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SAÚDE DO IDOSO
Abordagem
fisioterapêutica dos
idosos portadores
de incontinência
urinária
Aline Andressa Matiello
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Novas demandas de saúde surgiram com o aumento do envelhecimento popula-
cional. Hoje, são necessárias estratégias que visem não apenas a aumentar a ex-
pectativa de vida e a reduzir a mortalidade por doenças, mas que também visem
a reduzir o impacto e as implicações funcionais causadas pelo aumento de co-
morbidades. As comorbidades, por terem curso crônico, impactam diretamente
a autonomia, a independência, a capacidade funcional e consequentemente,
a qualidade de vida do idoso.
2 Abordagem fisioterapêutica dos idosos portadores de incontinência urinária
Definição
Alterações patológicas na fisiologia da micção ou nas estruturas envolvidas
na sustentação e no suporte dos órgãos responsáveis pela micção e dos
demais órgãos pélvicos podem levar ao surgimento de incontinência urinária.
Segundo Silva, Marques e Amaral (2018), a incontinência urinária compreende
um dos diversos tipos de disfunções do sistema geniturinário, sendo, entre
eles, o mais prevalente.
Abordagem fisioterapêutica dos idosos portadores de incontinência urinária 3
Fisiopatologia
Muito se discute em relação à fisiopatologia da incontinência urinária,
e inúmeras teorias foram formuladas ao longo dos anos visando a explicar o
mecanismo fisiopatológico dessa disfunção. Atualmente, utiliza-se a teoria
integral da continência para explicar o surgimento de sinais e sintomas
relacionados à perda involuntária de urina. A referida teoria considera que
essa afecção é marcada por vários mecanismos causais, de forma que seus
sintomas seriam decorrentes de alterações ou frouxidão de tecidos que
fazem o suporte da uretra e dos ligamentos e músculos do assoalho pélvico.
Conforme Tortora, Funke e Case (2017), para compreender essa alteração,
é importante reconhecer como funciona o mecanismo de manutenção da
continência urinária. Esse mecanismo resulta do funcionamento dos órgãos
da bexiga e da uretra, os quais estão sob controle do sistema nervoso central
e periférico, e compreende duas fases: a fase de enchimento e a fase de
esvaziamento vesical.
A fase de enchimento vesical tem início imediatamente após a micção e
se caracteriza por inibir a ação do sistema nervoso central sobre a bexiga,
de modo que ela possibilite maior complacência (sofre expansão) e armazene
a urina. De forma associada, há ativação do sistema nervoso simpático sobre
o esfíncter da uretra, permitindo o fechamento desta.
Na fase de esvaziamento vesical, os músculos do assoalho pélvico e do
esfíncter externo da uretra relaxam, e há a ativação do sistema nervoso cen-
tral e do sistema nervoso parassimpático, causando a contração do musculo
detrusor da bexiga, o relaxamento da uretra e, por consequência, a eliminação
da urina. Durante esse processo, os músculos do assoalho pélvico agem de
forma conjunta, considerando que atuam no mecanismo de micção de modo
4 Abordagem fisioterapêutica dos idosos portadores de incontinência urinária
Urina
Contração do assoalho
pélvico Relaxamento do
assoalho pélvico
Essa teoria explica, portanto, que condições que levem à tensão, tanto de
músculos quanto de ligamentos sobre as fáscias da parede vaginal, ativam
precocemente o reflexo de micção, desencadeando contrações involuntárias
do músculo detrusor. Desse modo, nessa teoria, o diafragma pélvico e os
ligamentos uretropélvicos, pubouretrais e uterossacros seriam as estruturas
envolvidas na patologia da incontinência urinária, e danos a essas estruturas
justificariam as diversas manifestações de perda de urina (BARACHO, 2018).
Em homens (da mesma forma como acontece com as mulheres), é eviden-
ciado um aumento da prevalência de incontinência urinária com o aumento
da idade, assim como do mecanismo que leva à perda de urina, que pode ser
por anormalidades tanto vesicais quanto esfincterianas, sendo a primeira
a mais prevalente.
Segundo Palma et al. (2009), as anormalidades vesicais que podem levar à
incontinência urinária em homens são as contrações involuntárias da bexiga,
tanto de causas idiopáticas quanto neuropáticas, e, ainda, alterações na
complacência. Em ambos os casos, observa-se aumento da ação detrusora,
que se sobrepõe à resistência intravesical, comprometendo o mecanismo
esfincteriano que mantém a continência e, assim, causando a perda invo-
luntária da urina.
Disfunções vesicais, ainda, podem causar a incontinência urinária em
homens por obstruções (como nos casos de tumores ou estenoses) ou meca-
nismos que comprimam ou lesionem a inervação vesical. Além disso, podem
estar relacionadas à contratura vesical ou à hipocontratilidade vesical.
Nas anormalidades esfincterianas, evidencia-se, como causa, traumas
ou doenças neurológicas em que o esfíncter pode ser lesionado por trauma
direto, trauma nas estruturas que inervam o esfíncter ou dão suporte a ele,
a exemplo de lesões que possam acontecer durante cirurgias de prostatecto-
mia radical ou prostatectomia simples. Portanto, disfunções da próstata são
fatores que implicam a incontinência urinária masculina (PALMA et al., 2009).
Baseando-se na relação dos músculos do assoalho pélvico com os quadros
de incontinência urinária feminina e masculina, a Figura 2 mostra a nomencla-
tura e a localização desses músculos na pelve masculina e na pelve feminina.
Com base na teoria integral da continência e nas estruturas envolvidas
na fisiopatologia da disfunção, a incontinência urinária deve ser abordada
considerando a integralidade do sistema geniturinário, das estruturas do
assoalho pélvico e do organismo como um todo. Deve-se, portanto, reconhecer
a região pélvica como um conjunto de fáscias, ligamentos e músculos que
atuam de modo sincronizado, dando suporte aos órgãos pélvicos.
6 Abordagem fisioterapêutica dos idosos portadores de incontinência urinária
Fatores de risco
Fatores de risco envolvidos no desenvolvimento da incontinência urinária
incluem idade, etnia, tabagismo, obesidade, estado hormonal, etc. Em relação
à idade, a perda gradativa do tônus muscular e os efeitos deletérios do enve-
lhecimento nos sistemas muscular e conjuntivo são fatores que aumentam a
probabilidade de ocorrência de incontinência urinária, uma vez que reduzem
o tônus e as fibras elásticas e de colágeno, causando perda de estruturas dos
tecidos musculares e conjuntivos.
Segundo Duarte e Amaral (2020), os fatores envolvidos com a maior pre-
valência de incontinência urinária em idosos estão relacionados tanto com
a idade quanto com as dificuldades de locomoção, os déficits cognitivos,
a necessidade de auxílio para uso do banheiro, entre outras alterações que
são mais comuns à medida que se envelhece (DUARTE; AMARAL, 2020).
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Quadro clínico
Idosos com incontinência urinária podem relatar diferentes sintomas em
relação à perda de urina, considerando as particularidades de cada episódio
de perda. Em geral, segundo Perracini e Fló (2009), o idoso se queixa de au-
mento na frequência urinária, urgência miccional, perda de urina, gotejamento
antes da micção, enurese noturna, perdas de urina durante a relação sexual,
desejo constante de urinar e noctúria, que é o aumento do fluxo urinário à
noite (dois ou mais episódios), disuria (dor ou desconforto durante a micção),
entre outras manifestações.
O idoso também pode relatar jato fraco, necessidade de esforço para urinar
ou hesitação, quando há dificuldade em iniciar a micção. Além desses sinto-
mas durante o armazenando e o esvaziamento, a incontinência urinária pode
cursar com manifestações pós-miccionais, que acontecem imediatamente
após a micção. Baracho (2018) cita a sensação de esvaziamento incompleto,
quando o idoso tem a sensação de que resta urina na bexiga após a micção,
ou o gotejamento, que é uma perda urinária não intensa, que acontece após
o idoso levantar do vaso sanitário ou deixar o banheiro.
Diagnóstico clínico
O diagnóstico clínico, realizado pelo médico, é primordial, considerando que
as causas são multifatoriais. Deve-se, antes de mais nada, estabelecer-se o
tipo de incontinência urinária e sua causa, e só então definir o tratamento
mais adequado. O diagnóstico clínico, segundo Perraci e Fló (2009), é feito
com base na anamnese, no exame físico do paciente e na realização de exa-
mes complementares, que podem incluir urocultura, glicemia, ultrassom
renal e transvaginal, cistografia, ressonância magnética, citoscopia e exame
urodinâmico.
Terapia comportamental
A terapia comportamental consiste na associação de técnicas que visam a
minimizar ou reduzir sinais relacionados à incontinência urinária por meio
de mudanças nos hábitos e no estilo vida do paciente. Assim, a abordagem
inicial consiste na detecção dos hábitos de vida do paciente que possam,
de algum modo, estar afetando (contribuindo para, piorando ou causando)
os episódios de perda urinária.
Segundo Moreno (2009), esse recurso vem sendo empregado de maneira
associada a outras abordagens no manejo da incontinência urinária urgência,
da incontinência urinária de esforço e em idosos com queixa de frequência
urinária aumentada. Para Perracini e Fló (2009), a terapia comportamental é
o ponto-chave da terapêutica na incontinência urinária, uma vez que permite
que o paciente participe do tratamento de maneira ativa e, ainda, compreenda
o funcionamento vesical, a micção e o funcionamento do assoalho pélvico.
1. diário miccional;
2. educação do paciente;
3. treinamento vesical.
Parcialmente Completamente
aberto aberto
Apenas após essa conscientização, deve-se dar início ao treino dos mús-
culos do assoalho pélvico, que, nos casos de incontinência urinária, deve
ser mantido visando a manter a condição adquirida e evitar recidiva de nova
perda urinária. Perracini e Fló (2009) sugerem que o tratamento de cinesio-
terapia voltado a essa musculatura se estenda por oito a 12 semanas, com
sessões duas vezes por semana, com o objetivo de manter a qualidade da
contração e a funcionalidade do sistema. Para isso, o fisioterapeuta pode
utilizar intervenções biomecânicas, como a terapia manual, a reeducação
postural e a cinesioterapia, recursos de eletroterapia, como o biofeedback,
eletroestimulação e cones vaginais, e atividade física supervisionada, como
o Pilates.
Intervenções biomecânicas
Entre as intervenções biomecânicas para o manejo da incontinência urinária
em idosos, destacam-se os exercícios de Kegel, a cinesioterapia funcional
dos músculos do assoalho pélvico e as terapias manuais.
Os exercícios de Kegel consistem em uma sequência de exercícios de
contração dos músculos do assoalho pélvico e atualmente enfatizam a rea-
lização de poucas repetições diárias das contrações, associadas ao aumento
progressivo de intensidade, força e tempo de sustentação da contração
(MORENO, 2009).
Por sua vez, a cinesioterapia funcional do assoalho pélvico se pauta na
ideia de que contrações voluntárias repetitivas aumentam a força muscular,
a ativação do esfíncter uretral e a um melhor controle da micção, uma vez que
ativam os músculos do assoalho pélvico e melhoram o suporte das estruturas
pélvicas e abdominais. Da mesma forma, a realização de alongamentos dos
músculos do assoalho pélvico proporciona relaxamento e melhora a contra-
tilidade e, por consequência, o funcionamento biomecânico desses músculos.
A cinesioterapia é realizada de maneira direcionada aos músculos do
assoalho pélvico, prevenindo ou tratando algum comprometimento físico
funcional que interfira no quadro de incontinência urinária do idoso, visando
obter o máximo de funcionalidade. Todavia, para que a cinesioterapia funcional
dos músculos do assoalho pélvico seja efetiva, é de suma importância que
sejam realizadas intervenções individualizadas previamente, para melhorar
a conscientização das contrações e do relaxamento muscular, de modo que,
posteriormente, o paciente possa realizar as técnicas de cinesioterapia em
grupo. Isso só é possível, é claro, se todos os pacientes tiverem condições
clínicas similares, de maneira que suas condições individuais sejam atendidas
e levadas em consideração a partir da avaliação fisioterapêutica.
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Figura 4. Cinesioterapia com uso de bola suíça em idosos com incontinência urinária.
Fonte: Mussi e Cezar (2018, documento on-line).
Por fim, as técnicas de terapia manual podem ser empregadas para cor-
rigir e melhorar a biomecânica da pelve como um todo, incluindo músculos e
articulações próximas à pelve. Além disso, pode-se realizar técnicas manuais
voltadas à dessensibilização, por meio de manobras miofasciais de digito-
pressão e/ou deslizamento nas paredes vaginais, liberando por exemplo,
pontos-gatilho. Também se pode estender essas liberações miofasciais a
outros grupos musculares que possam estar com disfunções (BARRACHO, 2018).
Recursos de eletroterapia
Nos recursos de eletroterapia, destaca-se o uso biofeedback e da eletroes-
timulação. O biofeedback se trata de um aparelho com um sensor externo
utilizado para visualizar a qualidade da contração dos músculos do assoalho
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Grau Descrição
(Continuação)
Grau Descrição
Intervenções fisioterapêuticas
O tratamento da incontinência urinária em idosos deve ser cuidadosamente
adaptado a cada paciente, considerando as particularidades de cada situação,
incluindo tipo de incontinência urinária, a gravidade, doenças associadas,
estado funcional, objetivos de tratamento e prognóstico (DUARTE; AMARAL,
2020).
Considerando os diferentes tipos de incontinência urinária em idosos,
a seguir, são apresentadas algumas particularidades de intervenção em cada
um dos tipos de disfunção, incluindo o uso de alguns recursos de maneira
global, como a terapia comportamental.
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Referências
BARACHO, E. Fisioterapia aplicada à saúde da mulher. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2018.
BARCELOS, A.; CEBOLA, A.; VARREGOSO, J. Incontinência urinária feminina. 2018.
Disponível em: https://repositorio.hff.min-saude.pt/bitstream/10400.10/1957/1/
Apresenta%C3%A7ao%20Incontinencia%20Urinaria%20Feminina.pdf. Acesso em:
7 mar. 2021.
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