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O desemprego é alto, mas está baixo

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A taxa de desemprego (ou desocupação) tem oscilado em torno de 8,7% (descontada a


sazonalidade) desde meados do ano passado. Não é uma cifra elevada tendo em vista o
histórico do país. Para se ter uma ideia, a taxa média desde 2000 foi de 11%. No Chile,
ela está na casa de 8%, ligeiramente abaixo da média histórica (8,6%).

Na pandemia, o desemprego rompeu a barreira de 15%, mas o salto de 1,76 pp entre


2019-20 é comparável ao de países da OCDE (1,71 pp) e inferior à América Latina (2,22
pp). A razão para esse quadro menos grave do que se temia está, em boa medida, nas
políticas de estímulo do governo anterior, ainda que com suas falhas, no montante e na
alocação dos recursos.

No passado recente, o patamar mais baixo se deu em 2014, com média de 6,9%, em
plena campanha para a reeleição de Dilma. Um quadro insustentável, porém, tendo em
vista os muitos estímulos artificiais na economia. Tratava-se, provavelmente, de um nível
inferior à taxa natural de desemprego, que é aquela que reflete as condições estruturais
do país, de tal forma que o desempenho do mercado de trabalho não gera pressão
inflacionária.

Rigidez de regras trabalhistas, baixo capital humano dos trabalhadores e reduzida


mobilidade da mão de obra, entre setores e regiões, são fatores que fazem a taxa de
desemprego ser estruturalmente mais elevada em um país; todos eles presentes no
Brasil.

Um importante debate entre economistas é justamente sobre qual seria hoje a taxa
natural de desemprego, havendo forças em direções contrárias.

De um lado, as reformas trabalhistas na gestão Temer — terceirização de atividade-fim e


flexibilização da CLT — podem ter elevado a produtividade na economia, inclusive pela
possibilidade do trabalho remoto. De outro, o uso mais intensivo de novas tecnologias e
as mudanças de hábito desde a pandemia podem ter reduzido a empregabilidade de
indivíduos com menor qualificação.

Apesar da surpreendente abertura de vagas formais desde a pandemia, que pode ter
sido potencializada pelas reformas trabalhistas, acredito que o efeito de um mercado de
trabalho mais exigente prevalece, implicando o aumento do desemprego estrutural.

Há poucos trabalhos recentes no tema. O pesquisador do Insper Vitor Fancio estima uma
taxa neutra de 10,5%, em uma tendência de elevação nos últimos anos. Nos EUA, o
Federal Reserve de São Francisco estimou aumento da taxa neutra para 6%, ante cerca
de 4,5% antes da pandemia.

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Dessa forma, é possível que o atual nível de desemprego (8,7%) esteja abaixo da taxa
natural, alimentando a inflação e adiando cortes de juros. Há manifestações nessa
direção, como o aumento de 20% anual do rendimento nominal efetivo. Vale ainda citar a
alta de 12% no custo da mão de obra da construção civil.

O quadro, no entanto, não é uniforme. Há clivagens regionais e sociais, reforçando


inclusive a piora da distribuição de renda. Diante das diversas realidades do país em
termos de capital humano e das várias dinâmicas setoriais, os números regionais diferem
bastante entre si.

Enquanto a taxa média de desemprego no Brasil em 2022 foi de 9,3%, no Nordeste foi
de 12,6% e, no outro extremo, no Sul, 5,4%. Isso apesar da menor taxa de participação
(significa menor procura por trabalho) no Nordeste (apenas 54,8% da população em
idade ativa faz parte da força de trabalho) em comparação com o Sul (66,1%). Se a taxa
de participação no Nordeste fosse a mesma do Sul, o desemprego lá teria sido de 27,5%
em 2022.

Esses dados indicam que a redução do desemprego estrutural passa também por
aumentar a mobilidade da mão de obra, entre setores e entre regiões. Cabem políticas
públicas para isso, como maior difusão da informação sobre vagas de trabalho e
condições de requalificação e treinamento dos indivíduos.

É improvável que o mercado de trabalho saia incólume da desaceleração em curso da


economia, a julgar pelo próprio padrão observado no passado. Talvez a taxa de
desemprego cruze novamente a barreira de 10% neste ano. Em que pese o sofrimento
de tantos, há muito pouco que o Banco Central possa fazer sem alimentar a inflação, e
ainda assim seria um efeito de curto prazo.

Descontente com o quadro atual, o governo precisa avançar em uma agenda de redução
do desemprego estrutural, a começar pelo cuidado com a educação básica. E que não
seja pelo “modelo” do México, com a fuga de pessoas do país.

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