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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AGRESTE DE PERNAMBUCO

BACHARELADO EM ENGENHARIA DE ALIMENTOS

Resenha crítica

O papel do glúten na tecnologia de alimentos versus doença celíaca

Discentes: Jéssyca Karolina e Marta Karolina

GARANHUNS-PE
2022
O papel do glúten na tecnologia de alimentos versus doença celíaca

O glúten é uma proteína natural composta pela mistura de duas outras


proteínas, a gliadina e a glutenina e está presente em cereais como trigo, centeio,
aveia e cevada (WENZEL, 2010). O glúten é importante para estruturar massas de
alimentos, pois é um componente elástico, aderente e insolúvel em água. Além
disso, a gliadina e a glutenina presentes em sua composição, são responsáveis por
características essenciais de alimentos e conseguem afetar diretamente a qualidade
sensorial (ARAÚJO, 2010).
Para dar ênfase à importância do glúten na tecnologia de alimentos, pode-se
citar o trigo, no qual além de apresentar outras proteínas como a globulina e
albumina, tem o glúten em destaque na sua composição. Segundo Wenzel (2010)
em uma farinha de trigo, o glúten representa 80% das proteínas presentes. Ainda,
podemos destacar o uso frequente e comum da farinha de trigo na culinária tanto
doméstica como na indústria, por ela permitir elasticidade, viscosidade e
extensibilidade graças a presença do glúten em sua composição. Com isso, a
farinha se torna um item básico na rotina da dieta da sociedade, uma vez que é
comum consumir estes alimentos ao menos uma vez por dia.
Nesse aspecto, portanto, os portadores da doença celíaca encontram um
grande desafio para controlar e restringir sua alimentação, limitando uma rotina de
alimentação saudável, visto que a doença celíaca (DC) é uma enteropatia presente
em indivíduos geneticamente predispostos, que se caracteriza pela intolerância
permanente ao glúten, fração proteica encontrada em cereais como cevada,
centeio, trigo e malte (ARAÚJO, 2010). Uma série de questionamentos são feitos
sobre os possíveis efeitos que o glúten pode causar às pessoas que não
apresentam a DC, porém, não existem estudos que comprovem os malefícios. Por
ser uma proteína alimentar, o glúten pode ser consumido livremente sem causar
danos à saúde.
Como a única forma de tratamento da DC, ainda, é uma dieta totalmente
restrita de glúten, se faz necessário o desenvolvimento de tecnologias para produzir
alimentos que permitam às pessoas portadoras da doença uma alternativa para
uma dieta equilibrada e saudável. Porém, existe um grande desafio para a
disponibilidade de alimentos sem glúten, visto que, como citado acima, a farinha de
trigo possui características positivas aos alimentos e, assim, a dificuldade de
encontrar alimentos que substituam a farinha de trigo por outro substrato, seja
recorrente. Visto isso, os celíacos relatam que a oferta de alimentos sensorialmente
apropriados é restrita, o que torna a dieta monótona, e que os produtos disponíveis
no mercado são normalmente de alto custo (ARAÚJO et al., 2010).
Os celíacos encontram desafios para compor sua dieta completa, pois o
preço de alimentos sem glúten se apresentam mais caros. Em seu estudo, Nogueira
e Pereira (2018) demonstram que tem um valor 336,8% mais caro comparados aos
alimentos com glúten, o que se assemelha a um estudo realizado em Portugal por
Afonso, Jorge e Moreira (2013), onde o preço dos alimentos sem glúten no país,
chegava a ser 300% mais caros aos produtos com glúten. Altos preços podem ser
justificados pela forma de produção de tais alimentos, pois se faz necessário uma
atenção minuciosa para selecionar grãos especiais e para que não exista uma
contaminação cruzada, ainda existindo a necessidade de uma estrutura de
produção sofisticada e cuidadosa desde o preparo até o embalamento.
Além dos preços, existe o problema da pouca disponibilidade dos produtos
especializados sem glúten, assim os celíacos têm a necessidade de procurar
lugares especializados que muitas vezes apresentam alto custo, como Casemiro
(2006) afirma que em acompanhamento no Hospital Universitário de Brasília-DF,
10,9% dos pacientes dizem sempre comprar produtos sem glúten em lojas
especializadas, enquanto 69,5% nunca ou raramente compram devido,
principalmente, ao difícil acesso a essas lojas. Portanto, isso demonstra que é
necessário que os mercados em geral tenham em suas prateleiras mais
variabilidade de alimentos sem glúten. Ainda, de acordo com César (2006), a maior
parte das preparações do cardápio do celíaco é caseira, demandando tempo e
dedicação para o preparo.
Dentre as tecnologias e alimentos sem glúten produzidos para atender os
celíacos podemos citar produtos à base de arroz e batata. Para conseguir alimentos
que consigam sanar a necessidade dos celíacos, existem alguns estudos de
produção de pratos com novos ingredientes, dentre eles podemos citar que Heisler
et al. (2008) verificaram que a substituição da farinha de trigo pela farinha de arroz
na merenda escolar teve uma aceitabilidade de 100%. Segundo ele, a farinha de
arroz é de rápida e fácil digestão no organismo, muito superior à do milho, o que a
torna especialmente indicada para alimentos infantis, de idosos e pessoas com
necessidades especiais de alimentação. César et al (2006) no estudo ‘Elaboração
de pão de glúten’, ao formularem um pão que pudesse ser consumido por
pacientes celíacos, utilizando como base amilácea substituto da farinha de trigo
o creme de arroz e o polvilho doce, observaram no pão aparência e sabor
característicos do pão tradicional. A casca apresentou textura crocante e cor
dourada, assim como a textura típica de pão. Carolino et al. (2007) na elaboração
de nhoque de inhame sem glúten concluíram que é possível elaborar uma massa
alimentícia sem glúten. Isso se dá pela associação de ingredientes à base de
amido que atuam na substituição da farinha de trigo, juntamente às propriedades
do inhame. Os resultados foram considerados satisfatórios, em relação à
qualidade da massa e as características sensoriais, demonstrando aceitação
pelos consumidores.
Ainda, um estudo realizado para a elaboração de massa alimentícia sem
glúten com elevado teor proteico foi conduzido por Schmielei et al. (2013), os
resultados mostraram que o uso de isolado protéico de soja, albumina de ovo
modificada e desidratada e farinha de arroz pré-gelatinizada são importantes para a
obtenção de massas com características tecnológicas melhores que a amostra
controle (somente com farinha de arroz). Kirinus et al (2010), utilizando a farinha
de soja e a de quinoa no preparo de macarrão caseiro sem glúten, constataram, por
meio da avaliação sensorial, ser viável essa substituição. Ferreira et al. (2009), no
estudo ‘Cookies sem glúten a partir da farinha de sorgo’, concluíram a viabilidade da
produção de biscoitos tipo cookies para celíacos.
Apesar da quantidade de produtos isentos de glúten estar crescendo, a
incrementação destes alimentos na dieta ainda é dificultada, devido ao alto valor
agregado a estes produtos, a limitação na variedade e os risco de contaminação
cruzada durante o processo de fabricação. Diversas pesquisas buscam novas
estratégias de tratamento para os celíacos, dentre elas, estão a degradação
enzimática do glúten, inibidores da permeabilidade intestinal e indutores de
tolerância oral ao glúten (CIESLINSKI, 2016).
A prolil endopeptidades é uma enzima encontrada em diversos tecidos de
mamíferos, plantas e bactérias. Ela é capaz de detoxificar o glúten ingerido na dieta,
mas para ser eficaz no tratamento da DC, a enzima deve ser capaz de realizar a
detoxificação antes que este glúten seja liberado no intestino e se ative no pH
estomacal (GASS, 2005). O estudo realizado por Mitea et al. (2007) utilizou a prolil
endoprotease proveniente de Aspergillus níger em um simulador do trato
gastrointestinal humano. Os resultados mostraram que a enzima degrada o glúten
em pequenas partículas, de forma que o intestino não sofre reações nocivas. Alguns
estudos buscam o desenvolvimento de farinhas que não possuam toxicidade em
sua composição, porém, um grande entrave é a grande variedade de sequências
imunogênicas (CARROCCIO, 2011). Uma vacina terapêutica também vem sendo
testada, Pérez et al. (2012), em seu estudo apresentou a NexVax2, que é uma
vacina composta por 3 peptídeos do glúten, e tem o intuito de induzir tolerância em
doentes celíacos. Embora muitos progressos tenham sido realizados ultimamente,
estes tratamentos estão em fase de pesquisa e são geralmente consideradas como
terapias associadas à dieta sem glúten, e não como substituta à dieta.
Portanto, com o estudo sobre o tema da doença celíaca, percebe-se que
existem diversas barreiras de encontrar alimentos adequados para os portadores da
doença em supermercados, e quando encontrados, apresentam altos preços,
existindo uma dificuldade para o cumprimento da dieta isenta de glúten. Até o
momento, a única solução comprovada, é a terapia com uma dieta sem glúten,
embora existam alguns estudos referente a tal problema que destacam outras
possibilidades de tratamento.
Embora resultados promissores tenham sido obtidos em vários
experimentos, o desenvolvimento de variedades de trigo não tóxicas permanece
sendo um grande desafio, portanto, o caminho mais promissor para o tratamento da
DC é auxiliar o organismo na degradação do glúten ou despertar a tolerância oral do
indivíduo, evitando assim que a resposta inflamatória se desenvolva. A discussão
sobre glúten e a sua extração em farinhas de trigo pode ser uma boa discussão e
desafio para a indústria de alimentos, pois é um nicho de mercado com grande
procura e pouca exploração, podendo ser uma grande oportunidade de
desenvolvimento e investimento.

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