Você está na página 1de 4

Revisão de Filosofia

4 bim– Cap. 7 Críticas à dominação da natureza

1. Razão e sua relação com a natureza


Tentativas de controlar a natureza não tiveram início com o desenvolvimento da
ciência moderna. As primeiras civilizações já desenvolviam rituais, por meio dos quais
os líderes espirituais acreditavam poder influenciar o clima, a caça, a colheita ou mesmo
a saúde dos membros de determinado grupo.

Nesse contexto, a tentativa de manipular a natureza era realizada por meio


de recursos a forças sobrenaturais. Posteriormente, porém, os seres humanos tentaram
dominar a natureza pela gradual valorização do pensamento lógico.

Ao longo da história da filosofia ocidental, o ser humano atuou sobre os objetos que
o cercavam, organizando-os e sistematizando suas relações por meio do pensamento
racional.

Ao ser traduzido para a linguagem da razão na forma de um conceito, determinado


objeto ou fenômeno deixava de ser uma experiência múltipla e desorganizada para se
tornar um termo lógico, administrável segundo a estrutura do pensamento. Esse longo
processo atravessou a história da filosofia e chegou ao auge no período conhecido como
Esclarecimento.

O termo Esclarecimento relaciona-se ao Iluminismo

O filósofo prussiano Immanuel Kant, um dos expoentes do


Esclarecimento, definiu a palavra da seguinte maneira:
“Esclarecimento signifca a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele
próprio é responsável. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio
entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa
minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta
de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a
tutela de outro. Sapere aude! [Ouse saber!] Tenha a coragem de te servir de teu
próprio entendimento, tal é o lema do Esclarecimento”

Um grupo de intelectuais alemães, que faziam parte da chamada Escola de Frankfurt,


notou esse descompasso entre ideal e realidade e problematizou a primazia da razão
proclamada pelos iluministas.
Theodor Adorno e Max Horkheimer, representantes desse grupo, escreveram, em
1944,
o livro Dialética do Esclarecimento. Nessa obra, eles analisaram as consequências
negativas do uso da razão para alcançar um objetivo sem questionar os meios utilizados.

Essa razão, por meio da qual os elementos da natureza são considerados simples
instrumentos que podem ser manipulados para atingir um objetivo, é denominada razão
instrumental. Ela se caracteriza pela atribuição de uma necessidade dogmática aos
conceitos com os quais se trabalha, impedindo o questionamento de sua lógica interna.

Para os pensadores da Escola de Frankfurt, um dos exemplos mais evidentes dos


dogmas da razão é a crença na ideia de progresso como justificativa para o
investimento econômico e social no desenvolvimento de técnicas industriais e de
tecnologias em geral.

É importante notar que os teóricos da Escola de Frankfurt viveram em um período


marcado pelas grandes guerras mundiais, pela utilização de armas nucleares, pelo
nazifascismo e, especialmente, pelo genocídio de judeus durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). A maioria dos integrantes da Escola era de origem judaica, e
muitos deles tiveram de abandonar a Alemanha nazista e refugiar-se nos Estados
Unidos. Diante de tal situação de horror, esses pensadores consideraram o progresso
responsável pela exploração do trabalho – ou seja, a exploração do ser humano pelo ser
humano – e pelo desenvolvimento de armas de extermínio em massa.

Os integrantes da Escola de Frankfurt denunciaram as consequências políticas da


aplicação da razão instrumental. Quando a razão projeta seus discursos como dogmas, a
sociedade deixa de questionar suas decisões, aceitando a ideia de que as catástrofes são
inevitáveis e a caminhada em direção ao progresso justifica o sofrimento dos seres
humanos e do planeta.

Ainda de acordo com essa visão, outra consequência política do uso instrumental
da razão diz respeito ao meio ambiente. A operação de abstração que a razão
instrumental promove tem como consequência a redução de seus objetos de
conhecimento, pois torna a experiência homogênea, excluindo as especificidades de
cada objeto.

2. Meio ambiente, política e sociedade.


A ecopolítica, ou a política feita em nome da preservação ambiental, estabelece-se
como polo de resistência à utilização da natureza como mera matéria-prima, e seus
defensores buscam apoio social à revelia dos interesses econômicos

O pensador francês Félix Guattari (1930-1992) articulou meio ambiente, relações


sociais e subjetividade na construção de um conceito que ele denominou ecosofia. De
acordo com ele, essas três esferas estão necessariamente entrelaçadas e, para obter
Para o filósofo, a dinâmica que rege a exploração da natureza é um espelho do
funcionamento social. melhorias reais na vida, é preciso atuar em todas elas ao mesmo
tempo.

Quando a sociedade aceita de maneira irrefletida os padrões de comportamento, como o


controle da vida doméstica, e se submete a eles, ocorre a homogeneização da
experiência humana, ou seja, o estabelecimento de apenas um modo “correto” de viver.

Segundo Félix Guattari, o capitalismo é responsável pela produção de subjetividades


normalizadas, ou seja, programadas para seguir padrões.

Felix Guattari escreveu a obra As três ecologias

para Guattari, a ecosofia atravessa todas as outras


questões essenciais da sociedade, como uma “linha de fratura” transversal, de
desestabilização do status quo – ou seja, da situação vigente – pela valorização da
existência de vários modos de vida. Em resumo, a ecosofia permite, segundo Guattari, a
libertação da subjetividade normalizada que sustenta as ações de deterioração da
natureza.

Para o filósofo esloveno contemporâneo Slavoj Zizek, nascido em 1949, uma das
estratégias de dominação da subjetividade para sustentar as relações sociais e o uso
predatório da natureza é a ecologia do medo. Segundo ele, a propagação do medo
gera na população um estado de insegurança que é usado para favorecer a instauração
de autoridades inquestionáveis, as quais são toleradas pelas pessoas por representarem
proteção. Por isso, é importante compreender a extensão real dos problemas ambientais
e a verdadeira capacidade de resolução dessas questões pelas instâncias ou indivíduos
que se oferecem como salvadores, evitando que a preocupação ecológica se transforme
em um discurso que pretende impedir qualquer mudança.

3. Ética ambiental
As questões relacionadas à preservação da natureza e da vida na Terra ganharam mais
importância no debate filosófico das últimas décadas por precisarem de respostas
urgentes, indispensáveis para a continuação da existência humana. Todos os outros
temas filosóficos tornam-se secundários quando se entende que a vida no planeta está
ameaçada.

Diante dessa situação, foi desenvolvido o conceito de ética ambiental, ou ecoética.


Esse termo está relacionado à elaboração e à aplicação de princípios que envolvem não
apenas questões ambientais específicas, mas também as vinculadas a todas as áreas de
atuação política e social, as quais têm implicações ecológicas a longo prazo.

Por meio da ética ambiental, propõe-se uma atualização dos preceitos morais
tradicionais para que estes envolvam a responsabilidade pela demanda ambiental.
O filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993), consciente dos impactos causados pela
sociedade da técnica ao planeta, mudou as premissas morais que demarcavam a ética
tradicional para tratar das questões relativas ao meio ambiente. Em seu livro O princípio
da responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica, publicado em
1979, ele demonstrou que a ética precisava ultrapassar o dever de cada ser humano para
com o outro, defendendo a responsabilidade das pessoas pelo futuro do planeta Terra.
Assim, propôs: “Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis
com a permanência de uma vida humana autêntica”.

4. Povos indígenas e sua episteme sobre a natureza


A separação entre corpo e espírito e entre sujeito e objeto é exemplo do pensamento
binário que compõe, em grande parte, a tradição filosófica eurocêntrica. Essa concepção
é fundamental para a nossa episteme, ou seja, nossa forma de entender o mundo e
organizar o saber, e reflete-se, portanto, na maneira como elaboramos preceitos morais.

O antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, nascido em 1951, apresentou o


perspectivismo ameríndio como um traço característico de grande parte das culturas
originárias. Com base nessa visão de mundo, todas as coisas existentes – os seres
humanos, os animais, os elementos geográficos, as formas vegetais, os deuses, os
mortos etc. – têm consciência de que vivem e são detentoras de uma cultura própria.

Cada um desses grupos vê o mundo de uma forma, de acordo com seu ponto de vista.
Porém, veem as coisas da mesma maneira que os humanos, segundo as mesmas
categorias.

Essa visão baseia-se no multinaturalismo, segundo o qual o mundo é povoado por


diversas entidades – humanas, animais, divinas, naturais – que partilham a mesma
essência.

Diferentemente da visão eurocêntrica, de acordo com a qual há diferença entre o


espírito humano e as outras formas de vida, conforme o pensamento indígena há
um espírito comum a todos os seres.

Esse espírito pode tomar diversas formas, transformando-se em ser humano, em outro
animal ou em qualquer outra forma que lhe sirva, como uma roupagem variável.

Nessa concepção de mundo, a natureza não é considerada um objeto. Assim, não há a


separação entre sujeito e objeto que foi essencial na estruturação do pensamento
moderno eurocêntrico.

Você também pode gostar