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15/01/2021 A cooperação jurídica internacional com os Estados Unidos – BLOG DO VLAD

BLOG DO VLAD

Justiça criminal, direitos humanos, corrupção, lavagem


de dinheiro, crime organizado, cooperação internacional,
segurança pública.

14/01/2021
VLADIMIR
ARAS

A cooperação jurídica internacional com os


Estados Unidos

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15/01/2021 A cooperação jurídica internacional com os Estados Unidos – BLOG DO VLAD

Como os Estados Unidos têm a maior praça financeira mundial, lá atuam diversas organizações
[1]
criminosas especializadas em lavagem de ativos . É natural assim que um grande numero de casos
brasileiros de lavagem transnacional de ativos reclame uma ação coordenada de órgãos de
investigação nacionais e euamericanos.

São duas as formas de obtenção de documentos nos Estados Unidos para a utilização em ações penais
brasileiras: a assistência por meio do MLAT ou Mutual Legal Assistance Treaty (Tratado de Assistência
Jurídica Mútua em Matéria Penal), de 2001; e a cooperação direta seguida de legalização consular
(consularização). A cooperação policial ou ministerial direta, para fins de inteligência (a chamada pre-
MLA), é também muito importante.

As relações entre os dois países regem-se, na forma do art. 1º, inciso I, do CPP, pelo acordo bilateral
em matéria penal entre o Brasil e os Estados Unidos, que foi celebrado em 14 de outubro de 1997, e
tornado vigente pelo Decreto n. 3.810, de 2 de maio de 2001. O tratado abriga disposições bem
detalhadas no que diz respeito à cooperação jurídica penal: regula a obtenção de várias espécies de
prova, incluindo a documental e a testemunhal, e contém previsões sobre medidas cautelares de
busca e apreensão, bloqueio e perdimento de bens[2].

A existência de um tratado específico entre os dois países supera o primeiro obstáculo que pode ser
oposto à cooperação internacional. Obviamente, vários países admitem pedidos de assistência
judiciária baseados na promessa de reciprocidade. No entanto, este tradicional mecanismo do direito
internacional público não é suficientemente célere para atender as exigências da cooperação
internacional em matéria de indisponibilidade de capitais. Além disso, como instrumento político, a
reciprocidade pode não ser factível em todos os casos. Daí porque é imprescindível a existência de
um tratado bilateral que preveja as hipóteses de cooperação e autorize expressamente o
[3]
congelamento de ativos para fins de perdimento .

No âmbito do MLAT, os pedidos podem ser formulados pelo Poder Judiciário, pelo Ministério
Público e pelas Polícias, sempre com a finalidade de obtenção de provas para investigações ou
processos penais. A tramitação dá-se por intermédio das autoridades centrais designadas pelos
Estados-partes. No caso do Brasil, é o Ministério da Justiça, representado pelo DRCI. Para os Estados
Unidos, a autoridade central é a Procuradoria-Geral (United States A orney General), representada
pelo Office of International Affairs (OIA), órgão do United States Department of Justice.

Para terem validade no Brasil, as provas criminais obtidas nos EUA devem atender aos requisitos do
tratado e obedecer às limitações, formalidades e restrições à assistência nele apontadas.

O pedido deve ser encaminhado pela autoridade investigante ou processante ao DRCI, em Brasília,
que fará a tramitação junto ao OIA, em Washington. Cumpridos os pressupostos formais, o pedido
será distribuído à autoridade competente para o cumprimento da assistência nos EUA. Em regra, esta
autoridade é um procurador norte-americano (Assistant US A orney), que deverá dirigir-se ao juízo
competente (US District Court) requerendo sua nomeação como comissário (commissioner) para a
execução da assistência solicitada pelo Estado estrangeiro. De acordo com o artigo 1782, do título 28
do US Code[4], o comissário poderá ser autorizado a colher depoimentos[5] ou expedir notificações
(comissioner’s subpoena) para a exibição de documentos e a iniciar todas as providências necessárias ao
cumprimento da solicitação. Este mesmo dispositivo autoriza, na execução do rogado, a adoção, no
[6]
todo ou em parte, do procedimento criminal do Estado requerente .

Na execução das diligências solicitadas, que têm curso em sigilo (under seal), o comissário poderá
autorizar a participação de autoridades brasileiras. A subpoena será endereçada à pessoa física ou
jurídica que detém a guarda dos documentos solicitados pelo Estado estrangeiro. Entre outras
exceções, o direito ao sigilo bancário previsto no Right to Financial Privacy Act (RFPA)[7] não se aplica

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aos dados necessários à instrução de uma investigação estrangeira[8]. Além disso, as instituições
financeiras que mantêm tais registros são notificadas a manter o sigilo das notificações expedidas
pelo comissário.

Colhida a prova nos Estados Unidos, o procurador encarregado enviará os autos ao OIA. Os
documentos retornarão ao Brasil pela mesma via administrativa, sendo chancelados pelo DRCI e
encaminhados à autoridade requerente, quando então poderão ser utilizados na investigação criminal
ou na ação penal para a qual foram solicitados.

É de se reafirmar que, conforme o princípio da especialidade, os documentos solicitados para um


determinado caso criminal não podem ser utilizados em outras investigações, ainda que correlatas ou
conexas, sem a autorização formal da autoridade central do Estado requerido. Este tipo de restrição é
corriqueira em tratados de cooperação internacional e se destina assegurar o cumprimento de
restrições previstas na legislação doméstica ou no próprio acordo internacional, como é o caso, por
exemplo, da proibição de assistência em relação a delito exclusivamente militar, constante do artigo
3º do MLAT. O tema foi preocupação da meta 40 da ENCLA 2005, quando se recomendou “Difundir
informações sobre a necessidade de se observar os limites para a utilização de documentos obtidos
por meio de cooperação jurídica internacional”.

Problema adicional está na utilização de tais documentos estrangeiros, de índole penal, como prova
emprestada em ações civis de improbidade administrativa, reguladas na Lei n. 8.429/92. Como se
sabe, trata-se de um diploma de índole civil, também com sanções de natureza cível. Como assegurar
a utilização da prova criminal obtida nos EUA em ações de responsabilização por atos de
improbidade? A resposta é simples e está no parágrafo 1º do artigo 1º do MLAT, que estende o
alcance da assistência aos “processos relacionados a delitos de natureza criminal”.

O artigo 7º, §4º, do MLAT Brasil/EUA também prevê que “as informações ou provas que tenham sido
tornadas públicas no Estado requerente, nos termos do parágrafo 1 ou 2, podem, daí por diante, ser usadas para
qualquer fim”. Os parágrafos em questão dizem respeito ao princípio da especialidade e ao dever de
confidencialidade, de modo que, se houver autorização ou se não houver oposição do Estado
requerido, as provas criminais transmitidas poderão ser emprestadas para investigações ou
procedimentos cíveis no Brasil.

É comum ocorrerem investigações simultâneas, no campo civil e no campo criminal, em relação aos
mesmos fatos. Exemplo marcante é o caso de um ex-prefeito de São Paulo, em que correm
paralelamente ações penal e de improbidade administrativa, em relação aos mesmos fatos. Numa
hipótese como esta, a prova criminal obtida nos EUA por meio do MLAT pode ser validamente
utilizada na ação de improbidade, na forma do citado artigo 1º Acordo. Mesmo que assim não fosse,
bastaria permissão formal da autoridade central norte-americana, para a validação da prova por
empréstimo, conforme o artigo 7º do MLAT.

No que diz respeito à quebra de sigilo bancário no exterior, algumas observações adicionais devem
ser feitas. Tais cautelas aplicam-se a situações de cooperação com qualquer país:

1. é conveniente que haja decisão de quebra de sigilo bancário no Brasil[9] e que se obtenha decisão
equivalente no exterior;
2. deve-se utilizar o sistema SisbaJud[10], que permite ao magistrado bloquear imediatamente
valores depositados no Brasil em nome do investigado, evitando que sejam ocultados ou mesmo
evadidos;
3. o pedido de assistência deve ser devidamente formalizado, com a correta individualização da
informação buscada;
4. os dados solicitados devem ser delimitados, com indicação da forma de sua apresentação, não
olvidando que cartas, faxes e emails trocados entre o cliente e a instituição financeira, assim como

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relatórios de compliance e de atividades suspeitas podem ser muito úteis para a persecução
criminal;
5. deve-se solicitar autorização para compartilhamento da prova com outros órgãos públicos, como a
Receita Federal, a AGU e outros Ministérios Públicos, por exemplo.

Os dados obtidos mediante a quebra de sigilo bancário deverão ser analisados por peritos contadores,
a fim de permitir a identificação dos principais fluxos financeiros e a descoberta de dados úteis à
investigação, como outras contas em nome dos suspeitos. Daí a importância da indicação da forma de
apresentação dos documentos bancários, que deve ser preferencialmente a eletrônica, em formato
texto, a fim de facilitar a perícia. Aliás, os peritos serão fundamentais para decifrar os códigos
bancários contidos nas planilhas das contas cujo sigilo foi afastado. É o caso dos códigos SWIFT e
CHIPS, que são sistemas de mensagens bancárias internacionais que permitem o posterior
rastreamento das remessas. O SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial
Telecommunications) reúne, desde 1974, instituições de mais de duzentos países e transfere mensagens
sobre transações financeiras entre os bancos participantes. Já o CHIPS (Clearing House Interbank
Payments System), data de 1970 e é também um sistema de transferência de fundos, funcionando como
câmara de compensação.

Após o rastreamento dos valores, se houver sucesso na localização de contas finais, pode-se lançar
mão de um pedido internacional de bloqueio de ativos. Esta providência demandará a preparação de
um pedido de assistência dirigido às autoridades competentes do país onde está a instituição que
abriga os valores perseguidos.

Importa que os crimes sejam cumpridamente descritos, tanto em seus elementos típicos quanto em
sua interferência naturalística. Vale dizer, a autoridade solicitante deverá descrever as condutas
típicas e fazer um relato minucioso dos fatos sob investigação, com análise detalhada da prova
colhida, num sumário analítico[11], a fim de permitir ao Estado requerido verificar de que modo
aqueles fatos conformam-se à sua própria legislação penal e aquilatar que efeitos processuais deles se
pode extrair. Obviamente, é imprescindível relacionar tais fatos ao agente criminoso e demonstrar o
nexo de causalidade entre a conduta humana e o resultado antijurídico objeto da persecução. É
preciso ter em mente que em geral o pedido firmado no Brasil será submetido a uma autoridade
judiciária, que irá determinar, inclusive mediante a análise da justa causa (probable cause), se tais fatos
são suficientes para o deferimento da assistência pretendida. Não se pode olvidar também que a
defesa do investigado poderá questionar, perante o tribunal norte-americano, os procedimentos
adotados na cooperação, assim como apresentar petições (motions) para obstá-la.

No caso dos Estados Unidos, os delitos que ensejaram o pedido de bloqueio (restraint order)devem ser
daqueles que autorizam o perdimento (forfeiture), segundo a lei estadunidense (18 USC 982). Este é o
caso do narcotráfico, por exemplo, como delito precedente à lavagem de capitais. Todavia, não será
possível obter assistência para fins de perdimento quando se trate do crime brasileiro de sonegação
fiscal (tax evasion), porque para este delito não está prevista a forfeiture nos Estados Unidos.

Embora questionável, à luz do MLAT, a razão desta restrição é simples. Nos Estados Unidos, para o
perdimento é necessário atender ao requisito da dupla tipicidade. O fato tem de ser previsto como
crime na legislação penal do Estado requerente e do Estado requerido. Para as demais formas de
cooperação tal requisito não é necessário, conforme se lê no artigo 1º, §3º, do MLAT, a “assistência será
prestada ainda que o fato sujeito a investigação, inquérito ou ação penal não seja punível na legislação de ambos
os Estados”.

No que se refere ao crime de evasão de divisas, tem-se como certo que se trata de fato atípico de
acordo com a lei norte-americana. Não existe o crime de capital flight nos Estados Unidos. No entanto,
nos casos de ofensa ao artigo 22 da Lei n. 7.492/86, é possível obter a cooperação daquele país se for

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possível demonstrar violação ao artigo 1960 do título 18 do US Code , que tipifica o crime de
remessa de valores sem licença (prohibition of unlicensed money transmi ing businesses).

Ҥ1960. a) Whoever knowingly conducts, controls, manages, supervises, directs, or owns all or part of an
unlicensed money transmi ing business, shall be fined in accordance with this title or imprisoned not more
than 5 years, or both”.

Para configurar o crime federal em tela, o termo “money transmi ing business” deve dizer respeito a
atividades interestaduais ou transnacionais de qualquer espécie que sejam realizadas:

1. sem licença estadual, em um Estado ou território norte-americano em que esta atividade


clandestina seja considerada crime (felony) ou contravenção (misdemeanor), mesmo que o
agente não conheça estas circunstâncias;
2. sem que o agente atenda aos requisitos para registro previstos no artigo 5330 do título 31 do US
Code; ou
3. mediante o transporte ou transmissão de recursos que o agente sabe ter origem criminosa, ou
que se destinem a promover ou subsidiar uma atividade ilícita.

De acordo com o mesmo artigo (18 USC 1960), a expressão “money transmi ing” engloba
transferências de fundos em favor dos clientes da empresa por qualquer meio, inclusive
transferências bancárias domésticas ou transnacionais por via eletrônica (wire transfers), cheques, fac-
similes ou courrier.

Evidentemente, tais “empresas” clandestinas de remessas de valores em muito se assemelham a


certas casas de câmbio brasileiras. Estas, quando operadas por doleiros no sistema
denominado hawala[13], podem ser alvo de investigações bilaterais no Brasil e nos Estados Unidos.
Daí porque nestes casos não há dificuldades para a obtenção da assistência judiciária e para o
bloqueio de valores pertencentes a estes agentes do mercado paralelo de remessa de capitais. Deve-se
perceber, contudo, que os clientes dos doleiros não estão na mesma situação destes. Se um indivíduo
usa os serviços clandestinos da casa de câmbio para a remessa de valores aos Estados Unidos não
estará, somente por esta conduta, sujeito a bloqueio de bens naquele país, porque nesta situação, em
regra, ter-se-á apenas o crime (brasileiro) de evasão de divisas.

O artigo 1956 (b) (3), do Título 18 do US Code confere aos juizes norte-americanos o poder de expedir
ordens de bloqueio, ainda na fase investigatória, em casos de lavagem de dinheiro por meio de
serviços clandestinos de remessas de valores. De fato, “a court described in paragraph (2) may issue a
pretrial restraining order or take any other action necessary to ensure that any bank account or other property
held by the defendant in the United States is available to satisfy a judgment under this section.”

Há dois caminhos a seguir para a obtenção de ordens de congelamento provisório de bens (ex parte
restraint order)[14], que precedem ao perdimento penal (criminal forfeiture):

1. o primeiro caminho, mais fácil, busca conferir eficácia a uma decisão judicial de bloqueio emitida
por um juiz brasileiro. Neste caso, segue-se o procedimento previsto no MLAT e busca-se
posteriormente o perdimento;
2. o segundo, mais difícil, tem em mira obter diretamente uma decisão judicial norte-americana de
indisponibilidade, baseada numa declaração juramentada (affidavit) firmada por uma autoridade
brasileira[15].

Uma última via pode ser tentada, a critério da autoridade norte-americana: a ação real de extinção de
domínio (forfeiture action against the property), também chamada de civil forfeiture ou perdimento civil,
previsto no artigo 981 do título 18 do US Code. Trata-se de uma ação civil in rem, de natureza
objetiva, que é proposta contra a coisa objeto do perdimento. Esta ação, mais trabalhosa que os

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procedimentos criminais acima descritos, só pode ser utilizada contra bens que comprovadamente
são produto ou proveito de um crime anterior, sendo cabível, por exemplo, nas hipóteses de ofensa
aos artigos 1956, 1957 e 1960 do título 18 do US Code[16].

O perdimento nos casos de lavagem de capitais (18 USC 1956-57) é substancialmente mais difícil do
que nos demais crimes financeiros, porque é imprescindível apontar indícios do crime antecedente e
demonstrar que os bens que se pretende tornar indisponíveis procedem daquele delito.
Naturalmente, os crimes tributários não podem ser considerados como antecedente para esta
finalidade.

Ainda é preciso observar que há um limite temporal para a manutenção da ordem de


indisponibilidade. Assim, se o pedido de bloqueio for apresentado antes da formação da relação
processual no Brasil, o congelamento dos bens nos Estados Unidos somente perdurará por noventa
dias[17], em regra, conforme o artigo 853 (e) (B), do título 21 do US Code, que cuida das
chamadas protective orders. Portanto, o marco é o indictment, equivalente no Brasil ao recebimento da
denúncia. Nesta hipótese, os requisitos para a obtenção da ordem nos Estados Unidos são mais
rigorosos, porque ainda não se possibilitou o contraditório. Então, há necessidade de demonstrar
justa causa específica e periculum in mora, provando no pedido, por exemplo, que há risco de
desaparecimento de indícios ou de alienação de bens. Já para a civil forfeiture em caso de cooperação
internacional, o prazo de indisponibilidade dos valores será de apenas trinta dias, na forma do 18
USC 981 (b) (4), com possibilidade de extensão por período superior, se demonstrada a justa causa.

Depois do “indiciamento” (recebimento da denúncia) no Brasil, os requisitos para deferimento do


bloqueio provisório são bem menos rigorosos e não há prazo de eficácia para a decisão de
indisponibilidade de ativos conforme o artigo 853 (e) (A), do título 21 do US Code. Esta protective
order valerá até a decisão final na ação penal. É assim porque nestes casos o agente terá direito ao
contraditório no processo penal em curso no Estado requerente, resguardando-se a garantia
universal, também prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, de que “ninguém será
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Como quer que seja, ainda quando não seja possível dar eficácia nos Estados Unidos a uma decisão
de bloqueio de ativos proferida por juiz brasileiro, sempre será possível, nos termos do MLAT, obter
provas sobre a titularidade de bens pertencentes ao agente da conduta criminosa, ou coletar outras
provas relativas ao delito. Assim, a título de exemplo, se o Ministério Público estiver a investigar um
crime tributário, o órgão de persecução poderá obter dados sobre o patrimônio e as atividades do
suspeito nos Estados Unidos, ainda que lhe esteja, só por este delito, vedado o caminho para o
congelamento de ativos relacionados a tal infração fiscal.

NOTAS
[1]
O crime de lavagem de dinheiro foi tipificado nos Estados Unidos em 1986 (Money Laundering
Control Act), por emenda ao Bank Secrecy Act(BSA), estabelecendo uma lista de mais de 170 crimes
precedentes. Vide 18 USC 1956-57.
[2] Conforme artigos 14 e 15.

[3] O MLAT contém disposição deste jaez. Vide o artigo 1º, §2º, letras ‘f’ e ‘g’.

[4] 28 USC §1782. Assistance to foreign and international tribunals and to litigants before such tribunals.

[5]
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[5] Sempre respeitadas as garantias individuais próprias ao direito norte-americano. Na Operação
Farol da Colina, o MPF requereu, por MLAT, a oitiva do dono da Beacon Hill Service Corporation. A
solicitação foi cumprida pela Procuradoria dos Estados Unidos em Nova Iorque, mas o suspeito
recusou-se a depor, alegando o privilege against self-incrimination (nemo tenetur se detegere).
[6] Vide o artigo 4º, §3º, ‘g’, do MLAT.

[7] Vide o título 12 do US Code, artigos 3401 a 3422.

[8] Young v. United States Department of Justice, 882 F2d 633 (2d Cir.
1989).

[9] Esta tarefa foi facilitada pelo Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (CCS), mantido
pelo Banco Central. Este cadastro decorre do art. 10-A, da Lei n. 9.613/98 e da meta 2 da ENCLA 2005.
Sua entrada em funcionamento no segundo semestre de 2005 tornou possível a realização de
pesquisas centralizadas, por CPF ou CNPJ, sobre a existência de contas e aplicações financeiras em
nome de investigados por lavagem de dinheiro, acelerando a persecução criminal.
[10] O Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário substituiu o BacenJud em 2020.

[11] Não é necessário enviar cópias das provas colhidas na investigação ou no processo brasileiros.

[12] 18 USC §1960. Lê-se como artigo (section) 1960 do título 18 do US Code.

[13] Também conhecido como dólar-cabo.

[14] Bloqueio provisório sem a ouvida da parte contrária. As restraint orders diferem das ordens de
apreensão (seizure) da coisa. Estas retiram completamente a coisa da esfera de disponibilidade do
agente. Aquelas, pertencentes ao gênero das protective orders, são similares a ordens de injunction, de
limitação de ação, podendo ser substituídas por garantias fidejussórias (performance bonds). Vide 21
USC 853.
[15] Neste caso, o suspeito ou réu poderá apresentar petições (motions) e/ou solicitar uma audiência
(hearing) nos Estados Unidos para determinar a legitimidade da constrição.
[16] O anteprojeto da nova lei brasileira de lavagem de dinheiro institui no País a ação de extinção de
domínio, inspirada no direito colombiano. Aqui o procedimento será de natureza pessoal, tendo
curso semelhante a uma ação civil pública. Corresponde à meta 14 da ENCLA 2005, que preconizava
a ação civil de perdimento de bens de origem ilícita.
[17]
De forma equivalente no Brasil, vide o art. 4, §1º da Lei n. 9.613/98, que estipula prazo de 120
dias.

 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL  DIREITO PROCESSUAL PENAL

AUTORIDADE CENTRAL COOPERAÇÃO INTERNACIONAL


LAVAGEM DE DINHEIRO MLAT PRE-MLA

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Publicado por Vladimir Aras

Procurador Regional da República, Professor de Processo Penal e pesquisador da área de lavagem de dinheiro,
criminalidade organizada e cooperação penal internacional. Ver todos os posts por Vladimir Aras

2 comentários

1. cviegas1 disse:
14/01/2021 ÀS 11:18
Parabéns! muito bom artigo, não estou mais no Twi er, mas sinto falta das suas excelentes e
seguras ponderações jurídicas. Paz e Bem, Com estima e a a admiração intelectual do Carlos
Viegas

Enviado do Yahoo Mail no Android

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Vladimir Aras disse:
14/01/2021 ÀS 11:28
Volte ao Twi er, amigo. Forte abraço.

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