Você está na página 1de 11

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE- UFAC

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH


BACHARELADO EM PSICOLOGIA
Seminários de Métodos e práticas profissionais II

WEVERTON DA SILVA BEZERRA

SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA NOITE ENTRE POSIÇÕES E REPARAÇÕES:


um diálogo com a teoria de Melanie Klein

RIO BRANCO/AC
2023
WEVERTON DA SILVA BEZERRA

SETE MINUTOS DEPOIS DA MEIA NOITE ENTRE POSIÇÕES E REPARAÇÕES:


um diálogo com a teoria de Melanie Klein

Trabalho entregue como requisito para a


obtenção da nota parcial de N1 da
disciplina “SMPP II” do curso
Bacharelado em Psicologia pela
Universidade Federal do Acre
UFAC.
Professora Mra. Fabiane da Fontoura
Messias de Melo.

RIO BRANCO/AC
2023
RESUMO

Através da teoria de Melanie Klein, faço um delineamento correspondente entre a


psicanálise kleiniana e o mundo interior e onírico do jovem Conor, personagem
principal do filme Sete Minutos Depois da Meia-Noite. A defrontar-se com as histórias
que o monstro lhe conta, Conor compreende que lidar com sentimento de culpa,
verdade e solidão pode ser delicado e complexo, assim como a convivência de nossos
aspectos internos, todavia, Conor ao encarar a verdade, concebe outras
possibilidades de ser e agir, fazendo a reparação de seus atos, integrando partes de
si e, desse modo, crescendo e aprendendo, num processo de organização de seu
aparelho psíquico, ilustrando tão bem as oscilações das posições propostas por Klein.

Palavras-chave: Melanie Klein, Sete Minutos Depois da Meia-Noite, Análise,


Psicanálise kleiniana.
Introdução

O filme Sete Minutos Depois da Meia-Noite (2016) conta a história de Conor


O'Malley, um jovem garoto que está passando por uma situação particularmente
traumática, toda a narrativa gira em torno de sua mãe, que está doente em fase
terminal. Após um pesadelo, Conor atende por um chamado, um monstro o chama
pelo seu nome. Sete minutos depois da meia noite, três histórias são contadas pelo
monstro e ao final delas, Conor contaria a história do segredo que guarda, ao monstro,
e caso não o fizesse, seria devorado. O filme possui uma história cheia de significados
e com profundidade em sentimentos onde é provável que uma criança assistindo não
conseguiga compreender o seu contexto mais profundo. Imagino que a impressão
delas deva ser exatamente a mesma sensação do Conor ao ouvir as histórias do
Monstro, “que tipo de história é essa?”. É possível reconhecer aspectos e formas da
teoria Kleiniana durante o filme, e ao longo do trabalho, busco produzir uma análise
que procura esmiuçar e conversar com a teoria.

As três histórias por trás do mundo interior e onírico de Conor

A obra começa com a pergunta de Conor, “como essa história começa?” e


logo é respondida pelo monstro, “Ela começa como muitas histórias. Com um garoto
velho demais para ser criança e jovem demais para ser um homem. É um pesadelo".
Após a cena onde exibe a chegada do monstro, Conor é convidado a ouvir as
histórias que o Monstro tem para contar, elucidando que isso seria a sua cura, mesmo
a princípio isso não fazendo sentido para o menino pois ele esperava que o monstro
pudesse salvar a sua mãe. A árvore de teixo indaga Conor, como saber se tudo ao
redor não é só um sonho, mesmo após o menino ter falado que tudo aquilo não se
passava de um sonho e que lhe contava histórias estúpidas, histórias essas que vão
refletir diretamente sobre a sua vida.
Durante as análises compreendo que o personagem retratado pelo Monstro é
o alter ego de Conor descrito pelo autor Zimerman (2001). Em sua obra ele evidencia
que o alter ego é um “outro eu inconsciente”, ou seja, o inconsciente realiza “por meio
de identificações projetivas maciças dos seus superegóicos objetos internos em
alguém”, declarando assim, que o sujeito constrói por meio de suas projeções, uma
duplicata de si mesmo sobre o outro.
Perante aos acontecimentos em sua vida, sentimentos, principalmente de
ansiedade emergem em Conor, o seu mundo interno é seu refúgio, onde o Monstro
está presente. Klein (1969) aponta que, o mundo interno consiste em objetos, primeiro
de tudo a mãe, internalizados em vários aspectos e situações emocionais. As relações
entre essas figuras internalizadas, e entre elas e o ego, tendem a ser experimentadas
(quando a ansiedade persecutória é dominante) como relações de natureza hostil e
perigosa; serão tidas como afetuosas e boas quando o bebê é gratificado e
prevalecem os sentimentos felizes. Esse mundo interior, que pode ser descrito em
termos de relações e acontecimentos internos, é o produto dos próprios impulsos,
emoções e fantasias da criança. Está profundamente influenciado, claro, pelas boas
e más experiências do bebê, oriundas das relações objetais. O mundo interno não é
apenas o reflexo subjetivo do externo. Considerando esta visão, Neves (2007) nos
apresenta:
(...) O mundo interno é um espaço povoado por objetos e carregado de
pulsões, instintos, funções e relações. Com os objetos internos, totais ou
parciais, o sujeito vive relações pessoais marcadas pelas identificações. É
um lugar onde predomina a onipotência do pensamento mágico infantil
primitivo, o que lhe confere ora os mais deslumbrantes aspectos de magia,
ora o mais intenso colorido de terror (p. 23).

As histórias narradas pelo Monstro é o mundo interno de Conor e a primeira


história aborda um rei que é amado pelo seu povo mesmo que tenha matado sua
amada. O conto traz à tona a angústia de Conor, o desejo que a sua mãe morra logo
a fim de sanar a sua dor em ter de suportar todo o peso de acompanhar sua amada
mãe morrer aos poucos. Conor ama sua mãe que também o ama e tão pouco deseja
perdê-la, todavia, vê ela nas condições em que se encontra era muito doloroso.
Encontrando-se então, naquele momento de sua vida, onde relembra a posição
esquizo-paranóide de Klein (1969), onde o ego de Conor se encontra fragmentado,
em busca de um objeto gratificador. Essa fragmentação do ego ocorre por sua
estrutura se encontrar composta muito mais por frustrações do que por gratificações.
Uma das bases da teoria kleiniana aponta que inicialmente existe um mundo
interno, composto a partir das percepções do mundo externo, este por sua vez, é
atravessado pelas ansiedades do mundo interno. Com isso os objetos, pessoas e
situações adquirem uma matriz toda especial. O seio materno, primeiro objeto de
relação da criança com o mundo externo, tanto é percebido como seio bom, pois ele
alimenta a criança e isso dá origem ao nome de “seio bom”; enquanto o “seio mau” é
percebido desta forma por não alimentar na hora em que a criança assim desejar,
importante compreender que os dois são objetos do mundo externo presentes no
mundo interno. A criança sempre possuirá esses dois registros do seio, o bom e o
mau, uma vez que é impossível satisfazer a todos os desejos da criança, (SIMON,
1986)
Compreendo como se fosse uma atualização de sentimentos arcaicos
vivenciados por Conor. Pois, segundo a teoria de Klein (1930/1948) o bebê vê o seio
materno como o primeiro objeto, na posição esquizo-paranóide este objeto pode ter
uma força de frustração maior do que a gratificante. Uma vez que Conor tenha que
lidar com a frustração, e o não atendimento de seus desejos no momento em que os
espera, não consegue lidar com isso, o que gera uma ansiedade extrema, em que
todos os objetos introjetados por ele são maus, e precisam ser externalizados, porque
o “mau” é um atributo que não é visto como algo que faz parte do personagem.
Ao passo que ele projeta sua frustração, que nos conceitos kleinianos é uma
força voltada para o seio, assumindo uma posição que onde ao mesmo tempo que
nutre sentimentos positivos por sua mãe, o personagem deseja que ela morra logo
para que não sinta mais dor, assumindo novamente, um posicionamento “mau”, como
via de escoamento dessa energia ele volta sua raiva para a destruição da sala da sua
avó.
A segunda história refere-se a um boticário que mesmo sendo ranzinza
também é virtuoso. Conor traz uma carga emocional de pai ausente, mãe doente, avó
controladora, além de sofrer bullying e ser visto como coitadinho na escola. Por vezes,
isso faz com que Conor recorresse a deixar as emoções viessem a súber1, sendo
agressivo e explosivo, em contraponto estava externando tudo que estava acumulado
e não queria o mal, tanto que em duas situações em que Conor externaliza suas
emoções de forma agressiva, destruindo a sala de sua avó e agredindo fisicamente

1
É um tecido existente em raízes e troncos – portanto em vegetais arborescentes adultas, espesso,
formado por várias camadas de células mortas e sua função é a de proteção vegetal e, além disso,
auxilia na impermeabilização.
seu colega (e agressor), os adultos que deveriam punir Conor por seus
comportamentos são todos compreensivos com a situação e entendem o contexto (o
pai e a diretora). Conor pergunta aos dois se ele não seria punido pelos seus atos,
externalizando seu desejo de ser punido pela culpa do sentimento de querer que tudo
acabe. E novamente, lanço mão dos termos de Klein (1969), ao passo que o
personagem começa a realizar a distinção em sua realidade entre o que é entendido
como bom e mau, teremos o que Klein (1969) chama de clivagem.
A terceira história discorre sobre um homem invisível que se sente mais
sozinho quando é visto. Ao verem Conor, só sentiam pena e dó e não mais que isso.
É evidente a frustração de Conor ao ser rejeitado até pelo garoto de quem sofria
bullying e por se sentir culpado pelos problemas no qual estava vivenciando. Se coloca
na posição de punido sendo pondo como vítima de bullying, Conor estava cansado de
não ser notado e vai atrás do contato de quem pode fazer mal a ele, para que ele
possa, enfim, se sentir confortável na própria pele com os próprios problemas e a
própria angústia.
Como expõe Thomas (1996), à medida que a introjeção e a projeção permitem
o deslocamento de um objeto para outro, as imagens internalizadas aproximam-se
mais estreitamente da realidade, e a identificação do eu com os objetos bons torna-se
mais completa. Observamos que os contos do Monstro são os deslocamentos dos
objetos dos contos para Conor e como esse processo se concretiza de forma a
contemplar a teoria.

O monstro “analista”

Início essa discussão com a pergunta do personagem Conor ao ouvir as


histórias e que também pode ser um questionamento presente na atuação clínica “e
agora, o que eu faço?” E o monstro responde “agora você só precisa dizer a mais
profunda e simples verdade de todas”, evidenciando assim, interesse em que Conor
escute o seu desejo e o compreenda.
O teixo na colina, próxima à casa de Conor, ganha vida e desperta na forma
de um monstro que impressiona, mas não o assusta. Seu objetivo é fazer com que
Conor desperte a consciência de si e aprenda a lidar com a própria culpa de maneira
sábia, concreta, saudável e definitiva.
Após as 3 histórias, o monstro enfrenta Conor ao falar a verdade por trás de
sua aparição, o seu maior pesadelo, assim o jovem rebate “suas histórias não fazem
sentido para mim”. Novamente tomando, involuntariamente, o papel do desvelador,
afirma que os humanos são seres complicados e que se "acredita em mentiras
confortáveis mesmo sabendo a verdade dolorosa que fez essas medidas
necessárias."
O ato final do filme é a realização de todas as angústias de Conor, aqui se
pode observar a mudança da posição de Conor de esquizo-paranóide para posição
depressiva, atribuindo a integração do ego e do objeto externo (mãe) que percebe que
a mesma é um ser independente (e que pode partir) e passa a ter uma visão mais
realista dela e da sua vivência (que a mãe pode ser tanto boa quanto má).
A cena que dá continuidade à trama retrata Conor à beira de um precipício
onde deixa a sua mãe cair por não suportar mais segurar ela mesmo possuindo o
desejo de protegê-la, todavia ele é percebe que é incapaz de proteger a mãe e isso
teria atingido sua onipotência, pois o mesmo acredita que sua mãe morreu uma vez
que não conseguiu mais segurá-la. O monstro o confronta a dizer a verdade, o seu
maior segredo ou nunca sairia do lugar e cairia. Conor sentia medo e culpa, e
acreditava que na verdade iria morrer se falasse a verdade; e mesmo depois de dizer
a verdade ele acaba se jogando no precipício com a finalidade de ser punido, trazendo
novamente aspectos de culpa por desejar o fim do sofrimento (ansiedade por ter medo
de perder a mãe e culpa por ter desejado destruí-la) mas é salvo pelo monstro, após
Conor externalizar sua verdade e a sua fala é transformadora no sentido de Conor
entrar em paz consigo mesmo, seu sentimento de culpa e com o fatídico destino de
sua mãe.
Conor compreende que a sua mãe vai partir, mesmo sabendo que não será
fácil a partir desse momento e como diz Thomas (1995), a única superação verdadeira
da posição depressiva é o trabalho do luto, luto esse que é concretizado no momento
em que Conor abraça a mãe em seus últimos segundos de vida.
Conor apresenta aspectos de luto, busca e oferece amparo quando por fim
pergunta “como a quarta história termina?” Desta vez, o monstro responde
simplesmente “termina com um garoto segurando a sua mãe bem forte e ao fazer isso
ele finalmente a deixa ir”.
Conclusão

A partir destas constatações foi possível observar o desenlace da história e


que em meio à analise surgiu o ponto em que parecia que o autor da obra tinha
conhecimento teórico da teoria kleiniana. E a cada vez que começava a refletir sobre
o filme e a psicanálise e os fundamentos de Klein, mas era notável a ligação entre
ambos. E não somente com este, mas como as compreensões kleinianas acerca do
universo infantil se tornam mais perceptíveis quando se estuda a aplicação prática por
meio do lúdico de uma obra fílmica.
Conor consegue superar a experiência, ao passo que se desenvolve também
aprende com ela, mas, pode ser que ele ainda recorde e volte ao seu mundo de
fantasias internas algumas vezes mais ao longo de seu desenvolvimento, uma vez
que estamos sempre oscilando entre as duas posições propostas por Klein.

E assim termina o conto.


Estou com medo.
É claro que está com medo, será difícil, mais que difícil,
mas você conseguirá, Conor O'Malley.
Referências bibliográficas:

THOMAS, M.-C. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott,


Dolto, Lacan. In: ARCANGIOLI, A.-M. et al. Introdução às obras de Freud,
Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
v. 1, cap. Introdução à obra de Melanie Klein, p. 133-175. ISBN 978-85-7110-325-9.
Disponível em: https://psicossemioticas.files.wordpress.com/2013/10/livro_nasio_j-
d_introducao-asobras-de-freud_ferenczi_groddec_klein_winnicott_dolto_e_lacan.pdf.
Acesso em: 30 abr. 2021.

SETE Minutos Depois da Meia-Noite. Direção: Juan Antonio Bayona. Produção: Belén
Atienza, Mitch Hurwitz e Jonathan King. Roteiro: Patrick Ness. Gravação de Óscar Faura. USA:
Focus Features, 2016. Disponível em:
https://www.primevideo.com/dp/amzn1.dv.gti.aeb73951-d20c-3315-a89b-56a643dd
3fb7/ref=av_auth_return_redir? _encoding=UTF8&autoplay=1&ie=UTF8&ie=UTF8. Acesso
em: 30 abr. 2021.

NEVES, Flávio José de Lima. A psicanálise Kleiniana. Reverso, Belo Horizonte, v.


29, n. 54, p. 21-28, set. 2007. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-7395200700010
0004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 04 maio 2021.

SIMON, R. Introdução à psicanálise:Melanie Klein. São Paulo: Epu. 1986.

KLEIN, M.; HEIMANN, P & MONEY-KIRLE, R. E. Temas de psicanálise aplicada.


Rio de Janeiro: Zahar, 1969

ZIMERMAN, D.E. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre:


Artmed, 2001

TECIDOS vegetais. Só Biologia. Virtuous Tecnologia da Informação, [S. l.] 2008-


2021. Consultado em 04/05/2021 às 14:33. Disponível na Internet em
https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Morfofisiologia_vegetal/morfovegetal18.php

Você também pode gostar