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PSICOLOGIA E

MAÇONARIA – O EGO

Giordano Bruno

Fonte: Academia.edu
PSICOLOGIA E MAÇONARIA –
O EGO
“Todos os homens são iguais perante o Grande Arquiteto do Universo. O
trabalho de cada um é o que o distingue dos demais!”

Uma definição de ego (sob o ponto de vista maçónico)

Profunda é a diferença entre eu e ego, pois enquanto o ego significa


a pessoa humana vivente, o “eu” é a parte divina dentro do homem.

Eu é o nome de Deus.

O maçom não pode dizer: “eu sou maçom”, porque pretenderia


tomar o lugar de Deus.

O eu comanda o espírito; o ego, a consciência.

Da palavra ego origina-se de “egoísmo”, que é a forma negativa da


personalidade humana.

Porém, em certas ocasiões, o homem necessita desse egoísmo;

quando zela pelos seus interesses, pelo seu bem-estar, pela sua
saúde, o egoísmo é salutar.

Na máxima bíblica:

“Ama o próximo como a ti mesmo”, encontramos a expressão


egoísta de que, “antes de amar o próximo”, o homem deve aprender a amar
a si mesmo, como exercício e como campo experimental, para depois
poder com eficiência amar o próximo.

O maçom deve observar esses aspectos “lapidares”, tanto na sua


vida maçónica como profana.

Não pronunciar o nome de Deus em vão;

o “eu sou” que é o nome de Deus deve ser evitado, como por
exemplo:

“eu sou bom”;


“eu faço isto ou aquilo”.

O maçom deve ser prudente no falar. Breviário Maçónico / Rizzardo da


Camino.

A questão do ego e o simbolismo do Graal

Segundo a tradução cristã, o Graal é o vaso que José de Arimateia


usou para recolher o sangue de Cristo, quando o centurião Longino o feriu
mortalmente com uma lança.

O seu nome origina-se no facto de ser o recipiente que armazenou o


sangue real, ou, em francês, Sang Real, termo que se corrompeu em Saint
Graal. Depois, José de Arimateia acompanhou Maria até à Gália, onde a
santa levou o Evangelho, e José prosseguiu até à Inglaterra levando
consigo o Graal.

O cálice, lapidado da esmeralda que caíra da coroa de Lúcifer depois


da Queda, acabou por se perder na dimensão das terras inglesas.
O seu desaparecimento, segundo a lenda, motivou um período de
devastação e guerras, a que só a sua descoberta motivaria num regresso
à normalidade.

Assim, o rei Artur (da Távola Redonda) ordenou aos seus cavaleiros
que encetassem a sua procura e descoberta.

Esta procura simboliza a procura humana pela sua evolução de


consciência – o casamento sagrado entre o ego e a alma humana.

O Graal só poderia ser recuperado quando o cavaleiro perfeito entrasse no


castelo do Rei Ferido – ou, de acordo com outras tradições, como na ópera
Parcifal, de Wagner, o Rei Pescador, o guardião do Graal e ao mesmo
tempo o próprio Rei Ferido, símbolo do ser humano e da sua fragilidade
decorrente da separação entre o ego e o eu, encetasse a sua recuperação
ou o resgate do ser humano integral.

Depois de entrar no castelo o cavaleiro deveria fazer a seguinte pergunta:

“A quem serve o Graal?”

O ego e a maçonaria

Na sua iniciação maçónica o candidato realiza três viagens


simbólicas, antes de efetuar o seu juramento, e nessas viagens encontra
uma série de obstáculos a ultrapassar.
Contudo, essas caminhadas simbólicas não simbolizam os perigos
físicos nelas invocadas, mas sim as ciladas do próprio ego.

Os caminhos difíceis e plenos de obstáculos constituem uma séria


advertência e preparam, enrijecem e temperam o indivíduo no sentido de
não sucumbir à tentação de contornar os perigos.

As dificuldades não devem ser contornadas, mas enfrentadas e


superadas.

O egoísmo assume a defesa do próprio bem-estar e não se atém ás


necessidades dos demais.

Todas as tempestades pronunciam o bom tempo.

As intempéries da vida significam a permanente luta entre o ego e o


eu.

O Iniciado contempla, no seu palco da Vida, a atuação do seu ego


sem, contudo, se identificar com ele.

O ego abala-se com a tempestade, sofre as rajadas do vento, receia


o granizo e teme o raio; mas o eu contempla serenamente essas
adversidades, porque sabe que se coloca acima de qualquer perigo.

Não é importante aquilo que acontece ao redor do Iniciado, porque


ele sabe que tudo o que vem de fora não lhe poderá fazer mal algum.

Deverá temer, sim, o que possa sair do seu íntimo;

uma palavra áspera, um pensamento inadequado, uma atitude


insólita, são perigos reais a que o eu deve atentar.

“O que de fora entra no homem não torna o homem impuro, mas tão
só o que dentro dele sai.”

A Vida é uma tragicomédia.

O profano faz parte da peça e actua como um “títere”, levando muito


a sério o papel que desempenha.

O Iniciado vê-se obrigado a tomar parte na representação, mas tem


a consciência de que está a atuar num palco;
sabe que é um “comediante”.

O homem-ego é um pecador (pecado no sentido físico-mental-


emocional) e sua redenção jamais poderá surgir desse mesmo ego.

Não será o ego que redimirá o próprio ego.

É preciso um poder mais alto e esse poder é o Grande Arquiteto do


Universo, identificado com o eu interno, que o Cristianismo denomina de
Cristo.

O apóstolo São Paulo, na carta que escreveu aos Romanos (7:19),


assim se expressava:

“Está em mim o querer o bem, mas não o poder;

pois não faço o bem que quero, não sou eu que


ajo (o meu Eu divino), mas sim o pecado em mim (o ego
humano).

Infeliz de mim!

Quem me libertará desse corpo mortífero?

(desse ego humano).

A graça de Deus, por Jesus Cristo (o Eu divino)”.

São os “dois eus” em conflito;

é claro que para o homem resulta muito mais


cómodo seguir o impulso do ego que escutar a
orientação do eu.

São Paulo compreendeu muito bem o mistério e


como ego se entregou totalmente ao Eu redentor e então
pôde dizer feliz:

“Já não sou eu (ego humano) que vive.

O Cristo (o Eu divino) é que vive em mim.”


O ego, segundo Jung

“Ego” é um termo técnico cuja origem é a palavra latina que significa


“eu”.

Embora Jung estivesse mais interessado em descobrir o que havia


abaixo da consciência, nas regiões interiores da psique, ele também
assumiu a tarefa de descrever e explicar a consciência humana.
Para Jung, estudar a consciência seria dirigir a atenção para o
instrumento fundamental da própria investigação e exploração
psicológicas.

Por isso é tão importante em psicologia entender a natureza da


consciência do ego. Disse Jung que toda a psicologia é uma confissão
pessoal.

Todo o psicólogo criativo está limitado pelas suas próprias


preferências pessoais e pelos seus pressupostos não examinados.

Muito do que possa ser o conhecimento entre os seres humanos é,


na realidade, após inspeção mais rigorosa e mais crítica, mero preconceito
ou crença baseada em distorções, especulações, boatos ou pura fantasia.

Jung define o “ego” nos seguintes termos:

“Entendemos por ego aquele fator complexo com o qual todos


os conteúdos conscientes se relacionam.

É este fator que constitui, por assim dizer, o centro do campo


da consciência, e dado que este campo inclui também a
“personalidade empírica”, o ego é o sujeito de todos os atos
conscientes da pessoa.”

O termo ego refere-se à experiência que a pessoa tem de si


mesma como um centro de vontade, de desejo, de reflexo e ação.

Jung dá sequência a este entendimento do ego no quadro psique,


deste modo: “ A relação de qualquer conteúdo como ego funciona como
critério para saber se este último é consciente, pois não há conteúdo que
não se tenha apresentado antes ao sujeito”.

O “ego” é um sujeito a quem os conteúdos psíquicos são


“apresentados”. É como um espelho. Além disso, a ligação com o ego é a
condição necessária para tornar qualquer coisa consciente – um
sentimento, um pensamento, uma percepção ou fantasia. o ego é uma
espécie de espelho no qual a psique pode ver-se a si mesma e pode tornar-
se consciente.

O grau em que um conteúdo psíquico é tomado e reflectido pelo ego


é o grau em que se pode afirmar que ele pertence ao domínio da
consciência. Quando um conteúdo psíquico só é vago ou marginalmente
consciente, é porque não foi ainda captado e mantido no seu lugar da
superfície reflectora do ego.

Nas passagens que se seguem a esta definição do ego, Jung


estabelece uma distinção crucial entre as características conscientes e
inconscientes da psique: consciência é o que conhecemos e inconsciência
é tudo aquilo que ignoramos.

Um outro estudo torna esta definição mais precisa: “O inconsciente


não se identifica simplesmente com o desconhecido; é antes o psíquico
desconhecido, ou seja, tudo aquilo que presumivelmente não se
distinguiria dos conteúdos psíquicos conhecidos, quando chegasse à
consciência.” O inconsciente inclui todos os conteúdos psíquicos que se
encontram fora da consciência, por qualquer razão ou duração. Na
realidade, essa é a grande massa constituinte do mundo psíquico.

O que é então a consciência, esse campo onde o ego está localizado


e cujo centro é por este último ocupado e definido?

A consciência é muito simplesmente, o estado de conhecimento e


entendimento dos eventos externos e internos. É o estar desperto e atento,
observando e registando o que acontece no mundo ao redor e dentro de
cada um de nós.
O oposto de consciência é o sono profundo e sem sonhos, a
ausência total de reatividade e da capacidade de perceber e sentir.

O que o desenvolvimento faz à consciência é adicionar-lhe um


conteúdo específico. Em teoria, a consciência humana pode ser separada
do seu conteúdo – os pensamentos, lembranças, identidades, fantasias,
emoções, imagens e palavras que afluem e se aglomeram no seu espaço.

Mas na prática isso é quase impossível. Para a maioria das pessoas


a consciência sem um objeto estável para lhe servir de âncora, de
fundamento, parece ser uma coisa extremamente efémera e transitória.

A substancialidade da consciência e o sentimento de solidez são


tipicamente fornecidos por objetos estáveis, tais como imagens,
recordações e pensamentos. A consciência é como um quarto cujas quatro
paredes cercam o conteúdo psíquico que temporariamente o ocupa. E a
consciência precede o ego, o qual se converte, em última instância, no seu
centro.

O ego, como a consciência, também transcende e sobrevive ao


conteúdo específico que, em qualquer momento determinado, ocupa o
quarto da consciência.

O ego é o ponto focal no interior da consciência, a sua característica


mais central e talvez mais permanente. Contra a opinião dos orientais, Jung
argumenta que sem um ego, a própria consciência se torna discutível.

Mas é verdade que certas funções do ego podem ser suspensas ou


aparentemente obliteradas sem se destruir a consciência por completo e,
assim, uma espécie de consciência sem ego, um tipo de consciência que
apresenta muito poucas provas evidentes de um centro obstinado, de um
“eu”, é uma possibilidade humana, pelo menos durante certos períodos.

Para Jung, o ego forma o centro crítico da consciência e, de facto,


determina em grande medida que conteúdos permanecem no domínio da
consciência e quais se retiram, pouco a pouco, para o inconsciente.

O ego é responsável pela retenção de conteúdos na consciência, e


pode eliminar conteúdo da consciência deixando de os reflectir. Também
pode recuperar conteúdo da armazenagem do inconsciente (isto é, do
banco de memória) desde que (a) não estejam bloqueados por mecanismos
de defesa, como a repressão, os quais mantêm os conflitos intoleráveis
fora do alcance e (b) tenham uma ligação associativa suficiente forte com
o ego – isto é, foram “apreendidos” com suficiente solidez.
O ego não é fundamentalmente constituído e definido pelos
conteúdos adquiridos da consciência, tais como as identificações
momentâneas ou mesmo crónicas.

É algo como um espelho ou um imã que segura um conteúdo num


ponto focal da consciência mas também quer e age. Como centro vital da
consciência, precede a aquisição da linguagem, a identidade pessoal e até
o conhecimento de um nome pessoal.

As aquisições subsequentes, como o reconhecimento do próprio


rosto e nome, são conteúdos que se aglomeram em torno desse centro de
consciência e têm o efeito de definir o ego e ampliar a sua faixa de comando
executivo e de autoconhecimento.

Fundamentalmente o ego é um centro virtual de percepção


consciente que existe, pelo menos, desde o nascimento, o olho que vê e
sempre viu o mundo desde essa vantajosa posição, desde esse corpo,
desde esse ponto de vista individual. Em si mesmo, não é nada, quer dizer,
não é uma coisa. Portanto, é algo sumamente esquivo e impossível de
imobilizar. Pode-se negar até que ele exista.

E, no entanto, está sempre presente. Não é produto de criação,


crescimento ou desenvolvimento. É inato. Embora possa ser mostrado que
se desenvolve e adquire vigor desse ponto em diante, através de “colisões”
com a realidade, o seu núcleo é “dado”. Chega com a criança recém-
nascida.

Da forma como Jung descreve a psique, existe uma rede de


associações, uma rede de associações entre os vários conteúdos da
consciência. Todos eles estão ligados directa ou indirectamente à agência
central, o ego.

O ego é o centro da consciência, não só geográfica, mas também


dinamicamente. É o centro de energia que movimenta os conteúdos da
consciência e os organiza por ordem de prioridade. O ego é o locus da
tomada de decisões e do livre-arbítrio.

É o executivo que fixa as prioridades. Embora o ego possa ser visto


como o centro de toda a conduta interesseira (ego-ísmo), ele também é o
do altruísmo. Ele é, em si mesmo e como Jung o entendeu e descreveu,
moralmente neutro, não é uma “coisa má”, e, portanto, subsiste como uma
parte necessária à vida da consciência humana.

O ego é o que separa os humanos de outras criaturas da natureza


que também são dotadas de consciência; é também o que separa o ser
humano individual de outros seres humanos. É o agente individualizante
na consciência humana.

O ego focaliza a consciência humana e confere à nossa conduta


consciente a sua determinação e direcção. Porque temos um ego,
possuímos a liberdade para fazer escolhas que podem desafiar os nossos
instintos de autopreservação, propagação e criatividade.

O ego contém a nossa capacidade para dominar e manipular vastas


somas de material da consciência. É um poderoso íman associativo e um
agente organizacional. Uma vez que os humanos possuem tal força no
centro da consciência, eles estão aptos a integrar e dirigir grandes
quantidades de dados.

Um ego forte é aquele que pode obter e movimentar de forma


deliberada grandes somas de conteúdo consciente. Um ego fraco não pode
executar esse género de trabalho e sucumbe mais facilmente aos impulsos
e reações emocionais. Um ego fraco é facilmente distraído e, por
consequência, carece de foco e motivação consistente.

É possível aos humanos manterem-se conscientes mesmo que


suspendam uma boa parte do funcionamento normal do ego. Pelo exercício
da vontade, podemos ser passivos e inativos, e observar simplesmente o
mundo interior e exterior, como uma máquina fotográfica.

Normalmente, porém, não é possível manter por muito tempo uma


consciência observacional volitivamente restringida, porque o normal é o
ego e a psique que o integra serem rapidamente envolvidos pelo que está
sendo observado. Quando assistimos a um filme, por exemplo, podemos
começar simplesmente a observar, recebendo passivamente as pessoas e
os cenários.

Mas não tardaremos a identificar-nos com este ou aquele


personagem, e as nossas emoções são ativadas. O ego prepara-se para
agir e se a pessoa tem dificuldade em distinguir entre o lado
cinematográfico e a realidade (uma outra função do ego), ela pode ser
tentada a enveredar por um comportamento físico. O corpo é então
mobiliado e o ego visa um determinado curso de ação intentando
concretizá-lo. Envolvido desse modo o ego é então cativado como um
centro de desejos, esperanças e intenções.

Como fica evidente, a liberdade do ego é limitada. O ego é facilmente


influenciado por estímulos psíquicos internos e ambientais externos.

As origens do ego situam-se antes dos primeiros dias da infância.


Até mesmo um bebé de meses nota a ocorrência de mudanças no seu meio
ambiente, algumas das quais lhe parecem agradáveis e estende os braços
para as agarrar. Estes sinais precoces de intencionalidade de um
organismo são provas evidentes no que toca às raízes primordiais do ego,
a “egoicidade” do indivíduo.

Jung diria que o ego é o centro da consciência. O “eu” sente, talvez


ingenuamente, que a sua existência é eterna. É uma questão em aberto
saber se o “eu” muda essencialmente ao longo de uma vida.

Embora muitas características do ego se desenvolvam e mudem,


sobretudo no que se refere à cognição, autoconhecimento, identidade
psicossocial, competência, etc., uma pessoa também se apercebe de uma
importante continuidade do núcleo do ego.

Provavelmente o núcleo essencial do ego não mude ao longo da


vida. Isso talvez possa explicar também a forte intuição e convicção de
muitas pessoas em que esse núcleo do ego não desaparece com a morte
física, mas ou vai para um lugar eterno de repouso (céu. nirvana) ou
renasce numa outra vida no plano físico (reencarnação).

Ainda segundo Jung, poderíamos ser tentados a definir o ego como a


consciência do si-mesmo e do corpo como unidade atuante, individual,
limitada e ímpar. Se, por exemplo, a pessoa tivesse recebido um nome
diferente, poder-se-ía argumentar que o seu “eu” fundamental não seria
diferente do que é; mas se tivesse um corpo diferente, seria o seu ego
essencialmente outro?

O ego está, assim, enraizado profundamente no corpo, até muito


mais do que na sua cultura, mas até que ponto essa conexão é profunda,
eis um possível ponto susceptível de debate.

Não obstante, o ego teme profundamente a morte do corpo. É o medo


que à extinção do corpo se siga o desaparecimento do ego. Segundo Jung,
porém, o ego não está estritamente limitado à base somática. No Aion, ele
declara que o ego “não é um fator simples ou elementar, mas um complexo
que, como tal, não pode ser exaustivamente descrito. A experiência mostra
que ele assenta em duas bases aparentemente diferentes, a somática e a
psíquica.”

No pensamento de Jung, a psique não pode ser reduzida a mera


expressão do corpo, ao resultado da química do corpo ou de algum
processo de natureza física. Pois a psique também tem participação da
mente ou espírito (a palavra grega nous capta melhor o pensamento de
Jung sobre este ponto) e, como tal, pode transcender e, ocasionalmente,
transcende a sua localização física.
Psique e corpo, para Jung, não são conceitos coincidentes nem um
deriva do outro. Também o ego, que é predominantemente tratado por Jung
como um objecto completamente psíquico, só em parte repousa numa base
somática. O ego está baseado no corpo tão só no sentido em que
experimenta a unidade com o corpo, mas o corpo que o ego experimenta é
psíquico.

É uma imagem do corpo e não o próprio corpo. O corpo é


experimentado “a partir da totalidade de percepções endossomáticas”, ou
seja, a partir do que a pessoa pode conscientemente sentir do corpo. Essas
percepções do corpo “são produzidas por estímulos endossomáticos, dos
quais somente alguns transpõem o limiar da consciência.

Uma considerável proporção desses estímulos ocorre


inconscientemente, isto é, subliminarmente… O facto de serem estímulos
subliminares não significa necessariamente que o seu status seja de mera
natureza fisiológica, como tampouco seria verdadeiro a propósito de um
conteúdo psíquico.

Jung traça de uma linha de fronteira da psique para incluir a


consciência do ego e o inconsciente, mas não a base somática como tal.
Muito processos fisiológicos nunca transitam para a psique, nem mesmo
para a psique inconsciente. Em princípio, são incapazes de se tornar
alguma vez conscientes.

É evidente que o sistema nervoso simpático, por exemplo, é em sua


maior parte inacessível à consciência. Quando o coração pulsa, o sangue
circula e os neurónios disparam, alguns processos somáticos, mas não
todos, podem tornar-se conscientes.

Não está claro em que medida a capacidade do ego em penetrar na


base somática pode ser desenvolvida. Iogues treinados afirmam ser
capazes de exercer considerável controle sobre os processos somáticos.

Até que profundidade da subestrutura celular pode o ego penetrar?


Pode um ego treinado reduzir um tumor canceroso, por exemplo, ou
dominar eficazmente a hipertensão? Muitas indagações subsistem.

Cumpre ter em mente que existem dois limiares: o primeiro separa a


consciência do inconsciente, o segundo separa a psique (consciente e
inconsciente) da base somática.

Não são, contudo, barreiras físicas e rígidas. Estas devem ser


concebidas como barreiras fluidas. Para Jung, a psique abrange a
consciência e o inconsciente, mas não inclui todo o corpo na sua dimensão
puramente fisiológica. O ego, sustenta Jung, está baseado no soma
psíquico, isto é, numa imagem do corpo, e não no corpo per se. Portanto,
o ego é essencialmente um factor psíquico.

A localização do ego

Todo o território da psique é quase completamente coincidente com


a extensão potencial do ego. A psique, conforme Jung a define nesta
passagem, está restringida por, e limitada a, onde o ego pode, em princípio,
chegar. Isto não significa, entretanto, que a psique e o ego sejam idênticos,
uma vez que a psique inclui o inconsciente e o ego está mais ou menos
limitado à consciência.

Mas o inconsciente é, pelo menos, potencialmente acessível ao ego,


mesmo se o ego, na realidade, não tenha muita experiência de contatos
com ele. A questão aqui é que a própria psique tem um limite, e esse limite
é o ponto em que os estímulos ou conteúdos extra psíquicos não podem,
em princípio, já ser conscientemente experimentados.

Para Jung o ego apoia-se no campo total da consciência e, por outro


lado, na soma total de alguns conteúdos inconscientes. Estes enquadram-
se em três grupos: primeiro, os conteúdos temporariamente subliminares
que podem ser reproduzidos voluntariamente (memória)…

segundo os conteúdos inconscientes que não podem ser


reproduzidos voluntariamente…terceiro, os conteúdos que são totalmente
incapazes de se tornarem conscientes. Este último ponto Jung coloca-o no
campo da psique, dentro do inconsciente, mas numa região não-psíquica,
isto é, no “mundo” para além da psique.

Esse mundo não-psíquico está situado dentro do inconsciente.


Neste ponto, acercam-nos das fronteiras de grandes mistérios:

a base para a recepção extra psíquica, a


sincronicidade, as curas milagrosas dos corpos e
outros.

O ego, declara Jung no Aion, assenta em duas bases: uma somática


(corpórea) e uma psíquica. cada uma dessas bases é constituída de
múltiplas camadas e existe parcialmente na consciência, mas sobretudo
no inconsciente.

Dizer que o ego assenta em ambas é dizer que as raízes do ego


mergulham no inconsciente.

Na sua estrutura superior, o ego é racional, cognitivo e orientado


para a realidade, mas nas suas camadas mais profundas e escondidas está
sujeito ao fluxo da emoção, fantasia e conflito, e às intrusões dos níveis
físico e psíquico do inconsciente.

O ego pode, portanto, ser facilmente perturbado por problemas


somáticos e por conflitos psíquicos.

Entidade puramente psíquica, centro vital da consciência, sede da


identidade e da volição, o ego, nas suas camadas mais profundas, é
vulnerável a perturbações oriundas de muitas fontes.

O ego deve ser distinguido do campo de consciência onde está


alojado e para o qual constitui o ponto focal de referência. Tal como William
James, que distingue o ego e o “a mim”, Jung descreve uma diferença
entre o ego e o que James classificou como “a corrente da consciência”.

O ego é um ponto que mergulha na corrente de consciência e poder


separar-se desta ao dar-se conta de que ela é algo diferente de si mesmo.
A consciência não está totalmente sob o controle do ego, mesmo que se
coloque a uma distância suficiente dele para observar e estudar o seu
fluxo.

O ego movimenta-se no interior do campo da consciência,


observando, selecionando, dirigindo a atividade motora até uma certa
medida, mas ignorando uma considerável soma de material que a
consciência está, por outro lado, levando em consideração. Se
conduzirmos um automóvel por uma estrada que nos é familiar, a atenção
do ego desviar-se-á frequentemente e ocupar-se-á de outros assuntos
alheios à condução.

Neste meio termo, entre a partida e chegada, chegámos sãos e


salvos ao destino, e questionamo-nos sobre esse facto. O foco da atenção
estava noutro lugar, o ego divagara e entregara a condução do carro à
consciência não-egóica.

Nesse meio tempo, a consciência, apartada do ego, está


constantemente monitorando, captando, processando e reagindo à
informação. Se ocorrer uma crise, o ego retoma e assume o comando.

O ego concentra-se muitas vezes numa lembrança, num


pensamento ou sentimento, ou em planos que extraiu da corrente da
consciência. Deixa outras operações de rotina para uma consciência
habituada e não- patológica de dissociação. O ego pode, em certa medida,
dissociar-se da consciência.

Embora um ego rudimentar ou primitivo pareça estar presente desde


os mais recuados momentos da consciência como uma espécie de centro
virtual ou ponto focal, ele cresce e desenvolve-se em importantes aspectos
durante a infância.

Escreve Jung: “Embora as suas bases sejam relativamente


desconhecidas e inconscientes, psíquicas e somáticas, o ego é um fator
consciente por excelência. É um dado adquirido, empiricamente falando,
ao longo de toda a vida do indivíduo.

Parece surgir, em primeiro lugar, da colisão entre o fator somático e


o meio ambiente e, uma vez estabelecido como um sujeito, continua a
desenvolver-se em consequência de sucessivas colisões com os mundos
exterior e interior.”

O que faz o ego crescer, segundo Jung, é o que ele designa por
“colisão”. Por outras palavras, conflito, dificuldades, angústia, pena,
sofrimento. São estes os fatores que levam o ego a desenvolver-se.

As condições exigidas a uma pessoa para adaptar-se a ambientes


físicos e psíquicos apoiam-se num centro potencial na consciência e
fortalecem a sua capacidade para funcionar, com o objetivo de fazer
convergir a consciência e mobilizar o organismo numa direção específica.

Como centro vital da consciência, o ego é inato, mas como centro


real e efetivo deve a sua estatura àquelas colisões entre o corpo psicofísico
e um meio ambiente que exige resposta e adaptação.
Uma quantidade moderada de conflito com o meio ambiente e certa
dose de frustração são, para Jung, as melhores condições para o
crescimento do ego.

Tipos Psicológicos

As duas principais atitudes, ou disposições (introversão e


extroversão) e as quatro funções (o pensamento, o sentimento, a sensação
e a intuição) têm uma forte influência sobre a orientação do ego, quando
este empreende a realização das suas tarefas e requisitos de adaptação.

A disposição inata do ego nuclear para assumir uma dessas atitudes


e funções forma a sua postura característica face ao mundo e no tocante á
assimilação da experiência.

As colisões com a realidade despertam a nascente potencialidade do


ego e desafiam-no a relacionar-se com o mundo. Tais colisões também
interrompem a participation mystique da psique no mundo à sua volta.
Uma vez desperto, o ego deve adaptar-se à realidade por quaisquer meios
disponíveis.

Jung elaborou a teoria segundo a qual quatro de tais meios ou


funções do ego; cada uma das quais pode ser orientada por uma atitude
introvertida (isto é, voltada para dentro) ou extrovertida (voltada para fora).
Após a ocorrência de uma certa soma de desenvolvimento do ego, a
tendência inata da pessoa para orientar-se para o mundo, interior e
exterior, revelar-se-á de certos modos definidos.

Argumentou Jung que o ego tem uma tendência inata, genética, para
preferir um determinado tipo de combinação de atitude e função, e para
confiar secundariamente numa outra combinação suplementar para
equilíbrio, com uma terceira e quarta sendo menos usadas e, por
conseguinte, menos acessíveis e desenvolvidas.

As combinações constituem o que ele designou por “tipos


psicológicos”.

Muito do que sabemos por experiência a respeito de outras pessoas


e, na verdade, muito do que acabamos por reconhecer como sendo as
nossas próprias personalidades, não pertence à consciência do ego.

A vitalidade com que uma pessoa comunica, as reacções


espontâneas e as respostas emocionais aos outros e à vida, a explosão do
humor e as disposições de ânimo e acessos de tristeza, as enigmáticas e
desconcertantes complicações da vida psicológica – todas estas
qualidades e atributos podem ser imputados a outros aspectos da psique
e não á consciência do ego como tal.

Assim é incorrecto pensar no ego como sendo equivalente à pessoa


toda. O ego é simplesmente um agente, um foco de consciência, um centro
de percepção sensível. Podemos atribuir-lhe qualidades demais ou
qualidades de menos.
Ego e liberdade pessoal

Uma vez que o ego tenha adquirido suficiente autonomia e uma certa
medida de controlo sobre a consciência, o sentimento de liberdade pessoal
torna-se numa forte característica da realidade subjectiva. Ao longo de toda
a infância e adolescência, a gama de liberdade pessoal é testada, desafiada
e expandida.

Tipicamente, uma pessoa jovem vive com a ilusão de possuir muito


maior autodomínio e livre-arbítrio do que é psicologicamente verdadeiro.
Todas as limitações à liberdade parecem ser impostas de fora, pela
sociedade e por regulamentações externas, e percebe-se muito pouco até
que ponto o ego é controlado em igual medida a partir de dentro.

Uma reflexão mais atenta revela que somos tão escravos da nossa
própria estrutura de carácter e demónios interiores quanto da autoridade
externa. Com frequência, isso só vem a ser compreendido na segunda
metade da vida, quando decorre uma consciência cada vez mais nítida de
que somos os nossos piores inimigos, os nossos mais implacáveis críticos
e os que mais exigimos de nós próprios. O destino é tecido de dentro,
assim como ditado de fora.

Jung tem algumas reflexões provocatórias sobre a questão de se


saber até que ponto a vontade é inteiramente livre. O ego, sendo apenas
uma pequena parte do nosso mundo psicológico, gravita, como a Terra à
volta do Sol, ao redor de uma realidade psíquica maior, o self, o si-mesmo.
A liberdade do ego é, assim, limitada.

“Dentro do campo da consciência (o ego) tem, como dizemos, livre-


arbítrio”, escreve Jung. “Mas não atribuo a isso qualquer significado
filosófico, apenas o bem conhecido factor psicológico da “livre escolha”,
ou melhor dizendo, o sentimento subjectivo de liberdade.
Centro do seu próprio domínio, a consciência do ego dispõe de uma
certa e evidente liberdade.

Mas qual é a sua extensão?

Em que grau fazemos as nossas escolhas na base do


condicionamento e hábito?

Escolher uma Coca em vez de uma Pepsi reflecte uma medida de


liberdade mas, de fato, essa escolha está limitada por um prévio
condicionamento, como a publicidade, e pela existência ou ausência de
alternativas. Uma criança pode ser encorajada a exercitar o seu livre-
arbítrio e a efetuar descriminações oferecendo- sê-lhe uma escolha entre
três tipos de camisas, por exemplo.

O ego da criança sente-se gratificado, pois está livre para escolher


aquela que quer. Entretanto, a vontade da criança é limitada por muitos
fatores: o subtil desejo de agradar ao pai (ou mãe) ou, inversamente, o
desejo de se rebelar contra ele (ou ela);

pela gama de possibilidades oferecidas;

pelas pressões e exigências dos seus iguais.

A nossa real gama de livre-arbítrio é, como a criança, limitada pelo


hábito, pela pressão, pela disponibilidade, pelo condicionamento e muitos
outros factores. Nas palavras de Jung, “assim como nosso livre-arbítrio
colide com as necessidades no mundo exterior, também o ego encontra os
seus limites fora do campo da consciência, no subjetivo mundo interior,
onde entra em conflito com os fatores do si mesmo”. O mundo exterior
impõe limitações políticas e económicas, mas os fatores subjetivos limitam
igualmente o nosso exercício da livre-escolha.

Em termos gerais, é o conteúdo do inconsciente que reduz o livre-


arbítrio do ego. O Apóstolo Paulo expressou isso claramente quando
confessou:

“Porque nem mesmo eu compreendo o meu próprio modo de agir,


pois não faço o que prefiro e, sim, o que detesto…

Pois o querer o bem está em mim;

não, porém, o fazê-lo.”


Os demónios da contradição conflitam com o ego. Jung concorda:
“Assim como circunstâncias e eventos externos nos ‘acontecem’ e imitam
a nossa liberdade, também o si mesmo age sobre o ego como uma
ocorrência objetiva, que o livre-arbítrio pode fazer muito pouco para
alterar.”

Quando a psique toma conta do ego como uma incontornável


necessidade interna, o ego sente-se derrotado e tem que enfrentar a
exigência de aceitar a sua incapacidade para controlar a realidade interna,
assim como tem de chegar a essa conclusão a respeito dos mais amplos
mundos sociais e físicos circundantes. A maioria das pessoas, no decorrer
das suas vidas, acaba percebendo que não pode controlar o mundo
exterior, mas são muito poucas as que adquirem consciência de que os
processos psíquicos internos tampouco estão sujeitos ao controle do ego.

Conclusão

O mundo do ego, como se extrai das diferentes abordagens ao tema


explanado nesta prancha, é abrangente e, muitas vezes, impreciso.
Convergindo entre o aspecto somático e o psíquico ou entre o factor
consciente e inconsciente, o ego permanece, contudo, como um ponto
central e vital de toda a experiência humana.
A identidade resulta, em grande parte, do ego. Ainda que não se
confunda com ele, a individualidade humana expressa-se no mundo
através do ego, nele de definindo, por expansão ou regressão.

A psique, a totalidade da psique como conjunto do consciente e


inconsciente (e para- psíquico?), extravasa o núcleo central do ego, mas,
como decorre de Jung, nada é compreensível conscientemente sem o
papel “racionalizante” do ego. Mesmo as mais subtis impressões
somáticas, isto é, aquelas que são susceptíveis de virem à tona do
consciente, precisam dessa “intermediação” egóica.

O ego não se confunde com o self, o si mesmo, mas este aparece


como estrutura fundamental sobre o posicionamento do homem no mundo.
Sem ego não há decisão (consciente, ao menos), não existe produto de
reflexão, caráter de auto definição.

A maçonaria advoga que o Iniciado deve “combater” o ego. Esse


combate, contudo, não é confrontativo, já que o homem não pode (a não
ser homens muito especiais e por tempo limitado) viver sem o mesmo.

O que a maçonaria ensina é que esse combate é uma luta pela


redenção do homem no reencontro de si mesmo. Ainda que o homem não
seja o ego, ele é, contudo, uma peça essencial na sua completude.

Não há homem sem ego, como não há maçom verdadeiro, sem a


compreensão que o ego é, ou pode ser, um produto de percepção limitado,
muitas vezes enganador. Como registámos, o homem é o maior inimigo de
si próprio. O seu mais fiel carrasco.

Nisso, o ego tem um papel determinante no juízo de pretensa culpa,


de si ou dos demais. O homem tanto pode decalcar os caminhos do
egoísmo como os do altruísmo. Tanto num como noutro, como vimos, o
ego tem um papel preponderante. É uma questão de escolha.

Livre (tanto quanto possível) e consciente. O ego pode, muitas


vezes, decidir contra os seus interesses diretos, sejam de ganho ou de
“simples” sobrevivência.

E fá-lo numa decisão consciente de altruísmo! O ego não é, assim,


uma coisa má per se. É neutro na sua função, e só o homem, no seu plano
mais transcendente, pode dele fazer uso para se expressar na sua
plenitude de ser. E Ser, ser-se humano é processar o reencontro depois da
Queda, no encontro entre o eu e o ego, no resgate do ser humano integral!

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