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FOTOJORNALISMO SÉ CULO XXI: A CULTURA QUE O GERA E A MEDIATIZAÇÃ O DO

CONFLITO.i1

Rodrigo Peixoto

Há longos anos que o fotojornalismo se instituiu como uma corrente dominante da fotografia.
Enquanto métier, poderíamos olhar o fotojornalismo de duas formas: se por um lado pode ser
referido como um trabalho diá rio de acompanhamento de uma agenda, organizada nas
direçõ es dos jornais e revistas (online ou mais tradicionais) pelos seus editores e demais
decisores em correspondência com aquilo que convencionamos designar por atualidades; por
outro lado existe um fotojornalismo de “elite” em que os fotó grafos aparentemente ocupam o
lugar do grande repórter e decidem em total independência para onde apontar a sua câ mara
fotográ fica, que assuntos importam registar e de que modo estes sã o registados. Esperar-se-ia
que, agora libertos dos condicionalismos de uma agenda de atualidades diá ria ou semanal, os
fotó grafos jornalistas conseguissem guiar o nosso olhar para outros assuntos pertinentes da
nossa vida em comum.

Este segundo aspecto do fotojornalismo será o que nos interessa olhar, pois é através dele que
os fotojornalistas se tornam representantes maiores da sua classe, que se estabelecem como
detentores de um olhar ú nico e que as reportagens por eles realizadas se constituem enquanto
patrimó nio histó rico e se transformam em cultura partilhada por todos, ganhando prémios e
incrementando o seu valor de mercado como fotojornalistas. Este é o fotojornalismo que nos é
dado a ver em eventos de projeçã o transnacional como o World Press Photo e aquele sobre o
qual nos debruçamos aqui, o VISA pour l’image.
Estes dois festivais mundiais com periodicidade anual congregam uma considerá vel
percentagem dos trabalhos de fundo realizados pelos fotojornalistas de todo o mundo ao longo
de um ano. Como tal tornam-se postos de observaçã o privilegiados da atividade foto
jornalística e da construçã o de um certo mundo em que o fotojornalismo se alicerça. Sã o
também autênticas locomotivas angariadoras de patrocínios e canais de comunicaçã o de
grandes marcas como a maior fabricante de má quinas fotográ ficas do mundo - a Canon, a
maior produtora de softwares de imagem do mundo - a Adobe ou alguns dos perió dicos que

1
O autor gostaria de agradecer a Valter Ventura e Sofia Silva.
mais têm a ganhar com a difusã o das imagens que encontram um palco nestes festivais como a
Paris-Match ou a National Geographic. Enfim, sã o uma indú stria de sucesso.

BREVE GENEALOGIA

Inevitá vel para esse sucesso é uma qualidade de atraçã o que as imagens destes fotojornalistas
exercem sobre os espetadores; esta atraçã o visual que a fotografia opera concorre diretamente
com a sua qualidade informativa e manifesta-se mais como véu ou filtro do que condutor de
conteú do. Como exercício genealó gico podemos encontrar em Santo Agostinho a primeira
preocupaçã o sobre a concuspiência do “prazer dos olhos carnais”, levando a um fascínio pelo
pró prio ato de ver. Quando pensamos nas escolhas que sã o realizadas pelos editores, agentes e
demais gatekeepers, aliada ao dispositivo exibicionista do festival no qual estas imagens sã o
mostradas, nada parece fazer mais sentido. Esse ímpeto seminal, este prazer carnal no pró prio
ato de ver, está na fundaçã o do seu sucesso, embora vestido com roupagens que lhe confiram a
aceitaçã o social necessá ria para transformar estas fotografias em commodity.

Mas este fenó meno nã o será de agora, ele está já presente desde esse embrioná rio do
fotojornalismo no século XIX, as expediçõ es antropoló gicas que transportando um fotó grafo
traziam de volta as imagens do exó tico impresssionando os seus espetadores oitocentistas -
serã o representantes deste momento os fotó grafos Edward Sheriff Curtis, Adam Clarke Vroam
ou John Thomson, entre muitos outros. Podemos ainda encontrar este ímpeto visual de uma
forma mais ó bvia nas primeiras reportagens de Guerra; de um modo ainda tímido em Roger
Fenton mas depois, abraçando de corpo e alma a representaçã o de cadá veres e horrores na
Guerra civil Americana, escancarando a porta dessa exposiçã o de atrocidades em que as
imagens de guerra se podem transformar, com Mathew Brady e os fotó grafos que com ele a
registaram.

Será com as expediçõ es antropoló gicas e geográ ficas que podemos marcar o início da fundaçã o
visual de um etnocentrismo ou eurocentrismo que desembocou na criaçã o das ideias de raça
(precedidas da fundaçã o dos estados naçã o) que conduziram aos fascismos, desembocando nas
1ª e 2ª Guerras mundiais. Nasce porventura aqui um modo de encarar a fotografia como
garante de uma propalada objetividade, prova resistente à interpretaçã o nascida de um
aparato técnico que a afasta da subjetividade humana. A ligaçã o que estas expediçõ es
estabelecem com a ciência é alicerçada na ideia de evidência que a fotografia carrega consigo
desde este momento mas que mais tarde se revela, para nó s que a olhamos a partir do século
XXI, enquanto manifestaçã o de uma cultura dominante que também através da imagem e da
sua difusã o se afirma junto de todos os seus indivíduos como baluarte do progresso e da
civilizaçã o. A fotografia é um jogador poderoso na construçã o de uma visã o do mundo, ela
marca e reforça um ponto de vista. Esta subjetividade encapotada de objetividade técnica dará
origem à construçã o conceptual que permite o sucesso do fotojornalismo até aos dias de hoje.
Mas o fotojornalismo parece resistir à mudança quando olhamos para as imagens produzidas
sem querer reconhecer que as circunstâ ncias da sua produçã o foram radicalmente alteradas.

DOIS CASOS – Final do século XX e século XXI

1 – O Desembarque na Normandia de Robert Capa e a cobertura jornalística da Operação


Restore Hope.

A 2ª Guerra Mundial pode ser olhada como palco de algumas das mais bem sucedidas foto-
reportagens, nã o por acaso podemos datar o seu início e o seu fim com dois grandes momentos
do fotojornalismo, em 1936 é dado à estampa o primeiro nú mero da Life magazine, que viria a
tronar-se sinó nimo de foto reportagem, e em 1947 é fundada a agência Magnum, agregadora de
grandes nomes do fotojornalismo, defensora acérrima dos mesmos em detrimento de editores
e redatores-chefes de jornais.
Ocupando um lugar de destaque de entre as reportagens fotográ ficas da 2ª Guerra Mundial
podemos citar o desembarque da Normandia, fotografado por Robert Capa para a Life (Capa
que viria a ser um dos fundadores da Magnum). Esta mítica foto-reportagem (que já terá como
herdeiros prová veis as imagens da Guerra Civil Americana) fundou um arquétipo poderoso e
marcante para as geraçõ es posteriores de fotojornalistas e a sua difusã o foi global 2.
Quarenta e sete anos depois, em 1992 na operaçã o “Restore Hope” liderada pelas tropas Norte
Americanas e sob a proteçã o das naçõ es unidas, o desembarque em Mogadiscio, Somá lia foi
anunciado a um conjunto significativo de grupos internacionais de ó rgã os noticiosos que
esperavam os soldados, de modo a proporcionar as melhores imagens aos fotojornalistas e

2
https://www.magnumphotos.com/newsroom/conflict/robert-capa-d-day-omaha-beach/
demais repó rteres que acompanhavam o exército, e muitos deles puderam fazer a sua versã o
do final do século XX do desembarque em Omaha fotografado por Capa , desta vez em
segurança e sem fogo inimigo.3

2 – A imagem de Weegee “Murder in Hells Kitchen” e a(s) fotografia(s) do cadáver de


Fabienne Cherisma.

Ainda nas décadas de 30 e 40 podemos encontrar a trabalhar um dos fotojornalistas mais


famosos da histó ria do sensacionalismo, Weegee AKA Arthur Feelig. De entre as suas imagens
mais conhecidas está a do cadá ver de um homem assassinado com uma pistola em primeiro
plano, “Murder in Hells Kitchen”.4

Esta imagem, tal como as do desembarque da Normandia de Capa, pode também ser olhada
como seminal, um arquétipo visual que mais tarde, neste caso em 2010, um grupo de
fotojornalistas teve a oportunidade de repetir no Haiti, apó s um terramoto devastador, ao
fotografarem a morte de Fabienne Cherisma de 15 anos e que no caso de vá rios deles mereceu
o reconhecimento e prestígio internacional. Paul Hansen (DN) ganhou o prémio Internacional
News Image dos Swedish Picture of the Year Awards5. James Oatway (RSA – vencedor do VISA
d’Or de 2018), o Award of Excelence da Impact Multimedia pela sua reportagem na Times
Magazine Everithing is Broken, que incluía esta imagem. Olivier Laban-Mattei (FR) o Grand Prix
da Paris-Match (patrocinadora do VISA pour L’image) pela sua reportagem sobre o Haiti que
incluía também a fotografia da morte de Fabienne. Frederic Sautereau (FR) foi nomeado para o
VISA d’Or News com uma reportagem onde se incluiam 7 imagens da morte de Fabienne e
Lucas Oleniuk (CAN) que venceu o National Newspaper Award do Canadá com a sua fotografia
da morte de Fabienne6 .

3
http://johncbuchanan.blogspot.com/2014/07/mogadishu-09-december-1992.html
4
http://nilzbsf.blogspot.com/2006/09/murder-in-hells-kitchen-by-weegee.html

5
https://prisonphotography.org/2011/03/23/brouhaha-in-sweden-following-award-to-paul-hansen-for-his-image-of-
fabienne-cherisma/
6
http://nna-ccj.ca/2010-cartooning-and-photography-winners/?lang=en
Mas a verdadeira fotografia informativa foi a realizada por Nathan Weber (USA). Nesta imagem
podemos observar um conjunto de fotó grafos (6) a realizarem imagens simultâ neas do cadá ver
de Fabienne Cherisma7.

Em comum a estes dois casos de estudo, Operaçã o Restore Hope e a fotografia de Nathan
Weber da morte de Fabienne Cherisma, encontramos a expressã o visual de um ambiente no
qual os pró prios fotojornalistas sã o protagonistas. Em ambos os exemplos referidos podemos
observar nã o só o acontecimento que origina a pulsã o jornalística mas também o circo
mediá tico que esse acontecimento espoletou.

O entendimento de estarmos perante um conflito mediatizado e a forma como os media


trabalham em palcos de guerra será importante para a compreensã o destes conflitos? De que
formas podem os fotojornalistas pensar a sua tarefa e a sua funçã o de testemunho nestes
cená rios? Devemos redesenhar à s prá ticas e formas de fazer do fotojornalismo encarando a
mediatizaçã o dos conflitos sendo ela pró pria notícia?

Todas estas questõ es emergem como fulcrais no mundo contemporâ neo do fotojornalismo de
guerra e subitamente parece que o “pú blico tem direito de saber” mais alguma coisa que
apenas os acontecimentos primá rios. Esta questã o nã o implica o desaparecimento de um tipo
de fotojornalismo, mas sim a co-habitaçã o de ambas as situaçõ es. Importa referir que a
fotografia de Nathan Weber raramente foi publicada em jornais ou revistas de referência,
embora tenha sido amplamente debatida, muito graças ao esforço de Pete Brook no blog Prison
Photography, onde podem ser encontradas vá rias entrevistas com os fotó grafos numa vontade
de compreensã o sobre o que se passou.

Em defesa dos fotojornalistas devemos mencionar o ambiente extremo que todos


reconheceram, em que esta situaçã o se desenrolou e a cultura em que as suas atividades de
fotojornalistas foram desenvolvidas, a pressã o do trabalho free-lancer, a constante vontade de
obter uma imagem que fique na histó ria. Nã o se tratando propriamente de vítimas de um
sistema, ainda assim podemos olhar para esse sistema como uma circunstâ ncia atenuante.
Entendemos aqui o sistema como toda cultura de difusã o, educaçã o, promoçã o e lucro de um

7
https://prisonphotography.org/2010/03/18/photographing-fabienne-part-nine-interview-with-nathan-weber/
certo fotojornalismo. É essa cultura que vamos tentar entender, partindo da aná lise de um dos
mais importantes festivais anuais de fotojornalismo.

VISA POUR L’IMAGE: FESTIVAL INTERNATIONAL DU PHOTOJOURNALISME.

VISA pour l’image é um festival de fotojornalismo que tem lugar anualmente em Perpignan no
Sul de França durante um período de 15 dias, geralmente entre o final de agosto e a 2ª semana
de Setembro.
Qualquer fotojornalista profissional pode participar, como condiçã o (para além da necessidade
de carteira profissional ) exige-se que a reportagem a concurso tenha um mínimo de 50
imagens e um má ximo de 150 imagens. Na exposiçã o de 2018 eram raras as reportagens que
tinham em exposiçã o 50 ou mais imagens, sendo que a grande maioria ficava por nú meros a
rondar as 30 fotografias. Este facto deve-se ao processo de montagem e seleçã o das imagens
nã o ser protagonizado pelos fotó grafos, mas sim liderado por Jean-Paul Griolet o Presidente da
Associaçã o VISA, que nã o só seleciona as imagens a expor mas também a sua ordem e
organizaçã o, tal como foi referido por vá rios fotó grafos em conversas informais ao longo do
festival, nomeadamente por James Oatway que viria a vencer o VISA d’Or 2018 pelo seu
trabalho “Red Ants”. Esta ausência dos autores na seleçã o e disposiçã o final das suas obras em
exposiçã o retira-lhes protagonismo autoral do ato expositivo, transferindo-o para o diretor do
festival ou outra figura decisora das imagens a mostrar e da sua sequência, concentrando o seu
poder sobre as fotografias exclusivamente na sua captura. O papel dos autores das fotografias
neste evento fica resguardado para um contacto com a audiência, que em breves visitas
guiadas pode entreter-se a conhecer os pormenores mais heroicos do trabalho realizado, quais
os coletes anti-balas adequados a cada situaçã o ou as vantagens de ser mulher e usar uma
burka para esconder o equipamento fotográ fico.

O festival, para além das exposiçõ es oficiais, organiza diversas atividades, nomeadamente
encontros entre fotojornalistas e entre fotojornalistas e o pú blico, screenings de foto-
reportagens e leituras de portfó lios para jovens aspirantes fotojornalistas. Estas leituras de
portfó lio têm lugar no Palá cio dos congressos de Perpignan na sala da Associaçã o Nacional de
Iconó grafos Francesa (ANI – Association Nationale des Iconographes), onde estã o também
representadas em diversos stands as principais agências noticiosas europeias e mundiais. Aqui
os fotó grafos free-lancer em início de carreira submetem o seu trabalho à avaliaçã o de um
conjunto de editores e fotó grafos consagrados que aconselham sobre quais os melhores
caminhos a seguir.
Podemos olhar estas figuras como gatekeepers visuais que, mais do que selecionadores de
conteú dos inferem sobre a forma como esses conteú dos devem ser produzidos e que matérias
devem ser fotografadas. Estamos aqui algo distantes de um gatekeeping tal como ele é definido
por Shoemaker e habitualmente referido, a saber: “um processo através do qual biliõ es de
mensagens disponíveis em todo o mundo sã o selecionadas, transformando-se nas centenas de
mensagens que chegam a uma pessoa durante o período de um dia” (SHOEMAKER e VOSS,
2009). Neste caso poderemos falar com mais propriedade de uma tarefa de educadores,
indicando assuntos e composiçõ es vantajosas para poderem ser colocadas em revistas
vendá veis. Um gatekeeping que analisa as qualidades dos pretendentes e educa sobre as
evoluçõ es necessá rias para poder ser franqueada a entrada no castelo., defensores de um
status quo importa manter ou nã o fosse ele um produto de sucesso econó mico.

Ao passearmos pelas exposiçõ es do VISA pour l’image de 2018 podemos voltar a entender a
propensã o para o nascimento de uma cultura de etnocentrismo que a fotografia proporciona.
Ao longo das paredes do Convent des Minimes, palco principal do VISA pour L’image 2018
sucedem-se imagens de manifestantes quenianos em luta política, mulheres indianas em
sanitá rios pú blicos, mineiros bolivianos a trabalhar, naturais da Papua Nova Guiné em
detençã o na prisã o de Bonana, mulheres colombianas ligadas as FARC a viverem a
maternidade na selva, ou uma enorme fila de refugiados Rohyngia a caminharem em direçã o ao
Bangladesh. Nã o têm lugar aqui a ascensã o do nacionalismo nos países Europeus, o acesso à
saú de dos cidadã os americanos, ou a desertificaçã o do interior português e os problemas que
daí advêm.

Num exercício estatístico 8


simples e rá pido podemos observar que das 21 exposiçõ es que
fazem parte do programa oficial, e olhando para a distribuiçã o geográ fica por continente dos
locais da sua realizaçã o, temos: Á SIA - 8 (38%), Á FRICA - 5 (24%), AMÉ RICA DO SUL - 4 (19%),
AMÉ RICA CENTRAL - 2 (9,5%), EUROPA - 2 (9,5 %, embora uma seja sobre o funeral de Bobby
Sands e realizada em 1981 e outra se dedique a retratar as figuras famosas que compõ em o
star system francês contemporâ neo).

8
Todos os dados foram retirados do site do festival VISA pour L’image -
Temos entã o que 90 % delas debruçam-se sobre realidades nã o ocidentais e na grande maioria
dos casos fazem-no retratando pessoas de etnias marcadamente nã o europeias (no sentido
mais tradicionalista de uma visã o da europa). Este facto contrasta com a etnia e naturalidade
dos visitante: ao longo do período do festival facilmente compreendemos que a larga maioria
sã o de nacionalidade francesa e espanhola.
Estes dados deveriam ser suficientes para alertar uma comunidade participativa e solidá ria
sobre os perigos de um novo eurocentrismo ou ocidentalcentrismo. Trata-se portanto da
perpetuaçã o de uma cultura dominante que encontra no olhar para o sofrimento do outro de si
diverso algum conforto. Este fenó meno parece equivaler-se ao olhar exó tico que os fotó grafos
oitocentistas inauguraram, ele manifesta-se enquanto ideologia e transforma em imagem uma
mensagem política.

Em relaçã o aos vencedores do prémio VISA d’Or dos ú ltimos 30 anos procedemos à realizaçã o
de uma estatística idêntica; os dados sã o: ASIA – 14 (46,7 %), AMERICA DO NORTE – 6 (20 %),
AFRICA – 4 (13,3 %), EUROPA – 4 (13,3 %), AMERICA DO SUL – 2 (6,7 %)
Caracterizado por uma escolha de localizaçõ es geográ ficas fora do ocidente no que diz respeito
aos locais e assuntos escolhidos para a realizaçã o das foto reportagens, o fotojornalismo de
hoje funda um novo tipo de etnocentrismo apoiado no primado do olhar. O estabelecimento
das diferenças para com o outro já nã o está assente em estatísticas antropométricas mas na
constataçã o visual da incapacidade do outro aceder ao conjunto de commodities que constroem
o humano ocidental (conta do banco, carro, casa trabalho, etc.). Num mundo global onde nada
resta para conhecer, o exó tico oitocentista que deslumbrava a sociedade vitoriana transmutou-
se num diferente género - o olhar para o sofrimento dos outros enquanto modelo econó mico de
sucesso.
A institucionalizaçã o do olhar solidá rio, um olhar que se justifica a si pró prio pela necessidade
de conhecer para poder ajudar e partilhar, mas que se restringe e reserva ao espaço da
exposiçã o das fotografias despreocupado com o processo de fazer chegar as imagens até à sua
porta. Esta tarefa do olhar coloca-o no patamar da açã o, conhecer é já agir eticamente para um
mundo melhor, ver é ajudar. E este torna-se o paradoxo que alimenta a indú stria do
fotojornalismo.
Num primeiro momento é instituído que “The public has a right to know” sem olhar à quilo que
é o objeto e deste conhecer ou (mais importante) à forma como é dado a conhecer, de seguida
que este conhecimento, que nã o pode ser equiparado a uma tomada de consciência, é um
primeiro passo para que as situaçõ es se possam resolver, posteriormente fornecemos as
imagens que permitem aliviar a consciência ética do pú blico.
Ao olharmos para os fotó grafos podemos constatar a distâ ncia entre fotó grafos e fotografados
através de uma estatística idêntica à s efetuadas anteriormente. Dos 20 fotó grafos que
protagonizam as exposiçõ es oficiais temos:
EUROPA – 10 ( França – 6; Espanha – 2; Bélgica – 2) ; AMÉ RICA DO NORTE – 4 (EUA – 3;
Canadá -1); AMÉ RICA DO SUL – 2 (Brasil e Chile); Á SIA – 2 (Israel e Kuwait); Á FRICA – 2 (Á frica
do Sul).

Esta marcada diferença entre a naturalidade dos fotó grafos e os locais escolhidos para
produçã o das reportagens gera a suspeita de uma indú stria que, tal como as expediçõ es
antropoló gicas do século XIX, vive da exibiçã o do outro, distante e exó tico. Este exotismo já nã o
trata do que é fisicamente desconhecido ao olhar, mas agora aborda o exotismo de estilos de
vida diferentes, longe do estilo ocidental, de humanos em situaçõ es extremas desconhecidas
para o espectador ocidental.

A potência do fotojornalismo enquanto indú stria encontra-se intimamente ligada a um


conjunto de questõ es de ordem essencialmente política, como o acesso a bens e serviços ou a
distribuiçã o da riqueza e dos recursos necessá rias para afastar da pobreza as populaçõ es sobre
as quais sã o apontadas as lentes. Para esta indú stria poder continuar a existir torna-se
essencial a conservaçã o das situaçõ es de vida precá ria, as desigualdades, a pobreza das
populaçõ es fotografadas. E claro que extraí a sua vitalidade da constâ ncia de espetadores
sempre prontos anualmente para assistirem a um novo VISA pour l’image ou World Press
Photo.

BIBLIOGRAFIA

Livros

Marien, Mary Warner. (2002) Photography :a cultural history New York : Harry N. Abrams,

Shoemaker, Pamela J., and Tim P. Vos. (2009). Gatekeeping theory. New York, NY: Routledge

Artigos

Harari, I., Elias, L., & Smolka, R. (2011). O espetáculo da catástrofe. Contraponto. Jornal Laborató rio do
Curso de Jornalismo
73 , 6-7.

MITRA, Saumava (2016), Display-through-foregrounding by photojournalists as self-reflexivity in


photojournalism: Two case studies of accidental peace photojournalism, conflict & communication online,
Vol. 15, No. 2, 1-12, 2016, ISSN 1618-0747

Sites

Prison Photography a blog by Pete Brook


https://prisonphotography.org/
nomeadamente:
https://prisonphotography.org/2013/10/01/colors-magazine-over-simplifies-the-story-of-
fabienne-cherisma-and-disaster-photojournalism/
https://prisonphotography.org/2011/05/14/a-photo-of-fabienne-cherisma-by-another-
photographer-wins-another-award/
https://prisonphotography.org/2011/03/23/brouhaha-in-sweden-following-award-to-paul-
hansen-for-his-image-of-fabienne-cherisma/
https://prisonphotography.org/2010/09/07/fabienne-cherismas-corpse-features-at-
perpignan/
https://prisonphotography.org/2010/02/10/yet-more-on-fabienne-cherisma/
https://prisonphotography.org/2010/02/08/furthermore-on-fabienne-cherisma/
https://prisonphotography.org/2010/01/27/fabienne-cherisma/

VISA pour L’image


https://www.visapourlimage.com/
VISA pour L’image, ediçã o 2018
https://www.visapourlimage.com/archives/editions/edition-2018
i
Este artigo nasce de uma apresentaçã o na conferência Política e Imagem, Universidade de
Coimbra 15-17 de Novembro 2018 com o título “VISA pour L'image: Uma visão sobre o
Fotojornalismo (na Europa) no século XXI a partir do maior festival de Fotojornalismo no
continente Europeu.”. Uma versã o reduzida em Inglês foi publicada na revista Propeller:
Propeller Magazine #3; PROPAGANDA, Ed. Stolen Books and Hélice, ISBN 978-989-54176-7-4
propeller.pt com o título “SHOOTING IN THE NAME OF (And now you do what they told ya).
PHOTOJOURNALISM - KEEPING THE STATUS QUO.”.

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