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CESÁRIO VERDE

Quem foi Cesário Verde?

Cesário Verde foi um dos precursores da poesia moderna portuguesa. A ele se deve a
introdução de uma nova arte poética, com um discurso inovador, coloquial e de tom crítico
integrando na poesia um mundo que até então estava separado dela.

QUAIS OS PRINCIPAIS ASPETOS DO CONTEXTO HISTÓRICO-LITERÁRIO DA ÉPOCA EM QUE


VIVEU CESÁRIO VERDE?

Após uma época de grande agitação em Portugal, com as invasões francesas (1807-1811) e
com a luta civil entre absolutistas e liberais (1832-1834), dá-se início, em 1851, à Regeneração
com a tentativa de Fontes Pereira de Melo de restabelecer a economia do país. Desta forma,
verifica-se, nesta altura, um crescimento considerável da capit5al (Lisboa), progressos na i e
nos meios de transporte, bem como uma forte migração do camp para as cidades.

Cesário Verde testemunha todas essas transformações e assiste aos problemas resultantes
deste rápido crescimento urbano: a insuficiência de água nas habitações e a escassez de
condições de higiene; a acumulação de despejos nas ruas; a falta de saneamento básico e as
graves epidemias, como a tuberculose e a cólera; a precariedade das condições de trabalho.

Se, por um lado, é o momento de afirmação da burguesia e do desenvolvimento capitalista,


por outro lado surge uma massa de trabalhadores, a classe operária, explorada, humilhada
pela burguesia em ascensão.

A poesia de Cesário Verde vai refletir as circunstâncias da época em que viveu e que
presenciou criticamente. É uma escrita inovadora, que segue os princípios do impressionismo
e do Realismo – PARNASEANISMO.

O QUE É O IMPRESSIONISMO?

O Impressionismo é um movimento artístico do século XIX que revoluciona a pintura e abre


caminho às grandes tendências da arte moderna.

- Valorização da impressão pura e da perceção imediata, não intelectualizada (pensada);

- Importância da cor e da luminosidade

- Valorização das sensações;

- Interesse pelo efeito causado pela observação de um objeto e não pelo objeto em si.

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O QUE É O REALISMO?

Movimento artístico que privilegia a representação da realidade, mostrando a sociedade de


maneira autêntica e objetiva.

- Descrição objetiva da realidade;

- Abordagem de temas sociais do quotidiano,

- Análise critica da sociedade.

TEMAS PRESENTES NA POESIA DE CSÁRIO VERDE:

A deambulação pelas ruas possibilita a Cesário Verde a observação e análise do espaço


citadino, com as diferentes figuras que a habitam, mostrando a cidade como lugar asfixiante e
palco de desigualdades e injustiças sociais.

QUE CIDADE É REPRESENTADA NO POEMA “O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL?

No percurso que o poeta realiza pelas ruas de Lisboa, desde o entardecer até às primeiras
horas da madrugada, a cidade surge representada de forma predominantemente disfórica,
negativa.

Cidade:

- Ambiente melancólico, de “cor monótona e londrina”, causador de “um desejo absurdo de


sofrer”;

- Lugar de miséria, de degradação moral e social, de doença, com os bairros degradados, as


“imorais” e os cães “febris”;

- Espaço opressivo e asfixiante, com os seus “prédios sepulcrais”;

- Local de representação de contrastes sociais, onde a burguesia ociosa e a classe trabalhadora


explorada se cruzam nas figuras das “elegantes/Curvadas a sorrir às montras dos ourives”, dos
“calafates” e do “forjador”;

- Espaço de sofrimento e de dor em que os habitantes vivem “emparedados” e onde é visível a


“dor humana”;

- Cenário de artificialidade, futilidade e consumismo, onde as “casas de confeções e modas


resplandecem”.

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QUAIS OS PRINCIPAIS CONTRASTES DENUNCIADOS PELO SUJEITO POÉTICO?

- A riqueza da classe alta - a miséria do povo”.

- o luxo dos “hotéis da moda” – a miséria dos bairros pobres, “focos de infeção”.

- A ociosidade da burguesia – as dificuldades da classe trabalhadora.

QUAIS SÃO OS TIPOS SOCIAIS QUE PERCORREM A CIDADE DE LISBOA NO POEMA “O


SENTIMENTO DUM OCIDENTAL”?

São várias as figuras com as quais o sujeito poético se cruza durante a sua deambulação.

PARTE DO POEMA / PARTE DO DIA TIPOS SOCIAIS


A CLASSE TRABALHADORA:
OS “MESTRES CARPINTEIROS”
OS “CALAFATES”
I - AVE MARIAS AS “VARINAS”
A BURGUESIA:
OS “DENTISTAS”
OS “LOJISTAS”
A CLASSE TRABALHADORA:
II - NOITE FECHADA AS “COSTUREIRAS”
AS “FLORISTAS”
A BURGUESIA
AS “ELEGANTES”
A CLASSE TRABALHADORA:
O “FORJADOR”
OS “CAIXEIROS”
O “CAUTELEIRO”
III - AO GÁS A BURGUESIA:
AS “BURGUESINHAS DO CATOLICISMO”
A “LÚBRICA PESSOA”
A “VELHA DE BANDÓS”
OS MARGINAIS:
O “RATONEIRO IMBERBE”
O “HOMENZINHO IDOSO”
OS MARGINAIS:
IV - HORAS MORTAS OS “TRISTES BEBEDORES”
AS “IMORAIS”
OS OPRESSORES:
OS “GUARDAS

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A QUE VALORES ESTÃO ASSOCIADOS OS VÁRIOS TIPOS SOCIAIS E QUAIS OS SENTIMENTOS
QUE DESPERTAM NO SUJEITO POÉTICO?

São evidentes os sentimentos do sujeito poético pelos tipos sociais, e pelos valores que
representam, com quem se cruza na sua deambulação.

CLASSE TRABALHADORA: VITALIDADE, HONESTIDADE, ESFORÇO – SIMPATIA E COMPAIXÃO.

BURGUESIA: ARTIFICIALIDADE, OCIOSIDADE, FUTILIDADE. – DESPREZO

MARGINAIS: IMORALIDADE, DEGRADAÇÃO, DOENÇA. – PENA E DESÂNIMO.

A DEAMBULAÇÃO E A IMAGINAÇÃO: O OBSERVADOR OCIDENTAL

Na poesia de Cesário Verde, o sujeito poético assemelha-se a um repórter do quotidiano,


captando a realidade que o rodeia através do olhar.

O percurso demorado e sem pressa que o sujeito poético faz pela cidade possibilita-lhe
apreender, através dos sentidos, tudo com que se depara de forma inesperada.

A atenção dada ao real e ao quotidiano possibilita o sujeito poético ver não só o que o rodeia,
mas também aquilo que resulta da sua imaginação e sensibilidade poéticas – fuga imaginativa.
Os elementos da realidade objetiva constituem o ponto de partida para a representação
subjetiva daquilo que o sujeito poético vê.

Ex.:

CAPTAÇÃO SENSORIAL: OBSERVAÇÃO OBJETIVA DA REALIDADE

“CERCAM-ME S LOJAS, TÉPIDAS”

IMAGINAÇÃO: OLHAR SUBJETIVO

“EU PENSO/VER CÍRIOS LATERIS, VER FILAS DE CAPELAS, /COM SANTOS E FIÉIS,

ANDORES, RAMOS, VELAS/ EM UMA CATEDRAL DE UM COMPRIMENTO IMENSO”

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EM SÍNTESE:

Na sua deambulação, o sujeito poético detém-se na observação da cidade, seduzido pelos


movimentos humanos, pela sua vibração.

O exterior e os pequenos episódios do quotidiano estimulam o sonho, a evasão, a imaginação.

Deambulação pela cidade – o poeta caminha e observa o real


OBSERVADOR ACIDENTAL DA
REALIDADE CIRCUNDANTE

Imaginação do poeta – o poeta observa e transfigura o real.

“O Sentimento dum ocidental” é um poema longo constituído por 44 quadras, distribuídas por
quatro partes, com onze estrofes cada uma.

Quanto à métrica, apresenta versos alexandrino (12 sílabas métricas) e versos decassilábicos
(10 sílabas métricas). Versos longos que se adequam ao caráter descritivo e de análise da
realidade. A regularidade rimática é evidente no esquema rimático abba – rima interpolada e
emparelhada.

O poema apresenta uma estrutura predominantemente narrativa, na medida em que é


evidente a narração de acontecimentos, num espaço e num tempo, com a presença de várias
personagens.

O relato de pequenos episódios ao longo de quatro secções do poema favorece o ritmo rápido
da narrativa. Para além disso, a sucessão de quatro partes que constituem o poema é
reveladora da progressão narrativa pela noite dentro:

AVE MARIAS – AO ANOITECER

NOITE FECHADA – AO CAIR DA NOITE

AO GÁS – AO ACENDER DA ILUMINAÇÃO

HORAS MORTAS – NA ALTA NOITE

O percurso pelas ruas da cidade de Lisboa proporciona ao poeta a necessidade de evocação do


passado e o confronto dessa ~época com o tempo presente. Deste modo, a viagem citadina
constitui uma espécie de atualização da viagem marítima: à prosperidade e expansão da nação
do passado contrapõe-se a doença, a tristeza e a soturnidade da moderna cidade de Lisboa.

A crença do poeta nas capacidades ilimitadas do ser humano e o tom de exaltação que está
presente n’Os Lusíadas são substituídos pelo tom antiépico e de descrença perante a realidade
citadina observada.

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CARÁTER ÉPICO DA CARÁTER DISFÓRICO DA
VIAGEM9 MARÍTIMA VIAGEM POR LISBOA (A
(A EPOPEIA DOS DEGRADAÇÃO MORAL E
DESCOBRIMENTOS). SOCIAL DA CIDADE).

“O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL” OS LUSÍADAS


Tempo presente: crise e decadência Tempo passado: grandiosidade e expansão
A terra O mar
Os “botes” atracados As “soberbas naus”

PERSONAGENS:

 OS LUSÍADAS: A EXALTAÇÃO DA CORAGEM, DETERMINAÇÃO DO HERÓI COLETIVO – O


POVO PORTUGUÊS.

 “O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL”: A EXALTAÇÃO DA VITALIDADE, HONESTIDADE E


ROBUSTEZ DA CLASSE TRABALHADORA.

LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA

- CARACTERÍSTICAS DA POESIA DE CESÁRIO VERDE:

 A poesia aproxima-se da prosa pelos seus versos longos, adequados à expressão do


mundo real, exterior. Trata-se de uma prosa em forma de verso.
 A poesia evidencia a defesa da perfeição formal, através das descrições do mundo real,
concreto, com grande nitidez e um enorme rigor a nível formal.
 A poesia aproxima-se das artes plásticas, nomeadamente da pintura, tendo em conta a
utilização das cores e do pormenor descritivo.
 A poesia sobressai pela passagem do objetivo ao subjetivo.
 A poesia caracteriza-se pela técnica impressionista, ao acumular pormenores das
sensações captadas e pelo recurso às sinestesias, que permitem ao poeta transmitir
sugestões e impressões da realidade observada.
 A poesia apresenta um tom coloquial, em estilo declamatório, próprio da expressão do
mundo psíquico do “eu”, da subjetividade.

Concluindo, a poesia impressionista de Cesário Verde representa o modo especial de o poeta


ver o mundo e a vida, com o seu olhar penetrante, na sua deambulação errante pela cidade de
Lisboa.

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ESTROFES, VERSOS E RIMA:

Estrofes – quadras

Métrica – 1 verso decassílabo (10 sílabas métricas) + 3 versos alexandrinos (12 sílabas
métricas)

Rima – interpolada e emparelhada

Esquema rimático - ABBA

Rima rica (“navais” – “jamais”; “exacerbe” – “imberbe”.) A rima rica é quando as


palavras que rimam pertencem a classes gramaticais diferentes. A rima pobre é quando as
palavras que rimam, pertencem à mesma classe gramatical.

RECURSOS EXPRESSIVOS:

COMPARAÇÃO – “COMO MORCEGOS, AO CAIR DAS BADALADAS, / SALTAM DE VIGA EM VIGA


OS MESTRES CARPINTEIROS”. Esta comparação é feita para mostrar a impressão de tristeza e
sofrimento dos carpinteiros e a dureza do trabalho.

ENUMERAÇÃO – “MADRIM, PARIS, BERLIM, S. PETERSBURGO, O MUNDO”. A enumeração


revela o desejo de evasão da cidade sufocante para as grandes metrópoles europeias.

HIPÉRBOLE – “CERCAM-ME AS LOJAS TÉPIDAS […] EM UMA CATEDRAL DE UM COMPRIMENTO


IMENSO” – Exagero usado para caracterizar a rua comercial, identificada com uma descomunal
catedral.

SINESTESIA – “E DE UMA PADARIA, EXALA-SE, INDA QUENTE, / UM CHEIRO […] A PÃO NO


FORNO” – A sinestesia serve para mostrar a perceção da realidade através das sensações e o
agrado que elas provocam.

USO EXPRESSIVO DO ADJETIVO – “BRÔNZEO, MONUMENTAL, DE PROPORÇÕES GUERREIRAS”.


As atribuições dos adjetivos à estátua de Camões revelam a admiração por essa estátua, que
se destaca da realidade banal.

USO EXPRESSIVO DO ADVÉRBIO - “AMARELADAMENTE, OS CÃES PARECEM LOBOS” – o


advérbio transmite a perturbação e a angústia do sujeito poético, provocada pela visão dos
cães.

INTERTEXTUALIDADE:
“O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL”:

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 A deambulação pela cidade de Lisboa;
 A cidade – espaço de aprisionamento, doença, contrastes sociais;
 A observação do real – uso das sensações;
 A subversão da memória épica – as “naus soberbas” do passado são os “botes”
atracados do presente;
 Os heróis das descobertas são os resistentes à dor, à miséria, ao aprisionamento;
 A estátua de Camões – evocação da glória e dos heróis do passado;
 O sonho impossível de liberdade;
 Os sentimentos: desencanto, dor, repugnância, um “desejo absurdo de sofrer”
 A viagem física como estímulo para a viagem imaginativa (fuga imaginativa e
transfiguração do real).

“O GUARDADOR DE REBANHOS, ALBERTO CAEIRO:

 A deambulação pela natureza e o contato com os elementos naturais;


 O uso das sensações para captar o real e para evitar a dor de pensar;
 A primazia da sensação visual.

OS LUSÍADAS, LUÍS DE CAMÕES:

 O canto épico dos heróis e dos seus feitos ilustres;


 A viagem à Índia – símbolo da coragem e da vontade das descobertas;
 A ousadia e a superação dos limites impostos ao homem;
 O sonho realizado;
 Os sentimentos - a admiração e o orgulho pela pátria.

OS MAIAS, EÇA DE QUEIRÓS:

 A deambulação de Carlos e de Ega, no passeio final, pela cidade de Lisboa até ao


Ramalhete;
 A viagem física pela cidade: motivo para reflexões e recordações;
 A cidade e os seus elementos físicos: a Avenida, símbolo do esforço e do progresso; os
bairros antigos, reflexo da decadência;
 A cidade e os seus elementos humanos: a elite, a aristocracia; a mediocridade, a
artificialidade (o verniz postiço da civilização);
 A preferência por aquilo que é estrangeiro;
 A estátua de Camões – espelho da grandeza perdida;
 Os sentimentos – melancolia, nostalgia, tristeza.

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