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Trabalhar até às 18h ou 19h todos os dias?

‘Sorry’, isso simplesmente não é natural”


Em entrevista, Nadim Habib diz que as empresas têm de ser geridas com mais "ciência" e "menos heroísmo". Esta é uma
das (muitas) coisas em Portugal que "irritam profundamente" o professor da Nova SBE.
Nadim Habib, economista, consultor e professor na Nova SBE, ficou conhecido por contar que, quando se colocou
a hipótese de sair de Londres e vir para Portugal, para o país da mulher, viu isso com bons olhos porque queria um
pouco mais de descanso. Olhou para os dados económicos de Portugal e presumiu que se trabalhava pouco por
cá — mas quando se mudou para Portugal, ficou em choque ao descobrir que, afinal, os portugueses trabalham
muito — a produtividade é que é baixa.
E é baixa porque, de um modo geral, as pessoas trabalham imensas horas mas produzem pouco (e com pouco valor). A
culpa disso é dos “erros básicos de gestão” que penalizam a maioria das empresas portuguesas, onde falta a agilidade e a
disciplina essencial para criar mais valor e adaptar os processos a um novo cliente, “brutalmente exigente”, e
ao novo colaborador, que já não é o empregado de antigamente.
Nadim Habib nasceu na Dinamarca, filho de uma mãe dinamarquesa e pai libanês. Além da Dinamarca, viveu no Líbano,
Bruxelas e, depois, foi para a London School of Economics, na capital britânica. É Mestre (M.Sc.) em Economia pela LSE e
é, também, consultor internacional nas áreas de estratégia, inovação e criatividade. Foi CEO da Formação de Executivos
da Nova SBE e da Angola Business School, tendo também trabalhado para diversas multinacionais no Reino Unido, Bélgica
e Portugal. Mudou-se para Portugal no início da década de 90 e, hoje, coordena o programa “Leading for Organizational
Agility“, na Nova SBE. Tem três filhos.
Recusando por completo a ideia de que a legislação laboral seja um problema, em Portugal, Nadim Habib critica os
“truques” a que as empresas recorrem (designadamente na altura de contratar) e fica espantado com os “exercícios de
ficção” coletiva como é, nos dias de hoje, toda a gente ter, a cada ano, de marcar férias até 31 de março — “e é o próprio
chefe, normalmente, que depois diz eh pá marca lá uns dias quaisquer e depois muda-se“.
O que mais preocupa o académico, porém, é a forma como a má cultura de gestão e a falta de disciplina nas
organizações está a contribuir para a baixa natalidade, para os problemas de saúde e, até, para a ascensão perigosa
do populismo político — “seja ele de esquerda ou de direita”.
“Eu moro em Cascais e o trânsito na portagem [para a auto-estrada A5] começa às 7h30, para ir para Lisboa. E, depois, às
20h há trânsito a regressar. Como é que isto pode ser? Imagine um casal em que os dois trabalham, dois filhos, é uma
vida que não se aguenta”, diz Nadim Habib. “Eh pá, não é natural termos, hoje em dia, pessoas a trabalhar até às seis,
sete da noite. I’m sorry, it’s just not natural. Nós devíamos estar a trabalhar até às 16h, 17h. No máximo. Para termos
algum tempo para viver e estar com os filhos”, defende.
Sem meias palavras, é quando fala sobre as coisas que mais o irritam em Portugal — como “os palhaços que chegam
atrasados às reuniões” — que mais frequentemente a boca lhe foge para o inglês, língua em que se sente mais
confortável. Mas é em bom português que defende que os gestores têm de liderar as organizações com “mais ciência”,
“menos arte” e menos “heroísmo”. Porque gerir bem “é exatamente como fazer bolo de chocolate na Bimby”, defende.
A economia portuguesa caracteriza-se, há muito, por uma baixa produtividade. É culpa dos patrões, dos trabalhadores
ou dos políticos e das leis?
Em Portugal noto uma grande tendência para culpar sempre as leis e os governos. Os portugueses, de um modo geral,
tendem a dizer que “a culpa é sempre do Governo”. E quando há um problema, “se o Governo resolver, isto resolve-se”.
A minha opinião é um pouco diferente: acho que há empresas que têm, claramente, problemas na gestão. A gestão é
deficiente, é frágil, não é baseada em nenhuma ciência de gestão. Faz-se muita coisa com base no feeling do gestor.
Trata-se a gestão como se fosse uma arte, mas ela tem muito mais de ciência do que de arte.
A culpa é, em grande parte, dos gestores, portanto… Percebi bem?
Em Portugal, calculo, existem entre 50% e 60% das empresas que têm problemas básicos de gestão, que são
relativamente fáceis de resolver. São organizações que têm dificuldade em gerir bem, e isso faz com que seja preciso o
dobro do tempo para fazer as coisas. Destrói-se a produtividade. Muitas dessas empresas só sobrevivem porque temos
salários baixos em Portugal. Imagine quantas empresas portuguesas se aguentavam se houvesse um salário mínimo de
dois ou três mil euros. Quase todas iriam falir.
E as outras empresas?
Depois, há um grupo de empresas que são bem geridas mas que, mesmo assim, têm problemas de produtividade — e
isso tem a ver com as mudanças profundas que estão a acontecer nas nossas economias. Estão a enfrentar um mundo
que está a ficar radicalmente diferente. E é por causa desses desafios que sinto esta doença do excesso de trabalho não
só em Lisboa mas vou a São Francisco, vou a Londres, estive em Munique e vejo toda a gente a sofrer da mesma coisa.
Excesso de trabalho?
Sim, excesso de trabalho, excesso de stress e ansiedade. E quem mais sente isso é quem trabalha na gestão — são os
gestores.
Mas diz que muitas empresas falham porque são mal geridas. E que outras são bem geridas, mas têm dificuldades.
Então o que é que está a falhar?
O que está a falhar é que temos de repensar, fundamentalmente, a gestão das empresas para o mundo de hoje. Muita
gente já percebeu que é necessário fazer isso: repare que vai a uma livraria no aeroporto e metade dos livros são sobre
gestão. Parece que qualquer um gere bem uma empresa e ao fim de cinco anos quer escrever um livro. Eu calculo que
70% dos vídeos TedX [TedTalk] são sobre gestão de empresas… Isto mostra a ansiedade que todos sentimos.
Sente essa ansiedade nas aulas também? Nos seus alunos?
Eu ouço os miúdos dizerem que querem trabalhar para líderes inspiracionais. Eu penso: “Eh pá, isto é trabalho… Calma
lá”. Ouço-os a dizer que querem mudar o mundo e seguir a sua paixão, ter um trabalho que tenha um propósito, de
mudar o mundo. Nada contra estes ideais mas ilustram, também, essa ansiedade que existe.
Mas o que é que mudou, ou está a mudar, no mundo para que nem quando gerimos bem estamos… a gerir bem?
Muitas vezes quando tentamos explicar mudanças no nosso mundo, tendemos a recuar um ou dois anos. Mas o que
mudou estruturalmente no nosso mundo começou nos anos 50/60, quando introduzimos a educação universal e gratuita.
A educação secundária e universitária começou a ser uma coisa comum. E, de repente, passámos a ter uma população
muito mais qualificada e inteligente. Antigamente, quando tínhamos funcionários pouco qualificados, chamávamos-
lhes empregados. Hoje não são empregados, são colaboradores. Os empregados são, costumo dizer, especialistas em
obediência: o chefe diz “senta” e ele senta-se. E quando alguém pergunta porque estava a fazer algo, ele responde:
“porque o chefe mandou”.
E o colaborador?
Hoje em dia, usamos a designação colaboradores mas não é porque eles colaborem. Como costumo dizer, ninguém que
tenha filhos nos dias de hoje pode dizer que tem filhos obedientes — porque a partir do momento em que se dá
educação, que se mostra o mundo, o que acontece é que se aprende uma palavra muito simples: “porquê”? E “se eu não
entender porquê, pai, eu não vou fazer”. Portanto, eu tenho de convencer os meus filhos a colaborar. A educação mudou
o papel do líder, que antigamente comandava e controlava as tropas e, agora, tem de convencer as pessoas a colaborar. E
nos anos 90 começámos a perceber que muitos gestores não tinham o skill set [conjunto de aptidões] para liderar
pessoas inteligentes.
Ainda é esse o problema?
É esse e um outro. Outra coisa que está a acontecer é que, além de pessoas mais inteligentes dentro das empresas, tenho
clientes mais inteligentes. E clientes inteligentes têm um enorme poder sobre a minha organização. Hoje, os clientes
mandam nas empresas. Quando falo com empresas que me perguntam como será o futuro eu peço-lhes para olharem
para um restaurante.
Um restaurante?
Sim. Quando vai a um restaurante o empregado de mesa (que ainda se chama empregado) traz um catálogo de produtos
da empresa e entrega ao cliente. E, na maioria dos casos, o cliente de hoje vai achar-se no direito de pegar no catálogo e
personalizar o seu pedido, em frente ao empregado. “Quero um bife mas assim ou assado, quero que acrescente arroz e
quero salada mas com vinagre balsâmico”. E, aí, o empregado não diz “ah vou ter de ver com o meu chefe” ou “assim vai
ficar mais caro” ou “vai levar mais tempo”. Não. Ele diz: “sim”.
Certo…
Sim, e quando vem a comida, por vezes este cliente vai dizer: “o bife não está muito bom” — e, em dois segundos, o
empregado tira o bife da mesa, retira da conta e sugere uma alternativa. Efetivamente entrega ao cliente um valor de 15
euros, sem pedir ao chefe, sem pedir duas assinaturas nem comprovativo de NIB e sem dizer que a área financeira entra
em contacto num máximo de 48 horas… Não. É imediato. Isto é a nova organização, temos de desenhar os nossos
processos do cliente para trás e não como antigamente, em que desenhava os meus processos e dizia ao cliente “toma
lá”.
E noutros setores, como é que isso se aplica? Ou, melhor, de que forma é que surge esse desafio?
Na banca, por exemplo. Os clientes têm tanto poder, sabem tanto quanto o gestor de conta sobre as transações e os
produtos, os clientes nem querem falar com eles. A primeira coisa que um cliente bancário quer quando entra num banco
é sair de lá. E este cliente é tão poderoso que a banca anda aflita a tentar perceber como consegue geri-lo. Outro
exemplo: as telecomunicações — cada vez que é altura de renovar o seu contrato com uma das três, o cliente tem um
poder enorme que não tinha há 30 anos.
Estamos a falar de grandes bancos e grandes empresas de telecomunicações. Mas a economia portuguesa não é isso,
ou não é só isso — é sobretudo feita de empresas de pequena e média dimensão (PME). Muitas vezes são empresas
familiares, em que muitas vezes se olha para as ciências da gestão com algum desdém…
Tipicamente as PME podem ter mais dificuldade em implementar certas práticas. Mas o que temos de sublinhar é que
uma PME é atrativa para um país porque cresce, porque cria emprego. Uma grande empresa, tipicamente, não cria tanto
emprego novo, até pode estar a reduzir postos de trabalho. Portanto, precisamos de PME que cresçam, precisam de ser
geridas de forma a poder crescer.
Se não crescer, não vale a pena?
Quando eu tenho uma PME que não cresce isso não é uma empresa — é um lifestyle business. É simpática, cria emprego
para o patrão, para a família e pouco mais, mas não é uma empresa. Não estou a criticar, mas muitas empresas não são
mais do que isso: entidades que garantem emprego para a família. Têm todo o direito de existir, mas não têm tração para
crescer a prazo. Porque à medida que o cliente exige cada vez mais e melhor, estas empresas têm dificuldade em dar ao
cliente o que ele quer.
Dê-me um exemplo concreto.
Veja: em Portugal tínhamos imensas pastelarias, tipicamente negócios familiares, um casal que geria aquilo. Mas o novo
cliente passou a exigir níveis de serviço, de higiene, níveis de look and feel, níveis de renovação de imagem, de branding
[de gestão da marca] que as pastelarias tradicionais tinham dificuldades em cumprir. Aí, aparece uma cadeia como a
Padaria Portuguesa, que faz exatamente isso, com escala e gestão profissional. Só a boa gestão irá ajudar a crescer a
economia, a criar emprego — não há outra maneira.
É conhecido por ter uma visão segundo a qual a economia portuguesa está, na sua opinião, a fazer uma transição mais
lenta no sentido da maior agilidade e flexibilidade laboral, para modelos mais modernos. Tem visto algumas melhorias
neste aspeto?
Sim e não. Quando falo em agilidade refiro-me a organizações ágeis. Eu não acho que a legislação laboral seja um
problema. Dizem-me que é impossível despedir em Portugal — não é impossível, talvez seja caro mas, então, há que
investir mais no recrutamento, para contratar a pessoa certa. Não é isso que eu vejo. Fazem-se os truques todos, dos
contratos de seis meses renováveis e outros truques. E gestão com truques não resulta. Ponto.
Mas é necessário mexer na legislação, até para se reduzir o recurso a esses “truques”?
Durante décadas o discurso era de que as empresas portuguesas não tinham mais sucesso por causa da legislação laboral.
Eu discordo profundamente. Eu acho que o trabalho tem tido enorme dificuldade em negociar a sua posição dentro das
organizações. Em muitas empresas sinto que o capital tem muito mais poder do que o trabalho. O nosso problema não é
a falta de agilidade no mercado de trabalho, é falta de agilidade nas organizações, que precisam de saber adaptar-se mais
rapidamente à mudança — para isso precisam de apostar nos trabalhadores. Não é a contratar e a despedir mais
facilmente que vão conseguir isso.
Apostar nos trabalhadores? Como, concretamente?
Repare, no meu exemplo do empregado de mesa do restaurante — o empregado que dá o desconto ao cliente — esse
empregado, por regra, é aquele que está no restaurante há mais tempo. Faz mais rápido, faz melhor, conhece a empresa,
conhece o espírito do restaurante, trabalha com confiança. Se eu quero uma empresa ágil, quero ter na empresa pessoas
que estão comigo há muito tempo. Quando falo em agilidade, refiro-me a ter a capacidade para mudar muito depressa,
quando o cliente o exige. Isso significa ter as equipas certas, estruturas que tomam a decisão certa no momento e no
local certo — isso é agilidade. O que temos muito em Portugal é decisões tomadas no sítio errado, fora de prazo e, por
isso, muitas vezes, decisões erradas. Para que o empregado de mesa possa tomar a decisão certa (de dar o desconto ao
cliente no momento em que ele se queixa) esse empregado precisa de saber que está salvaguardado e que tem pessoas
na estrutura, incluindo as chefias, que são altamente previsíveis. Se eu decido dar um desconto a um cliente, eu tenho de
saber que não vou ter alguém, depois, a questionar essa minha decisão.
Dê-me exemplos práticos daquilo que acontece no dia-a-dia das empresas — latu sensu — que sejam particularidades
da forma como os portugueses encaram o trabalho.
Há uma coisa que costumo dizer nas minhas aulas — que têm alunos portugueses e alunos estrangeiros. Em comum, as
empresas portuguesas e as do norte da Europa, por exemplo, têm este mesmo desafio do cliente cada vez mais exigente,
a pressão de um mundo cada vez mais rápido, a necessidade de ter equipas mais autónomas… Onde é que está a
diferença? Na minha experiência, a diferença surge quando falamos em disciplina. Quando trabalho com empresas do
norte da Europa, quando montam uma estratégia, têm uma enorme disciplina nos processos, toda a gente sabe
que somebody’s got my back [os meus colegas não me vão deixar ficar mal].
Em Portugal isso não acontece? Essa disciplina não existe?
Dou-lhe um exemplo. Eu viajo muito de avião e nos últimos 10 ou 15 voos que fiz tenho tido atrasos em… 100% dos voos,
o que é uma coisa que me irrita profundamente. Mas há um jogo que faço sempre: estou na porta de embarque, a cinco
minutos da partida, portanto eu sei que vai atrasar — apesar de ninguém dizer nada. Então dirijo-me ao balcão e
pergunto: quanto tempo de atraso? E a resposta que recebo, invariavelmente, é “não sabemos”, o que me irrita ainda
mais, porque não consigo fazer nada sem ter essa informação.
Nem ir à casa de banho.
Sim, ir à casa de banho, comer, fazer uma chamada, nada. Mas eu sei que lá dentro há alguém que sabe exatamente
quanto vai durar o atraso. O problema é que não há disciplina na organização para assegurar que a informação certa
chega aos passageiros. Então o que acontece é que durante a hora seguinte, a cada cinco minutos há um passageiro que
se levanta e vai fazer a mesma pergunta a quem está ao balcão. E garanto-lhe que esse funcionário vai chegar o fim do
dia de trabalho estoirado, farto de atender clientes e não ter informação para lhes dar. Destruímos muito — a satisfação
do cliente, a moral do funcionário — porque alguém lá dentro não teve a disciplina de garantir que, cada vez que há um
atraso, a informação é passada imediatamente.
Isso acontece, sobretudo, na área comercial, de contacto com o cliente?
Sim, pense nos casos em que um cliente diz: “Sim, se me conseguir entregar isso até 6ª feira eu compro”. E quem vende
diz que sim — uns minutos depois, no elevador, tem um momento “oh, shit” [ora, bolas]. Porque não tem a certeza que
de facto será possível a empresa entregar o produto até 6ª feira. Ou seja, não sei se a minha organização vai conseguir
cumprir a promessa que eu acabei de fazer. Esse é o problema de muitas empresas portuguesas: temos dificuldade em
entender a importância de cumprir promessas. É disciplina. É ser ágil, e dar a toda a gente na estrutura uma visão muito
clara sobre onde é que vamos e como vamos chegar lá.
E que outras diferenças vê nas empresas portuguesas e do Norte da Europa?
Outra coisa que estou sempre a falar é a pontualidade. É marcar uma reunião para as 9 da manhã e ela começar mesmo
às 9. Se começa às 9h15, porque toda a gente só aparece às 9h15, o que vai acontecer ao longo do dia é que vou começar
a acumular atrasos na agenda e às 18h ainda cá estou por causa dos palhaços todos que não chegaram a horas durante o
dia todo. Esta é a realidade básica da disciplina e o facto de isto não ser respeitado just drives me crazy [irrita-me
profundamente]. São estas coisas que fazem com que tenhamos um país onde as pessoas chegam a casa às nove da
noite, todos os dias, e nem têm tempo para estar com os filhos.
É a cultura do “desenrascanço”?
E uma cultura de rigidez estúpida. Dou muitas vezes o exemplo de como todo o país tem de marcar férias até 31 de
março. Acho irónico ser até 31 de março porque depois vem o 1 de abril, que é o dia das mentiras. Metade das pessoas
com quem falo dizem-me: no mundo de hoje, em que o cliente é tão exigente, há enorme dificuldade em prever quando
é que se pode tirar férias. Portanto estão a começar a marcar férias cada vez mais próximo das próprias férias.
Mas como? Se têm de marcar até 31 de março?
Na altura em que os recursos humanos andam a chatear, muitas vezes é o próprio chefe que diz: “olhe, marque lá uns
dias quaisquer e depois muda-se”. Este exercício todo é uma ficção, é tudo fictício. Não compreendo — porque é que as
férias têm de ser marcadas até 31 de março? Será que à meia-noite do dia 31 de março é enviado um SMS para o
primeiro-ministro a dizer que está tudo bem, e que o país todo já marcou férias? Que pode dormir descansado porque
toda a economia já tem o ano todo previsto, que nada vai mudar? You’re kidding me [está a brincar comigo].
O que devia acontecer, em alternativa?
O que tem de acontecer é, dentro de uma pequena equipa, as pessoas falarem e organizarem-se de forma simples para
marcar férias, quando faz sentido. Mas não acontece isto porque temos toda uma lógica de organização baseada na
figura do empregado, que “não quer trabalhar” e, portanto, “eu vou controlar, senão o gajo vai tirar mais um dia!”. E se
ele tirar mais um dia, “o mundo vai acabar. Porque eu prefiro tê-lo cá desmotivado, sem trabalhar…”. Às vezes, parece
que falta darmos todos um passo atrás e pensar: somos todos pessoas inteligentes, vá lá, para que é que precisamos
disto?
É uma forma de “controlo” que é desfasada da realidade atual?
Hoje é possível, em muitas empresas, alguém estar um dia inteiro — ou, até, mais do que isso — sem fazer nada. Pode
estar a olhar para o ficheiro excel e a sonhar, ou a fazer outras coisas. E, por outro lado, temos o outro trabalhador que
está no carro a conduzir para casa e a ligar para clientes (em alta voz, claro). Ou o outro que está à noite na cama ou num
momento de lazer e tem uma ideia de negócio para a empresa.
Temos essa flexibilidade, que é muito importante neste mundo que muda rapidamente, mas também estamos a ver o
debate em torno do “direito a desligar”, da conciliação da vida profissional e familiar, por exemplo. Como é que estas
duas ideias se juntam?
Ouvimos falar muito do equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar. Como se tivéssemos duas vidas. Isso é muito
uma ideia do mundo do empregado. As novas gerações não querem “work-life balance“, querem “work-life blend”
[mistura entre trabalho e vida pessoal]. É dizer que só temos uma vida — não duas, separadas — e o meu trabalho tem
de ser tão interessante como a minha vida. O que eu quero é ter um ambiente de trabalho em que às vezes não me
apetece trabalhar, por isso não vou. E outras vezes quero trabalhar e vou — e o que vou fazer sempre é cumprir
promessas.
Com a tal “disciplina” de que falava há pouco?
Lá está. Todos temos de cumprir as promessas que fazemos, mas devemos poder fazê-lo da forma que se adequa melhor
a nós. Se à sexta-feira à tarde o meu filho vai ter o jogo de futebol, eu quero ir lá vê-lo. Mas, se calhar, no sábado de
manhã vou despachar e-mails e tratar de uns orçamentos. Porque não? Em muitas empresas high-performing [de alto
desempenho] vemos pessoas a trabalhar ao sábado mas é porque querem, não é porque o chefe manda. Muita gente
trabalha à noite porque quer, porque prefere assim — temos de ter conversas honestas sobre estas questões, sobre o
que queremos. Temos de aceitar que trabalhamos com pessoas cada vez mais inteligentes, que querem ajudar a construir
uma organização de sucesso.
Falou de ir ver o filho ao jogo de futebol, mas e o dia-a-dia da semana? É por causa da gestão das empresas que temos
uma das taxas de natalidade mais baixas da Europa?
Para mim, isso não é surpreendente. Eu moro em Cascais e o trânsito na portagem [para a auto-estrada A5] começa às
7h30, para ir para Lisboa. E, depois, às 20h há trânsito a regressar. Como é que isto pode ser? Imagine um casal em que os
dois trabalham, dois filhos, é uma vida que não se aguenta. As pessoas precisam de tempo para três coisas: precisam de
tempo para si próprias, para a carreira e tempo para a família. E tempo para a família não é adormecer no sofá estoirado.
É um pouco difícil ter taxas de natalidade mais elevadas quando temos um enorme custo real de ter filhos — e não estou
a falar de custo financeiro, mas de sentimento de culpa, de passar pouco tempo com eles, de não ir à escola buscá-lo mais
cedo, não os ajudar mais com os trabalhos de casa, é horrível. Não há nada pior do que sentir que devíamos estar a
ajudar mais os nossos filhos. Mas se não tenho espaço mental, se estou estoirado, se a ansiedade no emprego está a
destruir a minha capacidade de ser um bom pai ou mãe, para brincar, isso é horrível.
Qual é a solução?
É resolver o problema de produtividade que temos, porque, eh pá, não é natural termos, hoje em dia, pessoas a trabalhar
até às seis, sete da noite todos os dias. I’m sorry, it’s just not natural. Nós devíamos estar a trabalhar até às 16h, 17h. No
máximo. Para termos algum tempo para viver.
Que é o que acontece em muitos países…
Sim, não sei. Estes são problemas que estão a ser discutidos em todo o mundo, como dizíamos há pouco. E eu não sei até
que ponto é que muito do populismo que nós sentimos no mundo de hoje — populismo que sentimos e vemos, seja ele
de esquerda ou de direita — é um populismo que está a tentar falar diretamente para estas pessoas, que vivem estas
vidas. As pessoas que sentem “eu estou a trabalhar como um cão, mas a minha vida não presta”. Quando se sente isso, é
mais fácil cair em tentações como culpar a União Europeia, ou culpar os imigrantes. Eh pá, não, o que nós temos é de
repensar muitas das verdades económicas que foram importantes para nós nos anos 50 e 60 mas hoje não são
importantes.
O que é que motiva as pessoas, hoje, no mundo do trabalho?
É sentir que fazem parte de um projeto vencedor. E para eu sentir isso preciso de saber qual é o plano que existe e
preciso de saber que os líderes da minha organização levam a disciplina a sério. Se eu quero mais controlo sobre a minha
vida — incluindo a vida pessoal — eu tenho de ter disciplina para dar flexibilidade ao cliente. E isso falta em muitas áreas
em Portugal. Veja o caso dos hospitais: quando há cinco cirurgias numa manhã, para que horas é que são marcadas?
Todas para as 8 da manhã. Porque não quero dar flexibilidade ao cliente, quero é dar flexibilidade à minha equipa interna.
A escolha é simples: como empresa ou dou alta previsibilidade ao cliente (e, para isso, tenho de ter disciplina interna) ou
não dou essa previsibilidade e, aí, tenho mais flexibilidade interna.
É preciso envolver mais os trabalhadores na gestão?
Como gestores, temos de falar com as pessoas para que elas me digam quantas horas é que estão a desperdiçar em
coisas inúteis. Vamos falar sobre isso. E vamos livrar-nos das coisas que são inúteis: como as reuniões de coordenação de
equipa, que muitas vezes não são mais do que o chefe a juntar a toda a equipa uma manhã inteira e, depois, falar um de
cada vez para dizer (ao chefe) o que está a fazer, enquanto os outros estão a brincar no telemóvel, e eu penso: porque é
que não marcas seis reuniões diferentes, com cada um, e poupas uma imensidão de tempo aos outros?
São, regra geral, uma perda de tempo, as reuniões?
Pode-se ter duas razões para ter uma reunião. Uma é que precisamos de trabalhar em equipa numa coisa específica,
outra é o gestor ter medo que alguém não esteja alinhado. Quando há alinhamento não é preciso falar muito. Olhe para
as forças armadas: quais são as unidades mais ágeis? Tipicamente são os Comandos, porque vão trabalhar para lá da linha
do inimigo e não têm tempo para montar uma conference call. Não há tempo para dizer que vai enviar um powerpoint se
algum deles tem dúvidas. O que os Comandos precisam para funcionar bem é, por um lado, perceber a estratégia global
do general (para poder tomar decisões sem falar com mais ninguém) e dentro da equipa precisam de enorme disciplina
— precisamente para não precisar de comunicar muito. E o problema de Portugal é que comunicamos muito porque não
estamos alinhados, não temos estratégia nem disciplina.
Ocorre-lhe algum exemplo prático de horas desperdiçadas, de esforço inútil?
Por exemplo, na hotelaria, o processo de check-in e check-out é estúpido. É um processo que ocupa recursos humanos,
gasta tempo ao cliente — “eu quero ir para o meu quarto, não quero estar aqui parado numa fila”. E quando vou sair do
hotel não quero estar numa fila atrás de 40 turistas chineses só para dizer que me vou embora. Porque é que não posso
fazer check-in e check-out de outra forma? Porque a legislação não deixa entrar alguém sem identificar? Tudo bem, mas
então vamos ter conversas com o Governo sobre isso, sobre como podemos melhorar isso, em vez de estar sempre a ter
as mesmas conversas de sempre, como as conversas sobre o salário mínimo.
Seria uma forma, até, de reduzir custos…
Para aumentar a produtividade, as empresas fazem três coisas. A primeira é reduzir custos, reduzir pessoal — é a lógica
das pessoas baratas. Ou levar as pessoas a trabalharem muito mais horas extraordinárias não-pagas, que acontece muito
em Portugal. Outra forma é reduzir as horas — e o líder de antigamente achava que as horas dos funcionários lhe
pertenciam, portanto quando ele às 17h quer uma reunião, toda a gente às 17h larga tudo porque o chefe quer uma
reunião. O líder, hoje, tem noção de que as horas dos funcionários valem euros. E pertencem ao acionista, não lhe
pertencem a si. Eu, como gestor, tenho de respeitar as horas das pessoas. Eu às 17h não vou marcar uma reunião, de
repente com as pessoas, por amor de Deus. Isso é um desrespeito profundo. Eu marco com antecedência, preparo a
reunião e assim toda a gente será mais produtiva. Os gestores têm de perceber onde estão a ser gastas as horas dos
funcionários. Um exemplo: num hospital é comum haver sistemas informáticos pré-históricos, do século passado, que
queimam horas estupidamente. Não pode ser.
E qual é a terceira coisa que se pode fazer para aumentar a produtividade?
A terceira é aumentar a faturação — isto é, efetivamente, aumentar o valor-hora — o que passa por criar marcas mais
fortes, passar mais para produtos e serviços premium — para que isso seja possível é preciso ter pessoas motivadas, em
toda a estrutura. Repare: se eu tirar alguém do hotel da receção, que está lá a ajudar com o check-in e check-out e
desafiar essa pessoa a ir lá para cima, para o bar, fazer up-sell de bebidas [persuadir clientes a comprar mais coisas, ou
mais caras], o hotel irá faturar mais, eu posso pagar melhores salários, posso investir mais em formação e, assim, entro
num ciclo positivo. Isto é a gestão moderna, não é achar que temos trabalhadores ignorantes e preguiçosos, clientes
ignorantes — e que eu, o gestor, eu sou um génio, eu é que vou dizer o que vamos fazer e como. Uma empresa que
funcione assim vai morrer. Ponto.
Sente que as empresas portuguesas pensam de forma diferente, depois da crise?
A crise ajudou, foi dolorosa mas ajudou. As crises não matam empresas. As crises matam empresas que não fazem a coisa
certa durante 10 anos e, por isso, são frágeis e quando vem um choque elas morrem. E precisamos de ver mortes mais
rápidas para ver nascimentos mais rápidos, para ver o sucesso recompensado. Não é justo eu poder atrasar salários, eu
poder não pagar segurança social, não pagar impostos, levar anos até ir para falência — estamos a recompensar a má
gestão de empresas zombie. Este é o problema que sentimos muito no sul da Europa mas a nova geração está muito mais
solta e aceita menos: os nossos filhos não vão aceitar trabalhar em empresas que têm salários em atraso, não vai
acontecer.
Como é que a faculdade, neste caso a sua, a Nova SBE, está a trabalhar para formar este novo gestor?
A nossa faculdade tem tido, aí, um papel — as business schools estão a subir muito de importância na sociedade, porque
precisamos de trabalhar nestas coisas. A boa notícia é que qualquer faculdade, como a Nova SBE, pode rapidamente
ascender ao top das escolas europeias — porque está a ser feito um reset [um reinício] e, por isso, não precisamos de ter
40 anos de história. Neste momento a escola número 1 no mundo, em gestão, é uma escola suíça chamada St. Gallen
que, no meu tempo, nem existia. Isto é entusiasmante: a gestão está a ser reinventada e Portugal tem tantas hipóteses
como outros países de fazer este salto. Só temos de ter mais ciência e menos arte na abordagem às coisas. Na arte todas
as opiniões são válidas, e na gestão…
Nem todas…
Nem todas. A gestão é uma ciência. Há uma forma correta de fazer as coisas e uma forma errada de fazer as coisas —
parem de querer inventar. Há muitos gestores que dizem: “eu tenho o meu estilo de liderança”. Eu respondo: “desculpa
lá, isto é uma empresa, não é um centro de expressão artística”. Parece que em Portugal, quando se muda de líder numa
empresa, muda tudo, porque o novo líder vai querer aplicar o “seu” estilo. Isto não é uma tela para você pintar. Estamos
a falar das carreiras e das vidas de muitas pessoas. Isso tem de ser respeitado.
Os gestores insistem em ser artistas, heróis?
Precisamos de retirar o heroísmo da gestão e injetar mais ciência na gestão. Conto muitas vezes esta história: a certa
altura a minha mulher comprou uma Bimby eu aprendi a fazer bolo de chocolate, na Bimby. E fazer aquilo é
razoavelmente simples, porque a máquina faz tudo e depois um gajo põe aquilo no forno e sai de lá perfeitinho. Se eu
servir este bolo de chocolate, como já fiz, a um grupo de amigos, a minha mulher sai-se com esta: “é da Bimby”. E eles
ficam desapontados… Como é possível? Tens duas opções: podes ter-me a seguir uma receita na Bimby e sai bolo de
chocolate que é bom, sempre, ou tens-me a tentar ser herói e 19 em cada 20 bolos que eu fizer vão sair uma porcaria. A
boa gestão é a mesma coisa.
 
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