aos bens
comuns. A interpretação do art. 1.829, inciso I, do Código Civil, é no sentido de que se o autor
da herança não deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente terá direito a sua meação,
sendo que a meação do “de cujus” será partilhada exclusivamente entre seus descendentes.
Assim, não há que se falar em concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente quando o autor
da herança não houver deixado bens particulares no regime de comunhão parcial de bens.
No entanto, a questão polêmica que suscita debate na doutrina é em relação à
concorrência do cônjuge no regime de comunhão parcial de bens quando o autor da herança
houver deixado bens particulares. Atualmente há três correntes doutrinárias a respeito.
Para a primeira corrente, em havendo meação o cônjuge só concorrerá em relação aos
bens particulares.

Essa parece ser a mais correta interpretação do dispositivo na opinião


dos coautores Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Se o regime da
comunhão universal de bens não há concorrência em razão da meação
existente, com relação à comunhão parcial de bens a concorrência só
pode se verificar quanto aos bens particulares, mas jamais com relação
aos bens comuns (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 179).

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”

Para este entendimento, o cônjuge só concorrerá quanto aos bens particulares, posto
que os bens comuns o mesmo é meeiro.
Importante destacar que esta corrente deriva do Enunciado 270, da III Jornada de
Direito Civil, organizada pela Justiça Federal, que assim dispõe:

Enunciado 270: Art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente


o direito a concorrência com os descendentes do autor da herança
quando casados no regime da separação convencional de bens, ou, se
casados nos regime da comunhão parcial ou participação final nos
aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a
concorrência se restringe a tais bens devendo os bens comuns (meação)
ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.

Portanto, pelo enunciado 270, a concorrência do cônjuge sobrevivente restringe-se


apenas aos bens particulares do autor da herança, sendo que os bens comuns serão partilhados
entre os descendentes.

São adeptos desta corrente Flávio Monteiro de barros, Eduardo de


Oliveira Leite, Christiano Cassettari, Francisco José Cahali, Gustavo
Rene Nicolau, Jorge Shiguemitsu Fujita, Mario Delgado, Euclides de
Oliveira, Sebastião Amorim, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno
e Zeno Veloso (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 179).

Se o falecido deixou bens particulares, o cônjuge participa da herança somente a estes


bens, excluindo-se os adquiridos na constância do casamento, posto que estes são objetos de
meação, em decorrência do regime do matrimonio, e não sucessório. De modo diverso, quando
não houver bens particulares deixados pelo “de cujus”, o cônjuge sobrevivente terá direito
apenas a meação.
Questão diversa é a hipótese daqueles que defendem que o cônjuge sobrevivente
herdará não apenas os bens particulares, mas sim todo o acervo hereditário, fazendo, portanto,
com que surja a segunda corrente.
“A posição majoritária, entretanto, não é pacifica e há argumentos favoráveis à ideia
de que o cônjuge participaria da sucessão no tocante à totalidade da herança, surgindo aqui a
segunda corrente” (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 180). Para este entendimento, o cônjuge
casado sob o regime de comunhão parcial de bens onde houver bens particulares, não recebe

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apenas a sua meação e parte dos bens particulares, mas sim sua meação e parte de todo o acervo
hereditário.

Havendo patrimônio particular, o cônjuge sobrevivente receberá sua


meação, se casado sob o regime de comunhão parcial de bens, e uma
parcela sobre todo o acervo hereditário. Concorre, no nosso entender,
em regra, em igualdade de condições com os descendentes do falecido,
e tem direito à meação em face do regime matrimonial de bens. Como
ocorre, no de comunhão parcial, pois além de receber sua meação, terá
um aparte sobre toda a herança. (DINIZ, 2008, p. 124).

Assim, pela segunda corrente, o cônjuge sobrevivente herdará todo o acervo


hereditário. Portanto, receberia a meação dos bens comuns, mais uma parcela dos bens
particulares e uma parcela da meação que cabia ao “de cujus”.
Ao que parece, esta segunda corrente não é a mais acertada, já que o cônjuge
sobrevivente sairia com vantagem excessiva em desfavor dos herdeiros que, muitas vezes,
sequer é herdeiro comum de ambos os cônjuges.
Ainda, nítido é o bis in idem nesta segunda corrente, tendo em vista que o cônjuge
sobrevivente a ele tocará metade do que já tem, e ainda concorrerá com os descentes na metade
dos bens comum pertencente ao “de cujus”. Apenas para frisar, está segunda corrente defende
tal forma de entendimento quando houver bens particulares pelo “de cujus”, de modo que
ausente estes bens, ao cônjuge sobrevivente tocará apenas a sua meação, em nada tendo que
falar em concorrência com os descendentes.
Há quem faça a interpretação invertida das duas correntes anteriores, fazendo,
portanto, com que nasça a terceira corrente. Quem defende a interpretação invertida, sustenta
que o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes do “de cujus” quando houver
bens particulares do morto.

Não se pode olvidar que a regra é a concorrência. Esse direito se


sujeita a exceções, limitações de caráter restritivo. O legislador
identifica as hipóteses em que o direito é afastado: (1) no regime da
comunhão universal de bens e (2) no regime da separação obrigatória.
No regime da comunhão parcial, a lei aponta a hipótese em que o
direito é assegurado (3): quando houver bens particulares. A ressalva
última decorre da duplicidade de situações que este regime contém
(existência ou não de bens exclusivos), o que impõe tratamento
diferenciado a cada modalidade. Em respeito à natureza mesma do

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CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
regime legal, o direito à concorrência só pode ser deferido se não
houver bens particulares no acervo hereditário. (DIAS, 2010).

“Por essa terceira corrente, a concorrência sucessória entre cônjuge e descendentes só


ocorre com relação aos bens comuns e não com relação aos bens particulares” (TARTUCE,
SIMÃO, 2008, p. 182).

Enquanto os defensores da primeira e da segunda correntes apenas


reconheciam, ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de
bens, o direito á sucessão na hipótese de o falecido ter deixado bens
particulares, esta terceira linha de pensamento defende que só há
sucessão na hipótese em que ele não os deixou, concorrendo o cônjuge
sobrevivente com os descendentes, na herança dos bens comuns.
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009).

Deste modo, no que se refere ao regime de comunhão parcial de bens, há três


posicionamentos, sendo que o mais vantajoso ao cônjuge sobrevivente é o da segunda corrente,
posto que receberá sua meação e parte de todo o restante do acervo hereditário.
No entanto, no regime de comunhão parcial de bens, entendemos que o
posicionamento que traz maior justiça aos descentes é o da primeira corrente, na qual o cônjuge
sobrevivente terá a sua meação e concorrerá com os descendentes apenas em relação aos bens
particulares, sendo que a meação pertencente aos “de cujus” será partilhada apenas entre os
descendentes deste.
Em relação ao regime de participação final nos aquestos, haverá comunicação dos bens
apenas no momento da dissolução da sociedade conjugal, sendo que, na constância do
casamento, haverá uma separação de bens. Conforme o art. 1.673 do CC, integram o patrimônio
próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na
constância do casamento. (TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 184)

A regra de que o cônjuge é herdeiro (CC 1830 e 1845), para os fins do


CC 1829 I, se aplica ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da
participação final nos aquestos. Morto seu par, o sobrevivente continua
titular de seu patrimônio próprio, recebe a meação verificada em virtude
do regime de bens adotado (CC 1674 a 1684) e participa como herdeiro
necessário da herança deixada pelo morto (CC 1685 c/c 1829 I a III,
1832 a 1835). (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987).

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“Como o regime de participação final nos aquestos não esta referido entre as exceções
que afastam o direito de concorrência, ao cônjuge sobrevivente é assegurada parcela da
herança” (DIAS, 2008, 159).
No entanto, como no regime de participação final dos aquestos existem três massas de
bens (bens comuns, bens particular da mulher e bens particular do marido), poderão ocorrer
diversas situações na concorrência do cônjuge.
A primeira situação é aquela em que todos os bens deixados pelo
cônjuge falecido são bens particulares. Nessa hipótese o cônjuge
supérstite não terá direito à participação sobre eles, mas apenas direito
sucessório em concorrência com os descendentes.
A segunda esta presente quando todos os bens deixados pelo falecido
são bens aquestos. Nessa hipótese o cônjuge supérstite terá direito à
participação sobre todos eles em decorrência do regime, mas não terá
direito sucessório em concorrência com os descendentes. Havendo
participação em vida, não haverá concorrência quando da morte.
Por fim, pode-se falar da situação em que o falecido deixa aquestos em
que há participação do cônjuge viúvo e bens particulares em que não há
participação. Nesse caso, quanto aos aquestos, em que há participação
em razão do regime, não terá o viúvo direito sucessório em
concorrência com os descendentes; quanto aos demais bens, como não
tem direito á participação, terá a concorrência sucessória (TARTUCE,
SIMÃO, 2008, p. 185).

Ademais, importante destacar que o exposto entendimento decorre do já citado


Enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil da Justiça Federal.
Assim, ocorrendo a situação de haver apenas bens particulares do falecido, o cônjuge
terá direito a concorrência com os descendentes, e jamais direito a meação; de outro modo
ocorre quando houver apenas bens comuns deixados pelo falecido, nesta hipótese o cônjuge
terá direito a meação destes bens, não concorrendo os descendentes quanto a outra parte; no
mais, se houver bens comuns e bens particulares deixados pelo “de cujus”, o cônjuge concorrerá
quanto a estes bens e terá direito a meação quanto aqueles.
Outro regime adotado pelo Código Civil é o da separação de bens, que pode ser o
convencional e a obrigatória. O regime da separação convencional decorre única e
exclusivamente da vontade das partes, ao passo que o obrigatório decorre da vontade da Lei
(BRASIL, Código Civil, 2002). Para a maioria da doutrina, cada qual desses regimes terão
efeitos diferentes no momento da dissolução da sociedade conjugal pela morte.
O regime de separação obrigatória de bens é aquele que decorre da Lei quando os
nubentes se encontrarem em uma das situações previstas no art. 1.641, I, II e III, do Código

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Civil. Assim, impõe-se este regime àqueles que convolarem núpcias pendendo causas
suspensivas, com pessoa maior de setenta anos e de todos que dependerem para casar de
suprimento judicial (BRASIL, Código Civil, 2002).
O regime de separação obrigatória de bens, o cônjuge sobrevivente, em regra, não terá
direito a concorrência com os descendentes do “de cujus”.

Não se aplica ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da


separação obrigatória, a regra geral sobre sucessão legítima do cônjuge
(CC 180 e 1845), mas sim a exceção do CC 1829 I. Havendo herdeiros
descendentes, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação
obrigatória de bens não é herdeiro necessário. No caso de haver apenas
herdeiro ascendente, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de
separação obrigatória é herdeiro em concorrência com os mesmos
ascendentes do de cujus (CC 1829 II) (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987).

No entanto, embora o cônjuge sobrevivente casado sobre o regime de separação


obrigatória de bens não tenha direito a concorrência, a Súmula 377 do Supremo Tribunal
Federal veio abrandar o dispositivo que impõe este regime. Pela citada súmula, o regime de
separação obrigatória de bens transmuda-se para o regime de comunhão parcial de bens. É que
no regime de separação obrigatória de bens, comunicam-se os bens adquiridos onerosamente
na constância do casamento. “Ainda bem que Súmula do STF alterou este perverso regime para
o da comunhão parcial, e a jurisprudência vem declarando a inconstitucionalidade do malsinado
dispositivo legal” (DIAS, 2008, p. 156).
Em suma, verifica-se que no ordenamento jurídico brasileiro os efeitos sucessórios em
face do cônjuge sobrevivente, quando em concorrência com os descendentes do falecido, terão
repercussões diversas, a depender do regime de bens adotado, ora lhe conferindo direito a
concorrência, ora denegando este direito. Questão de maior atenção, e que é o tema central do
presente trabalho, é a concorrência ou não dos cônjuges casados no regime de separação
convencional de bens, a qual merece tópico em separado.

3. A SUCESSÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE NO REGIME DE SEPARAÇÃO


CONVENCIONAL DE BENS, DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
E CRITICAS A LUZ DA AUTONOMIA DA VONTADE

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O último regime pesquisado e que é o ponto central do presente artigo é o regime de


separação convencional de bens, merecendo tópico próprio, para melhor elucidação.
Pela única e exclusiva interpretação do art. 1.829, I do Código Civil, as exceções a
concorrência do cônjuge com os descendentes do “de cujus” são quando o casamento se der
pelo regime de comunhão universal de bens, separação obrigatória de bens e comunhão parcial
de bens, sendo este quando não houver bens particulares. Nestes citados regimes, o cônjuge ora
é apenas meeiro, ora nada recebe.
Para a maioria da doutrina, o cônjuge casado no regime de separação convencional de
bens terá direito a concorrência com os descendentes do “de cujus”.
Fica definitivamente superada a questão e não haverá a comunicação de
nenhum bem adquirido durante o casamento, se os cônjuges optarem
pelo regime de separação convencional de bens. Consequentemente, ao
final do casamento, o cônjuge sobrevivente pode ficar desamparado.
Não havendo meação, haverá sucessão com os descendentes.
(TARTUCE, SIMÃO, 2008, p. 174).

Pensando em proteger o cônjuge sobrevivente, acreditando que o mesmo pode ficar


desamparado, alguns doutrinadores são coniventes com o entendimento de que o mesmo deve
ser herdeiro em concorrência com os descendentes do “de cujus”, mesmo se casado no regime
de separação convencional de bens.
“Havendo herdeiros descendentes, o cônjuge sobrevivente casado sob o regime da
separação convencional de bens é herdeiro em concorrência com os mesmos descendentes do
de cujus” (JUNIOR, NERY, 2006, p. 987).
Pode-se dizer, portanto, que haverá concorrência do cônjuge sobrevivente com os
descendentes do “de cujus” quando o casamento se der pelo regime de participação final nos
aquestos, separação convencional de bens e comunhão parcial de bens quando houver bens
particulares; por outro lado, não haverá concorrência quando o regime de bens for o de
comunhão universal, separação obrigatória e comunhão parcial de bens quando não houver bens
particulares.
No entanto, em dezembro de 2009, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
no Recurso Especial n. 992.749/MS, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, proferiu
entendimento diverso do da doutrina majoritária em relação ao casamento contraído no regime
de separação convencional de bens (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009).

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
Ao julgar um caso que envolvia herdeiros, cônjuge sobrevivente e
regime de bens, o referido Tribunal atendeu os anseios de uma sensata
maioria ao determinar não subsistir ao cônjuge casado sob o regime da
separação convencional de bens, direito à concorrência sucessória,
privilegiando assim a autonomia da vontade privada em detrimento da
ordem de vocação hereditária imposta pelo novo diploma civil.
(GEROTI, 2010).

Como informado, o casamento sob o regime de separação convencional de bens,


segundo a doutrina majoritária, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do “de
cujus”. No entanto, com o Recurso Especial nº. 992.749/MS, da Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça, no ano de 2009 proferiu entendimento no sentido de que, sob pena de acabar
com a função do regime de separação convencional de bens, bem como violentar o princípio da
dignidade da pessoa humana, sob a ótica da autonomia da vontade, o cônjuge não deveria
concorrer em referido regime.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, 2007)
e o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também se pronunciaram no sentido de que o
cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens não é herdeiro,
portando não deve concorrer. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Paraná, 2007).
Porém, a mesma Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça esboçou o
entendimento divergente do proferido no Recurso Especial nº. 992.749/MS, pois no ano de
2015 decidiu que o cônjuge sobrevivente deveria ser herdeiro e concorrer com os descentes nos
bens deixados pelo “de cujus”, quando casado no regime de separação convencional de bens,
conforme Agravo Regimental no Recurso Especial nº. 1.334.340/MG, de relatoria do Ministro
Marco Aurélio Bellizze. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2015).
Ao que se observa, no interior da mesma Turma do Superior Tribunal de Justiça
haviam entendimentos em sentido totalmente opostos, o que somente veio a ser pacificado por
meio do Recurso Especial n. 1.382.170/SP, de relatoria do Ministro Mauro Ribeiro (BRASIL,
Superior Tribunal de Justiça, 2015) . Neste julgado, parece ter ocorrido a pacificação do
entendimento, ao afirmar que o cônjuge casado sob o regime de separação convencional de
bens é herdeiro, apenas sendo afastando se o regime for o da separação obrigatória de bens, na
forma do artigo 1.640 do Código Civil.
Constata-se que, atualmente, prevalece na doutrina e na jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça que no regime de separação convencional de bens o cônjuge sobrevivente
deve sim ser herdeiro necessário e concorrer com os descendentes do “de cujus”.

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Este entendimento supostamente pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça viola


frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade, posto que
se em vida os cônjuges optaram pela não comunicabilidade de bens, a lei não deveria na morte
interferir em tal escolha.

De fato, a opção paternalista do legislador em equiparar o cônjuge a herdeiro


independentemente de ele, no exercício de sua autonomia de vontade, ter
optado pela separação absoluta de bens, ocasionou o extermínio do regime da
separação convencional de bens na hipótese de falecimento de um dos
cônjuges (GEROTI, 2010)

A primeira posição do Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2009, de relatoria da


Ministra Nancy, parece ser a mais acertada, posto que coaduna com a autonomia da vontade no
momento do casamento e nas relação privadas.
Se este entendimento não prevalecer, temos que o legislador, ao mesmo tempo em que
“concede com a mão direita o direito de livre escolha sobre o patrimônio no casamento, com a
mão esquerda retira a sua eficácia no momento da morte”. (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p.
317).
“O legislador, numa demonstração inequívoca de invasão dos limites da autonomia
individual por parte da norma jurídica, desvirtuou por completo a essência do regime da
separação absoluta”. (GEROTI, 2010).
O grande empecilho encontrado pela doutrina e pelos Tribunais era a respeito da
interpretação isolada do indigitado art. 1.829, I, do Código Civil de 2002. O cerne da questão
está na interpretação dos dispositivos legais do Código Civil que tratam da ordem de vocação
hereditária (artigo 1.829), e do regime da separação de bens entre os cônjuges (artigo 1.687).
O legislador, no art. 1.829, I c/c com art. 1.845 do Código Civil, ao fazer com que o
cônjuge sobrevivente seja herdeiro necessário, mesmo casado no regime de separação
convencional de bens, contrariou norma que vem desde a época do reinado no Brasil, pois,
naquela época, todos os casamentos eram feitos por carta de ametade, salvo quando entre as
partes outra coisa for acordada. (MIRANDA, 2001, p. 148). Assim, hodiernamente, parece que
o legislador ignorou a vontade das partes, destoando o regime da separação convencional de
bens.
Para se chegar à conclusão de que o cônjuge casado no regime de separação
convencional de bens não concorre com os descendentes do falecido, deve-se realizar a

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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
interpretação sistemática dos art. 1.829, I, e do art. 1.687 do Código Civil, conforme asseverou
Miguel Reali, bem lembrado por Celina Goes, em artigo publicado pelo IBDFAM.

Assim, somente a análise dos dispositivos legais referente à matéria


colocada poderia conduzir à correta interpretação do dispositivo no art.
1.829, I, do Código Civil. Assim, o Professor Miguel Reale, em artigo
publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 12 de abril de 2003,
analisou o disposto no art. 1.829, inciso I, do Novo Código Civil,
entendendo que tanto o cônjuge casado pelo regime de separação
convencional de bens, quanto aquele casado pelo regime de separação
obrigatória de bens, não são herdeiros necessários na hipótese de
concorrência com os descendentes. A análise do Prof. Reale é baseada
no princípio primordial de hermenêutica jurídica, que consiste na
interpretação de um artigo em harmonia com os demais contidos
naquela codificação. Assim, a análise isolada do art. 1829, I, do Código
Civil, pode levar a uma conclusão equivocada; devendo, ao contrário,
situar o referido dispositivo no contexto do conjunto das regras relativas
à questão examinada. (GOES, 2007).

Para o professor Reali, a interpretação para chegar a conclusão deve ser feita entre os
dispositivos da matéria examinada, quais sejam: o de que trata da concorrência do cônjuge e o
de que dispõe sobre o regime de separação convencional de bens. Assim, conclui:

Nessa ordem de ideias, duas são as hipóteses de separação obrigatória:


uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo
vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes
do casamento, optando pela separação de bens. A obrigatoriedade da
separação de bens é uma consequência necessária do pacto concluído
pelos nubentes, não sendo a expressão “separação obrigatória”
aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art.
1.641. Essa minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que
– se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado
herdeiro necessário do autor da herança – estaríamos ferindo
substancialmente o disposto no art. 1.687, sem o qual desapareceria
todo o regime separação de bens em razão do conflito inadmissível
entre esse artigo e o de n. 1.828, I, fato que jamais poderá ocorrer numa
codificação à qual é inerente o princípio da unidade sistemática.
(REALI, p. 2).

Ao verificar a obrigatoriedade do regime de separação de bens, deve se ter em mente


que esta obrigatoriedade deve ocorrer tanto no regime de separação de bens convencionada por
meio de pacto antenupcial, quanto para o regime de separação imposto pela Lei. É que a
obrigatoriedade da separação de bens ora decorre da Lei, ora decorre da vontade das partes.

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Esta é a melhor interpretação e a mais justa solução para aqueles que se


casam pelo regime da separação total pactuada já que, se as partes
pactuaram a separação de bens, muito provavelmente não gostariam
que o cônjuge supérstite fosse seu herdeiro em concorrência com os
descendentes e, se às partes interessar tal concorrência, poderão fazer
doação em vida ao cônjuge ou testamento deixando o disponível para o
cônjuge. (GOES, 2007)

Caso o cônjuge casado sob o regime convencional de bens queira assegurar certa parte
de seu patrimônio a seu consorte, que faça doação ou testamento da parte disponível da herança.
Cabe ao cônjuge utilizar-se desses institutos para deixar bens a seu consorte, quando casado no
regime de separação convencional de bens. Não deve o Estado interferir e impor que o cônjuge
seja herdeiro necessário no regime de separação convencional, eis que evidente violação a
autonomia da vontade.
Se em vida os cônjuges resolveram, de forma voluntaria e livre, adotar o regime de
separação total de bens, certamente na morte pretendem que assim seja mantido.
O Código Civil decidiu que os cônjuges casados pelo regime de separação
convencional de bens possuem total liberdade na administração de seus bens e separação do
patrimônio em vida. Portanto, não cabe ao legislador contrariar o disposto no art. 1.687 do
referido diploma legal, afirmando que o cônjuge sobrevivente é herdeiro necessário no regime
de separação convencional de bens, ou seja, não cabe ao mesmo misturar os bens no momento
da morte.

Ora, se o novo Código Civil, ao disciplinar o regime da separação legal


e convencional de bens decidiu pelo total isolamento do patrimônio dos
cônjuges, dispensando a outorga uxória e afastando inclusive a
comunhão de aquestos, não se pode conceber o entendimento de que
cônjuges casados sob o regime de separação voluntária ou convencional
de bens seriam herdeiros necessários, concorrendo com os
descendentes, sob pena de clara violação ao disposto no art. 1.687 do
referido diploma legal (GOES, 2007).

Considerar que o cônjuge sobrevivente casado no regime de separação convencional


de bens concorre com os descendentes do falecido, viola o art. 1.687 do Código Civil. De mais
a mais, caso os cônjuges casados no regime de separação convencional de bens queiram que
um deles seja herdeiro necessário, basta alterar o regime de bens, posto que vigora no Brasil o

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CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
princípio da mutabilidade do regime de bens. Logo, se em vida o morto não quis alterar o regime
de bens, nem fazer doações ou testamento a seu consorte, não cabe ao legislador impor o
cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes.
Ao Estado não é lícito interferir na vida exclusiva do casal, sob pena de violar o
disposto no art. 1.513 do Código Civil, que determina que é vedada a intervenção publica ou
privada na comunhão de vida instituída pela família. (BRASIL, Código Civil, 2002).
Além disso, contrariar a vontade dos nubentes no momento da morte viola também o
princípio da dignidade da pessoa humana, de onde decorre a autonomia da vontade. “Por tudo
isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na
escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na vida como na morte dos cônjuges”.
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009).
Uma vez estipulado o regime de casamento como o de separação convencional de
bens, esta estipulação deve prevalecer na constância do casamento, bem como em sua
dissolução por divórcio ou por morte.

Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação


de bens, direito á meação, salvo previsão diversa em pacto antenupcial,
tampouco á concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens
estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos,
portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário.
Entendimento em sentido diverso suscitaria clara antinomia entre os
arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC/02, o que geraria uma quebra da
unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime
de separação de bens. Por isso, entre uma interpretação que torna
complementares os citados dispositivos, não é crível que seja conferida
preferência a primeira solução (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça,
2009).

O ato de se convencionar o regime de separação convencional de bens é um ato


realizado a dois, o qual o direito sucessório não cabe impor limitações.

Assim, a regra que confere o direito hereditário de concorrência ao


cônjuge sobrevivente não alcança nem pode alcançar os que têm e
decidiram ter patrimônios totalmente distintos, sob pena de clara
violação ao art. 1.687 do CC/02, notadamente quando a
incomunicabilidade resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do
casamento. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, 2009)

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Portanto, não deve a Lei infringir a vontade livre estipulada por meio de pacto
antenupcial, sob pena de não conferir segurança jurídica aos atos dotados de publicidade
oponível “erga omnis”.
A intenção dos cônjuges que escolhem, livre e reciprocamente, o regime de separação
absoluta é de clareza solar: estabelecer uma relação afetiva sem interseções patrimoniais,
apenas afetiva e amorosa. (FARIAS, ROSENVALD, 2017, p. 316).
A gravidade do problema reside em situações na qual o falecido possui filhos
exclusivos que não é filho do cônjuge sobrevivente. Nesta situação, adotar que o cônjuge
sobrevivente deve concorrer com os filhos exclusivos do falecido, evidentemente altera toda a
lógica do sistema. Imagine-se que a viúva também tenha filhos exclusivos. Deste modo, os bens
que o cônjuge sobrevivente recebeu em concorrência com os descendentes do falecido será
posteriormente transmitido aos seus descendentes exclusivos, que nada tem haver com o
proprietário originário.
Veja que a situação certamente gera discórdia, pois que é incompreensível imaginar
que pessoa estranha ao afeto e a consanguinidade possa receber o patrimônio que deva pertencer
aos herdeiros verdadeiros.
O que causa maior estranheza ao entendimento de que o cônjuge sobrevivente casado
no regime de separação convencional de bens deve concorrer, é o fato de se estar diante de
relações privadas, na qual o Estado não deve intervir, sendo que toda e qualquer intervenção
torna-se absurda e excessiva.
O sentido lógico da existência do regime de separação convencional de bens é
justamente o de separar o patrimônio dos consortes, para que cada cônjuge tenha seus bens
exclusivamente. Assim, entender que neste regime o cônjuge sobrevivente deva concorrer
esvazia e torna inócua a sua adoção, principalmente quando o proprietário do patrimônio já
antevia nada deixar para seu consorte.
Com isso, o entendimento favorável a concorrência ignora o regime escolhido
voluntariamente pelo casal, afrontando a autonomia da vontade. (FARIAS, ROSENVALD,
2007, p. 322).
O Superior Tribunal de Justiça, no acórdão capitaneado pela Ministra Nancy Andrighi,
demonstrou a decisão mais acertada, ao decidir afastar o cônjuge sobrevivente casado sob o
regime de separação convencional de bens da concorrência com os descendentes do falecido,
posto que entendimento em sentido diverso contraria a sistemática da matéria. Assim, tal

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entendimento esta em consonância com os demais dispositivos legais e principiológicos,
merecendo criticas a decisão proferida no Recurso Especial n. 1.552.553/RJ/SP.
A par disto, embora supostamente o Superior Tribunal de Justiça tenha pacificado o
entendimento, espera-se que novos casos concretos cheguem em referida Corte, para que ao
final possa proferir julgamento coadunado com os princípios da autonomia da vontade,
dignidade da pessoa humana e intervenção mínima do Estado nas relação privadas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O regime de comunhão parcial de bens traz discuções doutrinárias, sendo que alguns
defendem que o cônjuge sobrevivente herdará somente os bens particulares, outros dizem que
herdará os bens particulares e a meação do falecido e, ainda, há quem defenda que o cônjuge
sobrevivente não herdará caso haja bens particulares do “de cujus”.
No regime de participação final nos aquestos os bens se comunicarão somente no
momento da dissolução da sociedade conjugal, sendo que na constância desta vigora verdadeira
separação de bens. No entanto, como no regime de participação final dos aquestos existem três
massas de bens (bens comuns, bens particular da mulher e bens particular do marido), poderão
ocorrer diversas situações na concorrência do cônjuge.
O regime de separação de bens se subdivide em convencnional e obrigatório. O regime
de separação obrigatória de bens decorre da Lei quando os nubentes se enquadrarem nas
hipoteses do art. 1.641 e incisos, do Código Civil, sendo certo que, neste regime, o cônjuge
sobrevivente não receberá nada como herança, possuindo, pela súmula 377 do Supremo
Tribunal Federal, direito apenas a parte dos bens adquiridos na constância do casamento. Já o
regime de separação convencional de bens deve ser escolhido por meio de pacto antenupcial.
Neste regime, parte da doutrina, interpretando o art. 1.829, inciso I, do Código Civil, defende a
concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido.
O Superior Trbunal de Justiça, no ano de 2009, proferiu entendimento de que cônjuge
sobrevivente não deve herdar no regime de separação convencional de bens. Porém, poucos
anos depois, o mesmo Tribunal decidiu de forma totalmente oposta ao entendimento anterior,
concedendo ao cônjuge sobrevivente o direito a herdar juntamente com os descendentes do “de
cujus” no regime de separação convencional de bens.

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O entendimento do Superior Tribunal de Justiça, proferido no Recurso Especial n.


992.749, no sentido de que aqueles que manusearam pacto antenupcial, fazendo a escolha pelo
regime de separação convencional de bens, não deverão concorrer com os descendentes do “de
cujus”, parece ser o mais acertado, a luz da autonomia da vontade e intervenção minima na
relações privadas. Deste modo, o melhor entendimento e que deve ser defendido é o de que o
cônjuge sobrevivente que optar pelo regime de separação convencional de bens, nada deve
herdar, sendo afastado de qualquer tipo de herança.
Ressalte-se que é o entendimento que se coaduna com a sociedade atual, posto que há
casamentos em que os nubentes possuem filhos exclusivos e patrimônio antes das nupcias.
Entendimento diverso viola evidentemente o princípio da dignidade da pessoa humana, posto
que entre suas vertentes encontra-se o principio da autonomia da vontade. Não cabe ao Estado
interferir em regramentos que dizem respeito apenas a vontade dos nubentes, notadamente em
se tratando de direitos disponíveis, como é o caso do patrimônio.
Incompreensivel seria a situação da pessoa que contrair nupcias, realizar pacto
antenupcial em que estipula o regime de separação convencional de bens e, ao final da vida, ver
sua escolha ser desrespeitada por vontade do legislador, o que acarreta verdadeira
desistimulação para muitos.
Conferir a concorrência do cônjuge sobrevivente com os descendentes do falecido fará
com que o regime de separação convencional de bens deixe de existir, fazendo com que a regra
do art. 1.687 e 1.688 se torne letra morta.
Importante ressaltar que, caso o falecido tenha a intenção de contemplar seu parceiro
com algum patrimonio, basta o mesmo realizar doações ou pactuar regime de bens diverso do
da separação obrigatória.
Há de se atentar que aqueles que pactuam pela separação de bens, terão mais
consciência da divisão do patrimônio do que aqueles que são levados a tal situação de forma
obrigatória.
Portanto, o que deve prevalecer, a luz da dignidade da pessoa humana, autonomia da
vontade e intervenção minima do Estado, é o entendimento de que no regime de separação
convencional de bens o cônjuge sobrevivente nada herda. Entendimento diverso deve ser
rechaçado.

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5. REFERÊNCIAS

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das Sucessões. São Paulo: Universitária de Direito, 2006.

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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 992.749. Relatora Ministra Nancy
Andrighi. 21 de dezembro de 2009. Disponível em:
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=992749&b=ACOR&p=true&t=JUR
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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.382.179/SP. Relator Ministro


Mauro Ribeiro. 26 de maio de 2015. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1382170&b=ACOR&p=true&t=J
URIDICO&l=10&i=9> acesso em 06 de abril de 2018.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.334.340/MG. Relator Ministro


Marcos Aurélio Bellizze. 08 de outubro de 2015. Disponível em:
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1334340&b=ACOR&p=true&t=J
URIDICO&l=10&i=2> acesso em 06 de abril de 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Recurso de Agravo de Instrumento n. 0316946-4. Rel.


Desembargador Cunha Ribas, 14 de dezembro de 2007.
Disponívelem:<http://www.tj.pr.gov.br/portal/judwin/consultas/jurisprudencia/Jurisprudencia
Detalhes.asp?Sequencial=1&TotalAcordaos=1&Historico=1&AcordaoJuris=555696>.
Acesso em 03 março de 2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça d e São Paulo. Recurso de Apelação n. 535.332.4/6-00. Rel.


Desembargador Beretta da Silveira, 14 de dezembro de 2007.
Disponível.em:<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=2395835&vlCaptcha=
yhtyb> acesso em 03 de abril de 2018.

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____________________. Ponto Final. Disponível em: <


http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_785)2__ponto_final.pdf > acesso em 06
de abril de 2018.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 22ª ed. São Paulo:
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Enunciado 270. III Jornada de Direito Civil. Coordenador Geral Ministro Ruy Rosado de
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FARIAS, Cristiano Chaves, ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das
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GEROTI, Caires Cristiane. O cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário e a limitação da


autonomia da vontade privada. Disponível em:
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GOES, Celina de Sampaio. Sucessão: Cônjuge Casado no Regime da Separação de Bens não
concorre com os descendentes. Disponível em:
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JUNIOR, N. Nelson. NERY, M. A. Rosa. Código Civil comentado. 4ª ed. São Paulo: Revista
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NETO, Inácio de Carvalho. Direito sucessório do cônjuge e do companheiro. São Paulo:


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O REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A NÃO CONCORRÊNCIA DO
CÔNJUGE SUPÉRSTITE COM OS DESCENDENTES DO “DE CUJUS”
MIRANDA, Pontes de.Tratado de Direito de Família. Campinas: Bookseller, 2001. p. 148

TARTUCE, Flavio, SIMÂO, José Fernando. Direito civil: direitos das sucessões. 2ª ed. São
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REALE, Miguel. O Estado de São Paulo: São Paulo, 12 de abril de 2003.

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Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 02.07.2018
Aprovado em: 11.07.2018
Revista de Direitos Sociais, Seguridade e Previdência Social

A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO


INSTITUTO NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO
BPC (BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA)

Vagner dos Santos Teixeira 1


José Guilherme Ramos Fernandes Viana2

RESUMO
Este artigo trata das questões atinentes ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) previsto
na Lei Orgânica da Assistência Social. No cerne desta análise, está a renda per capita familiar
do requerente limitada a ¼ do salário mínimo que, por vezes, impede a concessão deste
benefício, pois a autarquia (INSS) não analisa outros critérios sociais para auferir condição de
hipossuficiência do necessitado, desprezando, as decisões dos Tribunais Superiores que vem
adotando outros critérios sociais para a concessão do amparo estatal.

Palavras-Chave: Direitos Humanos; Renda Familiar; BPC, Lei Orgânica Da Assistência


Social.

THE INAPLICABILITY OF FUNDAMENTAL HUMAN RIGHTS BY THE


NATIONAL INSTITUTE OF SOCIAL SECURITY (INSS) IN THE CONCESSION OF
THE BPC (CONTINUED BENEFIT OF SUPPLY)

ABSTRACT
This article deals with the issues related to the BPC (Continuous Benefit Benefit) provided for
in the Organic Law of Social Assistance. At the heart of this analysis is the per capita family
income the applicant limited to ¼ the minimum wage, which sometimes prevents the grant
this benefit, since the (INSS) does not analyze other social criteria to obtain a condition
hyposufficiency the needy, despising, are the decisions of the High Courts that have adopted
other social criteria allowing the granting state protection.

Keywords: Human Rights; Family Income; BPC; Organizational Law Of Social Assistence

INTRODUÇÃO
Em um Estado Democrático de Direito, o princípio da igualdade e da dignidade da
pessoa humana são e devem ser indissociáveis, pois por meio deles é que se pode promover o
bem estar de todos os necessitados, o equilíbrio econômico e social para suplantar as
desigualdades.

1
Especialista em Direito Previdenciário pela Faculdade Legale. (2016). Especialista em Direito Penal pela
Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus. (2017) . Graduado em Direito pelo Centro Universitário da
Fundação de Ensino para Osasco – UNIFIEO. (2010). Advogado. – drteixeira@hotmail.com
2
Mestre em Direitos Humanos Fundamentais pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino para Osasco-
UNIFIEO. (2016). Especialista em Comércio Exterior Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas
Unidas (UNIFMU). Graduado em Direito pelo Centro Universitário da Fundação de Ensino para Osasco -
UNIFIEO. (2010). Advogado. – cariolaviana@gmail.com

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01 – 17 | Jan/Jun. 2018
1
Verônika Karine Lira Riedel - 03388116130
Vagner dos Santos Teixeira & José Guilherme Ramos Fernandes Viana

Desde a Revolução Francesa, ocorrida entre os anos de 1789 a 1799, já se apregoava


os princípios da Liberté, Égalité, Fraternité (liberdade, igualdade e fraternidade) que mais
tarde deram origem a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que transformaram
tais princípios em direitos.

Estes princípios ganharam força e atuaram como verdadeiras molas propulsoras para
a afirmação da Revolução Americana, liderada por Thomas Jefferson em quatro de julho de
1779, que juntamente com os representantes dos trezes estados deram o esteio à igualdade
entre homens.

No âmbito dos Direitos Humanos, a Carta das Nações Unidas, promulgada no ano de
1945, reafirmou a fé nos direitos fundamentais, na dignidade e na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres. O legislador brasileiro instituiu na Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo
1, inciso III e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei sem distinção de qualquer
natureza no “caput” do artigo 5º.
Nesse diapasão, temos que a Constituição Federal Brasileira, de 1988, consagrou os
direitos sociais como uma prestação legal imposta ao Estado. O ônus estatal, por meio de
políticas sociais e participação privada, possibilita melhoria das condições de vida daqueles
que são considerados hipossuficientes, vez que, a estes atribui o direito à alimentação,
trabalho, saúde e a própria manutenção da vida, alicerces intrínsecos no princípio da
igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Alicerçado nessas ideias, o presente trabalho foi dividido em três capítulos. No
primeiro capítulo abordamos a gênese da ideia de seguridade social, desde a história do
homem primitivo, que após dominar as técnicas de conservação de alimento, passou a estocá-
los na tentativa de prevenir eventos futuros e, por fim, as transformações após a Segunda
Guerra Mundial consolidadas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho).
No segundo capítulo, analisamos os aspectos históricos da Seguridade Social no
Brasil. Ao longo de décadas, as caixas de assistência foram crescendo e abrangendo diversas
classes de trabalhadores até formarem um grande sistema de caixas assistenciais sem
conexões entre si e, por fim, a criação do Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS no
ano de 1990.
No terceiro capítulo, destacamos o critério da renda per capita de ¼ do salário
mínimo utilizada pelo INSS e a posição dos Tribunais Superiores acerca deste parâmetro
como requisito para concessão do benefício de prestação continuada.

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A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

No estudo utilizamos a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial e o método dedutivo


para se chegar à conclusão de que limitar a concessão do benefício de prestação continuada
apenas com análise do requisito objetivo da lei, qual seja, a renda per capita igual ou inferior
a ¼ do salário mínimo é desprezar o preceito fundamental da dignidade humana insculpidos
em todos os dispositivos Constitucionais de garantia dos Diretos Fundamentais da Pessoa
Humana.

1 O SURGIMENTO E A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE


SEGURIDADE SOCIAL.
Narra a bíblia que o povo Hebreu quando se viu sem fé e sem acreditar nas
promessas divinas passou a guardar o maná (pães que caiam do céu) para satisfazer a fome
dos dias que viriam. As benesses ocorrem por longos seis dias, nas manhãs o povo recebia os
pães e pela tarde as carnes, contudo, Deus irado pela rebeldia de Seus escolhidos permitiu o
apodrecimento de todo o alimento estocado. (NOVA VERSÃO INTERNACIONAL, 2010,
pp. 75/77)
O instinto de sobrevivência é intrínseco a natureza humana, comportamento que
pode ser analisado também no mundo animal. Naturalmente, o instinto de sobrevivência do
homem foi aperfeiçoado na medida em que ao longo de sua existência descobriu e dominou
novas técnicas e habilidades, certamente, fatos que o diferenciam das demais espécies.
Nesse sentido, Ibrahim (2015, p.2), afirma:

A preocupação com infortúnios da vida tem sido uma constante da


humanidade. Desde os tempos remotos, o homem tem se adaptado, no
sentido de reduzir os efeitos das adversidades da vida, como fome, doença e
velhice, etc.

O conceito de proteção social teve sua gênese no seio das famílias primitivas, pois no
passado era comum o aglomerado de pessoas de laços consanguíneos. Nestas comunidades
familiares, cada indivíduo possuía uma responsabilidade, ficando a cargo dos mais jovens em
pleno vigor físico, a missão de cuidar dos mais idosos e incapacitados. Nesse sentido, o
homem médio sempre procurou meios de garantir sua alimentação e de sua família quando
exposto a carência econômica, enfermidade, incapacidade laboral, diminuição ou perda de
renda. Tais fatores levaram a necessidade de criação de instrumentos de proteção para
confrontar as mazelas sociais, refletindo no mundo jurídico (IBRAHIM, 2015, p.2).

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O assistencialismo, por assim dizer, inicia-se com o conceito de caridade, movimento


criado pelas igrejas cujo objetivo era incentivar os mais abastados a socorrer aqueles que se
encontravam em estado de indigência (IBRAHIM, 2015, p.2)
Em sua obra, dos Santos (2013. p.34) afirma que:

Nessa fase, não havia direito subjetivo do necessitado à proteção social, mas
mera expectativa de direito, uma vez que o auxílio da comunidade ficava
condicionado à existência de recursos destinados à caridade.

O conceito de caridade e auxílio ao necessitado começou a perder o vínculo na


Inglaterra por volta do ano de 1601. A proteção aos necessitados ganhou maior dimensão com
a atuação do Poder Público, ou seja, o Estado criou mecanismos sociais que permitiram o
verdadeiro assistencialismo. O primeiro passo foi dado pela Rainha Isabel I, conhecida
também como a “Rainha Gloriana”, que editou o Act of Relief of the Poor – Lei dos Pobres,
imputando ao Estado a responsabilidade em amparar os comprovadamente necessitados. Com
essa lei origina-se a assistência social ou assistência pública, propriamente dita. (DOS
SANTOS, 2013,. p.35)
A lei dos pobres impôs a igreja a responsabilidade em administrar um fundo que era
formado pela arrecadação de uma taxa obrigatória oriunda da classe rica. Assim, o Poder
Público implantava o binômio da igualdade solidária. A partir desse conceito surgiram as
empresas de seguros de fins lucrativos garantidoras da proteção em situações de necessidades.
Uma das primeiras formas de seguro surgiu no século XII o chamado seguro marítimo -
reinvindicação promovida pelos italianos. O desenvolvimento das bases técnicas de seguro
deu origem a criação de novos segmentos tais como: seguro saúde, de vida, contra invalidez,
danos e acidentes, contudo, era privilégio de uma minoria que possuía subsídios para quitar os
prêmios, excluindo assim a proteção da grande massa de trabalhadores. A ausência de
proteção a grande classe de proletariados, bem como, a revolução industrial, nos séculos
XVIII e XIX impulsionaram a criação de um sistema de seguros cuja fiança da efetividade
estava atrelada a distribuição dos riscos dos segurados deu a ideia de Seguridade Social. (DOS
SANTOS, 2013, p.36)
Em 1883, nasce na Prússia, o seguro social fruto da proposta do Alemão Bismarck
conhecido também como “chanceler de ferro”. Esta proposta resultou na Lei do Seguro
Doença, que mais tarde deu origem ao Seguro Enfermidade, cujo objetivo principal era a
proteção dos trabalhadores com as mesmas bases tal e qual é o seguro privado. Por esta razão,
à classe operária era imposta a obrigatoriedade de contratação de um seguro que os

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A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

protegessem dos “perigos sociais”, ou seja, dos riscos incertos e futuros, tais como: doença,
velhice, invalidez e morte. (KERTZAMAN, 2015, p.45)
Durante o século XX, a sistemática Bismarckiana estendeu-se pela Europa, contudo,
sucumbiu diante das consequências causadas pela Primeira Guerra Mundial. Naturalmente, o
número de órfãos, viúvas e combatentes feridos consumiram toda e qualquer reserva
financeira principalmente na Alemanha e Áustria. (DOS SANTOS, 2013, p.38).
Em 1919, com a assinatura do Tratado de Versalhes, surgiu o a primeira tentativa de
se implantar um regime universal de justiça social.Com a Fundação do Bureau International
Du Travia (BIT) – Repartição Internacional do Trabalho – realizou-se a 1ª Conferência
Internacional do Trabalho, que atribuiu o desenvolvimento da previdência social e a
implantação em todas as nações do mundo civilizado. Como resultado dessa conferência,
surgiu a primeira Recomendação para o seguro desemprego. A 3ª Conferência, realizada no
ano de 1921, recomendou a extensão do seguro social aos trabalhadores da agricultura. A 10ª
Conferência, realizada em 1927, estendeu as demais Convenções e Recomendações sobre o
seguro desemprego aos trabalhadores das indústrias do comércio e da agricultura. Em 1933 e
1934 foram realizadas a 17ª e 18ª Conferências respectivamente. Suas recomendações
consolidaram e regularam o seguro contra o desemprego. (DOS SANTOS, 2013, p.39)
A Segunda Guerra Mundial foi responsável por grandes transformações no conceito
de proteção social. Em 1941, o governo Inglês, empenhando na reconstrução do país, formou
uma Comissão liderada por Sir Willian Beveridge. ( BBC, 2018, p.1)
O plano analisou o seguro social e seus serviços abrangendo as necessidades dos
fundos e as previsões. Beveridge teve papel importante no desenvolvimento da legislação
social na Europa e na América. (DOS SANTOS, 2013, p.40)
Foi em 1944, que a OIT3 (Organização Internacional do Trabalho) adotou a
orientação para unificação dos sistemas de seguro social estendendo a todos os trabalhadores
rurais e urbanos, inclusive seus familiares. Somente em 1952, na 35ª Conferência
Internacional foi que a OIT aprovou a Convenção nº 102, denominada “Norma Mínima em
Matéria de Seguridade Social”, cuja aprovação ocorreu na 35ª reunião da Conferência

3
SITE OIT, disponível em: http://www.oitbrasil.org.br - OIT: foi criada em 1919, como parte do Tratado de
Versalhes, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convicção primordial de que a paz
universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social. É a única das agências do Sistema das
Nações Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizações de
empregadores e de trabalhadores. A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do
trabalho (convenções e recomendações) As convenções, uma vez ratificadas por decisão soberana de um país,
passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. Acesso em: 14 de fevereiro de 2018.

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Internacional do Trabalho em Genebra 1952 e, entrou em vigor no plano internacional em 27


de abril de 1955. Foi Aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº
269 de 19 de setembro de 2008 e ratificado em 15 de Junho de 2009. ( BBC, 2018, p.1)

2 OS ASPECTOS HISTÓRICOS DA SEGURIDADE SOCIAL NO


BRASIL.
Durante o período colonial, tiveram início as benesses assistenciais aos
necessitados. Em 1543, ocorreu o surgimento das Santas Casas de Misericórdia na cidade de
São Vicente e em 01 de outubro de 1821, O Príncipe Regente Dom Pedro de Alcântara
expediu Decreto que concedia aposentadoria aos mestres e professores após 30 de anos de
efetivo serviço, assegurando o abono de ¼ (um quarto) dos ganhos aos trabalhadores que
optassem pela continuidade laboral. (CASTRO, 2017, p.55)
No ano de 1888, o Decreto 9.912-A, de 26 de março, estabeleceu o direito de
aposentadoria aos empregados dos Correios que completassem 30 anos de efetivo trabalho e
idade mínima de 60 anos. (CASTRO,2017, p.55)
Os trabalhadores da Estrada de Ferro Central do Brasil também foram
contemplados com o direito de aposentadoria cujos termos estavam estabelecidos no Decreto
221, de 26 de fevereiro de 1890, sendo o mesmo direito, estendido aos demais trabalhadores
ferroviários do Estado em 12 de junho do mesmo ano, por meio do Decreto nº
565.(KERTZAMAN, 2017,p.47)
As aposentadorias concedidas a estes trabalhadores não tinham caráter contributivo,
ou seja, tais trabalhadores não contribuíam para o regime, vale dizer, que tais benesses eram
deliberadamente concedidas pelo Estado, sem a necessidade de contribuição do segurado.
(KERTZAMAN, 2017, p.47).
A obrigatoriedade das contribuições ganhou força com a publicação do Decreto
Legislativo nº 4.682 de 24 de Janeiro de 1923, mais conhecido como Lei Eloy Chaves que,
por meio deste Decreto, criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões das empresas de
construção de estradas de ferro existentes, assegurando o direito de aposentadorias aos
trabalhadores e pensões aos seus dependentes, considerado pela doutrina majoritária o marco
inicial da Previdência Social no Brasil. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.55)
O sistema Eloy Chaves possuía semelhança ao modelo previdenciário alemão de
1883. Suas características essenciais eram a obrigatoriedade de contribuições dos
trabalhadores; a regulamentação e administração de competência do Estado e a cobertura dos
eventos prevista em lei, tais como as incapacidades, mortes e assistência a subsistência que,

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A INAPLICABILIDADE DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS PELO INSTITUTO
NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

gradativamente, foram surgindo outras caixas de assistência de segmentos econômicos


diversos, merecendo destaque:
A Lei 5.109 /1926, estendeu os direitos aos trabalhadores portuários e marítimos.
Aos trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos foram estendidos os mesmos
benefícios por meio da Lei 5.485/1928. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.56)
Nesse diapasão, o Decreto 5.128, de 31 de Dezembro de 1926, criou o Instituto da
Previdência dos Funcionários Públicos da União; O Decreto 19.433, de 26 de Novembro de
1930, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio com objetivo de fiscalizar e
orientar a Previdência Social, inclusive, como órgão de recursos das decisões das Caixas de
Aposentadorias e Pensões. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.56)
Em 1930, O governo Getúlio Vargas suspendeu por meio do Decreto nº 19.540 de
17 de dezembro a concessão de qualquer aposentadoria e determinou a revisão geral dos
benefícios face as inúmeras denúncias de corrupção nas concessões, marcando a primeira
crise no sistema previdenciário. (NETO, 2013, p.51)
Em 1960, foi criado o Ministério do Trabalho e Previdência Social e promulgada a
Lei nº 3.807 – LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social, cujo projeto tramitava desde o ano
de 1947, contudo, não teve o condão de unificar as caixas existentes, todavia, estabeleceu
normas uniformes para o amparo a segurados e dependentes de vários Institutos existentes.
(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.57)
Foi em 1º de Janeiro de 1967, que os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs)
foi unificado por meio do Instituto Nacional da Previdência Social – INPS, criado pelo
Decreto – Lei nº 72, de 21 de Novembro de 1966 e, ao longo dos anos passou a incorporar
outros benefícios que foram sendo criados tais como: o auxílio desemprego (1967), o seguro
acidente de trabalho estabelecido pela Lei 5.316, de 14 de setembro do mesmo ano,
(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.58)
A Lei nº 6.439/1977, trouxe importante transformação administrativa
organizacional ao modelo previdenciário por meio do SINPAS – Sistema Nacional de
Previdência e Assistência Social, que distribuiu as atribuições entre diversas autarquias,
surgindo assim, o IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social, cujo
objetivo era arrecadar e fiscalizar o contribuinte e o Instituto Nacional de Assistência Medica
da Previdência Social – INAMPS, cujo papel era de atender os segurados e seus dependentes
na área da saúde.(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.59)
Ao instituto Nacional Previdência Social – INPS coube a responsabilidade pelos
pagamentos e manutenção dos benefícios previdenciários e à Fundação do Bem Estar do

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Menor - FUNABEM – o atendimento e amparo aos menores carentes infratores (CASTRO,


LAZZARI, 2017, p.60)
Em 1990, foi criado o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS para
substituir o INPS, IAPAS e, desde então, importantes alterações foram realizadas dentro da
seguridade social tais como: a publicação da Lei nº 8.212/1991 que disciplina o plano de
custeio da Seguridade Social, da Lei 8.213/1991 e Decreto 3.048/1999, ambos dispõem os
Planos de Benefícios da Previdência Social e, por fim, a Lei 8.742 de 07 de Dezembro de
1993 que dispõe sobre a organização da Assistência Social Nacional. (CASTRO, LAZZARI,
2017, p.61)

3 RENDA PER CAPITA x PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA


PESSOA HUMANA NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, também conhecida como
Constituição Cidadã, consagrou a seguridade social no campo dos direitos sociais.
Ensina Waleska Cariola Viana que:

A Previdência Social integra o grandioso sistema da Seguridade Social que


reúne ações nas áreas da Saúde, Previdência Social e Assistência Social[...]
A ideia é a proteção do trabalhador idoso em razão deste estar mais
suscetível a sofrer com a incapacidade fisiológica, a doença, a invalidez e o
desemprego, o que faz com que a “idade avançada” seja um fator de risco.
(CARIOLA VIANA, 2015, p. 203).

Diferentemente das outras áreas do sistema, a assistência social não possui fonte de
custeio própria. O segurado não está submetido a regra da contrapartida, ou seja, não realiza
contribuições, contudo, possui o direito de ser amparado pelo sistema no caso de evento
futuro que o impeça de promover sua própria subsistência ou de tê-la por meio da família.
(CASTRO, LAZZARI, 2017, p.574)
Prevê o artigo 203 da Constituição Federal Brasileira de 1988, que a assistência
social será custeada pela seguridade social. A seguridade Social, por sua vez, é financiada por
toda a sociedade direta e indiretamente mediante recursos oriundos dos orçamentos da União,
dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, nos moldes do artigo 195 da Carta Magna.
(BRASIL, CF, 2018, p.78)

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NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

O inciso V do artigo 203 da Constituição Federal Brasileira de 1988, garante o


pagamento de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que fizerem prova de não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família nos termos da Lei. (BRASIL, CF, 2018, p.79)
Nesse diapasão, em 07 de Dezembro de 1993, foi promulgada a Lei 8.742 que dispõe
sobre a organização da Assistência Social no Brasil. Como premissa, a referida lei estabeleceu
o dever do Estado de garantir a assistência aos hipossuficientes com o objetivo de Justiça
social. (CASTRO, LAZZARI, 2017, p.574)
Em seu texto original, a mencionada Lei, trazia estampado em seu artigo 20 o direito
de percepção de um salário mínimo ao idoso com 70 anos de idade e a pessoa com deficiência
incapaz de prover a sua própria manutenção ou de ser provida por sua família, desde que a
renda mensal familiar per capita fosse inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo,
entendimento que vigorou até o final de 1997. (BRASIL, 2018, p.28)
Entre 01/01/1998 até 31/12/2003, houve mudança na faixa etária, passando a idade
mínima de 70 para 67 anos. Em 2003, com a promulgação do Estatuto do Idoso por meio da
Lei 10.741/2003, a idade mínima foi reduzida de 67 anos para os atuais 65 anos,
permanecendo este requisito inalterado até os dias atuais. (KERTZAMAN, 2017, p.457)
Afirma Frederico Amado:

A redução da idade mínima para a concessão deste benefício assistencial


decorre da concretização do Princípio da Universalidade de Cobertura e do
Atendimento, pois apesar do crescimento da expectativa de vida dos
brasileiros, houve uma extensão da proteção social em favor dos
necessitados, na medida em que surgiram mais recursos públicos
disponíveis. (AMADO, 2015, pp.45/46)

Já o conceito de deficiência foi amplamente consolidado por meio do Decreto


Legislativo nº 186/2008 – Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência cujo
protocolo facultativo foi assinado na cidade de Nova Iorque em 30/07/2007. (AMADO, 2015,
pp.48/49)
A lei 12.435, de 06 de Julho de 2011, após sua publicação alterou a Lei 8.742/1993
– Lei Orgânica da Assistência Social, estabeleceu ao conceito de incapacidade um limite
temporal de no mínimo 02 anos de natureza física, intelectual ou sensorial que impeça o
deficiente de participar e interagir plenamente com a sociedade. (BRASIL, LEI 12.435/2011,
2018, p.10)

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Fábio Zambitte Ibrahim, afirma:

Há clara intenção de adequar a legislação interna a Convenção de Nova


Iorque, o que é acertado, embora desnecessário, pois o Decreto Legislativo
nº 186/08, a previsão da LOAS já havia sido tacitamente derrogada.
(IBRAHIM, 2015.p.15)

Em seu bojo, a lei 12.435 trouxe uma significativa alteração no tocante ao cálculo da
renda familiar apresentando um amplo rol de parentes que passou a considerar cônjuge ou
companheiro, pais e, na ausência destes, madrastas ou padrastos, irmãos solteiros, filhos e
enteados solteiros desde que estejam sob o mesmo teto. Embora a lei 8.213/1991, em seu
artigo 16 trouxesse a previsão similar, na prática, gerava divergências de entendimentos, por
exemplo quando o filho maior de 21 anos, mesmo ajudando no sustento da família não era
considerado no computo da renda familiar por não constar no rol de dependentes do regime
geral da previdência social RGPS. (IBRAHIM, 2015.p.15)
Em 31 de Agosto de 2011, foi sancionada a Lei 12.470, que alterou a recente regra
prevista na Lei 12.435 do mesmo ano. Pela nova legislação (Lei 12.470/2011) a restrição
temporal limitada a dois anos permaneceu, contudo, ocorreu a inserção do termo impedimento
o que permitiu uma ampliação na concessão do benefício a outros segurados, até pelo fato de
que o termo incapacidade é mais adequado à aptidão para o trabalho, o que não faria sentido
para as crianças. (IBRAHIM, 2015.p.15)
O Decreto 8.805, de 7 de Julho de 2016, em seus artigos 12 e seguintes, trouxeram
dois novos requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada quais sejam: a
manutenção e a inscrição no Cadastro de Pessoa Física – CPF e no CadÚnico – cadastro único
para Programas Sociais do Governo Federal. (BRASIL, DECRETO 8.805/2016, 2018, p.05)
O CadÚnico é procedimento realizado pelo CRAS – Centro de Referência de
Assistência Social ligado as Secretarias de Assistências Sociais Municipais, destinadas
especificamente à articulação dos serviços socioassistencias, programas sociais e proteção
básicas as famílias com maior potencial de vulnerabilidade. (IBRAHIM, 2015.p.16)
Embora, todo o ordenamento jurídico pátrio ao longo dos anos tenha ampliado e
definido novos conceitos que possibilitaram contemplar o maior número de incapazes e
impedidos possíveis, o critério da renda per capita de ¼ de salário mínimo ainda é o principal
óbice na concessão do benefício assistencial no rito administrativo do INSS. (AMADO, 2015,
p.53)

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PRESTAÇÃO CONTINUADA)

No ponto central do tema está a seguinte indagação: O critério da renda individual


dos membros familiares pode ser flexibilizado? Deve o julgador ficar restrito ao critério da
renda per capita na concessão do Benefício de Prestação Continuada?
O tema em questão foi pouco a pouco sendo enfrentado pelo Poder Judiciário. Nesse
sentido, a TNU – Turma Nacional de Uniformização editou a Súmula nº 79 com o seguinte
enunciado:
Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a
comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de
assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou,
sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal. (BRASIL,
2018, p.19) .

Diante da controvérsia que se estabeleceu, o Superior Tribunal de Justiça, firmou


entendimento de que os magistrados não estão sujeitos somente a apreciação da renda
familiar, pois a delimitação de valor da renda per capita do núcleo familiar não deve ser o
único meio de prova da condição de miserabilidade do requerente. (CASTRO, LAZZARI,
2017, p.578)

Relata Frederico Amado:

No dia 10 de Agosto de 2011, a 3º Seção do Superior Tribunal de Justiça –


STJ, firmou entendimento no sentido de admitir que o benefício
previdenciário no valor de um salário mínimo recebido por maior de 65
(sessenta e cinco) anos deve ser afastado para fins de apuração de renda
mensal per capita objetivando a concessão de benefício de prestação
continuada. Outrossim, em 25 de Fevereiro de 2015, no julgamento do
RESp. 1.355.052, decidiu em repetitivo a 1ª Seção do STJ que aplica-se o
parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003), por
analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência
a fim de que o benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um
salário mínimo, não seja, computado no cálculo da renda per capita prevista
no artigo 20 § 3º da Lei 8.742/1993. (AMADO, 2015, p.58)

Por ser um tema pra lá de polêmico, o Supremo Tribunal Federal já havia enfrentado
a questão de forma parcial. Em 27 de agosto de 1998, o STF julgou a ADI 1.232, trazia a baila
a questão do critério de ¼ de salário mínimo como requisito limitador de concessão do
benefício assistencial. Naquela época, o STF validou abstratamente o critério sob o
fundamento de que cabia ao legislador infraconstitucional a competência para fixar critérios
de concessão do referido benefício. Embora, a Suprema Corte tenha se pronunciado acerca do
critério objetivo, não houve a manifestação expressa sobre a possibilidade de se utilizar de
outros critérios para apuração do estado do segurado. (AMADO, 2015, p.58)

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A Suprema Corte só se pronunciou em abril de 2013, ao julgar os Recursos


Extraordinários 567.985 e 580.963 – Tema 27 (meios de comprovação do estado de
miserabilidade do idoso para fins de percepção de benefício de assistência continuada). Por
maioria dos votos, o STF decretou a inconstitucionalidade material incidental do § 3º do
artigo 20 da Lei 8.742/1993 (LOAS) que prevê o critério legal da renda per capita familiar
inferior a ¼ do salário mínimo para a caracterização da miserabilidade. (GOES, 2016, p.788)
Porém, o STF com objetivo de conceder um prazo razoável para que o Congresso
Nacional aprovasse novo regramento para concessão do benefício tentou buscar o efeito ex
nunc ou pro futuro fixando a data de 31/12/2015 para eficácia de sua decisão, todavia, não
alcançou o quórum de 2/3(oito votos) para aprovar a referida modulação. (AMADO, 2015,
p.59)
Fábio Zambitte Ibrahim afirma que:

Ainda que o legislador frequentemente utilize-se de parâmetros objetivos


para a fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser a ponderada
característica do caso concreto, sob pena de condenar-se à morte o
necessitado. Ainda que a extensão de benefício somente possa ser feita por
lei, não deve o intérprete omitir-se à realidade social. A Concessão do
benefício assistencial, nestas hipóteses, justifica-se a partir do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, o qual possui, com núcleo essencial,
plenamente sindicável, o mínimo existencial, isto é, o fornecimento de
recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano .
(IBRAHIM, 2015, p.25)

Importante registrar que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal não é
vinculante, ou seja, não proíbe a Autarquia (INSS) de utilizar o critério da renda per capita de
¼ do salário mínimo como requisito, motivo pelo qual, até hoje este critério vigora na
concessão realizada no âmbito administrativo. (IBRAHIM, 2015, p.25)
Nesse sentido, o Decreto 8.805, de 07 de Julho de 2016 em seu artigo 14 parágrafo 5º
estabelece que:
Na hipótese de ser verificado que a renda familiar mensal per capita não
atende aos requisitos de concessão de benefício, o pedido deverá ser
indeferido pelo INSS, sendo desnecessária a avaliação da deficiência.
(BRASIL, DECRETO 8.805/2016, 2018, p.07)

Em sentido contrário, Frederico Amado afirma:

Que se o INSS afastasse o critério legal invalidado pelo STF, não haveria
outro critério legal a adotar, haja vista a sua não aprovação pelo Congresso

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NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

Nacional, sendo válida a postura da autarquia previdenciária até que haja


novidade legislativa sobre o tema.
Para conferir um mínimo de segurança jurídica ao INSS ou ao Poder
Judiciário na aferição concreta da Miserabilidade, é necessário que o
Congresso atue rapidamente na votação de um novo critério para substituir o
§3º do artigo 20, da lei 8.742/1993, observados os limites orçamentários da
União à Luz do princípio da Precedência da Fonte de Custeio. (AMADO,
2017, p.55)

Acerca do tema Marisa Ferreira dos Santos ponderou:

A melhor forma de avaliar a situação de necessidade ainda é por meio do


montante que dos ganhos do grupo familiar caberá a cada um de seus
integrantes.
Na linha desse entendimento, pensamos que o valor per capita a ser
considerado, no caso, deverá ser o de um salário mínimo, pois esse é o valor
escolhido pela Constituição para qualificar e quantificar o bem-estar social,
assegurando os mínimos vitais à existência com dignidade. (DOS
SANTOS, 2013, p.155)

A decisão do Supremo Tribunal Federal, bem como, do Superior Tribunal de Justiça


não obrigou o INSS a adotar os critérios de avaliação das condições sociais na concessão do
Benefício de Prestação Continuada, motivo pelo qual, segue a Autarquia na utilização do
critério da renda per capita fixada em ¼ do salário mínimo reforçada pelo recente Decreto nº
8.805, de 7 de Julho de 2016 que alterou o Decreto 6.214 de 26 de setembro de 2007
incluindo o parágrafo 5º no artigo 15 para estabelecer o critério da renda per capita familiar
mensal.

Assim, por falta de uma legislação capaz de alterar os pressupostos legais exigidos
na atual legislação, notadamente, na contramão do entendimento doutrinário e jurisprudencial
segue o INSS aplicando o critério da renda familiar estabelecidas nas Instruções Normativas e
Portaria conjuntas, motivo pelo qual, há considerável aumento das demandas no Poder
Judiciário que transformam esta Justiça Especializada quase que em uma extensão do balcão
de atendimento da Autarquia. (DOS SANTOS, 2013, p.155)
A proteção da dignidade da pessoa humana, insculpido como princípio fundamental
no artigo 1º da Constituição Federal Brasileira de 1988, é considero alicerce e fonte de todos
os direitos fundamentais, portanto, deve ser a luz norteadora da ordem social e política de um
Estado Democrático de Direito.

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Nesse sentido, Anna Cândida da Cunha Ferraz e Valdir dos Santos Pio dissertaram,
em artigo publicado pela Revista Mestrado em Direito da Edifieo, sobre os aspectos históricos
e atuais quanto a positivação dos direitos fundamentais, destacam que:

O constitucionalismo pode ser identificado em quatro modelos, em que o


primeiro corresponde às declarações de direito que antecederam às próprias
constituições dos Estados, citando por exemplo o caso da França, cuja
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, precede a
constituição de 1971. O segundo modelo é caracterizado pela sucessão das
declarações às constituições dos Estados, citando como exemplo o que
ocorreu nos Estados Unidos da América, na ocasião da sua fundação, em que
a Constituição é de 1787, a qual não afirmou, inicialmente, no seu contexto
constitucional a declaração de direitos, mas esta veio a ser posteriormente,
em 1791, com a aprovação das dez primeiras emendas à Constituição. O
terceiro modelo, já no século XIX, é caracterizado em razão da declaração, a
proclamação ou positivação dos direitos passar a integrar os textos
constitucionais em forma de tópicos, ainda sob a ótica do Iluminismo do
século XVIII, voltados aos direitos individuais, a exemplo das Constituições
do Uruguai de 1830, Argentina 1853. No qual o modelo, que representa um
desdobramento do anterior, verificado a partir do século XX, a característica
está no fato de que as declarações de direitos vão se constituir como títulos
ou capítulos iniciais ou mesmo preambulares das constituições a nortear a
atuação e organização dos Poderes do Estado, com vista à consagração dos
direitos, liberdades e garantias da pessoa humana positivados na carta
política (FERRAZ, 2012, pp.251/252)

O envelhecimento e incapacidade física, intelectual e sensorial é direito


personalíssimo, devem ser interpretados de maneira extensiva e, em conjunto com o vasto
ordenamento jurídico pátrio que permitam a proteção, a igualdade, o acesso, a inclusão e
assistência a este grupo de desamparados, ou seja, deve o operador do direito interpretar o
conjunto de direitos positivados como instrumento capaz tutelar à dignidade e propiciar o
mínimo de vida e desenvolvimento da personalidade humana. (MORAES, 2000, p.39)
O maior desafio que se apresenta nos dias de hoje, não é fundamentar os direitos
intrínsecos ao ser humano, e sim de protegê-los.(BOBBIO, 2006, p.25) Trata-se de segurança
humana, conceito amplamente consolidado no Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) que elegeu sete componentes centrais (Segurança Econômica,
Segurança Alimentar, Segurança Saúde, Segurança Ambiental, Segurança Cidadã, Segurança
Comunitária, Segurança Política Jurídica), que se interligam e viabilizam o desenvolvimento e
enriquecimento de indivíduos como pessoa. (OLIVEIRA, 2018, pp.131/133)
Este componentes devem ser norteadores na garantia dos direitos fundamentais,
portanto, o critério da renda per capita, a Luz destes componentes, deve permitir ao
necessitado capacidade de subsidiar alimentos, saúde e outros elementos fundamentais na

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NACIONAL DE SEGURIDADE SOCIAL (INSS) NA CONCESSÃO DO BPC (BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA)

garantia da sua sobrevivência e do seu bem estar social como o mínimo de dignidade, ou seja,
Segurança Humana. (OLIVEIRA, 2018, p.134)
Nesse sentido, a ONU – Organização das Nações Unidas definiu Segurança Humana
como a proteção contra ameaças sistêmicas que podem atingir o cerne de todas as vidas
humanas, cabendo ao Estado o ônus de fomentar tais condições por meio de políticas públicas
(OLIVEIRA, 2018, pp.135).

CONCLUSÃO.
Concluímos que os procedimentos adotados pela Previdência Social na análise
dos requisitos previsto na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, para concessão do
Benefício de Prestação Continuada, embora fundamentada na lei ordinária, não se coadunam
aos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana.
Os Direitos Fundamentais e a Segurança Humana devem pautar o ônus estatal de
prestar a assistência social à aqueles que estão mais vulneráveis e suscetíveis aos malgrados
que a vida lhes reserva.
A Carta Magna positivou a proteção ao idoso e ao deficiente (físico e mental),
portanto, ao legislador infraconstitucional coube a missão de regulamentar os procedimentos
que viabilizem a concessão de tais amparos assistências.
Em um Estado Democrático de Direito, cujo ordenamento jurídico tem seu
aprimoramento no reconhecimento da igualdade, fraternidade, no exercício dos direitos
sociais individuais, no desenvolvimento da harmonia social e na busca de uma sociedade mais
justa, é essencial que critérios rígidos e ampliados como o da renda per capita sejam cada vez
mais flexibilizados sob a Luz dos Direitos Humanos Fundamentais.
O tratamento igualitário, digno da pessoa humana concernentes a verificação da
miserabilidade ou estado de vulnerabilidade não está atrelado a constitucionalidade ou
inconstitucionalidade da norma legal. Cabe ao operador do direito aplicar a hermenêutica
Constitucional ao caso concreto, ou seja, o operador do direito deve se pautar pelos princípios
fundamentais humanos e, levar em conta o objetivo que o legislador buscou atender quando
positivou a norma.
Dessa forma, não há outro meio de se analisar o critério da renda per capita senão
pela ótica da situação fática do jurisdicionado aferindo o grau de sua vulnerabilidade social,
ou seja, para concessão do benefício de prestação continuada é fundamental a análise mais
extensiva dos fatores subjetivos do hipossuficiente tais como: idade, nível de escolaridade,

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profissão, local da residência, além de outros fatores socioeconômicos e culturais que


resultam na sua incapacidade social valorizando, acima de tudo, a Dignidade Humana.
Como um dia mencionou Émile Durkheim: “É preciso sentir a necessidade da
experiência, da observação, ou seja, a necessidade de sair de nós próprios para aceder à escola
das coisas, se as queremos conhecer e compreender”.

REFERÊNCIAS
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