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Prefácio

Uma obra de interpretação dificilmente conseguirá escapar das opiniões e experiências pessoais
de quem a escreve; essa não é uma exceção à regra. Por mais que se possa citar outras obras para consultas
posteriores, não há dúvidas que uma parte considerável dos assuntos abordados durante o processo de
interpretação estará respaldada na personalidade e nos pontos de vista do autor. Há a esperança de que o
bom senso impere através de um discernimento cuidadoso, de uma observação desapegada das
informações expostas; pois não importa quem ascende o fogo, o importante é que ele queime.
As interpretações desse trabalho não devem ser vistas como axiomas; são passíveis de
questionamento sempre que houver informações ilógicas, infundadas ou discrepantes com a
espiritualidade visada. O autor é tão sujeito a erros e ações tendenciosas quanto qualquer ser humano, mas
é importante que fique claro que a intenção nunca foi afirmar “isso significa isso”, e sim “existe a
possibilidade de ser isso”. Caberá àquele que manipula o oráculo definir se as informações desse trabalho
têm ou não fundamento, pois essas decisões poderão mudar o rumo da vida de uma pessoa.
A intenção foi abrir um grande leque de opções, na esperança de que ao menos uma delas
corresponda à verdadeira mensagem que o consulente precisa saber. Não houve ilusões quanto ao
monopólio de conhecimentos, apenas uma sincera esperança de que essa obra possa ser útil a quem
utilizá-la, e principalmente àqueles cujas vidas possam ser melhoradas através dela.
Que esse trabalho possa auxiliar a retomada de uma verdadeira espiritualidade, e que os leitores
tenham paciência e compaixão pela ignorância do autor.

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Objetivos dessa obra

Todas as pessoas do Candomblé sabem como é difícil conseguir informações fidedignas sobre o
Òrìñà e seu culto. O segredo é a lei, e tal lei só não é cumprida quando se acredita que alguém deve ter
acesso a essas informações tão bem guardadas. O segredo em si não é um erro, pois contribuiu para que o
Candomblé sobrevivesse até os nossos dias; o ponto a ser questionado é o critério usado para a
transmissão desses mesmos segredos.
Nascer numa família tradicional, cair nas graças dos zeladores de Òrìñà ou dispor de muito dinheiro;
hoje esses são os principais pré-requisitos para que alguém possa aprender Candomblé. Possuir uma
legítima necessidade de aprender, mesmo com o aval de Òrìñà, não é o bastante para ingressar na cúpula
daqueles que conhecem essa religião.
Basta uma pequena observação para perceber que os critérios de aprendizado do Candomblé
atualmente estão espiritualmente equivocados. A vontade de Òrìñà (que deveria ser o principal critério)
raramente é consultada, muito menos atendida. Outros interesses que vão do dinheiro ao sexo, passando
por vaidades e rancores, determinam quem vai ou não aprender Candomblé. Não importa se a pessoa que
nasceu numa família tradicional tenha ou não caráter, espiritualidade, ou simplesmente competência para
justificar seu aprendizado. Basta ser bem nascido, mesmo que não se deseje aprender realmente. Muitos
são os que realmente precisam aprender, mas não tiveram a sorte de nascer numa família tradicional, ou
simplesmente serem bem relacionados ante a cúpula sacerdotal que centraliza as informações sobre a
religião de Òrìñà.
Todos sabem (ou ao menos suspeitam) que há diferenciações entre as obrigações de alguém “de
dentro”, e uma pessoa que por vários motivos não é classificada da mesma forma; sendo as primeiras
muito mais complexas e elaboradas. Hoje a religião de Òrìñà no Brasil assemelha-se ao Judaísmo da época
de Jesus ou ao Bramanismo da época de Gautama Buda, onde havia uma preocupação exacerbada com a
forma externa de culto, enquanto preocupações espirituais estavam num plano secundário. Os Òrìñà ao se
manifestarem, muitas vezes servem para disputas para saber quem canta mais ou toca melhor os
instrumentos rituais.

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Mas o maior exemplo de descaso espiritual do Candomblé atual está na relação do povo de Òrìñà
com Olódúmarè. Parece haver um grande desconhecimento sobre o Absoluto, embora algumas novas
obras comecem a abordar (ainda que timidamente) alguns assuntos a respeito de nossa Origem. Em quase
todos os tipos de religião há a preocupação de cultuar a Deus através de ações dignas, repletas de amor e
sabedoria; mas definitivamente essa não parece ser a maior preocupação da maioria das pessoas do
Candomblé.
Não se trata de tentar descaracterizar a religião Nagô, associando-a a elementos estranhos que
poderiam gerar deturpações e mais mal do que bem. Trata-se de trabalhar no sentido de favorecer a
percepção de que Olódúmarè também está presente no Candomblé, assim como em tudo. Não há cultos
organizados a Ele, nada de oferendas ou cantigas, e esse fato às vezes se traduz em dificuldades, pois
muitos entre nós parecem estar completamente dependentes de ritos específicos para cultuar suas
divindades. As informações sobre Olódúmarè estão nos ìtan, nos òríkì, nos öfï e adúrà, mas principalmente,
em nossos corações. Sabemos que a melhor forma de cultuá-Lo é sermos conscientes de nossas obrigações
uns com os outros e caminharmos conscientemente em Sua direção. Não cada um por si, de uma forma
egoísta, mas como uma comunidade universal, um verdadeiro ëgbý que tem nos Òrìñà seus balý e em
Olódúmarè seu grande Öba.
A reflexão profunda mostrará que a relação amorosa com Olódúmarè é vital para a espiritualidade e
evolução. Embora limitadamente essa obra pretende favorecer os trabalhos para o restabelecimento dessa
relação amorosa, na esperança de que cada pessoa de Òrìñà possa perceber que Olódúmarè está em tudo e
em todos, assim como em usufruir a inefável beatitude que tal percepção proporciona a quem
sinceramente a busca. Esse é o ousado, mas não impossível objetivo dessa obra.
Que Olódúmarè nos ajude.

Metodologia de estudo

Esse capítulo é uma tentativa de facilitar a compreensão da presente obra de interpretação. É


óbvio que o autor utilizou determinados critérios para sua atividade, e conhecer parte de tais critérios é
fundamental para que o leitor se intere de maneira mais proveitosa do conteúdo exposto no livro.
Além de um breve resumo dos ìtan, cada interpretação contém trechos extraídos literalmente dos
versos narrados por Salàkï. Tais trechos encontram-se entre aspas e em negrito, e foi baseando-se nesses
trechos que o autor desenvolveu toda a obra.
Antes da exposição de cada caminho de Odù com suas respectivas interpretações, existem
comentários do autor, chamados no texto de “Considerações Gerais”. Nessa parte há a enumeração dos
assuntos que apareceram mais de uma vez no decorrer dos ìtan de cada Odù. Trata-se de uma tentativa de
dar ênfase aos que aparecem um número maior de vezes. Tais informações geralmente representam
características do Odù, que muitas vezes o difere dos demais, visto que determinados assuntos costumam

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aparecer com freqüência em determinados Odù, e estarem quase ou completamente ausentes em outros.
Através das “Considerações Gerais” o leitor poderá se identificar melhor com cada Odù, logo que
perceber uma determinada linha de ação do mesmo. É como se cada Odù tivesse seu próprio arquétipo,
como acontece com os Òrìñà.
Como principal critério de observação o autor baseou-se no que aqui é chamado de
“espiritualidade”. Perante o ponto de vista da obra, a melhor forma de definir esse termo é como
conjunto de conhecimentos e atitudes que favorecem o despertar das características intrínsecas da alma
humana, como sabedoria, justiça e bondade; assim como os esforços para compreender e transcender a
chamada vida profana, caracterizada por um modo de vida preocupado apenas com assuntos inerentes ao
àiyé, mas que carece de profundidade para repercutir na ética e na fé de um indivíduo. Primeiramente cada
Odù é observado perante tal critério, de acordo com a aparição maior ou menor de questões relativas a
esse conceito de “espiritualidade”.
Mas é muito importante que fique claro que esse tipo de análise não significa em absoluto que
um Odù possa ser “melhor ou pior” que outro; pois como muitos outros o autor acredita que tais
definições são relativas, pois cada Odù serve aos propósitos de Olódúmarè de uma maneira única,
específica e lógica. E se o Odù age nos caminhos de Olódúmarè, obviamente ele sempre deve ser
considerado positivo, pois se não traz as bênçãos do Criador, traz a justiça do mesmo. Graças a esse
pormenor, a tradução encontrada em alguns dicionários para Olódúmarè (Senhor Supremos de todos os
Odù) parece bastante adequada.
Outro critério constantemente abordado diz respeito à ancestralidade. Muitos Odù também
foram observados e comentados de acordo com a maior ou menor afinidade com a questão ancestral. Para
o autor, ancestralidade pode ser pobremente definida como a relação positiva e perene entre membros de
uma mesma família ou comunidade, mesmo quando Ìkú os separam momentaneamente em dois grupos
distintos, mas complementares; ara àiyé e ara îrun. Portanto, quando aparece nos ìtan informações que se
encaixem em tal conceito, o Odù é considerado de teor ancestral e a freqüência com que tais informações
aparecem é que define os graus de ancestralidade de um Odù.
Ao final de cada “Consideração Geral”, existe uma oferenda prescrita, chamada de
“Presente”, que é uma expressão muito usada em alguns ëgbý Òrìñà. Esse “Presente” nada mais é que
um amálgama de todos os outros ëbö prescritos para cada Odù. Um critério utilizado foi a presença de cada
elemento em pelo menos dois caminhos. Outro critério foi a presença do elemento em uma questão
importantíssima, até mesmo vital. Ao final de cada presente está representado o “etc.”, evidenciando que
cada awolòrìñà (termo usado por Salàkï para definir o indivíduo iniciado em Òrìñà que divina através e
búzios) poderá intervir na lista final do presente utilizando seu próprio conhecimento, mas sempre sob o
aval final do próprio oráculo. Tais presentes geralmente são ofertados anualmente, quando a pessoa é
“afilhada” do próprio Odù em questão; ou às vezes na substituição de oferendas mais caras, quando o
consulente não dispõe de meios para efetuá-la. Por exemplo: há ëbö prescrito cujo custo pode ser
considerado muito alto. Se o consulente estiver disposto a fazer uma oferenda, mas não pode arcar com os
custos da mesma, existe a possibilidade dessa mesma oferenda ser substituída pelo “Presente”, desde
que haja permissão prévia de Ìfá. Também é importante salientar que muitos iniciados não utilizam nem
recomendam tal prática. Mais uma vez o que definirá ou não a validade do exposto será o discernimento e o
bom senso de cada Zelador de Òrìñà.

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Em alguns ìtan há mais de um personagem de destaque. Nessas ocasiões o consulente poderá se
identificar com um deles, que pode não ser necessariamente aquele que o awolòrìñà considere o principal.
Nesse caso será necessário entender as atividades desse outro personagem no contexto do ìtan, para poder
aconselhar da melhor maneira possível o consulente. Em caso de dúvida da pessoa que procura Ìfá, o
awolòrìñà poderá através das técnicas oraculares definir qual o personagem que melhor se encaixa à
realidade do consulente, desde que esse não possa fazê-lo por si mesmo.
Em relação a essas mesmas técnicas, é importante salientar que a presente obra não visa nem
pretende expô-las ao conhecimento público. Durante várias gerações os segredos de leitura oracular foram
passados oralmente, dos mais velhos para os mais novos. O autor acredita que essa é uma prática válida,
pois favorece e fortalece as relações interpessoais no Lûsû Òrìñà, sendo essas vitais para a continuidade
saudável da própria religião. Isso significa que mesmo tendo acesso ao resumo dos ìtan, aos comentários e
oferendas dos mesmos, é bem provável que o leitor não se sinta à vontade para por em prática tudo aquilo
que a presente obra oferece. Nesse caso recomenda-se que esse mesmo leitor entre em contato com
pessoas que estão habituadas à prática divinatória aqui expressa. São poucas essas pessoas, mas seus
conhecimentos certamente poderão auxiliar aqueles que visam um desempenho coerente e confiável em
relação a esse sistema de divinação por búzios.
Apesar da necessidade de conhecimento sobre tais técnicas, não se pode negligenciar a
importância da fé no sucesso de uma consulta. Não só a fé do consulente, mas principalmente a fé do
sacerdote. É preciso não ter a mínima dúvida de que o problema apontado por Ìfá, assim como sua solução,
corresponde realmente àquilo que o consulente precisa saber, e não necessariamente ao que ele quer
saber. Para que tal fé seja sábia e não cega, será vital que ninguém seja aliciado a consultar Ìfá. Se o
sacerdote fizer propaganda de si mesmo não há como assegurar que foram as inteligências do îrun que
levaram o consulente até ele; e se não foram tais inteligências, também não é possível assegurar que o
método oracular de tal sacerdote seja o mais indicado para a resolução dos problemas do consulente em
questão; pelo simples fato de que não há um único sacerdote de Òrìñà que possa ser considerado o ideal
por e para todos. Acredito que é dever de todo Zelador de Òrìñà aprender e ampliar seus conhecimentos
sobre nossa religião, mas cabe ao próprio Òrìñà definir se tais conhecimentos devem ou não ser aplicados a
uma pessoa em particular. Interferir nesse processo pode gerar conseqüências no mínimo imprevisíveis,
para não dizer desastrosas.
Também é importante destacar que a finalidade de um sistema oracular sério jamais deve ser
impressionar o consulente. É muito melhor que esse sistema impressione menos e ajude mais aqueles que o
procurarem. Quem pertence à religião do Òrìñà certamente já ouviu comentários sobre algum sacerdote
que tenha contado “toda a vida da pessoa”. Seria ingenuidade não acreditar que algumas pessoas
possuem esse dom, mas definitivamente não é esse o objetivo da obra aqui exposta. O importante é que Ìfá
aponte os reais problemas do consulente e que o sacerdote saiba reconhecê-los e agir ritual e devotamente
a fim de resolvê-los satisfatoriamente. A esperança é que seja o contentamento, e não a vaidade, a paga de
quem se esforçar para aprender o conteúdo dessa humilde obra.

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Odù

Segundo muitos estudiosos conhecedores de Candomblé, Odù é uma palavra com vários
significados que também pode ser usada para definir destino. No que diz respeito ao significado semântico
da palavra são muitas as opiniões, algumas até antagônicas. Alguns defendem que Odù corresponde ao
Karma hindu, tratando-se de um fenômeno misterioso que ajusta os efeitos às suas causas. Sob esse prisma,
Odù seria uma lei universal e totalmente impessoal, como a gravidade ou a temperatura.
Mas como explicar que em muitos ìtan (não apenas os narrados por Salàkï) os Odù aparecem
como personagens comuns relacionando-se com Òrìñà, Egún ou seres humanos? Seriam essas aparições
dos Odù apenas alegorias? Tais dúvidas apenas justificam a crença de alguns de que os Odù também são
seres espirituais, embora representantes de Îrúnmìlà e distintos da maioria dos Ìrúnmîlû. Em renomadas
obras que expressam a cultura nagô, os Odù aparecem participando da criação das “cabeças” humanas,
juntamente com Àjàlá e Olófin. Por mais que seja difícil a compreensão para as mentes materialistas e
limitadas da maioria dos ocidentais, a tradição oral iorubana dá aos Odù uma individualidade, diferente do
que ocorre com as leis físicas.
Outro fato que sugere uma personalidade para os Odù diz respeito às oferendas sugeridas pelos
ìtan. Na religião dos Òrìñà há uma lógica que diz que para o sucesso de uma oferenda são necessários no
mínimo três fatores: alguém que a faça, alguém que a transporte ( Èñù) e alguém que a receba. Sem o
terceiro elo dessa corrente, o ioruba seria realmente um fetichista, pois prestaria culto aos elementos e não
às inteligências que os controlam.
A Teosofia joga um pouco de luz nesse obscuro assunto quando revela a existência de seres
elevadíssimos chamados de Lipika em A Doutrina Secreta (H.P. Blavatsky), responsáveis pela organização
dos destinos da humanidade. E o que fazem os Odù além de reorganizarem os nossos destinos? Mesmo
que eles não correspondam aos Lipikas da filosofia oriental fica evidente a idéia de que a crença na
existência dessa classe de Espíritos não é uma exclusividade iorubana.
Um mito diz que Îrúnmìlà, após deixar o àiyé, deixou os Odù para que esses servissem de elo
entre ele e a humanidade. Não se trata aqui de analisar as complexas variantes desse mito, mas sim deixar
claro que sem a sabedoria de Îrúnmìlà seria muito mais difícil o cumprimento dos destinos pessoais, tendo
em vista que ele participa do processo que reencaminha o ser humano ao seu destino, pois estava presente
quando esse mesmo destino foi escolhido ainda no îrun. Resumidamente pode-se deduzir que os Odù
recebem oferendas para realizar (ou impedir que se realize) aquilo que eles mesmos vaticinam.
Seguindo critérios muitas vezes por nós desconhecidos, os Odù se apresentam em nossas vidas
evidenciando negatividades ou positividades que podem ou não ser alteradas pelos caminhos da magia

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ritualística. Ser “afilhado” de um Odù significa ter a vida caracterizada pelo mesmo, embora a natureza
intrínseca de cada indivíduo seja mais bem representada pelo arquétipo de Òrìñà. Manter uma relação
harmoniosa com o próprio Odù certamente é uma das maneiras mais seguras de conseguir diversas
bênçãos, sintetizadas pelos iorubas por bênção de vida longa, de filhos, de dinheiro, de amizade, de um
local onde viver e de vitória sobre inimigos ou dificuldades.
Como será visto mais à frente as oferendas serão essenciais para a manutenção da harmonia já
citada, mas seria um grande erro não destacar que muitas vezes além de uma oferenda prescrita, os Odù
aconselham um determinado tipo de conduta. É a observação dessa conduta que de fato colocará o
indivíduo em posição de ser beneficiado pelo Odù em questão e pelas Divindades que regem cada
consulta. Esse importante fato demonstra que além de mostrar os caminhos pelo qual é possível o desfrute
de uma vida melhor, os Odù também favorecem sobremaneira a evolução de um indivíduo. O problema é
que muitas vezes a conduta a ser seguida não está explícita nos ìtan, mas aparece de forma velada, diluída
numa complexa simbologia, em ditados populares e nos exemplos dos personagens dos ìtan. Esforçar-se
pela compreensão dessas mensagens é dever daquele que ousa manipular Ìfá, mas também será daquele
que busca orientação.
São muitas as formas pela qual Olódúmarè zela por sua claudicante, mas amada prole. O contato
com os Odù certamente é uma dessas formas, pois ante a presença da sabedoria tal contato certamente se
converterá numa vida menos árdua, e principalmente, numa alma mais nobre. Obviamente há muitas
lacunas nessas informações, mas com o que já foi dito e um pouco de discernimento e intuição, pode-se
descobrir ainda mais sobre os Odù e a relação desses conosco.
Ìfá

Devíamos nos sentir honrados por fazermos parte de uma cultura milenar, caracterizada
sobremaneira pela grande proximidade entre devoto e mentores espirituais. Ìfá é sem dúvida um dos
maiores representantes dessa proximidade e um coerente entendimento sobre sua realidade e função
certamente favorecerá a percepção da grande religiosidade que permeia a religião de Òrìñà; religiosidade
essa que há de tornar-nos conscientes da mais profunda e verdadeira realidade, Olódúmarè e seu amor por
nós.
Vários são os exemplos de oráculos nas antigas religiões. Alguns sobreviveram até hoje como os
sistemas Ìfá e Ûrindílogun. Em relação a esse último, ele parece ser uma adaptação do sistema Ìfá,
especialmente elaborado para o Lûsû Òrìñà; enquanto apenas os sacerdotes de Îrúnmìlà costumam
manipular os sistemas oraculares de Ìfá. Sendo uma adaptação é óbvio que os búzios possuem limitações
inexistentes no Ìfá. Não abordam a mesmas variedades de assuntos e também não trazem em seus ìtan o
mesmo cabedal de informações litúrgicas, filosóficas e até teológicas que há nos ësë Ìfá (versos de Ìfá). Mas
isso não significa que os búzios não sejam confiáveis, apenas não são tão completos como o Ìfá.
Uma das principais diferenças entre o Ûrindílogun e o sistema Ìfá está na relação entre os ìtan e
seus números. Em ambos os casos são dezesseis Odù, mas no sistema Ìfá os Odù têm números idênticos de
combinações, chamadas ömö Odù. Já no Ûrindílogun alguns Odù têm mais caminhos que os demais. Uma
das pessoas que conhece as técnicas que devem ser utilizadas no sistema oracular aqui exposto fez um feliz
comentário a respeito das diferenças entre os números de ìtan para cada Odù, no Sistema Ìfá e no
Ûrindílogun. Essa pessoa observou que no sistema Ìfá são iguais as chances de cair qualquer Odù; enquanto

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no Ûrindílogun a maioria das consultas limita-se entre o terceiro (Ògúndá) e o décimo Odù (Òfún). Então
nada mais lógico que seja exatamente nessa faixa que estejam concentrados mais de oitenta por cento dos
ìtan narrados por Salàkï. Outra diferença é que no sistema Ìfá não é possível nenhuma combinação que
resulte em zero. Tal possibilidade existe no Ûrindílogun, e recebe o nome de Òpirà, embora esse não seja
um Odù propriamente dito, e sim apenas uma combinação possível que ocorre quando nenhum búzio
“fala”. Essa possibilidade assemelha-se ao Îñû-túwà do Ìfá, pois ambos correspondem ao número 17
(16=equilíbrio perfeito + 1=continuidade e movimento), e aparecem em momentos de grave crise, onde a
morte é quase inevitável.
Outra diferença entre os sistemas diz respeito às Àjý; sempre presentes no Ìfá, mas quase
completamente ausentes no Ûrindílogun. Um informante sugere que essa diferença baseia-se no fato de
que são os babalawo que conhecem os mistérios das Àjý. O Ûrindílogun não é manipulado somente por
babalawo, logo é natural que esse assunto seja limitado entre os devotos de Òrìñà. Nos ìtan Ìfá são comuns
as contendas entre Îrúnmìlà e as Àjý, onde o senhor da divinação mantém-se imune ao deletério poder das
mesmas. No Ûrindílogun algo próximo pode ser encontrado em um dos caminhos de Òfún, quando
Îrúnmìlà casa-se com Ìyàmi Odù. Essa limitação do Ûrindílogun torna necessária a consideração de uma
possível influência das Àjý quando os Ajogún aparecerem no àtë (peneira divinatória). Alguns críticos
podem argumentar que existe uma considerável diferença entre as Àjý e os Ajogún, mas ninguém que
conheça um pouco de Candomblé deixará de notar as semelhanças existentes quando um ou outro se
manifestam.
No sistema Ìfá cada Odù pode combinar com os outros quinze ou consigo mesmo. Tais
combinações sempre se baseiam no número 16, que para o ioruba representa a perfeição. Dessa forma
existem 16 combinações básicas de Ogbè, Îñý, etc. Já no Ûrindílogun não existe essa perfeição numérica,
embora também haja certa lógica, pois a maioria dos caminhos de Odù desse sistema concentra-se entre o
terceiro e o décimo Odù. Essa concentração de respostas numa determinada faixa não existe no Ìfá, onde
teoricamente seriam iguais as chances de aparecer quaisquer combinações de Odù. Mas na prática não é
bem assim, pois há relatos de babalawo que jogam há décadas e que nunca viram determinadas
combinações de Odù. Isso dá a entender que quando os mentores espirituais querem dar uma determinada
resposta, eles a dão, independentemente de combinações de Odù. Esse fato deixa claro que quaisquer
tentativas de formular um padrão rígido e absoluto para a compreensão dos sistemas oraculares iorubanos
falharão, pois nenhum ser humano tem plena consciência dos critérios usados pelas divindades para
orientação de seus devotos.
Outro assunto que merece destaque é o fato do Ûrindílogun demonstrar melhor eficácia quando
o consulente é iniciado. Em alguns caminhos de Odù desse sistema há claras referências quanto à iniciação,
sem falar de quando a resposta dá a entender que o consulente é ou deveria ser iniciado. Por exemplo: há
caminhos de Odù que dizem que o consulente deve fazer oferendas ao seu Òkè Ìpînrí (a ancestralidade de
cada indivíduo, e sob certas circunstâncias, o conjunto de entidades espirituais que formam o “carrego”
de cada pessoa) ou a algum Òrìñà específico. Se a pessoa for feita isso pode significar obrigação, mas se
não for pode exatamente significar a necessidade de feitura. Por sua vez o sistema Ìfá é mais amplo, dando
respostas eficazes, quer o consulente seja ou não iniciado, quer o assunto seja ou não profano.
Ao longo de toda a obra o leitor poderá observar em diversas ocasiões a oração, “Òrìñà diz,”.
Essa é a forma de Sàlàkï explicar o significado de diversos mitos por ele narrados. É interessante que no lûsû
Ìfá a expressão usada é “Ìfá diz”, embora a finalidade de tal expressão seja a mesma. Sàlàkï era um devoto

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de Òrìñànlá e não um babalawo; por isso é compreensível que ele “arraste” para sua Divindade pessoal a
supremacia sobre o oráculo. O fato é que muitos são os sacerdotes (e o autor se inclui nesse grupo) que
acreditam ser Îrúnmìlà o patrono da divinação, independentemente dos objetos usados na prática oracular
(búzios, sementes de palmeiras, etc.), o que técnicamente daria à expressão “Ìfá diz” um significado mais
profundo que o “Òrìñà diz” de Sàlàkï. Embora seja conhecido o fato de que qualquer Òrìñà possa se
comunicar através de búzios em seu próprio ìtá (complexa cerimônia que encerra os rituais de imolação e
iniciação), parece mais adequado dar a Îrúnmìlà-Ìfá a supremacia sobre o Ûrìndilògún, pois embora haja
mitos que dêm a Yemöja (ou Îñun) a primazia sobre tal técnica, isso só foi possível graças ao fato de ambas
terem miticamente convivido com Îrúnmìlà, e aprendido diretamente dele o segredo que envolve os Odù e
a prática oracular. Numa classificação pessoal e por isso mesmo arbitrária, o autor define tal situação como
sendo um Òrìñà (Yemöja ou Îñun) o autor das técnicas oraculares do Ûrìndilògún, mas a sabedoria que
torna tal sistema válido vem, sempre veio e sempre virá de Îrúnmìlà-Ìfá.
Através de Ìfá as divindades expõem seus desejos e opiniões. Existe a idéia de que se o
consulente não estiver disposto a acatar as determinações de Ìfá, então seria melhor que nem o consultasse.
Há dois tipos clássicos de consultas. A primeira é quando o consulente leva um problema específico a Ìfá e
espera receber orientação sobre o que fazer para resolver satisfatoriamente seu problema. Esse é o tipo de
consulta mais comum, principalmente quando o consulente não é iniciado. A segunda forma de consulta
ocorre quando, apesar de também possuir problemas a serem resolvidos, a pessoa nada pergunta sobre
eles, desejando apenas saber se Ìfá tem algo a lhe dizer sobre suas reais necessidades. Essa segunda forma
de consulta é menos freqüente e raramente ocorre entre não-iniciados, pois é necessário fé, algo que até
entre os “feitos” costuma faltar.
Caberá a Ìfá as principais definições sobre iniciações, exéquias ou qualquer outro acontecimento
de relevante importância na vida do indivíduo ou de sua comunidade. Além dos ìtan, há outros fatores que
tornam possível a interpretação oracular. Tais fatores podem ser denominados “técnicas de leitura
oracular”, e de acordo com as tradições essas técnicas só devem ser ensinadas através de transmissão oral,
e mesmo assim a pessoas que já possuem determinado tempo de iniciação. Essa é a razão dos
conhecimentos básicos sobre leitura oracular não estarem presentes nessa obra. Como já foi dito, o objetivo
não é criar conflitos nem ir contra as bases de uma religião milenar. É fundamental para a saúde da religião
que cada vez mais as pessoas entendam a importância de Ìfá e passem a usá-lo para definir atitudes
realmente importantes, ao invés de tomar sobre os próprios ombros responsabilidades que são de Òrìñà;
pois as chances deles errarem são consideravelmente menores do que as nossas.
O quase total desaparecimento da figura do babalawo em nossa sociedade religiosa é um mal
que cedo ou tarde findará. A presente obra visa deixar claro ao devoto de Òrìñà que existe sim um sistema
oracular sério, profundo e confiável, que pode ser manipulado por iniciados de Òrìñà, além dos devotos de
Îrúnmìlà. Em suma, apesar de suas limitações em relação ao Ìfá, o Ûrindílogun é perfeitamente apto a
apresentar respostas confiáveis às questões que lhe são expostas.

Èñù, Îrúnmìlà, Îñun e Òñàlá.

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Para o ioruba, é comum que cada aspecto da vida, cósmico, social ou pessoal, esteja relacionado
miticamente a alguma divindade. A divinação e seus oráculos não fogem a essa regra.
Îrúnmìlà é a divindade da divinação e da sabedoria para os iorubas. Segundo autores de
considerável conhecimento e renome, ele é o representante dos dezesseis Odù Àgba; para outros, são os
Odù Àgba que o representam no àiyé. Ele aparece num grande número de caminhos de Odù demonstrando
firmeza, tato e sabedoria em suas ações.
Abordaremos aqui as figuras de Èñù, Îrúnmìlà e Îñun e Òñàlá, embora haja aqueles que defendam
que Îrúnmìlà nada tem a ver com o Ûrindílogun, apesar dos mitos muitas vezes apontarem essa divindade
como patrona da divinação, e não apenas do Ìfá, visto que mesmo o babalawo pode abrir mão do rosário
para utilizar os ìkín (caroços de uma certa palmeira). Quer seja no îpûlû, no ìkín ou até nos búzios, para
muitos Îrúnmìlà continua sendo o deus da divinação para os iorubas. O senão dessa história é o fato de
apenas os iniciados em Ìfá poderem manusear îpëlû ou os ìkín, enquanto os iniciados de outras divindades
utilizam búzios, frutos, etc. É óbvio que um àdóñù não precisa consagrar-se a Îrúnmìlà para poder manipular
o Ûrindílogun, mas esse mesmo àdóñù deve ter consciência que a Îrúnmìlà ele deve respeitos, pois ao lançar
os búzios ele caracteriza a prática divinatória, “reino de Îrúnmìlà”.
Entre algumas famílias de Ìfá, ao consagrar-se babalawo o indivíduo recebe seus instrumentos de
divinação, junto com um assentamento de Èñù, inseparável companheiro de Îrúnmìlà. É Èñù que torna
possível as comunicações entre îrun e àiyé. Alguns informantes afirmam que é o Barà do indivíduo que
auxilia nas consultas aos seus protegidos. Outros dizem que o akìn (pequeno búzio segurado pelo
consulente durante a consulta) é um representante de Èñù, “o vigia”, segundo Elbein dos Santos. É até
possível encontrar Zeladores de Òrìñà que, semelhantemente aos babalawo, têm assentos de Èñù que
acompanham o Ûrindílogun. Nesse caso, Èñù recebe o nome de Akésàn entre a maioria dos Nagôs, embora
os sacerdotes mais habituados ao Ìfá o chamem muitas vezes de Odùso (guardião dos Odù).
Independentemente dessas informações, um estudo aprofundado sobre Èñù e suas funções
mostrará que quaisquer sistemas (não apenas os oraculares) só terão êxito se houver a participação
benéfica de Èñù. Ele é “aquilo” que torna possível as práticas oraculares; é Èñù que manipula o àñë
movimentado durante as consultas; é ele que conduz o consulente até o sacerdote; é ele que carrega a
oferenda prescrita, é ele quem mais trabalha pela resolução dos problemas humanos. Apesar de tudo isso,
geralmente também é Èñù que pune aqueles que se negam a fazer as oferendas prescritas por Ìfá. Alguns
mitos até chegam a falar que foi Èñù quem ensinou a Îrúnmìlà os segredos dos Odù, mas o objetivo não é
debater esse tipo de pormenor, e sim deixar clara a importância que tanto Èñù quanto Îrúnmìlà têm nas
práticas divinatórias, inclusive no Ûrindílogun. É desnecessário dizer que antes da realização de qualquer
uma das oferendas prescritas nessa obra, é mais do que aconselhável que o sacerdote faça as devidas
consultas para saber o que deve oferecer a Èñù, sob o risco de ver seus esforços (e os do consulente) não
serem bem sucedidos.
Já em relação a Îñun, são muitos (na verdade a maioria dos nagôs) os que dão a ela uma
importância maior de que Îrúnmìlà no que diz respeito ao Ûrindílogun. Um antigo mito diz que Èñù,
encantado pela sensualidade de Îñun, passa a ela os segredos dos Odù, sintetizados em forma de dezesseis
búzios; tudo isso em troca de “alguns favores”. Há também alguns ritos de consagração do Ûrindílogun
que estão intimamente ligados a Îñun, embora sejam raros os relatos que falam sobre um assento de Îñun
que acompanhe o Ûrindílogun, como acontece muito mais freqüentemente com Èñù. Alguns podem até

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enxergar em Îñun uma espécie de vínculo entre o Lûsû Òrìñà e o Lûsû Ìfá. A esse respeito, deve ser citada a
presença da apetebì, uma devota de Îñun que zela pelos instrumentos de divinação do babalawo. Apesar de
Îñun ser considerada pelos nagôs como intimamente ligada ao Ûrindílogun, Yemöja e Îrúnmìlà gozam de
semelhante prestígio entre os lucumi de Cuba. É bom sempre ter em mente que Lûsû Ìfá, Lûsû Òrìñà, Lûsû
Egún e Gûlûdû são todos aspectos de uma só religião, a Iorubana. De qualquer forma, o trio Îrúnmìlà-Èñù-
Îñun (ou Yemöja) parece estar relacionado à origem e prática do sistema Ûrindílogun, e muito
provavelmente os mitos encontrados em terras iorubas, em Cuba e principalmente no Brasil, devem possuir
um fundo verdadeiro. Ou seja, talvez o mais sensato seja considerar a força e influência que esse trio exerce
sobre todos os sistemas oraculares, em especial o Ûríndílogun, foco dos estudos dessa obra.
Apesar de tudo isso, especificamente para essa obra, a divindade que pode ser considerada
patrona desse sistema de divinação é Òrìñànlá, pelo simples fato dessa ser a Divindade pessoal de Salàkï,
sacerdote que narrou os presentes ìtan. Em quase todos os ìtan que serviram de base para as presentes
interpretações é dito “Òrìñà diz...”, enquanto nos versos de Ìfá o termo mais comum é “Ìfá diz...”. A
análise de outras obras conhecidas sobre o assunto evidencia que se trata de uma predileção de Salàkï, que
por motivos óbvios dá à sua Divindade pessoal um status que em outras tradições pertence a Ìfá. É preciso
salientar que praticamente todos os mitos narrados por Salàkï se encontram no corpo literário de Ìfá,
embora não necessariamente na ordem expressa pelo sacerdote de Òrìñànlá. Não cabe aqui analisar o
mérito ou demérito de Salàkï; muito pelo contrário, pois foi sua bondade e o desejo de perpetuar suas
tradições que o levou já no final da vida a revelar ao público seu inestimável conhecimento; atitude essa que
na maioria das vezes não inspira os renomados sacerdotes brasileiros, famosos por levaram para o îrun o
que aqui aprenderam, embora o conhecimento de Òrìñà e Ìfá não pertença a um indivíduo apenas, e sim à
miríade de devotos que precisam de tal conhecimento.
O sistema de divinação, cuja atual obra nada mais é do que um esforçado, porém limitado
resumo; assemelha-se em diversos aspectos ao conhecido sistema Ìfá. Há vários ìtan que narram os mitos
de personagens que servem de identificação para o consulente. O domínio das técnicas de leitura, além da
memorização dos versos, é tão difícil e complicada no Ûrindílogun, como nos sistemas mais tradicionais de
Ìfá. Por essas razões, Òrìñànlá (Òñàlá Îñûrûgbò, como o próprio Salàkï dizia) merece devoção especial por
parte daqueles que vierem a utilizar as informações contidas nessa obra. Por uma questão de respeito, é
aconselhável que cada um preste sua homenagem ao Òrìñà criador dos homens e ao seu especialíssimo
devoto Salàkï, sempre que forem beneficiados de alguma maneira pelo àñë que vem dos que já foram.
Candomblé é ancestralidade.
Por fim é importantíssimo salientar que as observações feitas sobre os Odù expostas nas
“Considerações Gerais” se baseiam exclusivamente no conteúdo narrado por Salàkï. É possível que
estudando outras fontes de informações sobre os assuntos referentes a Ìfá chegue-se a conclusões
diferentes sobre “o que é Îñý, ou Îkànràn, etc.”. A presente obra limita-se à exposição e interpretação
(mesmo que pessoal) dos mitos narrados pelo sacerdote de Òrìñànlá. O que exceder tais objetivos será
objeto de futuros trabalhos, não cabendo portanto contestações que no presente momento simplesmente
não fariam sentido.

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A oferenda

Praticamente toda a estrutura litúrgica do Lûsû Òrìñà baseia-se em oferendas. Segundo as


tradições, são as oferendas (ëbö, em ioruba), que mantêm as relações harmônicas entre îrun e àiyé,
permitindo o intercâmbio de àñë entre esses dois planos de existência. O ëbö está para o ioruba assim
como as rezas e orações estão para o cristão.
Acredita-se que sem as oferendas todo o sistema da vida estagnaria, e o homem não teria como
evitar que os males inerentes ao àiyé recaíssem sobre ele. Também existe a crença de que ao doar algo de
si, o homem abre espaços em sua existência, tornando possível que tais espaços sejam preenchidos pelas
bênçãos almejadas. Ainda que num outro nível, O Bhagavad Gita ensina que "Aquele que não oferece
sacrifícios nada tem a esperar; nem nesse mundo, nem no próximo. Descerá sobre vós as bênçãos dos seres
angélicos, se lhes prestarem culto. Mas aquele que lucra e prospera, e não retorna nada aos céus, esse é
ingrato e ladrão".
Um estudo mais apurado de algumas obras de teor ocultista pode dar uma tênue idéia sobre o
funcionamento do mecanismo das oferendas. Os textos abaixo foram escritos na esperança de que possam
auxiliar a compreensão da complexa obra aqui exposta.
A oferenda, principalmente o ûjû, revitaliza o corpo e seu duplo astral (òjìjí), tornando-os menos
suscetíveis a doenças ou desequilíbrios, favorecendo dessa forma a integridade física e astral do indivíduo.
O ûjû, quando em oferenda, dá à divindade (Òrìñà, Egún, etc.) um àñë considerável, que será revertido em
benefício do devoto, revitalizando algumas partes de seu corpo, favorecendo as percepções espirituais e a

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evolução integral do indivíduo. Há também a possibilidade de atrair para o animal a ser imolado alguma
negatividade que esteja com o indivíduo (as famosas "trocas de cabeça"). O ûjû também é usado para a
sacralização de objetos rituais, fortalecimento do àñë individual, em momentos de crise, etc. Acredita-se
que o ûjû estimula e movimenta a matéria menos densa, deixando-a mais suscetível ao pensamento,
favorecendo assim a visualização dos objetivos almejados e conseqüente materialização dos mesmos. Não
está no âmbito desse trabalho discutir a ética espiritual dos sacrifícios; se em si eles são ou não
espiritualmente prejudiciais; o objetivo é apenas analisar os motivos da existência de sacrifícios nas
oferendas, os ëbö ûjû, como dizem os lucumis. Em suma, o ûjû revitaliza o corpo, e através de seu poder de
realização (àñë) favorece a materialização dos objetivos esperados.
As oferendas sem ûjû (comidas secas) obviamente não possuem o mesmo potencial energético
dos ëbö ûjû. Talvez por isso comparando as duas formas de oferendas que aparecem nos ìtan, os ëbö ûjû
sejam muito mais numerosos. Acredita-se que cada vegetal tenha um àñë específico, e muito
provavelmente seja esse tipo de àñë que a pessoa precise quando esse tipo de oferenda aparece nos ìtan.
Mas uma observação baseada em comparações com outras religiões (especialmente budismo e hinduísmo)
mostra que muitas vezes o objetivo desse tipo de oferenda às divindades baseia-se no anseio de comunhão
com as mesmas, na esperança que tal comunhão seja espiritualmente benéfica. Com certa prudência poder-
se-ia até afirmar que as oferendas de "comidas secas" favorecem o despertar da devoção, enquanto os ëbö
ûjû têm um caráter mais dinâmico e prático. Também é importante frisar que através dos elementos de uma
oferenda sem ûjû, pode-se descobrir muitos detalhes às vezes intencionalmente velados dos ìtan, além de
dar detalhes sobre quais Òrìñà devem ser cultuados.
A terceira forma de oferenda que aparece nos ìtan é composta por folhas. Essas são
tradicionalmente usadas para o preparo de ògùn (infusões medicinais), no tratamento de doenças, em
magia, feitiçaria e banhos de purificação. No Brasil as folhas são comumente usadas nos ritos de iniciação e
em "sacudimentos", cuja finalidade é dissipar vibrações negativas e revitalizar o àñë do indivíduo. De uma
maneira geral pode-se considerar que a presença de folhas em ëbö sugere cuidados com a saúde,
necessidade de fortalecer o àñë individual, ou ainda, casos de feitiços. É importante salientar que no sistema
Ìfá, as folhas estão presentes em praticamente todas as oferendas.
A presença de búzios nos ëbö também tem significado. Na sociedade iorubana de outrora os
búzios eram usados como moeda corrente, e a presença deles nos ëbö na verdade era o pagamento do
consulente pelos serviços prestados pelo awolòrìñà. A quantidade de búzios varia de acordo com a natureza
da oferenda, sendo mais ou menos numerosa dependendo do caso. Especificamente no caso dessa obra de
interpretação, a quantidade de búzios textualmente narrada nos ìtan foi diminuída, visto que não é mais
através dos búzios que o awolòrìñà é recompensado por seus serviços. Há até pessoas que conhecem a
natureza dos ìtan narrados nessa obra, e que substituíram totalmente os búzios por cédulas ou moedas nos
ëbö prescritos. Por exemplo, quando no texto original aparece 22.000 búzios, nos ëbö listados nessa obra
tal número foi substituído por 22; apenas para deixar claro que o pagamento ao awolòrìñà é uma parte
muito importante do processo divinatório, intimamente relacionado ao êxito da oferenda; “faz parte da
magia” como um grande sacerdote afirmou, pois no Candomblé tudo é troca harmoniosa e tal troca não
existiria se apenas o consulente fosse beneficiado, em detrimento do awolòrìñà. Porém a ética espiritual diz
que questões financeiras não devem impedir ninguém de ser ajudado, sendo condenável a cobrança de
preços exorbitantes pela consulta ou pelo ëbö a ser feito. Apesar de raros, há caminhos de Odù onde não há
citações de búzios, o que dá a entender que por algum motivo o babalawo (adivinho) não cobrou por seus

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serviços. Analogicamente o awolòrìñà deverá abster-se de recompensas quando tais caminhos de Odù
aparecerem. Também há casos onde a quantidade de búzios é consideravelmente superior à média do que
é comumente cobrado. Nesses casos pode-se entender que por algum motivo misterioso (para nós) o
consulente precisará dispor do valor necessário, sob pena de não ver seus objetivos realizados. Geralmente
tais casos aparecem em situações de reprovável conduta por parte do personagem do ìtan. Também é
importante mencionar o fato de que outrora em terras iorubanas, os adivinhos eram considerados
profissionais; e da mesma forma que ninguém consulta um médico ou advogado sem pagar os honorários
desses profissionais, não há porque esperar que em relação ao awolòrìñà a coisa seja diferente. Para poder
interpretar os Odù corretamente, o sacerdote também leva anos de estudos e memorizações, semelhante a
qualquer profissional moderno. A diferença a ser citada é de que esse mesmo sacerdote não tem o direito
ético de negar auxílio a quem não lhe possa pagar pelos trabalhos oferecidos, enquanto que os
profissionais citados como exemplo constantemente agem dessa maneira. Também há a crença (mais do
que lógica) de que ao pagar pelos trabalhos do sacerdote o consulente está reconhecendo não só o esforço
desse, mas principalmente está evidenciando que tem as bênçãos do Òrìñà na mais alta consideração. Em
algumas casas de Candomblé antigas, antes que um Àñògún efetue um sacrifício, são colocadas cédulas e
moedas num prato de barro, que permanece aos pés do Òrìñà que vai "comer"; como uma forma de
pagamento pelos trabalhos e pelo àñë desse importantíssimo sacerdote. Algumas pessoas defendem que
ao dispor de algum valor, a pessoa abre espaços em sua vida, para que as bênçãos por ela rogadas a Òrìñà
possam de fato se manifestar. Em suma, não importa o valor que é pago nas consultas, mas sim a
consideração pelo sacerdote e pela religião que ele representa. Também merece destaque o fato de que
mesmo nos ìtan há casos de personagens que não possuíam dinheiro algum, mas pagavam suas dívidas
com trabalho. Esse é um exemplo de que o dinheiro é apenas uma das formas de pagamento, mas nem de
longe a única. O mais importante sem dúvida nenhuma, é mostrar reconhecimento e gratidão por tudo que
é feito com o objetivo de auxílio.
Alguns animais de certa forma representam aspectos negativos de alguns Odù. Entre esses
animais os que mais aparecem são o ëmï e o òkété; roedores africanos inexistentes na fauna brasileira. Há
pessoas que usam ratos (de esgoto) nesses casos, mas há outras de considerável conhecimento e sabedoria
que usam preás em seus ëbö; e ainda há aqueles que utilizam porquinhos-da-índia. As duas últimas opções
parecem mais razoáveis e são as indicadas nessa obra, considerando-se que tanto o ëmï quanto òkété são
considerados alimentos em terras iorubanas. De qualquer forma quando esses animais aparecem nos ëbö
pode-se considerar a hipótese de dificuldades ou perigos. Mas especificamente nesses casos as situações
que exigem oferendas desses animais trazem em si a real possibilidade de reversão satisfatória da situação,
pois esses animais também representam abundância sobre a terra, em virtude da incrível rapidez com que
se reproduzem. Gafanhotos representam perdas e misérias. Morcegos representam morte e feitiços.
Anfíbios representam mudanças drásticas, inimizades e feitiços. Moscas representam morte e coisas
pútridas. Caranguejos representam tramóias e presságio de morte. De uma forma geral a presença de
qualquer um desses animais em oferendas inspira cuidados e tornam prudentes consultas que visem
descobrir a origem da negatividade em questão.
Em algumas oferendas o elemento principal é uma cabra. Esse é um animal que veicula
abundância de vida e sua aparição em oferendas evidencia que trata-se de um momento delicado e
perigoso, onde um àñë poderoso será necessário para a inversão da situação. Por mais dispendiosas que
possam ser essas oferendas, o contexto em que surgem sugerem gravidade; logo o ideal seria que as

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mesmas fossem realizadas. Também é prudente investigar eventuais enfraquecimentos de cabeça
(psíquicos ou psicológicos) ou necessidade de iniciação. Interessante é o fato de que não há citações sobre
cabritos nos Odù estudados. Talvez a razão para tal seja o fato de tanto Òñàlá como Îrúnmìlà receberem
oferendas de animais fêmeas.
Além de animais, folhas e comidas, há elementos cujo teor é essencialmente simbólico,
representando algum estado mental presente ou sugerido pelo ìtan. Alguns exemplos são escadas, água,
espadas, cestos, determinados metais, tecidos, bancos, roupas, ferramentas de trabalho, etc. A reflexão
sobre a relação desses símbolos com a mensagem do Odù deve oferecer uma melhor compreensão sobre a
problemática exposta, e por extensão favorecerá a resolução da mesma.
Um termo que aparece muitas vezes nos ìtan é Òkè Ìpînrí. Esse elemento tão importante da
religião iorubana passou a ser conhecido pelo grande público graças ao trabalho de dedicados estudiosos
de nossa religião. Segundo esses sábios Òkè Ìpînrí corresponde aos elementos constitutivos de um ser,
biológica e miticamente falando. Engloba a ancestralidade, em especial pai e mãe, mas também se estende
ao grupo de divindades que teriam originado miticamente um indivíduo, sendo essas Orí, Ûlûdà (Òrìñà
pessoal), Odù e principalmente Olódúmarè. O que geralmente aparece nos ìtan é a frase "Deveria oferecer
ëbö ao seu Òkè Ìpînrí". Em comentários mais antigos sobre a obra de Salàkï, foi sugerido que tal termo se
refere ao processo de divinação em si, ou mesmo ao conjunto de objetos rituais que fazem parte da
divinação. No entanto parece muito mais plausível que tal sentença corresponda à necessidade de
oferendas a ancestralidade do indivíduo ou a qualquer outro elemento que forme o respectivo Ìpînrí. Esse
termo está indissoluvelmente associado à origem de tudo o que existe. Num dos ìtan é dito que um
personagem consultou Ìfá, antes de vir do “Ìpînrí do îrun para o àiyé”. Essa é uma narrativa comum nessa
obra, mas nesse caso o próprio îrun é colocado como tendo uma origem; nada mais lógico, pois a única
realidade que não pode possuir um Ìpînrí é Olódúmarè, pelo simples fato de que Ele é a própria origem de
tudo o que pode ser compreendido, até pela mente de seres como Olófin. Para que seja possível efetuar
oferendas a Òkè Ìpînrí um considerável conhecimento litúrgico e filosófico será necessário. Considerando
que o segredo é uma das principais características de nossa religião, é lógico acreditar que nos casos em
que Ìfá indicar tal prática litúrgica o consulente será iniciado. Quando isso não ocorrer, provavelmente a
iniciação deverá ser ministrada, pois de outra forma não seria possível obedecer as orientações de Ìfá de
forma satisfatória. Mas para a aplicabilidade desse conceito é importante que o Zelador de Òrìñà saiba que
o processo de iniciação é complexo e em muitos casos leva de sete a dez anos para se cumprir. Ou seja,
quando um Odù exigir oferendas a Òkè Ìpînrí para a resolução de um determinado problema, não significa
necessariamente a necessidade emergencial de “recolher” o consulente; mas certamente o aval estará
dado Nunca é demais lembrar que originalmente o sistema Ëríndílògún foi adaptado do Ìfá por sacerdotes
de Òrìñà; ou seja, não serão poucas as vezes em que o àñë de Òrìñà será imprescindível para uma
satisfatória resolução de questões levadas a Ìfá. Também é preciso considerar que sob a ótica já
demonstrada, sempre será necessário definir quais entre os elementos de um Ìpînrí deverão ter o àñë
fortalecido quando Ìfá assim determinar. Essas definições estarão sob responsabilidade e supervisão do
awolòrìñà.
A oferenda é parte essencial para o sucesso do processo de divinação. São comuns as tentativas
de barganha com Ìfá, visando modificar ou diminuir a estrutura de um ëbö no intuito de economia. É óbvio
que tal barganha é desaconselhável, mas em casos extremos ela é até justificável, pois é melhor que o
consulente faça o que possa pelo seu bem estar, do que não fazer absolutamente nada por falta de recursos

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financeiros. É desnecessário dizer que qualquer mudança na estrutura dos ëbö só poderá ser considerada
viável se houver a autorização prévia das divindades, dada através do próprio Ìfá.
Outro caso muito comum é a negligência da oferenda prescrita, quer seja por acreditar que a
situação não justifique ou por escassez de recursos. Em relação a tal fato é sempre importante ter em mente
que a oferenda é um dos passos para a resolução de um problema. Logo, não será surpresa se a situação
complicar-se ainda mais, tornando necessárias novas consultas e não raro, oferendas mais complexas e
dispendiosas do que as anteriormente negligenciadas. Em relação a esse fato é importante salientar que ao
negligenciar uma oferenda o consulente corre o risco de desrespeitar Èñù, que é o guardião dos sistemas
oraculares e que receberia sua parte caso a oferenda fosse realizada. Nos ìtan, na maioria das vezes em que
alguém negligencia uma oferenda Èñù providencia o devido castigo. Além do mais, negligenciar uma
oferenda pode ser entendido como um erro de discernimento espiritual, como despreparo e falta de
afinidade com a realidade representada por Òrìñà. Esse outro lado da moeda também explica a dolorosa
ação de Èñù nesses casos. A responsabilidade de Èñù com a criação (da qual ele não fez parte) é fiscalizar o
cumprimento de leis e promover o desenvolvimento de todo ser passível de evolução. A negligência de um
ëbö caracterizará um indivíduo que, ao menos momentaneamente, age de forma contrária ao “fluxo do
Universo”, o que o coloca em rota de colisão com Èñù, cujo um dos òrìkì diz, “Aquele cuja picada é mais
dolorida do que a da formiga”. Ou seja, é certo que ao consultar Ìfá (e por extensão mobilizar todas as
forças sobrenaturais da qual Èñù faz parte) e não seguir as orientações que são dadas, o indivíduo
certamente será “conscientizado” de sua ignorância por aquele que esconde sua sabedoria com
traquinagens ou crueldade. Ainda em relação a Èñù, o valor cobrado pelas oferendas deve englobar sua
propiciação, pois será Èñù que “carregará” o àñë da oferenda em questão e os mais antigos sempre
afirmam que ele nunca trabalha gratuitamente.
Em alguns casos simplesmente não haverá oferendas prescritas, indicando que a solução dos
problemas dependerá principalmente das atitudes, pensamentos e condutas do consulente. Serão
necessários muitos esclarecimentos para favorecer a compreensão da situação, pois será o indivíduo, e
apenas ele, que encontrará as soluções para as questões expostas. Mas apesar disso há profundos
conhecedores de Candomblé que aconselham ao sacerdote que elabore uma oferenda “símbolo”, cujo
objetivo é ajudar o consulente a lembrar os aspectos comportamentais que de fato farão a diferença na
resolução das questões expostas por Ìfá.
Em muitos caminhos de Odù há citações literais sobre determinadas divindades. Às vezes não há
tal literalidade, mas há a presença de símbolos que apontam no mesmo sentido. Nesses casos oferendas às
mesmas poderão ser de grande valia para o consulente, principalmente quando esse não se sentir
suficientemente fortalecido para sozinho resolver seus problemas. Caberá ao próprio awolòrìñà definir se a
presença de um Òrìñà justifica oferendas específicas. Em último caso, a palavra final será do próprio Ìfá.
Ao longo de muitos anos a prática litúrgica ganhou força nos Candomblés brasileiros, mas
infelizmente isso favoreceu para uma equivocada crença de que só a oferenda e o conhecimento para
oficiá-la eram suficientes para a resolução de qualquer questão. Se assim fosse, o Candomblé seria um
amálgama de crenças, superstições e magia, mas sem ética e preocupações com a evolução humana. É um
grande erro separar prática litúrgica de devoção, sendo essa (a devoção) a atitude do homem perante seus
mentores espirituais, na profunda e pura fé de que tais mentores, encabeçados pelo próprio Olódúmarè,
trabalham e se esforçam pelo bem estar de seus devotos. A devoção é caracterizada pela fé, pelo respeito,
pelo amor, mas também pela consciência da necessidade de contínuo aperfeiçoamento moral. Sem a

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consideração desses fatores o Òrìñà passa a ser visto como uma espécie de mercenário, cujos favores
podem ser comprados com sangue animal ou diversas iguarias. Definitivamente assim não o é. A oferenda é
parte integrante da magia; e essa última, como uma das ciências naturais (ainda não conhecida pela maioria
dos homens) tem suas próprias leis. Se o ritual é bem realizado a magia garantirá seu sucesso; mas sem a
consciência espiritual alicerçada na devoção, esse mesmo sucesso há de se transformar em grandes penas,
pois o universo não admite prejuízos. Toda essa explanação visa deixar claro que só fazer as oferendas
prescritas sem a mínima preocupação com a necessidade de evolução moral, não pode ser considerada
uma atitude inerente ao que se entende por religião. A presente obra abomina a prática da magia sem fins
elevados, pois isso caracteriza feitiçaria. Ao longo de todas as suas páginas há tentativas para deixar essa
idéia cada vez mais clara, e que a compaixão de Olódúmarè recaia sobre nós se os almejados objetivos não
foram alcançados.
Por fim, obviamente o local onde as oferendas serão “despachadas” deverá ser definido por
aquele que "olha" o Odù, tendo por parâmetros o assunto abordado em cada caminho, as características do
ìtan e em última análise, o que Èñù Elërù tem a dizer a esse respeito. Ao realizar a oferenda prescrita o
indivíduo evidencia sua fé nas divindades, e esse é o primeiro passo para a resolução de seus problemas. Em
alguns ìtan aparece uma oração que define o pensamento ioruba sobre os ëbö: "Oferecer ëbö é o que ajuda
alguém. Não oferecer, não ajuda ninguém".

Îkànràn

Considerações Gerais

Como todo Odù, Îkànràn tem características que lhe são próprias. Òñàlá é a grande força desse Odù,
mas suas aparições são um pouco diferente do habitual. É o aspecto patriarcal de Òñàlá que se destaca em
Îkànràn. De suas quatro aparições (em sete caminhos!), apenas uma não está relacionada à geração de
filhos. Esse fato mostra que o fator família tem considerável importância em Îkànràn, embora tal fator não
tenha muito a ver com relacionamentos ou casamentos, e sim na relação do indivíduo com seus ancestrais e
descendentes, pois a ancestralidade é aqui muito forte. A presença marcante de Òñàlá também pode
favorecer a introspecção, uma vida contemplativa e até religiosa. A ausência de casamentos nos caminhos
de Îkànràn faz desse Odù um presságio para a vida solitária, especialmente se a pessoa não possuir filhos.
Basicamente, Îkànràn é ûrö (tranqüilo, calmo).
Em Îwïnrín a ancestralidade baseia-se em Egún, que provavelmente deve ser cultuado, mas em
Îkànràn a ancestralidade não carece de tal liturgia. A presença de árvores e folhas em seus caminhos mostra

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que a ancestralidade tem grande força, e possivelmente será através do culto respeitoso à memória de seus
ancestrais que a pessoa conseguirá se equilibrar na vida. É uma relação mística do indivíduo com seus
ancestrais, mas com certo ar de continuidade, essa representada por filhos e por heranças, que também
aparecem em Îkànràn.
Num Odù onde a presença patriarcal de Òñàlá é forte, é natural que o aspecto "filhos" tenha grande
influência. Isso é exatamente o que ocorre em Îkànràn, pois "filhos" aparecem em quase todos os seus
caminhos, geralmente como resultado de buscas e desejos, como um fator de realização e alegria.
Aparições de filhos além de sugerirem gravidez, apontam para prováveis problemas com os filhos já
existentes. Em se tratando de Îkànràn, provavelmente os problemas sejam de ordem espiritual. Mas é óbvio
que a interpretação de "filhos" como realizações em geral e considerável positividade deve ser considerada.
Assim como Ògúndá, Îkànràn sugere que antes de ocorrer gravidez haja condições materiais satisfatórias. A
vida da pessoa já deve estar preparada para a chegada de uma criança. Há de se considerar a possibilidade
de uma vida independente, de obter aquilo que se almeja e de conseguir várias realizações, pois a
simbologia de "filhos" engloba todos esses aspectos.
Uma interessante característica de Îkànràn é a constante presença de ìgbín e obì em seus ëbö. A
presença de ìgbín gera certa atmosfera ûrö, que se pode traduzir em uma vida pacata e em alguns
sofrimentos. Mas por outro lado, esse tipo de oferenda também aponta para um considerável potencial
espiritual. A presença de obì aponta para a possibilidade de se atingir a sabedoria, além de evidenciar que
será necessário um Orí equilibrado para que as positividades desse Odù possam de fato se manifestar.
Se já houver uma família na vida do consulente, essa merecerá destaque. Não é aconselhável que se
busque a prosperidade ou qualquer outro tipo de realização pessoal em detrimento do bem estar familiar,
pois ao que parece, o àñë de Îkànràn é extensivo aos familiares. No caso de negligência com a família,
dificilmente haverá felicidade.
Em Îkànràn também há a possibilidade de injustiças, incompreensão e mal-entendidos. Uma postura
calma e sábia será importante nesses momentos. A prosperidade e a sabedoria também aparecem em
Îkànràn. O importante é saber que quando isso ocorre geralmente é devido a atitudes litúrgicas corretas,
embora no Candomblé muitas vezes seja difícil definir o que é correto.
Em Îkànràn são grandes as chances de ocorrerem erros litúrgicos, e tais erros tendem a ser
prejudiciais à vida material. Traduzindo, deve-se questionar se a pessoa foi iniciada ao Òrìñà correto, se está
na casa correta para seu Ìpînrí, se está com as obrigações em dia, etc. O ideal é que em Îkànràn a pessoa seja
feita de Òrìñà, ou deseje iniciar-se. O que caracteriza essa necessidade de iniciação são as passagens "Ele foi
até o Òrìñà", e "Deveria sacrificar ao seu Òkè Ìpînrí", que constantemente aparecem nos caminhos de
Îkànràn.
A saúde merece cuidados em Îkànràn. Não há nenhuma citação clara sobre doenças, mas as
constantes aparições de ògùn (infusões de folhas) são um claro indício de saúde frágil e até de feitiços. A
presença constante de roedores nos ëbö de Îkànràn aponta para negatividades, que podem muito bem se
traduzir em problemas físicos, embora os mentais não devam ser negligenciados.
Outro fator que merece cuidado é a possibilidade de perdas. Tais perdas podem abranger vários
aspectos: entes queridos, oportunidades, materiais, etc. Se realmente existir um quadro de perdas, merecerá
destaque também um considerável sofrimento e pessimismo. Também é provável que essas perdas (ou
demais infortúnios que Ìfá mostrar) estejam relacionados a feitiços, tendo em vista que esse fator também
aparece com certa força nos caminhos desse Odù.

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Îkànràn traz importantes informações litúrgicas. Aborda assuntos importantes como consagrações,
comidas, etc. No geral Îkànràn mostrou-se complexo, com potencial espiritual e considerável
ancestralidade.

As divindades citadas por Salàkï são:


a) Òñàlá
b) Èñù*
c) Îrànmíyàn*

Presente a Îkànràn

Vinte e dois búzios


Um ìgbín
Um galo
Uma galinha
Um òkété
Um pombo
Um tecido branco, uma roupa, etc.

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*Îrànmíyàn não é citado textualmente em nenhum momento. Mas em outra oportunidade Salàkï afirma que é em Îkànràn que essa
divindade "fala".

*Èñù aparece indiretamente em Îkànràn, através da oyè de uma personagem e do orúkö de outra.
Îkànràn 1

Numa determinada circunstância de sua vida, Öbalúfîn desejou ter muitos filhos. Os babalawo
(adivinhos) recomendaram que para tal ele deveria fazer uma grande oferenda à base de ìgbín, e que
também deveria oferecer obì e um guisado de galinha ao seu Òkè Ìpînrí. Öbalúfîn seguiu a orientação de Ìfá
e começou a ter muitos filhos; atingindo assim pleno êxito em seus intentos.

"O que ele deveria fazer para que pudesse ter filhos?" Essa é uma passagem clássica nos ìtan
narrados por Salàkï. Além do sentido literal, representam o desejo de constituir família e de realizar
importantes projetos na vida, pois filhos representam as mais diversas e positivas realizações pessoais.

"Disseram que ele deveria oferecer um guisado de galinha a seu Òkè Ìpînrí". Segundo autores de
renomado conhecimento, o termo Òkè Ìpînrí refere-se ao conjunto de seres ou elementos simbólicos que
tornaram possível a existência individualizada de um ser. Faz alusão a seres sobrenaturais, aos antepassados
do consulente e obviamente a Ölïrun. Merece destaque o fato de que o Òkè Ìpînrí do consulente ter que
receber oferendas tão ûrö. Isso é mais uma evidência de que ou essa pessoa é de Òñàlá, ou possuiu uma
relação muito especial com esse Òrìñà.

"Ele começou a ter filhos; seus filhos eram incontáveis". Filhos são a grande força desse caminho
de Îkànràn. Além da óbvia possibilidade de gravidez, quando filhos aparecem no àtë.deve-se considerar a
hipótese de problemas com filhos já existentes. Filhos também são vistos com símbolo de emancipação, o
que torna necessário considerar a hipótese de casamentos, mudança de casa, um novo emprego, etc. A
aparição de filhos também sugere a realização de antigos desejos. De uma forma geral, a presença de filhos
pode ser encarada como um bom presságio.

"Öbalúfîn dançava e regozijava". A combinação de filhos e Òñàlá num mesmo caminho de Odù
merece destaque, pois Òñàlá é o próprio patriarca. Muito provavelmente a pessoa que nascer sob esse Odù
deverá cultuar esse Òrìñà. As características do ëbö evidenciam a grande influência Funfun nesse caminho
de Odù.

"Vocês me verão numa abundância de filhos". Apesar de todas as múltiplas possibilidades de


interpretações, a força desse caminho de Îkànràn é realmente a possibilidade de filhos aparecerem.

20
"O guisado que ele comeu para ter esses filhos, é o que ele come até hoje". Liturgicamente essa
passagem mostra qual o objetivo da oferenda de guisado a Òñàlá. Evoca a idéia de consideráveis
realizações.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Onze obì
Uma galinha
Um pombo
Oferendas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de ìgbín evidencia o aspecto ûrö desse ëbö, além da força de Òñàlá
nesse caminho de Îkànràn.

b) Segundo o ìtan serão necessárias oferendas ao Òkè Ìpînrí do consulente para que as bênçãos
abordadas no ìtan possam de fato se manifestar. A complexidade do termo "Ìpînrí" abre a possibilidade de
oferendas a um Òrìñà que acompanhe a pessoa, à sua ancestralidade, e principalmente, a Orí. O ìtan ensina
que tal oferenda é composta pelos obì citados, e por um guisado de galinha. A presença de Öbalúfîn no ìtan
dá a entender que tal guisado deve ser preparado "nos caminhos" de Òñàlá. É muito provável que esse
Òrìñà seja um dos componentes do Ìpînrí do consulente. Caberá ao awolòrìñà definir qual (ou quais)
elemento do Ìpînrí do consulente deverá receber tal oferenda.

c) A presença de obì revela traços de espiritualidade, ou necessidade de sabedoria.

d) O ëbö foi feito para que Öbalúfîn pudesse ter filhos. Logo, está relacionado a realizações em
geral.

21
Îkànràn 2

Ëtù (galinha d'angola) desejava muito ter filhos. Imbuída de tal propósito ela resolveu consultar
Ìfá. Os babalawo disseram que uma oferenda era o que ela deveria fazer. Tal oferenda continha uma roupa
tingida, entre outros elementos. Ëtù fez a oferenda prescrita e conseguiu atingir seus objetivos, tendo vários
filhos e atingindo grande felicidade com isso.

22
"Ëtù procurava por águas, quando lhe faltava filhos". A simbologia de "águas" é bastante ampla,
mas nesse caso específico pode-se considerar a hipótese do termo referir-se à natureza material e sua
abundância. A maioria das divindades iorubanas ligadas às águas é feminina e está relacionada à riqueza
(Ajè, Îñun, etc.). Pode-se então supor que Ëtù procurava por estabilidade material para poder ter seus filhos.
Essa prudência também aparece num caminho de Ògúndá, dando credibilidade a essa possibilidade, uma
vez que há procedência. Em seu aspecto negativo, é provável que esse Odù represente frustrações, pois o
personagem não possuía filhos; e isso é algo consideravelmente triste perante a ponto de vista ioruba.
Mesmo que tal aspecto represente a realidade do consulente, também é importante ter em mente que Ëtù
consegue ter os filhos que tanto desejava, o que dá a esse caminho de Îkànràn características de
consideráveis realizações pessoais.

"Ela deveria pegar os obì e oferecê-los a Òrìñà". Quando o termo "Òrìñà" designa apenas um
ser, na maioria das vezes refere-se a Òñàlá. Como aparece no ìtan, os obì apresentados no ëbö devem ser
oferecidos a Òñàlá posteriormente. Tal fato evidencia que esse Òrìñà está diretamente ligado as bênçãos
que poderão atingir o consulente nesse caminho de Odù. Devido a essa passagem e a toda estrutura do
ìtan, é bem provável que essa pessoa já seja iniciada, ou pelo menos deveria ser.

"Depois de um tempo, Ëtù começou a ter filhos. Ìfá diz que vocês viverão numa abundância de
filhos". O ìtan é bastante simples; baseia-se no desejo e na obtenção de muitos filhos. Além de seu aspecto
literal, "Filhos" podem ser entendidos de diversas maneiras, quer seja por emancipação, realizações em
geral, profunda felicidade, etc. Caberá ao awolòrìñà definir qual o aspecto de "Filhos" que melhor condiz à
realidade do consulente. Merece destaque a parte que se refere a tempo. Tal detalhe pode significar que
não será de imediato que a pessoa conseguirá atingir seus objetivos. Logo, será necessária paciência e fé.
Mas como Òrìñà não mente, é só uma questão de tempo até a pessoa conseguir a bênção de filhos citada
no ìtan, desde que faça o que Ìfá determinar, é óbvio.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Onze obì
Um galo
Uma roupa tingida (colorida).

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas tingidas (ou coloridas) é comum em ëbö relacionados a filhos.


Coincidentemente ou não, as tiras coloridas são usadas nos rituais a Ìbejì. A roupa deve ser usada durante o
ëbö. Devido a esse detalhe o aspecto literal de "filhos" ganha destaque em relação às possibilidades

23
metafóricas. Devido a esse pormenor, seriam prudentes consultas para verificar se há algum problema com
os filhos (ou pessoas muito próximas) ao consulente. Em caminhos de Odù com mensagens semelhantes,
são tecidos, e não propriamente roupas que são ofertados. Como roupas invariavelmente representam a
própria personalidade do consulente, e oferecê-las simboliza abrir mão de determinados aspectos dessa
personalidade, é possível que sejam necessárias alterações comportamentais para que as bênçãos em
questão possam de fato se manifestar.

b) Os obì devem ser oferecidos a Òñàlá. No ìtan aparece: "Ëtù juntou obì e foi a Òrìñà". Não
apenas Salàkï, mas também outros autores usam a palavra "Òrìñà" para designar Òñàlá. A própria estrutura
do ìtan e do ëbö sugere que a divindade que recebeu o obì seja Òñàlá. Graças a isso seriam prudentes
consultas sobre a necessidade de um culto a esse Òrìñà, tanto para o consulente como para os seus filhos,
atuais ou vindouros. O Importante é ter em mente que o àñë desse Òrìñà é imprescindível para a
manifestação das bênçãos citadas no ìtan.

24
Îkànràn 3

Houve ume época em que Olófin resolveu consultar Ìfá, pois estava prestes a fazer uma viagem
até a cidade de Irëje. Os adivinhos aconselharam a Baba fazer uma oferenda para que tudo desse certo na
viagem que faria até a cidade de Irëje. Graças a tal oferenda, ele se tornou a pessoa a quem todos serviam
em Irëje; atingindo assim todos os seus objetivos para aquela viagem, além de gozar de considerável
prestígio perante os habitantes de Irëje.

"O que Baba deveria fazer para obter glórias em Irëje?" Merece destaque nesse Odù o fato de
Olófin estar mudando de uma cidade para outra, e o seu desejo de que tudo corresse bem nessa nova
cidade. Obviamente que mudanças literais de cidade devem ser consideradas, mas não é prudente
negligenciar outros tipos de mudanças que podem ser consideravelmente benéficas na vida do consulente.
Como uma mudança de cidade pode ser considerada como algo radical, que muda os rumos da vida de
uma pessoa, as outras mudanças a serem consideradas também devem ter tais características, o que abre a
possibilidade de alterações de emprego, projetos na vida, etc. O importante é considerar esse Odù como
benéfico para mudanças, independentemente da natureza das mesmas.

"Ele era aquele que as pessoas serviam em Irëje". Essa passagem mostra que as relações
interpessoais estão diretamente associadas ao conceito de "tudo correr bem" que aparece no ìtan. A
natureza patriarcal de Olófin aponta para a capacidade de formar opiniões, de liderança e amizade. Tal
passagem também aponta para a possibilidade de se atingir uma posição de destaque e considerável
liderança quando Îkànràn aparece nesse caminho.

25
"Ele conseguiu tudo o que queria no àiyé". Essa passagem mostra o poder de realização que há
nesse caminho de Îkànràn. Pode-se supor que o êxito nesse Odù tende a trazer benefícios em todos os
aspectos da vida. Tais bênçãos certamente atingirão o consulente, se as demais informações trazidas por
Îkànràn nesse caminho forem seguidas à risca.

"Oferecer ëbö é o que ajuda alguém. Não oferecer não ajuda ninguém". Essa passagem explana
com considerável clareza o pensamento ioruba sobre a questão dos ëbö. Como o àñë de Òñàlá geralmente
é expansivo a outras pessoas, pode-se esperar que outros sejam diretamente beneficiados pelas bênçãos
que podem se manifestar na vida do consulente.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Uma galinha
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) Tanto o ìgbín como o tecido branco evidenciam a grande força de Òñàlá nesse caminho de
Îkànràn. É óbvio que tal oferenda tende à manifestação de àñë ûrö.

b) A presença de tecido geralmente aponta para alguma influência dos filhos ou ancestrais na
situação. Seria prudente checar tal possibilidade.

c) O ëbö foi feito com a finalidade de atingir sucesso e prosperidade numa outra cidade, ou em
qualquer situação onde o novo esteja presente.

Îkànràn 4

Numa determinada ocasião resolveu consultar oráculo um senhor chamado Elèñù (sacerdote de
Èñù), da cidade de Buko, que era muito rico. Os babalawo disseram que ele deveria parar de "sacrificar por
honra" e deveria fazer um "ëbö por filhos". Elèñù seguiu o conselho de Ìfá e fez um ëbö que visava ter filhos.
Os filhos esperados chegaram, e Elèñù regozijou com os mesmos.

"Ìfá diz que uma bênção de filhos é o que virá". Filhos representam a grande força nesse
caminho de Îkànràn. A presença de tal bênção abre a possibilidade de amplas realizações na vida do
consulente, pois um dos significados simbólicos de filhos é a possibilidade de realizações em geral, mas
26
sempre de caráter benéfico. É importante ter em mente que "filhos" sempre podem ser considerados como
um bom presságio.

"Ele deveria parar de sacrificar por honra, e deveria sacrificar por filhos". Essa passagem parece
uma alusão à necessidade de restabelecer prioridades na vida. Ao que parece, atitudes que tragam
benefícios apenas à própria personalidade e à honra pessoal (como trabalhos, viagens, projetos, etc.),
devem ficar num plano secundário. O momento seria de priorizar os filhos, e por extensão, a família. Montar
ou fortalecer a família pode ser considerado prioridade, e os filhos deverão ser à base das atitudes.

"Ele começou a ter filhos. Seus filhos eram incalculáveis". A aparição de filhos no ìtan revela que
esse caminho de Îkànràn pode ser visto com grande potencial para realizações em geral. Talvez fosse
prudente considerar a hipótese de futuros filhos, independentemente das questões alegóricas ou
metafóricas. A presença de "filhos" nos ìtan sempre torna prudente a realização de consultas para saber se
há algum problema com os filhos do consulente.

"Consultaram Ìfá para Elèñù, da cidade de Buko". A presença de um sacerdote de Èñù no ìtan é
muito sugestiva, pois todos sabem que a família não possui muita força no arquétipo desse Òrìñà. Nos
mitos ele aparece sempre solteiro e sem filhos. É exatamente essa a postura a ser evitada nesse caminho de
Îkànràn.

"Elèñù tinha dinheiro. Ele tinha muito dinheiro". Essa passagem mostra as chances de atingir
considerável prosperidade sob a influência desse Odù. Importante salientar que mesmo Elèñù tendo
dinheiro, ele fez o ëbö para que pudesse ter filhos. Devido a tal fato pode-se considerar a hipótese de algo
muito importante (que até pode ser filhos) esteja faltando na vida do consulente para proporcionar-lhe real
felicidade. Em caso de confirmação de Ìfá, caberá ao awolòrìñà tentar definir o que seria esse "algo".

"Ele deveria pegar os obì e os ìgbín e ir a Òrìñà". Essa passagem evidencia a necessidade do
consulente em aproximar-se de Òrìñà. É possível que apenas através de tal aproximação seja possível a
manifestação das bênçãos citadas nesse caminho de Odù. O uso da palavra “Òrìñà” para definir apenas
um ser geralmente se refere a Òñàlá. Tais fatores tornam relevante a necessidade de definir se tal
aproximação significa iniciação, obrigação ou algo semelhante.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Onze obì
Um ëmö
Um galo
Um pombo

27
Uma roupa

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores em oferenda sugere uma certa negatividade, além do potencial para
reversão da mesma, em virtude do simbolismo de rápida multiplicação dessa classe de animais. Baseando-
se no ìtan, pode-se supor que tal negatividade esteja relacionada à família, ou até mesmo a um desejo não
realizado do consulente. A possibilidade de problemas de fertilidade (ou sexuais) também não deve ser
negligenciada.

b) Roupas geralmente significam a necessidade de alteração comportamental, com o intuito de


adequar as atitudes às informações trazidas por Îkànràn nesse caminho. Sem tais alterações
comportamentais, certamente as bênçãos abordadas no ìtan não se manifestarão.

c) O ìtan diz que os ìgbín e os obì devem ser oferecidos a Òrìñà. ìgbín evidenciam a necessidade
de calma e tranqüilidade para tomar as melhores decisões possíveis. Veiculam também o àñë de Òñàlá,
intimamente ligado à calma e à formação de novos seres. Pelo grande número de ìgbín que devem ser
oferecidos a Òñàlá, e por essa ser uma prática incomum no Candomblé, abre-se a possibilidade de parte
dos ìgbín serem oferecidos ao próprio Îkànràn durante o ëbö. Caberá ao awolòrìñà definir tal possibilidade.

d) obì geralmente representa a presença (ou necessidade) de sabedoria e equilíbrio, além de


evidenciar traços de espiritualidade. Também é um sinal de que o Orí do consulente deverá participar
ativamente da oferenda, para que a mesma favoreça a manifestação das bênçãos citadas no ìtan.

e) O ëbö foi feito com o intuito de conseguir filhos. Logo, está ligado a realizações em geral.

28
Îkànràn 5

Certa vez existiu uma pequena cidade cujo nome era Igboho Mörö. O povo dessa cidade vivia em
profunda melancolia, com a vida atrapalhada e triste, pois suas bênçãos "voavam para longe, como
pássaros". Eles fizeram uma grande e complexa oferenda, e suas bênçãos começaram a retornar. Eles
começaram a ter muitos filhos e dinheiros, e puderam desfrutar de considerável felicidade.

"Consultaram Ìfá para o povo de Igboho Mörö, quando as bênçãos deles voavam para longe,
como pássaros". Perdas constituem a principal mensagem trazida por Îkànràn nesse caminho. É óbvio que
fazendo a oferenda prescrita, tal período de perdas terminará, mas seria ainda mais prudente se o awolòrìñà
tentasse determinar a origem de tais infortúnios; pois se essas possuem origem espiritual (o que é bem
provável, em se tratando de Îkànràn), certamente o culto de algum Òrìñà (ou mudanças no culto já
prestado, se o consulente for iniciado) favorecerá para que tais períodos de perdas não retornem. Também
merece destaque o fato da consulta citada no ìtan ter sido feita por uma cidade, e não apenas por um
indivíduo. Tal fato abre a possibilidade de outras pessoas estarem envolvidas nos problemas citados no ìtan.

"Todas as coisas que essa pessoa perdeu, Ìfá diz que estão voltando". Apesar desse ser um
período de perdas, essa passagem evidencia que tal período terminará, se todas as determinações de Ìfá
forem seguidas à risca. Essa possibilidade de mudanças é o que caracteriza o aspecto positivo desse
caminho de Îkànràn.

"O povo de Igboho Mörö voltou a ter filhos, eles estavam ficando ricos. As bênçãos voltaram".
Essa passagem confirma a clara a possibilidade de interromper a fase de perdas e voltar a desfrutar de
bênçãos. Graças a esse fato, não é aconselhável que o consulente mantenha um estado psicológico de
desânimo, pois isso só dificultaria a reversão da situação. Como o próprio ìtan mostra, a fase que se segue

29
às perdas será de consideráveis realizações. Até mesmo a prosperidade poderá ser esperada, o que
evidencia as citações sobre riquezas.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Um ëmö
Um òkété
Um galo
Uma galinha
Um tecido branco
Um pombo
Muito azeite de dendê.

Comentários sobre o ëbö

a) O que mais impressiona no ëbö é o volume e a diversidade. Uma oferenda com essas
características é um indicativo da gravidade da situação de perdas.

b) Embora ìgbín seja a mais comum das oferendas a Îkànràn, é óbvio que sua presença em tal
proporção visa intensificar o àñë necessário para a resolução adequada das questões expostas no ìtan.

c) A presença de roedores evidencia considerável negatividade, além da possibilidade de


reversão da mesma, em virtude do simbolismo de rápida multiplicação dessa classe de animais. O fato de
haver duas espécies de roedores pode ser um indício de que as perdas podem se manifestar em mais de um
aspecto.

d) No Brasil é comum cobrir com um pano branco algo sagrado para que não haja profanação; e
também coisas impuras, para que essas não contaminem o ambiente. A segunda hipótese é mais provável
nesse caso. Também é bom ter em mente que a presença de tecidos em ëbö geralmente possuiu alguma
relação com a descendência ou ancestralidade. Seria prudente a realização de consultas como o intuito de
saber se algum desses fatores da espiritualidade do consulente merece cuidado especial.

e) São comuns oferendas com dendê aos Ajogún, Àjý, etc., com o objetivo de aplacar a ira dos
mesmos. Embora as perdas não sejam citadas no ìtan como um Ajogún, deve-se considerar a hipótese da
presença dos mesmos, além das óbvias possibilidades de kanbùrùkù (feitiços).

30
f) O ëbö foi feito com o intuito de cessar uma fase de perdas, e reiniciar uma fase amplamente
satisfatória, principalmente no âmbito material.

31
Îkànràn 6

Caminho de Îkànràn que narra a história do povo de Igboho Mörö, que fazia seus ëbö em locais
inadequados. Por essa razão todas as oferendas que eles faziam não surtiam o efeito desejado. A vida deles
ficou muito difícil, e a infelicidade predominou no dia a dia. Até que eles foram orientados por um babalawo
a consagrar os espaços que usavam para efetuar suas oferendas. Após eles começarem a consagrar
devidamente os espaços para as oferendas, a vida deles começou a mudar satisfatoriamente. Enfim eles
conheceram a abundância e a felicidade.

"Disseram para que tivessem cuidado com os locais de ëbö; para que estabelecessem um local
para isso". A necessidade de um local adequado para efetuar ëbö é a tônica desse caminho de Îkànràn. Esse
fato não só evidencia a necessidade de consagrar locais para o culto, como pode ser uma alusão à
necessidade de iniciação e até de se desvincular de uma casa que teoricamente não esteja oferecendo o àñë
necessário ao desenvolvimento espiritual. É óbvio que pela gravidade de tais hipóteses, é mais do que
prudente que o awolòrìñà faça as devidas consultas, antes de externá-las ao consulente. A idéia de fazer
ëbö em locais errados também pode ser interpretada (dependendo do caso, é óbvio) como erros rituais,
segundo o dito popular "quem não sabe rezar ofende a Deus". Seria prudente, no caso de consulente
iniciado, checar a validade das obrigações já recebidas, ou se o mesmo encontra-se na casa de Òrìñà
adequada a seu Orí; ou ainda se não é tempo de cumprir obrigações rituais perante Òrìñà.

"Ìfá diz que essa pessoa deve oferecer um ëbö aos pés de uma árvore, para que ela possa ter
àñë". O povo de Igboho Mörö fez o ëbö aos pés de um PèrEgún. Oferendas feitas a árvores evidenciam o
caráter de ancestralidade desse caminho de Îkànràn, pois árvores constituem um dos mais significativos
símbolos de ancestralidade. Em relação à citação de PèrEgún, alguns autores o apresentam
semelhantemente ao Ìrokò, ou seja, uma árvore em cujo interior habita um Ìwín (espírito). Apesar de existir a
possibilidade dessa oferenda ter sido feita a esse Ìwín (ou para ancestrais, através do Ìwín), é muito mais
provável que a oferenda tenha apenas um caráter sacralizador, por tornar consagrado o espaço cercado por
PèrEgún, que é muito conhecido por ser uma "cerca ritual viva". A parte que fala sobre àñë evidencia que a
ancestralidade do consulente está diretamente relacionada ao seu àñë pessoal; ou seja, à sua capacidade de
realizar aquilo que idealiza. Perante tal ponto de vista, tornam-se prudentes consultas para saber se os
ancestrais do consulente têm alguma mensagem para o mesmo.

"O povo de Igboho Mörö; tudo o que eles viam, eles saíam fazendo". É possível que tal
passagem caracterize os típicos "Fura Roncó", infelizmente tão comuns no Candomblé. Também é possível
que o consulente seja de Candomblé, mas não se decida sobre qual o àñë deve seguir, por isso executa
vários ritos de diferentes raízes, sem uma idéia clara sobre nenhum deles. Toda estrutura do ìtan evidencia
que tal prática é desaconselhável e perigosa. Os mais antigos do Candomblé sempre afirmam que tal
atitude "atrasa a vida", e esse caminho de Îkànràn é uma confirmação da sabedoria dos Antigos.

"Devido a eles não terem um local para ëbö, eles perceberam que as coisas não estavam boas".
Tal passagem pode ser interpretada de diversas maneiras. Não ter um local para efetuar oferendas pode

32
significar não pertencer a um ëgbý Òrìñà (a um terreiro de Candomblé). Se tal for a opção que melhor
convenha à realidade do consulente, ficará evidenciada a necessidade de iniciação (ou obrigação). Outra
hipótese já abordada é a possibilidade do consulente não estar na casa apropriada ao seu desenvolvimento
pessoal. Graças a todas essas opções, caberá ao awolòrìñà definir o que significa para o consulente não ter
um local para efetuar oferendas; tendo em vista que essa foi a raiz dos males que atingiram o povo de
Igboho Mörö.

"Eles foram até o túmulo de seus ancestrais e plantaram îdúndún lá". Essa foi a primeira coisa
que o povo de Igboho Mörö fez para harmonizar a situação. Esse fato confirma a importância dos ancestrais
nas futuras decisões do consulente, e nas bênçãos que poderão chegar ao mesmo. Mostra também a
necessidade de cultuar a memória dos ancestres e reverenciá-los enquanto vivos. Coincidentemente ou
não, a folha plantada é îdúndún, de características ûrö e espiritualizantes, reforçando a idéia de que os
ancestrais têm influência sobre a espiritualização e o bem estar do consulente.

"Vocês me verão numa abundância de bênçãos". A idéia é de que ao encontrar o local e a forma
correta para efetuar os ëbö, bênçãos virão. Tais bênçãos não estão explícitas no ìtan, mas pode-se esperar
por consideráveis benefícios.

"E também deveriam fazer oferendas a Òkè Ìpînrí". O Ìpînrí de um indivíduo é formado pela
substância mítica de onde sua personalidade é moldada (água, terra, pedra, madeira, etc.); mas também
pode representar as divindades que devem ser cultuadas, os ancestrais, o Odù e o próprio Orí do indivíduo.
Caberá ao awolòrìñà definir qual desses importantes elementos devem receber oferendas, para que seja
possível harmonizar a vida do consulente. A necessidade de plantar îdúndún no túmulo dos ancestrais pode
ser uma dica, pois é muito conhecido o fato de que essa folha e os ancestrais se combinam em um rito
muito importante, o böri.

"Determinem um local para fazer as oferendas, e a riqueza virá. Determinem um local para
fazer as oferendas, e a sabedoria virá”. Finalmente, essa passagem evidencia que ao acertar os detalhes
referentes ao local onde efetuar os sacrifícios, o consulente poderá esperar por consideráveis bênçãos em
sua vida. Merece destaque a citação sobre sabedoria. Tal fato mostra que quando esse caminho de Îkànràn
está presente, não é apenas a prosperidade material que pode ser considerada como bênção.

Ëbö

Vinte e dois búzios


Onze ìgbín
Onze obì
Um galo
Um pombo

33
Comentários sobre o ëbö

a) É óbvio que essa quantidade ìgbín atrairá àñë ûrö para o consulente. É importante ter em
mente que para o ioruba, "Frio" significa, tranqüilo, fresco e propício; e uma situação com tais características
é o que consulente está precisando.

b) Obì em ëbö simboliza a presença ou necessidade de sabedoria. Pode também evidenciar


traços de espiritualidade, alem de deixar claro que o Orí do consulente participará ativamente do sucesso da
oferenda.

c) Liturgicamente o ìtan ensina que locais de culto devem ser cercados por PèrEgún. Esses por sua
vez devem ser consagrados com oferendas.

d) O ëbö não estará completo sem oferendas a Òkè Ìpînrí do consulente.

e) A finalidade do ëbö é ampla. Além de atrair realizações e prosperidade, tal ëbö também visa
encontrar um contexto (ou local) que torne propícias as futuras oferendas do consulente.

f) Não se pode esquecer que além do ëbö, será preciso que o consulente plante uma muda de
îdúndún no túmulo de um de seus ancestrais. Se isso não for possível, caberá ao awolòrìñà, através de seu
conhecimento e bom senso, definir o que poderá ser feito a respeito.

Îkànràn 7

Mögade Èñù (criança que sobe na coroa de Èñù) era o nome de uma criança, cuja mãe era uma
das esposas de um poderoso rei. Para a infelicidade de Mögade, sua mãe faleceu, deixando-lhe como
herança um pote repleto de contas preciosas. Mas Mögade Èñù não pôde desfrutar de sua herança, pois ou
outros filhos seu pai diziam que tal pote não havia pertencido à sua mãe; que já estava no palácio quando
essa se casou com o rei. Mögade insistiu em permanecer com a herança que sua mãe havia lhe deixado.
Graças a isso ela foi vítima de feitiços, que lhe fizeram cair os braços e pernas. Mögade acabou enfeitiçada, e
ao tentar fugir se transformou numa árvore no meio da floresta. Ela não pôde desfrutar da herança de sua
mãe, e ainda acabou tendo esse triste fim.

"Ìfá diz que devemos prestar atenção a uma pessoa que luta por sua herança". Heranças são a
tônica desse caminho. Como esse é um assunto muito complexo no Candomblé, além do sentido literal de
herança, seria prudente considerar a hipótese da necessidade de um culto especial a algum Òrìñà ou
ancestral da linhagem do consulente. É óbvio que tal possibilidade interpretativa não deve obliterar a clara
possibilidade de heranças literais.

34
"Consultaram Ìfá para Mögade Èñù (criança que sobe na coroa de Èñù), que era filha do Öni
(rei de Ifë)". Mögade era filha de uma das esposas do rei. Na sociedade iorubana de outrora, as mulheres
saíam da casa onde nasciam para a casa do marido, mas não eram consideradas como membros da nova
família, e sim como estrangeiras. Há um ar de tristeza e sofrimento na história de Mögade, pois após a
morte de sua mãe ela sofreu muito nas mãos das outras pessoas da casa. Esse fato talvez aponte para um
estado interno de sofrimento, desamparo e incompreensão. O fato de Èñù fazer parte do nome de Mögade
abre a possibilidade desse Ëböra ser um fator de auxílio nesse Odù. Obviamente tal possibilidade deverá ser
confirmada por Ìfá.

"Chegou o dia em que a mãe dela morreu; e ela herdou um pote cheio de contas". Graças a
essa passagem, há de se considerar a hipótese de mortes na família. Mais uma vez aparece uma citação
sobre a herança, e os comentários já feitos a respeito se encaixam nessa nova aparição.

"Sim; é a herança da mãe dela. São vários ìlûkû, que lhe foram dados para que ela não
morresse, para que não fosse falsa e nem ficasse nervosa". Essa passagem evidencia a influência ancestral
feminina na vida do consulente. Importante observar que o legado em questão favorecerá vários aspectos
da vida do mesmo.

"Aquele que perdeu as mãos e os pés, não tem mais nada a perder". Essa passagem
aparentemente fala das perdas de Mögade, tanto a de sua mãe como da herança. Dá um certo ar
pessimista, como "besteira pouca é bobagem". Seriam prudentes consultas sobre prováveis perdas
generalizadas, inclusive na família. Também há citações de doenças no ìtan. Levando em consideração que
males se instalaram nos membros de Mögade, seriam prudentes cuidados especiais em relação aos braços
e pernas. De qualquer forma, a passagem acima evidencia um caráter consideravelmente negativo, e tal fato
deixa claro que o awolòrìñà deverá empenhar todo seu conhecimento para auxiliar o consulente.

"Ela disse, ‘Esses ìlûkû eram de minha mãe’. Seus irmãos disseram, ‘Não eram de sua mãe.
Ela já os encontrou aqui’". Os irmãos de Mögade questionavam o direito dela de herdar as contas (aqui
representado riquezas) que sua mãe havia lhe deixado. Graças a esse fato, pode-se esperar por empecilhos
e até por ações judiciais em relação à herança em questão. Como já ficou evidente, esse caminho de Îkànràn
é de considerável dificuldade.

"Eles pegaram o pote e passaram ògùn (Infusão de folhas. Nesse caso, um feitiço) em sua
boca. Quando Mögade foi pegar o pote, o ògùn fez efeito e suas mãos caíram". Claramente puseram um
feitiço à base de folhas no pote. Esse fato indica a possibilidade de feitiços, tramóias, conspiração e roubo. A
perda dos membros superiores evidencia a negatividade desse Odù, e também pode gerar uma idéia de
impotência perante a situação.

"Ela tentou correr, mas transformou-se numa árvore no meio da floresta; a árvore que
chamamos de Ñibo". Essa é a derradeira passagem que mostra a triste sina de Mögade. A morte da mãe, a
herança e a árvore são indícios de ancestralidade. É mais um sinal de que talvez os ancestrais do consulente

35
tenham alguma mensagem, sendo prudente checar essa possibilidade. No ìtan é dito que a árvore Ñibo é
associada ao mamoeiro.

"Mögade Èñù, criança que usa sëgi como remédio contra doenças". Ao que parece, as contas
que Mögade herdou deveriam protegê-la de malefícios. Essa idéia é comum entre os hindus, que usam
vários tipos de jóias como amuletos astrológicos para proteção pessoal (vide Autobiografia de um Yogi, de
Paramahansa Yogananda). Liturgicamente é importante salientar essa importante propriedade do sëgi, uma
pedra muito usada no culto de alguns Òrìñà. Como Mögade não chegou a herdar as contas de sua mãe, não
teve como evitar todos os males que recaíram sobre ela. Sob consentimento de Ìfá, o consulente poderá
usar durante algum tempo um ornamento à base de sëgì, como proteção espiritual contra todos os maus
augúrios inerentes a esse caminho de Îkànràn.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) O ìtan sugere apenas conselhos, embora sejam consideráveis as chances de doenças futuras. A
presença de ògùn e as citações de doenças sugerem isso. Talvez por isso seja prudente que o awolòrìñà
utilize seus conhecimentos para ajudar o consulente, no caso de futuras perdas ou doenças. Utilizar um
colar de sëgi seria uma ótima forma de minimizar os infortúnios que poderão ocorrer. No entanto o ìtan diz
que após a transformação de Mögade em árvore, "Os outros filhos do rei dançavam e regozijavam.
Louvavam os babalawo, e os babalawo louvavam Òrìñà". Devido a tal passagem, pode-se supor que a
preparação do feitiço colocado na boca do pote foi orientada por um sacerdote. No caso do consulente
identificar-se com os irmãos de Mögade, e não com o personagem principal, fica evidente a possibilidade
de ajudá-lo a frustrar os planos de alguém. É preciso que fique claro que essa seria uma atitude eticamente
repugnante, e que o objetivo de tal obra afasta-se por completo de tais práticas.

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Îyûkú (Ejì Oko)

Considerações gerais

Antes de quaisquer comentários a respeito desse Odù, é preciso salientar que o termo Ejì Oko é
muito conhecido no mundo ioruba da divinação, mas sempre correspondendo a um “apelido” do Odù
Ògúndá Meji. O autor desconhece as razões que levaram Salàkï a usar o termo em questão para designar
aquele que parece ser Îyûkú Meji. Por essas razões e para evitar maiores confusões, passarei a adotar o
termo Îyûkú daqui para frente, ao invés de Ejì Oko.
Na versão de Salàkï, Îyûkú é um Odù com poucos caminhos. Em razão disso aborda um número
pequeno de assuntos, embora alguns mereçam um certo destaque. Mas apesar de curto, Îyûkú traz
importantes mensagens.
A prosperidade é o assunto que mais aparece em Îyûkú. Graças a esse fato o normal seria que sob
esse Odù não ocorressem dificuldades materiais consideráveis, pois em nenhum momento a pobreza
aparece em seus caminhos. Apesar de não haver grandes dificuldades materiais nesse Odù, são
consideráveis as chances de ocorrerem dívidas, por isso é sempre prudente manter-se nos limites da
própria carteira. Mas não se deve esquecer que o normal é que em Îyûkú a vida seja relativamente tranqüila
em seu aspecto material, havendo até a chance de se atingir a riqueza.
Outro assunto importante em Îyûkú é a autoconfiança. É bem provável que sob a influência desse
Odù a pessoa possua um grande poder de realização, que unido à força de vontade e à consciência do
próprio potencial, podem fazer milagres.
A discrição também aparece com muita força em Îyûkú, mais do que em qualquer outro Odù.
Manter a boca fechada, não falar sobre si mesmo e não se expor desnecessariamente são atitudes
importantes para a própria segurança, e até para a prosperidade. Ser discreto será algo mais do que
necessário.
A ancestralidade em Îyûkú também merece destaque, pois há constantes aparições de árvores em
seus caminhos. Uma ancestralidade representada por árvores simboliza a integração à essência ancestral,
pois são ramos, galhos e nervuras que melhor representam os ancestrais no Candomblé.
Outra característica de Îyûkú é a possibilidade de ocorrerem prejuízos ou traições causadas por
pessoas próximas. Não raro, haverá dinheiro envolvido em tais problemas. Esse fato harmoniza-se com a
informação de não se expor quando Îyûkú aparece no àtë. Graças a todos esses fatores, as amizades nesse

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Odù tendem a ser poucas, e mesmo assim devem ser muito bem selecionadas. O importante é ter em
mente que podem ocorrer perdas quando esse Odù estiver presente.
São poucas as citações sobre casamentos, e mesmos "filhos" só aparecem em um caminho de
Îyûkú. Definitivamente a vida familiar parece não ter grande força nesse Odù. É provável que o trabalho e
outras atividades sejam a prioridade na vida da pessoa “afilhada” de Îyûkú, em detrimento à vida familiar.
Também não há citações sobre doenças, o que pode caracterizar boa saúde. Apesar de só
aparecer em um caminho (e teoricamente não deveria constar em "considerações gerais"), merece destaque
o fator "bondade", pois em nenhum outro Odù esse importante elemento de espiritualidade aparece com
tanta força. Em Îyûkú a bondade aparece em forma de caridade, acompanhada de uma profunda ética que
não admite interesses egoístas por trás de ações caridosas. Esse assunto é tão positivo e espiritualizante que
merece destaque especial, pois auxilia o despertar de elevadas potencialidades da alma.
Outro assunto que teoricamente não deveria constar em "Considerações Gerais" é a necessidade
de não fugir ao sofrimento, na certeza de que bons frutos surgirão através dele. Esse fato aproxima-se da
metáfora ocultista que diz que antes da semente ser árvore, ela deve sentir as dores do brotar. Tanto essa
aceitação dinâmica quanto a caridade fazem de Îyûkú um Odù de considerável espiritualidade.
O trabalho também aparece nos caminhos de Îyûkú. O que precisa ser destacado em relação a
esse ponto é que nos mesmos caminhos em que o trabalho aparece, também está presente considerável
prosperidade e chances de ascensão social. Tal fato dá a entender que poderá ser através do trabalho (ou
do ambiente profissional) que a pessoa conseguirá as melhores oportunidades em sua vida.
Em quase metade dos caminhos de Îyûkú aparece o termo Òkè Ìpînrí. Somente através da ação
ritual é que o Ìpînrí de alguém pode ser favorecido com àñë. Logo pode-se considerar as aparições de Îyûkú
como um indicativo de necessidade de iniciação ou de fortalecimento do àñë pessoal, caso o consulente já
seja iniciado. Esse importante detalhe reforça os ares de espiritualidade desse Odù.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Èñù
b) Ñàngó
c) Orí

Presente a Îyûkú

Vinte e quatro búzios


Um galo
Um pombo
Seis pedras
Seis òrògbò
Comidas e bebidas (a serem definidas), etc.

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Îyûkú 1

Nos primórdios da criação existiu um lavrador chamado Aganna, que era um estrangeiro na
cidade de Òkò. Ele formou uma lavoura ao lado da estrada, e dessa lavoura ele oferecia alimentos e dinheiro
emprestado a quem precisasse. Com a morte do rei da cidade, criou-se um impasse sobre quem deveria ser
o novo monarca. O passado de bondades de Aganna fez com que seu nome surgisse naturalmente entre os
preferidos, até que de fato ele foi feito rei. Foi a bondade de Aganna que ao transformou num poderoso
monarca.

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"Fazendo bondades com más intenções, as causas da bondade são injustificáveis". Essa
passagem faz lembrar o Evangelho e o Bhagavad Gita. Ambas as escrituras mostram que a bondade deve
ser espontânea, não visando benefícios pessoais. É um ensinamento de profunda ética religiosa. Tal
passagem evidencia que não é aconselhável a atitude benevolente apenas com o desejo de desfrutar as
bênçãos prometidas por Îyûkú nesse caminho.

"Aganna era um estrangeiro em Òkò". Importante salientar a posição de Aganna como


estrangeiro. Graças a tal fato é possível que essa seja a real situação do consulente perante um quadro
específico, ou pelo menos ser essa a impressão do mesmo sobre sua realidade. "Estrangeiro" também pode
significar alguém que não faça parte de um contexto preestabelecido. Pode significar a relação do
consulente com alguma situação nova; ou ainda, a possibilidade de conseguir melhores chances de
prosperar numa outra cidade, e não onde o mesmo viva atualmente. É óbvio que cada uma de tais
possibilidades deverá ser confirmada por Ìfá antes de ser externada ao consulente.

"Ele montou uma lavoura ao lado da estrada. Se alguém passasse por lá, ele lhe dava alguma
coisa. Independentemente do que ele tivesse, ele sempre agia assim". Segundo o ìtan, sempre que
alguém passava pela lavoura de Aganna, recebia algum presente. Graças a esse fato merece destaque a
caridade e benevolência de Aganna, além do fator "lavoura". Como acontece em vários outros mitos
narrados por Salàkï, lavoura é um indício de trabalho. É muito provável que a atividade profissional do
consulente tenha alguma relação com as bênçãos que podem aparecer sob a influência desse Odù.
Também merece destaque a atitude irrestritamente boa de Aganna. Esse é mais um indício de que a
bondade deve ser a tônica comportamental quando Îyûkú aparece nesse caminho.

"Essa pessoa não deve parar de fazer bondades". De acordo com o ìtan, foi a bondade de
Aganna que lhe trouxe felicidades. É clara a idéia de que através da caridade a prosperidade se manifestará.
Apesar disso, deve-se considerar a hipótese metafórica que abre a possibilidade da bondade gerar um
futuro feliz, mesmo que seja espiritualmente.

"Bondade é o que fez Aganna tornar-se Olókò (rei de Òkò)". Como a mentalidade iorubana é
imediatista, seria natural a manifestação da prosperidade graças à bondade e caridade oferecida ao
semelhante.

"Se alguém estivesse precisando de dinheiro, Aganna dava dinheiro a essa pessoa". Não era
apenas doando os produtos de sua lavoura que Aganna ajudava as pessoas que cruzavam seu caminho. A
citação sobre empréstimos evidencia que a ajuda em questão deve ser irrestrita, da maneira que a situação
exigir. É importante ter em mente que ao doar alguma coisa a pessoa "abre um espaço" em sua vida, que
certamente será ocupado por alguma bênção que ele fez por merecer ao agir benevolentemente.

"Aganna tornou-se rico e próspero. Fizeram de Aganna o rei". A prosperidade aparece com
grande força nesse caminho de Îyûkú. Deve-se também considerar a hipótese de ascensão social nesse

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Odù, desde que a benevolência seja a principal característica das atividades do consulente. Essa passagem
confirma aquilo que foi dito acima.

"Somente os Anciões tomavam títulos quando a existência começou". Essa passagem traz uma
importante informação litúrgica. Muitos erros seriam evitados se apenas as pessoas mais antigas e
experientes recebessem títulos honoríficos no Candomblé. Pelo menos é isso que Îyûkú ensina.

"Bondades é o que essa pessoa deve fazer. A maldade não se retribui". Essa passagem apenas
ratifica a importância da bondade nesse caminho de Îyûkú. A citação sobre maldade tem uma importante
mensagem espiritual, evidenciando a necessidade do perdão, ao invés da vingança. Tal fato evidencia que
os ìtan de Mërindílogun têm muito a oferecer no âmbito ético da vida humana.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) A ausência de ëbö é justificável, pois esse caminho de Îyûkú tem um caráter essencialmente
ético, incentivando a espiritualidade caridosa. Para isso será necessária uma atitude visceral por parte do
consulente, e nesse caso um ëbö não faria sentido. O fato de não existir nenhum ëbö prescrito para esse
Odù evidencia que será o próprio consulente, através de suas atitudes, que conseguirá atrair para sua vida
as bênçãos citadas no ìtan.

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Îyûkú 2

Num passado remoto existiu um homem chamado Tëla Òkò, que estava emaranhado em dívidas.
Numa determinada ocasião ele consultou Ìfá, perguntando se algum dia ficaria rico. Para sua feliz surpresa o
babalawo confirmou que um dia a riqueza chegaria em sua vida, mas para tal ele deveria fazer uma
oferenda, que entre outras coisas continha uma bolsa de couro com vários elementos em seu interior.
Também lhe foi dito que quando encontrasse algo de valor, deveria permanecer de boca fechada. Para
saudar seus débitos Tëla Òkò colocou seus serviços à disposição de seu credor. Esse por sua vez definiu que
a dívida em questão seria paga através de trabalho em sua lavoura. O que Tëla Òkò não sabia é que seu
credor costumava guardar seu dinheiro enterrando-o em moitas, próximo à lavoura. Assim que começou a
arar, acidentalmente Tëla Òkò descobriu um baú, em cujo interior estava boa parte das riquezas de seu
credor. Com esse dinheiro Tëla Òkò saudou suas dívidas, e ainda sobrou o bastante para transformá-lo num
homem rico. Após descobrir que seu dinheiro havia sumido, e desconfiado da repentina riqueza de seu
antigo devedor, o credor perguntou de onde havia aparecido a prosperidade que Tëla Òkò demonstrava.
Chegou até a afirmar que o dinheiro de Tëla Òkò lhe pertencia. A lembrança das palavras do babalawo veio
à memória de Tëla Òkò e ele negou, dizendo que aquele era o dinheiro que ele havia encontrado em seu
trabalho. Tëla Òkò é aquele que conhecemos como Ñàngó; e a bolsa que ele ofereceu naqueles dias, é a
bolsa que chamamos de lábà.

"Tëla Òkò disse: Poderei enriquecer em minha vida? Disseram que ele seria rico. Ìfá diz que uma
bênção de dinheiro é o que ele profetiza para essa pessoa". Essa passagem evidencia o desejo de obter
uma vida mais equilibrada, materialmente falando. É óbvio que tais realizações são possíveis, graças a
presença de Ñàngó nesse Odù. A própria palavra do Òrìñà é mais que suficiente para deixar claro que essa
pessoa conseguirá prosperar; desde que as informações trazidas por esse Odù sejam seguidas
corretamente.

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"Tëla Òkò, eu somente, eu e mim mesmo". Ao que parece, a solução dos problemas mostrados
por Ìfá dependerá exclusivamente do consulente. Será necessária autoconfiança, o que justifica a presença
de Ñàngó nesse caminho de Odù, pois esse Ëböra representa muita bem essa qualidade.

"Consultaram Ìfá para Tëla Òkò, quando ele trouxe para casa riquezas da lavoura. Tëla Òkò
estava trabalhando para seu credor, para poder saldar sua dívida". No ìtan, Tëla Òkò está emaranhado em
dívidas. Deve-se então considerar a hipótese de dívidas e dificuldades iniciais, embora haja o potencial de
prosperidade nesse caminho de Ejì Òkò. Também merece destaque o fato de que foi através de seu
trabalho inicial que Tëla Òkò abriu seus caminhos para a resolução satisfatória de seus problemas. Graças a
esse fato pode-se deduzir que o trabalho tenha participação direta na manifestação da prosperidade, além
do fato de citações de lavoura geralmente representarem a importância do trabalho nas questões expostas.

"Seu credor havia enterrado dinheiro entre arbustos. Tëla Òkò desenterrou o dinheiro". Apesar
do trabalho estar diretamente associado ao aparecimento de bênçãos nesse Odù, é necessário destacar a
situação inusitada vivida por Tëla Òkò. É provável que algo novo e inesperado aconteça na vida do
consulente. Nesse caso tal novidade deverá ser bem aproveitada, para que seja possível resolver
satisfatoriamente os atuais problemas (principalmente os materiais).

"Ìfá diz que quando você encontrar algo, deve permanecer com a boca fechada". No ìtan, o
dinheiro encontrado por Tëla Òkò pertencia ao seu credor. Mas antes que se diga que ele deveria devolver
o dinheiro, é bom ter em mente que nada sabemos sobre os complexos movimentos de harmonização
engendrados pelos Odù. Quem poderia saber quais são as reais causas que justificam o conselho de Òrìñà,
uma vez que muito provavelmente essas causas tenham se perdido no suceder de vários àtúnwà
(Renascimentos)? Antes de julgar como incoerentes os conselhos do ìtan, é necessário saber que tais razões
são transcendentes à nossa atual capacidade de compreensão. Por outro lado, o bom senso diz que a
atitude de Tëla Òkò é justificável para esse caminho de Odù. Generalizações seriam perigosas e incoerentes.
Não se deve esquecer a importância da discrição nesse Odù.

"Essa pessoa dever oferecer ëbö a Ñàngó. Como sabemos disso? Tëla Òkò é aquele que
chamamos de Ñàngó". Essa é a passagem que mostra a presença de Ñàngó nesse caminho de Ejì Òkò. A
presença desse Ûbörà atrai mudanças, conquistas, fartura e prosperidade. Graças ao seu comportamento
bélico, também não será surpresa de situações semelhantes a "batalhas" estiverem presentes.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Doze òrògbò
Doze pedras
Um galo
Uma bolsa de couro

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Comentários sobre o ëbö

a) A presença de Ñàngó (justiça, equilíbrio) sugere a idéia de que Tëla Òkò deveria realmente ficar
com o dinheiro. Os òrògbò e as pedras são evidências da influência de Ñàngó nesse caminho de Îyûkú.
Ainda em relação às pedras, muitos mitos as colocam como armas que Ñàngó utiliza para vencer seus
amigos. Em razão desse simbolismo, seria prudente considerar a hipótese de inimigos quando esse Odù se
manifestar.

b) De acordo com o ìtan, duas das doze pedras e todos os òrògbò devem ser guardados na bolsa.
É uma clara alusão ao conteúdo do làbà, além de ser uma forma de estreitar laços com Ñàngó, pois essa
bolsa deve ficar com a pessoa.

c) No ìtan aparece: "Essa pessoa deve fazer oferendas a Ñàngó". Esse fato é mais uma evidência de
que o àñë desse Ëböra é vital para a solução dos problemas apresentados por Ìfá. Logo, o ëbö não estará
completo sem que haja oferendas a Ñàngó. Tais oferendas deverão ser definidas pelo awolòrìñà.

d) O ëbö foi feito para atingir a prosperidade, se livrar de dívidas e para o aproveitamento
satisfatório de uma situação inusitada.

Îyûkú 3

44
Em certa época existiu um rei chamado Òkò Rèsé. Num encontro de reis ele expôs todas as suas
riquezas, como esposas, dinheiro, escravos e cavalos. Mas quando disseram a ele que apresentasse seus
filhos, ele não pode fazê-lo, pois não os possuía. Ele ficou desesperado e foi aconselhado pelos babalawo a
fazer oferendas para resolver tão importante questão. Além do ëbö ele também deveria fazer oferendas a
seu Òkè Ìpînrí. Òkò Rèsé fez as oferendas prescritas e conseguiu inúmeros filhos com todas as suas esposas.
Ao retornar ao encontro de reis, novamente lhe perguntaram sobre suas riquezas. Quando indagaram sobre
seus filhos, Òkò Rèsé expôs orgulhosamente sua prole.

"Consultaram Ìfá para Òkò Rèsé, que era belo e vistoso". O termo "Òkò" aparece em outro
caminho de Îyûkú, relacionado a Ñàngó. É provável que o Òkò Rèsé do ìtan corresponda ao Ëböra da justiça.
O fato de ele ser rei e ter uma aparência marcante ("Belo e vistoso"), reforça tal possibilidade. Caberá ao
awolòrìñà descobrir se Ñàngó está "falando" ou não nesse Odù.

"Òkò Rèsé tinha dinheiro, muito dinheiro. Perguntaram onde estavam suas mulheres, seus
escravos e seus cavalos; e Òkò Rèsé mostrou tudo isso a eles". O ìtan deixa claro que Òkò Rèsé era rico.
Esse fato sugere que dificuldades materiais não serão o maior problema quando Îyûkú aparecer nesse
caminho. Mas o mais provável é que haja carência, ou uma profunda sensação de que algo muito
importante esteja faltando para a felicidade real do consulente.

"Disseram, ‘Òkò Rèsé, onde estão seus filhos?’. Ele não pôde responder". O fato de Òkò Rèsé
ter várias riquezas e não possuir filhos pode ser uma alusão a prováveis carências ou frustrações. Nesse
caso, apesar do ìtan falar sobre filhos, essa provável carência pode estar relacionada a outros fatores da vida
do consulente, além de importância à opinião pública. O ìtan diz que Òkò Rèsé era "belo e vistoso"; mais um
comentário sobre aparência (e vaidade) que reforça o que já foi dito.

"Ele deveria oferecer comida e bebida a seu Òkè Ìpînrí". Essa é uma passagem clássica dos ìtan
narrados por Salàkï. Tais oferendas foram realizadas por Òkò Rèsé, juntamente com o ëbö prescrito abaixo.
A necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí evidencia que razões espirituais estão por de trás das questões
negativas abordadas no ìtan. Será através do fortalecimento do àñë pessoal, através de oferendas ao
elemento do Ìpînrí que Ìfá indicar, que o consulente conseguirá atrair para sua vida aquilo que falta à sua
felicidade. Geralmente quando tal questão aparece num Odù, pode-se supor que a pessoa seja iniciada, ou
pelo menos deveria ser. Caso a pessoa não seja iniciada, são grandes as chances da necessidade de
iniciação, ou ao menos oferendas a Orí, se esse for o elemento do Ìpînrí que Ìfá indicar que precise ter o àñë
fortalecido.

"Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas à árvore Orí, devido aos seus filhos". Sendo as
árvores um dos símbolos dos ancestrais, é natural que se recorra a eles para se obter fecundidade. Essa
passagem é um claro sinal de ancestralidade, e filhos que nascem nessas ocasiões reforçam tal pensamento.
É provável que a árvore citada no ìtan seja a mesma de onde se extraí a manteiga de orì. Esse fato, somado à
passagem que diz "Ele deveria oferecer comida e bebida ao seu Òkè Ìpînrí", abre a possibilidade de
oferendas a Orí serem necessárias, para que as bênçãos citadas no ìtan (filhos, e por extensão realizações
em geral) possam de fato se realizar. Segundo a visão que autores ilustres e de renomado conhecimento

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passam sobre Òkè Ìpînrí, também é possível que além de Orí, o Òrìñà do consulente ou qualquer outro
elemento de sua realidade espiritual deva receber oferendas. Também merece destaque o fato de que em
caminhos de Odù que falam de filhos é prudente observar prováveis problemas com os mesmos. A
presença de filhos também sugere consideráveis mudanças na vida, além de realizações em geral. Se uma
criança nascer sobre influência desse Odù, certamente possuirá uma considerável influência de sua
ancestralidade durante toda sua permanência no àiyé; graças à rica simbologia expressada pelo elemento
"árvores".

Ëbö

Duzentos e quarenta búzios


Doze galinhas
Doze pombos
Doze tecidos
Doze chumaços de algodão
Comidas e bebidas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) São comuns oferendas de tecidos em ëbö relacionados a filhos ou à ancestralidade. Como já foi
abordado, é possível que um desses fatores influenciem de alguma forma toda a questão.

b) O algodão é símbolo de existência genérica, de onde provêm os espíritos para o àiyé, sendo
então óbvia sua presença nesse ëbö. Se realmente o personagem Òkò Rèsé corresponder a Ñàngó, o
algodão passa a representar os ìtùfù, espécie de chumaços que são utilizados como tochas em rituais a essa
divindade.

c) Serão necessárias oferendas a árvore Orí ou à outra árvore sagrada que Ìfá venha a indicar.
Também serão imprescindíveis oferendas ao Òkè Ìpînrí do consulente. A natureza de tais oferendas deverá
ser definida pelo awolòrìñà, e é importante que fique claro que o ëbö não estará completo sem as mesmas.

d) A grande quantidade de búzios mostra que se deve cobrar para fazer esse ëbö. É provável que a
preocupação de Òkò Rèsé nem fosse ter filhos, e sim se equiparar aos demais reis. Quando há a busca
sincera por filhos costuma aparecer nos ìtan "Fulano chorava por filhos...". Todos esses fatores abrem a
possibilidade da cobrança em questão se dever a preocupações não espirituais por parte do consulente.
Além do mais, quando se faz oferendas a árvores quem executa o rito deve se cuidar. O dinheiro a mais
cobrado pelo awolòrìñà também pode ter a finalidade de fortificar o próprio àñë do oficiante do rito. É
desnecessário dizer que a imposição de um valor desmedido não deverá impedir a realização da oferenda
por parte do consulente. Isso seria no mínimo antiético e iria de encontro aos objetivos que inspiraram a
presente obra.

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Îyûkú 4

Numa certa ocasião, um indivíduo de nome Abijö resolveu consultar Ìfá. Nessa consulta o
babalawo lhe disse que não deveria fugir do sofrimento que chegaria, pois tal sofrimento na verdade seria
uma doçura, que duraria até o final de sua vida. Ele recomendou a Abijö que fizesse um ëbö, além de
efetuar oferendas ao seu Òkè Ìpînrí. Abijö seguiu os conselhos de Ìfá e conseguiu muitos filhos e realizações
em sua vida. O sofrimento nunca mais o acompanhou, e ele pode desfrutar de considerável felicidade pelo
resto de seus dias no àiyé.

"Ìfá diz que essa pessoa não deve fugir do sofrimento; que ela verá o sofrimento; que isso é
doçura que virá e continuará até o final de sua vida". Essa passagem é muito clara, além de ser uma
expressão de profunda espiritualidade. O equilíbrio para enfrentar o sofrimento, por piores que sejam, deve
se basear na fé inabalável da justiça e bondade de Ölïrun. O ìtan deixa claro que o sofrimento chegará, que
não há como evitá-lo, mas não se pode esquecer que ao término do sofrimento benefícios virão e
perdurarão até o resto da vida do consulente. Fixar a atenção em tal ponto certamente favorecerá a
travessia das dificuldades que se apresentarão quando Îyûkú aparecer nesse caminho.

"Consultaram Ìfá para Abijö, quando ele colhia doçuras de seu sofrimento". Empreender
esforços para observar o lado positivo das dificuldades é algo vital nesse caminho de Îyûkú. É óbvio que

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para tal será necessário um espírito de resignação, que ao invés de ser considerado fraqueza ou
conformismo evidencia um aspecto consideravelmente elevado de espiritualidade.

"Òkò Rèsè, disseram que ele deveria oferecer comida e bebida ao seu Òkè Ìpînrí. Essa pessoa
deve fazer oferendas a seu Orí". Para que o estado de resignação exposto acima possa de fato se
estabelecer, serão necessárias oferendas ao Orí do consulente; pois uma vez com o Orí fortalecido, lhe será
menos difícil passar pela fase de sofrimento que o ìtan evidencia, além de também existirem melhores
chances de conseguir observar os aspectos positivos de toda a questão. Será preciso um estado mental de
força e esperança, e apenas um Orí fortalecido poderá oferecer isso. Além da citação sobre oferendas a Orí,
o ìtan também fala de oferendas a Òkè Ìpînrí. É óbvio que a definição última é de Ìfá, mas é bem provável
que também serão necessárias oferendas ao Òrìñà (ou ancestralidade) do consulente, para que a travessia
dessa fase de sofrimento seja feita com êxito. Merece destaque o fato de que sempre que o termo Òkè
Ìpînrí aparece nos ìtan, o normal é que a pessoa em questão já seja iniciada, e se não for, deveria ser. Numa
outra ocasião, ainda dentro dos caminhos de Îyûkú, um outro personagem recebe o nome de Òkò Rèsè,
dentro de um ìtan que sugere a possibilidade de tal figura corresponder a Ñàngó. Seriam prudentes
consultas nesse sentido.

"Ele encostou suas costas na árvore àkóko". O àkóko é uma das plantas que melhor representam
os ancestrais. Deve-se considerar a hipótese dos ancestrais serem o apoio da pessoa nesse momento difícil;
levando em consideração que tal possibilidade deverá ser confirmada por Ìfá. Também é uma planta
relacionada à prosperidade, o que caracteriza um aspecto positivo desse caminho de Îyûkú e abre a
possibilidade de se efetuar alguns trabalhos com as folhas de tal árvore para favorecer a prosperidade do
consulente; desde que Ìfá confirme tais possibilidades, é óbvio.

"Quando Abijö terminou de fazer o ëbö ele teve muitos filhos. Sua vida estava boa, e o
sofrimento não o encontrou mais". Essa é a passagem que evidencia os aspectos positivos desse caminho
de Îyûkú. Fica claro que tal fase é passageira, e que um período de realizações e felicidade é o que espera o
consulente. É importante que tal aspecto desse Odù seja destacado, pois isso favorecerá o surgimento do
quadro mental de tranqüilidade e otimismo, vitais para encarar as dificuldades que estiverem ocorrendo ou
prestes a ocorrer.

"Como podemos reconhecer Abijö. Ele é aquele a quem chamamos Cabra". O ìtan dá a entender
que o sofrimento de Abijö representa o sofrimento de todos os animais imolados a Òrìñà. Tal fato evidencia
que o sofrimento do consulente é semelhante ao dos animais, ou seja, têm uma boa causa e certamente
serão recompensados, mesmo que seja em outro plano de existência. Também merece destaque essa
importante informação litúrgica, que certamente levará algum conforto aos corações sensíveis, que sentem
profunda compaixão pelos animais imolados no culto. Um outro fator que deve ser levado em consideração
é a possibilidade de velada, poética e metaforicamente, o ìtan estar falando sobre o desencarne do
consulente. Tal fato deve ser considerado, pois as cabras são imoladas a Òrìñà. É óbvio que pela gravidade
de tal possibilidade, não é aconselhável nenhum tipo de comentário sem a confirmação e autorização de Ìfá.

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Ëbö

Vinte e quatro búzios


Um galo
Um pombo
Bebidas e comidas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) O ìtan diz que as comidas e bebidas devem ser oferecidas ao Okè Ìpînrí do consulente. Mais
uma vez caberá ao awolòrìñà determinar quais os elementos do Ìpînrí deverão ter o àñë fortalecido. Não se
pode esquecer que independentemente do que Ìfá mostrar a esse respeito, serão necessárias oferendas a
Orí.

b) O ëbö foi feito para que fosse possível atravessar momentos de sofrimento, e conseguir atingir
benefícios, mesmo em situações aparentemente insolúveis.

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Îyûkú 5

Aro e Ñûkûrû eram grandes amigos e trabalhavam como músicos. Certa vez eles receberam o
convite para se apresentar ao rei de Îyï. Exultantes eles tomaram a estrada a caminho de Îyï. Aro possuía
uma bela roupa feita de búzios. No meio do caminho ele se cansou e deu sua pesada roupa para que
Ñûkûrû fosse na frente, enquanto ele iria num passo mais lento, descansando. Quando Aro chegou ao
palácio, Ñekûrû estava trajando sua roupa e dizendo que a mesma lhe pertencia. Aro protestou, mas os
anciões deram razão a Ñûkûrû, uma vez que ele chegara com as roupas. Então Aro perdeu sua bela roupa
de búzios, que passou a pertencer a Ñûkûrû. Liturgicamente é interessante a informação de que são búzios
que formam a roupa de Ñûkûrû, e não sementes ou contas, como é comum no Brasil.

"Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö para que não sejamos enganados, para que não tomem
nossas coisas e as mantenham longe de nós". Essa passagem é um resumo perfeito da mensagem trazida
por Îyûkú nesse caminho. Existe possibilidade de engodo, com claro prejuízo a uma das partes envolvidas.
Como em todo Odù que possuiu mais de um personagem, é possível que o consulente em questão se
identifique com um ou outro.

"Devemos suspeitar de nossos amigos. Amigos podem nos enganar". Essa passagem evidencia
que os amigos poderão ser a fonte de consideráveis sofrimentos, privações e prejuízos quando Îyûkú
aparecer nesse caminho. Graças a tal possibilidade a prudência em relação aos mesmos é mais do que
necessária.

"Eu consegui dois búzios, agora eu tenho dinheiro; agora eu tenho sossego". Essas foram as
palavras de Ñûkûrû assim que foi definido que ele ficaria com a roupa de búzios. Como antigamente búzios
eram usados como moeda corrente, e bem provável que haja dinheiro envolvido na questão. É óbvio que tal
possibilidade deverá ser confirmada por Ìfá.

"Eu o enganei, eu o enganei". Essa passagem é uma confirmação de que o engodo está presente,
e fatalmente levará o consulente a prejuízos, se o mesmo não observar atentamente as informações trazidas
por Îyûkú nesse caminho.

"Essa é a razão de Aro não ter roupas até hoje". Certamente será preciso muito cuidado quando
Îyûkú aparecer nesse caminho, pois é possível que os prejuízos que alcançarem o consulente durem até o

50
final de sua vida. Também merece destaque o fato de existir uma considerável injustiça em toda a questão.
Seriam prudentes consultas a esse respeito.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Esse caminho de Îyûkú é um aviso. Caberá ao consulente tomar seus cuidados. A ausência de
ëbö sugere que o engodo já esteja presente, e também forçará o awolòrìñà a usar todo seu conhecimento
para poder auxiliar o consulente.

Îyûkú 6

Ökërë (um tipo de roedor africano) estava grávida, prestes a dar à luz seus filhotes. Ela morava na
beira da estrada, mas no momento do parto estava sozinha, pois seu marido havia saído. Depois que os
filhotes nasceram e ela gritava a todos que sozinha sustentava seus filhos; que seu marido não a ajudava.
No meio da balbúrdia, lavradores a ouviram e se aproximaram. Quando eles viram os filhotes de Ökërë, não
tiveram dúvidas e os comeram. Èñù dançava e regozijava com a situação de Ökërë, que já não tinha filhos e
cujo marido estava ausente.

"A boca do falador mata o falador. Ìfá diz que essa pessoa deve permanecer com a boca
fechada para que os outros não a prejudiquem". Essa passagem mostra que a discrição é mais do que
necessária nesse caminho de Îyûkú. Expor-se desnecessariamente certamente atrairá malefícios. Apesar da
ação destruidora dos lavradores, a desgraça de Ökërë surgiu de sua própria ingenuidade. Isso é algo que
não pode ocorrer estando-se sob a influência desse caminho de Îyûkú, sendo sempre necessária cautela e
discrição ao agir. Mas sob outro ponto de vista, ingenuidade talvez não seja a melhor maneira de descrever
a atitude de Ökërë. É possível que ele tenha gritado ao vento seu sofrimento para assumir o papel de vítima,
ou simplesmente difamar o próprio marido. Se tais possibilidades se confirmarem, caberá ao awolòrìñà
orientar o consulente da melhor maneira possível. O importante é ter em mente que indiscrição e tagarelice
trarão consideráveis sofrimentos.

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"Ìfá diz que devemos observar nossos amigos. E também devemos observar nossas esposas,
para que elas não revelem o número de nossos filhos (segredos)". Essa passagem aponta para prováveis
falsidades com falsos amigos. Também aponta para problemas conjugais relacionados à falta de confiança.
Não há nada no ìtan que possa justificar infidelidade sexual, embora o bom senso determine que o
awolòrìñà deva fazer consultas específicas a esse respeito, se considerar necessário. A crise de confiança
parece estar diretamente relacionada a segredos.

"Ela deu à luz seis filhotes; à beira da estrada". Morar próximo à estrada foi um dos fatores que
contribuiu para a desgraça de Ökërë. Caso o consulente more em algum local perigoso, seria prudente
realizar esforços para alterar tal situação. Também merece destaque o fato de Ökërë ter tido tantos filhos,
mesmo sem ter condições adequadas de criá-los. Graças a tal fato pode-se considerar a possibilidade de
problemas materiais graves ou até mesmo gravidez precoce.

"Quando seu marido saía, ela costumava ficar falando: ‘Eu sustento seis filhos! Eu sustento
seis filhos!’". Foi a indiscrição de Ökërë em relação ao seu casamento a causa de seus grandes
sofrimentos. É bem possível que problemas conjugais estejam presentes quando esse caminho de Îyûkú
aparecer; mas toda a estrutura do ìtan deixa claro que externar tais problemas ao mundo não atrairá
nenhum benefício. Muito pelo contrário; poderá desencadear um processo que levará a consideráveis
perdas.

"Os lavradores disseram, ‘O que é aquilo? Filhotes de Ökërë? Então eles comeram os filhos de
Ökërë’". A triste sina dos filhos de Ökërë abre a possibilidade de existir algum problema em relação aos
filhos do consulente. A morte de filhos pode simbolizar consideráveis perdas ou empecilhos em relação a
sonhos e projetos pessoais. A presença de lavradores levando dor ao personagem, abre a possibilidade de
consideráveis problemas profissionais. Cada uma de tais possibilidades deverá ser confirmada por Ìfá, antes
de serem comentadas com o consulente.

"Èñù dançava e regozijava". Essa rápida aparição de Èñù no ìtan dá a entender que ele tenha algo
a ver com o castigo sofrido por Ökërë. Èñù só castiga aqueles que não cumprem suas obrigações religiosas,
e graças a esse fato deve-se consultar sobre alguma cobrança de ordem espiritual.

Ëbö

Não há.

Comentários

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a) Apesar de não haver oferenda prescrita, no ìtan aparece “Isso é quando Ìfá diz que essa pessoa
deve oferecer um ëbö”. Essa passagem evidencia que apesar da ausência textual de uma oferenda, o
awolòrìñà deverá usar todo seu conhecimento para auxiliar o consulente, inclusive nos caminhos da liturgia
propiciatória.

b) Esse é outro caminho de Odù que traz avisos sobre perigos iminentes, que só serão evitados
através da conduta sugerida pelo ìtan. Especificamente nesse caso, através da discrição e do cuidado em
não se expor à opinião pública, como Ökërë fez com seu marido. Prejudicar alguém, mesmo se for
justamente, atrairá problemas. Deve-se levar em consideração que Ökërë é o nome de um roedor africano;
e como já foi visto alhures, a presença de roedores invariavelmente representam perigo e negatividade. O
awolòrìñà deverá utilizar todo seu conhecimento para auxiliar o consulente, visto que não há um ëbö
prescrito no ìtan.

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Îyûkú 7

Afö’ju era um homem cego, e seu maior sonho era abater aves em pleno vôo e antílopes em
disparada. Para que tal sonho fosse exeqüível, lhe recomendaram fazer um ëbö. Ele fez a oferenda que lhe
foi prescrita, e despertou a simpatia de Èñù imediatamente. Então ele entrou numa grande disputa junto a
outros arqueiros. O vencedor da disputa ganharia grande fortuna e honrarias do rei. Todos os seus
adversários erraram seus alvos, mas Afö’ju acertou os animais que deveriam ser abatidos, sem errar
nenhum. Como recompensa por seus atos, o rei deu a Afö’ju o prêmio pela disputa; transformando-o num
homem rico.

"Quando Afö’ju ofereceu o ëbö, Èñù gostou dele". A obstinação e a fé de Afö’ju parecem ter
despertado a benevolência de Èñù, o que evidência uma provável influência benéfica desse Ëböra no
contexto explanado pelo Odù. É importante acreditar nos projetos pessoais, por mais difíceis e inexeqüíveis
que pareçam ser.

"Todos aqueles que enxergavam atiraram, mas não puderam acertar". Segundo o ìtan, foi numa
espécie de disputa que Afö’ju conseguiu sua proeza e atingiu a riqueza. É possível que o consulente viva
ou esteja prestes a viver num clima de disputas. Nesse caso as atitudes que estiverem em harmonia com as
demais informações trazidas por Îyûkú certamente favorecerão o consulente a atingir o sucesso em suas
disputas pessoais.

"Afö’ju preparou seu arco e flecha, e acertou o pássaro Agbè; bem no meio de sua plumagem.
O rei chamou Afö’ju, e fez dele um homem rico". O fato de Afö’ju ter acertado seu alvo evidencia que
esse caminho de Îyûkú é favorável a realizações em geral, principalmente para aquelas que à primeira vista
pareçam impossíveis de serem realizadas. Essa passagem do ìtan evidencia que o consulente tem tudo para
atingir considerável prosperidade através de sua ousadia e àñë (poder de realização). Qualquer tipo de
limitação não deve impedir o consulente de arriscar, de ir atrás de seus sonhos, pois essa passagem
evidencia que há consideráveis chances de realizações positivas quando se está sob a influência desse
caminho de Îyûkú.

"Ìfá diz que essa pessoa tem àñë". Essa passagem mostra que o àñë dessa pessoa é especial, pois
ela tem um grande potencial para realizar o que deseja. Apesar desse àñë, também é louvável a atitude de
Afö’ju, que se propôs a fazer algo que à primeira vista era impossível. Esse fato evidencia a importância da

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perseverança, determinação e autoconfiança nesse caminho de Îyûkú. Como outros autores já afirmaram,
todo ser vivo possuiu àñë, que é um legítimo legado de Ölïrun; mas também é conhecido o fato de que o
Candomblé é uma das poucas religiões que têm por um dos objetivos o desenvolvimento desse potencial
humano. Graças a todos esses fatos, é possível que o consulente deva se iniciar para que seja possível
desenvolver seu àñë pessoal; e no caso do mesmo já ser iniciado, deve-se considerar a possibilidade de
serem necessárias obrigações rituais para o fortalecimento de tal àñë. É óbvio que cada uma dessas
possibilidades deverá ser confirmada por Ìfá, antes de ser comentada com o consulente.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Um pombo
Um galo
Um arco e flecha

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö em si é simples, mas devido à provável afinidade de Èñù com o consulente, abre-se a
possibilidade de oferendas mais complexas a esse Ëböra. Como esse fato não está explícito no ìtan, será
necessária uma confirmação prévia de Ìfá.
b) O arco e flecha representam a atividade profissional de Afö’ju, que tornou possível sua
prosperidade. Também pode ser considerado como um indício de renúncia e fé no resultado da oferenda.

c) O ëbö foi feito para que se atinja o sucesso naquilo que se quer fazer, mesmo que a princípio tal
sucesso pareça impossível.

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Ògúndá

Considerações gerais

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Ògúndá não traz em seus caminhos uma grande variedade de assuntos que poderiam ser
considerados de conteúdo espiritual, mas a idéia comum a seu respeito (materialidade pura) não se
sustenta ante a um estudo mais aprofundado. O que de fato ocorre é que a espiritualidade não se manifesta
a ponto de caracterizar aquilo que é comumente chamado de "missão espiritual". Em nenhum de seus
caminhos é dito explicitamente que a pessoa deva dedicar-se a Òrìsà.
Mas o tom de espiritualidade de Ògúndá manifesta-se quando a paciência e o desapego à idéia
que se tem de si mesmo aparecem em seus caminhos. Ante esses fatos pode-se considerar que há
sabedoria em Ògúndá, pois está presente uma visão mais ampla da vida, o que não deixa de ser um aspecto
de espiritualidade. Não se pode considerar equivocada a afirmação de que paciência, autocontrole e
simplicidade resumem a espiritualidade em Ògúndá; logo atitudes pacientes e sensatas trarão consideráveis
bênçãos quando esse Odù estiver presente. Seria um equívoco acreditar que Ògúndá ocuparia uma posição
insignificante em relação a outros Odù no que se refere à espiritualidade, pois de fato quaisquer esforços
espirituais estarão destinados ao fracasso se não houver paciência e autocontrole.
Em Ògúndá, existe a idéia de que os filhos devem herdar os benefícios dos esforços de seus
ancestrais, sejam esses benefícios materiais ou espirituais. Esse fato caracteriza ancestralidade, embora de
uma de uma forma completamente distinta dos demais Odù. As constantes aparições de Yemöja podem ser
um indício de que a vida familiar, em especial os filhos, possua considerável influência em Ògúndá. Esse
aspecto familiar é um auxílio para compreender a complexa ancestralidade desse Odù. Um detalhe
importante sobre essa mesma ancestralidade diz respeitos a algumas citações sobre heranças. Além de seu
aspecto literal, "heranças" também poderão ser interpretadas (se Ìfá assim o confirmar) como alguma
mensagem ancestral, pois é muito comum que entre os nagôs tal termo esteja relacionado à necessidade
de um culto respeitoso à memória de um ancestral, ou à necessidade de um culto específico a algum Òrìñà
da linhagem familiar. Sem dúvida nenhuma tal detalhe caracteriza uma considerável ancestralidade.
Não há um só caminho de Ògúndá que faça referências a doenças. Pode-se deduzir que
dificilmente ocorrerão sérios problemas de saúde enquanto esse Odù estiver presente. No que diz respeito
à morte, essa sim aparece em Ògúndá, mas não como conseqüência de uma enfermidade, mas através da
violência. São consideráveis as chances de morte violenta, principalmente se as atitudes forem impacientes.
Há também citações de suicídio, que nos ìtan ocorrem como conseqüência de um comportamento
arrebatado. A paciência e o autocontrole poderão evitar tais tragédias.
Também merecem destaque as constantes citações sobre oyè (títulos honoríficos); o que faz de
Ògúndá um Odù que favorece a ascensão social, quase sempre com resultados diretos na prosperidade do
indivíduo. As aparições de oyè também fazem de Ògúndá um Odù propício para a transmissão de títulos
honoríficos dentro de um ëgbý Òrìñà.
A prosperidade tem em Ògúndá um de seus mais fiéis representantes. Há nesse Odù uma
constante preocupação para a obtenção de uma vida próspera e tranqüila. Uma das características da
prosperidade em Ògúndá é que uma postura dinâmica, desbravadora e ousada favorecerá a manifestação
da mesma. É necessário não esquecer que os filhos (descendência em geral) devem ser beneficiados pela
prosperidade obtida. Mesmo na presença da prosperidade, o gosto simples e a preferência pelas coisas do
coração devem prevalecer.
Relações amorosas e casamentos também estão presentes em Ògúndá. O casamento em especial
tende a ser benéfico para a manifestação da prosperidade. Esforços para a manutenção do casamento serão
importantes para que essa característica de Ògúndá possa manifestar-se. Infelizmente também merecem

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ser destacados os desentendimentos conjugais que aparecem em alguns caminhos desse Odù. Geralmente
tais desentendimentos são descabidos e suas conseqüências são consideravelmente negativas para os
cônjuges. A idéia que fica é que mesmo que ocorram problemas matrimonias, o ideal é que as partes
envolvidas procurem o consenso, pois como já foi dito o casamento equilibrado é importante para a
manifestação de várias bênçãos quando Ògúndá está presente.
Tendo o casamento uma posição relevante nesse Odù, é natural que o mesmo ocorra com os
filhos. Ou seja, esses também merecerão destaque, pois em Ògúndá é aconselhável que só se tenha filhos
quando as condições materiais favorecerem esse importante compromisso. Pode-se argumentar que tal
prudência independa de Ògúndá, que deveria ser a tônica de qualquer relacionamento, etc. Mas o que se
pode entender é que se tal cuidado não for tomado quando esse Odù estiver presente, as conseqüências
podem ser mais desastrosas do que em outras situações.
Apesar da força do casamento em Ògúndá, é muito provável que decepções amorosas ocorram.
Logo, a prudência deve estar presente nas decisões sentimentais. Mas esses problemas de ordem
sentimental tendem a não atrapalhar as amizades. Aliás, tanto as amizades quanto as sociedades são
beneficiadas nesse Odù.
Todo o Odù possui particularidades que o distingue dos demais. No caso de Ògúndá essa
particularidade é a necessidade de paciência. É importante salientar que foi a paciência que tornou possível
a manifestação da prosperidade nos caminhos que abordam esse assunto. Alguns ëbö de Ògúndá têm
características essencialmente ûrö, pois visam amenizar a impaciência e agressividade, tão comuns quando
esse Odù aparece.
Os problemas que aparecem em Ògúndá muitas vezes são extensivos às pessoas próximas ao
consulente. Logo, o awolòrìñà sempre deverá pesquisar para saber se alguém mais além do consulente,
encaixa-se nos assuntos trazidos por esse Odù.
Uma das particularidades a serem registradas é a possibilidade de ocorrerem sérios erros de
julgamento quando todas as pessoas envolvidas numa determinada questão não são ouvidas. É necessária
calma e discernimento para que tais erros não ocorram.
Também pode haver pessimismo em Ògúndá devido a dificuldades iniciais e desapontamentos
em geral. No que diz respeito aos demais aspectos negativos desse Odù, deve-se estar atento a inimigos,
feitiços, preconceitos, egoísmo, alcoolismo, problemas de justiça, incriminações, incompreensão,
intolerância e repetindo, suicídio.
As orações possuem grande força em Ògúndá e devem ser usadas sempre que a negatividade
desse Odù estiver presente, pois com certeza Ölïrun estará ouvindo.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Yemöja
b) Èñù
c) Orí
d) Ñàngó
e) Öya
f) Ògún
g) Orí Òkè

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h) Îrúnmìlà

Presente a Ògúndá

Vinte e seis búzios


Doze àkàrà
Doze àkàsà
Uma galinha
Um galo
Um pombo
Um ëmï
Um obì
Uma faca
Um tecido branco
Folhas de îdúndún
Manteiga de òrí
Feijão fradinho
Feijão preto
A roupa que estiver vestindo, etc.
Ògúndá 1

Houve uma certa ocasião em que Yemöja estava preocupada para ter uma "vida agradável".
Levada por tal preocupação ela procurou um babalawo, que lhe aconselhou a fazer um ëbö, que entre
outras coisas continha feijões e canjica ao seu Òkè Ìpînrí. Yemöja seguiu as orientações de Ìfá, e depois de
algum tempo conseguiu muitos filhos, e graças a isso gozou de considerável felicidade.

"Consultaram Ìfá para Yemöja Àtàlámàgbá". Devido à sua natureza matriarcal, ante a presença de
Yemöja sempre é prudente consultar sobre possíveis problemas familiares. Considerando-se outro aspecto
de Yemöja, a presença dessa Ìyágbà no àtë também justifica consultas sobre prováveis problemas de Orí.

"O que ela deveria fazer para ter uma vida agradável?". A questão exposta no ìtan revela um
caminho de Ògúndá onde as preocupações são essencialmente materiais, embora a espiritualidade
inerente a Yemöja atenue um pouco esse aspecto. De qualquer forma é bom que fique claro que a principal
preocupação quando esse Odù aparece é equilibrar a vida, materialmente falando. A própria estrutura do
ìtan evidencia que tal equilíbrio material pode ser atingido se as orientações de Ìfá forem corretamente
seguidas.

"Yemöja começou a ter filhos e tornou-se rica". Além do seu sentido literal, "filhos" podem
representar realizações de projetos pessoais, concretização de sonhos, emancipação, responsabilidades,
etc. Mas segundo as várias dezenas de ìtan narrados por Salàkï, "filhos" sempre representam presságios

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positivos. A citação sobre a riqueza de Yemöja evidencia o caráter próspero desse caminho de Ògúndá.
Certamente as realizações em questão favorecerão a prosperidade do consulente.

"Aqueles que sucedem os que vieram antes, devem ser notados pelos que virão depois". Essa
passagem exprime sabedoria. Não se pode ter certeza sobre sua aplicação prática, mas é evidente a
necessidade de deixar um importante legado às futuras gerações. Tal legado pode ser subjetivo ou estar
diretamente relacionado à prosperidade inerente a esse caminho de Ògúndá. De certa forma isso é
ancestralidade.

"Ela deveria oferecer canjicas e feijões a seu Òkè Ìpînrí". É conhecido o fato de Yemöja estar
relacionada a Orí. Segunda a complexidade do termo "Òkè Ìpînrí", é provável que haja a necessidade de
oferendas a Orí, ao Òrìñà pessoal ou até mesmo à ancestralidade do consulente. Seriam prudentes
consultas nesse sentido.

"Se ela vir inhames regozijará; se ela vir ovelhas regozijará". Essa passagem traz importantes
informações de caráter litúrgico, pois evidencia o gosto de Yemöja por essas oferendas.

Ëbö

Vinte e seis búzios


Um galo
Um pombo
Canjica e feijões a Òkè Ìpînrí.

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, a oferenda de canjica e feijões é destinada ao Òkè Ìpînrí do consulente. Salàkï
não define qual o tipo de feijão, nem como prepará-lo. Também será necessário definir qual elemento do
Òkè Ìpînrí do consulente deverá receber tais oferendas.
b) O ëbö foi feito para que Yemöja atingisse "Uma vida agradável". Logo está diretamente
relacionado à prosperidade e harmonia.

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61
Ògúndá 2

Numa determinada ocasião Yemöja procurou um babalawo, pois desejava muito ter filhos no àiyé.
Um babalawo lhe recomendou fazer um ëbö, que entre outras coisas continha seiscentas larvas de palmeira,
que deveriam ser oferecidas a seu Orí. Yemöja seguiu as orientações de Ìfá e conseguiu todos os filhos que
desejava, tornando-se assim uma grande matriarca perante os demais Òrìñà.

"O que devo fazer para ter filhos aqui no àiyé? Òrìñà fala sobre uma bênção de filhos". Filhos
para Yemöja representam a realização plena. Graças a esse fato esse caminho de Ògúndá assume um
aspecto de realizações pessoais e sucesso no que se deseja fazer. Em seu aspecto negativo deve-se
considerar a preocupação de Yemöja em conseguir seus filhos, o que não é nada natural para essa Ìyágbà.
Graças a esse fato deve-se considerar as hipóteses de frustrações e dificuldades para encontrar felicidade,
além de prováveis problemas gestacionais.

"Nós cortamos ìgbín, mas não encontramos sangue". Essa citação, juntamente com a própria
natureza da oferenda, evidencia o caráter ûrö desse caminho de Ògúndá. É possível que as realizações
almejadas dependam de um comportamento e estado mental basicamente calmo, tranqüilo e sábio.

"Consultaram Ìfá para Omígbadé Àdùfý". Esse òríkì de Yemöja (As águas usam uma coroa para se
casar) abre a possibilidade de questões sentimentais estarem envolvidas na questão. Seriam prudentes
consultas a esse respeito. Outro fator a ser considerado é que em Odù onde Yemöja aparece, sempre é bom
considerar as hipóteses de problemas familiares ou de Orí.

"Yemöja, você deve encontrar seiscentas larvas de palmeira e oferecer a seu Orí". Sempre que
aparece a citação textual de uma oferenda a Orí há de se considerar uma certa gravidade na situação.
Levando-se em consideração que entre outras coisas Orí está diretamente associado ao destino pessoal,
provavelmente a oferenda citada no ìtan vise recolocar o indivíduo em sintonia com tal destino. Ou seja, se
o consulente não entender e aplicar as informações trazidas por Ògúndá, provavelmente se desviará de seu
destino e invariavelmente tais desvios trarão considerável sofrimento posterior. Outro fator que merece
destaque é a natureza da oferenda que o ìtan prescreve a Orí. São poucas as pessoas que conhecem o
fundamento de tal oferenda, e devido a tal fato abre-se a possibilidade da mesma ser substituída se o
sacerdote em questão não se sentir seguro o suficiente para realizá-la. É óbvio que toda substituição de
elementos em oferendas deverá ter por base uma prévia autorização de Ìfá.

Ëbö

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Vinte e seis búzios
Treze ìgbín
Um tecido branco
Muita água fria.

Comentários sobre o ëbö

a) Yemöja representa a matéria incolor e amorfa, que é a base da substância mental (Chitta, para
os hindus). Daí sua influência nos ritos de börí. De acordo com o ìtan, além do ëbö serão necessárias
oferendas a Orí.

b) No ìtan Yemöja faz uma oferenda de seiscentas larvas de palmeira a Orí. Uma oferenda
semelhante aparece em Òdí. A menos que esse preceito seja um grande segredo, não há referências desse
tipo de ritual no Candomblé brasileiro. Sob consulta deve-se definir quais oferendas devem ser feitas a Orí,
se não for possível disponibilizar tais larvas. Mas essa oferenda só é recomendável se houver total
conhecimento desse ritual. O importante é ter em mente que apenas o ëbö não será suficiente para a
resolução satisfatória dos problemas do consulente.

c) Tanto o tecido branco como a água fria veiculam o àñë ûrö já abordado alhures.

d) O ëbö foi feito para que Yemöja pudesse "ter filhos". Logo, está relacionado à maternidade e
realizações em geral. Devido à estrutura do ìtan, problemas sentimentais também devem ser considerados.

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Ògúndá 3

Remo é aquele que representa a Canoa. Certa vez ele decidiu consultar Ìfá disposto a saber o que
poderia ser feito para atingir uma vida agradável. Para que atingisse esse fim, o babalawo recomendou-lhe
um ëbö, que prontamente foi feito por Remo. Depois de um tempo ele conseguiu uma vida "fácil e
agradável", gozando de grande satisfação.

"Òrìñà prevê uma bênção de dinheiro". Prosperidade é a tônica desse caminho de Ògúndá. Essa
é uma bênção que certamente chegará para o consulente, se ele entender e seguir as demais informações
aqui presentes.

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"Consultaram Ìfá para Remo, que era representante de Canoa". Importante salientar a
representação abordada no ìtan. Graças a tal fato abre-se a possibilidade do consulente receber
responsabilidades consideráveis, como as que um representante recebe. Como toda a idéia de
representação nesse Odù está relacionada à prosperidade, é óbvio que questões semelhantes estarão
presentes.

"Nós devemos começar na frente, não devemos começar atrás". Para movimentar a canoa o
remo deve ser movimentado à frente, caso contrário a canoa manterá a inércia ou irá para trás. O que se
pode entender dessa metáfora é a necessidade de um comportamento arrojado, desbravador e ousado,
para favorecer a manifestação das bênçãos narradas no ìtan. É fazer acontecer, tomar a iniciativa, arregaçar
as mangas, "meter as caras". Essa parece ser a chave para a manifestação da prosperidade nesse caminho
de Ògúndá. O ìtan diz que Remo era o representante de Canoa. Representante é aquele que vai à frente, e
tal idéia reforça o pensamento de intrepidez já exposto.

"Eles foram para a água". Água é um dos símbolos da matéria. Por isso verte-se a água das
quartinhas na terra durante os ritos de àñèñè, simbolizando que a matéria (e a vida) retorna para sua fonte,
a Terra. Essa passagem dá a entender que as conquistas nesse Odù estejam mais relacionadas ao àiyé do
que ao îrun. A passagem "Bênção de dinheiro" reforça essa idéia. Também é preciso salientar que há muitos
mitos que apontam as águas como elemento de origem de Egún. Seriam necessárias consultas nesse
sentido, e se Ìfá confirmar a presença de Egún na questão, ficarão evidenciados importantes aspectos
ancestrais.

"E a vida foi fácil e agradável para Remo". Essa passagem evidencia a grande chance de êxito
nesse caminho de Ògúndá, desde que as demais informações abordadas no ìtan sejam corretamente
seguidas.

"Não me deixe emborcar, Remo". Essa passagem evidencia o quanto Canoa dependia de Remo.
Tais dependências não serão surpresas quando Ògúndá aparecer nesse caminho.

Ëbö

Vinte e seis búzios


Três galinhas
Três pombos

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, não carecendo de maiores comentários. Mas a passagem "Não me
deixe emborcar, Remo", supostamente dita por Canoa, dá a entender que a prosperidade obtida deverá
auxiliar os mais próximos, pois Remo era "representante de Canoa".

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b) A finalidade de tal ëbö é conseguir "Uma vida agradável". Logo favorecerá a manifestação de
bênçãos que tornem possível a concretização de tais aspirações.

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Ògúndá 4

O povo de uma cidade chamada Égùn Majî estava triste, pois a vida deles estava toda atrapalhada.
Todas as manhãs eles acordavam chorando por bênçãos que teimavam em não chegar. Inspirados por essa
triste situação eles resolveram consultar Ìfá. O babalawo lhes recomendou fazer um ëbö com "tudo o que a
boca come" para reverter a situação. O povo de Égùn Majî seguiu as orientações de Ìfá, e graças à oferenda
eles passaram a ter uma "vida agradável" e desfrutar de considerável prosperidade.

"O povo de Égùn Majî; a vida estava atrapalhada para eles, e eles estavam tristes". Será natural
que haja dificuldades e insatisfações quando Ògúndá aparecer nesse caminho. Essa é a tônica desse Odù, e
tal realidade só será alterada se as demais informações trazidas por Ìfá forem fielmente seguidas. No campo
da experiência própria, pode-se afirmar que há chances do nome da cidade em questão ter alguma relação
com a ancestralidade do consulente. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Que babalawo podemos consultar? Que tal Coisa Redonda? Eles foram atrás do babalawo". A
preocupação do povo de Égùn Majî em consultar um babalawo abre a possibilidade das dificuldades em
questão possuírem algum fundo espiritual. Também seriam prudentes consultas nesse sentido.

"A vida começou a se tornar agradável em Égùn Majî. Eles tinham dinheiro e começaram a ter
filhos. Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro aqui". Essa passagem evidencia a grande possibilidade de
alteração do quadro negativo expressado pelo Odù. Sob outro ponto de vista, é comum o fato de que para
o ioruba de outrora, a prosperidade chegava junto com os filhos, pois esses representavam mais braços
aptos ao trabalho, ou ainda a possibilidade de efetuar casamentos que favorecessem a influência da
linhagem. Daí os filhos serem geralmente considerados como bênçãos. Mas especificamente nesse Odù, o
ìtan fala que primeiro o povo de Égùn Majî conseguiu dinheiro, depois eles começaram a ter filhos. Tal fato

67
pode representar a necessidade de prudência em não assumir maiores responsabilidades ("filhos")
enquanto não se pode arcar com elas ("dinheiro").

Ëbö

Vinte e seis búzios


Três galinhas
Três pombos
Três tecidos
Três porções de "tudo o que a boca come"

Comentários sobre o ëbö

a) Esse ëbö composto por vários alimentos é comum no Brasil, pois promove "limpeza de corpo",
atrai abundância e fartura.

b) É óbvio que as comidas do ëbö devem ser escolhidas de acordo com aquilo que está
atrapalhando a pessoa. Se for algum espírito, carrega-se nas comidas de Egún; se for doença, comidas de
saúde; se for miséria, comidas de prosperidade, etc.

c) Oferendas de tecidos geralmente estão relacionadas a crianças ou aos ancestrais. O nome Égùn
Majî pode ser um indício de influência ancestral nesse caminho de Ògúndá. Caberá ao awolòrìñà checar tais
possibilidades.

d) O ëbö foi feito num momento de dificuldades, para que se pudesse ter "Uma vida agradável" e
desfrutar de considerável prosperidade.

68
Ògúndá 5

69
Num passado remoto existiu um príncipe cujo nome era oyèdìjí. Ele era filho de um poderoso rei
chamado Elénpe Àgarawú. Numa certa ocasião de sua vida oyèdèjí resolveu consultar Ìfá, pois desejava "ver
bênçãos em sua vida". Aconselhado pelo babalawo oyèdèjí fez uma grande ëbö, completando-o com
oferendas a seu Òkè Ìpînrí. Depois disso ele tornou-se rei, mas antes de jurar-lhe fidelidade o povo de sua
cidade exigiu que sua esposa governasse junto com ele. A esposa de oyèdèjí foi proclamada rainha, fazendo
jus ao nome oyèdèjí, que significa "O oyè tornou-se duplo".

"Cabeças célebres não são inúteis; são aclamadas em suas casas e nas guerras". Essa passagem
parece indicar a presença de personalidades especiais, capazes de se destacarem das demais em diversos
aspectos da vida. Também seria prudente considerar a possibilidade do consulente estar prestes a viver
uma "guerra", ou seja, lutar para conseguir o que deseja. Pelas próprias características desse Odù, tais
informações podem valer para qualquer um dos cônjuges em questão.

"O que ele deveria fazer para que pudesse alcançar bênçãos em sua vida? Disseram que ele
veria tais bênçãos". Essa passagem evidencia a preocupação para a resolução satisfatória de problemas
materiais. Segundo a própria estrutura do ìtan, tais resoluções acontecerão, desde que as demais
informações trazidas por Ògúndá nesse caminho sejam fielmente seguidas.

"Ele deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí". Tal passagem evidencia que serão necessárias
oferendas ao conjunto de seres míticos que determinam a origem e espiritualidade do consulente. Caberá
ao awolòrìñà definir se tais oferendas dizem respeito a Orí, ao Òrìñà pessoal ou da linhagem familiar, à
ancestralidade, etc. O importante é ter em mente que se o Òkè Ìpînrí do consulente não tiver seu àñë
fortalecido, provavelmente as bênçãos em questão não se manifestarão. No caso de pessoa não iniciada
abre-se a hipótese de iniciação; e se a pessoa já o for, tal detalhe poderá significar a necessidade do
cumprimento de obrigações rituais que visem fortalecer o àñë pessoal.

"Então oyèdèjí tornou-se rei, sendo aclamado junto com sua esposa. Isso é quando Ìfá diz que
marido e esposa devem oferecer um ëbö. Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö a Ñàngó e Öya". Essa
passagem evidencia os aspectos positivos desse caminho de Ògúndá. Deve-se levar em consideração que a
questão levada por oyèdèjí a Ìfá não foi especificamente o desejo de ser rei, mas mesmo assim isso
aconteceu. Tal fato evidencia que as bênçãos que podem chegar para essa pessoa são maiores do que ele
imagina. Também merece destaque o fato de que toda a estrutura do ìtan e do ëbö revela a participação
dos cônjuges em todos os assuntos relacionados a esse Odù. A presença de Öya e Ñàngó (que formam um
dos principais casais na mitologia do Candomblé) reforça essa idéia. Essas particularidades do Odù mostram
de forma definitiva que marido e mulher devem juntos resolver seus problemas, para que possam "ver as
bênçãos do àiyé". Öya e Ñàngó falam nesse Odù, e a presença de ambos é mais do que uma alusão ao
casamento, é também um indicativo de continuidade. Ñàngó representa a continuidade da vida no àiyé,
enquanto Öya representa o mesmo, mas no îrun. Assim nascem as dinastias, que são perpetuadas por
espíritos que vêm do îrun. Todo esse contexto sugere que as bênçãos que chegarem ao casal em questão

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devem ser extensivas aos seus descendentes, e também devem permanecer no àiyé, trazendo consideráveis
benefícios a outras pessoas (os súditos de Ñàngó).

"Então oyèdèjí tornou-se rei". A coroação de oyèdèjí mostra as reais chances de sucesso nesse
caminho de Ògúndá. Mas a curta citação de batalhas no início do ìtan sugere que tal vitória precisará de
empenho e luta para concretizar-se. Em relação a essas batalhas, outros mitos falam que antes que Ñàngó
se tornasse soberano em Enpe, tal primazia pertencia a Öbalúàiyé. O próprio nome do pai de oyèdèjí
assemelha-se muito a um òríkì desse Ëböra, entoado em algumas casas tradicionais de Candomblé (Baba
Àgarawú). As óbvias diferenças entre as personalidades de Ñàngó e Öbalúàiyé reforçam a idéia de batalhas
nesse Odù.

Ëbö

Vinte e seis búzios


Três galos
Três pombos
Bastante feijão fradinho
Bastante àkàrà
Bastante ûkö

Comentários sobre o ëbö

a) Ao que parece, a fartura do ëbö deverá se refletir na vida do consulente. Em outras ocasiões a
presença de alimentos comuns ao dia a dia visa favorecer para que não haja futuras privações nesse sentido.
Apesar desse caminho de Ògúndá falar de conquistas e vitórias, a parte que fala sobre guerras pode sugerir
dificuldades. Seriam prudentes consultas para averiguar o fundamento ou não de tais possibilidades.

b) Como o próprio ìtan explica, esse ëbö deve ser feito por marido e mulher.

c) O ëbö não estará completo sem oferendas a Öya e Ñàngó. Caberá ao awolòrìñà definir a
natureza de tais oferendas. Também serão necessárias oferendas ao Òkè Ìpînrí do consulente.

71
Ògúndá 6

Em tempos imemoriais existiu um rei chamado Öba Ìgèdè, que era o soberano da cidade de Ìgèdè.
Ele desejava comprar um novo escravo e definiu que esse escravo seria um rei derrotado em batalha. Então
Öba Ìgèdè resolveu comprar Öba Bíní (antigo rei do Benin) como escravo. Para sua surpresa Öba Bíní na
verdade era uma mulher, e imediatamente Öba Ìgèdè apaixonou-se por ela. Ele ficou imaginando o que
poderia fazer para tirar proveito da grande surpresa de ter um encontrado uma mulher. Um babalawo lhe
aconselharam a fazer um ëbö para conseguir tal proveito, e fazia parte desse ëbö uma faca e alguns
pombos que deveriam ser soltos, e não imolados. Depois de fazer o ëbö ele levou-a para casa e resolveu
desposá-la. Mas sua nova esposa era dura e fria com ele, não demonstrando nenhuma espécie de afeto.
Chegou o dia em que ele tentou possuí-la, mas ela ofendeu-o com duras palavras. Desgostoso com sua
sorte Öba Ìgèdè tentou o suicídio por enforcamento. Resoluto nesse objetivo arrumou uma corda e dirigiu-
se para a floresta, à procura de uma árvore que servisse a seus fúnebres propósitos. Mas os pombos que ele
havia soltado durante o ëbö começaram a gritar desesperados quando viram que o rei se mataria. Naquele
alvoroço Èñù apareceu, e com a faca que Öba Ìgèdè havia oferecido em seu ëbö cortou a corda que já
apertava o pescoço. Èñù determinou que Öba Ìgèdè voltasse para casa, dizendo-lhe que logo descobriria

72
não haver razão para aquilo. Quando Öba Ìgèdè voltou para casa, encontrou sua nova esposa arrependida
de seu comportamento duro, totalmente disposta a lhe tratar com carinho, dando-lhe afeto e vários filhos.
Então Öba Ìgèdè percebeu que por pouco não cometera um grande erro, privando a si mesmo de
consideráveis felicidades em nome de um estado mental negativo.

"Ele acabou comprando Öba Bíní, que na verdade era uma mulher. O que ele poderia fazer para
tirar proveito da situação?". É importante salientar que essa foi a razão da consulta de Öba Ìgèdè a Ìfá.
Deve-se considerar a hipótese do consulente deparar-se com uma situação inusitada, completamente
inesperada para ele. Surpresas poderão acontecer quando Ògúndá estiver presente sob esse caminho. Será
preciso seguir as demais orientações do ìtan para que tal surpresa seja satisfatoriamente aproveitada. A
questão a ser focada é o que fazer para tirar proveito das surpresas que aparecerem.

"Quando eles deitaram na esteira, a rainha ofendeu Öba Ìgèdè". Foram esses insultos que
caracterizam o desapontamento amoroso que incentivou a tentativa de suicídio do rei. Contrariedades,
amorosas ou não, parecem ter um efeito destrutivo nesse caminho de Odù. Logo, será necessária sabedoria
e inteligência para lidar com elas.

"Esse é um caminho repleto de desentendimentos". Essa passagem é mais uma evidência de que
haverá desentendimentos quando Ògúndá aparecer nesse caminho. Tais desentendimentos talvez não
possam ser evitados, mas é importante ter em mente que as conseqüências dos mesmos não justificarão
atitudes passionais e impensadas.

"Eu não gosto, eu não aceito". Aqui é representada a reação de Öba Ìgèdè após a rejeição sofrida.
Evidencia inflexibilidade de opinião e tal postura pode ser desastrosa nesse Odù. Diálogo e sinceros
esforços pela concórdia devem caracterizar as atitudes do consulente. É importante salientar que os
desentendimentos em questão podem ser considerados graves, pelo menos aos olhos do consulente.

"Rapidamente o rei subiu na árvore e colocou a corda ao redor de seu pescoço. Èñù pegou a
faca que o rei ofereceu no ëbö e cortou a corda". Èñù é o fator de salvação nesse caminho de Odù. É
importante salientar que se o rei não tivesse feito o ëbö, não haveria faca para cortar a corda. A citação
sobre suicídio justifica todo e qualquer esforço para que tal mal não se abata sobre o consulente, ou alguém
que lhe seja próximo. O ato do suicídio é um atentado ao próprio destino escolhido antes do nascimento, o
que evidencia um desequilíbrio de Orí. Muito provavelmente será necessário um börí para complementar a
oferenda prescrita. Mas como tal possibilidade não está expressa no ìtan, serão necessárias consultas
específicas antes de atitudes nesse sentido. Se Ìfá não confirmar a possibilidade literal de suicídio, pode-se
levar em consideração a possibilidade de toda e qualquer atitude que, baseada em ignorância e
desequilíbrio mentais ou emocionais, possam conduzir a pessoa a um estado de perdição.

"Você está com o coração endurecido?". Essa expressão usada por Èñù pode ter um sentido mais
amplo do que o contexto sentimental, referindo-se ao conjunto de sofrimentos que dificulta a percepção do
quão importante é a vida. É provável que a pessoa em questão esteja emocionalmente desequilibrada, a
ponto de caracterizar o "coração endurecido" do qual fala o ìtan.

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"Quando o rei chegou em casa, a rainha estava tendo filhos para ele. Òrìñà está falando sobre
uma bênção de riquezas; sobre uma bênção de filhos". Essas passagens mostram que o estado mental que
ocasionou a tentativa de suicídio (ou atitudes intempestivas em geral) era injustificado, pois há uma
evidente positividade nesse Odù que pode não se manifestar na vida do consulente, se esse não prestar
atenção às demais informações trazidas por Ògúndá nesse caminho. A presença de filhos (a grande alegria
do ioruba) simboliza as bênçãos prometidas, além da citação literal sobre riquezas. Definitivamente, a
situação não é tão ruim como pensa o consulente.
"Öba Ìgèdè, tenha paciência. Öba Ìgèdè, não morra". Essa passagem fala por si só. Mostra a
importância da paciência para atravessar esse momento de instabilidade. Tal estado de paciência pode ser
favorecido, se o awolòrìñà tentar deixar claro ao consulente os aspectos positivos desse Odù, que por si só
podem modificar de maneira consideravelmente benéfica a vida do mesmo. O ìtan diz que tais palavras
representam o grito do pombo ("Mu sùrù"), numa possível alusão onomatopéica. Talvez essa seja a razão de
alguns ëgbîn antigos da Bahia dizerem que o pombo é um "bicho de vida", indispensável em ritos de
sacralização, pois o significado de seu canto foi vital para que Öba Ìgèdè não morresse. Coincidentemente
ou não, os pombos da oferenda não são imolados.

Ëbö

Sessenta búzios
Três galinhas
Três pombos
Uma faca
Uma corda
Carne de ìkùn

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, os pombos devem ser soltos. Esse preceito é muito usado quando se deseja
afastar negatividade.

b) A corda é um claro lembrete sobre a possibilidade de suicídio.

c) A faca representa a ação salvadora de Èñù. Devido tal ação abre-se a possibilidade de oferendas
mais bem elaboradas a Èñù; além das que ele recebe normalmente por seu trabalho como Ëlýbö. A faca
também pode ser um indício de mortes violentas.

d) Ìkùn é uma espécie de esquilo africano. É um roedor, o que é mais uma evidência de perigos
nesse caminho de Odù. Caberá ao awolòrìñà definir qual carne de animal caracterizará a melhor opção para
substituí-lo.

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e) O ëbö foi feito para que fosse possível tirar proveito de uma situação inusitada. Merece
destaque o fato de que indiretamente tal ëbö favoreceu para que um grande erro não fosse cometido.

Ògúndá 7

Numa determinada fase de sua existência Îrúnmìlà foi para a cidade de Iwó trabalhar como
babalawo. Antes de partir ele consultou Ìfá, e lhe foi dito que em tal cidade encontraria uma bênção de
esposas. Foi aconselhado a Îrúnmìlà fazer um ëbö para que tal bênção de fato acontecesse. Quando lá
chegou, ele enamorou-se com a filha do rei, e depois de um tempo eles se casaram. Mas a esposa de
Îrúnmìlà tinha um gênio terrível, e constantemente ele tinha problemas em seu casamento. Ela o humilhava
obrigando-o a fazer os trabalhos domésticos. Chegou até a servir excrementos para que ele comesse.
Chegou o dia em que ela quase quebrou o îpïn de Îrúnmìlà, e só não o fez por que ele não permitiu. Então
Îrúnmìlà resolveu fazer a oferenda que ainda não tinha feito. Depois que ele fez o ëbö o comportamento de
sua esposa mudou da água para o vinho. Ela percebeu tudo o que estava fazendo, e decidiu tratar Îrúnmìlà
com zelo, carinho e respeito.

"Raiva não traz benefício a ninguém. Paciência é a mãe do caráter. O ancião paciente apreciará
a idade, e gozará de vida longa". Essa passagem resume a principal mensagem do ìtan. A paciência é o que
deve prevalecer. A própria estrutura do ìtan evidencia que o consulente se deparará com situações
consideravelmente estressantes; e perante tais situações deverá permanecer o mais paciente possível, pois
de tal estresse surgirá consideráveis benefícios.

"Consultaram Ìfá para Îrúnmìlà, quando ele estava indo à cidade de Iwó trabalhar como um
babalawo. Disseram, ‘Îrúnmìlà, esse lugar onde você está indo. Lá existe uma bênção de esposas'". Essa
passagem evidencia que foi em outra cidade que Îrúnmìlà encontrou sua futura esposa. Esse fato abre a
possibilidade do consulente encontrar em outro lugar, e não onde vive atualmente, as bênçãos que
poderão mudar sua vida. Também é importante salientar que as questões sentimentais estão em destaque
nesse caminho de Ògúndá. Um detalhe que merece destaque é o fato do trabalho estar relacionado à
questão. Graças a tal detalhe existe a possibilidade da "bênção de esposas" citada no ìtan ter alguma
relação com os aspectos profissionais da vida do consulente.

"Disseram que ele deveria ser paciente. Ìfá diz que essa pessoa casará, a esposa será difícil, mas
será necessária paciência, pois o futuro será doce". A clareza dessa passagem dispensa comentários. Toda
a estrutura do ìtan aponta para a vida matrimonial, mas a sabedoria desse Odù é aplicável a quaisquer
aspectos da vida.

"Îrúnmìlà era aquele que varria o chão, arrumava a esteira, pilava a pimenta". Essa passagem
mostra a necessidade de esforços em favor da comunhão; além é claro de uma considerável tolerância
perante situações estressantes.

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"Ela chegou a urinar nas roupas dele, além de colocar excrementos em seu prato". Essa
passagem mostra o quanto a paciência será testada. O comportamento absurdo da esposa de Îrúnmìlà
parece um teste para saber se realmente ele queria permanecer casado. Perseverança e tolerância são
características de Ògúndá nesse caminho de Odù.

"Ela quebrou seu îpïn para fazer pratos. Ele disse: O que você está fazendo?". É interessante
notar que quando os disparates alcançaram um patamar espiritual, Îrúnmìlà reagiu; não brigando, mas
fazendo a oferenda prescrita. É provável que as provações desse Odù incentivem decisões de caráter
espiritual. Também é importante salientar que Îrúnmìlà não fez o ëbö imediatamente, mas esperou até que
a situação ficasse insuportável. É bom que o consulente saiba que Îrúnmìlà representa sabedoria e
autocontrole, o suficiente para suportar os sofrimentos narrados no ìtan, mas provavelmente uma pessoa
comum não o terá. Esse fato torna prudente fazer o ëbö antes que a situação em questão possa fugir ao
controle.

“Essa pessoa deve oferecer ûkö frio a Òrìñà; e deve acrescentar folhas de îdúndún. Também
deverá oferecer três búzios, juntamente com manteiga de òrì". A natureza da oferenda prescrita é
essencialmente ûrö. O uso da palavra “Òrìñà” designando apenas um ser geralmente refere-se a Òñàlá.
Isso é extremamente lógico, pois a paciência necessária à situação é algo inerente às características desse
Òrìñà.

"As coisas que eu fiz você aceitou; nunca incomodaram você". Nesse caminho de Odù a
paciência pode transformar-se em transcendência em relação às vicissitudes do àiyé. Isso é espiritualidade.
É importante ter em mente que foi tal atitude em relação ao sofrimento que possibilitou a Îrúnmìlà receber
as bênçãos citadas no ìtan.

"Ela começou a cozinhar para ele. Tudo aquilo que ela não fazia, ela passou a fazer para ele".
Nesse momento aparecem as bênçãos que Òrìñà havia prometido. Havendo compreensão clara sobre os
assuntos abordados nesse Odù, pode-se esperar harmonia, tanto na vida conjugal como em outros
aspectos da existência humana. Para além dos dissabores haverá felicidade.

"Òrìñà fala de uma bênção de esposas, de riquezas e de vida longa". Definitivamente


casamentos têm força nesse caminho de Odù. Pode-se esperar dificuldades de relacionamento na família e
até com amigos. Em todos os casos a paciência deve imperar. Importante a citação sobre outras bênçãos
que podem se manifestar. Todos esses fatores evidenciam a considerável positividade desse caminho de
Ògúndá.

Ëbö

Três búzios
Folhas de îdúndún

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Ûkö frio
Banha de òrì

Comentários sobre o ëbö

a) A pequena quantidade de búzios revela que o pagamento por esse ëbö deve ser apenas
simbólico.

b) Segundo o ìtan, tal ëbö foi oferecido por Îrúnmìlà para que ele tivesse paciência e capacidade
para suportar sofrimento. Mas outra finalidade de tal oferenda é satisfatoriamente explícita no próprio ìtan:
"Há uma bênção de esposas lá. O que ele deveria fazer para que as bênçãos de esposas pudessem de fato
acontecer?" Ou seja, além de auxiliar na paciência e tolerância, tal ëbö favorecerá para que o consulente
consiga resolver satisfatoriamente suas questões sentimentais.

Ògúndá 8

Há muitos e muitos anos existiram três príncipes cujos nomes eram Raiva, Cabeça Quente e
Serenidade. Eles eram irmãos, filhos da mesma mãe, que depois de criá-los partiu para morar longe. O
tempo passou e cada um dos príncipes herdou um reino de seu poderoso pai, que havia falecido. Ao saber
disso a mãe deles resolveu presenteá-los, enviando-lhes três cestas cheias de inhame, mas que no fundo
guardavam ìlûkû e jóias. Os dois primeiros irmãos recusaram o presente que Èñù carregou até eles, e em
sinal de protesto contra aquilo que consideraram uma atitude grosseira da mãe, se suicidaram. O terceiro
irmão recebeu os inhames de bom grado, contente pelo fato da mãe ter se lembrado dele. Quando ele foi

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pegar os inhames encontrou as jóias e os ìlûkû. Ele acabou ficando com as riquezas que pertenciam a seus
irmãos, além das que tinham sido destinadas a ele.

"Ìfá diz que quando nós vemos o Terceiro Ancião ( Ògúndá), devemos perguntar sobre os três
filhos de uma mesma mãe". Em virtude de tal passagem seria prudente checar como estão os irmãos ou
pessoas muito próximas ao consulente. Como o ìtan abrange a possibilidade de perdas, fica justificada a
necessidade de tais consultas.

"Ìfá diz que o filho paciente herdará as riquezas de seus irmãos". A paciência e simplicidade de
espírito influenciarão na prosperidade do consulente. É preciso salientar que as riquezas ( ìlûkû) estavam
encobertas por coisas simples, mas importantes (inhame). Também é importante notar que a idéia de
herança está implícita nesse Odù, portanto deve ser checada. Sob outro ponto de vista, herança pode
significar ganhos extras ou inesperados. Nesse caso é importante salientar que um estado interno de
tranqüilidade e otimismo favorecerá consideravelmente tais ganhos. Uma outra característica de
“heranças” que justifica consultas específicas diz respeito ao fato de que segundo a tradição ioruba-nagô,
um indivíduo pode assumir determinados aspectos de sua ancestralidade, como a necessidade de cultuar a
memória de seus ancestrais, cultuar o Òrìñà da família, ou ainda terminar alguma obra incompleta.
Geralmente, tais possibilidades são chamadas de "herança" pelo povo de Òrìñà, e seria prudente checar a
validade ou não de tal possibilidade.

"Minha mãe sabe que eu me tornei rei, e me descontenta?". A falta de calma trouxe desgraças
aos reis Raiva e Cabeça Quente. Essas manchas mentais precisam ser extirpadas quando aparece esse Odù.
Além de intolerância, é necessário destacar a possibilidade de arrogância e vaidade, pois os reis suicidas
tinham de si mesmos uma idéia consideravelmente elevada, a ponto de considerarem um insulto a amistosa
atitude da própria mãe. Assim como a intolerância, tal quadro de arrogância e vaidade certamente atrairão
consideráveis dores à vida do consulente.

"Eles (Raiva e Cabeça Quente) abriram seus estômagos e morreram". Não é a primeira vez que
suicídios aparecem em Ògúndá. É necessário atenção a esse perigo. Além do sentido literal, suicídio
também pode significar qualquer atitude que leve o indivíduo à sua perdição pessoal. Em ambos os casos as
conseqüências são desastrosas e funestas. Importante notar que o suicídio narrado no ìtan está diretamente
relacionado aos nomes dos reis. Logo, atitudes intempestivas e impensadas fatalmente gerarão
consideráveis danos quando Ògúndá aparecer nesse caminho.

"Todo esse tempo que minha mãe passou viajando ela não esqueceu de mim". O rei Serenidade
não considerava que devido a seu posto de monarca, sua mãe deveria presentear-lhe com algo especial. Ele
não estava preocupado com louvores ou reconhecimentos; para sua alegria bastava a lembrança de sua
mãe. Isso não deixa de ser espiritualidade, pois é desapego à própria personalidade. Já a conduta dos
irmãos de Serenidade evidencia o contrário, ou seja, soberba. Eles acreditaram que por serem reis, o
presente de inhames não poderia ser considerado digno de suas posições sociais. Há de se considerar a
hipótese de atitudes desprovidas de humildade quando Ògúndá aparecer nesse caminho. Importante
salientar que tal postura será consideravelmente perigosa.

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"Èñù a encontrou (a mãe) lá”. Essa passagem evidencia o aspecto mensageiro de Èñù, pois é ele
que transporta os presentes da mãe para os filhos. Embora não haja nenhuma citação literal no ìtan, é
possível que seja através das mãos de Èñù que essa pessoa receberá sua prosperidade. Se Ìfá confirmar tal
possibilidade, abre-se a possibilidade de oferendas mais elaboradas a esse Ëböra, além das que ele recebe
por trabalhar como Elýbö.

“Ela está vivendo numa distante fazenda” . Essas palavras de Èñù abrem a possibilidade de um
afastamento físico em relação à própria mãe (ou alguém muito querido). Os presentes enviados pela mãe
podem evidenciar ancestralidade, no caso da mesma já ser falecida. No caso de Ìfá confirmar a presença da
ancestralidade na questão, ficará evidente que os ancestrais do consulente poderão de alguma forma
auxiliá-lo a prosperar. Caberia então ao awolòrìñà definir o que poderia ser feito a esse respeito para auxiliar
o consulente.

"Ìfá diz que essa pessoa deverá ter paciência; que bênçãos são o que ele prevê. Òrìñà fala de
uma bênção de riquezas, de filhos e de vida longa". Essa passagem evidencia os aspectos positivos desse
caminho de Ògúndá. Sem o estado mental de paciência, simplicidade e contentamento do rei Serenidade, é
óbvio que tais bênçãos não se manifestarão.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Na verdade, não há no ìtan nenhuma lista de oferenda, como é comum nas demais ocasiões.
Mas há a citação de uma faca, que deveria ter sido oferecida pelos reis Raiva e Cabeça Quente; mas ambos
não fizeram tal oferenda. Foi com essa mesma faca que os dois se suicidaram. O bom senso manda
consultar para saber sobre a necessidade ou não de tal oferenda, principalmente pelo fato de Èñù ter
presenciado os suicídios e não ter feito nada para evitar, pois em outro caminho de Ògúndá, Èñù também
está presente numa cena de suicídio, mas acaba salvando o suicida em potencial, pois esse havia feito
corretamente as oferendas prescritas. Não oferecer o ëbö prescrito pode ser entendido como falta de visão
espiritual, ou até mesmo desrespeito ao sagrado.

79
Ògúndá 9

Num passado distante existiram três príncipes. O primeiro eles chamava-se A jí f’ówó ñ’íré
(Aquele que acorda e brinca com dinheiro); o segundo chamava-se Á jí f’ïmö okùn ta’yò (Aquele que
acorda e brinca com contas), e o último chamava-se Kò í gbï àiyé, kò í gbï îrun (Não escute o àiyé, não
escute o îrun). Eles Consultaram Ìfá por suas vidas, e a resposta que obtiveram dizia “Nenhum dia é tão
longínquo que nunca chegará”. Também lhes foi aconselhado fazer um ëbö, além de oferendas a Òkè
Ìpînrí, pois assim “as coisas seriam boas para eles". Depois de um longo período, finalmente chegou o dia
em que os príncipes herdaram os oyè de seus respectivos pais, tornando-se reis. Eles dançaram e
regozijaram no dia em que suas preces foram atendidas.

"Ìfá diz que as três pessoas que estão juntas, Ìfá diz que os três são filhos de olóyè". O ìtan fala
de três príncipes. Esse fato, adicionado à informação trazida nessa passagem, abre a possibilidade de mais
de uma pessoa estar envolvida na questão exposta. Provavelmente pessoas próximas ao consulente se
encaixem em tal realidade. Outro ponto que merece destaque é a citação sobre oyè. Tal fato evidencia que
títulos honoríficos (e as bênçãos inerentes a tais títulos) estarão presentes quando Ògúndá aparecer nesse
caminho de Odù. Situações como essas geralmente são propícias para a passagem de oyè num ëgbý Òrìñà.

"Nenhum dia está tão longe que nunca chegará". A idéia principal do ìtan é saber esperar, pois
aquilo que se deseja (O oyè em questão, e por extensão, ascensão social e reconhecimento pessoal, além de
considerável prosperidade) um dia chegará, se as informações contidas nesse Odù forem fielmente
seguidas.

80
"Vocês três ocuparão os lugares de seus pais". Há uma certa idéia de continuidade e até de
herança nesse caminho de Ògúndá. É preciso salientar que muitas vezes as heranças que aparecem nos
Odù possuem uma conotação espiritual. Ou seja, pode ser alguma informação de origem ancestral, que
eventualmente poderá se converter na necessidade de cultuar a memória dos ancestrais ou de algum Òrìñà
da linhagem familiar. Seria prudente chegar tais possibilidades.

"Depois de um tempo, o dia finalmente chegou". O ìtan fala sobre paciência, e é muito difícil
definir se um longo período de espera para realizações pessoais esteja começando ou prestes a acabar.
Caberá ao awolòrìñà definir esse pormenor. Os nomes de dois dos reis exprimem a idéia de prosperidade
("Aquele que acorda e joga com dinheiro; Aquele que acorda e joga com contas"), enquanto o nome do
terceiro rei (“Sem escutar o àiyé, sem escutar o îrun”) traz à lembrança algumas palavras do Senhor Buda:
"Não acredite em algo porque alguém lhe disse, porque as possibilidades favorecem, porque a tradição
prescreve, por acreditar que um deus o inspirou. Acredite em algo cuja verdade foi comprovada por sua
própria experiência". Sob esse prisma, o nome do terceiro rei sugere discernimento, que é vital para a
manutenção da paciência e esperança sugeridas pelo ìtan.

"Os três herdaram os oyè de seus pais. Òrìñà prevê bênçãos". Essa passagem confirma a
positividade desse Odù; que fatalmente se manifestará se as demais informações trazidas por Ògúndá
forem fielmente seguidas. Também merece destaque o fato de que a presença de oyè geralmente pode ser
entendida como ascensão social, e até como a realização de antigos sonhos ou projetos.

"Deveriam oferecer ëbö ao Òkè Ìpînrí de cada um. Devem fazer oferendas a suas cabeças". Para
muitos Òkè Ìpînrí é sinônimo de Orí. Mas segundo informações fidedignas de autores renomados, Orí seria
um dos elementos que formam Òkè Ìpînrí, não o mesmo. É importante salientar essa distinção, pois além de
oferendas a Orí provavelmente outros elementos da espiritualidade do consulente deverão ser propiciados.
O importante é que fique claro que sem as bênçãos de Òkè Ìpînrí dificilmente se poderá atingir os
benefícios apresentados no ìtan. Também é muito provável que todos os envolvidos na questão deverão ter
a mesma conduta ritual. Em caso de dúvidas, caberá ao awolòrìñà definir quais elementos do Òkè Ìpînrí
devem ter o àñë fortalecido.

Ëbö

Vinte e seis búzios


Três galinhas
Três pombos
Três obì
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre o ëbö

81
a) A presença de obì no ëbö evidencia a necessidade de equilíbrio, discernimento e sabedoria,
além de ser uma evidência que o àñë do Orí do consulente influenciará no sucesso ou fracasso da oferenda.
Muito provavelmente seja essa a razão de oferendas a Orí quando esse Odù se manifesta.

b) Se Ìfá confirmar que existem outras pessoas envolvidas nas questões tratadas, essas deverão
oferecer o mesmo ëbö.

c) Tal ëbö não estará completo sem oferendas a Òkè Ìpînrí. Os elementos do Òkè Ìpînrí que
deverão ter o àñë fortalecido deverão ser definidos pelo awolòrìñà.

d) O ëbö foi feito para que "as coisas fossem agradáveis" para os príncipes. Logo, está ligado a
realizações de antigos projetos, ascensão social e prosperidade, em situações semelhantes às narradas no
ìtan.

82
Ògúndá 10

Wààkà era o nome de um crocodilo que estava sendo incomodado por Kînkî (sapo-boi) e Îpîlï
(sapo comum), que eram seus inimigos e desejavam expulsá-lo do rio. Desesperado com a situação Wààkà
procurou um babalawo, que lhe recomendou um ëbö. Entre outros elementos essa oferenda continha
alguns pregos e nozes de palmeira. Ao fazer a oferenda Wààkà despertou a compaixão de Èñù. Então
Ûlûgbárà o chamou, e com seu àñë pegou os pregos oferecidos no ëbö e os fixou na boca do crocodilo,
dando-lhe assim poderosas presas. Depois Èñù pegou os coquinhos do ëbö e fixou-os em sua pele,
formando assim a forte couraça que protege os crocodilos. Munido de suas novas armas Wààkà investiu
contra seus inimigos. Bastava fechar as mandíbulas e eles eram partidos ao meio. Nunca mais eles puderam
incomodá-lo. É por isso que até hoje crocodilos são chamados de reis do rio.

"Ìfá diz que nos ajudará a conquistarmos nossos inimigos". Inimigos são a tônica desse caminho
de Ògúndá. Pela própria estrutura do ìtan é possível que tais inimizades estejam relacionadas à moradia do
consulente, ou algo similar.

"Todos os peixes, Kînkî e Îpîlï (duas espécies de anfíbios) estavam desafiando Wààkà". É
evidente a situação estressante entre duas ou mais partes que se entrechocam. Um outro detalhe a ser
observado sobre essa passagem diz respeito ao fato de que é comum o uso de anfíbios em kanbùrùkù. A
presença de tais animais no ìtan torna prudente que haja consultas para averiguar a presença ou não de tal
infortúnio na questão.

"Èñù disse, ‘Abra sua boca’. Ele fixou os pregos de ferro. Depois ele disse, ‘Deite-se’, e
Wààkà deitou-se. Èñù colocou àñë nas nozes de palmeira, e as fixou às costas de Wààkà." Foi graças a
ajuda de Èñù que Wààkà conseguiu suplantar seus inimigos. Devido tal fato abre-se a possibilidade de
oferendas específicas a Èñù, além das que ele deve receber por trabalhar como Ëlýbö. Mas como tal
possibilidade não está explícita no ìtan, serão necessárias consultas específicas a esse respeito. De qualquer
forma é importante que fique claro que apesar de ser um crocodilo, Wààkà não tinha meios para se
defender de seus inimigos. Tais meios só lhe foram dados mais tarde por Èñù. Tal fato evidencia que será
através de Òrìñà que a pessoa conseguirá as "armas" necessárias para satisfatoriamente resolver seus
problemas.

"Kînkî, não o incomodou mais. Îpîlï não o incomodou mais. Ninguém podia tirá-lo do rio. Wààkà
tornou-se o rei deles". Apesar da negatividade desse Odù, a tendência é que se consiga sobrepujar os
inimigos, talvez até conseguindo uma posição de destaque entre eles.

"Se um peixe viesse contra ele, bastava bater seus pregos de ferro (dentes) e o partir em dois".
A violência expressa nessa passagem pode ser um indício de embates mais diretos, seja fisicamente ou em
tribunais. Definitivamente conflitos constituem a tônica desse caminho de Odù.

83
"Ìfá diz, uma bênção de um lugar para morar". Os inimigos de Wààkà queriam tirá-lo de sua casa.
Propriedades podem estar relacionadas com os embates em questão. O aspecto positivo desse caminho de
Ògúndá evidencia que o consulente poderá conseguir um lugar para viver em paz, e que não poderão mais
incomodá-lo nesse sentido.

Ëbö

Vinte e seis búzios


Três ëmï
Três pombos
Três pregos de ferro
Nozes de palmeira (coquinhos)
Conchas de ìgbín

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

b) Os pregos são uma alusão aos dentes de Wààkà. Representam a possibilidade de autodefesa,
mesmo que isso implique lutas.

c) Os coquinhos representam a dura couraça que envolve o corpo dos crocodilos, simbolizando a
proteção que nesse Odù vem pelos caminhos de Èñù.

d) As conchas de ìgbín representam moradia, pois todo o ìtan gira em torno de tal fator.

84
Ògúndá 11

Houve uma época em que sempre que alguém era acusado de algum crime era imediatamente
executado por decapitação, sem que a situação fosse satisfatoriamente investigada ou resolvida. As
execuções aconteciam perante a casa de Ògún. Entre os carrascos de Olófin estavam Ògúndá e Ìròsùn, mas
a cada dia Ògúndá ficava mais desgostoso, pois sabia que muitas pessoas inocentes eram executadas, sem
o direito de se explicarem. O rei possuía um carneiro muito estimado, e determinou que um de seus
guardas deveria cuidar do animal. Durante um vacilo do guarda Ògúndá matou o carneiro, cortou-lhe a
cabeça e colocou-a na boda de Ìròsùn, que estava bêbado e inconsciente na varanda de sua casa. Quando
descobriram o que havia acontecido com o carneiro do rei, os guardas foram atrás do assassino e
encontraram Ìròsùn desacordado, com a cabeça do carneiro em sua boca. Imediatamente Ìròsùn foi preso e
levado até o rei. O monarca determinou que Ìròsùn fosse decapitado, como um criminoso qualquer. Na

85
hora da execução Ògúndá estava armado com uma espada. Enquanto Ìròsùn rezava, Ògúndá matou o
guarda que o decapitaria, e aí assumiu a responsabilidade pela morte do carneiro. Disse que tinha feito tudo
aquilo para que todos pudessem perceber que pela falta de julgamentos justos, pessoas inocentes estavam
sendo executadas. Os anciões perceberam a coerência dos argumentos de Ògúndá, e juntamente com o rei
decidiram que a partir daquele momento ninguém mais seria executado sem um julgamento prévio, onde
houvesse a oportunidade de defesa por parte do acusado. Foi assim que começaram os julgamentos até os
nossos dias.

"Se dissessem que alguém havia feito alguma coisa errada, Olófin dizia, ‘Vá até lá e corte sua
cabeça’. Eles nem perguntavam às pessoas se elas haviam ou não feito algo de errado. Eles chegavam e já
cortavam a cabeça". Essa passagem evidencia a possibilidade de intolerância e julgamentos precipitados
quando Ògúndá aparece nesse caminho. A própria estrutura do ìtan mostra que é preciso ouvir todas as
partes envolvidas, antes de distribuir sentenças.

"Ìfá diz que essa pessoa deve oferecer um ëbö para que não seja acusada de algo que não fez".
Essa passagem é muito clara. Evidencia que injustiça é a principal mensagem desse caminho de Ògúndá.
São consideráveis as chances de alguém sofrer acusações injustas enquanto estiver sobre a influência desse
Odù.

"Ògúndá pegou a cabeça do carneiro e enfiou na boca de Ìròsùn". Essa passagem mostra a
possibilidade de trampolinices e incriminações nesse caminho de Ògúndá. Em seu aspecto positivo, deve-se
levar em consideração que essa foi a forma que Ògúndá encontrou para tornar públicas as injustiças
cometidas até então. Segundo tal aspecto, é possível que os fins justifiquem os meios quando Ògúndá
aparece nesse caminho. No que diz respeito à simbologia, a cabeça do animal na boca de Ìròsùn lembra
algumas passagens dos ritos de iniciação; talvez numa tentativa de apresentar o noviço aos Òrìñà como
alguém inocente, portanto digno de clemência e compaixão.

"Ìròsùn bebeu tanto naquele dia, que acabou dormindo esparramado na varanda". Se não
estivesse bêbado Ìròsùn não passaria pelo que passou e sua vida não seria colocada em risco. Esse é apenas
mais um mito onde aquele que possui vícios acaba tendo problemas. Talvez fosse prudente abster-se de
qualquer tipo de vício enquanto se está sob a influência desse Odù.

"Esse foi o dia em que começaram os julgamentos". O ìtan explica que foi depois desse episódio
que os julgamentos começaram a ser realizados. A posição de Ìròsùn como réu abre a hipótese de possíveis
problemas judiciais.

"Ìròsùn estava rezando". O ìtan diz que momentos antes de sua execução, Ìròsùn começou a
rezar. Logo após suas orações, Ògúndá o salvou. Orações sempre são benéficas, mas parece que nesse
caminho de Odù, elas são vitais.

"Ògúndá estava armado. Ele cortou a cabeça da pessoa que decapitaria Ìròsùn". Essa passagem
pode ser uma alusão de que a justiça prevalecerá no final. Um outro aspecto a considerar é que em Odù

86
onde aparece muita violência, são necessários cuidados nesse sentido. As citações de Ògún no ìtan tornam
prudentes cuidados em relações aos perigos típicos simbolizados por esse Òrìñà. Ou seja, brigas, prisões,
mortes violentas com armas ou nas estradas.

"Os anciões do Îyï Mèsì (importante conselho de anciões de Îyï), eles chegaram e disseram.
‘Há! Deixem Ògúndá falar’”. Importante notar que foi graças a intervenção dos anciões que Ògúndá
conseguiu o direito à palavra, e através desse direito convenceu a todos sobre a necessidade de ouvir uma
pessoa antes de condená-la. Tal fato abre a possibilidade de uma possível influência benéfica de terceiros,
possivelmente alguém mais velho. Também evidencia a necessidade de sabedoria e imparcialidade; virtudes
típicas de anciões.

"Eles deviam perguntar às pessoas se elas fizeram algo de errado. Havia muitas pessoas não
faziam nada de errado, mas que eles as matavam". Essa passagem evidencia a necessidade de não fazer
julgamentos precipitados. Também representa a possibilidade de injustiças. Se a realidade do consulente se
identificar com Ìròsùn nesse caminho de Odù, será óbvio que o mesmo estará sofrendo consideráveis
injustiças.

"Disseram que ele deveria sacrificar a Ògún. Se as pessoas faziam algo, elas assumiam; se
dissessem que não fizeram nada, de fato elas não haviam feito". Sabe-se que Ògún representa a honra da
palavra. A violência do ìtan e a honra citada justificam a necessidade de oferendas a Ògún. É bom que o
consulente fique ciente de que se ele não for o injustiçado, e sim o injusto, provavelmente terá problemas
com Ògún.

"Fui eu que matei o carneiro. Não Ìròsùn. E onde está a pessoa para me matar? Pois é a mim que
deveriam matar. Eu só arrastei o carneiro até a casa de Ìròsùn, para todos saberem que estavam matando
pessoas inocentes". Apesar de ter sido o próprio Ògúndá que propositadamente incriminou Ìròsùn
(embora por boas intenções), merece destaque a forma corajosa que ele defende seu amigo. Ògún, que fala
nesse Odù, é reconhecido por sua capacidade de dar valor às suas amizades. Devido a todos esses fatores
pode-se considerar que a amizade será muito importante para que injustiças abatem sobre o consulente, ou
a pessoa para quem aparece esse Odù. Mas mesmo que não exista amizade no contexto, a postura corajosa
de Ògúndá evidencia que não se pode ter medo na hora de fazer justiça, mesmo que isso traga percalços
pessoais.

"Òrìñà fala de uma benção de filhos e de riquezas". Esses são os principais aspectos positivos que
se pode esperar quando Ògúndá aparece nesse caminho. Seria importante evidenciá-los ao consulente,
para que não haja um clima de demasiada preocupação devido às outras informações trazidas Poe esse
Odù.

Ëbö

Vinte e seis búzios

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Três galinhas
Três pombos
Muito feijão preto
A roupa que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas pode ser uma alusão à necessidade de maleabilidade de personalidade,


para não cometer injustiças ou para se safar delas. O importante é ter em mente que alguma coisa na
personalidade do consulente deverá ser alterada, para que ele possa satisfatoriamente lidar com a situação.

b) Segundo o ìtan, os feijões pretos devem ser oferecidos a Ògún, pois o ëbö não estará completo
sem oferendas a esse Òrìñà.

c) O ëbö foi feito pelo rei para que ele descobrisse o paradeiro de seu carneiro, que havia sido
roubado. Tal ëbö favorecerá para que a verdade venha à tona.

88
Ògúndá 12

Numa certa altura de sua existência, Ömöjëlýwù (Yemöja) casou-se com Îkûrû (Orí Oke?). Yemöja
era conhecida por possuir seios enormes, enquanto os dentes de Îkûrû eram saltados para fora. Ambos
combinaram que jamais deveriam ridicularizar um ao outro. Îkûrû era um caçador, e num dia de chuva
Yemöja teve que guardar seu öfà, que estava exposto ao tempo, para que ele não estragasse. Ela amarrou
um pano em suas mãos para tocar o öfà, e vendou seus olhos quando entrou no quarto onde Îkûrû
guardava seus apetrechos de caçador. Mas quando chegou em casa Ökërë brigou com Yemöja, pois
mulheres não podiam ter acesso a alguns segredos dos caçadores. No meio da briga ele ridicularizou os
seios de Yemöja, que em reposta ridicularizou os dentes de Îkûrû. Para fugir do marido encolerizado Yemöja
transformou-se num rio, conhecido até hoje pelo nome de ògùn.

89
"Conte-me seu ëwî, que eu contarei o meu a você". Essa passagem mostra que conhecer a
personalidade alheia, e permitir que conheçam as nossas, pode ser importante para evitar
desentendimentos. Levando-se em consideração o desenrolar do ìtan, tal informação poderá ser de grande
valia.

"Îkûrû disse, 'Você nunca deve ridicularizar meus dentes'. ömöjëlýwù disse, 'Esses seios. Você
nunca deve ridicularizá-los'. Eles disseram, 'Tudo bem'". Essa é a passagem que evidencia a concórdia entre
Yemöja e Îkûrû. Respeitar a personalidade alheia é algo imprescindível quando esse Odù aparece. Se tal
detalhe não for observado, pode-se esperar por grandes brigas e desentendimentos. O fato de Yemöja e
Îkûrû serem casados abre a possibilidade de momentos delicados no casamento, quer seja do consulente
ou de outra pessoa que Ìfá possa indicar. Ömöjëlýwù e Îkûrû concordaram que não comentariam os ûwî um
do outro. Mais à frente, o trato é quebrado. Tal fato abre a possibilidade de acordos desfeitos nesse
caminho de Odù.

"Mulheres não podiam entrar no quarto onde ele guardava seu öfà". Realmente há histórias que
dizem que mulheres não participam ativamente do culto de divindades masculinas caçadoras. Há rumores
de que em algumas casas do Brasil ainda existe essa tradição. De qualquer forma, esse foi o primeiro erro de
Yemöja. É óbvio que suas intenções eram as melhores, mas não foi assim que Îkûrû enxergou a situação. Tal
fato mostra a necessidade de muito cuidado no trato alheio, para que as atitudes pessoais não sejam
enxergadas como ofensivas aos olhos de outras pessoas.

"Ela envolveu suas mãos com panos para que não tocassem o öfà". É comum no Candomblé
brasileiro envolver um pano branco na mão para poder tocar objetos litúrgicos cujo manuseio ainda não se
tenha o direito. A origem de tal costume está explícita nesse caminho de Ògúndá. É mais uma evidência de
que as tradições conhecidas por Salàkï são compatíveis com o que se conhece de Candomblé no Brasil.

"Olhe os seus seios caídos!". "Olhe seus dentes para fora!". Essas passagens mostram o
desrespeito ao ûwî alheio, o que caracteriza falta de consideração. Tais atitudes certamente gerarão
desentendimentos nesse caminho de Odù.

"Vocês verão o Òrìñà fazer a verdade aparecer". A situação não resolvida entre os personagens
do ìtan evidencia que mal-entendidos poderão ser esperados. Nesse caso é dito que o próprio Òrìñà fará a
verdade vir à tona, favorecendo assim o término de tão estressante situação. Certamente será necessário
levar em consideração o fato de que sem ter pleno acesso a todas as informações possíveis, será no mínimo
arriscado acusar alguém de alguma coisa.

"Ìfá diz que essa pessoa deve ter paciência". No ìtan, Îkûrû não quis ouvir as explicações de
Yemöja e insultou-a prontamente. Sob a influência desse Odù é necessário ser paciente e ouvir as pessoas,
para evitar atritos desnecessários que podem gerar consideráveis perdas. É necessário levar em
consideração que o casamento entre Yemöja e Îkûrû acabou ali. Ou seja, esse Odù não só abre a
possibilidade de problemas conjugais, como evidencia que tais problemas podem estar relacionados a

90
interpretações equivocadas de direitos e deveres (o fato de Yemöja ter entrado no quarto onde o öfà era
guardado), e na falta de paciência em relação ao cônjuge.

"Sim. ömöjëlýwù fugiu. Ela lançou-se por terra, e transformou-se num rio. O rio que é chamado
Rio ògùn. A esposa de Îkûrû é o rio ògùn". O ìtan fala de quando Yemöja transformou-se no rio ògùn.
Numa variante desse mesmo mito, o marido de Yemöja transforma-se numa colina, e fixa-se exatamente na
trajetória entre o rio e o oceano. É essa a variante que abre a possibilidade de Îkûrû corresponder a Orí Òkè,
divindade das colinas. Além de todas essas informações mitológicas, é preciso considerar que a presença de
Yemöja sempre justifica prudência em relação a problemas de Orí ou familiares.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) No ìtan aparece a citação "Nós oferecemos o ëbö, nós apaziguamos as divindades". Não há
nenhum ëbö prescrito no ìtan, apesar de tal passagem dar a entender o contrário. Se há ou não a
necessidade de alguma oferenda, caberá ao awolòrìñà definir.

91
Ìròsùn

Considerações gerais

Ìròsùn mostrou-se um Odù de assuntos abrangentes, com considerável teor espiritual, embora
também apareçam em seus caminhos assuntos estranhos ao que comumente é definido dessa forma.
Servir a Òrìñà é uma informação que aparece duas vezes nos caminhos de Ìròsùn. É provável que
cultuando Òrìñà possa manifestar-se um potencial espiritual até então latente. A possibilidade de missão
espiritual deve ser considerada, assim como em qualquer outro Odù onde claramente apareça a
necessidade de devotamento a Òrìñà. Em duas oportunidades aparece nos caminhos de Ìròsùn a
necessidade de desenvolver o àñë pessoal. Esse é apenas mais um detalhe que faz de Ìròsùn um Odù
benéfico para a iniciação.
Nas ocasiões onde é evidenciada a necessidade de desenvolvimento do àñë pessoal, também está
presente a forte liderança que se pode obter sobre pessoas ou situações depois que o àñë em questão é
desenvolvido. Um detalhe sobre essa particularidade de Ìròsùn é a necessidade de ética espiritual
(simbolizada pelos Òrìñà Funfun) em relação ao desenvolvimento do àñë, para que mesmo
inconscientemente a pessoa não se torne uma espécie de mago negro ao usar suas sagradas
potencialidades para fins egoístas.
Em relação à ancestralidade, Egún aparece em Ìròsùn auxiliando aqueles que o buscam. De acordo
com a ocasião, os ancestrais podem auxiliar diretamente na vida de seus descendentes, favorecendo-os no
cotidiano. O aspecto de ancestralidade que evoca a consciência da impermanência do àiyé (como acontece
em Òdí) não é muito forte em Ìròsùn, sendo sobrepujada pelo aspecto de ancestralidade que favorece uma
vida menos dura para os que ainda estão no àiyé.
Em alguns de seus caminhos Ìròsùn mostra algumas dificuldades no âmbito material, a ponto de
algumas vezes caracterizar infelicidade. Mas o importante é ter em mente que quando tais aspectos de
Ìròsùn aparecem, também estão presentes as chances de reverter satisfatoriamente a situação.

92
Um dos aspectos positivos de Ìròsùn é a prosperidade. Essa tende a manifestar-se apenas quando
há equilíbrio espiritual, pois em situações de desleixo espiritual a prosperidade dificilmente aparecerá. Ou
seja, havendo equilíbrio espiritual a vida tende a ser próspera sob Ìròsùn. Sob o ponto de vista do
Candomblé, pode-se dizer que equilíbrio espiritual é obrigação em dia, Orí fortalecido, consciência do
próprio Odù e sobretudo, devoção a Olódúmarè.
São consideráveis as chances de dificuldades na velhice sob a influência desse Odù, se não houver
previdência na juventude. Preparar-se para não passar dificuldades na última fase de permanência no àiyé é
uma das principais mensagens trazidas por Ìròsùn. Também aparecem em seus caminhos atitudes típicas
dos mais novos, que recusam os conselhos dos mais sábios e agem imprudentemente, resguardando a si
mesmos consideráveis sofrimentos na velhice. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre o
poupar e o altruísmo, preparando-se para a velhice, mas sem deixar de ajudar aos que necessitam.
A vida familiar é forte em Ìròsùn. Casamentos e filhos estão presentes e será no âmbito familiar
que ocorrerão as melhores chances de crescimento espiritual, provavelmente instruindo e apoiando os
demais membros da família.
A vida amorosa tende a ser boa, mas é caracterizada por constantes agitações. Grandes paixões,
abundância de pretendentes e infidelidade poderão acontecer. Para que haja êxito sentimental, será
fundamental não dar importância ao passado do companheiro. O casamento merece destaque em Ìròsùn,
mas não havendo harmonia poderão ocorrer as famosas relações de "amor e ódio", problemáticas e
desgastantes. A sexualidade tende a ser forte e maliciosa, variando de acordo com o Orí de cada indivíduo.
Muitos desses problemas poderão ser evitados se for permitido que Òrìñà participe das escolhas
sentimentais, pois essa possibilidade existe em Ìròsùn.
Relacionamentos interpessoais em geral estarão presentes quando Ìròsùn aparecer. Um detalhe
que merece destaque é a possibilidade de atitudes ingênuas em relação a falsos amigos, por não existir a
crença sobre a real possibilidade de traições ou desapontamentos. Acreditar no lado negativo do ser
humano infelizmente é algo necessário quando se está sob a influência de Ìròsùn.
Devido às características familiares desse Odù, filhos estarão presentes. Não será surpresa se
ocorrerem diversos problemas com eles, pois nos caminhos de Ìròsùn aparecem perigos como acidentes,
àbìkú, etc. A figura materna merecerá destaque, pois contribuirá em muito para o sucesso de seus filhos. As
constantes citações sobre filhos fazem de Ìròsùn um Odù de bons presságios no que diz respeito a
realizações pessoais.
O êxito dos planos pessoais deverá se basear na força de vontade, perseverança e até no uso de
ardis e malícia. Em relação a esses últimos, não se deve esquecer a espiritualidade em potencial desse Odù.
Logo, usar de ardis para prejudicar pessoas será algo inadmissível. O uso de ardis e malícia consiste na
esperteza de aproveitar oportunidades para ascensão, pois o desejo de crescer socialmente é
consideravelmente forte em Ìròsùn.
Uma das particularidades desse Odù são as citações de estrangeiros em seus caminhos. O detalhe
sobre tais citações é o fato de que os estrangeiros em questão sempre auxiliam ou protegem as pessoas
que eles encontram. Por estrangeiro pode-se entender toda e qualquer pessoa que não faça parte do
convívio mais direto do consulente. Os ìtan recomendam amabilidade em relação a tais pessoas, e sem
dúvida esse é um dos fatores que podem favorecer a prosperidade ou proteção quando esse Odù aparece.
A pessoa em Ìròsùn tende a aspirar por posições elevadas, e poderão aparecer adversários para
disputar tais posições. Será preciso muita atenção, pois inimizades estão presentes em Ìròsùn. Há nesse Odù

93
situações de roubos, conflitos, perigos e até feitiços, e tais fatos tornam ainda mais necessário cuidados nos
relacionamentos em geral. Em relação aos perigos, merece destaque a proteção que Òrìñà proporciona
nesse Odù. Esse é mais um benefício que poderá contar aquele que decidir-se pelo caminho da devoção.
Um outro aspecto negativo de Ìròsùn é a possibilidade de ocorrerem perdas. Devido às
características dos ìtan, tais perdas podem ser de entes queridos ou bens materiais. Em relação ao último
detalhe (bens materiais), não será surpresa se injustiças ou desonestidade estiverem presentes. Completam
a lista de negatividades a possibilidade de traições, calúnias, engodos, ingratidão e privação de liberdade.
Festas e festivais também estão presentes nos caminhos de Ìròsùn, fazendo desse Odù propenso a
agitações sociais. Vaidade física e preocupação com a opinião pública são mais algumas de suas
características.
Um detalhe de Ìròsùn é a poesia de seus ìtan, onde a juventude é chamada de "alvorecer" e a
velhice de "anoitecer"; onde a vida no îrun é comparada à "doçura do mel", e onde tanto o Òrìñà como os
próprios Odù são chamados de "doces". Não será surpresa se a pessoa sob Ìròsùn der vazão ao
romantismo, à arte ou a outras formas semelhantes de expressão.
Ìròsùn é um Odù de prosperidade, de potencial espiritual, de culto a Òrìñà e aos ancestrais, de
amores e de sucesso. Seus aspectos positivos suplantam os negativos, e sob ele é possível ter uma vida feliz,
tanto material como espiritualmente.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Èñù
b) Egún
c) Òñàlá
d) Ñàngó
e) Îñîïsì
f) Îrúnmìlà
g) Orí
h) Îñùmàrè
i) àbìkú
j) Ìrokò
l) Îñun
m) Yewà (vide quarto caminho de Ìròsùn)

Presente a Ìròsùn

Vinte e oito búzios


Um galo
Uma galinha

94
Um pombo
Um tecido
Um îjá de cabeça
Uma cabaça com água, etc.

95
Ìròsùn 1

Num distante passado, existiu um homem que por todos era chamado de Ajeji Godogbo
(Estrangeiro Valente). Numa determinada fase de sua existência, ele decidiu dirigir-se para a cidade de Pèri.
O povo daquela cidade estava infeliz, pois suas vidas estavam atrapalhadas e nada dava certo. As pessoas
cobravam o rei, dizendo que ele deveria fazer algo a respeito. Foi nesse quadro que Ajeji apareceu em Pèri.
Antes de iniciar sua viagem ele resolveu consultar Ìfá. O babalawo lhe disse que deveria oferecer um ëbö,
que entre outros elementos continha um belíssimo tecido vermelho. Mesmo só possuindo trapos para se
vestir, Ajeji arranjou o tecido necessário, ciente que isso seria importantíssimo para que tivesse êxito naquilo
que se propunha a fazer. Assim fez Ajeji Godogbo. Depois disso ele estabeleceu-se à entrada da cidade de
Pèri, mas não chegou a entrar. Sempre que alguém passava por ali, ele o abençoava, desejando-lhe filhos e
boa saúde. As bênçãos rogadas por Ajeji imediatamente se realizavam, e graças a isso sua fama foi
crescendo. Até que um dia chegaram a OniPèri (Rei de Pèri) e lhe avisaram que um estrangeiro estava à
porta da cidade, e que de lá ele abençoava quem passasse. Então o rei mandou chamar Ajeji e pediu-lhe
que ficasse na cidade. Ajeji concordou, dizendo que ficaria estabelecido aos pés de uma gigantesca árvore
que existia no centro da cidade. Ele disse que se alguém precisasse dele, era só ir até ali. Então sempre que
as pessoas precisavam de algo, elas recorriam a Ajeji. Ele continuou ajudando quem precisasse. Naquela
época, Ajeji só possuía trapos para se vestir. Por isso as pessoas lhe presentearam com um belíssimo tecido,
e também lhe deram uma rede, que ele colocou em sua face. As pessoas se reuniam perto dele, e onde quer
que ele fosse, um séqüito o seguia, cantando louvores e tocando atabaques. Ajeji Godogbo é aquele que
conhecemos como Egún. Foi assim que Egún ganhou suas belas roupas e a rede que usa em sua face.

"A vida em Pèri estava conturbada e todos estavam infelizes". É normal que haja problemas e
infelicidades quando Ìròsùn aparecer nesse caminho. O importante é ter em mente que tal quadro
certamente se alterará, se os conselhos de Ìfá forem corretamente seguidos.

"Possa você ter filhos; possa você ficar bem". Estrangeiro Valente auxiliava a todos. Esse fato
mostra o aspecto positivo de Egún nesse caminho de Ìròsùn. Certamente Egún auxiliará o consulente dentro
de suas reais necessidades. Nesse caminho de Ìròsùn pode haver dificuldades, tristezas e até doenças, mas a
ancestralidade aparece como auxílio, e as chances de reverter a situação são muito boas.

96
"Aos pés dessa árvore é onde eu ficarei". Essa passagem possui uma importante mensagem
litúrgica, pois evidencia a estreita ligação entre as árvores e os ancestrais. O conteúdo ancestral desse
caminho de Ìròsùn é fortíssimo.

"Qualquer coisa que precisarem de mim, eles devem vir aqui". Essa passagem é mais uma
confirmação do quanto a ancestralidade está aberta ao auxílio nesse Odù. Caberá ao awolòrìñà utilizar todo
seu conhecimento para favorecer que tal disposição de auxílio se converta em duradouros benefícios.

"Deram-lhe uma roupa e uma rede". O povo de Pèri recompensa Egún por seu auxílio. Esse fato
não apenas revela a harmonia entre dar e receber, como também mostra a necessidade de estreitar laços
com a ancestralidade. A presença de objetos específicos do Lûsû Egún (roupas coloridas e redes) pode ser
um indicativo de que talvez os laços em questão transcendam os limites do Lûsû Òrìñà. Mas é óbvio que
esse assunto merece consultas específicas. Um outro detalhe que merece destaque sempre que Egún
aparece no àtë é o fato de que os ancestrais eram considerados guardiões da conduta ética. Devido a esse
importante detalhe é possível que o consulente só consiga as bênçãos citadas no ìtan se possuir uma
conduta ética irrepreensível. Em se tratando de Egún, é possível basear-se em alguns critérios para saber o
que é ético, como a relação do indivíduo com sua comunidade, a observação de deveres pessoais, a
observação de tradições sadias, etc.

"Eles reuniram-se ao redor dele e rufavam tambores em sua homenagem". Essa passagem
mostra uma intimidade com Egún só vista no Lûsû Egún. Existe a possibilidade dessa pessoa ser "do lado de
lá". Mas mesmo se vier a ser de Òrìñà, parece evidente que será pelos caminhos de Egún que lhe chegarão
as maiores bênçãos.

"Estrangeiro Valente, por que você não fica na sua terra?". Essa poética passagem dá a entender
que Egún não é daqui, por isso é chamado de estrangeiro. Todos nós somos ancestrais em potencial; isso é
algo para se meditar. Sob outro ponto de vista, o fato de Egún ser chamado de estrangeiro abre a
possibilidade do consulente vir a ser auxiliado por alguém de fora de seu convívio.

"Naquela época, Ajeji Godogbo só possuía trapos para se vestir". Essa passagem evidencia as
dificuldades vividas por Egún inicialmente. Ele fez o ëbö que lhe foi prescrito, e isso possibilitou ajudar e ser
ajudado pelo povo de Peri. Esse fato evidencia que a atitude benevolente atrairá consideráveis benefícios
para o consulente. Uma análise mais aguçada poderá indicar que além das dificuldades já citadas, tal
passagem simbolize a necessidade de renúncia, pois Egún teve que o oferecer aquilo que no momento lhe
faltava. Renúncia é um considerável sinal de espiritualidade, e caberá ao awolòrìñà definir se isso se aplica à
realidade do consulente.

Ëbö

Vinte e oito búzios

97
Um galo
Um pombo
Um ëmï
Um tecido

Comentários sobre o ëbö

a) O tecido parece uma alusão ao presente do povo de Pèri a Egún. Nesse caso evidencia ainda
mais a relação desse Odù com a ancestralidade. No ëbö oferecido por Egún, o tecido também estava
presente. O ìtan diz que Egún só possuía trapos para se vestir, mesmo assim ele ofereceu o belo tecido no
ëbö. Tal fato fortalece a crença de que ao dar algo valioso, a pessoa se abre para receber muito mais.
Também pode ser um indício sobre a possibilidade de renúncias, pois Egún ofereceu aquilo que lhe faltava.
Caberá ao awolòrìñà definir as particularidades de tal tecido, como dimensões, composição e cor.

b) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

c) O ëbö foi oferecido por Egún, e graças a tal oferenda ele conseguiu ajudar e ser ajudado.

Ìròsùn 2

Numa cidade que se chamava Ìrûñà o povo vivia triste, pois suas vidas estavam atrapalhadas e
nada estava dando certo para eles. Para melhorar a situação eles decidiriam consultar um babalawo
(adivinho). Àkókó era o nome do awo que eles escolheram. Quando Àkókó chegou em Ìrûñà, ele
aconselhou ao povo daquela cidade a fazer um ëbö para reverter a situação. O povo de Àkókó seguiu as
orientações do awo Àkókó, e depois disso as pessoas que estavam acamadas se levantaram. Aqueles que
não conseguiam ter filhos passaram a tê-los; e aqueles cujos filhos morriam em tenra idade, seus filhos
vingaram. O povo de Ìrûñà passou a desfrutar de considerável felicidade depois que efetuaram as oferendas
prescritas.

98
"O povo de Ìrûñà; suas vidas estavam atrapalhadas e todos estavam infelizes". Dificuldades
iniciais podem ser esperadas quando Ìròsùn aparece nesse caminho de Odù. O importante é ter em mente
que são consideráveis as chances de reversão satisfatória da situação.

"Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö por filhos". Graças a essa passagem há de se considerar a
hipótese de gravidez (intensificada pela presença de osùn no ìtan) e de ocorrerem problemas com os filhos
já existentes. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Eles disseram: Há! Precisamos de um babalawo. Então cogitaram sobre Àkókó". É possível que
o termo “Àkókó” tenha a ver com a conhecida planta largamente utilizada nos rituais de Òrìñà. O Àkókó é
uma árvore sabidamente relacionada aos ancestrais. Graças a esse fato abre-se a possibilidade dos
ancestrais do consulente terem alguma relação com os assuntos em questão, ou seja, filhos e realizações
em geral. Essa mesma árvore também é conhecida por veicular a prosperidade. Mitos falam que sempre
que um novo mercado era aberto, um pé de akókò era plantado. Quando ele vingava, invariavelmente o
mercado atingia considerável prosperidade. Tais fatos abrem a hipótese de oferendas baseadas na planta
akókò para o auxílio do consulente. Por não haver nenhum ëbö prescrito para esse Odù, serão necessárias
consultas antes que o caminho acima sugerido possa realmente ser seguido. Um outro detalhe que merece
consideração é o fato de que trabalhando como adivinho, Àkókó pôde ajudar o povo de Ìrûñà. Ao que
parece, essa era sua única preocupação. Esse fato evidencia a importância do trabalho nesse Odù, como um
fator que favorece as realizações pessoais; além da necessidade de auxiliar a quem precisa através dos
frutos do trabalho.

"Nós carregamos crianças em nossas costas". Filhos são a grande força desse caminho de Ìròsùn.
Em Odù que fala de filhos, além do aspecto literal, existem várias possibilidades a considerar: gravidez,
mudanças radicais na vida, relacionamentos afetivos, emancipação, liderança, seguidores ou subalternos. É
importante ter em mente que filhos representam realizações em geral, além de bons presságios.

"Os que já tinham filhos, suas crianças não morriam. Os que estavam acamados, se levantavam.
Ìrûñà estava fresca e agradável". Através do ëbö prescrito por Àkókó o povo de Ìrûñà passou a ter muitos
filhos. A citação sobre morte abre a possibilidade (ainda que remota) sobre a existência de alguma
influência àbìkú na questão. Já a citação sobre acamados também abre a hipótese de doenças em geral.
Caberá ao awolòrìñà definir se tais suposições têm ou não fundamento. Também é importante salientar os
aspectos positivos desse Odù, além da possibilidade de se atingir uma vida equilibrada em todos os
sentidos, desde que as demais informações trazidas por Ìfá sejam corretamente seguidas.

Ëbö

Não há.

99
Comentários

a) Apesar de não haver um ëbö prescrito o ìtan fala sobre a necessidade de uma oferenda por
filhos, além do fato de Akókò ter prescrito um ëbö para aquele povo. Caberá ao awolòrìñà definir a natureza
desse ëbö, levando em consideração que os filhos do consulente (ou alguém muito próximo) podem estar
com problemas. De acordo com a própria estrutura do ìtan, tal oferenda não só favorecerá o bem estar dos
descendentes, mas atrairá para a vida do consulente consideráveis bênçãos, como aconteceu com o povo
de Ìrûñà, pois mais à frente o ìtan narra uma série de acontecimentos positivos que confirmam o aqui
exposto.

100
Ìròsùn 3

Nos primórdios da criação, Àwúrî (Amanhecer) e Alë (Anoitecer) estavam prestes a virem do îrun
para o àiyé. Os babalawo disseram que eles deveriam oferecer um ëbö para que tudo corresse bem no novo
mundo, mas Amanhecer disse que já possuía muitas bênçãos em sua vida, e que não era preciso fazer
nenhum ëbö para isso. Por sua vez, Anoitecer consentiu em fazer a oferenda prescrita. Quando ambos
chegaram ao àiyé, as pessoas trabalhavam quando "Amanhecer" estava presente, mas os frutos de seus
trabalhos elas gozavam quando "Anoitecer" se apresentava. É por isso que se diz que o "Amanhecer"
trabalha para o "Anoitecer", e que esse último fica com os frutos do trabalho do primeiro.

"Consultaram Ìfá para Àwúrî e Alë; quando eles estavam vindo do îrun para o àiyé". Em outros
caminhos de Odù, o amanhecer e o anoitecer são metáforas, representando fases da vida humana. Uma
análise racional do assunto mostrará que tal metáfora é perfeitamente aplicável a esse caminho de Ìròsùn.
Geralmente quando é dito que um personagem vem do îrun para o àiyé, considera-se a idéia do novo, de
novas oportunidades e desafios. Conseqüentemente é necessário salientar a atitude prudente dos
personagens em questão, que fizeram suas consultas e oferendas antes de se empreenderem no
desconhecido.

"Amanhecer disse: 'Que sacrifícios eu devo fazer? Eu tenho muitas bênçãos na vida' Então ele
não ofereceu o ëbö". Essa passagem mostra a impaciência e inconseqüência de Amanhecer, comum à
juventude. Amanhecer já se considerava abençoado, como o jovem que no auge de sua vitalidade esquece-
se de se preparar para a velhice. Na verdade essa é a principal mensagem desse Odù; ou seja, não permitir
que a inconseqüência da juventude possa trazer prejuízos na velhice. A incapacidade para ouvir conselhos
também deve ser considerada, assim como a possibilidade de se envolver em negócios que à primeira vista
pareçam sedutores, mas que o tempo acaba mostrando a natureza ilusória dos mesmos.

101
"Anoitecer disse que ofereceria o ëbö". No ìtan apenas Anoitecer faz o ëbö, o que lhe garantiu
tranqüilidade posterior. Essa atitude evidencia a prudência típica da velhice; quando por experiência própria
alguém sabe que é correto ouvir conselhos que pareçam coerentes. A capacidade de agir com prudência e
sabedoria é algo vital quando Ìròsùn aparece nesse caminho.

"Todos procuravam por Anoitecer, e com ele deixavam todas as suas coisas. Quando as pessoas
encontravam dinheiro, deixavam com Anoitecer. Dessa forma Anoitecer conseguiu todos os frutos do
trabalho de Amanhecer". Essa passagem sintetiza a mensagem do ìtan: previdência e preparação para um
envelhecer tranqüilo. O ìtan também diz que Anoitecer ficou com os frutos do trabalho de Amanhecer,
numa clara alusão à necessidade de poupar, guardando recursos que garantirão uma velhice mais tranqüila.

"Possa Ölïrun permitir que seus crepúsculos sejam bons". Essa passagem mostra novamente
preocupações com a velhice, além de evidenciar um sentimento de religiosidade que infelizmente parece
não ser prioritário no Candomblé. É importante salientar que as citações sobre Ölïrun entre os descendentes
dos iorubas no Brasil são cada vez mais raras. A citação textual acima mostra que para o ioruba, ainda em
terras iorubanas, existia a clara compreensão de que Olïrun é a raiz última de todos os benefícios que
podem atingir um ser; sendo os Ìrúnmîlû apenas os Seus braços.

Ëbö

Oito búzios
Quatro pombos
Quatro galos
Quatro tecidos

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de tecidos em ëbö geralmente está relacionada a filhos ou aos ancestrais. Como o
ìtan aborda a necessidade de prudência em relação à velhice, pode ser uma forma velada de indicar
poupança. Caberá ao awolòrìñà descobrir se há alguma relação entre essas possibilidades e o problema do
consulente.

b) O ëbö foi feito para que a velhice (Anoitecer) possa ser tranqüila. O ìtan também diz que esse
ëbö foi recomendado a Amanhecer e Anoitecer, quando eles estavam saindo do îrun e vindo para o àiyé.
Graças a esse fato, tal ëbö também é válido para novas incursões.

102
Ìròsùn 4

103
Uma bela mulher de nome Ye wa (Nossa mãe) desejava possuir filhos. Para conseguir esses filhos
ela dirigiu-se a um pântano, pois acreditava que seria lá que deveria dar à luz. Em seu coração mantinha
dúvidas se conseguiria parir; e devido a essas dúvidas decidiu consultar os babalawo. Esses lhe disseram que
ela conseguiria ter seus filhos, se fizesse o ëbö prescrito. Ye wa fez o ëbö que lhe foi aconselhado e
conseguiu muitos filhos. Depois de um tempo, seus filhos fizeram dela uma pessoa muito conhecida, de
considerável prestígio em seu meio.

"Consultaram Ìfá para Ye wa (Nossa mãe), que estava indo a um pântano para ter filhos. Será
que ela conseguiria dar à luz?". O nome da personagem do ìtan é sem duvida o ponto mais intrigante
desse Odù. Na versão traduzida é dito que Ye wa (Yèyè tiwa, Nossa mãe) corresponde a Îñun. Para algumas
pessoas no Brasil foi exatamente essa contração de palavras que deu origem ao nome Yewà, divindade
homônima de um rio africano, senhora das ilusões e das possibilidades. É possível que a relação da Ye wa
do ìtan com a divindade Îñun corresponda a um erro de interpretação do pesquisador que conversou com
Salàkï, mas a prudência manda que o próprio awolòrìñà defina, através das técnicas oraculares ao seu
alcance, se a divindade citada no ìtan corresponde a Îñun ou Yewà. No caso de Ìfá confirmar Îñun como a
personagem em questão, merece destaque o fato de que ao menos em teoria ela não deveria ter o menor
problema gestacional, exatamente por ser protetora da fecundidade. Também merece destaque o fato de
Îñun ter ido dar à luz num pântano, pois também é conhecido o fato de que apenas raramente Îñun se
relaciona com águas paradas. Esses dois aspectos do ìtan abrem a hipótese, ainda que remota, de algum
problema de gestação ou, num patamar metafórico, de dificuldades para a realização de algum objetivo
pessoal. Seriam prudentes consultas a esse respeito.

"Ela começou a ter muitos filhos. Nossa mãe tornou-se alguém incrivelmente importante". Essa
passagem dá a idéia de que através dos filhos pode-se atingir importantes benefícios. Num âmbito mais
amplo, tal passagem pode simbolizar ascensão social, exatamente devido às realizações simbolizadas por
filhos. O fato de Ye wa ter conseguido os filhos que desejava dá a esse caminho de Ìròsùn características de
consideráveis realizações.

"Vocês me verão numa abundância de filhos". Filhos representam a principal mensagem desse
Odù, confirmada pela possível presença de Òñun na situação. Em Odù que traz esse tipo de mensagem
deve-se considerar a hipótese de que os atuais filhos do consulente possam estar com algum problema.
Também existe a possibilidade de filhos significarem mudanças, realizações, emancipação, influência,
subalternos, relacionamentos e principalmente realizações. O importante é ter em mente que geralmente
filhos representam bons presságios.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Quatro îjá de cabeça

104
Quatro cabaças com água
Um pombo
Uma saia

Comentários sobre o ëbö

a) A oferenda está repleta de elementos que evocam feminilidade. Amores, intuição, gestação e
fartura podem ser esperadas nesse caminho de Ìròsùn. Isso é perfeitamente normal, devido à (provável)
presença de Îñun.

b) As cabaças com água fazem parte das constantes citações de "água" que evidenciam a
abundância material desse Odù, uma vez que não apenas na simbologia iorubana, a água é considerada
como origem da vida e garantia de continuidade da mesma. Essa abundância latente de riquezas caracteriza
o aspecto positivo desse caminho de Ìròsùn.

c) O ëbö foi feito para que Ye wa pudesse dar à luz. Logo, está relacionada à fecundidade, saúde
na gestação e realizações em geral.

105
Ìròsùn 5

Antes que o mundo fosse como o conhecemos, um leopardo estava matando as crianças da
cidade de Enpe. As pessoas estavam desesperadas, e Elénpe (rei de Enpe) resolveu procurar os babalawo. Ìfá
avisou-lhe que um estrangeiro apareceria e lhes auxiliaram a resolver a situação. Por isso eles deveriam ser
amáveis com esse estrangeiro. Ele também foi aconselhado a arrear um àmàlà a Ñàngó, do lado de fora de
sua casa. Depois que Elénpe arreou o àmàlà, Ñàngó chegou e imediatamente foi colocado a par do que
estava acontecendo. Então o Alàfín subiu numa árvore, carregando um pilão em sua cabeça. Quando o
leopardo apareceu e passou por baixo da árvore, Ñàngó emborcou o pilão e jogou-o sobre o leopardo, que
morreu imediatamente. Depois disso as pessoas louvavam a Ñàngó, chamando-o de A yi'do p'ûkùn l 'Enpe
nu - Aquele que inverteu um pilão e matou um leopardo em Enpe.

106
"Um leopardo estava matando as crianças em Enpe". Para o ioruba, juntamente com a vida
longa, filhos são considerados como a maior riqueza, pois se alguém possui filhos pode conseguir outras
bênçãos. Esse pode ser um Odù que traga consideráveis perdas. A possibilidade de ocorrer algum mal aos
filhos do consulente é a principal mensagem desse caminho de Odù. Caso o consulente não possua filhos,
tal analogia pode ser usada para alguém muito próximo ou alguma outra criança que ele conheça. Mas o
importante é ter em mente que simbolicamente, tal passagem refere-se a perdas e perigos em geral.

"Quando o estrangeiro vier, trate-o com bondade. Ìfá diz que essa pessoa deve ser amável com
os estrangeiros. É o estrangeiro que lhe ajudará a vencer o que o está prejudicando". São poucos os Odù
que dão conselhos diretos e claros como esses. Por "estrangeiro" pode-se entender qualquer pessoa que
não faça parte do convívio direto do consulente. É importante que fique claro que alguém que se encaixe
em tal definição poderá auxiliar nas questões expostas no ìtan.

"Se Ñàngó não estivesse em Enpe, a cidade estaria deserta". Há muita violência no ìtan. Em
função desse fato, seriam prudentes cuidados com armas, automóveis, acidentes, brigas, etc.

"Elénpe arreou o àmàlà do lado de fora de sua casa". Essa passagem ensina o que o Rei de Enpe
fez para atrair Ñàngó à sua cidade. É uma importante informação litúrgica. Algumas pessoas de
considerável conhecimento ritual costumam oferecer ao "tempo" o àmàlà, que posteriormente é colocado
sobre o assentamento de Ñàngó. Logo, tal passagem do ìtan é mais uma evidência que muitos dos
conhecimentos de Salàkï são perfeitamente aplicáveis às tradições do Candomblé brasileiro.

“Quando o leopardo chegou, Ñàngó jogou o pilão sobre ele”. Ñàngó é o fator de auxílio e
proteção nesse Odù, justificando plenamente as oferendas que lhe são destinadas. Mais uma vez é
importante lembrar que além do aspecto literal (morte de crianças), será preciso considerar os aspectos
metafóricos da questão abordada no ìtan (perdas, frustrações, dores, etc). Mas independentemente do
aspecto que Ìfá mostrar mais condizente à realidade do consulente, Ñàngó será seu grande protetor.

"Ele se tornou 'Aquele que inverteu um pilão e matou um leopardo em Enpe'". Essa passagem se
refere a Ñàngó. Tal òrikì mostra uma das características do culto desse Òrìñà, o pilão invertido. Por algum
motivo a maioria das casas de Candomblé no Brasil não utiliza o pilão da forma descrita no ìtan e em muitos
outros trabalhos sérios sobre a religião de Òrìñà.

Ëbö

Àmàlà

Comentários sobre o ëbö

107
a) Essa foi a oferenda feita no ìtan para que Ñàngó viesse auxiliar o povo de Enpe. Pela gravidade
da situação, seria aconselhável que o àmàlà fosse muito bem preparado, "com tudo de direito", pois os
mitos referem-se a Ñàngó como um glutão. É muito importante não esquecer que Ñàngó é o fator de
segurança e êxito nesse perigoso caminho de Ìròsùn.

b) Mais à frente aparece no ìtan, "Ìfá diz que devemos oferecer ëbö a Ñàngó". Caberá ao awolòrìñà
definir se o àmàlà é suficiente, ou se serão necessárias outras oferendas a Ñàngó.

108
Ìròsùn 6

Kókò (uma espécie de rã africana) estava desesperada para conseguir um marido. Para resolver
essa situação ela procurou um babalawo, que lhe aconselhou a fazer um ëbö e uma oferenda a Ñàngó.
Depois que Kókò fez o que Ìfá determinou, apareceram quatro pretendentes para ela: Sol, Fogo, Chuva e
Lama. Todos estavam apaixonados por Kókò e ela não sabia com qual pretendente ficar. De repente
apareceu o boato de que Kókò estava indo até Lama para casar-se com ele. Sol tomou a iniciativa e correu
até Kókò, seguido por Fogo. Quando Chuva soube disso, alcançou Sol e o matou (encobrindo-o). Mais à
frente ela encontrou Fogo, e também o matou (extinguindo-o). Chuva continuou a correr atrás de Kókò,
mas quando a encontrou, ela já estava sentada sobre Lama (já havia se casado). Kókò começou a ter seus
filhos, feliz com a escolha que havia feito.

"Kókò, ela queria ter um marido. Ela levou as mãos à cabeça e resolveu consultar os adivinhos".
Todo o ìtan é muito enigmático, mas é evidente que relações amorosas são a tônica desse caminho de
Ìròsùn. A aflição de Kókò em conseguir um marido mostra que insatisfações sentimentais certamente
estarão presentes quando Ìròsùn aparecer nesse caminho.

"Sol estava apaixonado por Kókò. Fogo estava apaixonado por Kókò. Chuva estava apaixonado
por Kókò". Paixões têm muita força nesse caminho de Ìròsùn, embora o ìtan dê a entender que não é nelas
que a pessoa deve basear sua vida sentimental. A quantidade de pretendentes que Kókò conseguiu depois
que fez o ëbö evidencia a "agitação sentimental" que pode se instalar na vida do consulente. Nesse caso
será necessário prestar atenção aos demais detalhes trazidos por Ìròsùn nesse caminho, para que não haja o
risco de se fazer uma má escolha.

"Kókò estava indo casar-se com Lama". Dentre todos os elementos citados, lama é o que mais se
aproxima do equilíbrio, por ser a interação do elemento terra (gún, excìtante) e o elemento água (ûrö,
tranqüilizante). Chuva era por demais ûrö, enquanto Fogo e Sol eram totalmente gún. Esses fatores dão a
idéia de que as relações, para essa pessoa, devem basear-se no equilíbrio e não na paixão. Também deve

109
ser levado em consideração que Kókò é um tipo de anfíbio africano. Sob essa analogia, fica evidente que
lama era sem dúvida o elemento que mais tinha a lhe oferecer, tendo em vista que é em águas lamacentas
que tal anfíbio vive. Tal fato evidencia que a pessoa em questão deve ser muita prática em sua escolha
afetiva, optando por alguém que tenha a lhe oferecer reais chances de prosperidade, crescimento e
felicidade em todos os aspectos da vida. Antes que se possa argumentar que tal interpretação incentiva
interesses baixos em detrimento ao amor, é importante salientar que a tradição do Candomblé não manda
julgar o consulente, apenas auxiliá-lo e orientá-lo naquilo que Ìfá considerar melhor. Cada caso é um caso, e
os atuais seres humanos não se mostram capacitados para julgar sabiamente todas as questões que
formam a complexidade do que chamamos de vida. Sob outro ponto de vista, anfíbios também simbolizam
mudanças radicais na vida, devido às metamorfoses sofridas pelo girino até se transformar em animal
adulto. Tal simbologia torna bem possível que tais mudanças se estabeleçam na vida do consulente. Outra
particularidade de anfíbios é sua larga utilização em determinadas classes de feitiços. Considerando-se o
fato de que são comuns encantamentos relacionados a sentimentos, seria prudente checar tal possibilidade.

"Quando Chuva alcançou Fogo e Sol, ele os matou". Graças a essa passagem há de se considerar
a hipótese de disputas e profundo ciúme quando esse Odù aparece. Pelo desfecho de tais sentimentos no
ìtan, será prudente considerar esses sentimentos como perigosos.

"Quando chuva alcançou Kókò, ela já estava sentada em Lama. Ela não se levantou mais, e
passou a ter seus filhos". Essa passagem mostra a opção de Kókò por Lama, o marido ideal. Graças a tal
escolha Kókò conseguiu ter filhos, o que na cultura iorubana significa consideráveis realizações e bons
presságios em todos os aspectos da vida. A opção pelo elemento mais equilibrado foi a causa das bênçãos
de filhos que chegou para Kókò. Analogicamente seria aconselhável que o consulente buscasse no
equilíbrio as respostas para suas dúvidas sentimentais.

"Ìfá diz que um homem negro deve ser seu marido. Ele diz que essa pessoa não deve casar-se
com alguém de pele vermelha". Essas mensagens são claras em seus conteúdos, mas enigmáticas em seus
motivos. Seria a indicação de um marido negro a forma obscura de sugerir iniciação? A proibição de se
casar com alguém de pele vermelha seria um meio de impedir que o consulente se desvie do caminho
acima citado? Blavatsky (Ísis sem véu) fala sobre as diferenças energéticas dos ruivos. Tais diferenças seriam
prejudiciais ao consulente? Ou apenas é uma indicação de Òrìñà para que a pessoa possa escolher entre
opções que já estejam (ou estarão) em sua vida? Pode-se especular à vontade e não chegar a respostas
satisfatórias. O mais sensato, ao menos à primeira vista, é acatar o conselho de Òrìñà. Independentemente
de qualquer especulação, o consulente deverá ter em mente que provavelmente suas escolhas sentimentais
repercutirão em sua espiritualidade, caso contrário Òrìñà não se manifestaria nesse particular, pois a
natureza das tradições deixa claro que raramente essa classe de seres espirituais interfere nas decisões
sentimentais de seus devotos. Quando eles o fazem, é por que certamente há motivos espirituais
envolvidos.

Ëbö

110
Oito búzios
Quatro galinhas
Quatro pombos
Um tecido levemente tingido
Uma roupa levemente tingida
Água fria.

Comentários sobre o ëbö

a) Em ëbö que aparece tecido, geralmente há alguma relação com filhos ou ancestrais. A questão
sobre filhos já foi abordada, logo caberá ao awolòrìñà confirmar a possibilidade de influência ancestral na
questão.

b) A presença de água fria pode ser uma invocação do àñë ûrö que facilitaria o desapego às
paixões e o discernimento sugerido no ìtan.

c) A roupa no ëbö sugere a necessidade de alteração de conduta, para que seja possível fazer a
melhor escolha sentimental. Da maneira que o consulente é ou encara a situação atualmente,
provavelmente acabará fazendo a escolha errada.

d) No ìtan aparece, “As pessoas quem brigam por essa pessoa; elas devem fazer oferendas a
Ñàngó”. É comum rogar pela ajuda de Ñàngó para se obter um bom casamento. Caberá ao awolòrìñà
definir a natureza de tais oferendas, considerando que o ëbö não estará completo sem elas.

e) O ëbö foi feito com o intento de conseguir um bom casamento. E no caso de vários
pretendentes, poder fazer a escolha certa.

Ìròsùn 7

111
Îñï era o nome de um caçador, que devotamente servia a Òrìñà. De todos os animais que caçava,
ele não ficava com nenhum; oferecia todos a Òrìñà. Na cidade onde vivia diziam que diziam que ele jamais
ficaria rico em sua vida. Chegou a época do festival anual na cidade de Îñï, e como todo mundo ele deveria
aparecer com uma roupa nova e bela. Preocupado com isso Îñï conversou com Òñàlá, que lhe disse para
não se preocupar. No dia do festival as pessoas da vila se apresentaram com belíssimas roupas, feitas dos
mais diferentes tecidos e materiais. Òñàlá chamou Îñï e lhe deu uma roupa toda feita de contas. Quando Îñï
apareceu no festival com a roupa que ganhara, todos se espantaram e pensaram que ele era o próprio
Òrìñà, tamanha a beleza de sua vestimenta. As pessoas se prostravam ante Îñï, lhe ofertando vários
presentes. Dessa foram Îñï enriqueceu, tudo graças à proteção do Òrìñà, proteção essa que era resultado de
sua própria devoção. Îñï é aquele que conhecemos como Îñîïsì.

"Ìfá diz que essa pessoa está servindo a outros, mas que ela não deve mais servir a ninguém".
Essa passagem é muito clara. Evidencia que as atuais atividades do consulente devem ser imediatamente
suspensas, se não estiverem em harmonia com a espiritualidade, pois tal pessoa nasceu para servir a Òrìñà.
A estrutura do ìtan evidencia que será através dessa devoção que essa pessoa conseguirá prosperar em sua
vida.

"Disseram que ele não poderia ser rico em sua vida". Essa passagem evidencia o pensamento das
pessoas em geral sobe Îñï. Não será surpresa se ocorrerem menosprezo à capacidade do consulente, mas o
próprio ìtan mostra que através de Òrìñà (e da espiritualidade como um todo) o consulente poderá mostrar
seu potencial.

"Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas a Òñàlá". É Òñàlá que fala nesse Odù. Oferendas a
esse Òrìñà serão necessárias para que as bênçãos narradas no ìtan possam de fato se manifestar. Sem
dúvida nenhuma essa é mais uma evidência da considerável espiritualidade inerente a esse caminho de
Ìròsùn.

"Quando Îñö matava um animal, ele o dava para Òrìñà; não pegava um sequer para si". Essa
passagem, além de ser um exemplo de desapego, é também um indicativo de intimidade com Òrìñà, o que
evidencia espiritualidade, ainda mais pela presença de Òñàlá. O conjunto de todas essas informações
evidencia que o consulente deve ser um iniciado, se já não o for.

"Ele foi e contou a Òrìñà (sobre a roupa). Òrìñà disse que ela não deveria preocupar-se". A
atitude de Îñï em consultar Òrìñà é mais uma amostra de grande intimidade com a espiritualidade, e de
como o Òrìñà deve participar nas decisões dessa pessoa.

"Eles se prostraram ante Îñï, pensando que ele fosse Òrìñà". Graças a sua obediência e devoção a
Òrìñà, Îñï foi confundido com ele. Isso mostra que cultuar o Òrìñà favorecerá em muito a espiritualidade e os
demais aspectos da vida do consulente.

"Îñï tornou-se abastado e rico, superando a todos". O ìtan fala que quando Îñï apareceu com a
roupa toda feita de contas, as pessoas o confundiram com o próprio Òrìñà; prostraram-se aos seus pés.

112
Fizeram-lhe oferendas, fazendo de Îñï um homem rico. Há prosperidade nesse caminho de Ìròsùn; mas é
importante ter em mente que ela só se manifestará se o consulente for um "representante de Òrìñà". Ou
seja, um devoto, na verdadeira acepção da palavra.

"Eu sirvo, eu uso uma coroa de búzios. Duzentos ìlûkû e um gorro". Búzios, contas e gorros são
símbolos de prosperidade. Isso é mais um indício de que ao servir Òrìñà o consulente alcançará
prosperidade em sua vida.

"Îñï é aquele que chamamos Îñîïsì". Apesar da citação de Îñîïsì, Òñàlá é o fator de bênçãos e
prosperidade nesse Odù. Mas a presença do Alákétù mostra que discernimento e desapego, características
do Ëböra caçador, serão benéficos nesse caminho de Ìròsùn.
Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar de não haver nenhuma oferenda prescrita, o ìtan diz que “Essa pessoa deve fazer
oferendas a Òñàlá”. Caberá ao awolòrìñà definir tal oferenda, baseando-se em fatores relevantes trazidos
por Ìfá. Tal oferenda a Òñàlá terá por objetivo despertar a devoção, atrair a prosperidade e desmentir
aqueles que não acreditam no potencial do consulente.

113
Ìròsùn 8

Nos primórdios da criação, Òñàlá desejou aumentar seu próprio àñë. Com esse intuito em mente
procurou um babalawo para saber o que poderia ser feito a respeito. O babalawo o aconselhou a fazer um
ëbö, que entre outros elementos possuía muito àtàrè em sua composição. Baba seguiu as orientações de Ìfá
e fez o ëbö. Logo depois disso, Seu àñë tornou-se indescritível. Todas as ordens que ele dava eram
imediatamente cumpridas. Tudo aquilo que ele se propunha a fazer, ele completava com êxito. Foi graças a
esse ëbö que Baba conseguiu muitos filhos e dinheiro em sua existência.

"Ìfá diz que essa pessoa tem àñë e que deve usá-lo; que deve comer atarè ansiosamente". De
acordo com a estrutura do ìtan, o consulente possui um considerável poder de realização (àñë), mas que
ainda se encontra latente. O consumo de atarè o desenvolverá. Deixar o consulente ciente de seu potencial
certamente será uma forma de auxiliá-lo nas questões expostas pelo ìtan. O importante é que ele tenha em
mente que só possuir àñë não é suficiente, é preciso utilizá-lo corretamente.

114
"Quando ele sussurra, faz encantamentos". É evidente o potencial para realizar aquilo que se
deseja quando esse Odù aparece. Sem dúvida nenhuma se trata de alguém muito especial, cujas
potencialidades ocultas encontram-se acima da média. Liturgicamente falando é interessante a citação
sobre sussurros, o que apóia as palavras dos mais velhos sobre a importância de “lançar ao vento” a
palavra que contém àñë, como uma forma de favorecer a realização do que se almeja.

"Ele move-se elegantemente, como se quisesse dançar com você". Há de se considerar o


magnetismo pessoal, o carisma e o poder de persuasão nesse caminho de Ìròsùn. Essas características
pessoais evidenciam a presença de um àñë consideravelmente desenvolvido.

"Ìfá diz que essa pessoa tem àñë". Àñë é um poder de realização; não é bom nem mal por si só. O
que varia é o uso que dele se faz, da mesma forma que a eletricidade pode iluminar ou queimar. A presença
de Òñàlá pode ser vista como um indicativo da necessidade de ética e espiritualidade para o uso do àñë em
questão. Se Ìfá confirmar que essa é uma das razões da presença de Òñàlá nesse caminho de Odù, serão
consideráveis as chances de necessidade de iniciação.

"Todas as coisas que ele fazia, ele completava. Todas as ordens que ele dava, eram cumpridas.
Ele conseguiu filhos, ele conseguiu dinheiro". Essa passagem mostra o sucesso de Òñàlá em seus intentos.
Através do próprio àñë o consulente poderá se tornar alguém muito próspero e de considerável influência.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Oitenta atarè
Quatro pombos
Quatro galos
Quatro gorros

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de atarè desenvolverá o àñë em potencial que precisa ser despertado.

b) Gorros são usados por pessoas de destaque na sociedade iorubana, e sua presença nesse ëbö
confirma a possibilidade de ascensão espiritual e social.

c) O ëbö foi feito por Òñàlá para que ele desenvolvesse seu àñë. Tal desenvolvimento lhe trouxe
considerável prosperidade, liderança e realizações.

115
116
Ìròsùn 9

Onidèrè era o nome de um rapaz que vivia numa grande cidade, cujo monarca havia morrido sem
deixar herdeiro. Dizia a tradição que a pessoa mais velha (entre os jovens) deveria ser coroado como o novo
rei. Nessa ordem, o escolhido seria o filho de um escravo. Então Onidèrè pensou o que ele poderia fazer
para que o filho do escravo fosse embora, e ele pudesse assumir o oyè do rei falecido. A mãe de Onidèrè,
que vivia sozinha, procurou o babalawo, e foi aconselhada por esse a fazer um ëbö para auxiliar o filho a
realizar seus intentos. Depois que a mãe fez o ëbö prescrito, os anciões resolveram mudar a maneira pela
qual seria escolhido o novo rei. Decidiu-se que todos os candidatos ao oyè iriam até uma colina, e lá
permaneceriam durante um período, sem comer nem beber. Aquele que estivesse vivo ao final de um
período proposto seria considerado o novo rei. Onidèrè, juntamente com os demais candidatos, dirigiu-se
para a colina. O ëbö que a mãe de Onidèrè fez foi colocado aos pés dessa colina, e entre outras coisas tal
ëbö possuía comidas, uma escada de quatro degraus, um estribo e um pouco de algodão. Èñù, através de
seu àñë, transformou o pouco de algodão numa quantidade de dezesseis fardos. Ele fixou o estribo na
ponta da escada, e multiplicou seus degraus em dezesseis vezes, fazendo com que a escada ficasse muito
mais alta. Quando Onidèrè chegou ao alto da colina, ele sentou-se para descansar. Traiçoeiramente os
outros candidatos o empurraram colina abaixo. A morte era certa, mas durante a queda o pé de Onidèrè
enroscou no estribo de cavalo que estava na ponta da escada, diminuindo a velocidade da queda. Depois
Onidèrè caiu sobre os fardos de algodão, sobrevivendo. Aos pés da colina ele encontrou as comidas que a
mãe havia oferecido, e ali permaneceu, sem deixar que percebessem que ele ainda estava vivo. Um a um
seus concorrentes foram fenecendo de fome e sede, e quando os anciões chegaram para ver quem estava
vivo, apenas Onidèrè os recebeu. Dessa forma, segundo o combinado, os anciões fizeram de Onidèrè o
novo rei e ele pode gozar da prosperidade e da felicidade de seu novo oyè.

"Ìfá diz que essa pessoa deve oferecer um ëbö por um oyè". Há aspiração por posições elevadas
nesse Odù, e tais aspirações tendem a se concretizarem, desde que os preceitos exigidos sejam
corretamente cumpridos. Liturgicamente falando essa passagem do ìtan torna esse Odù propício à
passagem de oyè dentro de um ëgbý Òrìñà.

"Ìfá diz que essa pessoa deve estar atenta à sua casa, para que um escravo não tome seu oyè". É
preciso lembrar que teoricamente o oyè jamais seria de Onidèrè, e sim do filho do escravo. Sem as

117
oferendas feitas por sua mãe, Onidèrè não alcançaria a posição de rei. Sob esse ponto de vista é evidente
que ele "tomou" o oyè que pertenceria a outra pessoa. Essa passagem mostra que há competições nesse
caminho de Ìròsùn, e que os adversários podem ser pessoas próximas. Ainda considerando os aspectos
negativos desse Odù, tais fatos também poderão representar perdas.

"Essa pessoa deve prestar atenção à sua mãe. Deve ser muito boa com ela". No ìtan, é a mãe de
Onidèrè que, através de uma oferenda, torna possível o sucesso de seu filho. Ao que parece, a mãe do
consulente poderá auxiliá-lo em sua ascensão. No caso de mãe falecida, a ancestralidade passa a merecer
destaque nesse caminho de Odù, e uma eventual influência de Ìyàmi deverá ser considerada. A experiência
própria ensina que às vezes, por mãe, Ìfá pode estar indicando alguma divindade feminina. Também é
importante frisar que o consulente deve estreitar laços com sua mãe, e sob outro ponto de vista, com sua
ancestralidade.

"Então decidiram que o rei seria aquele que chegasse no topo da colina, e permanecesse lá por
quatro dias". Essa passagem mostra que aquilo que se almeja carecerá de esforços, e só virá ao fim de um
determinado ciclo. Isso faz com que a paciência seja muito importante para a realização dos projetos
pessoais.

"Quando a existência começou, era o mais velho que seria o chefe". Liturgicamente Ìròsùn nos
mostra a idade como critério para possuir um título. Îyûkú também traz essa informação. Infelizmente é
comum ver no Brasil a passagem de títulos honoríficos importantes a pessoas cada vez mais novas, e o que
é pior, despreparadas.

"A mãe de Onidèrè disse, 'Nunca vi alguém tomar oyè desse jeito'". A atitude da mãe de Onidèrè
mostra sua estranheza pela forma de disputar o oyè. Por outro lado foi essa mudança de regra que permitiu
a ascensão social de Onidèrè, pois teoricamente o oyè de rei deveria ficar com o filho de um escravo, que
era pessoa mais velha. Isso mostra que se ocorrerem mudanças em normas ou regras, o consulente terá
como se beneficiar, desde que siga as demais instruções trazidas por Ìfá.

"Vieram por trás e o empurraram no desfiladeiro". No ìtan, Onidèrè quase é assassinado pelos
outros pretendentes ao oyè de rei. Eram muitos os que não queriam Onidèrè como rei, logo o consulente
deve estar atento a uma forte oposição à sua ascensão. Esse fato evidencia que perigos estarão presentes, e
que usarão de qualquer artifício para dificultar a ascensão do consulente. A inimizade é muito forte quando
Ìròsùn aparece nesse caminho.

"Os quatro degraus da escada, Èñù multiplicou por dezesseis. Do algodão, ele transformou-o
em dezesseis fardos". Quando caiu do desfiladeiro Onidèrè só não morreu devido à escada, o estribo e o
algodão, que Èñù havia transformado através de seu àñë. Essa passagem mostra o quanto Èñù é importante
para o sucesso e segurança do consulente.

118
"Eles estavam tristes quando Onidèrè tornou-se rei". Como já foi salientado, nem todos ficarão
felizes com o sucesso dessa pessoa. A oposição será dura, dificuldades poderão estar presentes, mas será
necessário perseverança, pois os benefícios desse Odù suplantam a negatividade expressa no ìtan.

"Essa pessoa não deve falar sobre as coisas que está fazendo, pois poderá ser subjugada ou
morta". Depois que sobreviveu à queda, Onidèrè permaneceu em silêncio, para que não percebessem que
ele estava vivo. Para atingir os objetivos esperados, a discrição será vital. A parte que fala de morte sugere
cuidados ainda mais extensos em relação a adversários.

"Ele Tornou-se Ölïpïn e ficou rico". Definitivamente há êxito e prosperidade nesse caminho de
Odù. Tais bênçãos certamente chegarão ao consulente, se ele observar e seguir as diretrizes trazidas por
Ìròsùn nesse caminho.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Um galo
Um pombo
Uma escada com quatro degraus
Uma pedra
Um estribo de cavalo
Algodão

Comentários sobre o ëbö

a) Escadas em ëbö simbolizam o desejo e a real possibilidade de ascensão.

b) Foi o algodão que amparou a queda de Onidèrè. O simbolismo de existência genérica parece
não caber nesse caminho de Odù, restando apenas a idéia de proteção, evidenciada pelos cuidados da mãe
de Onidèrè e Èñù.

c) No ìtan a mãe de Onidèrè coloca o ëbö aos pés de uma colina. Evidentemente esse é o local
para colocar o carrego.

d) Foi graças ao estribo que o pé de Onidèré enroscou na escada, diminuindo a velocidade de as


queda. É uma óbvia evidência de proteção espiritual.
e) Em outros mitos, pedras são utilizadas como armas contra inimigos. Em outras ocasiões,
representam vida longa. Tanto um como outro simbolismo aplica-se à realidade traçada pelo ìtan.

119
f) No ìtan é dito que Onidèrè se alimentou durante quatro dias com as comidas que sua mãe havia
oferecido como ëbö, porém não há nenhuma citação de comidas. Pode ser um lapso de memória de Salàkï,
algo mais do que perdoável para um ancião que conhecia centenas de ìtan. De qualquer forma seria
prudente que o awolòrìñà efetuasse consultas para saber se há a necessidade de tais comidas, e se houver,
quais seriam elas.

g) O ëbö foi feito pela mãe de Onidèrè para trazer segurança e prosperidade ao filho. Se o ëbö
puder ser feito pela mãe do consulente, certamente os resultados seriam ainda melhores, visto que a
questão ancestralidade estaria satisfatoriamente representada.

120
Ìròsùn 10

Houve uma época em que Îrúnmìlà vivia com Îñun e estava desconfiado que ela poderia estar lhe
traindo. Um dia quando Îñun saiu para banhar-se no rio, Îrúnmìlà resolveu segui-la. Mas era proibido aos
homens observarem as mulheres que estivessem tomando banho no rio. Para burlar tal proibição, Îrúnmìlà
resolveu vestir-se de mulher. Prendeu seus cabelos em coque; colocou brincos e pulseiras; pôs vários
lagidigbà em sua cintura, e por último trajou um belo pano-da-costa. Vestido dessa forma ele aproximou-se
de Îñun, que já estava no rio. Ao ver aquela mulher aproximando-se, Îñun pediu para que "a senhora"
esfregasse suas costas. Quando Îrúnmìlà foi esfregar as costas de Îñun, ele lhe golpeou a cabeça. Assustada
Îñun se voltou, e foi aí que reconheceu Îrúnmìlà. Ela disse que não permitiria mais que ninguém esfregasse
suas costas (tivesse intimidades com ela), enquanto Îrúnmìlà assegurou que não a puniria mais.

"A sombra é o que não vemos; nós vemos os resultados". Essa passagem parece uma alusão à
existência de fatos nebulosos, do qual não se conhecem os detalhes, mas sabe-se que o fato existe. Pela
estrutura do ìtan, é mais do que provável que esse algo esteja relacionado a sentimentos ou adultério.

"O que Îrúnmìlà deveria fazer para que pudesse ver a nudez de Îñun?". Não há como negar que
a malícia estará presente quando Ìròsùn aparecer nesse caminho. Interesses sentimentais e ciúmes também
devem ser considerados.

"Então Îrúnmìlà não puniu mais a mulher por adultério". Îrúnmìlà considerou infidelidade o fato
de Îñun permitir que uma mulher esfregasse suas costas. Ele a puniu com um golpe na cabeça, e depois
Îñun prometeu que jamais voltaria a se comportar daquela maneira. É possível que a infidelidade ainda não
tenha acontecido, então ainda será tempo do infiel se arrepender, em nome da saúde de seu
relacionamento. O fato de Îñun ter pedido a uma mulher que esfregasse suas costas pode indicar, ainda que
sutilmente, a possibilidade de algum tipo de homossexualidade.

"Era o dia em que um homem poderia ver duas mulheres, e uma mulher poderia ver dois
homens". Essa é uma expressão que aparece como nota de rodapé, indicando quando uma pessoa começa
a praticar adultério. Esse fato confirma a possibilidade de adultério nesse caminho de Ìròsùn.

121
"Òrìñà vaticina uma bênção de esposas aqui". Numa sociedade poligâmica é natural que Òrìñà
abençoe uma nova união, mas para nós a infidelidade está longe de ser uma bênção. Mas essa passagem
abre a possibilidade de relacionamentos ilegítimos virem a possuir certa profundidade, podendo
transformar-se em casamentos. No caso de realmente existir alguma espécie de infortúnio no casamento
do consulente, é prudente observar que Îrúnmìlà e Îñun chegaram em um acordo em relação ao
comportamento do casal, mas não se separaram. Tal fato pode ser um indício de que esforços serão úteis
para a manutenção do relacionamento em questão.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Esse caminho de Odù parece apenas ser um relato do que está acontecendo ou prestes a
acontecer. É uma questão cuja solução é essencialmente comportamental. Um ëbö não faria sentido em tal
caso.

Ìròsùn 11

Num passado muito remoto existiu um certo Ëlûkö (vendedor de ûkö), que era um dos filhos da
cidade de Îyï. Ëlûkö desejava tornar-se uma pessoa honorável, que fosse respeitada por todos; e procurou
um babalawo para saber que poderia ser feito a respeito. O babalawo o aconselhou a fazer um ëbö, e Ëlûkö
seguiu corretamente as orientações de Ìfá. Para sua felicidade, não apenas ele conseguiu a vida que queria,
como se tornou o próprio Alàfín de Îyï, gozando de felicidade e prosperidade até o final de sua vida.

"Não viva às pressas; não tome um título apressadamente. Há outra vida depois, ela é muito
doce, como uma pessoa lambendo mel". Esse interessante conselho dado pelo Odù é uma alusão à
necessidade de paciência para obter alguma posição na vida ou algo que se deseje. Mesmo que
inicialmente as coisas não corram como o esperado, é preciso ter em mente que a positividade desse
caminho de Ìròsùn é muito grande, e certamente o consulente desfrutará de consideráveis bênçãos no
futuro. No ìtan há a idéia de que algo muito bom está reservado ao consulente, daí a necessidade de não se
afobar e tomar rumos errados. A metáfora também pode ser uma referência à vida no îrun, o que daria a
esse caminho de Ìròsùn um aspecto transcendental. A citação de uma nova vida, doce como o mel, deve
trazer calma e esperança ao coração, pois coisas boas certamente virão. Num plano mais transcendental, a
passagem que fala de uma outra vida deveria deixar claro que a existência no àiyé é temporária, por isso

122
não se pode considerar como sábia a preocupação excessiva em atingir benefícios nesse plano de
existência, pois cedo ou tarde será preciso se desfazer de tudo para regressar ao îrun. De qualquer forma,
metaforicamente ou não, essa pessoa deve ter muita paciência antes de aceitar ou fazer algo que possa
mudar o rumo de sua vida. Também não pode esquecer que bênçãos lhe estão reservadas, se ela seguir as
orientações trazidas por Ìròsùn nesse caminho.

"O que Ëlûkö deveria fazer para se tornar uma pessoa honorável, a quem todos respeitassem".
Essa foi a questão levada por Ëlûkö a Ìfá. É uma evidência sobre a preocupação com a própria conduta, o
que faz desse caminho de Ìròsùn propício à transformação da própria personalidade para algo melhor, mais
ético e honroso. É desnecessário ressaltar que sem essa sensível melhora da própria personalidade, muito
possivelmente as bênçãos citadas no ìtan não se manifestarão. A própria estrutura do ìtan evidencia que
mentalidade elevada, ética comportamental, paciência e sabedoria serão acréscimos consideravelmente
positivos à personalidade do consulente.

"Ele tornou-se rei de Îyï". Essa passagem é a confirmação dos aspectos positivos desse Odù. É
bem provável que as bênçãos que chegarão ao consulente sejam maiores ou mais vastas do que ele pode
imaginar; pois certamente nunca havia passado pela cabeça de Ëlûkö se tornar o Alàfín, e nem foi essa a
questão que ele levou a Ìfá. Havendo paciência para esperar as melhores oportunidades e retidão de caráter
para aproveitá-las, serão grandes as chances de sucesso.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Quatro pombos
Quatro galos
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas no ëbö sugere a necessidade de uma nova personalidade, melhor


sintonizada com a natureza transcendental, desapegada e quase "zen" desse caminho de Ìròsùn. Um estado
de calma e esperança será importante para que as bênçãos do ìtan (uma posição de destaque,
respeitabilidade e prosperidade) possam manifestar-se. O importante é ter em mente que alterações
comportamentais ou de pontos de vista serão necessárias.

b) O ëbö foi feito para que Ëlýkî se transformasse numa pessoa honrada, que todos respeitassem.
Mas ele acabou se transformando em rei. Isso evidencia que as bênçãos reservadas para essa pessoa serão
muito maiores do que ela imagina, desde que as demais informações trazidas por Ìròsùn nesse caminho
sejam corretamente seguidas.

123
124
Ìròsùn 12

Ëlûkö era vendedor de ûkö da cidade de Ìdèrè. Chegou uma época que seu maior desejo era
possuir riquezas no "anoitecer" de sua vida. Ele procurou um babalawo para saber o que poderia ser feito a
respeito, e o mesmo lhe aconselhou a fazer um ëbö e oferendas a seu Orí. Ëlûkö fez a oferenda prescrita,
fortalecendo o àñë de seu Orí. Depois disso ele começou a ter dinheiro, e sua riqueza era incalculável. Dessa
forma ele assegurou a velhice tranqüila que tanto desejava.

"Consultaram Ìfá para Ëlûkö de Ìdèrè; que desejava riquezas no anoitecer de sua vida". A poesia
desse caminho de Ìròsùn diz respeito à velhice. A preocupação com esse estágio da vida é a tônica desse
Odù. Desde já seriam prudentes atitudes que visassem uma velhice tranqüila, sem maiores percalços.

"Espada, filho de trabalho cooperativo". Interessante a citação de trabalho cooperativo num ìtan
que aborda a prosperidade. Pode ser que esse tipo de trabalho esteja relacionado à prosperidade citada no
ìtan. Mas o importante é saber que de qualquer maneira, sem o trabalho a prosperidade em questão não se
manifestará. O fato de Ëlûkö ser o nome dado a vendedores de ûkö abre a possibilidade de melhores
oportunidades de prosperidade na área de comércio.

"Eu cozinhei ûkö, eu não cozinhei canjica". Essa passagem aponta para a necessidade de saber
exatamente o que fazer parta atingir o que se pretende. Graças a esse fato, o planejamento ganha papel de
destaque nesse caminho de Ìròsùn.

"Ëlûkö começou a ter dinheiro, seu dinheiro era incalculável". A prosperidade aparece com
grande força nesse caminho de Odù. Se o consulente começar a se preocupar desde já com sua velhice,
certamente conseguirá um êxito maior do que o esperado.

"Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro, de filhos e de Vidal longa. Disseram que ele deveria
oferecer comida e bebida a seu Orí". Sem oferendas à sua cabeça não haverá meios do consulente alcançar
as bênçãos citadas no ìtan. Também é possível que essa pessoa esteja fora de sua realidade espiritual, pois é
conhecido o fato de que oferendas a Orí recolocam o indivíduo em sintonia com seu destino pessoal. O ìtan
fala de outras bênçãos que poderão chegar à vida do consulente, se as orientações trazidas por Ìròsùn
forem seguidas. É evidente que se o consulente não prestar atenção às informações trazidas por esse Odù,
provavelmente ele afaste de sua vida as bênçãos em questão, colocando-se à mercê de vários infortúnios,
como a miséria, a ausência de realizações pessoais e até a morte precoce.

125
Ëbö

Vinte e oito búzios


Um galo
Um pombo
Um àpótí (banquinho)
Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) A única idéia que se pode ter sobre a presença do àpótí nesse ëbö é o fato de que ele é usado
pelos Àgba (anciões) durante reuniões, enquanto as demais pessoas sentam-se no chão ou em esteiras.
Segundo algumas fontes, o àpótí vazio do Ìpàdé significa que entre os presentes ninguém é superior aos
Eñà, por isso ele fica vazio, como se apenas os Eñà tivessem o direito de sentar-se nele. Nesse caso a
presença do banquinho seria uma forma de invocar a vida longa e respeitabilidade, na esperança de
envelhecer até ser digno de se poder sentar num àpótí perante os àbúrò (os mais novos). Tais possibilidades
estão baseadas nas passagens do ìtan que dizem, "Ele sentou-se no àpótí; estava dignificado", e "Òrìñà fala
de uma bênção de vida longa".

b) O ëbö não estará completo sem oferendas a Orí. É mais uma evidência de que provavelmente o
consulente tenha se afastado dos caminhos de seu ìpín (sina). É provável que apenas fortalecendo o Orí do
consulente seja possível invocar a prosperidade e vida longa inerentes a esse caminho de Ìròsùn. O ëbö foi
feito com esses objetivos.

126
Ìròsùn 13

Um determinado macaco da antiguidade era conhecido por meter-se em complicadas situações.


Essa sua característica lhe valeu o nome de Macaco Tolo. Durante uma consulta a Ìfá foi aconselhado pelo
babalawo a fazer um ëbö, para que a bondade que ele viesse a fazer não lhe trouxesse dores de cabeça.
Macaco Tolo fez o ëbö prescrito, e num dia, enquanto caminhava, deparou com uma armadilha aberta no
chão. No interior da armadilha estava Leopardo, que ali havia caído. Leopardo pediu para que Macaco Tolo

127
o ajudasse a sair dali, mas Macaco teve medo, dizendo a Leopardo que se o ajudasse a sair dali, ele não lhe
permitiria ir embora. Leopardo assegurou a Macaco Tolo que isso não ocorreria, e por fim acabou
convencendo-o a lhe ajudar. Então Macaco Tolo esticou sua longa cauda para dentro da armadilha, e
através dela Leopardo conseguiu sair dali. Assim que saiu da armadilha, Leopardo agarrou Macaco Tolo,
não permitindo que ele fugisse, pois acreditou que seu almoço estava garantido. Nessa hora Èñù apareceu e
perguntou o que estava acontecendo. Macaco Tolo narrou a Èñù sua desventura. Èñù ouviu atentamente e
depois pediu para que Macaco Tolo lhe batesse pawï (palmas rituais), como sinal de respeito. Macaco Tolo
bateu pawï para Èñù. Depois Elégbàrà pediu para Leopardo fazer o mesmo. Como estava com as garras
ocupadas, Leopardo colocou Macaco Tolo embaixo do braço para poder fazer o que Èñù havia
determinado. No momento em que ele afrouxou um pouco suas garras, Macaco Tolo escapou e subiu
rapidamente numa árvore. Graças a Èñù, Macaco Tolo não morreu nas garras de Leopardo.

"Bondade é inimiga de minha raça. Ìfá diz que não permitirá que a bondade cause tribulações".
No ìtan a bondade feita só trouxe problemas a Macaco Tolo. A idéia básica do Odù é ter discernimento para
saber quem e quando ajudar, para que desse auxílio não surjam dificuldades e arrependimentos.

"Macaco Tolo disse: 'Estou com medo de você'". Macaco Tolo sabia que por sua própria
natureza, Leopardo não o deixaria partir. Esse fato sugere que com discernimento pode-se saber de onde
virá a ingratidão ou maldade. Deve-se estar aberto a ingratidão nesse caminho de Ìròsùn.

"Leopardo segurou Macaco Tolo pela cintura e não queria deixá-lo partir". A posição de
prisioneiro de Macaco Tolo pode ser uma referência à privação de liberdade ou prisões judiciais. Seriam
prudentes consultas a esse respeito.

"Macaco Tolo disse: 'Não falei que você me prenderia?'". Leopardo assegurou a Macaco Tolo
que não tentaria prendê-lo, mas não manteve sua posição. Trampolinadas podem ser esperadas quando
Ìròsùn aparecer nesse caminho. O mesmo pode-se esperar de palavras quebradas, compromissos não
honrados, etc.

"Èñù veio e disse: 'O que está acontecendo?'". Graças a Èñù, Macaco Tolo não morreu. Èñù é o
fator de segurança e auxílio nesse caminho de Ìròsùn. Em vários mitos Èñù aparece punindo aqueles que
não fazem as oferendas prescritas, e auxiliando quem as faz. Ao fazer seu ëbö, Macaco Tolo passou a
merecer o desvelo de Èñù, que simplesmente o salvou da morte. Tais fatos evidenciam que se houver
completa retidão perante os assuntos espirituais e éticos, o consulente certamente poderá contar com a
proteção de Èñù nesse momento de perigos. Por questões lógicas, seria prudente averiguar se as
obrigações rituais do consulente estão em dia.

“Quando Leopardo foi bater palmas, Macaco Tolo escapou e pulou para cima de uma árvore”.
Assim que pôde, Macaco Tolo fugiu, pois errar é humano, mas persistir é burrice. Sem dúvida essa é uma
das mensagens que Ìròsùn traz nesse caminho.

128
"Èñù disse, 'Tudo bem. Macaco Tolo, bata palmas para mim três vezes'". O ìtan faz citações ao
"pawï", as palmas ritualísticas que simbolizam respeito no Candomblé.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Um galo
Um pombo
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre o ëbö

a) A roupa sugere que a atual personalidade do consulente é inadequada para enfrentar o


problema, sendo necessário um jeito de ser mais condizente com a situação. É provável que se o consulente
não alterar seu comportamento, provavelmente enfrentará dificuldades futuras, semelhantes as
apresentada no ìtan. Como há uma considerável negatividade nesse Odù, é possível que a roupa também
represente um meio de desviar tal negatividade do consulente, atraindo-a magneticamente para a roupa
em questão.
b) Pelo auxílio prestado no ìtan, talvez sejam necessárias oferendas mais elaboradas a Èñù, além
das que ele deve receber por trabalhar como Elëbö. Ìfá definirá tal possibilidade.

c) O ëbö foi feito para que a bondade que uma pessoa venha a fazer não lhe traga aborrecimentos
e perigos posteriores. Se tal quadro já estiver estabelecido, essa oferenda será de grande auxílio para que a
pessoa possa se safar de possíveis negatividades como traições, prisões, etc.

129
Ìròsùn 14

Numa certa época do passado existiu uma princesa chamada Ömöwön (filha querida), que era a
primogênita de Onijayé (Rei de Ijaiyé). Ela desejava ter muitos filhos, e resolveu consultar Ìfá para saber o
que poderia ser feito a respeito. Aconselharam-na a fazer um ëbö, e Ömöwön o fez. Depois disso, ela
começou a ter muitos filhos; dançou e regozijou com a bênção que havia recebido de Òrìñà.

"Ìfá diz que ele profetiza uma bênção de filhos". Filho é algo de extrema importância para o
ioruba. Ter filhos pode ser um símbolo de realizações profundas, nos mais diversos aspectos da vida. O
desejo por filhos pode simbolizar o anseio por realizações ainda não presentes. Em Odù que aborda esse
assunto há de se considerar as hipóteses de emancipação e casamentos. Também merece destaque a
possibilidade de problemas familiares; mas é óbvio que o aspecto literal da questão não deve ser
negligenciado.

"Uma bênção é o que Òrìñà prevê". Essa passagem evidencia o aspecto positivo desse caminho
de Ìròsùn. Sejam filhos ou quaisquer outros aspectos positivos, é certo que se realizarão quando esse Odù
aparecer.

"Dendê é bom para comer com inhame; uma escada é boa para subir no celeiro; dormir com
uma mulher é bom para um homem". A narrativa de fatos corriqueiros da vida pode ser uma alusão a
momentos de tranqüilidade, aonde a chegada de um filho (ou uma realização mais específica) deve ser
considerada natural, como se tivesse chegado o momento adequado para tal. Não há absolutamente nada

130
nesse ìtan que justifique malícia, relacionamentos ou homossexualidade. Mas levando-se em consideração
que tais assuntos costumam aparecer em outros caminhos de Ìròsùn, talvez fosse prudente checar se a
citação "Dormir com uma mulher é bom para um homem" tenha qualquer tipo de conotação como as já
citadas.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Dois pombos
Um galo
Uma galinha
Um gèlè
Um tecido

Comentários sobre o ëbö

a) O gèlè pode representar feminilidade. Abre-se a hipótese de relações amorosas e até


homossexualismo, dependendo do caso.

b) Tecidos são comuns em ëbö relacionado a filhos ou antepassados.

c) O ëbö foi feito por ömöwön "para ter filhos". Logo, está relacionado a realizações em geral.
Apesar de todas as possibilidades simbólicas, são grandes as chances de gravidez e novos filhos quando
esse Odù se manifesta.

Ìròsùn 15

Um homem chamado Onijayé certa vez resolveu consultar Ìfá. Durante a consulta ele foi avisado
que estavam lhe fazendo feitiços. O babalawo lhe recomendou que tomasse cuidado, e também lhe
prescreveu um ëbö para tal complicada situação; mas Onijayé não fez o ëbö. Também foi dito que ele
deveria parar de fazer consultas usando nozes; mas ele não parou. Depois de um tempo, a guerra chegou
na cidade de Onijayé. Èñù dançava e regozijava com a desdita do incauto.

131
"Onijayé. Estão te chamando com preparos (feitiços)". Essa passagem evidencia que o
consulente está sendo vítima de feitiços ou maus pensamentos. É imprescindível que ele se cuide e que não
tenha a postura orgulhosa e inconseqüente do personagem do ìtan. Como Onijayé é o nome de um rei, de
um líder, é provável que os malefícios inerentes a esse Odù se abatam sobre outras pessoas diretamente
relacionadas ao consulente.

"Aquele que é superior chama; aquele que responde é inferior". No ìtan, Onijayé recebe vários
conselhos e não os aceita. É necessário humildade para ouvir o que os mais sábios têm a dizer sobre a
questão exposta.

"Disseram que ele não deveria adivinhar, mas ele não os escutou". O ìtan diz que Onijayé era um
adivinho. O conselho que lhe foi dado sugere que atividades rituais não sejam exercidas, pois a pessoa está
sob a influência de feitiços. O fato de Onijayé possuir atividades rituais pode ser uma evidência de que o
consulente seja pessoa de Òrìñà; e se não o for, seria aconselhável que fosse.

"Onijayé não ofereceu o ëbö". A conduta de não oferecer o ëbö prescrito é a causa dos
infortúnios narrados no ìtan. É também um indício de soberba, arrogância, orgulho e ignorância espiritual. É
muito provável que o consulente se recuse a fazer a oferenda prescrita. Nesse caso, o awolòrìñà deverá
deixar bem claro o que poderá acontecer.

"E a guerra chegou!". O problema é sério. Guerra é a origem de morte, violência, perdas e muita
tristeza. É necessário muito cuidado quando esse caminho de Ìròsùn aparece, para que todos os malefícios
inerentes a esse Odù não se manifestem. É importante que fique claro que a guerra em questão foi
conseqüência direta da atitude espiritualmente equivocada de Onijayé.

"Òrìñà faz as coisas acontecerem, como um sonho". Os aspectos negativos desse Odù
certamente estão prestes a se manifestarem. A citação sobre Òrìñà abre a hipótese dos eventuais malefícios
desse Odù terem a espiritualidade (ou falta dela) como causa.

"Èñù dançava e regozijava". Depois que a guerra instalou-se na cidade de Onijayé, o ìtan diz que
essa foi a reação de Èñù. Como já foi dito, é bem provável que os próprios mentores espirituais do
consulente deixem de abençoá-lo, tornando-o indefeso contra as dores que caracterizam nossa existência.
É importante lembrar que Èñù é o responsável pela "conscientização" (às vezes dolorosa) daqueles que
cometem erros rituais e comportamentais perante a espiritualidade.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Quatro pombos
Quatro galinhas
Quatro galos

132
Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de animais é mais um indício de gravidade da situação. Seria prudente


fazer esse ëbö o mais rápido possível.

b) O ëbö foi negligenciado no ìtan, mas deveria ser feito para evitar que feitiços e todo tipo de
infortúnios se manifestem na vida do consulente.

133
Ìròsùn 16

Num determinado momento de sua vida, um homem chamado Onijayé procurou um babalawo,
pois desejava ter filhos. Durante a consulta Ìfá mostrou que os filhos que Onijayé tanto queriam estavam
prestes a chegar, mas estavam retidos por Ìrokò. Os filhos de Onijayé estavam com Ìrokò. Então O babalawo
o aconselhou a fazer uma oferenda a Ìrokò, pedindo a essa divindade que liberasse seus filhos. Onijayé fez
aquilo que Ìfá aconselhou, e Ìrokò permitiu que uma bênção de filhos chegasse a ele, tornando o uma
pessoa feliz e realizada.

"Ìfá diz que uma bênção de filhos é o que ele vaticina". Essa é a passagem que evidencia os
aspectos positivos desse Odù. O anseio por filhos pode ser uma alusão a desejos ou projetos ainda não
realizados. Além do aspecto literal, filhos representam a possibilidade de realizações em geral, desde que as
demais informações trazidas por Ìròsùn nesse caminho sejam devidamente compreendidas e seguidas.

"Disseram que seus filhos estavam com Ìrokò". Nesse Odù, Ìrokò aparece regulando os espíritos
que virão para o àiyé. É a oferenda de Onijayé que fez Ìrokò "liberar" seus descendentes (e por extensão,
suas bênçãos). A presença de Ìrokò evidencia forte ancestralidade nesse caminho de Ìròsùn. Em Odù em
que aparece Ìrokò, é prudente fazer consultas sobre a saúde física e mental do consulente, ou de pessoas
próximas a ele. Também seria importante considerar a hipótese de alguma influência de espíritos
relacionados à árvore Ìrokò, como as Àjý, àbìkú, etc. Caberá ao awolòrìñà definir se tais possibilidades
possuem ou não fundamento.

134
"O Òrìñà que nos ajuda é aquele a quem servirmos". É provável que apenas servindo a Òrìñà essa
pessoa conseguirá atrair para sua vida as bênçãos citadas no ìtan. Tal devoção sem dúvida favorecerá a
liberação das bênçãos inerentes à vida dessa pessoa. Graças a esses fatos, a iniciação passa a ser algo a ser
considerado. Em caso de pessoa já iniciada, fica evidente a necessidade de obrigações ou reaproximação
em relação a Òrìñà.

"O Egún que nos ajuda é aquele para quem compraremos tecidos". Essa passagem reforça o
aspecto ancestral desse Odù. Assim como os Òrìñà, Egún (ou a ancestralidade em geral do consulente)
poderá ser de grande auxílio quando esse Odù aparecer. Caso Ìfá confirme que Egún poderá auxiliar essa
pessoa, assim que tal auxílio se manifestar, já está expressa no próprio ìtan a forma como a mesma deverá
demonstrar gratidão à sua ancestralidade.

"Se uma árvore me ajuda, posso conseguir obì e oferecer a ela". Oferecer obì a árvores sagradas
(na verdade, às divindades que elas representam) também é comum no Brasil. Aqueles que conhecem os
fundamentos de Ìrokò sabem disso. A ancestralidade representada por Ìrokò costuma ser extensiva a
família. Logo é provável que os assuntos expostos sejam cabíveis para outros membros da família do
consulente.

"Onijayé fez o ëbö e logo começou a ter seus filos. Ele dançava e regozijava". Essa passagem
mostrar que de fato, esse caminho de Ìròsùn é repleto de realizações. Um detalhe importante que merece
destaque é o fato de que sempre que filhos são citados em ìtan, são prudentes consultas para saber se há
algum problema com os prováveis filhos do consulente.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Um galo
Um pombo
Obì
Comidas e bebidas

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é a oferenda que deve ser feita a Ìrokò. Logo, é óbvio que o awolòrìñà deverá conhecer
detalhes do ritual desse Òrìñà para poder auxiliar o consulente.

b) As comidas e bebidas que devem ser oferecidas a Ìrokò não são textualmente citadas no ìtan.
Isso apenas confirma o que foi dito sobre a necessidade de conhecimento ritual, pois será preciso defini-las.

c) Não há definição quanto a quantidade de obì a ser ofertada.

135
136
Ìròsùn 17

Na antiguidade um determinado macaco era conhecido por constantemente se meter em


confusões, o que lhe valeu o nome de Macaco Tolo. Ele desejava visitar seu amigo Ölïpöndà; mas antes de
iniciar a viagem achou por bem consultar Ìfá. O babalawo disse a Macaco Tolo que seria necessário fazer um
ëbö antes de ir visitar seu amigo. Enquanto isso Ölïpöndà também fazia suas consultas, pois havia chegado
o tempo de fazer o festival anual de Egún. Disseram-lhe que um amigo seu chegaria e que ele não deveria
permitir que tal amigo partisse, pois suas bênçãos estariam com esse amigo. No ëbö prescrito para
Ölïpöndà continha uma corrente com oitocentos elos. Quando Macaco Tolo chegou para visitá-lo, Ölïpöndà
já sabia o que fazer para aprisionar o amigo. Ele disse a Macaco Tolo que naquele ano todos estreariam
adereços novos. Dizendo isso ele pegou a corrente do ëbö e passou em volta da própria cintura. Ölïpöndà
também disse que seria bom Macaco Tolo experimentar a corrente, para que não parecesse desagradável
aos olhos do povo. Macaco Tolo concordou e passou a corrente ao redor de sua cintura. Depois disso
Ölïpöndà não o libertou mais. As pessoas passaram a alimentar Macaco Tolo com bananas e mamões. As
bênçãos de Macaco Tolo passaram todas para Ölïpöndà, fazendo com que o reino desse fosse próspero e
feliz.

"Consultaram Ìfá para Macaco Tolo". Parece haver uma relação entre o mito "macaco" e a
ancestralidade humana. Em "The Egungun cult among the Oyo yoruba", aparecem várias relações entre o
macaco e o Lûsû Egún. As bênçãos só vieram para Ölïpöndà quando ele fez o festival com a presença do
macaco. Embora veladamente, são consideráveis as chances de existir uma influência de Egún nesse
caminho de Ìròsùn. Levando em consideração que foi Ölïpöndà que organizou o festival de Egún narrado
no ìtan, e que foi ele que prosperou, tal influência pode ser consideravelmente benéfica. Também é
interessante notar que o termo “Ölïpöndà” é um oyè em alguns ëgbý Òrìñà de grande reconhecimento.
Esse detalhe abre a possibilidade do consulente vir a ter que cuidar de Òrìñà; mas como essa não é uma
informação textual, serão necessárias consultas nesse sentido.

"Esse negócio às vezes parece amor; às vezes parece ódio". Ao que parece, há uma típica relação
de exploração, onde apenas uma parte obtém benefícios. Não está descartada a hipótese de amarrações
nesse Odù, mas o próprio nome "Macaco Tolo" sugere que o explorado assumiu por opção essa posição,
por falta de astúcia ou malícia. Relações doentias também devem ser consideradas.

"Devemos oferecer um ëbö para que nossos amigos não nos prendam". A idéia de estar preso a
uma situação de insatisfação está presente nesse Odù. Essa passagem também aponta para falsas amizades,
além de privação de liberdade (cadeia).

137
"Eu experimentei minhas correntes, agora você experimenta as suas". Ardis e tramóias estão
presentes nesse Odù. É necessário cuidado ao receber o que for oferecido. Por mais que à primeira vista tal
conselho pareça discrepante com os conceitos normais de espiritualidade, manter uma condição de
constante desconfiança pode ser uma forma de se precaver contra eventuais traições.

"Ìfá diz que uma bênção está com seus amigos. Todas as bênçãos de Ölïpöndà que Macaco
estava carregando, voltaram para Ölïpöndà". Visto sob outro aspecto, o ìtan pode significar que as
bênçãos que cabe ao consulente estão com outras pessoas, e ao trazê-las para perto, essas bênçãos se
manifestarão (os filhos do ìtan representam essas bênçãos). O ëbö seria uma forma de atrair a pessoa que
pode trazer auxílio. Caberá ao awolòrìñà definir qual aspecto se encaixa melhor na realidade do consulente,
pois esse Odù é muito complexo. Existe a possibilidade de tanto Macaco Tolo como Ölïpöndà
corresponderem à natureza do consulente.

"Um amigo me traiu". Definitivamente, não se deve confiar em "amizades" quando Ìròsùn aparece
nesse caminho de Odù.

Ëbö (1)

Vinte e oito búzios


Quatro galos
Quatro pombos
A roupa que estiver usando

Ëbö (2)

Quatro pombos
Quatro galos
Uma corrente com oitocentos elos
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre os ëbö

a) O primeiro ëbö tem a função de impedir que o consulente fique preso a uma situação
consideravelmente insatisfatória. Foi prescrito para Macaco Tolo, e o ìtan não deixa claro se ele fez ou não
tal ëbö. Fica então evidenciado o que pode acontecer com o consulente se a oferenda em questão for
negligenciada.

b) O segundo ëbö foi feito por Ölïpöndà e lhe trouxe muitos benefícios, principalmente no âmbito
material.

138
c) No segundo ëbö não há búzios. Ou Salàkï esqueceu (o que é pouco provável), ou não se deve
cobrar para fazer esse ëbö. Na verdade essa oferenda lembra uma amarração, e não cobrar parece ser uma
forma de não se envolver espiritualmente com as conseqüências que daí podem advir.

Ìròsùn 18

Àpïn (homem solteiro) andava muito triste em sua vida. A ausência de uma companheira lhe era
muito dolorosa. Ógbèré (prostituta) vivia uma realidade semelhante à de Àpïn, com o coração sempre triste,
chorando por não ter ninguém para dividir sua vida. Ambos viviam infelizes, pois eram solitários. Chegou o
dia em que Àpïn resolveu consultar Ìfá para alterar sua situação. O babalawo recomendou que ele fizesse
uma oferenda, e colocasse seu ëbö nas margens de um rio. Ógbèré também consultou um babalawo para
que pudesse ter um marido. O mesmo ëbö prescrito para Àpïn lhe foi recomendado. Quando Àpïn chegou
ao rio para deixar seu ëbö, Ógbèré já estava lá, e ele a ouviu rogando por um marido. Àpïn não se conteve e
pediu a Ógbèré que viesse morar com ele. Eles dormiram juntos, Ógbèré engravidou e logo houve o
casamento. Àpïn e Ógbèré ficaram muito felizes, pois a bênção que Òrìñà havia vaticinado acontecera.

139
"Àpïn e Ógbèré choravam por não terem companhia". É natural que haja carência afetiva e até
solidão quando esse Odù se manifestar. A forma como os dois se conheceram pode significar que a
mudança na vida sentimental do consulente se dará por caminhos inesperados.

"Àpïn disse, 'Venha morar em minha casa'". No ìtan, Àpïn casa-se com uma prostituta. A princípio
pode-se supor que escolhas muito criteriosas não cabem nesse caminho de Ìròsùn. Há também a idéia
sobre a necessidade de muita compreensão no que diz respeito a futuros pretendentes. Pelo ponto de vista
da prostituta, esse caminho de Odù evidencia que os sonhos sentimentais se realizarão, por mais difíceis
que possam parecer.

"Caminho estreito, caminho para a lavoura. Caminho reto, caminho para o rio". A citação de
lavoura pode ser uma alusão de que o trabalho possa ter alguma influência na problemática, podendo estar
relacionado com a causa ou solução do assunto em questão. Rios relacionam-se com a espiritualidade de
muitas formas. Juntamente com a passagem "Òrìñà é tão doce e realmente faz vir (as bênçãos)", a presença
de "rio" dá a idéia que de alguma forma o Òrìñà poderá auxiliar a pessoa em seu problema. Se Ìfá confirmar
tal possibilidade, será mais um meio que o awolòrìñà poderá utilizar para auxiliar o consulente.

"Uma bênção de esposas. Uma bênção de filhos". O importante é ter em mente que esse
caminho de Ìròsùn é benéfico para casamentos e relacionamentos afetivos em geral. A citação sobre a
bênção de filhos ainda faz desse caminho de Ìròsùn um Odù propenso a consideráveis realizações pessoais.

Ëbö

Vinte e oito búzios

Comentários sobre o ëbö

a) O ìtan diz que esse montante de búzios deve ser oferecido ao lado de um rio, num lugar onde
as pessoas fiquem conversando ou se divertindo. Talvez por isso esse ëbö seja tão diferente dos demais em
sua estrutura. A finalidade de tal oferenda é abrir os caminhos da vida sentimental do consulente. Como os
búzios que pagariam a consulta eram o próprio ëbö, é aconselhável que o dinheiro pago ao awolòrìñà
também faça parte da oferenda em questão, e que o sacerdote não retenha nada para si.

Ìròsùn 19

140
Em tempos imemoriais, Baba Olòña resolveu consultar Ìfá, desejoso em melhorar os rumos de sua
vida. Ele foi aconselhado pelo babalawo a fazer uma oferenda em cujo conteúdo existia fumo de corda. Ele
também foi instruído a mascar o fumo todas as manhãs. Como resultado dessas ações rituais, o àñë de Baba
Olòñà manifestou-se de forma ímpar, e todas as coisas que ele dizia imediatamente se transformavam em
verdade. Graças a esse poderoso àñë, não demorou para que um caminho de grandes bênçãos se abrisse
para ele.

"Devemos oferecer um ëbö pelos filhos, para que não sofram danos". Essa passagem não tem
nenhuma relação com o resto do ìtan, mas indica problemas com filhos ou dependentes do consulente. É
possível que os mesmos estejam ou venham estar com problemas. Seriam prudentes consultas nesse
sentido.

"Baba Olòña, todas as coisas que ele dizia, graças ao àñë se tornavam verdadeiras". É
reconhecido o fato de que o uso ritual de fumo de corda visa “forçar” por parte do Òrìñà a devolução do
àñë (e das bênçãos) que lhe foi oferecido. Apesar disso, essa passagem do ìtan ensina que o fumo tem uma
propriedade semelhante ao atarè, dando força de realização à palavra. Há a idéia de que essa pessoa tenha
àñë e poder para realizar aquilo que deseja, mas tal poder precisa ser satisfatoriamente desenvolvido.

"Essa pessoa deve louvar Òrìñà, pela manhã, antes de mascar seu fumo". Essa passagem
evidencia que o àñë em questão deva ter um direcionamento espiritual. A parte que fala sobre a
necessidade de louvar Òrìñà todas as manhãs é sem dúvida um indício sobre a necessidade de iniciação; e
se a pessoa já for iniciada, pode representar a necessidade de obrigação. O importante é louvar Òrìñà antes
de mascar o fumo diariamente pela manhã, para que o àñë citado no ìtan possa de fato se manifestar
dentro de caminhos espirituais.

"Ìfá diz que bênçãos são o que ele prevê". Essa passagem evidencia a positividade desse Odù. É
óbvio que o àñë despertado deverá ser movimentado para ajudar o consulente em suas questões pessoais.
Mais uma vez é bom lembrar que tal àñë está indissoluvelmente associado à presença do Òrìñà na vida
dessa pessoa. Logo, a devoção a Òrìñà (e através desse, a Olódúmarè) é imprescindível para que as bênçãos
citadas no ìtan possam de fato trazer benefícios.

Ëbö

Oito búzios
Quatro pedaços de fumo de corda
Um galo

Comentários sobre o ëbö

141
a) É conhecido o fato de que Èñù mastiga fumo antes de regurgitar seu àñë. Isso é mais um indício
de que essa pessoa tem àñë, mas precisa da influência de Òrìñà para que esse àñë se manifeste e seja
benéfico.

b) A função do ëbö é aumentar ainda mais o àñë pessoal; mas de acordo com as informações do
ìtan, também será necessário fazer um ëbö para a proteção dos filhos. Caberá ao awolòrìñà descobrir se o
ëbö prescrito já tem essa função, ou se será necessário uma outra oferenda que vise especificamente o bem
estar dos filhos do consulente. Se a segunda alternativa for a apontada por Ìfá, então o awolòrìñà deverá
usar seu conhecimento para a montagem de tal ëbö.

Ìròsùn 20

Lápetíjí era o nome de um rapaz, que infelizmente estava se tornando um ladrão. Ele havia
comprado várias coisas durante o dia, dizendo que pagaria ao anoitecer. Quando o anoitecer chegou
Lápetíjí não tinha dinheiro para saudar suas dívidas. Então ele dirigiu-se até uma plantação e roubou todas
as nozes que encontrou, no intuito de conseguir o dinheiro que precisava. Quando o lavrador dono das
nozes viu o que tinha acontecido, ficou desesperado. Ele procurou o babalawo para saber o que havia
ocorrido com suas nozes. O babalawo lhe recomendou fazer um ëbö, pois o àñë da oferenda ajudaria a
descobrir o que ele desejava. O lavrador fez o ëbö conforme lhe foi dito, e quando estava voltando do local
onde havia deixado o carrego, flagrou Lápetíjí, que mais uma vez estava roubando suas nozes. O lavrador
descobriu o que queria, e Lápetíjí teve que pagar por seus atos.

"Consultaram Ìfá para Lápetíjí, quando ele estava tornando-se um ladrão". Essa passagem
mostra a possibilidade de roubos nesse caminho de Ìròsùn. Esse é um dos Odù que possuem dois
personagens importantes. Por isso é possível que o consulente se identifique com o lavrador ou com
Lápetíjí. No primeiro caso, o consulente estará sendo alvo de roubos ou algo semelhante. No segundo, ele
será o ladrão, ou ao menos infrator de alguma lei importante. Se o consulente não puder fazê-lo por si
próprio, caberá ao awolòrìñà definir esses importantes detalhes.

"Todas as coisas que ele comprou ao meio-dia, ele disse que pagaria ao anoitecer". Lápetíjí só
acumulou dívidas ao meio-dia (na juventude), achando que as pagaria ao anoitecer (velhice); mas não
possuía recursos e teve que roubar para pagar suas dívidas. Esse fato sugere inconseqüência e
irresponsabilidade, além de roubo e deficiência de caráter. Não se preocupar com o "meio-dia" da vida
certamente acarretará consideráveis sofrimentos no "anoitecer" da mesma.

"Quando o anoitecer chegar, nós teremos búzios". Em Ìròsùn é comum a preocupação com a
sobrevivência no final da vida. É necessário ressaltar que Lápetíjí começou a roubar devido sua
imprevidência em relação à velhice. Possuir os "búzios" na velhice é algo importantíssimo quando Ìròsùn

142
aparece nesse caminho. Logo, viver com moderação, poupando e evìtando gastos supérfluos, será exemplo
de sabedoria nesse contexto.

"O lavrador dançava e regozijava". A presença de um lavrador obtendo êxito pode ser uma
alusão ao triunfo do trabalho sobre atitudes inconseqüentes ou desonestas, e também pode representar
que a desonestidade inerente a esse Odù esteja relacionada ao âmbito profissional. As chances de essa
pessoa desfrutar de uma velhice digna será muito maiores se desde já houver preocupações profissionais
em sua vida.

"Ìfá diz que quando alguém estiver enganando você, ele lhe ajudará a capturá-lo". Essa
passagem mostra que em caso de roubo, o ladrão tende a ser desmascarado, através do auxílio de Òrìñà. A
idéia gerada por "enganar" sugere a possibilidade de outras formas de engodo, além de roubo, estarem
presentes quando esse Odù aparece. Seriam prudentes consultas a respeito.

Ëbö (1)

Vinte e oito búzios

Ëbö (2)

Vinte e oito búzios


Um galo

Comentários sobre o ëbö

a) O primeiro ëbö foi prescrito para Lápetíjí, mas ele não o fez. A finalidade de tal ëbö é para que a
pessoa tenha uma boa velhice. Considerando que os búzios representam dinheiro, é provável que a
oferenda em questão simbolize a necessidade de previdência.

b) O segundo ëbö foi oferecido pelo lavrador, e encaixa-se perfeitamente na orientação que
aparece no ìtan: "Devemos oferecer um ëbö completo". A função de tal ëbö é descobrir um possível
enganador e favorecer o aparecimento da verdade, além de findar um período de perdas.

143
144
Ìròsùn 21

Ûgà (pássaro da palmeira) chorava copiosamente, ferida por seu desejo de ter filhos. Imbuída de
tal anseio resolveu consultar Ìfá, esperançosa que o babalawo pudesse lhe ajudar a resolver esse problema.
Îpû (palmeira) estava junto de Ûgà quando Ìfá foi consultado. O babalawo disse que Ûgà deveria oferecer
um ëbö para que pudesse ter filhos; enquanto Îpû deveria fazer um ëbö para que a bondade prestada a
outras pessoas fosse reconhecida, ao invés de ter a ingratidão como recompensa. Ûgà fez a oferenda que
lhe foi prescrita, mas Îpû disse que não faria o ëbö, pois não acreditava que as pessoas não reconheceriam a
bondade que ela costumava fazer. O ëbö de Ûgà continha uma roupa muito colorida, que era exatamente a
sua plumagem. Ûgà se desfez de suas roupas, e em pouco tempo já estava com os filhos que tanto
esperava. Quando as crianças nasceram, imediatamente perguntaram à mãe onde estavam as roupas dela.
Ûgà respondeu que Îpû havia pegado suas roupas. Então os filhos de Ûgà foram até palmeira e rasgaram
suas roupas (folhagem) para fazer um novo ninho para sua mãe. Dessa forma Ûgà conseguiu filhos
valorosos que a protegiam, enquanto Îpû teve sua copa constantemente danificada pelas aves de palmeira.

"Ûgà chorava por não ter filhos". É conhecido o fato de que para o ioruba, filhos representam
uma grande bênção. Não possuí-los evidencia que as grandes realizações da vida dessa pessoa ainda não
aconteceram. Por extensão, é importante considerar a possibilidade de frustrações em geral.

"Disseram que Îpû deveria oferecer um ëbö. Deveria fazer encantamentos, para que sua
bondade fosse reconhecida. Ela disse: 'Eu faço bondades para todo mundo. Por que não fariam
bondades por mim?’ Îpû não fez o ëbö". Não fazer o ëbö prescrito caracteriza ignorância espiritual. Na
verdade, essa ignorância é a causa do sofrimento de Îpû. Em seus pensamentos Îpû acreditou não ser
necessária a oferenda prescrita, pois imaginou que as pessoas reconheceriam a bondade feita por ela
outrora. É possível que ocorram atitudes ingênuas nesse caminho de Ìròsùn. Por outro lado, não fazer o ëbö
prescrito pode ser entendido como falta de visão espiritual, e até mesmo consideráveis erros de
discernimento, cujas conseqüências invariavelmente são negativas.

"Ûgà, quem tomou suas roupas? – ‘Foi Îpû’". Ûgà acusou injustamente Îpû. Não será surpresa
se traições, calúnias e injustiças ocorrerem quando esse Odù se manifestar. Logo, a atitude ingênua de Îpû
em acreditar que as pessoas reconheceriam seu valor deve ser evitada. Infelizmente estar aberto a calúnias e
desapontamentos é algo necessário quando se está sob a influência desse Odù.

"Eles começaram a rasgar a roupa de Îpû". Essa passagem exprime as dificuldades que aguardam
os ingênuos que esperarem o reconhecimento alheio; ou espiritualmente ignorantes, por não acatarem os
conselhos dos mais sábios. Esse trecho também ensina a origem da tradição de desfiar màrìwò.

"Ûgà dançava e regozijava. Ela louvava os adivinhos, e os adivinhos louvavam Òrìñà. Os


mesmos adivinhos que haviam dito a verdade". O aspecto positivo desse caminho de Ìròsùn fica evidente
quando se leva em consideração o êxito de Ûgà. Ela fez o ëbö para que pudesse ter filhos, e conseguiu o
que desejava. Tal fato evidencia que apesar de toda negatividade já abordada, há um considerável potencial

145
para realizações nesse Odù. Outra possibilidade a ser considerada é o fato da pessoa ter uma atitude
espiritualmente execrável, depois que conseguir atingir seus objetivos pessoais. Isso fica caracterizado pelo
fato de Ûgà ter caluniado Îpû depois que conseguiu seus filhos.

"Essa é a razão de não devemos usar as roupas ganhas em ëbö. Devemos dá-las como
presente". Essa passagem ensina que as roupas oferecidas em ëbö de Odù não são destruídas e
despachadas, como acontece nos ëbö de purificação. As roupas ficam em poder do sacerdote oficiante do
rito, que depois deve doá-las. Vestir as roupas ganhas em ëbö pode atrair para o awolòrìñà um destino
semelhante ao de Îpû.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Uma roupa muito colorida.

Comentários sobre o ëbö

a) Roupas em ëbö geralmente representam a necessidade de alteração de conduta. A idéia é de


que junto com a roupa também vá embora uma personalidade incapaz de adaptar-se à realidade desse
Odù. No ìtan, Ûgà faz ninhos com as roupas de Îpû, beneficiando seus filhotes. Tecidos coloridos são
comuns em oferendas por filhos ou a Ìbejì. É possível que haja a necessidade de agir pensando nos filhos
quando se está sob a influência desse Odù. Esse ëbö foi feito por Ûgà para que ela pudesse ter filhos. Logo,
está relacionado à gestação, fecundidade e realizações em geral.

146
Ìròsùn 22

Quando Òñùmàrè manifestou-se no àiyé, era constantemente acometido por um fortíssimo


desejo de abandonar esse plano de existência. Então ele foi levado aos adivinhos, que reconheceram nele
um àbìkú e lhe deram o nome de T’oju B'àiyé (fique e olhe o àiyé). Eles também disseram que a mãe de
Òñùmarè deveria fazer um ëbö para que seu filho parasse de ir e vir constantemente do îrun para o àiyé.
Esse ëbö era composto por um tecido listrado em preto e vermelho. Premeditadamente ela fez o ëbö de
forma equivocada, oferecendo dois tecidos, um preto e outro vermelho, ao invés de apenas um que
contivesse as duas cores. Ela tinha esperança de que sempre que Òñùmarè regressasse ao àiyé a escolheria
como mãe, o que seria uma grande honra. Dessa forma o ëbö não surtiu o efeito esperado, e Òñùmàrè
continua indo e vindo do îrun para o àiyé até o dia de hoje.

"Ìfá diz que devemos perguntar a essa pessoa sobre uma criança, que é àbìkú e está morrendo".
A presença de um àbìkú é a tônica desse caminho de Ìròsùn. Caberá ao awolòrìñà fazer o que for possível
para descobrir todos os detalhes possíveis sobre tão delicado assunto.

147
"Quando Òñùmarè nasceu, ele não conhecia seu nome. Ele tinha desejos de morrer. Os
adivinhos o examinaram e disseram: 'Ele é T’oju B'àiyé (venha e veja o àiyé)'". Esse é o nome que os
adivinhos dão a Òñùmarè no ìtan. Em casos de àbìkú é comum o uso de òrùkö que sugira a permanência no
àiyé. É interessante a aparição de Òñùmarè como um àbìkú, devido às suas constantes mudanças entre îrun
e àiyé. O desejo de morte citado no ìtan pode representar estados mentais consideravelmente negativos.

"A mãe de Òñùmarè não ofereceu o ëbö. Ela dizia, ' Você não vê que quando Òñùmarè voltar
para o àiyé, será em mim que ele confiará para pentear seus cabelos antes de regressar ao îrun?'". No ìtan
a mãe Òñùmarè não faz o ëbö da maneira correta, ensinada pelos adivinhos. Ele o fez de outra maneira,
com o objetivo deliberado de fracasso. Se Òñùmarè deixasse de ser um àbìkú, ela não teria mais a honra de
ser repetidamente a mãe de uma grande personalidade. Ou seja, ela preferiu a permanência do filho no
estado de àbìkú, a perder a glória de tão elevada maternidade. Esse fato pode sugerir erros de
discernimento, ou simplesmente uma maneira de pensar e ver a vida por um ponto de vista no mínimo
incomum. Também é importante levar em consideração que se o ëbö fosse feito perfeitamente, Òñùmarè já
não mais seria um dos principais elos de ligação entre o îrun e o àiyé, não representaria o movimento nem
teria as importantes funções de equilíbrio cósmico. Com muita cautela e discernimento, tal fato poderia ser
entendido de acordo com o ditado "os fins justificam os meios".

Ëbö

Um tecido vermelho e preto.

Comentários sobre o ëbö

a) No ìtan foi recomendado à mãe de Òñùmàrè que fizesse um ëbö com um tecido de duas cores,
mas ela ofereceu dois tecidos, um preto e outro vermelho. De acordo com o ìtan, Òñùmàrè continuou indo
e vindo do îrun para o àiyé. Mais à frente a mãe deixa claro que gostaria de continuar tendo a honra de ter
Òñùmàrè como filho, por isso não havia feito o ëbö corretamente.

b) A finalidade de tal ëbö é retirar um espírito da condição de àbìkú. Também é importante dar a
tal pessoa o nome recomendado nesse caminho de Ìròsùn.

Îñý

Considerações gerais

148
Îñý mostrou-se um Odù complexo, que aborda diferentes assuntos, mas a prosperidade e a
espiritualidade merecem destaque especial. Pode-se dizer que a forma de espiritualidade que caracteriza
Îñý é a iniciação. Constantemente aparecem em seus caminhos símbolos diretamente associados a esse
importante assunto, a ponto de colocá-lo numa posição de destaque nesse Odù. Em alguns casos pode-se
afirmar que sem a iniciação dificilmente o consulente conseguirá atrair para sua vida as bênçãos que
aparecem nesse Odù.
Em um de seus caminhos Îñý busca a sabedoria de Olódúmarè. Não há em caminhos de Odù
nenhum indício de tamanha aspiração espiritual. Tal fato faz de Îñý um Odù que representa bons presságios
no que diz respeito à espiritualidade e felicidade em geral. Graças a essas características, pessoas
“afilhadas” de Îñý tendem a ser bons oloyè, e no caso de não iniciados, filantropia e orações talvez sejam
as melhores atividades espirituais. Em alguns momentos (principalmente em seu oitavo caminho) Îñý
evidencia a considerável possibilidade de missão espiritual. A presença constante de símbolos do Lûsû
Òrìñà, além de citações semelhantes a culto, sugerem que Îñý seja um Odù indicado para iniciação, sendo
bem possível que sua manifestação denuncie ao sacerdote um consulente que, sendo iniciado, não queira
se identificar como tal. Apesar disso deve-se levar em consideração a possibilidade da pessoa atingir
equilíbrio espiritual em outra religião que não seja a de Òrìñà. Ainda sobre espiritualidade, por razões
obscuras (para nós) Îñý aconselha devoção especial aos pais. Em caso de pais mortos, tal devoção
caracterizará ancestralidade.
A prosperidade é o assunto que aparece com mais força nos caminho de Îñý; de quinze caminhos
há dez citações a respeito. A tendência é de que haja riquezas e abundância, desde que a pessoa esteja
espiritualmente equilibrada. Apesar de tal prosperidade, também haverá momentos de dificuldade,
principalmente se a pessoa não estiver espiritualmente bem. Nesses casos a vida material e sentimental
tende a ter problemas. Acompanhando a prosperidade está o desejo de riquezas. Desejar ascender
socialmente certamente é uma das características desse Odù. Segundo os ìtan, a prosperidade favorecerá
tal ascensão.
Simplesmente não há citações sobre casamentos nos caminhos de Îñý. Isso não significa
necessariamente solidão, mas uma tendência a dificuldades no âmbito amoroso. É provável que quanto
maiores os desequilíbrios espirituais, maiores serão as dificuldades sentimentais. O equilíbrio religioso e
espiritual tende a amenizar tais dificuldades, abrindo espaço para uma vida sentimental satisfatória.
Apesar de não haver citações afetivas, filhos aparecem com certa constância nos caminhos desse
Odù. Abre-se a possibilidade dos chamados pais e mães solteiras. Filhos também representam realizações e
tal fato apenas reforça o aspecto positivo de Îñý. Um outro assunto que merece destaque é o fato de alguns
dos filhos que aparecem nos ìtan terem sérios problemas. Portanto pode-se esperar que os filhos tenham
ou causem dificuldades quando esse Odù está presente.
Também são consideráveis as chances de decepções e ingratidões. Apesar disso, atitudes
caridosas e elevadas não devem ser interrompidas, pois Îñý é um Odù que representa conquistas e vitórias.
Há a possibilidade de sinceras amizades, daquelas que podem alterar o rumo de uma vida. Mas
também podem ocorrer disputas de variadas formas, que em alguns casos podem caracterizar profundas
inimizades. Nenhuma adversidade que possa ocorrer em Îñý deve gerar abatimento ou desânimo, pois Îñý é
um Odù de vitórias.
Racionalidade pura não é o melhor guia em Îñý. Não que ela deva ser esquecida, mas nesse Odù
deve-se dar ouvidos à sensibilidade e intuição. A racionalidade excessiva tende a obstruir os canais de

149
comunicação com o îrun, dificultando percepções intuitivas. Em alguns casos tal sensibilidade poderá se
converter em feminilidade. Em Îñý as atitudes viris e agressivas quase nunca dão bons resultados.
Humildade, mansidão, manha e astúcia são armas muito mais eficazes quando há a influência desse Odù.
Estabelecer-se definitivamente em um local tende a ser espiritualmente mais benéfico que uma
vida andarilha. É óbvio que uma vida nômade tornaria mais difícil a manifestação da prosperidade e
liderança, asssuntos esses inerentes a Îñý; mas é importante salientar que tal sedentarismo só será
aconselhável quando a pessoa conseguir se firmar na vida. Até que isso aconteça serão comuns as
mudanças de cidade, no intuito de conseguir melhores oportunidades para prosperar. Em se tratando de
Îñý, tais mudanças seriam consideravelmente benéficas. Essas mesmas mudanças, que tanto aparecem nos
caminhos desse Odù, podem significar a necessidade do novo, do desafio, para que melhores
oportunidades de realizações possam aparecer.Pela composição de alguns ëbö de Îñý, pode-se deduzir que
um dos fatores da desarmonia espiritual nesse Odù são as doenças. Logo, a saúde merecerá constantes
cuidados. A constante presença de folhas em alguns ëbö deixa tal fato ainda mais claro.
É possível que em Îñý a pessoa tenha dificuldade para ouvir conselhos. É importante lutar contra
tal defeito, pois não escutar bons conselhos nesse Odù pode ter conseqüências muito desagradáveis. A
constante presença de obì nos ëbö de Îñý aponta para a importância de Orí em algumas questões. Ter boa
cabeça será imprescindível para conseguir bons resultados. A maioria dos ëbö de Îñý são energeticamente
poderosos. Tais oferendas podem favorecer ainda mais as realizações nesse Odù.
Liderança é outro importante aspecto de Îñý. Profissões que exigem liderança são as mais
indicadas, mas tal liderança também tende a se manifestar no âmbito social e familiar.
Uma certa violência também está presente em Îñý. Pode-se presumir que em momentos de
desequilíbrio espiritual a pessoa esteja aberta a todo tipo de acidentes ou atitudes violentas. Também deve
ser levado em consideração que ardilezas estão presentes em vários caminhos desse Odù. Algumas vezes
pode-se entender que será através de tais ardilezas que o consulente conseguirá atingir seus objetivos, mas
outras vezes o que fica claro é a necessidade de tomar os devidos cuidados para não ser vítima de uma
dessas ardilezas.
O trabalho também é importante em Îñý. Não raro será a melhor forma de exercer liderança e
conseguir um "bom nome". Em Îñý é necessário independência, e o trabalho será a base da liberdade
pessoal.
Por mais de uma vez pessoas com defeitos físicos aparecem nesse Odù. Seriam prudentes
cuidados em relação a incapacitações permanentes. No caso de desejo de filhos, todos os exames possíveis
deveriam ser realizados, pois em um de seus caminhos a própria Îñun tem dificuldades para engravidar.
Apesar de todos os aspectos positivos, o sofrimento também está presente em alguns caminhos
de Îñý. É muito possível que antes de atingir equilíbrio e maturidade espiritual, a pessoa sob esse Odù venha
a passar por consideráveis dificuldades e até privações em sua vida. O pessimismo poderá levar a condições
internas insatisfatórias, como a depressão. Analisando os ìtan pode-se dizer que tais pensamentos não se
justificam, e que as coisas tendem a acabar bem, pois Îñý é sem dúvida um Odù de bons presságios.
Guerras também aparecem nesse Odù, evidenciando que nem sempre será fácil atingir os
objetivos almejados. É Îñun que aparece nos dois momentos em que guerras estão presentes, deixando
claro que será através de atitudes inteligentes, sensíveis e até amáveis que a pessoa conseguirá vencer suas
maiores dificuldades.
As divindades citadas por Salàkï são:

150
a) Îñun
b) Òñàlá
c) Îrúnmìlà
d) Èñù
e) Orí
f) Öya
g) Yemöja
h) Ñàngó
i) Ñîpónná
j) Ògún
l) Egún

Presente a Îñý

Duzentos búzios
Cinco obì
Um ìgbín
Um galo
Uma galinha
Um pombo
Um tecido
Àkàrà
Inhame
Folhas de yánrin*, etc.

151
* Yánrin é o nome de uma folha que aparece em vários caminhos de Îñý. As pessoas que conhecem tais ëbö costumam substituir tal
folha pelo tanchagem-de-água. Coincidentemente ou não, a tradução do inglês dá para " yánrin" o nome "Alface Selvagem".

Îñý 1

Em épocas imemoráveis Îñý desejou viver uma existência agradável, que fosse fácil para ele; e
imbuído de tal desejo resolveu fazer suas consultas. Ìfá lhe aconselhou a fazer um ëbö e ir aos pés de
Olódúmarè, rogar ao Amado que lhe permitisse conhecer os Seus mistérios. Olódúmarè permitiu que Îñý
conhecesse seus segredos e tivesse sucesso em seus intentos, favorecendo assim a felicidade desse Odù.

"Consultaram Ìfá para Îñý, quando ele estava indo pedir a Olódúmarè todos os seus mistérios".
O desejo de Îñý revela o potencial de espiritualidade desse Odù. Aspiração por Deus é o que há de mais
nobre e elevado, mas deve haver cuidado para que o outro desejo expresso no ìtan ("uma vida agradável")
não seja maior do que a busca por Ölïrun. Se isso vier a ocorrer caracterizará as atitudes que embora
envolvidas na religiosidade, buscam apenas satisfações pessoais e estreitas. Qualquer sacerdote sério
152
confirmará o fato de que buscar a comunhão consciente com Deus não é nada fácil, pois diariamente
esbarramos em nossos próprios defeitos. Esse fato evidencia que o consulente poderá esperar por
dificuldades em seu caminho na espiritualidade; mas durante a história humana nenhum homem foi
abandonado à própria sorte por Ölïrun, e certamente o consulente não será o primeiro.

"Todos os mistérios aspirados por Îñý, Olódúmarè deu todos a ele". Essas palavras assemelham-
se às passagens do Evangelho que dizem "Buscais e achareis" e "Buscai primeiro o reino de Deus e sua
justiça, e o demais lhe será dado por acréscimo". Krishna também nos fala no Bhagavad Gita: "Quem me
adora (ao Espírito Universal) é elevado a mim; andará em meus caminhos e Eu satisfarei todos os seus
desejos". Esse Odù é extremamente espiritualizado, pois nele aparece a síntese da vida espiritual: a busca de
nossa origem, Ölïrun. Sendo nosso Criador o Olúbúkùn (Aquele que abençoa e acrescenta), é natural que
Îñý tenha conseguido desfrutar de considerável prosperidade e de "uma vida agradável" quando mobilizou
esforços para conhecê-Lo.

"Ìfá diz que bênçãos são o que ele prediz". Se houver perseverança e fé os objetivos serão
alcançados. Há a possibilidade de prosperidade, desde que a espiritualidade seja priorizada, pois é evidente
que nesse caminho de Îñý a busca por Ölïrun deve estar acima de absolutamente tudo. Graças a esse fato
será natural se o sacerdócio vir a fazer parte da vida dessa pessoa. Mas é bom que fique claro que isso não
está explícito no ìtan; logo carecerá de consultas especificas antes de definições a esse respeito.

Ëbö

Dez búzios
Cinco galinhas
Cinco pombos
Cinco obì

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì evidencia o potencial ou necessidade de sabedoria. Num mito, Olïrun põe
sua sabedoria num obì. Também pode ser um indício de que o Orí do consulente influenciará nos
resultados esperados.

b) No ìtan aparece "... E deveria servir a Òrìñà (os obì)". Os obì citados devem ser servidos a Òrìñà.
A palavra "Òrìñà", designando apenas uma divindade, diz respeito a Òñàlá.

c) Îñý fez o ëbö "Para que a vida fosse fácil para ele". Mas como já foi visto, sem espiritualidade
não será sensato esperar pelas bênçãos citadas no ìtan.

Îñý 2

153
Antes que Ìyàmi Òtòlò Ûfîn (Îñun) fosse conhecida por possuir inúmeros filhos ela procurou os
adivinhos, pois não conseguia engravidar. Os adivinhos recomendaram a Îñun que fizesse um ëbö que
contivesse entre outras coisas, braceletes de bronze e folhas de yánrin (uma planta africana), pois assim
conseguiria resolver seu grave problema. Îñun seguiu corretamente as orientações de Ìfá, e depois disso
começou a ter muitos filhos, a ponto de encher casas e estradas com eles. Îñun dançava e regozijava, pois
uma grande bênção havia se manifestado em sua vida.

"Consultaram Ìfá para Ìyàmi Òtòlò Ûfîn, quando ela não tinha filhos". Îñun está intimamente
ligada à gestação e fecundidade. Teoricamente não precisaria consultar Ìfá para ter filhos. É possível que
essa pessoa esteja com dificuldades para realizar alguma coisa em sua vida que teoricamente tenha
potencial para fazer. Existe também a possibilidade de frustrações em geral ou problemas gestacionais.
Também merece destaque o fato do ìtan dizer que Îñun ainda não possuía filhos. Não é novidade para
ninguém que filhos representam algo de extrema importância para Îñun. Logo, o fato de ela ainda não os
ter abre a possibilidade das grandes realizações da vida do consulente ainda não terem acontecido. O
sucesso de Îñun em conseguir seus filhos evidencia que tais realizações certamente chegarão.

"Então Îñun começou a ter muitos filhos. A casa estava cheia, as estradas estavam repletas". Em
Odù que fala sobre filhos há vários fatores a considerar: a possibilidade de problemas com filhos já
existentes, realização de antigos projetos ou desejos, emancipação, relacionamentos, potencial de
influência, formação de subalternos ou séqüito, e obviamente gravidez. Merece destaque o fato de Îñun
conseguir mais filhos do que ela jamais supunha. Tal fato evidencia que as bênçãos e realizações que
chegarão ao consulente serão maiores do que ele imagina.

"Ìfá diz que devemos fazer oferendas a Îñun". Esse importantíssimo detalhe do ìtan evidencia que
Îñun está diretamente relacionada à manifestação das bênçãos inerentes a esse Odù. Em se tratando de Îñý,
é bem possível que o consulente possua a influência de Îñun em seu Òkè Ìpînrí. Se Ìfá confirmar tal
possibilidade, as chances de culto a esse Òrìñà passam a ser consideráveis.

Ëbö

Dez búzios
Um galo
Uma galinha
Muitas folhas de yánrin
Braceletes de bronze (ìdë)

Comentários sobre o ebö

154
a) Existe no Brasil um pequeno número de pessoas que conhece esse ëbö, e geralmente a folha
empregada por tais pessoas em substituição ao yánrin é tanchagem-de-água (alisma). Caberá ao awolòrìñà
definir se é essa folha, ou alguma outra empregada no culto a Îñun, que deverá ser usada. Também é
importante salientar que a presença de folhas em ëbö pode significar doenças ou feitiços. No ìtan Îñun teve
que recorrer a Ìfá para poder ter seus filhos; algo inerente à sua natureza. Esse fato pode ser mais uma
alusão à possibilidade de distúrbios físicos ou espirituais que comprometam a fecundidade. Caberá ao
awolòrìñà tentar descobrir a natureza ou origem desses prováveis distúrbios.

b) O ëbö não estará completo sem oferendas a Îñun. Caberá ao awolòrìñà definir a natureza de
tais oferendas. O ëbö foi feito por Îñun para que pudesse ter filhos. Logo, está ligado à fecundidade e
realizações em geral.
c) Não é segredo para ninguém o quanto Îñun adora suas jóias. Ter que oferecer algumas delas
em ëbö evidencia um ato de considerável renúncia. Tal fato mostra que para atingir seus objetivos e as
bênçãos citadas no ìtan (filhos, realizações em geral), fatalmente o consulente terá que abrir mão de algo
que lhe seja muito caro. É bom observar que apesar de ser apegada às suas jóias, Îñun não hesitou em abrir
mão de algumas em troca de filhos (realizações em geral); um bem ainda maior. No ìtan aparece uma
cantiga muito parecida com outra conhecida no Brasil, que mostra a relação de jóias e filhos dentro do culto
a Îñun, evidenciando que essa Ìyàmi gosta tanto de seus filhos quanto de suas jóias.

1)- Ë ki yèyé o 1)- Mãe louvável, oh!


2)- A wû'dë wû'mö 2)- Ela lava os braceletes e os filhos.
3)- Ore yèyé o 3)- Obrigado mãe, oh!
4)- A wû'dë wû'mö 4)- Ela lava os braceletes e os filhos.
5)- Òñà nkí nyin 5)- Òrìñà, estou te louvando.

155
Îñý 3

Numa época muito remota existiu um homem chamado Ñubú (Aquele que cai para ser
reconhecido). Sua vida estava toda atrapalhada, tudo estava dando errado, todas as coisas que ele
começava a fazer não davam em nada. Um amigo de Ñubú apareceu e disse que ele deveria plantar uma
lavoura de obì; com o dinheiro conseguiria reverter as dificuldades em sua vida. Ñubú gostou da idéia, mas
ele não tinha nenhum dinheiro para começar a plantação. Então o amigo de Ñubú lhe ofereceu dinheiro
para comprar os primeiros obì que formariam a roça. Com o dinheiro de seu amigo, Ñubú comprou dez
búzios de obì; o suficiente para encher um saco. Enquanto isso o rei estava consultando Ìfá, e foi
aconselhado pelos adivinhos a fazer um ebö que contivesse muitos obì. Mas para tal ëbö os obì deveriam
estar fendidos. Ìfá disse que o rei deveria ir ao mercado, pois lá encontraria uma pessoa que tinha os obì do
jeito que ele precisava. Também foi dito que qualquer que fosse a quantia que essa pessoa pedisse, ele
deveria pagar. Quando o rei e seus auxiliares chegaram ao mercado, viram quando Ñubú tentava levantar o
saco de obì que havia comprado. Ñubú era aleijado; só possuía uma perna. Com muito esforço ele levantou
o saco, mas depois de alguns passos acabou caindo, para o motejo das pessoas que enchiam o mercado.
Ñubú caiu por cima dos obì, que se fenderam com o peso dele. O rei viu os obì fendidos que saiam pela

156
boca do saco, e perguntou a Ñubú quanto ele queria por eles. Nessa hora o amigo de Ñubú apareceu, e
disse ao rei que cada porção de obì custava dez búzios. O rei pagou o valor pedido; o dinheiro de Ñubú foi
aumentando e aumentado, favorecendo assim sua riqueza. Depois de enriquecer Ñubú teve a cabeça
raspada, foi vestido com andrajos para levar uma oferenda aos pés de Èñù. Depois disso ele foi vestido em
roupas de gala, e pode usufruir sua fortuna, fazendo muitas viagens e conhecendo várias terras diferentes.

“Todo trabalho que Ñubú fazia não dava em nada". Essa passagem aponta para dificuldades e
frustrações, mas não se pode esquecer que esse é um Odù de mudanças e vitórias. A própria tradução do
nome Ñubú (Aquele que cai ao chão para ser notado) é uma indicação de que os momentos de dificuldade
que o consulente está atravessando são temporários, e certamente bênçãos o atingirão depois disso.

"Ñubu era aleijado. Ele tinha apenas um pé". Essa passagem pode indicar apenas as dificuldades
de Ñubú para trabalhar e prosperar. Mas é prudente levar em consideração problemas físicos semelhantes,
ou que possam vir a incapacitar parcialmente o consulente. Outro fato a ser notado é que para algumas
pessoas, Îsànyìn "fala" em Îñý. Na versão de Salàkï não há nenhuma citação textual de Îsànyìn nos caminhos
de Îñý; mas talvez exista sim a presença velada de Baba Ewe nesse Odù.

"O que Ñubú deveria fazer para ser rico?" Nesse caminho de Îñý é provável que a vida material
em geral tenha uma certa relevância. Não estará errada a pessoa que engendrar esforços por sua
prosperidade. Levando-se em consideração os detalhes desse caminho de Odù, as chances de tal
prosperidade se realizar são mais do que consideráveis.

"Seu amigo disse que ele deveria fazer uma lavoura de obì". A presença de obì aponta para um
potencial ou necessidade de sabedoria. Já a presença de lavoura dá a entender que o trabalho será muito
importante para que a prosperidade esperada possa manifestar-se; embora Ñubú nem tenha começado a
trabalhar, mas apenas dado os primeiros passos para tal. Esse mesmo trabalho poderá ser beneficiado por
uma sociedade.

"Seu amigo comprou dez búzios de obì e Ñubú os carregou. Ìfá diz que é através de um amigo
que essa pessoa poderá enriquecer". Essa passagem deixa claro que a amizade será vital para que seja
possível vencer as dificuldades desse Odù e prosperar consideravelmente. A mudança na vida de Ñubú
ocorreu graças ao auxílio de seu amigo, e também aos seus esforços pessoais. O trabalho será vital para o
sucesso nesse caminho de Îñý. O comércio pode ser a melhor opção de atividade profissional. Em nenhum
momento do ìtan aparece o nome do misterioso amigo. Se analisarmos que ele estava sempre ao lado de
Ñubú; ajudou-o a prosperar através de sábios conselhos e providencial influência, somando a esses fatos a
presença abundante de obì no ìtan, pode-se deduzir que muito provavelmente tal amigo corresponda a Orí.
Há até um mito bastante conhecido que explica por que Orí é o melhor amigo de uma pessoa. Caberá ao
awolòrìñà definir se tal possibilidade tem fundamento, pois sob certos pontos de vista Èñù BÀrà também se
encaixa no perfil exposto. Mas a prudência também manda considerar a hipótese do amigo de Ñubú
corresponder a alguém conhecido, um ancestral, um Òrìñà, etc. Caberá ao awolòrìñà as devidas definições a
esse respeito.

157
"As pessoas riam de Ñubú". No ìtan, Ñubú não consegue carregar o saco cheio de obì e o deixa
cair no chão, sendo ridicularizado pelas pessoas. É provável que pessoas não tenham pelo consulente o
devido respeito, nem acreditem no potencial do mesmo para vencer na vida e prosperar. Também é
interessante notar o fator esforço, presente nesse caminho de Odù.

"O rei viu o saco de obì no chão". No ìtan, a riqueza de Ñubú se manifesta através do rei. É
possível que o consulente venha a ter algum contato com pessoas importantes. Nesse caso deverá ter em
mente que uma boa negociação poderá mudar favoravelmente os rumos de sua vida.
"O dinheiro estava aumentando e aumentando". Essa passagem evidencia a grande
possibilidade de prosperidade nesse caminho de Îñý. Essa é uma bênção que certamente se manifestará na
vida do consulente, se esse entender e seguir as orientações trazidas por Ìfá.

"Vestiram-no de farrapos e disseram que ele deveria levar o ëbö aos pés de Èñù". No ìtan, Ñubú
veste-se de farrapos para fazer essa oferenda. Depois é vestido com roupas de gala pelas pessoas da
cidade. É possível que esse fato signifique que será Èñù que favorecerá, ou no mínimo influenciará de
alguma forma, para que o consulente seja alguém próspero e de prestígio. Também é óbvia a indicação da
necessidade de humildade perante Òrìñà, e por extensão, a toda espiritualidade.

"Rasparam a cabeça de Ñubú". É possível que essa passagem seja uma referência à iniciação.
Prudentemente o awolòrìñà deverá checar tal possibilidade, e se a resposta for positiva ficará evidente que
as bênçãos citadas no ìtan só se manifestarão através profunda devoção a Olódúmarè, pelos caminhos de
Òrìñà. No caso de uma pessoa já feita, tal passagem poderá indicar a necessidade de obrigações rituais ou
reaproximação em relação a Òrìñà.

"Os auxiliares do rei banharam Ñubú. Puseram gorros e calças nele, e o montaram num cavalo".
Na cultura ioruba antiga, o uso de gorros e cavalos representava elevada posição social. Tal fato é mais uma
evidência sobre a possibilidade do consulente ascender socialmente e gozar de todas as bênçãos inerentes
a tal ascensão.

"Disseram: 'Para onde vocês vão? Que lugares vocês conhecem?'. Ñubú disse que agora
conhecia todos os lugares". Essa passagem evidencia a possibilidade de viagens nesse Odù. De acordo com
a estrutura do ìtan, pode-se supor que tais viagens estarão diretamente relacionadas à prosperidade que o
consulente pode atingir em sua vida.

"Ìfá diz, uma bênção de dinheiro, de filhos e de vida longa". Essa passagem sintetiza as bênçãos
que poderão se manifestar na vida do consulente; desde que ele entenda e siga corretamente as instruções
trazidas por Îñý nesse caminho.

Ëbö

Não há

158
Comentários

a) Apesar de não haver oferendas prescritas, o ìtan fala de uma oferenda feita por Ñubú a Èñù.
Caberá ao awolòrìñà definir a natureza de tal oferenda. Se realmente o amigo secreto de Ñubú
corresponder a alguma divindade, o bom senso manda checar a possibilidade de oferendas a esse mentor
espiritual. No ìtan, para levar o presente a Èñù, Ñubú vestiu-se com farrapos para evidenciar sua situação de
humildade e pobreza perante Òrìñà, talvez no intento de sensibilizar o mesmo com suas mazelas. O bom
senso diz que tal preceito tem fundamento, portanto seria aconselhável segui-lo.

159
Îñý 4

Îsìnnídò que era um babalawo (adivinho) que estava indo trabalhar em Ìbàdàn. Antes de ir para lá
ele consultou Ìfá, e lhe foi recomendado que fizesse um ëbö, "para que ele tivesse uma vida agradável e um
bom nome no àiyé". A oferenda prescrita para Îsìnnídò era muito complexa, mas ele a fez corretamente.
Quando chegou em Ìbàdàn, consultava Ìfá para quem precisasse; e graças às suas consultas a cidade
desenvolveu-se muito, tornando-se um importante centro cultural e econômico do país Ioruba. Îsìnnídò foi
reconhecido como um grande adivinho, e graças a seu prestígio conseguiu considerável prosperidade.
Tanto ele como a cidade de Ìbàdàn cresceram, se desenvolveram e prosperaram.

"O que ele deveria fazer para que sua vida fosse agradável; para que ele tivesse um bom nome
no àiyé". Essa passagem mostra quais são as prioridades nesse caminho de Îñý: prosperidade e
respeitabilidade. Tudo indica que atitudes que inspirem respeitabilidade favorecerão para que as bênçãos
desse Odù se manifestem.

"Consultaram Ìfá para Îsinnídò, quando ele estava indo para Ìbàdàn trabalhar como babalawo".
No ìtan, Ösinnídò desloca-se de sua cidade até Ìbàdàn. É possível que tais deslocamentos sejam
aconselháveis para que o consulente consiga as bênçãos citadas no ìtan: prosperidade e respeitabilidade. O
fato de Îsìnnídò ser um sacerdote abre a possibilidade de questões espirituais estarem envolvidas em toda a
problemática exposta nesse Odù. Também é importante salientar que foi através de sua atividade

160
profissional que tanto Îsinnídò quanto Ìbàdàn prosperaram. Logo, o trabalho está indissoluvelmente
associado à manifestação das bênçãos que aparecem nesse Odù.

"Da mesma forma que ìgbín rasteja para longe, Ìbàdàn se estenderá para longe". Deixar os ìgbín
vivos para andarem ao longe evoca a idéia de alargar a própria influência pessoal, de forma a atingir as
conquistas almejadas. Também pode ser uma alusão à capacidade de liderança e influência sobre outras
pessoas. É óbvio que o aspecto de desenvolvimento em geral não deve ser negligenciado.

"Sua cidade estava desenvolvendo-se. Ìbàdàn estendeu-se ao longe". O desenvolvimento de


Ìbàdàn evidencia que há prosperidade e realizações nesse caminho de Îñý. Esse potencial de
desenvolvimento é uma das principais características desse Odù.

"Îsìnnídò é uma colina cultuada próxima a Ìbàdàn". Referências sobre colinas sugerem
capacidade de distanciar a mente e o coração das turbulências do àiyé. Inspira ascensão social,
transcendência, tranqüilidade e visão ampliada sobre os problemas do cotidiano. É isso que se almeja
quando se faz oferendas no alto de colinas.

Ëbö

Vinte búzios
Cinco galos
Cinco pombos
Cinco ìgbín
Água fria
Folhas de îdúndún, àtòrì, pèrègún, tútù, ògûdû

Comentários sobre o ëbö

a) De acordo com o ìtan o ëbö deve ser deixado (ou feito) na floresta. Florestas evocam a idéia de
ancestralidade, o que é natural devido a necessidade de se adquirir o respeito alheio ("bom nome");
lembrando que são os ancestrais que zelam pela ética comportamental de um indivíduo ou de um grupo.

b) Os ìgbín não devem ser sacrificados. Devem ser soltos sobre as folhas para que "se arrastem
para longe", expandindo a influência e bom nome da pessoa.

c) A presença de folhas no ëbö justifica a realização de consultas referentes à saúde ou feitiços.


Também pode ser uma alusão ao trabalho, pois essas mesmas folhas são amplamente utilizadas no
cotidiano dos adivinhos.

161
d) Água fria é mais um elemento que evoca tranqüilidade. Calma e equilíbrio serão vitais para que
se encontre o sucesso nesse caminho de Îñý.

162
Îñý 5

Nos primórdios da criação existiu um homem cujo nome era Olúyîlé. Ele vivia na pobreza e em
razão de sua teimosia, prolongava seu sofrimento. Mas ele resolveu consultar Ìfá para saber o que poderia
fazer para atingir uma vida agradável. O babalawo disse que ele deveria fazer um ëbö, que deveria ser
completado por uma oferenda a Orí. Também disse que no lugar onde ele enriquecesse, é lá que ele deveria
morar. Olúyîlé seguiu todas as orientações de Ìfá e juntamente com outras pessoas mudou-se para Ìbàdàn.
Ao chegar lá as pessoas sempre procuravam ficar perto dele, pois gostavam de sua companhia. Assim que a
cidade começou a crescer resolveram escolher aquele que seria o rei; e Olúyîlé foi o escolhido. Ele atingiu
grande prosperidade, assim como Ìfá havia previsto.

"Não há nada que Orí não faça pelo homem. É Orí que faz de uma pessoa um rei. Ìfá diz que
devemos fazer oferendas a Orí". Essa passagem evidencia que é Orí que fala nesse caminho de Îñý. Nesse
caso pode-se considerar que haja um considerável potencial de realização, desde que haja harmonia com
Orí. É interessante a informação filosófica que alude à importância de Orí na felicidade de um indivíduo.

"Olúyîlé teimava em sofrer". Essa passagem pode significar que a pessoa esforça-se por coisas
erradas, que suas atitudes não estão em harmonia com seu destino, logo atrairão dificuldades. A presença
de Orí nesse caso pode ser uma sugestão para que o consulente reflita e defina com sabedoria quais são
suas reais prioridades em sua vida, deixando de lado as atitudes que acabam gerando seu sofrimento.
Também é conhecido o fato de que oferendas a Orí recolocam o indivíduo em sintonia com seu destino
pessoal. Tal fato é mais uma alusão à possibilidade do consulente estar desequilibrado em seus pontos de
vista, em relação às razões de sua presença nesse plano de existência. A experiência diz que quando aparece
a necessidade literal de oferendas a Orí, geralmente a pessoa chegou num momento crítico, onde continuar
tendo atitudes contrárias à sua realidade espiritual pode fazer com que definitivamente ela se perca em sua
vida. Daí a importância de oferendas a Orí quando Îñý aparece nesse caminho, pois é uma clara necessidade
de recolocar o consulente em sintonia com seu destino pessoal. A sabedoria popular do Candomblé
também defende a idéia de que oferendas a Orí são necessárias em momentos de “enfraquecimento”,
quando o àñë pessoal de um indivíduo necessita de revitalização, pois só assim seria possível a realização
de positivos projetos pessoais. Independentemente do que já foi dito sobre a necessidade de oferendas a
Orí no atual contexto, a prudência manda considerar a visão mais popular que se tem sobre esse assunto.
Caberá ao awolòrìñà as devidas definições a respeito.

"Olúyîlé estava vivendo na pobreza". Certamente haverá dificuldades quando Îñý se manifestar
nesse caminho. Mas da mesma forma que tais dificuldades estão presentes, também está a potencialidade
para a reversão satisfatória da situação. Por maiores que sejam as dificuldades do consulente, esse não deve

163
esmorecer, pois há muitas bênçãos reservadas a ele. Bênçãos que certamente se manifestarão, se ele
procurar seguir aquilo que Ìfá indicar.

"Disseram, 'Olúyîlé, no lugar onde você se tornar rico, é lá que deve fazer sua casa'. Quando ele
chegou em Ìbàdàn, nunca mais partiu". Aqui está a definição de que essa pessoa atingirá a prosperidade, e
que para tal provavelmente terá que ir para outra cidade (ou promover uma grande mudança em sua vida).
Mas também mostra que quando a prosperidade chegar será o momento para fincar raízes. Uma vida
nômade será então desaconselhável.

"As pessoas sempre mencionarão seu nome". Também será necessário considerar a
possibilidade do consulente tornar-se alguém de considerável renome, que poderá ser lembrado pelas
futuras gerações. Para tal é óbvio que deverá entrar em sintonia com os destinos traçados e simbolizados
por seu Orí. Essa pessoa tem potencial para liderança e atingirá a prosperidade, desde que tenha um Orí
fortalecido e equilibrado; e não insista naquilo que a faz sofrer. Orí é a chave do sucesso nesse caminho de
Îñý.

"As pessoas procuravam ficar sempre perto dele. Estavam sempre perto dele. Mais tarde eles
fundaram uma cidade, e fizeram de Olúyîlé o seu rei". Eis a confirmação da prosperidade e capacidade de
liderança nesse caminho de Îñý, além de um considerável carisma. Será através desse potencial para
influenciar positivamente as pessoas, que o consulente conseguirá as maiores realizações em sua vida ("ser
rei").

Ëbö

Vinte búzios
Cinco ìgbín
Cinco pombos
Cinco galos
Cinco tecidos de boa qualidade
Uma rã

Comentários sobre o ëbö

a) O ìtan ensina que os ìgbín e os pombos não devem ser imolados. Devem ser soltos, para que
possam ir para longe, de modo que o consulente possa "possuir terras longínquas". É muito provável que
essa pessoa tenha melhores oportunidade de prosperar em outro lugar, não onde vive atualmente. Mas
havendo prosperidade, será o momento e local propício para fixar residência.

b) Anfíbios evocam a idéia de mudanças positivas, devido ao simbolismo do desenvolvimento do


girino à rã adulta. É também provável que haja más influências, pois anfíbios são muito comuns em feitiços.

164
Quanto a essa última possibilidade, caberá ao awolòrìñà definir se ela se aplica ou não ao caso do
consulente.

c) Apesar de Olúyîlé estar em dificuldades, ele teve que oferecer cinco tecidos valiosos. Pode
parecer um paradoxo, mas na verdade tal oferenda reforça a fé no sucesso do ëbö e nas palavras de Îñý. É
uma característica de Orí equilibrado e fortalecido, da certeza da vitória, apesar das dificuldades iniciais.
Graças à presença de tecidos será aconselhável efetuar consultas sobre uma possível influência ancestral ou
sobre algum problema com os filhos do consulente.

d) No ìtan aparece "Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö a Orí". Devido a tal passagem, fica
evidente que esse ëbö não estará completo sem oferendas a Orí. Sempre que tais oferendas são indicadas,
deve-se considerar esse como um momento delicado, pois a pessoa precisa fortificar seu àñë pessoal, e
provavelmente ser redirecionada ao seu próprio destino.

e) O ëbö foi feito para que uma situação de pobreza fosse transformada em conquistas e
considerável prosperidade (as mudanças positivas simbolizadas pela rã).

Îñý 6

Îñun também sabe guerrear. Houve uma ocasião em que ela foi guerrear na cidade de Ìlájé. No
meio do combate ele se perguntou o que poderia fazer para que sua vida fosse agradável, para que tudo
corresse bem para ela. Pensando nisso ela foi aos adivinhos, que lhe recomendaram fazer uma oferenda, em
cuja composição existia uma escada. Îñun fez o ëbö prescrito, e rapidamente venceu a guerra, conquistando
a cidade de Ìlájé. De tal conquista considerável prosperidade chegou para Îñun, e assim como os adivinhos
haviam vaticinado, ela conseguiu uma vida agradável, cheia de riquezas e realizações.

165
"Consultaram Ìfá para Ìyá mi Òtòlò Efîn". Îñun aparece em seu aspecto mais benéfico. Esse fato
por si só sugere um bom presságio. As realizações obtidas por Îñun no decorrer do ìtan confirmam tal
argumento.

"Îñun foi guerrear contra a cidade de Ìlájé". Por "Guerra" pode-se entender toda e qualquer
contrariedade que impeça ou dificulte a realização daquilo que se deseja. É óbvio que as possibilidades de
brigas, desentendimentos e dificuldades iniciais não devem ser negligenciadas. O importante é ter em
mente que ao vencer tal "guerra", a pessoa desfrutará de prosperidade em sua vida; logo, é uma guerra que
compensa ser lutada. A presença de Îñun pode ser um indício que as melhores armas a serem usadas nessa
guerra sejam sensibilidade, doçura e até mesmo diplomacia, pois é reconhecido o fato de que Îñun só entra
em vias de fato se não houver nenhuma outra opção. Atitudes mais viris e provocativas poderão não ser as
mais indicadas para que a guerra possa ser vencida. A experiência pessoal com Ìfá abriu uma nova
possibilidade interpretativa, considerando a espiritualidade inerente a Îñý e o fator “guerra”. Analisando
esses dois elementos é possível que esse Odù revele as chamadas “guerras de Òrìñà”, quando mais de
uma divindade “luta” pelo Orí de um indivíduo. Nesse mesmo quadro de guerras podem adentrar
influências estranhas, como um ara îrun (os chamados “encostos”) ou àbìkú. É óbvio que em nome da
prudência, todas as possibilidades interpretativas deverão ser consultadas.

"Ela (Îñun) conquistou-a (Ìlájé). Îñun tinha dinheiro e tornou-se abastada. Òrìñà prediz uma
bênção de riquezas e de filhos". Conquistas e prosperidade resumem as principais bênçãos trazidas por Îñý
nesse caminho. A breve citação sobre filhos abre a possibilidade de gestação, formação de família, etc. O
fato de filhos também representarem realizações em geral apenas confirma tudo o que já foi dito a respeito
desse caminho de Odù.

Ëbö

Dez búzios
Uma escada com cinco degraus

Comentários sobre o ëbö

a) Escadas em ëbö representam o desejo de ascensão e o sucesso nesse intento. A escada em


questão deverá ter cerca de um palmo a mais do que a altura do consulente, evidenciando que há ainda há
o que crescer (e prosperar) em sua atual existência.

b) A ausência de animais torna esse ëbö basicamente simbólico. É provável que a pessoa já possua
todos os pré-requisitos para obter suas conquistas, precisando apenas de mais empenho e de definir uma
linha de atuação.

166
c) Segundo o ìtan, Îñun fez esse ëbö para que sua vida fosse agradável. Logo, tal oferenda atrairá
prosperidade e vitórias quando "guerras" estiverem presentes.

Îñý 7

Houve um tempo em que Òñàlá Îñûrûgbò chorava por bênçãos e desejava ser próspero assim que
chegasse ao àiyé. Tendo em mente tais desejos, ele resolveu consultar Ìfá. Os adivinhos disseram que ele
teria êxito em seus desejos, se fizesse a oferenda que Ìfá lhe havia prescrito. Baba fez o ëbö indicado, e
assim que chegou ao àiyé conseguiu muitos filhos e dinheiro. Ele dançava e regozijava, pois sabia que os
adivinhos haviam dito a verdade.

"A pobreza de um adivinho não o mata; o sofrimento de um adivinho trará riquezas, a


tribulação de um adivinho terá final feliz". Essa passagem mostra que haverá dificuldades quando Îñý
aparecer nesse caminho, mas no futuro haverá alegria e prosperidade. Tais sofrimentos provavelmente
trarão a maturidade necessária para que a pessoa aproveite de uma maneira mais equilibrada as bênçãos
que são inerentes a esse Odù (filhos e prosperidade).

"Consultaram Ìfá para Òñàlá Òñèrègbò". A presença de Olófin evoca espiritualidade e também
aponta para a necessidade de sabedoria e paciência, até que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato se
manifestar.

"Baba estava chorando por bênçãos". O choro de Òñàlá pode representar o descontentamento
do consulente com as atuais características de sua vida. O importante é ter em mente que as mensagens
positivas trazidas por Îñý evidenciam que tais características poderão ser alteradas positivamente, desde
que as determinações desse Odù sejam fielmente seguidas.

"Olófin desejava tornar-se próspero". Olófin, símbolo do desapego e renúncia, desejava


prosperidade. Nesse caminho de Îñý não será surpresa se a pessoa vir a desejar realizações que
aparentemente pouco tenham a ver com sua natureza intrínseca ou com seu destino pessoal. De acordo
com a estrutura do ìtan, especificamente nesse caso, esses desejos seriam benéficos.

"Disseram que ele prosperaria quando chegasse ao àiyé". É importantíssimo que o consulente
não tenha a mínima dúvida de que vai alcançar um estado de considerável prosperidade. A palavra dada
pelos adivinhos, e o fato de Òñàlá ser um Òrìñà de grande àñë evidenciam que fatalmente isso acontecerá,
desde que a pessoa siga as demais informações trazidas por Îñý nesse caminho de Odù. Geralmente
quando é dito que um personagem vem do îrun para o àiyé considera-se a idéia do novo, de novas
oportunidades e desafios. Conseqüentemente é necessário salientar a atitude prudente do personagem em
questão, que fez suas consultas e oferendas antes de se empreender no desconhecido.

167
"Ele teve muitos filhos. Baba teve muito dinheiro". Essas são as passagens que evidenciam os
aspectos positivos desse caminho de Îñý. Além da prosperidade deve-se prestar atenção à citação de filhos.
Isso evidencia que outras bênçãos surgirão na vida do consulente, pois “filhos” representam realizações
em geral.

Ëbö

Trinta búzios.
Cinco galos
Cinco pombos
Cinco ìgbín
Cinco obì
A roupa de algodão que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì em ëbö evidencia traços de espiritualidade ou necessidade de sabedoria,


além de indicar que o sucesso da oferenda dependerá consideravelmente do bom Orí da pessoa.

b) Roupas em ëbö representam a necessidade de alterações comportamentais, para que as


bênçãos em questão possam de fato se manifestar. O importante é ter em mente que dentro das atuais
atitudes e pontos de vista, dificilmente o consulente conseguirá aquilo que deseja. A citação sobre algodão
é lógica, pois é uma planta relacionada a Òñàlá, e de algodão são as roupas vestidas por esse Òrìñà. Logo, é
óbvio que apesar de não haver citação literal a esse respeito, a roupa em questão deveria ser branca. A
calma, benevolência, obstinação e espiritualidade representadas por Olófin devem ser os melhores
exemplos a serem seguidos.

168
Îñý 8

Ömöníyìnrû era o nome de um dos filhos de Òrìñà Àgbòwujì. Ele desejava que sua vida fosse boa.
Com tal intuito procurou os adivinhos e foi aconselhado por esses a fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí e ser
completamente devotado aos seus pais. Ömöníyìnrû também foi aconselhado a usar roupas brancas e
oferecer um presente a Îñun. Ele seguiu fielmente todas as orientações de Ìfá e foi dessa forma que
prosperou em sua vida, conseguindo com êxito tudo aquilo que desejava.

169
"Disseram que nada que ele viesse a fazer no àiyé seria tão importante quanto servir seu pai e
sua mãe". Essa passagem é muito clara em seu conteúdo. Evidencia o caráter de ancestralidade desse Odù,
principalmente no caso de pais mortos. Atitudes de desleixo em relação aos pais, independentemente
desses estarem ou não no àiyé, certamente favorecerão para que as bênçãos narradas no ìtan não se
manifestem.

"O que Ömöníyìnrû poderia fazer para que sua vida fosse boa? Disseram que ele deveria fazer
oferendas a seu Òkè Ìpînrí". O termo Òkè Ìpînrí aplica-se a todos os ancestrais diretos da pessoa, a seus
elementos constitutivos imediatos, e particularmente ao pai e mãe falecidos. É imprescindível que tais
oferendas sejam feitas, para que a bênção de “uma boa vida” possa de fato se manifestar na vida do
consulente.

"Foi assim que Ömöníyìnrû prosperou". A prosperidade para essa pessoa está na razão direta de
seu devotamento à sua ancestralidade e ao seu Òkè Ìpînrí. É certo que consideráveis bênçãos se
manifestarão em sua vida, desde que haja o cumprimento correto das informações trazidas por Îñý nesse
caminho.

"Consultaram Ìfá para Ömöníyìnrû, que era filho de Òrìñà Àgbòwujì. Ìfá diz que essa pessoa
deve usar roupa branca". Em Os Nagôs e a Morte, há uma cantiga de Egún que diz que aqueles que usam
roupas brancas não devem se aproximar do culto Egúngún. O termo "roupas brancas" designa nesse caso
aqueles que cultuam Òrìñà. Nesse caso seria uma alusão à iniciação, mas também são comuns os conselhos
dos Odù que muitas vezes não se entende os motivos. Sob esse ponto de vista o termo "roupas brancas"
deve ser compreendido em seu sentido literal. Caberá ao awolòrìñà definir se a pessoa deve apenas vestir-
se de branco, ou iniciar-se a Òrìñà. Já o fato de ömöníyinrû ser filho de Òrìñà Àgbòwuji evidencia a forte
influência desse Òrìñà Funfun nesse caminho de Odù. Muito provavelmente a pessoa que possua esse Odù
por vida seja “filha” desse Funfun ou o tenha como um importante aspecto de seu Òkè Ìpînrí. Se assim o
for, as roupas brancas estariam satisfatoriamente explicadas no contexto.

“Ìfá diz que quando vemos Àgbàlagbà Márùn no àtë, devemos fazer oferendas a Îñun”.
Muitas pessoas profundas conhecedoras de àñë dizem que Òrìñà Àgbòwujì é “acompanhado” por Îñun. A
citação textual sobre a necessidade de oferendas a essa Ìyàmi evidencia que há fundamentos em tais
palavras. É muito provável que a prosperidade dessa pessoa de fato venha pelos caminhos de Îñun.

"Não diga que eu sou alguém comum. Eu não sou comum". De qualquer forma, a pessoa para
quem aparece esse Odù certamente possui particularidades especiais, que a distingue do comum. Ainda
mais se de fato for filha de Àgbòwuji, um Òrìñà Funfun raro, que escolhe algumas cabeças privilegiadas.
Dentro desse contexto as chances de missão espiritual deverão ser consideradas.

"Ele teve filhos. Ele teve dinheiro. Ele não morreu. Ele não adoeceu". Essas passagens evidenciam
as demais bênçãos que chegarão à vida do consulente, se ele entender e aplicar as informações trazidas por
Îñý nesse caminho de Odù. A breve citação sobre filhos dá a esse caminho de Îñý um caráter de realização. A
breve citação sobre morte carecerá de maiores esclarecimentos por parte do awolòrìñà.

170
"Movimente seu dinheiro e faça um ëbö". Graças a essa passagem é importante considerar a
hipótese do consulente não querer ou não se empenhar para fazer as oferendas necessárias quando esse
Odù aparece. Nesse caso será importante aconselhá-lo a não agir assim, para que aquilo que é mostrado
como bênção não se transforme num infortúnio.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar de não haver nenhum ëbö prescrito, no ìtan aparece: "Òrìsà diz que devemos fazer
oferendas a Îñun". Caberá ao awolòrìñà definir todos os detalhes dessa oferenda.

171
Îñý 9

Em tempos imemoriais, Olófin determinou que dezesseis entre os mais importantes Ìrúnmîlû
fossem conquistar a Cidade das Mulheres. Ñàngó, Ñîpînná, Ògún e Egún tentaram conquistar a cidade, mas
não conseguiram. Disseram que eles deveriam consultar as mulheres, mas eles disseram que jamais fariam
isso. Mas devido ao insucesso deles, foram obrigados a fazê-lo. Eles chamaram por Îñun, Yemöja e Öya, e
entre essas Yemöja foi a escolhida para tentar conquistar a cidade. Mas Yemöja disse que seria melhor se
Îñun tentasse antes dela. No meio da indecisão Öya quis tentar dominar sozinha a Cidade das Mulheres,
mas não permitiram que ela fizesse isso. Então Îñun decidiu que tentaria conquistar a cidade, mas antes
disso ela foi aos adivinhos, desejosa de saber como proceder para ter sucesso em seus intentos. Os
adivinhos aconselharam-na fazer uma oferenda, cujo alguns elementos eram uma cabaça e um fino tecido
de algodão. Îñun fez a oferenda prescrita. Com a cabaça e o tecido ela fez uma espécie de tambor. Com esse
tambor ela foi até os portões da Cidade das Mulheres, tocou o tambor e conseguiu enfeitiçar todos os
guardas, que abandonando seus postos a seguiram. Enquanto Îñun se afastava com os guardas inimigos, os
outros Ìrúnmîlû entraram na cidade, conquistando-a finalmente. Dessa forma os Ìrúnmîlû conseguiram o
sucesso na batalha, e Îñun, além disso, ganhou muitos seguidores, pois todos os habitantes da Cidade das
Mulheres se tornaram seus devotos. Foi assim que as mulheres passaram a ser possuidores de àñë, e
passaram a ter mais poder do que os homens aos olhos do rei.

"Olófin chamou dezesseis divindades, para que elas conquistassem a Cidade das Mulheres. Se a
guerra chega na cidade, devemos consultar os mais sábios. Guerras dificílimas, que não se pode vencer".
A determinação de Olófin é um indício de que grandes missões e responsabilidades estarão presentes
quando Îñý se manifestar nesse caminho. Conflitos e dificuldades estarão presentes, dificultando o alcançar
dos objetivos. Os aspectos literais e figurados de "guerra" devem ser levados em consideração quando esse
Odù aparece, o que o torna consideravelmente complexo.

172
"Médicos não ouvem conselhos de ninguém. Consultar mulheres? Nunca!". A postura das
divindades masculinas citadas no ìtan evidencia que será prudente considerar a possibilidade de atitudes
orgulhosas e arrogantes; ineficazes nesse caminho de Îñý. É provável que ouvindo outras opiniões seja
possível atingir os objetivos almejados. Também é muito provável que conselhos femininos sejam os mais
confiáveis nessa situação.

"Ñàngó foi, e não conseguiu. Ñîpònná foi, e não conseguiu. Egún foi, e não conseguiu. Ògún
foi, e não conseguiu. Todos eles tentaram de tudo, mas falharam". Atitudes puramente masculinas,
baseadas na força, prepotência e orgulho, serão ineficazes. Para que haja sucesso será necessário saber
ouvir, usar manhas e astúcia; assim como Îñun fez para conquistar a Cidade das Mulheres.

“Disseram, ‘Yemöja, é você que deve ir para essa guerra’. Ela disse, ‘É melhor Îñun ir antes
de mim’". Parece que Yemöja sabia que Îñun teria melhores chances do que ela. Tal fato apenas reforça a
idéia de que é necessário usar as armas certas para a vitória quando Îñý aparece nesse caminho. Ter a idéia
de quem é a pessoa mais indicada para agir em cada situação também será importante.

“Öya quis ir, mas elas a rechaçaram". Apesar de ser mulher, o comportamento arrebatado e
agressivo de Öya seria tão inútil como foi o dos homens. Por outro lado, o comportamento ameno e
amistoso de Yemöja também não parecia ser o mais indicado. Foi Îñun, símbolo da astúcia, doçura e até da
dissimulação, que obteve êxito. Em vários de seus mitos fica evidente que Îñun, apesar de representar a
meiguice, sabe ser guerreira quando é preciso. Tal fato evidencia que o meio termo, que por sua vez é a
melhor maneira de agir quando Îñý aparece nesse caminho.

"Puseram no chão todas as armas que usariam na batalha. Toda a cidade estava seguindo
Îñun". Não foi com briga ou ofensas que Îñun conseguiu vencer a guerra. Ela enfeitiçou os habitantes da
cidade com seu àñë. Tal fato encaixa-se no ditado popular: “moscas se apanham com mel, não com fel". A
cantiga citada no ìtan também é conhecida no Brasil;
Ñýwýlý, Ñýwýlý Ñýwýlý, Ñýwýlý
Ire l'Îñun wà ñe Îñun está chegando para agir,
Îñun î mö'jà Îñun sabe como lutar.
Ñýwýlý, Ñýwýlý Ñýwýlý, Ñýwýlý

"Foi assim que eles pegaram o àñë e deram às mulheres". Essa passagem é mais uma alusão à
superioridade feminina (mais precisamente, dos atributos femininos) nesse caminho de Îñý. É possível que
esse ìtan seja mais uma das várias versões que explicam por que as mulheres detêm o àñë, poder de
realização universal.

"Essa é razão dos homens ficarem longe das mulheres do rei". Além dessa passagem, há
comentários sobre adultério em nota de rodapé. Não há nada no ìtan que dê a idéia de adultério, mas
seriam prudentes consultas nesse sentido.

173
Ëbö

Vinte búzios
Um pombo
Um galo
Uma cabaça
Um tecido fino de algodão.

Comentários sobre o ëbö

a) A cabaça é mais um símbolo do poder feminino. Além disso, foi com a cabaça e o tecido de
algodão, preso à boca da mesma que Îñun fez uma espécie de tambor, com o qual enfeitiçou o povo da
Cidade das Mulheres. Provavelmente o tambor em questão deverá ser montado durante o ofício do ritual.

b) O ëbö foi feito por Îñun para que ela pudesse "Vencer essa guerra". Logo, está relacionado à
solução satisfatória de intricados problemas que se encaixem no perfil de "guerra" abordado no ìtan.

Îñý 10

174
O povo de Òñogbo estava infeliz, por que as mulheres não estavam tendo filhos, logo não era
possível ter acesso a nenhum benefício cuja origem é a geração de filhos, como trabalho e prosperidade.
Eles consultaram Ìfá e lhes foi dito que para reverterem aquela situação, deveriam confiar em uma mulher.
Eles perguntaram que mulher seria essa, e os adivinhos responderam que se tratava de Îñun. Então o povo
de Òñogbo foi até Îñun e explicaram o que estava acontecendo. Îñun disse que lhes ajudaria, mas seria
apenas uma questão de tempo até que eles esquecessem disso. O povo de Òñogbo assegurou a Îñun que
isso não aconteceria. Por fim Îñun acabou ajudando-os, e com seu àñë tornou as mulheres fecundas,
favorecendo dessa forma o início de uma fase de crescimento, prosperidade e felicidade para Òñogbo.
Passaram-se oito anos, e de fato o povo de Òñogbo se esqueceu de Îñun. Olomi Tútù (Senhora das águas
frias) perguntava o que ela havia feito para que o povo agisse daquela forma, e o que poderia ser feito para
que eles voltassem a cultuá-la. Ela foi aos adivinhos, que lhe aconselharam a fazer um ëbö. Depois que
Òñun fez o ëbö, as crianças de Òñogbo ficaram febris. Desesperados seus pais foram aos adivinhos, que
lhes disseram que as crianças deveriam ser levadas até Îñun, pois só assim se recuperariam. Foi exatamente
isso que o povo de Òñogbo fez, mas dessa fez Îñun não os ajudou de pronto. Ela exigiu que a cada cinco
dias eles lhe fizessem oferendas específicas. Dessa forma o culto a Îñun foi restabelecido, favorecendo a
prosperidade e felicidade do povo de Òñogbo.

"O povo de Òñogbo estava infeliz. Reclamavam porque não conseguiam ter filhos". Essa
passagem aponta para problemas generalizados na vida do consulente. Segundo a própria estrutura do
ìtan, tais problemas poderão ser resolvidos através do de uma ação litúrgica e devocional a Òrìñà. A
ausência de filhos pode representar problemas gestacionais ou frustrações em geral.

"Eles deviam confiar numa mulher". Esse é mais um conselho de Odù que não se pode entender
o motivo, mas é melhor acatar. Apesar do conselho em questão dizer respeito a Îñun, também existe a
possibilidade de ser através de conselhos ou auxílio feminino que o consulente conseguirá reverter a
situação de dificuldades em sua vida.

"É em Îñun que vocês devem confiar". No ìtan, é Îñun que auxilia o povo de Òñogbo a sair das
dificuldades. Analogicamente será Îñun que auxiliará o consulente solucionar suas mais profundas
frustrações.

"Eu lhes darei filhos. Mas depois vocês se lembrarão de mim?" Essas palavras de Îñun
evidenciavam a possibilidade de ingratidões quando Îñý aparece nesse caminho de Odù. É bom ter em
mente que mesmo sabendo que possivelmente o povo de Òñogbo lhe seria infiel, Îñun não deixou de
ajudá-los. Tal fato evidencia caridade e altruísmo, que em tese deveriam caracterizar as atividades do
consulente. O ditado popular “dar corda e depois puxar” também se encaixa nesse contexto, pois foi
exatamente isso que Îñun fez. Caberá ao consulente analisar a própria vida, para saber se tal
comportamento se aplica ou não à sua realidade.

175
"Îñun deu filhos a eles. Eles começaram a ter filhos e dinheiro em suas vidas". É evidente que
Îñun ajudará o consulente. De tal auxílio, pode-se esperar realizações em geral (filhos) e prosperidade. Mais
uma vez é importante salientar que esse auxílio de origem espiritual estará na razão direta da devoção
demonstrada pelo consulente. Não porque os Òrìñà se sensibilizam pelos favores humanos, mas porque é
através da devoção espiritual que despertamos em nós faculdades latentes, que por sua vez tornam
possível a manifestação da compaixão de Olódúmarè, razão última de todo benefício e felicidade que pode
chegar em nossas vidas.

"Àkàlà fez bondades, e acabou desenvolvendo um grande bócio, para que não as fizesse mais
no futuro. Eles não foram mais a Îñun". A partir desse momento fica caracterizada a ingratidão nesse Odù.
As pessoas auxiliadas hoje poderão ser os ingratos de amanhã. A possibilidade de uma atitude de
afastamento em relação a Òrìñà também deve ser considerada. Pela própria estrutura do ìtan é
desnecessário dizer que tal atitude só atrairia maiores problemas para o consulente.
"As crianças estavam febris". Não será surpresa se surgirem doenças decorrentes dos erros
espirituais. O fato dos malefícios se abaterem sobre crianças abre a hipótese de problemas com filhos, ou de
grandes perdas em todos os setores da vida.

"Vão e tragam folhas de yánrin". Îñun exigiu uma oferenda para voltar a ajudar o povo de
Òñogbo. Esse fato sugere discernimento ao ajudar, gerando no auxiliado a consciência de suas
responsabilidades. Dar um peixe para matar a fome e depois ensinar a pescar. Também é uma evidência de
que se o consulente se afastar dos caminhos da espiritualidade, certamente terá que pagar um preço futuro.
Um outro fator a ser levado em consideração é que Òñogbo estava em débito com Îñun. Abre-se então a
possibilidade de obrigação atrasada e a necessidade de oferendas para reaproximar-se de Òrìñà. Também
merece atenção a presença de folhas na composição da oferenda. De uma maneira geral folhas em
oferendas podem representar problemas de saúde (o que é óbvio nesse caminho de Odù) ou feitiços. Seria
prudente averiguar cada uma dessas possibilidades.
"A cada cinco dias, eles levavam essas oferendas a Îñun. Era Îñun que eles serviam em Òñogbo".
A partir do momento em que assumiram essa postura devocional, as dificuldades abandonaram o povo de
Òñogbo. É uma evidência de necessidade de culto a Òrìñà para que as dificuldades inerentes a esse Odù
não voltem a se manifestar na vida do consulente.

"Eu usarei um camaleão para cultuar Îñun". Essa é mais uma importante informação de caráter
litúrgico. É importante salientar que são poucas as pessoas que conhecem tal fundamento.

“Òñogbo estava calma. Eles tinham dinheiro. Seus filhos eram incontáveis. Eles dançavam e
regozijavam. Ìfá diz que bênçãos são o que ele vaticina". Apesar dos aspectos negativos desse Odù, essa
passagem evidencia que há positividade aqui; e certamente ela se manifestará, se as demais informações
trazidas por Îñý nesse caminho forem corretamente seguidas.

Ëbö

176
Dez búzios
Cinco porções de ûkö
Cinco àkàsà
Cinco obì
Folhas de yánrin

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, essa oferenda deve ser feita diretamente a Îñun, no intervalo de cinco dias.

b) É óbvia a natureza ûrö da oferenda. Certamente visa acalmar Òrìñà e favorecer a reaproximação
entre esse e seu devoto.

c) No ìtan aparece "Îñun ofereceu o ëbö". Não há nenhuma citação sobre o ëbö feito por Îñun,
mas o objetivo de tal ëbö seria, "O que ela (Îñun) deveria fazer para que o povo de Òñogbo a cultuasse?"
Caso o consulente não seja o ingrato em questão, mas sim esteja sofrendo alguma ingratidão, abre-se a
possibilidade de montagem de uma oferenda, para que tal ingratidão termine e uma fase de harmonia
possa iniciar-se. Caberá ao awolòrìñà definir os detalhes de tal possibilidade.

Îñý 11

Odídërý (uma espécie papagaio africano) era uma das esposas de um poderoso rei, que
infelizmente era perseguida pelas demais esposas do monarca. Suas adversárias colocaram um feitiço no
àpótí ela costumava sentar. Logo que se sentou no àpótí as nádegas de Odídërý ficaram avermelhadas. Para
completar a maldade, as demais esposas do rei decidiram que todas elas desfilariam nuas no próximo
festival anual. Isso deixou Odídërý muito triste, a ponto do rei perguntar o que estava acontecendo. Ela
expôs ao rei suas preocupações em relação à festa, mas o monarca disse que não havia motivos para se
preocupar, por que aos olhos dele ela sempre seria gloriosa. Finalmente chegou o dia do festival, e foi
determinado que Odídërý seria a primeira a desfilar. Sob a ordem do rei deixou cair suas roupas, para
espanto de Îrúnmìlà, que participava do festival. Ao ver as nádegas avermelhadas de Odídërý (as penas de
ekodídý), Îrúnmìlà disse que todos os outros reis da região estavam com a vida complicada, por que jamais
haviam visto ekodídý. Îrúnmìlà disse ao rei que ele deveria vender as penas de sua esposa. O rei seguiu o
conselho de Îrúnmìlà, e prosperou muito com o dinheiro de suas vendas. Odídërý por sua vez, assegurou
definitivamente a posição de preferida do rei, para desespero de suas inescrupulosas inimigas.

177
"Destruidores e aproveitadores não são raros". Infelizmente inimigos estarão presentes quando
Îñý se manifestar nesse caminho. Será necessário atenção para que não haja prejuízos ou sofrimentos
graças a esse infortúnio.

“Deveria oferecer o àpótí em que se sentava, devido a uma doença em suas nádegas". Graças a
essa passagem, são grandes as chances de ocorrerem doenças quando Îñý aparece nesse caminho.
Enfermidades do baixo ventre certamente merecem destaque, devido à ligação mítica entre as penas de
ekodídý e o fluxo menstrual.

"Colocaram ògùn (preparo de folhas) no àpótí de Odídërý". Será necessário muito cuidado com
feitiços nesse caminho de Odù. No ìtan, a causa de tais feitiços foi a inveja que as demais esposas do rei
nutriam por Odídërý. Logo, inveja e inimizades também merecem destaque.

"Isso que aconteceu com você, é glorioso!" Após sua doença, Odídërý estava triste com sua
aparência, mesmo depois que o rei considerou-a gloriosa. Talvez ocorram dificuldades de auto-aceitação,
depressão, ou uma preocupação excessiva com a opinião alheia. Seria prudente considerar tais hipóteses

"As outras esposas do rei queriam desfilar nuas durante o festival". Cientes de que Odídërý
estava com as nádegas doentes, as demais esposas do rei decidiram por desfilar nuas durante o festival
anual. Tal fato abre a hipótese de tramóias, ciladas ou conchavos, que deliberadamente visem prejudicar o
consulente ou alguém que lhe seja próximo.

"Quando Odídërý tirou sua roupa, sua cauda foi revelada. Îrúnmìlà disse, ‘Há! O que você
pretende com isso, Olófin? Alárá e Ajûrö (dois reis iorubanos) nunca viram isso, e a vida deles está
conturbada’". Nessa passagem Îrúnmìlà referia-se à cauda de Odídërý, ou seja, aos ekodídý. Talvez a
causa dos infortúnios dos reis citados seja o fato de que nunca terem visto ekodídý, ou seja, não serem
iniciados. Se Ìfá mostrar que essa observação possui fundamento, ficará caracterizada a necessidade de
iniciação (ou obrigação) quando Îñý aparecer nesse caminho. É possível que só dessa forma a vida dessa
pessoa se equilibre, tornando possível a manifestação de considerável prosperidade e proteção contra
inimigos.

"Aqueles que procuraram me destruir ajudaram-me a progredir". Esse é um Odù de vitória sobre
os inimigos. Tal passagem evidencia que os inimigos existem, que há o desejo óbvio de prejudicar, mas que
a pessoa tende a suplantá-los e ainda se beneficiar das atitudes dos mesmos. Será preciso sabedoria e
capacidade de observação, para que se possa definir de que maneira será possível obter benefícios, apesar
das atividades dos inimigos.

"Eles (Odídërý e o rei) pareciam ser como todos os outros queriam ser". Essa passagem
evidencia a possibilidade de se tornar um exemplo a ser seguido quando aparece esse caminho de Îñý.
Graças a esse fato, são grandes as chances de influenciar pensamentos e atitudes de outras pessoas, o que é
natural, pois genericamente Îñý é um Odù que traz a liderança consigo.

178
"Odídërý tornou-se rica, o rei tornou-se rico. As manchas de Odídërý tornaram-se sua beleza".
Os atuais infortúnios serão transmutados em benefícios, se a pessoa seguir as orientações trazidas por esse
Odù. Essas passagens também mostram a grande chance de prosperar, e tendo em vista que tal
prosperidade chegou aos personagens de forma inusitada, é de se esperar que o mesmo aconteça com o
consulente.

"Ìfá diz que não permitirá que nossos inimigos nos prejudiquem". Essa passagem evidencia que
a proteção do consulente está diretamente relacionada a Òrìñà. Devido a tal fato, seria prudente que
oferendas fossem feitas ao Òrìñà guardião do consulente, na intenção de reforçar ainda mais a proteção do
mesmo em relação aos perigos presentes nesse Odù. Por não haver nenhuma citação textual a respeito,
seriam prudentes consultas nesse sentido.

Ëbö

Vinte búzios
Um àpótí
Um prato com inhame
Ökà

Comentários sobre o ëbö

a) Foi no àpótí que colocaram o feitiço para Odídërý. Logo, o mesmo é uma lembrança sobre a
presença de inimigos, e ao mesmo tempo uma possível alusão à iniciação e à ascensão social.

b) De acordo com o ìtan, o ökà e o inhame são devido às doenças. Pela presença de ökà abre-se a
hipótese de uma certa influência de ara îrun na situação, principalmente se for considerado o fato de existir
feitiços nesse Odù.

c) Esse ëbö tem várias finalidades. 1) No início do ìtan, Odídërý vai aos adivinhos, para saber “O
que ela poderia fazer, para que sua vida fosse agradável?”. Logo, tal oferenda atrai a prosperidade, dentro
de circunstâncias semelhantes às narradas. 2.) Também aparece no ìtan, "Devido a uma doença em suas
nádegas, disseram que ela deveria oferecer um prato com uma porção de inhame; e também deveria
oferecer ökà". Essa passagem evidencia que tal ëbö também auxiliará a saúde do consulente. 3) Por último
aparece no ìtan: "Ìfá diz que esse ëbö é para que nossos inimigos não possam nos atingir e nos prejudicar".
Essa outra passagem do ìtan evidencia o caráter de proteção desse ëbö. Esses três aspectos da oferenda
prescrita devem ser levados em consideração.

179
Îñý 12

Certa vez Òñàlá comprou para cuidar de sua lavoura. O escravo que ele comprou chamava-se Arö
(Aleijado). Quando Òñàlá chegou em casa com seu novo escravo, Arö evidenciou que não queria ir para a
lavoura, pois certamente não teria um bom desempenho. Baba acabou permitindo que ele ficasse cuidando
de sua casa. As coisas não estavam andando muito bem para Òñàlá, e Baba resolveu consultar os adivinhos
para saber o que poderia ser feito em nome da prosperidade de sua lavoura. Os adivinhos aconselharam-no
a fazer uma oferenda, que entre outros elementos contivesse gaiolas. Chegou o dia em que os demais filhos
de Òñàlá não voltaram do trabalho na lavoura. Vários papagaios odídërý estavam atacando a plantação de
milho. Para que todo o trabalho não se perdesse, eles decidiram ficar guardando a lavoura. A notícia por fim
chegou à casa de Òñàlá, que demonstrou toda sua preocupação com seus filhos e com sua lavoura. Arö
ficou sabendo da história e disse a Òñàlá que poderia resolver a questão. Baba ficou muito feliz, e para
auxiliar Arö na nova atividade lhe deu uma faca e muito àñë, para que fosse imediatamente obedecido
sempre que falasse em seu nome. Arö foi até a lavoura, e lá chegando ordenou a todos os papagaios que
pousassem sobre as espigas, pois essa era a vontade de Òñàlá. Imediatamente os papagaios obedeceram.
Depois Arö ordenou que eles pousassem no chão, e mais uma vez foi prontamente obedecido. Nesse
momento Arö ordenou aos demais filhos de Òñàlá que se lançassem sobre os papagaios. Alguns foram
mortos, outros foram presos nas gaiolas que Òñàlá havia oferecido como ëbö. Quando todos voltaram para
casa, Òñàlá pegou as gaiolas cheias de Odídërý e vendeu as valiosas penas dessa ave, conseguindo assim
consideráveis riquezas. Dessa forma, graças ao auxílio de Arö, Baba tornou-se alguém muito rico.

"Ogbè é aquele que derrama dinheiro aqui. Ìfá diz uma bênção de dinheiro; uma bênção na
lavoura". Interessante a citação de Ogbè, o Odù da diversidade. Quando aparece nesse caminho Îñý traz
prosperidade, e levando em consideração a presença de lavoura no ìtan, pode-se deduzir que o trabalho
será uma importante chave para que tal prosperidade se manifeste.

"Odídërý havia comido todo o milho deles". No ìtan, a lavoura de milho que os filhos de Òñàlá
cuidavam estava sendo constantemente atacada por papagaios. Esse fato aponta para a perigosa
possibilidade de prejuízos profissionais. Levando-se em consideração que as penas de tal pássaro são
fundamentais nos rituais de iniciação, não será surpresa se os eventuais prejuízos do consulente terem uma
causa espiritual.

180
"Arö (Aleijado) era o escravo que trouxeram para Baba". Tanto os prejuízos causados pelos
papagaios, como as dificuldades naturais de um aleijado, sugerem dificuldades. Mas tais contratempos não
devem impedir a pessoa de buscar seus objetivos, pois não se pode perder de vista que esse caminho de Îñý
favorece conquistas em geral.

"Arö (Aleijado) era o escravo de Baba. Ele disse que não queria ir para a lavoura. Então Baba o
colocou para olhar sua casa". Como é comum em Odù com mais de um personagem de destaque, é
possível que o consulente se identifique com Arö ou com Òñàlá. Também é importante salientar que
quando Baba mandou Arö para a lavoura, esse recusou. Nada mais correto, pois um aleijado teria pouco a
oferecer na labuta de uma lavoura. Por outro lado Arö evidenciou seu valor quando elaborou o plano para
acabar com os papagaios que atacavam a lavoura. Esses fatos abrem a possibilidade do consulente ter que
saber aquilo que tem a oferecer, e fazê-lo na hora certa para adquirir a consideração de seus superiores
(Òñàlá) e gozar de prosperidade junto deles. Também pode ser um indício da supremacia da atividade
intelectual sobre a braçal.

"Arö disse, ‘Você pode me levar até a lavoura antes do amanhecer?’”. Interessante notar que
a solução do problema de Òñàlá só ocorreu quando ele adquiriu um escravo, alguém que até então não
fazia parte de seu convívio. É provável que pessoas que ainda não façam parte do cotidiano do consulente
possam ajudá-lo a solucionar satisfatoriamente as questões expostas nesse caminho de Îñý.

"Os filhos de Òrìñà mataram os papagaios com suas facas". Tal violência num Odù em que
aparece Òñàlá não é comum. No ìtan os papagaios são mortos graças a um ardil preparado por Arö
(Aleijado). Tais fatos podem significar violências, ciladas ou vinganças. Mas visto por outro prisma, as
atitudes dos filhos de Òñàlá (matar os papagaios) sugerem a necessidade de agir com vigor para defender o
patrimônio ou atingir novas conquistas, pois foi graças às penas dos papagaios mortos que Òñàlá
enriqueceu.

"Baba começou a vender as penas de papagaio (ekodídý) e tornou-se rico". Esse fato evidencia
os aspectos positivos desse caminho de Îñý. A presença de Òñàlá e as penas ekòdídë dentro de um mesmo
mito podem ser uma alusão à necessidade de iniciação (ou obrigação). Nesse caso a prosperidade do
consulente estará diretamente relacionada às suas atividades espirituais, devocionais e litúrgicas. O ìtan
também diz que "Baba deu àñë a Arö". Foi graças a esse àñë que recebeu de Òñàlá que Arö conseguiu fazer
os Odídërý lhe obedecerem. O recebimento de tal àñë também poderá ser considerado espiritualidade e
conseqüente necessidade de iniciação ou obrigação, desde que Ìfá assim o confirme.

"Ìfá diz, uma bênção de riquezas; uma bênção na lavoura". É importante ter em mente que a
prosperidade é o principal assunto abordado por Îñý nesse caminho. Um outro fator de considerável
relevância é que apesar de estar plantando milho, a prosperidade não chegou a Òñàlá por esse caminho, e
sim pela venda dos ekodídý. Tal fato mostra que consideráveis bênçãos poderão chegar à vida do
consulente por caminhos até então inesperados.

181
Ëbö

Trinta búzios
Um pombo
Um galo
Um tecido, três gaiolas (bronze, chumbo e ferro)

Comentários sobre o ëbö

a) Tecidos são comuns em ëbö relacionado a filhos. Deve-se atentar para o fato dos filhos de
Òñàlá no ìtan terem muitos problemas com os papagaios. Seriam prudentes consultas sobre prováveis
problemas com os filhos ou pessoas próximas ao consulente. Sob outro ponto de vista, foi graças ao
trabalho árduo de seus filhos que Òñàlá prosperou. Tal fato abre a possibilidade de filhos (ou alguém muito
próximo) ajudar o consulente a prosperar. Nesse caso, a presença de tecido no ëbö visa atrair essa bênção
relacionada a filhos.

b) Segundo o ìtan, era nas gaiolas que Òñàlá deveria "guardar suas riquezas", os odídërý. É mais
uma alusão às possibilidades de prosperidade nesse Odù. Mais uma vez é importante salientar que se a
presença de ekodídý corresponder a um indício de espiritualidade, as questões litúrgicas serão
importantíssimas para que as bênçãos em questão possam de fato se manifestar. Muito provavelmente não
serão encontradas as gaiolas feitas com os metais citados. O bom senso diz que será possível usar gaiolas
normais e acrescentar ao ëbö os metais que aparentemente são necessários. É óbvio que serão necessárias
consultas nesse sentido.

c) O ëbö foi feito para que as terras de Òñàlá fossem férteis, e para que ele não encontrasse (ou
pudesse superar) dificuldades em seu trabalho. Logo, está relacionado ao surgimento de situações e
oportunidades que favoreçam a prosperidade, principalmente no âmbito profissional.

Îñý 13

Houve uma época em que Îrúnmìlà saiu pelo mundo a procura de bênçãos e acabou se
estabelecendo muito longe, para além de qualquer rio, para além de qualquer lago, às margens do oceano.
Antes de iniciar sua viagem Îrúnmìlà consultou Ìfá. Foi-lhe recomendado fazer uma oferenda, e que também
fosse até seus pais, receber o àñë que eles tinham para lhe passar. Îrúnmìlà seguiu as orientações de Ìfá e
graças a isso atingiu várias bênçãos, conseguindo prosperar em todo lugar que se estabelecia.

182
"Îrúnmìlà estava indo à beira do mar, além da lagoa; procurando por bênçãos". É interessante
lembrar que as principais divindades relacionadas à riqueza têm íntimas ligações com a água ( Ajè, Olókun,
Òñùmàrè, Îñun, etc.). Esse fato confirma a possibilidade de se atingir grande prosperidade sob a influência
desse caminho de Îñý. Por outro lado, a viagem de Îrúnmìlà pode significar a possibilidade de mudanças de
cidade, ou quaisquer outros tipos de mudanças importantes na vida do consulente. A parte que diz
"procurando por bênçãos" pode ser uma alusão à possibilidade do consulente conseguir melhores
oportunidades em outro lugar, mas também pode representar um certo descontentamento com as atuais
características da própria vida.

"O local para onde ele estava indo seria bom para ele?". Definitivamente mudanças estarão
presentes quando Îñý se manifestar nesse caminho. Mesmo considerando as possibilidades metafóricas,
parece mais lógico considerar alterações de cidade, lar ou fatos semelhantes. Importante salientar a
preocupação de Îrúnmìlà em verificar o que Ìfá tinha a lhe dizer sobre seus projetos pessoais, antes de
empreender esforços nos mesmos. Seria importante que essas preocupações tivessem repercussão nas
atitudes do consulente, e que o mesmo procurasse agir com a sábia cautela de demonstrada por Îrúnmìlà.

"Disseram que Îrúnmìlà deveria ir aos seus pais para receber àñë". Não é a primeira vez que
devoção aos pais aparece nos caminhos de Îñý. Essa passagem caracteriza um aspecto de ancestralidade,
pois os pais (ou antepassados) podem influenciar positivamente na vida dessa pessoa. O importante é ter
em mente que sem essa devoção respeitosa aos ancestrais, dificilmente as bênçãos inerentes a esse Odù se
manifestarão. A possibilidade de pais mortos é o que melhor caracteriza a ancestralidade nesse Odù.
Também é importante salientar a possibilidade de existirem diferenças entre o consulente e seus pais.
Nesse caso a informação do ìtan certamente favorecerá a harmonização da relação em questão,
principalmente se for considerada a possibilidade das bênçãos citadas não se manifestarem se persistir um
eventual quadro de desavença entre filhos e pais. Apesar de todas as possibilidades de interpretação, o
importante é ter em mente que sem receber o àñë que vem pelos caminhos de sua ancestralidade,
dificilmente essa pessoa conseguirá realizar aquilo que tem em mente.

"Îrúnmìlà tornou-se próspero e rico, possuidor de muitas bênçãos. Ìfá diz que uma bênção de
riquezas é o que ele prevê”. A prosperidade é outro aspecto desse Odù que deve ser considerada. Em
vários outros mitos, Îrúnmìlà atinge esses mesmos benefícios através de sua prática profissional, o vaticínio
através de um contexto religioso. Esse fato pode ser um indício de que provavelmente a prosperidade
inerente a esse Odù esteja relacionada aos aspectos profissionais da vida do consulente. Seriam
interessantes consultas nesse sentido.

Ëbö

Vinte búzios
Cinco galinhas
Cinco pombos
Cinco obì

183
Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì representa espiritualidade ou necessidade de sabedoria para resolver as


questões trazidas por esse Odù. Além disso, deve-se considerar que o sucesso nesse caso dependerá do
bom Orí do consulente.

b) As questões referentes aos pais do consulente já foram vistas alhures. Se Ìfá assim o confirmar,
em caso de pais mortos talvez seja necessária alguma oferenda que vise harmonizar as relações entre o
indivíduo e sua ancestralidade. Nesse caso caberia ao awolòrìñà a definição sobre as características de tal
prática litúrgica.

c) Esse ëbö foi feito para que Îrúnmìlà pudesse vencer e prosperar em seu novo local de atuação.
Logo, é indicado em situações de mudanças de cidade, ou sempre que a idéia do novo estiver presente.

184
Îñý 14

Em tempos imemoriais Îrúnmìlà era pobre; não possuía nada em sua vida. Ele era extremamente
briguento, e vivia desafiando e derrotando qualquer um que cruzasse em seu caminho. Sempre que
deparava com poderosos reis, Îrúnmìlà os derrubava. Mas sua vida era muito difícil, e ele não conseguia
prosperar. Para resolver tal situação, Èñù aconselhou a Îrúnmìlà que fizesse um ëbö, e que também não
vencesse mais suas lutas. Pelo contrário, ele deveria se permitir ser derrubado pelos poderosos reis que
constantemente enfrentava. Mesmo sem entender por que, Îrúnmìlà seguiu os conselhos de Èñù. Depois de
fazer a oferenda prescrita, Îrúnmìlà cruzou com Alárà, um poderoso rei que ele havia derrotado
anteriormente. Alárà achou que aquela seria a ocasião de sua vingança, por isso desafiou Îrúnmìlà.
Lembrando-se das palavras de Èñù, Îrúnmìlà se deixou abater e Alárà o derrubou. Imediatamente Èñù
apareceu, dizendo que Alárà estava completamente fora de si, e que por agir de maneira tão desrespeitosa
deveria dividir todos os seus bens com Îrúnmìlà, como forma de se redimir. Îrúnmìlà conseguiu então
metade das riquezas de Alárà. Em pouco tempo ele brigou e perdeu para outros reis, que também foram
sentenciados por Èñù a dividirem suas riquezas com o agredido. Dessa forma Îrúnmìlà prosperou e
finalmente alcançou a riqueza, graças a seu autocontrole e aos sábios conselhos de Èñù.

"Îrúnmìlà não possuía nada em sua vida". A situação inicial de Îrúnmìlà no ìtan aponta para a
possibilidade de dificuldades materiais; mas não se deve esquecer que esse é um Odù de conquistas e
prosperidade, e que será possível reverter o quadro de dificuldades se as informações trazidas por Îñý nesse
caminho forem fielmente seguidas.

"Ìfá acordava todas as manhãs, na luta de sua profissão". Essa passagem mostra que a labuta é
algo inerente a esse caminho de Îñý. Por outro lado, é importante salientar que apesar de trabalhar

185
diariamente, Îrúnmìlà não havia atingido a prosperidade. Tal fato pode significar que não será através do
trabalho que o consulente prosperará; ou ainda, que para prosperar, o consulente precisará alterar
consideravelmente suas atividades profissionais. Cada uma dessas possibilidades deverá ser checada pelo
awolòrìñà.

"Se ele fosse à casa de Alárá, derrubava-o". Nesse caminho de Îñý, Îrúnmìlà assume uma postura
agressiva. Essa mesma atitude não lhe trouxe nenhum benefício. É provável que seja nas atitudes serenas e
equilibradas que o consulente conseguirá as melhores oportunidades para reverter o quadro de
dificuldades representado pelo ìtan.

"Èñù disse: ‘Você não deve derrubá-los mais, deve deixar que o derrubem’". Mesmo que haja
dissabores iniciais, mansidão e astúcia trarão o sucesso nesse caminho de Odù. Foram os conselhos de Èñù
que ajudaram Îrúnmìlà; isso mostra a influência benéfica desse Ëböra na questão. Caberá ao awolòrìñà
definir se tal influência poderá ou não ser potencializada, e se assim o for, o que deverá ser feito para tal.

“Èñù disse, ‘Você Alárà! Você está perturbado. Todas as coisas de sua casa; suas esposas,
suas roupas e seu dinheiro. Você deve dividir tudo em duas partes, e dar a metade a Îrúnmìlà’". Foi
assim que Îrúnmìlà atingiu a prosperidade. Da mesma forma que Èñù o auxiliou, também auxiliará o
consulente, se esse seguir as demais diretrizes traçadas por Îñý nesse caminho de Odù.

"Îrúnmìlà voltou para casa. Ele não foi esfomeado". Mesmo depois de conseguir metade das
riquezas de Alárà, Îrúnmìlà não ficou desesperado para conseguir mais. Tal atitude talvez justifique não ir
com muita sede ao pote quando a prosperidade começar a aparecer.

"Ëdú (Îrúnmìlà) não pode lutar". Îrúnmìlà representa a sabedoria dos Odù (ou vice-versa, para
alguns). Sua postura briguenta é antagônica ao que se pode considerar espiritualidade. Não será novidade
se a pessoa estiver tendo atitudes antagônicas à espiritualidade ou à sua própria natureza. Nesse caso, é
óbvio que tais atitudes deverão ser alteradas.

"Alárà derrubou Îrúnmìlà. Ëdú dizia, ‘Vocês devem me derrubar para que eu possa ter filhos’.
Foi assim que começaram a jogar Ìfá até o dia de hoje". Essas são as passagens que mostram como as
divinações com Ìfá começaram a acontecer. Para os lucumis essa citação explica porque não se deve
consultar Ìfá gratuitamente. É uma importante informação litúrgica.

Ëbö

Dez búzios
Um pombo
Um galo

186
Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, mas a presença benéfica de Èñù abre a hipótese de oferendas mais
bem elaboradas a essa divindade, além é claro das que Èñù tem que receber por agir como Elýbö. Mas tal
possibilidade deve ser confirmada por Ìfá antes de qualquer atitude nesse sentido.

b) É óbvio que só o ëbö não seria suficiente para favorecer as consideráveis riquezas que Îrúnmìlà
conseguiu. Sem a devida mudança de comportamento dificilmente ele conseguiria reverter sua situação de
dificuldades. Isso evidencia que o ideal é que o consulente realmente procure evitar atitudes que possam,
de uma forma ou de outra, atrapalhar sua felicidade. Sem tais mudanças o ëbö certamente caracterizará
uma liturgia vazia.

187
Îñý 15

Houve uma época de sua existência que Îrúnmìlà estava vivendo na pobreza, e foi aconselhado
por Èñù a oferecer a Îñun seu principal ëwî, ötí ökà (uma espécie de cerveja iorubana feita à base de milho),
para que essa lhe favorecesse com a prosperidade. Îrúnmìlà preparou-se para seguir os conselhos de Èñù,
fazendo uma oferenda antes. No dia e na hora determinada por Èñù, Îrúnmìlà subiu na cumeeira da casa de
Îñun. Assim que Olomi Tútù apareceu, sentou-se em seu trono dourado. Nessa hora Îrúnmìlà deixou cair
sobre Îñun uma grande quantidade de ötí ökà. Toda lambuzada com seu ëwî, Îñun não sabia o que fazer.
Îrúnmìlà aproveitou para pedir a Îñun por filhos e riquezas. Èñù apareceu e aconselhou a Îñun que cedesse
naquilo que Îrúnmìlà estava pedindo, pois certamente ele voltaria outras vezes, talvez para fazer coisas
ainda piores. Convencida por Èñù, Îñun abriu as portas das riquezas e dos filhos, e Îrúnmìlà pôde pegar o
quanto quis, usufruindo então de considerável prosperidade e felicidade. Depois de conseguir o que queria,
Îrúnmìlà ensinou a Îñun qual ëbö deveria ser feito para terminar com o incômodo gerado pela bebida que
lhe molhara totalmente.

"Îrúnmìlà estava na pobreza". Apesar desse Odù ser de conquistas e prosperidade, inicialmente
podem ocorrer adversidades e dificuldades em geral. Não se abater com tal negatividade será o primeiro
passo para a reversão da mesma.

"Îrúnmìlà deixou cair ötí ökà sobre Îñun". Devido a atitude de Îrúnmìlà, deve-se estar aberto à
possibilidade de traições, extorsões, tramóias, perdas, emboscadas, etc. Liturgicamente é interessante
ressaltar o ëwî de Îñun, ötí ökà (cerveja de milho).

“Èñù disse, ‘Você Îrúnmìlà. Vá e se esconda na parte mais alta da casa. Leve ötí ökà com você.
Quando Îñun for se sentar em sua cadeira, derrame ötí ökà sobre ela. Verá se você vai ou não vai ser
rico’". Èñù é o fator de extrema importância para que a prosperidade se manifeste na vida do consulente.
Sem os conselhos de Èñù, Îrúnmìlà não teria acesso às riquezas de Îñun. É possível que alguém argumente
sobre a falta de ética que envolve a questão, mas o importante é ter em mente que sabemos pouco sobre
os intricados movimentos de harmonização universal que definem o que deve ser feito ou não. Graças a
essa evidente limitação da atual raça humana, o mais prudente talvez seja não entrar em tão complicados
assuntos, e nos atermos à positiva influência de Èñù nesse caminho de Îñý. Numa perspectiva mais
metafórica, Èñù pode representar a presença de algum amigo ou conhecido, que similarmente poderá
auxiliar o consulente a reverter satisfatoriamente os atuais rumos de sua vida.

"Então Îñun abriu as portas do dinheiro. Ìfá diz que todas as bênçãos que essa pessoa deseja, é
Îñun que lhe dará". Essa passagem evidencia que será através do àñë de Îñun que essa pessoa atingirá a
prosperidade e demais realização em sua vida. Não será nenhuma surpresa se Îñun for um dos integrantes
de seu Òkè Ìpînrí.

188
Ëbö

Uma galinha
Àkàrà
Obì
Folhas de yánrin

Comentários sobre o ëbö

a) De acordo com o ìtan, essa é a oferenda que deve ser feita a Îñun, depois que lhe é oferecido öti
ökà. Pode-se entender que ao oferecer ao Òrìñà seu ëwî, estimula-se sua resposta. Para que haja
reequilíbrio, será necessária uma oferenda ûrö (calmante) a esse mesmo Òrìñà. Mas quem ofereceria dendê
a Òñàlá, obì a Ñàngó ou mel a Îñïsì? A menos que esse seja um grande segredo, no Brasil não há a tradição
de oferecer a Òrìñà o seu ëwî, no intuito de incitá-lo a uma resposta rápida. Mas de acordo com Salàkï, tal
possibilidade existe. Serão necessárias consultas e muita cautela para que todo procedimento litúrgico
narrado no ìtan possa ser feito corretamente.

b) O ìtan também diz que Îrúnmìlà fez um ëbö, mas tal oferenda não é descrita. Caberá ao
awolòrìñà definir se além do que já foi exposto, será necessário qualquer outro procedimento para
favorecer a prosperidade do consulente.

c) Folhas de yánrin são constantemente citadas como pertencente aos rituais de Îñun. Caberá ao
awolòrìñà definir qual a folha utilizada no Candomblé que poderá substituí-la.

189
Îbàrà

Considerações gerais

São muitos os assuntos abordados por Îbàrà. Há uma diversidade tão ampla quanto o número de
caminhos desse Odù, mas que analisados em conjunto explanam com considerável clareza a relação do ser
humano com os infortúnios do àiyé, além de mostrar meios de conviver e até de transcender tais
infortúnios, atingindo vida equilibrada e prosperidade.
Em relação à espiritualidade, Îbàrà não se mostrou um Odù muito intenso. Seus caminhos tratam
mais da relação do homem com as dificuldades do àiyé e de como é possível vencer tais dificuldades. Não
há nenhum caminho que evidencie que o destino da pessoa seja cumprir alguma missão espiritual, atingir
certo grau de evolução, etc. Mas isso não significa em absoluto que Îbàrà seja um Odù profano; apenas dá

190
ênfase à labuta diária, à sobrevivência e à criação de oportunidades para tornar menos dura a vida no àiyé.
Sob esse Odù os esforços pessoais tendem a trazer benefícios no âmbito pessoal e coletivo. Por essas
razões Îbàrà merece respeito, pois apesar de não transpirar espiritualidade, garante a sobrevivência que
torna possível a manifestação do potencial humano, inclusive do potencial espiritual.
Pelas razões já citadas, também não se encontra em Îbàrà nenhuma relação devocional mais
profunda do homem com Òrìñà ou com seus ancestrais, como acontece em outros Odù. Essas relações
caracterizam espiritualidade, que como já foi visto, não têm em Îbàrà o seu melhor veículo. Em suma, não se
pode considerar que em Îbàrà pessoa tenha no Òrìñà ou nos seus ancestrais a prioridade de sua vida.
Mas é preciso muito cuidado antes de rotular Îbàrà como um Odù sem preocupações espirituais.
Não se diz a um pai cujos filhos estão famintos que ele deve limitar-se a ajoelhar e orar. Sob Îbàrà esse
mesmo pai prefere arregaçar as mangas e ir à luta, ciente de que se ele fizer sua parte, a Providência fará a
dela. Apesar da pessoa concentrar suas energias para vencer no àiyé, há uma grande proteção espiritual
nesse Odù, como se os céus considerassem que a pessoa esteja certa em batalhar no intuito de tornar
menos árdua sua sobrevivência no àiyé.
O indivíduo poderá até não estar oferecendo a devida atenção aos elementos espirituais de sua
existência, mas a recíproca não é verdadeira; pois há um momento para tudo, e o Espírito deve
experimentar e crescer nos vários aspectos da vida. Em Îbàrà o Espírito luta por sua sobrevivência no àiyé,
necessária para a continuidade de sua evolução. Tal luta absorve energia e atenção que, em outros Odù, são
destinados à espiritualidade ou à vida profana. É por isso que em Îbàrà nem uma nem outra possuem
grande força, pois a ênfase está na conquista do àiyé, quer seja materialmente ou sob qualquer outro
aspecto.
Por todos esses motivos é óbvio que o trabalho tem uma posição de destaque em Îbàrà, pois é o
fator que torna possível atingir a prosperidade, que é mais uma característica desse Odù. O trabalho
aparece em vários caminhos de Îbàrà, sempre representando os esforços humanos necessários quando esse
Odù aparece. É o trabalho que garantirá as chances de vencer e de sobreviver, sendo necessário não apenas
pelos seus frutos, mas também porque traz esperança, que é importantíssima para a manutenção de um
espírito otimista e positivo, sem o qual poderá até ocorrer desequilíbrios físicos e emocionais. O trabalho
nesse Odù gera oportunidades de sobrevivência e prosperidade, além de oferecer conforto emocional e
mental. Em alguns caminhos o personagem é impedido de trabalhar por um ou outro motivo. Quanto tal
fato estiver presente, as chances de problemas profissionais (até mesmo desemprego) deverão ser
consideradas.
Nesse Odù, intimamente relacionada ao trabalho está a prosperidade. Ela existe, mas é fruto de
intensos esforços pessoais, de muita luta, perseverança, fé e vontade firme. Não serão poucos os percalços
que dificultarão a manifestação da prosperidade em Îbàrà, mas a pessoa deve perseverar sempre. Muitas
vezes não haverá motivo para acreditar que a prosperidade virá, mas ela estará lá, latente, só a espera de ser
tocada pelos esforços pessoais. Em Îbàrà, Èñù será um fator de grande auxílio para que a prosperidade se
manifeste. Também é importante salientar que em alguns caminhos desse Odù não bastou apenas o
trabalho do personagem, mas também uma considerável aptidão profissional. Tal fato faz de Îbàrà um Odù
propício ao conhecimento empírico e ao desenvolvimento técnico, ainda mais levando em consideração a
presença de Îsànyìn, o “cientista” por excelência.
Apesar de todo esse potencial para a prosperidade, são comuns em Îbàrà privações e dificuldades
materiais. Elas estarão presentes até que a pessoa as vença pelo trabalho, pela persistência e pela fé. Em

191
alguns momentos essas dificuldades podem ser tão grandes que chegarão a gerar desequilíbrios físicos,
mentais e emocionais; daí as constantes citações sobre a necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí. Apesar de
poderosas, as privações são efêmeras em Îbàrà, e certamente serão vencidas por uma combinação de
trabalho, esforços pessoais, àñë fortalecido, esperança e certeza da vitória.
Em Îbàrà sempre aparecerá a oportunidade para a reversão do quadro de dificuldades, mas uma
das particularidades desse Odù é que tal oportunidade tende a ser única, só se repetindo em raríssimas
ocasiões. Por isso deve-se aproveitar as oportunidades assim que essas surjam, mesmo que à primeira vista
as mesmas possam não agradar às expectativas, pois algo é melhor que nada, e sob a presença de Îbàrà
esse “nada” pode prolongar-se por um bom tempo.
Apesar das dificuldades, em Îbàrà é necessário dividir o que se tem, sendo pouco ou muito. Esse
espírito solidário baseia-se numa outra particularidade desse Odù, o desapego. Aí ocorre um paradoxo e
aparece um considerável traço de espiritualidade em Îbàrà, pois apesar de ser um Odù onde há esforços
para a manifestação da prosperidade, há também a idéia do desapego aos frutos de tais esforços. É como
se o objetivo das dificuldades fossem gerar no Espírito a força de vontade, o sentido de luta, perseverança e
a autoconfiança. Mas uma vez atingidos tais objetivos, não há motivos para chafurdar no materialismo que
pode nascer da prosperidade. Seria o mesmo que dar um passo à frente e dois para trás, espiritualmente
falando.
Mesmo havendo tantas dificuldades nos caminhos de Îbàrà, há também a vitória, a certeza de
conquistas e de realização do que se almeja. É óbvio que tal vitória é o último estágio de um caminho difícil
e muitas vezes angustiante, mas o que importa é que ela estará lá, como um prêmio pela perseverança. Esse
potencial para a vitória e prosperidade é que fizeram de Îbàrà o mais popular Odù no Brasil, embora pareça
haver um certo desconhecimento de seu lado dificultoso. É provável que o tradicional presente a Îbàrà
tenha em vista rogar a esse Odù que não permita que as privações, que ele conhece tão bem, se
manifestem. Mas para atingir a vitória será necessário desenvolver a aceitação pelo que é oferecido. Como
já foi visto, as oportunidades são escassas em Îbàrà, daí a importância de aceitar qualquer coisa que atenue
as dificuldades inerentes a esse Odù. Também é necessário salientar que a vitória já abordada poderá ter
melhores chances de ocorrer num novo âmbito de ação, simbolizada pelas constantes mudanças de cidade
por parte de alguns personagens que aparecem nos ìtan de Îbàrà.
Uma das dificuldades mais comuns em Îbàrà são as dívidas. Elas aparecem com considerável força
em seus caminhos; logo é absolutamente desaconselhável que sob esse Odù se assuma compromissos
financeiros que não possam ser saldados em curto prazo, pois em Îbàrà também há chances de ocorrerem
perdas, impossibilìtando a pessoa de honrar seus compromissos. Sob esse Odù será preciso prudência, pois
as coisas podem piorar abruptamente. Essa tendência a perdas traz à tona outra necessidade de Îbàrà, a
previdência. Semelhante à formiga da fábula, é necessário trabalhar muito e se preparar para o inverno, que
em Îbàrà pode ser bastante rigoroso. Gastos desnecessários e supérfluos são um sacrilégio perante esse
Odù, o que torna indispensável ter os pés no chão e um espírito previdente, poupar e economizar,
aguardando por dificuldades que dificilmente não virão.
Em relação à vida familiar, casamentos e filhos aparecem nos caminhos de Îbàrà. No que diz
respeito ao primeiro, há uma clara orientação para a permanência de um casamento em crise, pois em dois
é mais fácil vencer as dificuldades da vida. A vida familiar tem uma certa força em Îbàrà, sendo
desaconselhável terminar um casamento. Apesar desses detalhes, é importante salientar as consideráveis

192
chances de turbulência que podem ocorrer numa união conjugal, pois tal possibilidade está claramente
retratada nos caminhos desse Odù que abordam esse assunto.
Em relação ao comportamento pessoal, há algumas mensagens claras de Îbàrà. O Odù aconselha
a ser honesto, educado, tratável, humilde, simples, paciente, respeitoso, não ter dúvidas, ter vontade firme,
ter honra e saber ouvir. A observação desse comportamento favorecerá a diminuição dos aspectos
negativos e uma potencialização dos aspectos positivos desse Odù.
Outra característica de Îbàrà é a emancipação. Em muitos casos será melhor viver por contra
própria, sem depender diretamente de ninguém. É óbvio que tal emancipação favorecerá em muito a
autoconfiança, vital para o sucesso sob esse Odù. Tende a favorecer também a realização de aspirações
pessoais, pois tais aspirações (sejam profissionais, emocionais, etc.) também são comuns em Îbàrà.
Há um certo lado perigoso de Îbàrà, que costuma influenciar na saúde física e mental. São
aconselháveis constantes cuidados com a saúde, que pode sofrer abalos. Além do mais, são consideráveis
as chances de aparecerem inimigos, desconfianças, feitiços e traições. Em determinados momentos há de se
considerar a proximidade de Ìkú, que também aparece nos caminhos desse Odù. Também é provável que
situações complicadas, de difícil resolução se apresentem. Nesses casos o poder de persuasão será
imprescindível, pois o mesmo está presente em alguns caminhos de Îbàrà, salvando os personagens em
perigosas situações ou grandes dilemas.
Um desequilíbrio acentuado de Orí pode levar a erros de discernimento e à ignorância de leis
espirituais. Tais desequilíbrios poderão ser encarados como um mau presságio, pois jogam a pessoa numa
situação espiritualmente muito difícil. É necessário estar atento a possibilidade da descrença. Um
comportamento como o já citado tende a diminuir essas más tendências.
São constantes as aparições do preto nos ëbö de Îbàrà. O preto no ocultismo simboliza (entre
outras coisas) os segredos da natureza ainda inacessíveis aos homens, não sendo à toa que tal cor esteja
relacionada a Ìyá Odù, Îrúnmìlà, Èñù, Onilý, etc. A idéia que fica é que quando ele (o preto) aparece, é
momento de reajustes das ações pretéritas; dolorosos, mas necessários, sendo então muito importante a
aceitação dinâmica e positiva de eventuais sofrimentos, em nome da espiritualidade. O àiyé não é um
mundo perfeito, embora tenha potencial para tal. De uma maneira bem sucinta, Îbàrà é o melhor exemplo
de tal pensamento.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Îrúnmìlà
b) Èñù
c) Îsànyìn
d) Orí
e) Òñàlá
f) Ògún
g) Ìbejì
h) Ajogún
i) Ñàngó *(a presença de Ñàngó ou Egún nesse Odù carece de consultas vide comentários sobre o ëbö do caminho 14).
j) Egún**

193
Presente a Îbàrà

Cento e vinte búzios


Uma galinha preta
Um pombo preto
Um òkété
Uma moranga
Inhame
Miçangas
Comidas (a definir)
A roupa que estiver usando, etc.

Îbàrà 1

Em tempos imemoriais Îbàrà morava numa floresta e numa clareira plantava a lavoura que
garantia sua sobrevivência. Certa vez ele resolveu consultar Ìfá, desejoso de saber o que poderia ser feito
para que sua lavoura fosse farta e próspera. Para que atingisse seus objetivos, Îbàrà foi aconselhado a
oferecer um ëbö. Depois que fez sua oferenda ele dedicou-se ao plantio de sua lavoura. Plantou batata-
doce, inhame, mas a única coisa que tinha para comer até que sua lavoura brotasse eram feijões tostados. A
essa altura um caçador adentrou na floresta em que Îbàrà vivia. Ele teve a sorte de conhecer Olúgbò (senhor
da floresta), que de imediato se compadeceu com a extrema pobreza do caçador. Para reverter a má sorte
do caçador, Olúgbò o presenteou com várias morangas. Eram seis ao todo e uma delas continha várias jóias
e pedras preciosas em seu interior, propositalmente colocadas por Olúgbò. Depois de receber as morangas
o caçador partiu, mas não comeu nenhuma delas, porque não gostava do sabor. No meio da floresta ele
encontrou Îbàrà, que lhe ofereceu os feijões tostados que tinha para comer. O caçador se serviu dos feijões
junto com Îbàrà, e em gratidão lhe deu as morangas que não gostava, sem saber o que existia no interior de
uma delas. Depois disso o caçador partiu, e os feijões que Îbàrà tinha para comer acabaram em pouco
tempo. Ele começou a comer as morangas, uma de cada vez, economicamente. Foi a última moranga que
ele abriu que lhe revelou as jóias escondidas por Olúgbò. Îbàrà enriqueceu, mas ainda assim plantou as

194
sementes das outras morangas, pois o dia de amanha só a Deus pertence. Enquanto isso o caçador voltava
a encontrar Olúgbò na floresta. Ao ver que o caçador continuava sujo e mal vestido, Olúgbò perguntou o
que havia acontecido com as morangas por ele presenteadas. O caçador explicou que as havia dado a Îbàrà,
pois não gostava de abóboras. Contrariado pela atitude do caçador, Olúgbò determinou que a partir
daquele dia nenhum caçador encontraria riquezas, pois não sabiam lidar com elas. Îbàrà dançava e
regozijava em sua riqueza, enquanto o caçador teve que continuar sua vida de dificuldades.

"Devemos construir um armazém para o dinheiro que virá. Devemos comprar roupas novas
para as crianças que chegarão". Esse é um caminho de Îbàrà onde a prosperidade está presente, embora
possam ocorrer privações iniciais. Tal passagem também exprime a idéia de preparar-se adequadamente
para as alterações benéficas que acontecerão na vida. De uma certa forma, evidencia a necessidade de
previdência, planejamento e organização.

"Isso é quando Òrìñà fala de uma bênção na lavoura. Ele começou a arar sua lavoura". O ìtan diz
que a prosperidade chegou para Îbàrà de uma forma completamente inesperada; ou seja, através do
presente de uma pessoa que ele mal acabara de conhecer. Mas a passagem acima evidencia a importância
que o trabalho terá para que o consulente possa de fato prosperar. É bom ter em mente que o caçador que
deu as morangas a Îbàrà só o fez em forma de gratidão, pois Îbàrà havia matado sua fome com os alimentos
que cultivava em sua lavoura. Essa é a razão pelo qual deve-se considerar a importância que o trabalho terá
para a prosperidade quando Îbàrà aparecer nesse caminho de Odù.

"Ólúgbó pegou cinco morangas com contas e as deu ao caçador". Apesar das dificuldades
inerentes a quase todos os caminhos de Îbàrà, sempre aparece uma oportunidade para a reversão da
situação. Essa oportunidade deve ser aproveitada, pois talvez não se repita.

"Îbàrà convidou o Caçador para sentar-se, e os dois comeram feijões juntos". Apesar de suas
dificuldades, Îbàrà não hesitou em dividir o pouco que tinha. Isso é algo em que refletir, pois é uma
evidência de generosidade, desapego e compaixão. É bom que fique claro que foi graças à atitude caridosa
de Îbàrà que o caçador lhe deu as morangas com riquezas. Tal fato evidencia que a conduta pessoal do
consulente no que diz respeito à bondade e caridade, favorecerá para que as bênçãos expostas no ìtan
possam de fato se realizar.

"Îbàrà agradeceu. Mas ele não tocou nas morangas durante seis dias". No início do ìtan é dito
que Îbàrà tinha uma lavoura onde plantava feijões, batata-doce e inhame. Mesmo depois de receber as
morangas do caçador, Îbàrà só as comeu quando suas outras provisões haviam terminado. Esse fato mostra
a importância de saber poupar, de não esbanjar nenhum recurso material desnecessariamente. Mais à
frente aparece "Então ele pegou as sementes dessa abóbora, e as plantou perto de sua choupana". Essa
outra atitude de Îbàrà aconteceu depois que ele havia descoberto as riquezas dentro das morangas. Ou
seja, mesmo depois de já estar rico, Îbàrà foi plantar as sementes da moranga, para poder comê-las num
outro dia. Tal atitude evidencia o caráter econômico e previdente de Îbàrà, que certamente são aplicáveis à
vida do consulente.

195
"Ólúgbó disse, 'Há! Nunca mais você será rico novamente'. É por isso que os caçadores da
floresta não são ricos". Quando o caçador deu as morangas para Îbàrà, ele abriu mão da oportunidade de
reverter sua situação de dificuldade. Como já foi dito, não se pode desperdiçar oportunidades trazidas por
esse Odù, pois é possível que as mesmas não se repitam no futuro.

"Îbàrà tornou-se rico. Ele ficou muito abastado". Essa passagem mostra que apesar das
dificuldades expostas pelo ìtan, esse é um caminho de Îbàrà que traz vitória e prosperidade. Um importante
fato a considerar é que sem as atitudes bondosas, Îbàrà não teria recebido as morangas do caçador. Isso só
confirma o fato de que a bondade tende a abrir da pessoa que se encontra sob a influência desse Odù.

"Se lhe derem coisas boas, não diga que não são boas; se comprarem coisas boas, não as recuse
com raiva". Em Îbàrà deve-se aceitar aquilo que é oferecido, pois muito provavelmente aquilo que é
considerado insignificante pode vir a fazer falta. Nesse Odù é preciso gratidão e previdência.

Ëbö

Doze búzios
Seis galinhas.
Seis pombos.
Um tecido preto.

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é relativamente simples. O que merece destaque é o tecido. Sempre que tal elemento
está presente num ëbö, é prudente verificar se há alguma relação com os filhos ou com a ancestralidade do
consulente.

b) Além da oferenda acima prescrita, no ìtan também aparece: “O que se deve fazer para ter
dinheiro? Uma abóbora mágica é o que se deve fazer". Essa oferenda composta por uma moranga
especialmente preparada é muito popular no Brasil. Apesar de não ter sido esse o ëbö feito por Îbàrà no
ìtan, o bom senso indica que não há razões para que a oferenda de uma “abóbora mágica” não seja feita
em nome do auxílio ao consulente, desde que Ìfá confirme tal possibilidade e que o awolòrìñà saiba como
fazer.

c) O ëbö foi feito por Îbàrà, "Para que desse tudo certo em sua lavoura". Ou seja, tal oferenda visa
favorecer o consulente em suas questões profissionais. O importante é não esquecer que a grande
prosperidade desse Odù não vem do salário, e sim de outras oportunidades que surgirão através do âmbito
profissional e da generosidade.

196
Îbàrà 2

Nos primórdios da criação, Îdán (uma grande árvore africana) era solteira, mas procurou Ìfá na
esperança de reverter esse quadro. Òde (o espaço aberto) também era solteiro, e assim como Îdán procurou
um babalawo, pois sua vida não estava como ele gostaria que estivesse. Ambos fizeram o ëbö que foi
recomendado, e em pouco tempo se conheceram e casaram. Os adivinhos voltaram a dizer a Îdán que ela já
havia feito oferendas por um lar, mas que seria necessário fazer oferendas por filhos, para que esses não
nascessem àbìkú. Îdán achou desnecessárias tais oferendas, e acabou não as fazendo. Passou algum tempo,
e elegante e espaçosamente Îdán se colocava à entrada da cidade. Quem quer que lá chegasse, quer fosse
enià (ser humano), Egún ou Òrìñà, imediatamente procurava pela refrescante sombra de Îdán. Também os
mercadores sempre preferiam fazer seus negócios aos pés de Îdán. Com o passar do tempo as pessoas que
encontravam Òde comentavam que sua esposa era mais importante que ele. Um sentimento de inquietação
tomou conta do coração de Òde, até que ele decidiu divorciar-se. Apesar da atitude de Òde, todos os
visìtantes e comerciantes que chegavam à cidade continuavam a se reunir sob a proteção de Îdán.
Percebendo que seu divórcio não lhe trouxe nenhum benefício, Òde procurou aproximar-se de Îdán e pediu
que alguns amigos a comunicassem sobre seu desejo de reconciliação. Îdán disse que se Òde quisesse
reatar, ele que viesse conversar com ela. Não tendo opção, foi isso o que fez Òde. Eles se acertaram. O
interior de cada um estava calmo; a vida do casal estava em ordem. Enfim conseguiram viver em
tranqüilidade.

"Îdán era uma mulher que não tinha marido. Òde não tinha esposas. O que ele deveria fazer
para que pudesse ter um marido? O que Òde deveria fazer para que pudesse ter uma esposa?" Îdán é
uma árvore muito grande, e Òde é o espaço aberto. Um corresponde às necessidades do outro. O
casamento é a força desse caminho de Îbàrà. No ìtan aparece a clássica citação: "Òrìñà fala de uma bênção
de esposas". Tal passagem apenas reforça o fato de que relacionamentos afetivos estarão presentes quando
esse caminho de Îbàrà aparecer.

"Se fazemos oferendas por um lar, devemos oferecer um ëbö por filhos, para que esses não
nasçam como àbìkú". Aqui está expresso o grande perigo desse caminho de Îbàrà: o nascimento de àbìkú
na família. No restante do ìtan não há mais nenhuma citação dessa natureza, mas a prudência pede para
que todos os cuidados possíveis sejam tomados a esse respeito, pois possivelmente o Orí dos envolvidos
poderá atrair um àbìkú para suas vidas.

197
“Îdán disse, ‘O quê? Agora que nós estamos juntos, não conseguiremos ter filhos?’ Então
Îdán não fez o ëbö”. Não fazer as oferendas prescritas é um clássico sinal de ignorância espiritual, e em
alguns casos, até de desrespeito ante o sagrado. Invariavelmente os personagens que assim agem
encontram problemas. No caso de Îdán é preciso salientar que pouco tempo depois seu casamento foi alvo
de intrigas, vindo quase a perecer em face de desentendimentos vários. Também merece destaque o fato
de não haver as clássicas citações sobre filhos; citações essas que sempre estão presentes quando o fator
casamento é citado nos ìtan. Apesar de no final Îdán e Òde se acertarem, a ausência de filhos pode indicar
relacionamentos incompletos, ou ao menos não tão felizes quanto o esperado. Se tal fato se confirmar, é
possível que a causa do mesmo sejam atitudes espiritualmente equivocadas por parte de um dos cônjuges,
senão de ambos. De uma forma geral o comportamento de Îdán anuncia perigos, que mais cedo ou mais
tarde repercutirão nos relacionamentos do consulente.

"Òde, Îdán é mais importante que você". Òde tomou a decisão de divorciar-se de Îdán por
acreditar que ela estava se sobrepondo a ele em importância. Graças a esse detalhe do ìtan existem vários
fatos a serem considerados. O primeiro evidencia a possibilidade de disputas dentro do casamento, que
podem levar ao rompimento da união. Um segundo fator a ser considerado é a possibilidade de
preconceitos descabidos, pois a atitude de Òde não se encaixa à realidade de nossos dias. Por último
merece destaque o fato de que foram outras pessoas que chamaram a atenção de Òde para o sucesso da
esposa, evidenciando a possibilidade de terceiros influenciarem negativamente a vida do casal em questão.
O importante é salientar que todas as possibilidades são consideravelmente negativas.
"Mais tarde, se Egún aparecesse, ele visitava Îdán. Se os Òrìñà queriam fazer algo, eles visitavam
Îdán. Se os mercadores quisessem realizar algo em suas vidas, eles visitavam Îdán". Essa é a passagem
que evidencia o maior destaque de um dos cônjuges na questão. O importante é ter em mente que é
exatamente tal sucesso que poderá acarretar o fim do casamento. A passagem que diz: "Então Òde
divorciou-se de Îdán" mostra que apesar do casamento ser a força desse caminho de Îbàrà, são grandes as
chances de ocorrerem sérios problemas matrimoniais. Òde não suportava a idéia da popularidade e o
sucesso de Îdán, e essa postura retrógrada (para nossos dias) culminou com o fim do casamento.

"Ìfá diz que essa pessoa não deve divorciar-se de sua esposa com raiva, para que sua fortuna
não vá embora". Esse parece ser o típico caso onde ao divorciar-se a pessoa tem um considerável
decréscimo de seu padrão de vida, embora não se possa negligenciar o aspecto metafórico de "fortuna",
que sob outro ponto de vista poderá ser entendida como "felicidade". De qualquer forma, mesmo que haja
desavenças, a separação é desaconselhável nesse caminho de Îbàrà, pois repercutirá diretamente no bolso
de um dos envolvidos (possivelmente o próprio consulente).

"O que Òde deveria fazer? Disseram que ele deveria reatar com Îdán. Ela disse, 'O quê? Não foi
ele que se divorciou de mim? Então ele que venha me pedir". Mesmo que haja tentativas de reconciliação,
a harmonização não será nada fácil. Mas as dificuldades da questão não deverão desestimular os esforços
em nome da harmonia. A paciência, portanto, deverá imperar nessas horas.

198
"A vida de Îdán estava boa, e interiormente ela estava bem". O ìtan mostra que após a
reconciliação as coisas voltaram a ficar em ordem. Esse fato apenas reforça a idéia de que o casamento é o
ponto de equilíbrio nesse caminho de Odù.

"Ìfá diz que uma bênção de lar virá". A constituição de uma família (ou a continuidade da mesma)
parece ser muito importante nesse caminho de Îbàrà. É evidente que a vida familiar deverá ser fortalecida
quando Îbàrà aparecer nesse caminho. Por uma questão de prudência, deve-se levar em consideração a
possibilidade do consulente não ter um lar fixo, ou ainda, estar correndo o risco de perder sua casa. É óbvio
que se Îbàrà se manifestar em seus aspectos positivos nesse caminho, as chances de resolver
satisfatoriamente esse último detalhe é considerável.

Ëbö

Doze búzios
Uma galinha preta
Uma roupa preta

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas no ëbö evidencia a necessidade de maleabilidade de personalidade, para


que os problemas narrados no ìtan não aconteçam ou tenham minimizadas as conseqüências. Alguma coisa
no jeito de ser do consulente (ou da outra pessoa envolvida) deve ser alterada, para que as bênçãos citadas
no ìtan possam de fato se manifestar.

b) O ëbö foi feito para que tanto Îdán como Odè encontrassem alguém para se casarem. Logo,
está diretamente relacionado à solução de problemas de ordem sentimental.

Îbàrà 3

Quando esse mundo ainda era novo, Tûtûrègún consultou os adivinhos para saber o que poderia
ser feito para prosperar. Os adivinhos disseram que ele deveria pegar as águas de Olókun, que era seu
senhor, e oferecê-las como ëbö. As águas de Olókun deveriam ser vertidas num rio, até que o rio subisse e
molhasse o corpo de Tûtûrûgún, pois dessa forma ele prosperaria. Tûtûrègún achou esse trabalho muito
difícil de ser realizado, e resolveu não fazê-lo. Passou-se um tempo e Tûtûrègún começou a secar e secar.
Desesperado ele correu aos adivinhos, que viram o mesmo Odù e lhe recomendaram os mesmos preceitos.

199
Convencido de que não havia jeito, Tûtûrègún pegou uma cabaça e com ela puxou as águas de Olókun,
vertendo-as num pequeno regato. Um bom tempo passou até que a maré subisse, fazendo transbordar o
pequeno regato, que por sua vez molhou todo o corpo de Tûtûrègún, impedindo que ele secasse até a
morte. Em pouco tempo Tûtûrègún começou a prosperar e ter filhos em sua vida. Feliz ele cantava ao
mundo que havia apanhado as águas da riqueza, da prosperidade, dos filhos e de todas as bênçãos.

"Consultaram Ìfá para Tûtûrègún, quando ele estava indo puxar as águas de riqueza de Olókun,
que era seu senhor". O ìtan fala de Olókun, riquíssima divindade dos oceanos. O mar era na antiguidade um
símbolo da natureza material, que contém em si mesma o germe de todas as combinações da matéria.
Logo, toda a riqueza material estaria potencialmente simbolizada pelas águas do oceano. Daí não ser
surpresa que muitos mitos coloquem Olókun como uma divindade muito rica, que teria inclusive dado
origem às riquezas de Òñùmarè. Outras divindades iorubanas diretamente relacionadas à riqueza também
possuem fortes ligações com o elemento água (Îñun, Ajè Ñalúgà, etc.).

"Esse trabalho para Olókun, eu não posso fazer". É óbvio que ir buscar água do mar numa cabaça
e vertê-la num rio não é uma tarefa fácil, e foi exatamente esse o trabalho que Ìfá aconselhou a Tûtûrègún.
Mas em Îbàrà as oportunidades são escassas, devendo ser aproveitadas assim que aparecem. A maior prova
da escassez de opções em Îbàrà é que Tûtûrègún voltou a consultar Ìfá e obteve a mesma resposta. Pode-se
até dizer que Tûtûrègún teve sorte ao receber uma nova chance, algo incomum em Îbàrà. Também merece
destaque o fato de que a água do mar que Tûtûrègún devia ir buscar era parte integrante do ëbö prescrito.
Ou seja, Tûtûrègún recusou-se a fazer a oferenda, devido ao trabalho que teria para tal. Esse pormenor
pode indicar indolência, além de uma considerável ignorância espiritual. Um outro fator que merece
destaque é o trabalho, pois esse parece ser um elemento indispensável para que a prosperidade em
questão de fato de manifeste.

"Tûtûrègún estava secando, e secando". Essa passagem mostra o que começou a acontecer com
Tûtûrègún assim que ele recusou-se fazer o ëbö prescrito. Tal fato mostra que ao negar-se a agir com
retidão espiritual, essa pessoa poderá esperar por consideráveis dificuldades em sua vida, que
caracterizarão o "secar" citado no ìtan.

"Ele começou a pegar as águas ao meio dia. Uma nova manhã chegou; e depois de um longo
tempo, o mar derramou-se no corpo de Tûtûrègún, e Tûtûrègún estava frio e começou a ter filhos". É
importante ter em mente que para o ioruba a palavra "Frio" muitas vezes tem um significado diferente do
português. Em casos como esse, "Frio" significa tranqüilo, equilibrado e benéfico. O mar derramando-se
sobre Tûtûrègún evoca a idéia de considerável prosperidade, com já foi visto alhures. Merece destaque o
fator tempo citado no ìtan. É provável que devido sua postura inicial de recusa perante a espiritualidade,
essa pessoa tenha feito por merecer um considerável período de expiação. É importante que fique claro que
as bênçãos prometidas por Îbàrà nesse caminho só se manifestarão após um período de trabalho e
consciência espiritual.

200
"Nós estamos gritando, Ògún!" Essa citação sobre Ògún talvez seja uma forma de obter
oportunidades e caminhos abertos, pois aparentemente não há relação de Ògún com esse caminho de
Îbàrà.

"Não enraiveça as pessoas". Essa passagem parece não possuir relação com o ìtan, a menos que
consideremos enraivecer alguém o ato de recusar uma oportunidade de ascensão material, que foi
exatamente o que Tûtûrègún fez inicialmente. De qualquer forma não deixa de ser um sábio recado que
deve prudentemente ser seguido.

"Òrìñà fala de uma bênção de riquezas, de filhos e de vida longa". Essa passagem faz desse
caminho de Îbàrà um Odù benéfico. A presença de Olókun evidencia que a prosperidade de fato se
manifestará, desde que o quadro mental que levou o personagem a negligenciar o ëbö inicialmente não
prevaleça sobre o bom senso. Já a citação sobre filhos abre um grande leque de opções interpretativas,
sendo todas elas benéficas, como realizações pessoais, conquistas e felicidade.

Ëbö

Doze búzios
Uma cabaça
Uma galinha
Água do mar

Comentários sobre o ëbö

a) A presença da cabaça relembra sua função no ìtan: servir de instrumento de trabalho a


Tûtûrègún. O trabalho é necessário para a solução dos problemas nesse caminho de Îbàrà. Também pode
ser considerado como um aviso, para que o consulente não esqueça que "secar" é o que pode lhe
acontecer, se optar por uma atitude indolente e espiritualmente irresponsável. A cabaça também deverá ser
utilizada como recipiente para a água do mar.

b) Pela presença de Olókun no ìtan, é aconselhável que tal ëbö deva ser feito no mar. Também
deve-se levar em consideração que foram as águas de Olókun que deixaram Tûtûrègún "Frio". É possível
que o banho de mar (preferencialmente numa foz de rio) traga consideráveis benefícios ao consulente.

c) Tûtûrègún fez o ëbö para que pudesse prosperar em sua vida, o que faz da prosperidade o
principal motivo de tal oferenda.

201
Îbàrà 4

Houve uma ocasião em que as coisas estavam muito difíceis num reino chamado Îfà. A vida de
todos eles estava atribulada, todos estavam muito tristes. Os ògùn (preparos medicinais) que eles faziam
não funcionavam. Os ëbö que eles faziam não davam resultados, pois estavam sendo devorados por uma
galinha-d’angola branca. Lifà (o rei de Îfà) resolveu consultar um adivinho, cujo nome era Îfà Nkï. O
adivinho estava emaranhado em dívidas, e disse ao rei que consultaria para ele, se previamente o rei lhe
pagasse doze búzios para saldar sua dívida. O rei emprestou o dinheiro a Îfà Nkï, que deixou seu ìrùkû como
garantia de pagamento. Após pagar suas dívidas Îfà Nkï retornou e consultou Ìfá para rei. Ele viu o que
estava acontecendo e aconselhou ao monarca dar de comer às estradas que levavam a Îfà Majî. O adivinho
também falou sobre a galinha-d’angola, que deveria ser abatida e levada à casa de Ògún. O rei fez a
oferenda prescrita e dividiu-a em seis partes, que era o número de estradas que levavam até Îfà. Seus
seguidores abateram a galinha-d’angola com uma flecha. Levaram-na a casa de Ògún e lá dividiram seu
corpo em seis partes. É por isso que o rei de Îfà não come galinha d’angola até hoje. Depois de todos esses
preceitos a vida em Îfà Majï mudou por completo. Os ògùn passaram a funcionar, os ëbö passaram a surtir
efeito. A cidade se acalmou e eles começaram a ter filhos e dinheiro, e também passaram a contar com um
futuro repleto de realizações e felicidade.

"Consultaram Ìfá para Îfà Màjö, que estava chorando por bênçãos. O povo de Îfà estava triste. A
vida deles estava atribulada. Eles ofereciam ëbö, mas os resultados não chegavam. Eles faziam ògùn
(infusões medicinais), mas os ògùn não funcionavam. Eles fizeram oferendas para os Egún da casa.
Fizeram oferendas para as deidades de fora". Os esforços infrutíferos de Ölöfá sugerem um caminho de

202
frustrações e dificuldades. Mesmo que haja esforços para a reversão da situação, é provável que esses sejam
infrutíferos, se as demais informações trazidas por Îbàrà nesse caminho não forem seguidas.

"Îfà Nkï havia penhorado seus serviços por doze búzios. O que ele poderia fazer para que
pudesse pagar suas dívidas?". Esse é mais um caminho de Odù em que o consulente pode se identificar
com mais de um personagem. A primeira informação diz respeito a dificuldades e frustrações em geral,
vividas por Ölïfà e todo o povo de Îfà Majî; mas essa última passagem evidencia a seria possibilidade de
dívidas nesse Odù. Caberá ao awolòrìñà definir qual dessas dificuldades (se não for as duas) diz respeito à
realidade do consulente.

"Você Ölïfà, eu toco minha cabeça no chão. Doze búzios são o que você deve pagar. Ölïfà disse,
‘Tudo bem’. E colocou os doze búzios no chão. Isso é quando Ìfá diz que qualquer um que conviver
com essa pessoa, ela o influenciará". Quando o babalawo encontrou Ölïfà, imediatamente percebeu que
aquela seria a oportunidade para conseguir o dinheiro suficiente para pagar suas dívidas. Tal fato evidencia
que surgirá oportunidade semelhante na vida do consulente, e que ele deve estar muito atento para não
deixar tal oportunidade passar. A continuidade da informação trazida no ìtan, acrescida ao esforço do
babalawo em convencer o rei a lhe fazer um empréstimo, evidenciam a importância que o poder de
persuasão terá quando Îbàrà se manifestar nesse caminho.

"Havia uma galinha-d’angola branca, que comia os ëbö que o rei vinha fazendo; de forma que
os ëbö não surtiam efeito". Galinha-d’angola é um animal ligado à saúde física, além de ser obrigatória
sua presença em consagrações mais complexas. Esse mesmo animal, frustrando a expectativa da oferenda,
pode ser uma alusão a problemas de ordem física ou espiritual. Seriam prudentes consultas nesse sentido,
tendo por base o fato de que tal animal, especificamente nesse caso, é sinônimo de perdas e frustrações.

"Eles cortaram a galinha-d’angola em pedaços e a levara para a casa de Ògún". A presença de


Ògún nessa passagem parece uma evocação a caminhos abertos. As oferendas feitas pelo rei foram
deixados nas estradas que levavam à cidade de Îfà. Ora, estradas estão intimamente relacionadas a Ògún,
que é chamado de Àsíwàjú, "O que vai à frente". Oferecer tal animal a Ògún, dentro desse contexto, é uma
evidente forma de rogar por "caminhos abertos".
"A cidade de Îfà estava tranqüila. Eles estavam tendo filhos; estavam tendo dinheiro; seus ëbö
estavam fazendo efeito; seus ògùn estavam funcionando; todas as coisas que começavam eram
completadas". Após o ëbö e a oferenda a Ògún, a tendência é que as coisas melhorem em todos os
sentidos; pois esse é mais um caminho de Îbàrà onde há vitória, embora possa haver dificuldades iniciais.

Ëbö

Cento e vinte búzios


Seis pombos
Seis galinhas

203
Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de búzios pode ser uma forma de evocar fartura e prosperidade, além de
indicar que esse ëbö deve ter um pagamento diferenciado em relação a outros.

b) Como ensina o ìtan, esse ëbö deve ser dividido em seis estradas, em partes iguais. Caminhos
abertos parece ser a grande necessidade desse caminho de Îbàrà.

c) O ëbö não estará completo sem uma oferenda de galinha-d’angola a Ògún, que também
deverá ser dividida em seis partes. Muito provavelmente essa ave deve ser branca, pois essa era a cor da ave
que comia os ëbö de Ölïfà.

d) A finalidade de tal ëbö é atrair conquistas, prosperidade e caminhos abertos; além de afastar
frustrações e dívidas.

204
Îbàrà 5

Num passado remoto existiu um homem chamado Akérémìsèlè. Ele estava vivendo com “dois
corações” (num estado de dúvidas e incertezas); eram muitas as suas dores de cabeça; tudo o que vinha
fazendo não surtia resultados. Desgostoso com a situação ele resolveu consultar os adivinhos, e lhe foi dito
que uma bênção estava chegando para ele, mas seria necessário fazer um ëbö, além de fortalecer o àñë de
seu Òkè Ìpînrí. Màjö seguiu as orientações de Ìfá, mas mesmo assim ficava se perguntado se as oferendas
funcionariam ou não. Em pouco tempo as coisas mudaram significantemente para ele. Suas dores de
cabeça sumiram. Os trabalhos que ele vinha fazendo deram resultado. Ele conseguiu dinheiro e filhos. No
meio de tamanha felicidade, Màjö percebeu que suas incertezas eram infundadas, pois a palavra de Òrìñà
sempre se faz verdadeira.

"Ìfá diz que não devemos ter dois corações, que devemos ser simples de coração". "Dois
corações” podem ser livremente interpretados como um estado de dúvidas e incertezas. A possibilidade
de afetação não se aplica ao contexto sugerido pelo ìtan. A própria estrutura do Odù evidencia que tais
dúvidas são infundadas, pois futuros benefícios estão no caminho dessa pessoa. Mas será importante
abandonar o estado de “dois corações”, pois é provável que tal postura dificulte a manifestação das
bênçãos em questão.

"Minha bela peneira, onde eu expunha contas para vender; não devo mais usá-la dessa forma".
Peneiras são usadas para expor mercadorias em feiras ou para se realizar divinação com búzios (àtë). O
mesmo espírito de definição que é necessário para começar a usar um àtë para fins espirituais deve
caracterizar o futuro comportamento do consulente. Levando-se em consideração que o àtë é um elemento
que evoca considerável espiritualidade, deve-se considerar a possibilidade das dúvidas do consulente
abrangerem assuntos espirituais. A citação do ìtan sugere que esse é um momento onde o profano se
separará do sagrado, e o ideal é que as atitudes do consulente estejam em harmonia com novas
perspectivas espirituais em sua vida.

"Ele deveria oferecer comida e bebida a seu Òkè Ìpînrí". O termo Òkè Ìpînrí aplica-se a todos os
ancestrais diretos da pessoa, a seus elementos constitutivos imediatos, e particularmente ao pai e mãe
falecidos. Sob certas circunstâncias e se Ìfá assim o confirmar, Orí, Bára, Òrìñà e o Odù pessoal do indivíduo
poderão participar de tal conceito. Ao refortalecer seu àñë pessoal ficarão mais claros os caminhos do
destino pessoal do consulente. Com tal clareza será menos difícil abandonar o estado de incertezas que
caracteriza esse Odù. Todos os elementos do Òkè Ìpînrí em questão favorecerão um estado de força e sábio
direcionamento. Caberá ao awolòrìñà definir quais elementos deverão ter o àñë fortalecido.

"Disseram que uma bênção estava vindo para ele". A presença de bênçãos no ìtan caracteriza a
positividade desse caminho de Îbàrà. Mais uma vez é bom lembrar que sem a alteração da conduta já

205
citada, provavelmente tais bênçãos não se manifestarão. A própria citação de bênçãos deverá ser vista
como uma evidência positiva que favorecerá o abandono de um estado mental insatisfatório.

"Quando ele ofereceu o sacrifício, todas as suas dores de cabeça e incômodos não voltaram". As
preocupações que tanto mal fazem ao consulente cessarão, se todas as informações trazidas por Ìfá forem
fielmente seguidas. A prudência manda considerar a hipótese do sentido literal da passagem corresponder
à vida do consulente. Nesse caso seria prudente considerar a hipótese de prováveis moléstias físicas,
principalmente dores de cabeça. Independentemente do tipo de moléstia que possa existir, há de se
salientar a eficácia do ëbö em combatê-las. Mas é óbvio que à primeira vista, a interpretação figurada
parece muito mais plausível.

"Todos os trabalhos que ele havia feito sem proveito, tornaram-se aproveitáveis; ele estava
tendo dinheiro e filhos, sua vida estava boa". De forma definitiva essa passagem aponta para os aspectos
positivos desse caminho de Îbàrà, evidenciando a possibilidade de estabilização satisfatória da situação.
Nesse caso fica ainda mais evidente que dúvidas e incertezas não devem infligir o consulente.
"Ûlú não é bom para pilar com inhame". Èlú (Aró) é fundamento que veicula o "preto"; o àñë dos
ancestrais, e por conseqüência a continuidade, além de favorecer para que a bondade de outras pessoas
faça parte da vida de um dado indivíduo. Sua presença no ìtan, mesmo que modesta, aponta para uma
provável mensagem ancestral que a prudência manda investigar. Tal passagem também pode ser
interpretada como um conselho, pois da mesma forma que ûlú não é comestível, será preciso
discernimento para não tomar decisões erradas na vida.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Duas galinhas
Dois pombos
Comidas e bebidas a Òkè Ìpînrí.

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, não carecendo de maiores explicações. O importante é saber que
sem oferendas a Òkè Ìpînrí, tal ëbö não estará completo.

b) A finalidade de tal ëbö é favorecer uma postura decidida do consulente, além de atrair para a
vida do mesmo todas as bênçãos citadas no ìtan.

206
Îbàrà 6

Em tempos imemoriais Îsànyìn desejou prosperar em sua vida. Com esse intuito em mente
procurou um babalawo, que lhe recomendou uma oferenda para que fosse possível atingir seu objetivo.
Îsànyìn fez a oferenda prescrita e depois disso dirigiu-se a Îyï, para trabalhar como curandeiro. Ao chegar lá
o rei recebeu-lhe com desconfiança, achando que ele poderia matar pessoas com seus ògùn (preparos
medicinais). Mas Îsànyìn deixou claro que sua função era curar, e não matar. Como prova curou várias
pessoas em Îyï, que sofriam dos mais diferentes males. Reconhecendo a importância e a capacidade de
Îsànyìn como curandeiro, o rei lhe recompensou com grandes riquezas, cavalos, esposas e escravos; fazendo
de Îsànyìn um homem rico, como Ìfá havia predito.

207
"Eles dançariam, mas deveriam tomar cuidado com suas pernas, para que elas fossem
robustas". Levando-se em consideração o fato dos mitos representarem Îsànyìn possuindo apenas uma
perna; não se pode negligenciar a possibilidade de infortúnios físicos quando esse Odù aparece. Seriam
prudentes consultas nesse sentido.

"Òrìñà fala sobre uma bênção de fora da cidade". Segundo tal passagem, fica evidente que ou o
consulente terá melhores chances de prosperar numa outra cidade (lembrando que Îsànyìn deslocou-se até
Îyï para conseguir prosperar), ou oportunidades vindas de outras cidades chegarão até a vida do mesmo.
Caberá ao awolòrìñà definir tais possibilidades, tendo em mente a importância das mesmas para a sorte do
consulente.

"Galinha-d’angola foi trabalhar e teve dinheiro; porco-espinho foi trabalhar e cumpriu seus
desejos. Eles dançariam, mas deveriam tomar cuidado com suas pernas, para que elas fossem robustas".
Independentemente de que região virá as bênçãos em questão, tal passagem deixa claro que o trabalho
está indissoluvelmente associado aos benefícios inerentes a esse Odù. Devido a tal fato é preciso considerar
que será no trabalho que a pessoa deverá concentrar esforços para sua prosperidade. Mas uma vez é
importante lembrar que Îsànyìn mudou-se de cidade para trabalhar. A citação sobre “pernas robustas”
também merece comentários. Considerando-se o fato dos mitos representarem Îsànyìn possuindo apenas
uma perna; não se pode negligenciar a possibilidade de infortúnios físicos quando esse Odù aparece.
Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Quando Îsànyìn chegou a Îyï o rei lhe disse,'O que pretende fazer aqui, Îsànyìn? Depois o rei
disse, 'Eu pensei que você matasse pessoas com esse seu trabalho’. Îsànyìn disse, 'Eu não mato pessoas,
eu as curo'". No ìtan, o rei recebe Îsànyìn com desconfiança, achando que ele poderia matar as pessoas com
seus ògùn. Devido a tal fato pode-se esperar por resistências no âmbito profissional. Importante salientar
que Îsànyìn superou tais resistências com sua competência. Logo, conhecimento técnico e aptidão
profissional serão vitais para o sucesso nesse caminho de Îbàrà.

"Então o rei de Îyï trouxe uma pessoa com dor de cabeça, e Îsànyìn a curou. Ele trouxe uma
pessoa com dor de estômago, e Îsànyìn a curou. Ele trouxe uma pessoa cujos pés estavam feridos, e
Îsànyìn a curou. Ele trouxe uma mulher que não engravidava, e Îsànyìn a fez engravidar. Ele trouxe uma
mulher que não segurava criança, e Îsànyìn a fez segurar a criança". Essa é a passagem que evidencia a
competência de Îsànyìn, reafirmando a importância do conhecimento técnico para o pleno êxito sob esse
Odù. Apesar de não ser esse o espírito do ìtan, a presença de Îsànyìn somada à citação de tantas doenças,
justifica a necessidade de consultas sobre possíveis males físicos.

"Então o rei fez de Îsànyìn um homem rico. Ele lhe deu dinheiro, escravos, esposas e cavalos".
Aqui estão representadas as principais bênçãos trazidas por Îbàrà nesse caminho. Realização profissional
certamente caberia nessa lista. O importante é ter em mente que uma considerável prosperidade espera
pelo consulente; desde que ele compreenda e siga as demais instruções desse Odù.

Ëbö

208
Vinte e quatro búzios
Duzentas folhas
Uma galinha preta
Um pombo preto
A roupa que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas no ëbö evidencia a necessidade de alteração de conduta ou consciência,


para que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato se manifestar. Deve-se também considerar a hipótese
das roupas servirem como um "despiste" para as prováveis doenças que eventualmente poderão ocorrer
quando Îbàrà aparece nesse caminho Odù.

b) A presença de folhas em ëbö geralmente é uma alusão a ògùn (infusões de folhas), usado na
cura de doenças, em encantamentos e feitiços. Logo será prudente estar aberto a quaisquer umas dessas
hipóteses. Especificamente nesse caminho de Îbàrà, as folhas também evocam a importância do trabalho,
visto que foi através delas que Îsànyìn conseguiu dinheiro e honra.

c) No ìtan aparece: "Ìfá diz que devemos fazer oferendas a Îsànyìn". Devido a tal passagem é
evidente que o ëbö não estará completo sem tais oferendas.

d) Essa oferenda foi feita por Îsànyìn para que ele prosperasse e pudesse gozar de “Uma bênção
de fora da cidade”.

209
Îbàrà 7

Numa certa ocasião de sua existência Òñàlá sentiu a necessidade de consultar Ìfá. Foi-lhe dito que
um grande mal poderia se abater sobre ele e seus filhos, e que para evitar esse infortúnio uma grande
oferenda deveria ser realizada. Como complemento do ëbö, um pote deveria ser colocado num canto de
sua sala, para que todo o mal que pudesse atingir a ele ou aos seus filhos ficasse confinado nesse pote.
Baba seguiu fielmente as orientações do babalawo, e dessa forma conseguiu impedir que qualquer mal se
abatesse sobre sua família. Ìkú não pode matar os filhos de Baba Olópirigidi (Òñàlá); Àrun (a doença) não
pôde incomodá-los. Todos os trabalhos que ele começava a fazer eram completados. Seus filhos cantavam:
“Nosso pai abafou o mal com um pote. Nós não morreremos mais. Ele abafou o mal com um pote, para
que pudéssemos ter filhos e riquezas”.

"Devemos colocar a enxada no celeiro e preparar-nos para sermos ociosos". O trabalho é uma
das principais características de Îbàrà, mas essa citação do ìtan aponta para a possibilidade do mesmo ser
interrompido por doenças, desemprego ou qualquer outra forma de negatividade. No final do ìtan, após
fazer o ëbö prescrito, é dito que Òñàlá pôde concluir todas as coisas que havia começado a fazer. Tal fato
abre a possibilidade de dificuldades para terminar aquilo que se começa, com eventuais prejuízos em todos
os aspectos da vida, especialmente nos profissionais e na saúde.

"A fíbula foi toda comida; e o estômago de quem a comeu se revirou". É impossível deixar de
sentir um certo mal estar ao observar tal passagem. A idéia que a mesma passa é de considerável
negatividade. Não há como negar que de fato há detalhes nesse caminho de Îbàrà que merecem toda a
atenção possível, ainda mais pela citação textual de dois dos mais importantes Ajogún: Ìkú e Àrun.

"Consultaram Ìfá para Baba Olópirigidi". A presença de Òñàlá no ìtan aponta para a subjetividade
de alguns dos perigos desse caminho de Odù. Há de se considerar a hipótese de algum desequilíbrio de Orí
que favoreça a manifestação dos malefícios em questão. Também é possível que através da espiritualidade
(Òñàlá) a pessoa possa ter perspectivas melhores de reversão do quadro de negatividades, deixando de

210
estar aberta aos infortúnios que são inerentes a esse caminho de Odù. Caberá ao awolòrìñà definir a
validade ou não de tais conceitos.

"Ìkú não pôde matar os filhos de Baba Olópirigidi. Àrun não pode incomodá-los". A citação de
dois dos principais Ajogún torna esse caminho de Îbàrà ainda mais perigoso. É óbvio que se todos os
cuidados possíveis não forem tomados, a influência de tais Ajogún se fará presente. Sempre que algum
Ajogún aparece, é prudente consultar sobre a influência de todos os outros, levando-se em consideração
que são dezesseis ao todo.

"Nosso pai abafou o mal com um pote. Nós não morreremos mais. Ele fez isso para que
pudéssemos ter riquezas, filhos e todas as outras bênçãos". As bênçãos citadas no ìtan são a principal
evidência sobre a possibilidade de satisfatória reversão dos perigos e dificuldades. Definitivamente Òñàlá
será o fator de segurança, desenvolvimento e prosperidade quando Îbàrà se manifestar nesse caminho.
Mais à frente aparece no ìtan: "Essa pessoa deve fazer oferendas a Òñàlá", o que mostra cabalmente que
sem o àñë do grande Òrìñà, dificilmente a negatividade da situação será revertida.

Ëbö

Trinta e seis búzios


Uma cabra preta
Uma galinha preta
Um pombo preto
Um pote

Comentários sobre o ëbö

a) Cabras evocam a idéia de abundância e da força da vida. O grande poderio energético da


oferenda evidencia a importância e a urgência em reverter a situação. Seria prudente que Ìfá definisse passo
a passo o procedimento litúrgico para o ofício desse ritual, pois as possibilidades são muitas.

b) Segundo o ìtan, o pote deve ficar na casa da pessoa, num canto, diretamente sobre o chão, para
que o mal que possa aparecer fixe-se nele e não em alguém. Não aparece no ìtan nenhuma espécie de
consagração para o pote, mas não faria mal algum se esse pote fosse consagrado, pois isso potencializaria a
capacidade de funcionar como um "pára-raio". É óbvio que tal possibilidade deverá ser confirmada por Ìfá.
O ìtan não fala o que fazer com o pote depois da oferenda. Abre-se então a possibilidade de despachá-lo
quando se verificar que os perigos citados no ìtan não estiverem mais sobre a pessoa. Mas há também a
possibilidade de mantê-lo na casa, como uma espécie de firmeza permanente contra os Ajogún.
Obviamente será Ìfá que definirá tais pormenores.

d) O ëbö não estará completo sem oferendas a Òñàlá. Caberá ao awolòrìñà definir a natureza das
mesmas. Segundo o ìtan, Òñàlá teve que fazer oferendas de animais pretos. O contato de Òrìñá com um de

211
seus ëwî é uma situação que merece todos os cuidados possíveis, além de ser uma evidência da
negatividade da situação.

f) Esse ûbö foi feito por Òñàlá, para que grandes infortúnios não se abatessem sobre ele ou seus
filhos. Devido a tal fato abre-se a possibilidade de haver algum problema com os filhos do consulente. Na
ausência desses, realizações pessoais se encaixariam no contexto citado.

Îbàrà 8

212
No começo da criação três aves desejaram ter filhos. Eram elas Ëiyëlé (pomba), Ëtú (galinha-
d’angola) e Àpãrò (perdiz). Ëtú e Àpãrò chegaram até a jejuar e esfregar osùn nas paredes, tamanho o
desejo de conseguirem uma prole. Mas ao invés de agir assim, Ëiyëlé procurou um babalawo, na esperança
de que ele pudesse lhe orientar a atingir seus objetivos. O babalawo recomendou a Ëiyëlé fazer um ëbö, em
cuja composição estava presente osùn. Ëiyëlé fez as oferendas que lhe foram recomendadas com extremo
zelo. Obviamente apenas ela conseguiu os filhos que tanto desejava, enquanto as demais aves continuaram
a chorar e sofrer no insucesso. Os filhos de Ëiyëlé nasciam de dois em dois, garantindo sua felicidade e
regozijo.

"Ìfá diz que quando aparece esse Odù, devemos fazer um ëbö devido a nossos filhos". Essa
passagem evidencia que alguma coisa está acontecendo com os filhos do consulente, e que tal
acontecimento merece cuidados. O ìtan não deixa claro o motivo pelo qual tal ëbö deva ser feito, mas é
evidente que tal motivo existe, apesar de não ser possível conhecê-lo de imediato. Toda estrutura do ìtan
aponta uma certa negatividade (vide Comentários sobre o ëbö), que deve ser checada pelo awolòrìñà para
que seja possível resolver cabalmente a questão. No caso do consulente não possuir filhos, é provável que
tal mensagem se aplique a projetos, sonhos e aspirações pessoais.

"Choro por crianças era o que elas estavam derramando. Elas jejuavam, por não terem crianças
para carregar em suas costas". Filhos representam uma grande bênção para o ioruba de outrora.
Costumava-se primeiro rogar aos Òrìñà por irè a Ìkú (bênção de vida longa), e logo depois disso, se rogava
por irè ömö (bênção de filhos), antes mesmo de se rogar pela prosperidade (irè owo); pois se acreditava que
através dos filhos a prosperidade chegaria. O fato de no ìtan os personagens desejarem filhos pode
representar o desejo (ou necessidade) de novas e consideráveis realizações na vida pessoal; além do sentido
literal do texto, obviamente. Esse mesmo desejo aparece constantemente em vários ìtan, e se houver
confirmação de Ìfá, poderão ser interpretados como frustrações, tristeza, sofrimento e um forte sentimento
de que algo importante falta para completar a vida. Merece destaque a parte que fala sobre jejum, o que
será visto no próximo comentário.

"O que Ëiyëlé poderia fazer para que pudesse ter filhos?". Essa passagem representa um aspecto
importantíssimo desse caminho de Odù, que deve ser levado em consideração. No início do ìtan é dito que
tanto Ëtú como Àpãrò também desejavam filhos, mas foi apenas Ëiyëlé que procurou um babalawo e fez o
ëbö que lhe foi recomendado. Esse fato evidencia que apenas desejar não será o suficiente quando Îbàrà
aparece nesse caminho. Será necessário planejar e realmente agir com a finalidade de atingir os objetivos
almejados. Como "consultar um babalawo" também pode ser entendido por fazer esforços em relação à
própria espiritualidade, também há a idéia de que para realizar o que se deseja (quer sejam filhos ou
qualquer outro tipo de realização), o consulente deverá agir semelhantemente a Ëiyëlé, ou seja, procurar
saber de fontes elevadas e confiáveis o que deve ser feito para a resolução de seus problemas. Pela própria
estrutura do ìtan é bem provável que tais fontes estejam no Candomblé. Em relação ao jejum citado no ìtan,
fica claro que esse foi o esforço feito por Ëtú e Àpãrò para conseguirem seus filhos. Obviamente tais
esforços foram infrutíferos. É necessário destacar o comportamento prático e inteligente de Ëiyëlé, que ao
invés de se entregar desnecessariamente a um sofrimento físico, empreendeu esforços sabiamente
direcionados para a resolução de seu problema; a saber, consultar um babalawo. Tais fatores evidenciam a

213
possibilidade de estarem presentes esforços pueris e mal direcionados para a resolução de toda a
problemática. Não basta querer resolver a questão da falta de filhos (e tudo aquilo que tal questão pode
representar), é necessário saber o que fazer.

"Ìfá diz que devemos fazer oferendas a Ìbejì". O ìtan fala que depois que Ëiyëlé fez o ëbö
prescrito, ela começou a ter filhos de dois em dois; daí a influência de Ìbejì na questão. A presença de Ìbejì
nesse Odù não desqualifica necessariamente as possíveis interpretações metafóricas sobre "filhos", mas é
um indício de que o sentido literal da questão é muito mais aplicável, especificamente a esse caminho de
Îbàrà. Ou seja, as possibilidades de gravidez, casamento e formação de família ganham força com a
presença de Ìbejì. Por uma questão de prudência, sempre que Ìbejì aparece no àtë são recomendáveis
consultas específicas sobre qualquer tipo de influência de àbìkú na questão; tendo em vista a relação que há
entre esses e Ìbejì.

"O pèpèlé da casa fica no corredor". Várias são as fontes que afirmam que quando há a
necessidade pessoal de alguém cultuar Ìbejì, tal culto é prestado dentro da casa do próprio indivíduo. A
passagem acima pode ser um indício sobre tal necessidade; e se Ìfá assim o confirmar, será necessário a
montagem de um pèpèlé quando esse caminho de Îbàrà se manifestar. É importante que fique claro que
essa não é uma mensagem textual; logo deverá ser confirmada por Ìfá antes de qualquer atitude nesse
sentido. O que não pode ser olvidado é a importância de oferendas a Ìbejì para a resolução satisfatória das
questões abordadas nesse Odù.

“Usando osùn; usando osùn Ëiyëlé começou a ter filhos”. O ìtan faz constantes citações sobre
osùn, cujos vínculos com fecundidade e surgimento de boas notícias são conhecidos. Ao usar osùn evoca-
se a presença de frutos positivos, acelerando o processo que torna o latente em algo objetivo. Por sua
relação com a fecundidade e pela presença de um roedor no ëbö, seria prudente chegar se há alguma
disfunção física com o consulente; independentemente de essa hipotética disfunção atrapalhar ou não os
projetos do mesmo.

"Ëiyëlé começou a ter filhos. Seus filhos eram incalculáveis". Essa é a passagem que evidencia os
aspectos positivos desse caminho de Îbàrà: realizações e contentamentos. A breve citação sobre o número
dos filhos de Ëiyëlé pode ser um prenúncio de que as bênçãos que chegarão ao consulente serão mais
vastas do que ele imagina. Num determinado caminho de Eji Ogbè, é narrado como a pomba se
transformou num animal doméstico (literalmente "ave de casa"), enquanto àdabà (pomba rola) continuou
sendo considerada silvestre. Em tal Odù fica evidente a prudência e sabedoria de Ëiyëlé, que além de fazer
um ëbö para ter filhos, também fez um ëbö para que tivesse um lugar onde cuidar deles. Apesar de não
haver nenhuma citação no ìtan, talvez fosse prudente verificar se há alguma relação do consulente com a
chamada irè ibùjòkò (bênção de um local onde viver).

Ëbö

214
Doze búzios
Um ëmï
Um pombo
Osùn

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.
Caberá ao awolòrìñà descobrir e definir tal negatividade, tendo por base tudo aquilo que o ìtan, a intuição e
as técnicas de leitura oferecem como informação.

b) A presença de osùn visa a realização daquilo que tanto se almeja. Por estar relacionado à
fecundidade e nascimento (é uma das pinturas de iyàwò), evoca a idéia de surgimento de algo novo e
benéfico. O ìtan fala que assim que os filhos de Ëiyëlé nasceram, ela lhes esfregou com osùn. Também é
conhecido o fato de que uma das funções das pinturas das iyàwò é protegê-las das Àjý. Como há uma certa
negatividade nesse Odù, é provável que o mesmo procedimento deva ser seguido, no caso de alguma
criança estar envolvida com as questões expostas no ìtan, o que é bem provável, devido à presença de Ìbejì
nesse caminho de Îbàrà. Nesse caso ficaria caracterizada a necessidade de iniciação para alguns dos filhos
do consulente. Mais uma vez é importante salientar que como tais informações não são textuais, será
necessária confirmação de Ìfá antes de qualquer atitude a esse respeito.

c) O ëbö não estará completo sem oferendas a Ìbejì. Como tais oferendas não estão prescritas no
ìtan, caberá ao awolòrìñà defini-las, assim como a necessidade ou não de um culto mais profundo a Ìbejì.

d) O ëbö foi feito por Ëiyëlé para que ela pudesse ter filhos. Logo está ligado à fecundidade e
realizações em geral, sempre de caráter benéfico. O aspecto de proteção em relação aos filhos também
deve ser considerado.

215
Îbàrà 9

Houve uma certa ocasião em que Îsànyìn estava com muitas dívidas e foi pedir dinheiro
emprestado a Îrúnmìlà. Îsànyìn conseguiu o dinheiro que precisava, mas Îrúnmìlà disse que ele deveria roçar
sua lavoura em forma de pagamento. Îsànyìn aceitou a proposta de Îrúnmìlà, mas quando chegou na

216
lavoura só encontrou plantas de grande valor medicinal, mágico ou médico. Ele negou-se a roçar as plantas
que encontrou. Depois de seis dias Îrúnmìlà regressou, e viu que sua lavoura continuava intacta. Îsànyìn
explicou que não poderia arrancar plantas tão valiosas, que certamente fariam falta a alguém que realmente
precisasse delas. Uma vez ciente do que possuía em suas terras, Îrúnmìlà mandou Îsànyìn embora,
proibindo-lhe de colher qualquer planta em seus domínios. Graças à colocação de Îrúnmìlà, Îsànyìn não foi
obrigado a pagar pelo dinheiro que havia conseguido. Ele dançava e regozijava, pois havia conseguido o
dinheiro que precisava para saldar suas dívidas, e nem precisou trabalhar por isso.

"Îsànyìn foi pedir um empréstimo a Îrúnmìlà". O ìtan diz que Îsànyìn trabalharia para Îrúnmìlà
para pagar um empréstimo. Graças a esse fato dívidas e dificuldades materiais poderão ocorrer quando
aparecer esse caminho de Odù. Um outro detalhe que precisa ser considerado é que perante a presença de
Îsànyìn em ìtan, sempre é prudente consultar sobre eventuais problemas de saúde.

"Îrúnmìlà disse: 'Minha lavoura. Você a cultivará para mim'. Îsànyìn disse: 'Tudo bem'". Não há
um só mito que coloque Îsànyìn como lavrador; no entanto, essa seria sua ocupação nesse caminho de
Îbàrà. Muitos dos ìtan desse Odù deixam claro que quando as oportunidades aparecem em seus caminhos,
elas devem ser aproveitadas, por mais que à primeira vista pareçam desagradáveis.

"Îsànyìn disse: 'O lugar para onde estou indo, o que posso fazer para que tudo dê certo lá?
Disseram que ele retornaria de tal lugar com bênçãos'". Segundo o mito, Îsànyìn teve que se locomover
até a lavoura de Îrúnmìlà. Graças a esse fato deve-se considerar a possibilidade de mudanças (de cidade, de
emprego, etc.) ocorrerem quando esse caminho de Îbàrà estiver presente. Um detalhe que deve ser
considerado é o fato de que muito possivelmente tal mudança estará relacionada a trabalho ou dinheiro. A
parte que fala de bênçãos evidencia que as mudanças que vierem a ocorrer serão de caráter benéfico.

"Então Îsànyìn não roçou nenhuma delas (ervas medicinais)". Essa passagem é o âmago do ìtan.
Apesar de ter dívidas e precisar trabalhar para pagá-las, Îsànyìn mantêm-se fiel às suas convicções de
curandeiro, negando-se a ganhar dinheiro com a destruição da vegetação que considerava sagrada. A
consciência de Îsànyìn pesou mais que suas dívidas. Graças a esse fato é provável que o consulente se veja à
frente de algo inusitado, que pode lhe oferecer consideráveis benefícios, mas sua consciência deverá ser
ouvida, e com sabedoria ele deverá definir se compensa ou não ir contra suas convicções pessoais.

"Não colha nenhuma dessas ervas em minhas terras". Essas foram palavras de Îrúnmìlà a Îsànyìn,
assim que esse lhe narrou o que havia ocorrido. Tal passagem abre a hipótese de prováveis problemas no
trabalho, mesmo que à primeira vista o consulente tenha boas intenções. O impedimento de Îsànyìn em
cumprir sua parte no trato faz com que a possibilidade de desemprego não deva ser descartada.

"Ìfá diz que uma pequena ocupação é o que essa pessoa deve fazer para enriquecer. Essa
pessoa deve ser completamente devotada ao trabalho que está fazendo”. É muito provável que a
pequena ocupação citada no mito corresponda às aptidões naturais de Îsànyìn, que era um médico e
mágico, não um lavrador. A manutenção de sua ética interna propiciou o desfrute do empréstimo feito por
Îrúnmìlà, sem ter que destruir valiosas ervas. Analogicamente esses fatos podem ser encarados como uma

217
necessidade de retidão comportamental perante novas perspectivas profissionais. Ser é muito mais
importante do que ter, pelo menos numa ótica espiritual. Além do mais, é muito provável que as aptidões
naturais do consulente devam ser colocadas em atividade, para que a prosperidade prometida pelo ìtan
possa de fato se manifestar. É possível que uma atividade profissional que não esteja baseada numa real
aptidão (ou talento) não seja satisfatoriamente rendosa. Não é bom nem imaginar o que teria sido da
humanidade se Îsànyìn tivesse abandonado sua ocupação como curandeiro para ser agricultor. Da mesma
forma que a atividade inata de Îsànyìn era extremamente importante para muitas pessoas, analogicamente
o mesmo pode acontecer com o consulente; daí a importância da devoção à própria ocupação. É preciso
salientar que Òrìñà fala de bênçãos nesse Odù, e eventuais impedimentos profissionais não poderão abalar
a fé daquele que vem buscar orientação.

"Ìfá diz que bênção é o que ele prevê. Ele fala de uma bênção de riquezas e de filhos". Apesar da
possibilidade de dívidas, das dificuldades no trabalho e até mesmo de desemprego, essa passagem
evidencia definitivamente os aspectos positivos desse caminho de Îbàrà. As dificuldades enfrentadas por
Îsànyìn não deverão gerar desestímulo. Da mesma forma que em outros mitos Îsànyìn prospera através de
suas atividades, o mesmo acontecerá com o consulente, se as informações trazidas por Ìfá forem fielmente
seguidas.

Ëbö

Doze búzios
Uma galinha preta
Um pombo preto
Uma roupa preta

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas em ëbö evidencia a necessidade de alterações comportamentais, para


que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato se manifestar.

b) O ëbö foi feito para que se traga bênçãos de algum lugar para onde se vai, e para que surjam as
oportunidades que favorecerão a prosperidade e o saldar de dívidas pessoais.

218
Îbàrà 10

Îrúnmìlà ensinou a arte de Ìfá a muitos. Entre seus discípulos estavam Öká (uma píton) Eré (uma
jibóia) Àkekè (escorpião). Apesar desses três terem aprendido a vaticinar, muitos preferiam se com Îrúnmìlà,
em virtude da fama que o precedia. Num certo dia eles resolvem matar o próprio mestre, lhe armando uma
emboscada no caminho que levava à casa do mesmo. Mas Îrúnmìlà tinha acabado de consultar Ìfá e soube
das intenções de seus inimigos. Quando ele chegou no local onde aconteceria a tocaia, viu seus antigos
aprendizes, que estavam escondidos, prestes a matá-lo com suas presas e ferrões. Então Îrúnmìlà os
amaldiçoou, antes que eles pudessem lhe fazer algum mal. Disse às duas serpentes que elas sempre se
arrastariam pelo chão e que ao vê-las as pessoas desejariam suas mortes. Disse a Escorpião que as pessoas
perfurariam suas costas com varas, depois mostrariam seu tórax ao céu. Dessa forma Îrúnmìlà escapou da
morte precoce.

"Ìfá diz que devemos ser maleáveis. Ìfá diz que devemos ter um coração pacífico; e assim ele
nos ajudará a conquistar nossos inimigos". Apesar da grande força que a inimizade possuiu nesse caminho
de Îbàrà, o ideal seria não confrontar os inimigos que certamente surgirão. É necessário ter serenidade e
respeitosa conduta perante os inimigos, talvez para desencorajá-los em seus perniciosos intentos.
Confrontar duramente tais inimigos possivelmente não resultaria em nenhum benefício, da mesma forma
que seria loucura se Îrúnmìlà decidisse enfrentar duas enormes serpentes e um escorpião venenoso. A
própria presença de Îrúnmìlà no ìtan sugere sabedoria nas ações, visto que Îrúnmìlà, como conhecedor dos
segredos dos Odù, é a personificação da sabedoria.

“Esses três eram alunos de Îrúnmìlà”. O fato dos inimigos de Îrúnmìlà no ìtan terem sido seus
discípulos abre a hipótese dos inimigos de hoje serem os amigos de ontem. De qualquer forma o mais

219
provável é que tais inimigos sejam antigos conhecidos do consulente. Outra possibilidade que merece
destaque é o fato de que como grande Oluwo, Îrúnmìlà era um concorrente direto de seus três inimigos.
Graças a esse fato a possibilidade de dinheiro (ou prestígio, vaidade, inveja, etc.) estar envolvido na questão
deve ser considerada.

"Àkekè escolheu um buraco, onde nascia uma palmeira, e tocaiou-se lá. Öká tocaiou-se na
floresta; enquanto Erè tocaiou-se numa poça de lama". Toda a estrutura do ìtan aponta para a
possibilidade de planos maquiavélicos estarem sendo engendrados às costas do consulente. As constantes
citações de tocais no ìtan tornam esse caminho de Îbàrà consideravelmente perigoso. A prudência manda
que todos os tipos de tocaia sejam considerados, inclusive as típicas tocais de assalto, embora tal
possibilidade não esteja explícita no ìtan. Antigos acertos de contas também não devem ser negligenciados.

"Chegou um dia que Öká disse: 'O veneno que há em minha boca, se tocar em Îrúnmìlà, ele
jamais voltará a si'. Erè disse: 'Se minhas presas tocarem Îrúnmìlà, ele jamais voltará a si'. Àkekè disse: 'Se
eu picar Îrúnmìlà, ele jamais voltará a si'". Merecem destaque as funestas intenções dos inimigos de
Îrúnmìlà. A morte do antigo mestre era aquilo que realmente eles desejavam. Graças a tal fato não seria
exagerado dizer que o consulente estaria correndo o mesmo perigo de Îrúnmìlà; perigo de morte. Pela forte
influência de inimigos nesse Odù, pode-se esperar que os mesmos tenham a ver com tal macabra
possibilidade; mas toda e qualquer forma de morte violenta (e precoce) deverá ser considerada quando
Îbàrà aparecer nesse caminho. Por isso caberá ao awolòrìñà efetuar tudo o que estiver ao seu alcance para
favorecer a segurança do consulente.

"Então ele (Îrúnmìlà) os amaldiçoou". No ìtan, assim que enxerga seus inimigos prontos a lhe
atacar, Îrúnmìlà os amaldiçoa, garantindo através do àñë de sua palavra a morte daqueles que tramaram
contra sua vida. Mesmo que indiretamente, Îrúnmìlà garantiu sua segurança definitiva em relação aos três
traidores. Sob orientação e confirmação de Ìfá, seria prudente tentar saber o que pode ser feito para que a
segurança do consulente seja duradoura.

"Ìfá diz que nos ajudará a conquistar nossos inimigos". Apesar da negatividade desse caminho
de Îbàrà, há uma evidente proteção de Òrìñà na questão. Apesar de não estar explícito no ìtan, tal fato abre
a possibilidade de serem efetuadas oferendas a algum Òrìñà que acompanhe o consulente, com o intuito
de fortalecer e assegurar a proteção citada. Como tal possibilidade não foi recomendada pelo ìtan, é natural
que consultas específicas sejam feitas a esse respeito antes de qualquer decisão final. O importante é
acalmar o consulente, evidenciando-lhe que apesar dos perigos que o mesmo corre, o prognóstico é bom,
pois Îrúnmìlà não chega a ser prejudicado pelos seus inimigos; além do próprio Ìfá estar afirmando sua
posição de segurança nesse complexo caminho de Îbàrà.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Um òkété

220
Um galo

Comentários sobre o ëbö

a) O único detalhe que merece comentários nesse ëbö é a presença de òkété (um tipo de roedor
africano); o que evidencia a perigosa negatividade desse caminho de Îbàrà. Por outro lado esse tipo de
animal também representa abundância sobre a terra, o que evidencia as reais chances do consulente sair
ileso dessa perigosa situação.

b) A finalidade de tal ëbö é garantir a segurança pessoal perante situações que caracterizem
traições ou tocaias.

221
Îbàrà 11

Ûtà (Leopardo) tinha uma grande dívida com Ëkùn (um outro tipo de leopardo), Ìkõkò (hiena) e
Öká (jibóia). Para pagar suas dívidas Ûtà trabalhava para seus credores, o que o obrigava a estar acordado
em momentos que, em outras circunstâncias, estaria dormindo, guardando energias para novas caçadas.
Descontente com sua situação Ûtà resolveu consultar um babalawo, para saber o que poderia ser feito a fim
de resolver a situação. Foi-lhe aconselhado fazer oferendas a seu Orí, convidando algumas pessoas para
comer dessas oferendas. Mas Ûtà era sozinho no mundo, não pertencia a nenhum ëgbý. Por não ter
nenhum amigo, ele acabou convidando seus próprios credores. Após o böri, Ëkùn, Ìkõkò e Öká começaram
a conversar, e um contou para o outro o seu ëwî, para que eles não se ofendessem mutuamente sem saber.
Ìkõkò disse que não gostava que lhe observassem o traseiro sem pêlos. Ëkùn não gostava que lhe jogassem
terra; enquanto Öká não suportava que se aproximassem demais dela. Quando Ìkõkò levantou-se, percebeu
que Ëkùn lhe olhava o traseiro, e então jogou terra sobre ele. Eles começaram a brigar, e na confusão
acabaram pisando em Öká, que lhes picou, matando-os. Um caçador apareceu, e Ûtà escondeu-se
furtivamente. Ao ver a serpente próxima aos dois animais mortos, o caçador não deve dúvidas e acabou
matando-a também. Dessa forma Ûtà livrou-se definitivamente de seus credores e pôde desfrutar de uma
bênção de sossego. Ele caçava quando queria, e descansava quando assim o desejasse.

"Ëta estava trabalhando como um braçal (para pagar suas dívidas)". Dívidas são a tônica desse
caminho de Îbàrà. Certamente elas estarão presentes quando esse Odù aparecer, mas toda a estrutura do
ìtan sugere que se o consulente agir adequadamente, em pouco tempo se livrará desse considerável
incômodo. No ìtan, Ûtà servia aos demais como forma de pagar uma dívida. Tal costume era comum entre
os iorubas, e esse fato só reforça a presença de dívidas nesse caminho de Îbàrà.

"Ìfá diz devemos ter um coração firme. Ele diz 'Sossego'". Apesar do extremo desconforto que a
situação de devedor causa, essa passagem aponta para a necessidade de fé e pensamento positivo, pois
como já foi dito, as coisas estão prestes a melhorar. Um estado mental de angústia ou pessimismo
certamente só atrapalhará a solução positiva de toda a questão. A citação sobre sossego, acrescida às
outras informações do ìtan, evidencia que as dificuldades inerentes a esse Odù estão minando as
resistências mentais do consulente, levando-o a uma situação de considerável desgaste e angústia; daí a
necessidade de oferendas a Orí. Certamente as orientações trazidas por Îbàrà nesse caminho favorecerão
para que enfim o consulente desfrute do "Sossego" prometido no ìtan. Especificamente nesse Odù, tal
sossego é caracterizado pelo fato do leopardo ser um animal que passa mais de dois terços do dia
dormindo. No ìtan Ûtà diz: "Eu dormirei como eu gosto; e acordarei quando desejar". Em sua situação de
trabalhador braçal para seus credores, tal descanso não era possível. Logo, a tranqüilidade do leopardo é
aquela que chegará ao consulente, se o mesmo seguir fielmente as orientações de Ìfá.

"Ûtà estava vivendo entre inimigos. Ele não pertencia a nenhum ûgbý". O ìtan classifica os
credores de Ûtà como inimigos. Graças a esse fato seriam prudentes consultas para se ter uma idéia sobre a
presença de inimigos na vida do consulente. Merece destaque a parte que fala que Ûtà não pertencia a
nenhuma comunidade. É possível que a solidão esteja presente quando esse caminho de Îbàrà aparecer. De

222
qualquer forma, é evidente que o local e a forma como Ûtà estava vivendo lhe eram consideravelmente
adversos. Talvez por isso o Òrìñà aconselhe o consulente a "ter um coração firme", ou seja, não esmorecer
perante o quadro de dificuldades.

"Vamos revelar nossos ëwî, pois somos amigos, e assim não brigaremos entre nós". Apesar de
conhecer os ëwî uns dos outros, não houve reciprocidade de respeito entre os credores de Ûtà, o que
acarretou as mortes do ìtan. Parece ser necessário esse respeito às personalidades alheias, para que a sorte
de tais credores não seja a do consulente. É óbvio que um Orí recém fortalecido por um böri é mais propício
ao discernimento necessário nessa questão.

"Ògún mata o credor. O rio afoga o cobrador. Ñîpònnà mata o inimigo. Ìfá diz que nos ajudará a
suplantar nossos inimigos". Essas são citações que aparecem no início do ìtan. Tal passagem, acrescida ao
fato de que foi um caçador (um "ödë") que matou o último credor de Ûtà, abre a possibilidade do próprio
Òrìñà auxiliar o consulente nas questões expostas no ìtan. Graças a tal fato seria prudente considerar a
possibilidade de necessidade de oferendas a Òrìñà, no intuito de fortalecer vínculos espirituais propícios à
solução satisfatória da questão. Se Ìfá confirmar a necessidade de tais oferendas, é óbvio que os Òrìñà
citados no ìtan deverão representar as primeiras (mas não as únicas) opções de auxílio. Com a devida
cautela, problemas com agiotagem também poderão ser considerados.

"Ìfá diz: Uma bênção de riquezas, de vida longa e de descanso". Esses são os aspectos positivos
desse caminho de Îbàrà que devem ser evidenciados ao consulente, para favorecer o quadro de otimismo já
abordado alhures. O fato de tais bênçãos aparecerem num Odù onde são necessárias oferendas a Orí, talvez
signifique que o atual quadro da vida do consulente não corresponda ao seu destino pessoal. Tal
possibilidade baseia-se no fato de que Orí reencaminha um indivíduo ao seu próprio destino, quando o
mesmo se desvia desse por qualquer motivo. Muito provavelmente as bênçãos citadas no ìtan estejam no
destino do consulente, e só precisarão das circunstâncias adequadas para poderem se manifestar
plenamente.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) É óbvio que os búzios em questão foram apenas o pagamento de Ûtà ao babalawo. Não há
nenhuma oferenda prescrita, a não ser a necessidade de oferecer "Comida e bebida a Orí". Tal fato é mais
uma evidência da necessidade de fortalecer o àñë pessoal para poder atravessar essa fase de consideráveis
dificuldades.

223
b) O ëbö foi feito por Ûtà com a intenção de se livrar de seus credores, e não estará completo sem
oferendas a Orí.

Îbàrà 12

Num passado muito remoto, Îrúnmìlà foi ao reino de Benin para trabalhar como babalawo.
Quando lá chegou, teve que caçar e preparar infusões com folhas para poder sobreviver. Nessa mesma
época os homens de Benin suspeitavam que um estranho estava dormindo com suas mulheres. No intuito
de capturar esse estranho, eles cavaram um grande buraco no chão que serviria como armadilha. Numa de
suas caçadas Îrúnmìlà abateu um antílope, que caiu na armadilha preparada pelos homens do Benin. Ao
tentar retirar o antílope do buraco, Îrúnmìlà também caiu na armadilha. Ele permaneceu lá durante seis dias.
Ao final desse período algumas mulheres encontraram a armadilha, quando passavam pelo local. Elas
acharam que Îrúnmìlà era o adúltero que seus maridos procuravam, mas ele assegurou que se tratava de
um engano, e conseguiu convencê-las a ajudá-lo a sair da armadilha, o que de fato aconteceu. As mulheres
amarraram-se umas às outras com uma corda, cuja outra extremidade foi oferecida a Îrúnmìlà. Ele amarrou
a corda em seu braço esquerdo, e com o direito arrastou também o antílope para fora do buraco. Entre as
mulheres havia uma chamada Põye, que chamou a atenção de Îrúnmìlà. Alguns dias se passaram; Îrúnmìlà
construiu uma choupana de palha à entrada da cidade. Ele cortou a carne do antílope, e a dividia com quem
passasse em frente à sua cabana. Até que um dia Põye passou por lá. Îrúnmìlà a raptou e a prendeu em sua
cabana. Eles conceberam um filho, que foi chamado de Ölömö. Algum tempo se passou e Îrúnmìlà recebeu

224
responsabilidades importantes em Benin, e não teve mais tempo para visitar Põye. Passaram-se seis anos, e
chegou o dia em que Îrúnmìlà deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí, e para tal ele deveria usar um
escravo. Trouxeram exatamente Ölömö para ser sacrificado, pois já fazia tanto tempo que Îrúnmìlà não o via
que não o reconheceu como filho. Desesperada Põye fez uma oferenda pela proteção de seu filho. Após
fazer seu ëbö ela partiu para o Benin, disposta a defender seu filho a qualquer custo. Quando lá chegou ela
começou a ofender Îrúnmìlà. Acusou-o de tê-la raptada para depois abandoná-la. Disse também que se
Îrúnmìlà pretendia matar seu filho, teria que matá-la antes. No meio da confusão Îrúnmìlà disse que faria
aquilo que os tocadores de agògò e aràn (uma espécie de tambor) dissessem. Quando os tocadores
começaram a tocar, disseram através de seus instrumentos que naquele ano Îrúnmìlà não deveria oferecer
um escravo a seu Òkè Ìpînrí; deveria oferecer uma cabra. Feliz com a palavra dos tocadores, Îrúnmìlà
determinou que uma cabra deveria substituir Ölömö na oferenda. Dessa forma Põye não perdeu seu filho,
nem Îrúnmìlà cometeu o grande erro de sacrificar o próprio filho. Desde então cabras são oferecidas no
lugar de seres humanos.

"Será que ele (Îrúnmìlà) encontraria bênçãos em Benin? Disseram que ele encontraria bênçãos
lá". A primeira evidência do ìtan diz respeito ao deslocamento de Îrúnmìlà até o Benin, para lá tentar ganhar
a vida. Esse fato indica a possibilidade de mudança de cidade, ou qualquer outro tipo de mudança
importante (de emprego, de casa, de carreira, etc.) estar presente quando Îbàrà aparecer nesse caminho de
Odù. O importante é ter em mente que graças às características desse Odù, tais mudanças seriam benéficas,
embora se possa esperar por uma fase inicial marcada por dificuldades. O que caracteriza os benefícios
nesse caminho de Îbàrà são as bênçãos prometidas (bênção de esposas, de filhos e de riquezas).

"Îrúnmìlà era um caçador e fazia ògùn. Tudo isso ele fazia para sobreviver". Não há relato de
outros mitos em que Îrúnmìlà exerça tais funções. Isso mostra um lado típico de Îbàrà, pois nesse Odù deve-
se agarrar qualquer oportunidade que surgir, pois elas costumam ser raras. Îrúnmìlà não esperou que seus
serviços de Oluwo fossem requisitados, e dispôs-se a trabalhar no que fosse necessário. Versatilidade e
desejo de trabalhar devem estar presentes quando Îbàrà aparecer nesse caminho. Também deve-se
considerar a hipótese do consulente ter alguma atividade profissional que não esteja em harmonia com seu
Orí. É óbvio que todas essas possibilidades devem ser confirmadas por Ìfá, antes de qualquer comentário a
esse respeito com o consulente.

"Îrúnmìlà e o antílope caíram na armadilha". A armadilha do ìtan havia sido montada para
capturar um adúltero que andava pela cidade. Esse fato aponta para a possibilidade (ainda que remota) de
adultérios nesse caminho de Îbàrà. A possibilidade de alguém estar pagando por algo que não cometeu
também deve ser considerada, pois Îrúnmìlà não era o adúltero que procuravam, e mesmo assim foi punido
através da armadilha.

"Durante seis dias, Îrúnmìlà não pôde sair da armadilha". A presença de armadilhas no ìtan pode
ser entendida como a possibilidade de uma situação inusitada, que cause consideráveis transtornos e
prejuízos ao consulente ou a alguém próximo. Entre tais situações, a possibilidade de prisão merece
destaque. Se Ìfá confirmar essas possibilidades, é preciso levar em consideração que provavelmente a
situação não se alterará da noite para o dia, pois a citação sobre "Seis dias" sugere que as dificuldades em

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questão permanecerão por um determinado tempo. Caberá ao awolòrìñà usar todo seu conhecimento para
tentar impedir que tais danos recaiam sobre o consulente.

"Îrúnmìlà amarrou a corda em seu braço direito, e com o esquerdo puxou o animal para fora". O
ìtan diz que foram as próprias mulheres de Benin que retiraram Îrúnmìlà da armadilha, cientes de que ele
não era o adúltero que seus maridos estavam procurando. Mesmo numa situação delicada, Îrúnmìlà não
abre mão de sua caça. Ele tinha o que comer naquele momento, mas não sabia o que aconteceria no futuro.
Ser precavido quanto a dificuldades no futuro é algo necessário quando se está sob a influência de Îbàrà.

"Ele agarrou Põye, e levou-a para a cabana. Ele a raptou". A partir desse ponto o ìtan começa a
falar sobre a relação entre Îrúnmìlà e Põye. O relacionamento de ambos evidencia que questões
sentimentais estarão presentes quando Îbàrà aparecer nesse caminho. Pela própria estrutura do ìtan, pode-
se esperar que tais relações sejam consideravelmente conturbadas, pois tudo começou com um rapto.
Depois Îrúnmìlà não conseguia mais tempo para ficar com Põye, e por último o filho do casal quase foi
morto por engano. No caso das questões sentimentais, definitivamente confusão, desentendimento e
desencontro estarão presentes. Devido às características da vida atual, a citação sobre “rapto” merece ser
checada a fundo, assim como a possibilidade de estupro.

"Depois disso, fizeram de Îrúnmìlà um líder em Benin". Essa é a parte do ìtan que evidencia os
aspectos positivos desse caminho de Îbàrà. Depois de passar por consideráveis dificuldades em Benin,
finalmente Îrúnmìlà consegue ascender socialmente. Tal ascensão pode ser esperada quando Îbàrà aparecer
nesse caminho. Mas há um detalhe de considerável importância que está relacionado a essa ascensão. No
ìtan aparece "Ele já não podia ir a qualquer lugar". Foram as obrigações de Îrúnmìlà em seu papel de líder
que fizeram com que ele se afastasse de Põye e de seu filho durante seis anos. Tal fato evidencia a
possibilidade da ascensão social (e conseqüente prosperidade) causar separações entre membros de uma
mesma família (ou círculo de amizade). Será necessária sabedoria (essa simbolizada por Îrúnmìlà) para
impedir que a ascensão em questão tenha esse deletério efeito colateral.

"Disseram que um escravo era o que ele deveria oferecer a seu Òkè Ìpînrí. Então trouxeram
Ölïmö e o deram a Îrúnmìlà". O filho de Îrúnmìlà quase foi morto como um elemento de oferenda. Foi
graças à intervenção de Põye que isso não aconteceu. Seria prudente considerar a hipótese de terríveis mal
entendidos quando esse caminho de Îbàrà aparecer. A situação de Îrúnmìlà na armadilha é a confirmação
disso. Também é provável que um eventual filho do consulente esteja correndo algum tipo de risco.

"Ainda que Ìkú matasse alguém, escutaria o que a pessoa tivesse para falar". Se Îrúnmìlà não
tivesse escutado Põye, mataria seu próprio filho. O ato de saber ouvir é muito importante nesse caminho de
Îbàrà, pois as confusões e desencontros desse Odù podem gerar muita dor. É preciso atentar para o fato de
que como já foi dito, foi Põye que impediu a morte do filho. Como já foi dito, existe a possibilidade dos
filhos (ou dos mais caros projetos pessoais do consulente) estarem em perigo quando esse Odù aparece.
Caso Ìfá confirme tal possibilidade, seria interessante lembrar que foi a mãe (um ancestral feminino) que
salvou o filho. Logo, seria prudente chegar se a ancestralidade feminina do consulente (na maioria das vezes

226
representada por Ìyàmi) é o fator de proteção do mesmo. E se for, tentar definir o que deve ser feito para
que essa proteção seja efetiva e duradoura.
"Um contador de histórias salva a si mesmo contando histórias". Îrúnmìlà teve que usar sua lábia
para convencer as mulheres de Benin a lhe tirarem da armadilha. Põye também precisou de ótimos
argumentos para impedir que seu filho fosse morto. Os tocadores de aràn também tiveram que ser
convincentes para realizar a troca na oferenda prescrita. Tais fatos, sustentados pela passagem citada do
ìtan, evidenciam que a capacidade de se comunicar pode ser vital para tirar o consulente de situações
complicadas (para não dizer graves) que podem aparecer quando se está sob a influência desse caminho de
Îbàrà.

"Não devo pegar uma pessoa esse ano. Meu Òkè Ìpînrí aceita uma cabra". O ìtan explica como
cabras começaram a ser sacrificadas para Îrúnmìlà, além de fazer alusões aos sacrifícios humanos da
antiguidade. O fato de no ìtan Îrúnmìlà ter necessitado fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí abre a possibilidade
do mesmo ocorrer com o consulente. Como essa não é uma informação literal, serão necessárias consultas
específicas a esse respeito.

"Ìfá diz: Uma bênção de filhos, de riquezas e de esposas". Essa passagem resume com clareza os
principais aspectos positivos desse caminho de Îbàrà. Aspectos esses que devem ser mostrados ao
consulente, para que crie no mesmo uma predisposição positiva. Filhos podem significar realizações em
geral, além do aspecto literal, obviamente. Esposas representam relações amorosas, com fortes tendências a
serem bem sucedidos. Riquezas, entre outras coisas, podem ser compreendidas como tudo aquilo que
favorece a felicidade.

Ëbö

Doze búzios
Uma galinha preta
Um pombo preto

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, o que dispensa comentários adicionais a respeito. O mesmo foi
realizado por Põye e visa salvar um filho (ou uma pessoa querida) de uma situação de considerável perigo.

227
Îbàrà 13

Em suas viagens pelo àiyé, Îrúnmìlà ensinou a arte de Ìfá a muitos. Entre seus discípulos estavam
Cabeça, Pescoço e Quadril. Eles tiveram a oportunidade de consultar para o rei, uma grande honra para um
babalawo. Cabeça disse ao rei que ele deveria oferecer uma coroa; e o rei ofereceu sua belíssima coroa.
Pescoço disse ao rei que ele deveria oferecer um belo colar de contas. O colar que o rei possuía era
belíssimo e muito valioso, mas ele ofereceu-o em ëbö. Quadril disse ao rei que ele deveria oferecer um
belíssimo pano-da-costa. O rei ofereceu o mais belo tecido que existia em seu reino. Tudo aquilo que lhe foi
recomendado, o rei ofereceu em ëbö.Quando Îrúnmìlà foi consultar para o rei, disse-lhe que deveria
oferecer seis inhames e seis morangas, a fim de resolver seus problemas. Os outros babalawo zombaram de
Îrúnmìlà, dizendo que ele tinha espírito de pobreza. Mas o rei reconheceu a simplicidade e honestidade de
Îrúnmìlà, e encheu os inhames e as morangas com contas e pedras preciosas antes de entregá-los em ëbö.
Îrúnmìlà pegou a parte que lhe cabia na oferenda e foi para sua casa. Quando lá chegou descobriu o que o
rei havia feito, e começou a vender as jóias que havia ganho, atingindo assim grande prosperidade.

"Ìfá diz que quando aparece esse Odù seremos prósperos; que não devemos ter pressa para
alcançar grande prosperidade". É certo que a prosperidade se manifestará quando esse caminho de Îbàrà
aparecer, mas agir de forma afobada ou desonesta, queimando etapas importantes do processo, pode ser
consideravelmente desaconselhável. Agindo de maneira oposta ao que Ìfá indica, existirá a possibilidade de
ganhar apenas uma vez, enquanto que através da simplicidade, honestidade e paciência pode-se atingir
benefícios mais sólidos e duradouros.

"Certa vez, Cabeça disse ao rei que uma coroa deveria ser sua oferenda; e o rei ofereceu sua
coroa. Pescoço disse ao rei que um belo ìlûkû deveria ser sua oferenda; e o rei ofereceu seu belo ìlûkû.
Quadril disse ao rei que um belíssimo tecido deveria ser sua oferenda; e o rei ofereceu tal tecido".

228
Interessante notar que as oferendas prescritas pelos babalawo condiziam perfeitamente com as
necessidades e preferências dos mesmos. Essa é a "pressa pela prosperidade" que o ìtan aborda. Sob
confirmação de Ìfá tal passagem também poderá indicar a presença de má fé, atitudes aproveitadoras,
traição de confiança, etc. Se Ìfá confirmar uma de tais opções, serão grandes as chances de assuntos de
caráter espiritual estarem envolvidos, tendo em vista que a presença de sacerdotes sempre aponta para tais
possibilidades.

"Îrúnmìlà disse ao rei que ele deveria oferecer morangas e inhames". Ao contrário de seus
aprendizes, Îrúnmìlà não agiu visando ganho rápido e fácil, mas preferiu a honestidade e a manutenção da
saúde de sua relação com a própria consciência. É preciso destacar que tal atitude lhe trouxe consideráveis
ganhos; logo essa é a conduta que deveria ser seguida pelo consulente. Essa mesma conduta caracteriza a
paciência para prosperar, da qual fala o ìtan.

"Os outros babalawo começaram a insultar Îrúnmìlà. 'Há! Ele é um pobretão'". A atitude ética de
Îrúnmìlà não foi bem vista por seus colegas. É possível que o mesmo aconteça com o consulente. Quando
esse caminho de Îbàrà estiver presente, não será surpresa se houver críticas ou comentários desagradáveis
sobre a retidão de caráter. O importante é ter em mente que foi essa mesma atitude que despertou no rei
simpatia em relação a Îrúnmìlà. Paciência e honestidade serão as raízes de consideráveis benefícios.

"O rei pôs contas em cada uma das morangas e dos inhames". A prosperidade chegou para
Îrúnmìlà, sem que ele precisasse explorar ninguém ou agir desesperadamente atrás da riqueza. Sob Îbàrà é
preciso calma para atingir os objetivos almejados.

"Você não sabe que é Orí de Baba que prepara riquezas?" Essa passagem traz uma importante
informação de caráter litúrgico. É o próprio Orí de cada indivíduo (nesse caso, Orí pode ser entendido como
destino pessoal, aquilo que se recebe das mãos de Àjàlá) que assegura as bênçãos que chegarão na vida do
mesmo. Um Orí com essas características se encaixa naquilo que os mitos chamam de "Orí rèrè" (Cabeça
boa). Especificamente nesse caminho de Îbàrà, o que identifica tal Orí são atitudes pacientes, coerentes e
honestas. Nos mitos narrados por Salàkï o termo Baba refere-se a Òñàlá. Seria prudente chegar se de
alguma forma o Grande Òrìñà tem alguma relação com o exposto pelo ìtan.

"Òrìñà prevê uma bênção de riquezas, de filhos e de vida longa". Filhos e vida longa fazem parte
das demais bênçãos que podem ser esperadas quando Îbàrà aparece nesse caminho. Entre outras coisas
filhos podem representar diversas formas de realizações pessoais, o que torna esse caminho de Îbàrà ainda
mais positivo.

Ëbö

Não há.

229
Comentários

a) Não há no ìtan nenhuma citação de ëbö. Apesar disso há a oferenda feita pelo rei, que trouxe
prosperidade a Îrúnmìlà. É bom que fique claro que tal oferenda não está prescrita para o consulente, como
todas as outras narradas por Salàkï, portanto só deverá ser efetuada se Ìfá confirmar tal necessidade. Nesse
caso a oferenda seria: Seis morangas e seis inhames, cujos interiores estejam repletos de símbolos de
prosperidade.

b) A citação sobre Orí e riquezas dentro de um mesmo contexto, abre a possibilidade de


oferendas a Orí para favorecer a manifestação das bênçãos citadas no ìtan. Mas como tal possibilidade não
é textual, será necessária a confirmação prévia de Ìfá, antes que tal possibilidade possa ser considerada
confiável.

c) Se de fato Ìfá confirmar a necessidade de oferendas de inhames e morangas, a mesma


repercutirá na vida do consulente em forma de prosperidade e reconhecimento da própria honestidade.

230
Îbàrà 14

Em tempos imemoriais Seis Anciões desejaram ir a Îyï para trabalharem como babalawo. Antes
porém eles fizeram uma grande oferenda, e só depois se dirigiram para seu novo destino. Logo que
chegaram em Îyï, a cidade progrediu graças ao trabalho deles. Não havia rivais para Îyï; e os anciões
puderam desfrutar de vida longa e da posição socialmente elevada que conseguiram.

"Consultaram Ìfá para os Seis Anciões, quando eles estavam indo para Îyï exercer a divinação
oracular". Há importantes questões nessa passagem que justificam comentários. A primeira diz respeito ao
fato dos Anciões do ìtan terem se deslocado para outra cidade para poderem trabalhar em seus ofícios. Tal
fato sugere que mudanças estarão presentes quando esse caminho de Îbàrà aparecer. Tais mudanças
poderão ser de cidade, de emprego, de casa, etc. Caberá ao awolòrìñà definir tais detalhes. O outro detalhe
diz respeito ao trabalho em si. Foi através de suas atividades profissionais que os personagens conseguiram
prosperar e ajudar outras pessoas a prosperarem. Esse fato evidencia a força que o trabalho possuiu nesse
Odù. Certamente será através de uma determinada ocupação profissional que o consulente conseguirá suas
melhores chances de prosperar na vida.

"Eles chegaram em Îyï, e a cidade tornou-se muito importante". Além da questão do trabalho,
merece destaque a competência profissional. Na antiguidade Îyï foi o grande centro militar e político dos
iorubas. Sem a devida competência do babalawo, nada disso teria acontecido. Há de se destacar a
importância desse assunto, assim como a possibilidade de ajudar a si mesmo e a outros através de uma
ação profissional específica. O fato de tais detalhes estarem presentes em outros caminhos de Îbàrà, dá a
esse fator seguro precedente.

"Îyï não tinha rivais". Como um império dominador, Îyï estava sempre à busca de conquistas,
sempre em guerra. Há de se considerar a hipótese de embates e lutas constantes para se alcançar os
objetivos nesse caminho de Odù. Sem essas lutas cairia por terra a idéia de conquistas já abordada alhures.
As constantes citações sobre a cidade de Îyï tornam prudentes consultas sobre uma possível influência de
Ñàngó (ou Egún) nesse caminho de Îbàrà, ainda mais por se tratar de um Odù de conquistas. A própria
citação sobre anciões pode ser uma referência velada ao Îyï Mèsì, conselho de Anciões de Îyï de grande
influência política. O importante é ter em mente que assim como Îyï prosperou, o mesmo pode acontecer
ao consulente, se as orientações trazidas por Îbàrà nesse caminho forem seguidas. O desenvolvimento
notável de Îyï faz desse Odù um bom presságio para empreendimentos e realizações em geral.

"Vocês não sabem que a idade avançada virá para nós? Ìfá fala de uma bênção de vida longa". A
presença de anciões nesse caminho de Îbàrà também merece destaque. Atitudes que caracterizem a idade
avançada (sabedoria, paciência, autocontrole, etc.) certamente favorecerão para que o desenvolvimento e
as realizações típicas desse Odù possam de fato se manifestar. Geralmente um Odù com essas
características é propício para a delegação de cargos honoríficos dentro de um ëgbý Òrìñà.

231
Ëbö

Cento e vinte búzios


Seis roupas
Seis galinhas
Seis pombos

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas sugere a necessidade de uma personalidade maleável, um autêntico


"jogo de cintura" para atingir as conquistas citadas no ìtan. Se os anciãos do ìtan de fato corresponderem ao
Îyï Mèsì, as questões políticas ganharão ainda mais peso na questão. Também deve-se considerar a
possibilidade de algo na personalidade do consulente ter que ser alterado, para que a positividade desse
Odù possa de fato se manifestar.

b) Devido ao fato de existir mais de um personagem no ìtan, é possível que outras pessoas,
próximas ao consulente, tenham algo a ver com toda a problemática. Nesse caso possivelmente tais
pessoas deveriam participar da oferenda. Isso talvez explique a presença de uma grande quantidade de
búzios, aves e roupas nesse ëbö.

232
Îbàrà 15

Na antiguidade existiu um rei que possuía um bom coração, cujo nome era Öba Adó (um dos
nomes do rei de Benin). Ele era famoso por sua generosidade, e constantemente fazia doações de ìlûkû.
Apesar de ser um rei, houve uma ocasião em que ele resolveu fazer uma oferenda para que sua vida fosse
agradável. A oferenda que lhe foi prescrita era consideravelmente volumosa, mas ele a fez mesmo assim.
Depois disso, ele se tornou uma pessoa a quem todas as outras serviam. Usavam grandes leques para
abaná-lo, e ele conseguiu atingir seu objetivo de possuir uma vida agradável.

"Öba Adó era conhecido como um soberano frio". Frio para o ioruba corresponde a tranqüilo,
calmo e equilibrado. Esse fato mostra que Öba Adó era considerado um bom rei. A esse respeito é
importante salientar que quando o personagem principal é um monarca, o normal seria que a vida do
consulente fosse caracterizada por uma certa prosperidade. Se o mesmo não ocorre, são grandes as
chances de isso começar a acontecer, após a aparição desse Odù.

233
"Öba Adó doou-me muitos ìlûkû". Essa é uma citação que aparece no começo do ìtan, e vários
comentários tornam-se necessários graças a ela. No ëbö existe a presença de uma roupa, que caracteriza a
necessidade de alteração de conduta ou personalidade, para que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato
se manifestar. É possível que o detalhe em questão seja representado pela atitude de Öba Adó em doar
ìlûkû; pois como ele fazia tais doações antes de ir consultar Ìfá, é bem provável que as mesmas eram feitas
com o intuito de torná-lo querido. Se Ìfá confirmar tal possibilidade, fica evidente que quando esse Odù
aparecer, popularidade e respeito alheio não devem ser comprados, e sim conquistados. Por outro lado,
seria imprudência não considerar a hipótese de que tais doações fossem espontâneas e não visassem
segundas intenções, pois o próprio ìtan deixa claro que Öba Adó era um bom monarca. Nesse caso seria
evidente que a caridade deverá ser mantida, e certamente tal postura auxiliará o consulente a atingir todos
os demais objetivos propostos no ìtan. É desnecessário dizer que será Ìfá que confirmará ou não cada uma
dessas possibilidades.

"O que ele poderia fazer para que sua vida fosse agradável". Essa passagem evidencia o desejo
de melhorar as características da vida pessoal. Como o personagem já era um rei, é possível que essa
melhora não esteja necessariamente relacionada a questões materiais, embora tal possibilidade não deva
ser descartada. É possível que algo de especial esteja faltando na vida do consulente, para que de fato ele
possa considerar-se feliz. De qualquer forma é bom que fique claro que, sob a influência desse Odù, os
desejos do consulente a esse respeito tendem a se realizar.

"Ele tornou-se alguém cujas outras pessoas serviam. As pessoas usavam um grande leque para
abaná-lo. Ele não morreu e sua vida estava feliz". Essa é a passagem que evidencia os aspectos positivos
desse caminho de Îbàrà. Agora Öba Adó não era só um monarca, ele era um verdadeiro líder; querido e
popular. Talvez esses sejam os detalhes que faltem para a completa felicidade do consulente. A citação
sobre morte torna prudente que haja consultas a esse respeito.

"Vocês me verão em grande prosperidade. Ìfá diz que bênçãos são o que ele profetiza".
Definitivamente esse caminho de Îbàrà é caracterizado por excelentes presságios, além de considerável
prosperidade. Essas características certamente se manifestarão na vida do consulente, se as demais
informações trazidas por Ìfá forem fielmente seguidas.

Ëbö

Cento e vinte búzios


Seis galinhas
Seis pombos
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre o ëbö

234
a) A presença de roupas sugere a necessidade de alterações de conduta, para que as bênçãos do
ìtan se manifestem. Roupas geralmente simbolizam a personalidade, e oferecê-las em ëbö simboliza livrar-
se de uma personalidade que não favorece a manifestação das bênçãos em questão. Caberá ao awolòrìñà,
juntamente com o consulente, definir qual detalhe da personalidade desse precisa ser alterada.

b) A grande quantidade de búzios evidencia que o adivinho cobrou consideravelmente por seus
honorários. Logo, o aconselhável é que se faça o mesmo. É possível que sem se desfazer de algum dinheiro,
as bênçãos que o consulente anseia não chegarão para ele. As razões para tal cobrança estão num âmbito
superior, e a compreensão de tais razões fOgè ao nosso atual estágio espiritual. O que precisa ficar bem
claro é que esse é um caso isolado, e que Ìfá poderá confirmar o não tal ponto de vista.

235
Îbàrà 16

Certa vez existiu um príncipe chamado Jûgbû. Seu sonho era se tornar um grande caçador, mas
constantemente seu pai o mandava caçar as vacas do campo, os cavalos do reino ou todas as cabras que ele
encontra-se. Invariavelmente Jûgbû o desobedecia, afirmando que o único lugar que em que desejava caçar
era na floresta. Em sua rebeldia Jûgbû saiu de casa, indo caçar na floresta sem o consentimento do pai.
Antes que partisse, um babalawo disse que deveria fazer um ëbö, para só depois se aventurar como
caçador, mas Jûgbû recusou-se. Logo que começou a caçar, ele abateu um grande elefante. Exultante
pegou parte dos intestinos do elefante para mostrar às pessoas de sua cidade, como prova de que era um
grande caçador. Assim que Jûgbû partiu, Èñù apareceu e esbofeteou o animal nas ancas. O animal
simplesmente se levantou e partiu. Quando as pessoas da vila de Jûgbû chegaram para ver a caça abatida,
nada encontraram, e todos passaram a acreditar que Jûgbû era mentiroso. Jûgbû ainda abateu um búfalo e
um antílope, mas o que ocorrera com o elefante se repetiu. Cismado e assustado com o que havia
acontecido, Jûgbû resolveu fazer o ëbö que lhe fora recomendado. Nesse ëbö era necessário queimar dois
tecidos e aquecer-se no calor dos mesmos. Jûgbû assim o fez, e a fumaça que subiu chamou a atenção de
uma comitiva formada por duzentos reis, que estavam perdidos na floresta. Os reis perguntaram se Jûgbû
conhecia o reino mais próximo. Obviamente ele conhecia, pois era o reino de seu pai. Antes que Jûgbû
informasse à comitiva de reis como chegar ao seu destino, Èñù apareceu só para ele, aconselhando-o a
pedir riquezas, roupas, escravos e cavalos por suas informações. Jûgbû assim o fez, e os reis o tornaram um
homem muito rico. Então ele levou a comitiva de reis até seu pai, mas antes de entrar na aldeia, foi avisar
sobre os visìtantes. Nem o pai de Jûgbû nem ninguém acreditou nele, devido aos episódios com as caças
abatidas. Despeitado Jûgbû chamou os reis e entrou no reino de seu pai numa pompa jamais vista. Todos
admiraram aquele rapaz que havia saído dali apenas com um öfà nas mãos, e que agora voltava com
inúmeras riquezas. O comentário de todo o reino era que o filho era maior do que o pai, e as pessoas
começaram a servi-lo, como se ele fosse o novo rei.

"O Orí da criança é bom e o pai não sabia. O rei dizia que Jûgbû devia cuidar dos animais
domésticos. Ele dizia: 'Eu não irei'". Essas passagens mostram claramente as divergências entre Jûgbû e seu
pai. Esse fato aponta para prováreis relações conturbadas entre pais e filhos. Há de se destacar o fato de que
o pai queria controlar as atividades do filho, enquanto o rapaz mostrava considerável rebeldia. Tanto uma

236
como outra atitude são desaconselháveis quando Îbàrà aparece nesse caminho. O bom senso deixa claro
que se a questão não for entre familiares, nada impede que as mesmas se apliquem em outros ramos da
vida, principalmente se detalhes hierárquicos estiverem presentes. Mas no caso de relações familiares
realmente estiverem presentes na questão, essa passagem evidencia que os filhos (descendentes em geral)
têm um grande potencial, que provavelmente não esteja sendo percebido nem respeitado.

"A floresta é onde caçarei". Jûgbû negava-se a seguir os ditames de seu pai. A emancipação e a
independência são fatores de considerável influência nesse caminho de Îbàrà, pois Jûgbû prefere a vida
errante de caçador às mordomias da convivência com o rei. Como Jûgbû foi bem sucedido em suas ações,
pode-se supor que tal espírito de desbravamento e independência seja positivo, desde que as demais
informações trazidas por esse Odù sejam fielmente seguidas.

"Disseram que Jûgbû deveria oferecer um ëbö, mas ele não ofereceu". A impressão que se tem é
que Jûgbû encarna o jovem intempestivo, teimoso e inexperiente, que se nega a ouvir conselhos. Essas
atitudes lhe trouxeram dificuldades, logo são desaconselháveis nesse caminho de Odù. Apesar da
necessidade de emancipação, não se deve acreditar que sozinho se consegue tudo na vida. Não oferecer o
ëbö prescrito pode ser interpretado como consideráveis erros de caráter espiritual, falta de discernimento
sobre assuntos mais profundos e ausência de humildade. Obviamente tais atitudes não favorecerão a
manifestação das bênçãos inerentes a esse caminho de Îbàrà.

"Èñù esbofeteou o búfalo nas ancas, que levantou-se e foi embora". Èñù, através de suas
traquinagens, causa considerável vergonha a Jûgbû, devido ao seu desrespeito pelo babalawo em não
oferecer o ëbö prescrito. Isso dá a entender que será Èñù que punirá aquele que, quando aparece esse
caminho de Odù, tiver um comportamento desrespeitoso em relação à espiritualidade, como o de Jûgbû.
No caso do consulente já ter cometido o erro espiritual em questão, caberá ao awolòrìñà usar seu
conhecimento para aplacar a ira de Èñù, considerando que nesses casos, posturas comportamentais são tão
importantes quanto oferendas.

"Jûgbû disse, ‘Qual o significado disso?’". Jûgbû ficou intrigado com o sumiço dos animais
que ele abatera. Dessa cisma é que resolveu fazer a oferenda que havia negligenciado anteriormente.
Certamente será através do sofrimento que se perceberá a necessidade de se agir com inteligência e
humildade.

"Eles viram a fumaça, e seguindo-a chegaram até Jûgbû". É incrível como a realização do ëbö
está diretamente relacionada ao surgimento da oportunidade para a reversão de uma situação complicada.
Se não tivesse realizado o ëbö, os reis jamais saberiam que Jûgbû estava no meio da floresta; e dessa forma
a vida do caçador não teria se alterado tanto, e de forma tão positiva. Merece destaque o fato de que nos
caminhos de Îbàrà as oportunidades não costumam abundar. A estrutura do ìtan evidencia que a
oportunidade para alteração da situação aparecerá de repente, sem que o consulente tenha idéia de onde.
Será preciso atenção para que tal oportunidade não se perca.

237
"Os reis disseram, ‘Você pode nos levar até o próximo reino?’ Jûgbû disse, ‘Certamente’".
Importante salientar que a essa altura Jûgbû não imaginava que prosperaria através daqueles reis. Sua
atitude de solicitude e cordialidade foi imotivada. É muito provável que atitudes desse gênero estejam
associadas ao surgimento de ocasiões que favorecerão a manifestação das bênçãos desse Odù.

"Èñù disse, ‘Vá e cumprimente seu pai’. Então Jûgbû foi até sua casa e cumprimentou seu
pai". É possível que o conselho de Èñù visasse harmonizar as relações entre Jûgbû e seu pai. O importante é
ter em mente que em casos de brigas, desentendimentos ou algo semelhante, o ideal será efetuar esforços
em nome da harmonia. Num caminho de Òdí, Èñù também teve participação ativa para que dois reis
voltassem a viver em harmonia.

"Há! Lá vem você com suas mentiras novamente. Agora você diz que encontrou reis. Vá cuidar
de seus reis". A descrença das pessoas em relação a Jûgbû indica a possibilidade de haver dificuldades para
auto-afirmação, até que a sociedade reconheça o potencial daquele que busca emancipação e
prosperidade. Como o pai de Jûgbû também mostrou descrença em relação ao filho, é possível que mesmo
entre os mais próximos o consulente tenha dificuldade para se fazer acreditar. Afirmar-se como uma pessoa
capaz e verdadeira é sem dúvida uma das necessidades quando Îbàrà aparece nesse caminho.

"Diga a eles que você não pode andar, que não tem roupas nem ninguém para cortar o mato
em sua casa". Èñù sussurra para Jûgbû o que ele deve fazer para atingir a prosperidade. Se Jûgbû sofreu nas
mãos de Èñù por não ter feito oferendas, foi o próprio Èñù que lhe trouxe riquezas, após a realização das
oferendas prescritas. Esse fato evidencia a influência positiva de Èñù nesse caminho de Odù, além de dar a
idéia sobre a importância de obrigações espirituais em dia. A aparição satisfatória de Ûlûgbárà abre a
possibilidade de oferendas mais elaboradas a ele, se Ìfá assim confirmar, além das que lhe são de direito por
trabalhar como Ëlýbö.

"Todos diziam que Jûgbû era maior do que o pai; e começaram a servi-lo". Segundo o ìtan, a
riqueza de Jûgbû impressionou satisfatoriamente as pessoas do reino de seu pai, a ponto delas começaram
a tratar Jûgbû como um novo rei. Esse fato evidencia um considerável aspecto positivo desse caminho de
Îbàrà. Embora de maneira muito sutil, tal passagem também pode apontar para situações que caracterizem
usurpação ou perdas, principalmente de prestígio. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas a Orí; seu Orí é que lhe trará riquezas". É óbvia a
necessidade de um Orí equilibrado num caminho de Odù que fala sobre emancipação. Há também a idéia
de que a prosperidade seja algo inerente ao destino dessa pessoa, mas é necessário abrir os caminhos para
que Orí se manifeste através de tais bênçãos; e tais caminhos seriam abertos através do fortalecimento do
àñë pessoal. Como o ìtan fala que será o próprio Orí do consulente que lhe trará riquezas, é de suma
importância que o mesmo não tenha nenhuma dúvida de que seu futuro será muito bom. A certeza
absoluta sobre essa questão já caracterizará um bom Orí, algo vital para que as bênçãos esperadas possam
de fato se manifestar.

238
Ëbö

Vinte e quatro búzios


Um galo
Uma galinha
Dois pombos
Dois tecidos
Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) No ìtan aparece, “Queime o tecido e aqueça-se com o fogo. É dessa forma que riquezas virão
para você". Fogo em ëbö não é de todo desconhecido, pois além da presença de velas, algumas casas usam
lamparinas e até pólvora em suas "limpezas de corpo", com a idéia de que o calor afastará a negatividade e
atrairá o que for benéfico. Independentemente de toda a rica simbologia do fogo, o importante é ter em
mente que o contato com esse elemento será importante para a manifestação da prosperidade em questão.

b) "Leve esse ëbö a uma floresta, num lugar bem afastado". De acordo com o ìtan, o ëbö deve ser
colocado (ou feito) numa floresta. Devido a esse fato, seriam prudentes consultas sobre uma hipotética
influência ancestral, devido à conhecida ligação entre a ancestralidade e florestas. A necessidade de
oferendas a Orí, e o fato de no ritual de böri os ancestrais também serem reverenciados, dão força à
possibilidade em questão.

c) O ëbö não estará completo sem oferendas a Orí.

d) A finalidade de tal ëbö é conseguir auto-afirmação quando o elemento emancipação estiver


presente. De acordo com a própria estrutura do ìtan, tal ëbö também atrairá considerável prosperidade em
situações semelhantes à narrada no ìtan.

239
Îbàrà 17

Nos primórdios da criação existiu um homem chamado Akínsà Ûmûrû. Numa determinada fase de
sua vida ele consultou um babalawo, que lhe disse que para atingir seus objetivos, um ëbö deveria ser
oferecido. A oferenda prescrita a Akínsà Ûmûrû possuía com carne seca como um de seus elementos.
Akínsà disse que não ofereceria o único alimento que tinha para comer; e não fez o ëbö. Revoltado com o
que lhe pareceu um abuso, ele chamou o babalawo de mentiroso; chamou Èñù de ladrão; chamou os Òrìñà
de mortais. Ele olhou para o céu com desprezo, como se jamais fosse morrer. Passou-se um tempo e Akínsà
convidou seus amigos para comer em sua casa, e lhes serviu a carne que deveria ter sido ofertada em ëbö.
Quando Akínsà deu a primeira mordida, ele asfixiou-se. Seus amigos tentaram ajudar-lhe com água, mas
não adiantou; Akínsà Ûmûrû morreu. Èñù dançava e regozijava após o trágico fim de Akínsà Ûmûrû.

"Ele disse que não ofereceria como ëbö a carne que tinha para comer". Apesar de não estar
explícito no ìtan, a recusa de Akínsà em oferecer o ëbö pode ter relação direta com uma possível dificuldade
financeira, pois a carne seca era a único alimento que ele possuía. Mas de acordo com o próprio contexto
sugerido pelo ìtan, isso não justificaria suas ignorantes atitudes. Se Ìfá confirmar que dificuldades materiais
de fato estão presentes, será importante que o consulente se conscientize que somente através de grandes
esforços (simbolizados por uma oferenda que realmente fará falta) será possível reverter tal situação.
Faltava a Akínsà a visão de que ao fazer sacrifícios espirituais, a pessoa se coloca em posição de receber
auxílio do îrun. Não acreditou que se abster da carne (materialidade em geral) lhe traria benefícios futuros.
Ignorância espiritual, apego material e desrespeito ao sagrado resumem com perfeição a mensagem desse
caminho de Îbàrà. Também é preciso salientar que o termo “Ûmûrû” em muitos casos aplica-se aos àbìkú.
Seria prudente checar se há alguma influência dessa natureza nesse caminho de Îbàrà.

"Ele chamou o babalawo de mentiroso; chamou Èñù de ladrão e os Òrìñà de mortais. Ele olhou
o céu com desprezo, como se nunca fosse morrer". Tão profunda é a ignorância nesse caminho de Îbàrà,
que não raro ocorrerão ofensas ao sagrado; seja por ação, palavra ou pensamento. É desnecessário dizer
que tal conduta trará resultados desastrosos, para não dizer funestos. Apesar de representarem elevadas
formas de consciência espiritual, as divindades iorubanas não são conhecidas por sua indulgência em
relação a esse tipo de comportamento.

"Ele chamou seus amigos para compartilhar da carne que ele deveria ter oferecido no outro
dia". Akínsà Ûmûrû não fez o ëbö prescrito, mas não perdeu a oportunidade de se confraternizar com seus
amigos. Esse fato evidencia a falta de discernimento espiritual, pois para Akínsà foi mais importante manter
harmoniosas as suas amizades, do que efetuar um esforço espiritual que futuramente lhe traria benefícios. É

240
muito provável que a pessoa em questão esteja dando importância para o que é menos importante, e
relevando a um plano secundário fatores de considerável importância em sua vida.

“Aprender sobre Ìfá já é nosso pagamento”. Apesar de aparentemente essa passagem não ter
relação com o contexto do ìtan, uma breve citação sobre Ìfá pode ser um indício (ou confirmação cabal) de
que questões espirituais estão envolvidas na problemática. Considerando-se tal possibilidade, será menos
difícil para o awolòrìñà instruir e ajudar o consulente que busca orientação.

"Ela (a carne) asfixiou-o". A carne do ìtan parece simbolizar os apegos ao àiyé. Foram esses
mesmos apegos que causaram a morte de Akínsà Ûmûrû. Graças a esse fato há de se considerar a hipótese
de morte precoce, ou pelo menos de grandes problemas se o quadro de ignorância espiritual permanecer.
O que deve ficar bem claro é que o motivo pelo qual o ëbö não foi feito (a carne), foi a causa da perdição do
transgressor. Isso é algo que carece reflexões.

"Deram-lhe água, mas não ajudou". Não será surpresa se a pessoa colocar-se numa situação
onde seja muito difícil receber ajuda, embora essa passagem dê a entender que pessoas tentarão ajudá-la.
"Akínsà Ûmûrû, Ele nunca mais comeu carne novamente". Para alguns sacerdotes que conhecem
esse ìtan, essa passagem justifica a abstenção do consumo de carne, pelo menos durante algum tempo. É
importante que fique claro que não existe nenhuma orientação textual a esse respeito, mas a idéia não
parece sem fundamento. Nesse caso tal abstenção seria o símbolo de que o consulente admite seus erros, e
está disposto a fazer os esforços necessários para redimir-se perante a própria espiritualidade. Mas como
não existe uma citação literal, serão necessárias consultas específicas a esse respeito antes de qualquer
definição. No caso de realmente ser necessária tal abstenção, é possível que a mesma se estenda a outros
comportamentos que possam caracterizar ausência de espiritualidade, pois a carne em questão apenas os
simbolizaria. Como disse o Nazareno, “Não é o que entra pela boca do homem que o perde, mas o que
sai”.

"Èñù disse: Ele não deveria ter feito isso. Èñù dançava e regozijava". Èñù aparece como fator de
punição nesse Odù, como acontece em outros ìtan. Sob permissão de Ìfá, seria interessante atrair as
bênçãos desse Ëböra. Entretanto, oferendas a Èñù sem a conscientização da necessidade de mudar o
próprio comportamento, tendem a acelerar o processo de resgate do qual Èñù é o mensageiro. Logo,
poderá haver dor e consideráveis perigos. Toda a estrutura do ìtan sugere um momento delicado, onde a
ignorância de leis espirituais e o apego ao àiyé estão prestes a trazer sofrimento, podendo chegar até a
morte. É óbvio que nesse caso há um grìtante desequilíbrio de Orí. Embora não haja recomendação no ìtan,
poderiam ser úteis oferendas a Orí (se Ìfá assim o confirmar). Se bem que no meio de tamanha escuridão
espiritual, é bem provável que a pessoa recuse-se a fazer alguma coisa.

Ëbö

Doze búzios
Um galo

241
Carne seca

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de carne seca lembra o apego e a ignorância de Akínsà, além de simbolizar o


materialismo inerente a esse caminho de Odù. Oferecer carne seca significaria abrir mão do materialismo ou
erros conceituais que afastam o indivíduo da espiritualidade.

b) Seriam prudentes consultas sobre a necessidade ou não de abster-se do consumo de carne


durante um determinado período.

c) Não está claro no ìtan quais seriam os motivos de Akínsà para oferecer esse ëbö. Mas o bom
senso diz que se tal oferenda for realizada, certamente favorecerá a devoção espiritual do consulente, que
muito provavelmente cometeu ou está próximo a cometer atitudes espiritualmente execráveis e de
perigosos resultados.

Îbàrà 18

Àgbìgbò era o nome de um grande feiticeiro, conhecedor de muitos assuntos maléficos. Ele foi até
a floresta e lá esculpiu um caixão. Sempre que ele depositava esse caixão à porta de alguém, essa pessoa
morria. Isso aconteceu com os reis Alàrà, Ajûrö e Orögun Agà. Os adivinhos avisaram Îrúnmìlà que ele seria
o próximo. Îrúnmìlà levou as mãos à cabeça, e desesperado consultou Ìfá. Foi-lhe recomendado fazer um
ëbö à base de roedores e dendê, além de oferendas a seu Òkè Ìpînrí. Îrúnmìlà seguiu os preceitos como
deveria ser feito, e quando Àgbìgbò chegou para colocar o caixão em sua porta, Èñù apareceu. Através de
seu àñë, Èñù fixou o caixão à cabeça de Àgbìgbò, que nunca mais pode colocá-lo no chão novamente,
sendo condenado a passar o resto de seus dias com o caixão preso à cabeça. Assim, graças ao ëbö e a Èñù,
Îrúnmìlà livrou-se do perigo de morrer precocemente devido a um poderoso feitiço.

242
"A mosca recusa a morte por decapitação. O mosquito recusa a morte por remoção de seu
fígado". É evidente que há uma considerável negatividade quando esse caminho de Îbàrà aparece. Tal
passagem evidencia que não se deve aceitar passivamente os malefícios que podem aparecer. É preciso
usar todos os meios disponíveis para evitar que a morte (ou qualquer outro tipo de prejuízo) surja
precocemente.

"Îrúnmìlà, um feitiço está se aproximando de você". De todos os tipos de malefícios que podem
aparecer sob a influência desse Odù, o que merece maior destaque sem dúvida são os feitiços. Será
necessário checar se o consulente possui inimigos, e se Ìfá confirmar tal possibilidade, também será
importante ter idéia de qual inimigo pode ser a origem dos feitiços em questão. Em relação a esse
importante pormenor, o ìtan também diz, “O complexo está chegando, mas ele é filho da simplicidade”.
Analisando criteriosa e cuidadosamente, essa passagem pode ser um indício de que a origem dos feitiços é
mais óbvia do que se imagina. É óbvio que outros tipos de malefícios não devem ser desconsiderados, ainda
mais sendo esse Odù tão propício à negatividade em geral. Devido a citação de Ìkú, seria prudente cancelar
viagens, festas, cirurgias ou qualquer outro excesso que possa abrir as portas para a morte.

"Ìfá diz que quando nós vemos Àgbàlagbà Mýfà (O sexto Ancião, Îbàrà) no àtë, devemos fazer
oferendas a Ìfá. Devemos oferecer comida e bebida a Ìfá, e devemos prestar muitas reverências a Èñù,
que fixou o caixão na cabeça de Àgbìgbò. Ele disse, ‘Você o carregará por todas as partes’". Èñù é o
fator de proteção nesse caminho de Îbàrà. Foi ele que impediu que o feitiço chegasse até Îrúnmìlà, e sem
dúvida será ele que auxiliará o consulente nessa questão tão perigosa. Não há citações sobre a necessidade
de oferendas a Ûlûgbárà, portanto o babalawo deverá definir se tais "reverências" significam uma oferenda,
ou simplesmente demonstrações rituais de respeito e consideração pela divindade que mais auxilia o ser
humano.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Uma galinha
Um galo
Um òkété
Um pombo
Bastante azeite de dendê
Oferendas a Òkè Ìpînrí
Oferendas a Ìfá.

243
Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

b) É comum o uso de muito azeite de dendê em ëbö ligados a Ìkú, Ajogún, Àjý, etc., a fim de
aplacar a ira dos mesmos. Sua presença nesse ëbö sem dúvida visa enfraquecer a força dos feitiços e
negatividades em geral.

c) É difícil saber se por "Ìfá" Salàkï quis dizer Îrúnmìlà ou Ìfá em si. Para muitas pessoas entendidas
de Candomblé, os apetrechos oraculares de um sacerdote fazem parte de seu Òkè Ìpînrí, por isso
“comem” junto com seu Òrìñà. Graças a esse fato, é possível que as oferendas feitas por Îrúnmìlà a seu
Òkè Ìpînrí correspondam ao fortalecimento do àñë de seus apetrechos divinatórios, em certas ocasiões
genericamente chamados de “Ìfá”. Caberá ao awolòrìñà definir esses importantes detalhes, assim como a
natureza das citadas oferendas. Se as oferendas tiverem que ser feitas à divindade Îrúnmìlà, e não aos
apetrechos divinatórios do consulente (que nesse caso seria um graduado sacerdote de Òrìñà), há um
detalhe importante que precisa ser considerado. Muitos defendem a idéia de que apenas um babalawo
pode fazer oferendas a Îrúnmìlà, assim como apenas um Öjë graduado pode fazer oferendas a Egún Àgbà.
Nesse caso, será Ìfá que deverá definir cada passo para a resolução de tão intricada situação. Ao zelador de
Òrìñà caberá a observação de todos esses detalhes, no intuito de auxiliar o consulente da melhor maneira
possível.

d) Algumas pessoas que realmente conhecem Candomblé aconselham que sejam feitas oferendas
a Orí e ao Òrìñà de uma pessoa, sempre que feitiços estiverem presentes. Coincidentemente ou não, essa é
a exata informação que aparece no ìtan. Caberá ao awolòrìñà definir a natureza de tais oferendas, e quais os
elementos do Ìpînrí do consulente deverão recebê-las.

244
Îbàrà 19

Antes que o àiyé se separasse do îrun, existia uma vendedora de bebidas cujo nome era Ibà. Todos
os Òrìñà, até mesmo os Ajogún Ìkú e Àrun, compravam bebidas de Ibà. Ìkú gostava tanto das bebidas
alcoólicas, que se ele chegasse em uma casa e não encontrasse nada para beber, ele matava todos os
moradores de tal casa. Numa consulta a Ìfá, Îrúnmìlà foi aconselhado a fazer um ëbö, pois Ìkú e outros
Ajogún poderiam visitá-lo. Para evitar uma tragédia, Îrúnmìlà deveria comprar ötí ökà (um tipo de bebida
fermentada iorubana) e estocar em sua casa. Também deveria dispor de uma boa quantidade de ûkî, àkàrà,
obì e milho, pois seria preciso alimentar seus indesejados visìtantes, se esses de fato aparecessem. Tudo isso
Îrúnmìlà estocou em sua casa. Mas qualquer pessoa que passasse à sua porta, Îrúnmìlà convidava para
entrar e comer. Os Ajogún não apareceram, mas Îrúnmìlà dançou e regozijou com seus comensais, feliz pela
comunhão do repasto e pela garantia de continuidade de sua vida.

"Em qualquer casa que Ìkú viesse e não encontrasse ötí, ele mataria seus moradores". ötí no
Candomblé é uma substância gún (excitante). Esse fato mostra que a vitalidade veiculada por ötí aplaca a
sede de Ìkú, saciando-o e não permitindo que ele leve alguém de volta para o îrun antes do momento certo.
Fica então evidente a razão do uso de ötí em quase todos os ritos no Candomblé. É muito provável que Ìkú
venha visitar a casa dessa pessoa. Nesse caso, seria prudente manter bebidas alcoólicas e diversos
alimentos em casa, seguindo as orientações trazidas por Îbàrà nesse caminho de Odù.

"Qualquer um que aparecesse, ele (Îrúnmìlà) chamava para comer, e eles comiam". Agindo
dessa forma Îrúnmìlà afastou Ìkú. Essa passagem faz lembrar as (supostas) origens dos Pratos de Nàná. É
possível que esse seja um velho costume ioruba, onde a vitalidade dos comensais pode auxiliar aquele que
esteja doente ou ameaçado pela morte. Se Ìfá confirmar a proximidade de Ìkú ou Àrun para essa pessoa (ou
alguém próximo), seria aconselhável efetuar o mesmo rito que Îrúnmìlà fez sob orientação do babalawo. Ou
seja, convidar pessoas para um jantar farto, na esperança de que o àñë de cada um, além do sentimento de
gratidão e confraternização, favoreça para que Ìkú não leve ninguém embora precocemente. A idéia básica
desse caminho de Îbàrà é a proximidade de Ìkú e Àrun, além da possibilidade de mantê-los calmos com

245
oferendas. É óbvio que deve-se considerar a possibilidade de doenças (Àrun, a doença, também é citado no
ìtan), mas também seria prudente evitar viagens, cirurgias, festas, excessos e qualquer comportamento que
possa ser considerada potencialmente perigosa.

“Quando se forja uma enxada, deve-se aplAiná-la batendo”. Esse é um ditado ioruba que
explana considerável sabedoria. Se apesar de todos os esforços não for possível evitar que algum Ajogún
visite o consulente, o mesmo deverá considerar suas futuras dores como um elemento necessário ao seu
aperfeiçoamento, da mesma forma que as batidas do ferreiro dão forma à futura enxada. Tudo existe
porque Olódúmarè deseja ou permite. Se Ele permite a existência dos Ajogún, certamente suas razões são
justas e perfeitas. É importante salientar que devido às características desse Odù, se houver claro
entendimento da mensagem aqui exposta, serão grandes as chances de tal sofrimento não ocorrer.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Seis galinhas
Seis pombos
Oferendas a Ìfá
Oferendas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) As comidas oferecidas por Îrúnmìlà no banquete são: ûkö, àkàrà, obì, îkà e ërin (um tipo de
milho). Essas comidas, mais aquelas de consumo normal do consulente, devem fazer parte do banquete a
ser servido para a promoção da saúde e vida longa. É imprescindível a presença de ötí, tanto no banquete
como na casa da pessoa.

b) O ìtan não deixa claro quais as oferendas que devem ser feitas a Ìfá. Caberá ao awolòrìñà definir
essa importante questão; levando em consideração que para algumas pessoas, apenas sacerdotes de
Îrúnmìlà podem lhe oferecer sacrifícios. É óbvio que será Ìfá que definirá tais pormenores.

c) A proximidade de Ìkú e Àrun justifica a necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí, pois há a chance
do indivíduo ser afastado definitivamente de seu destino pessoal, simbolizado por Orí. Caberá ao awolòrìñà
definir os caminhos pelo qual as oferendas a Òkè Ìpînrí deverão ser realizadas.
d) A finalidade de tal ëbö, assim como do banquete, é evitar enervar Ìkú, evìtando assim que
alguém volte ao îrun precocemente. Também pode-se considerar que o clima de alegria, normal em um
banquete, favoreça para que o indivíduo não seja “visitado” por nenhum Ajogún.

246
Òdí

Considerações gerais

247
É conhecido o fato de que um mesmo Odù possa ter características diferentes, dependendo das
tradições culturais de sua região iorubana de origem. Talvez seja essa a razão de Òdí ter demonstrado ser
Odù muito diferente do que geralmente se conhece no Candomblé brasileiro. Toda a negatividade que se
acredita caracterizar esse Odù (que para alguns é sinônimo de tudo o que existe de ruim) mostrou-se quase
sempre infundada, ao menos na versão de Salàkï. São muitos os caminhos de Òdí onde a prosperidade, a
conquista de um bom nome, a elevação espiritual e até a paz de espírito estão presentes. Mas tais bênçãos
baseiam-se em alguns fatores específicos, como será visto a partir de agora.
Como uma definição categórica de que o título de “mais negativo dos Odù” não se aplica a Òdí
(e provavelmente a nenhum outro Odù), merece destaque o fato de a prosperidade ser o assunto que mais
vezes aparece em seus caminhos. Certamente há outros Odù onde o elemento prosperidade é mais ativo
(Îñý, Ogbè), mas o natural é que haja nesse Odù prosperidade suficiente para a manutenção das principais
necessidades do ente humano. Apesar dessa última colocação, também há caminhos de Òdí que
transcendem o conceito geral de prosperidade (condições de saldar dívidas, se desenvolver e ter uma boa
vida). Especificamente nesses caminhos são consideráveis as chances de riquezas, onde a prosperidade do
indivíduo transcende suas necessidades básicas. Só esses aspectos de Òdí seriam necessários para reverter
à imagem que geralmente se tem dele, mas ainda há uma série de outros assuntos positivos a serem
considerados.
Um detalhe que precisa ficar bem claro é que a prosperidade já abordada, assim como as bênçãos
que os ìtan chamam de “vida agradável”, em Òdí geralmente são frutos diretos de atividades litúrgicas e
devocionais bem definidas, embora não se possa negligenciar a importância do trabalho nesses casos, se
bem que nada comparado a Îbàrà, Ogbè e outros Odù que abordam esse assunto. Em mais de um episódio
alguns personagens dos ìtan procuram um babalawo por encontrarem-se com a vida atrapalhada nos mais
diversos setores, e os mesmos são aconselhados a cultuarem uma determinada divindade, fazerem
oferendas a Orí, etc. Nesses casos, a atividade litúrgica/devocional reverte imediatamente o quadro de
dificuldades do personagem/consulente, gerando abundância, riquezas e felicidade. Em outras situações o
personagem/consulente procura um babalawo no intuito de desenvolver um “bom nome”
(honorabilidade, dignidade, condição ética impoluta); mas os resultados das oferendas feitas nesses casos
extrapolam esse objetivo, favorecendo a obtenção de riquezas e oportunidades, além da honorabilidade
que caracteriza um “bom nome”. O fato a ser destacado é que o equilíbrio espiritual, estando-se sob a
influência de Òdí, geralmente acarreta uma vida consideravelmente tranqüila e próspera. A impossibilidade
financeira de manter tais cuidados litúrgicos deverá ser considerada anormal, devendo ter investigadas suas
possíveis causas e, uma vez descobertas, saná-las se assim for possível, pois há dificuldades na existência
humana que certamente gozam do aval de Ölïrun, pois favorecem o despertar de uma consciência espiritual
mais vasta e profunda.
Apesar de todas essas questões positivas, é preciso salientar as dificuldades vividas por alguns
personagens dos ìtan, antes de receberem dum babalawo a devida orientação. Em alguns casos, tais
dificuldades são conseqüências diretas de negligências espirituais ou de falta de planejamento,
principalmente no que diz respeito aos gastos pessoais. Esses são fatores que podem gerar consideráveis
dores quando esse Odù se manifesta, portanto devem ser evitados a qualquer custo. Toda a negatividade
tradicionalmente atribuída a Òdí (perdas, brigas, infortúnios de toda a ordem) poderá ser esperada, se por
algum motivo o indivíduo desprezar os elementos mais básicos desse Odù, que são a manutenção de um

248
bom nome, o cumprimento de deveres assumidos, a observação da atividade litúrgica/devocional, e
principalmente, a busca pela sabedoria através da introspecção e autoconhecimento.
Alguns desses elementos estão diretamente associados à grande influência de Òñàlá e dos
ancestrais em Òdí. A principal divindade criadora dos iorubas aparece em vários caminhos de Òdí,
evidenciando os elementos espirituais desse Odù, pois é impossível desassociar a figura de Òñàlá de tudo
aquilo que pode ser chamado de espiritualizado ou elevado. É pouco provável que um indivíduo que tenha
Òdí por “padrinho” não tenha em seu Ìpînrí uma grande influência de Òñàlá. O ideal é que essa mesma
influência, independentemente do Òrìñà ao qual o indivíduo em questão seja consagrado, favoreça as
características de introspecção, silêncio e contemplação, implícitos em vários caminhos de Òdí. Essas
mesmas características, por sua vez, hão de conduzir o indivíduo espiritualmente consciente à sabedoria e
ao autoconhecimento já abordados. A própria necessidade de compreensão de leis espirituais favorecerá
um certo comportamento mais reservado e introspectivo quando houver a influência desse Odù. Tal
comportamento, juntamente com aspirações espirituais elevadas, é consideravelmente influenciado pela
presença marcante dos Òrìñà Funfun.
Também é preciso salientar que a maciça influência de Òñàlá explica ao menos em parte uma
outra característica de Òdí; o sofrimento que favorece o crescimento espiritual. Essa também é uma
característica de Òfún, que todos sabem é o Odù que melhor expressa a realidade espiritual de Òñàlá. Nos
caminhos onde tal sofrimento está presente, o personagem é conduzido por suas próprias pernas a uma
realidade consideravelmente sofrida, que altera sua forma de ver e sentir o mundo, favorecendo o despertar
da sabedoria latente em todo ser vivente, pela graça de Olódúmarè. Invariavelmente nesses casos, uma fase
de consideráveis bênçãos aguarda esse mesmo personagem, depois que houve a devida conscientização
das questões espirituais que justificaram tamanha dor. Um dos ditados de Odù que melhor expressa essa
realidade é encontrado no sétimo caminho de Òdí, “Quando se forja uma enxada, bate-se nela até que
fique plana”. O sofrimento encarado por Òñàlá no décimo sexto caminho de Òdí é a mais clara expressão
de crescimento espiritual através da dor, que por uma questão de justiça divina leva o indivíduo ao desfrute
de tudo aquilo que, sem a devida sabedoria, lhe seria um incentivo à ignorância espiritual e apego material.
Quanto a todos esses detalhes é imprescindível ressaltar a importância de Àtûmîrà, a resignação espiritual
dinâmica, que ao invés de conduzir o indivíduo ao conformismo ou pessimismo, gera no mesmo o desejo
de compreender tudo aquilo que o sofrimento oferece, para que num futuro próximo seja possível dar o
devido valor àquilo que se transformará em grande felicidade.
Dentre todos os Odù citados por Salàkï, Òdí, Îsá e Îwïnrín são aqueles que sem dúvida possuem
maior conotação ancestral, com a diferença que Òdí pende mais para o lado de Òrìñà, Îsá para o lado de
Ìyàmi e Îwïnrín para o lado de Egún. A ancestralidade nos caminhos de Òrìñà geralmente representa a
necessidade da perpetuação do culto e das tradições que, durante gerações, vêm auxiliando o
desenvolvimento espiritual e o equilíbrio material de uma determinada família ou comunidade. Em Òdí essa
ancestralidade é representada nas ocasiões em que há oferendas aos “ Egún da casa” (nos textos, nome
genérico dado aos ancestrais de uma determinada linhagem), no intuito de solucionar uma determinada
crise; mas principalmente quando há a citação textual sobre a necessidade do consulente prestar culto, ou
no mínimo fazer oferendas, à divindade de seu pai. Quando isso ocorre, já é uma alusão ao fato das crises
em questão estarem direta ou indiretamente relacionadas ao abandono da divindade familiar, que como já
foi visto, invariavelmente acarreta consideráveis sofrimentos quando Òdí rege uma determinada situação.
Todos sabem que os ancestrais, entre outras coisas, são os guardiões da conduta ética do indivíduo e da

249
comunidade. Ficam assim explicadas as constantes preocupações com o “bom nome” expostas nos
caminhos de Òdí. Tudo isso evidencia que a observação da verdade, o honrar compromissos e a
preocupação com a ética, são fatores importantíssimos para que haja crescimento e felicidade quando uma
situação encontra-se sob a influência de Òdí. O culto aos ancestrais existe em quase todas as culturas
antigas, visando não apenas as bênçãos dos que já se foram, mas também manter na mente e no coração a
idéia de que um dia todos se convertem em ancestrais; sendo então necessário agir com honra para o
benefício de toda a linhagem familiar ou da comunidade. Tal culto mantém vivo a certeza de que o homem
é um ser espiritual, momentaneamente revestido de trajes físicos. A conscientização da ancestralidade
favorecerá o surgimento da transcendentalidade, necessária quando Òdí se manifesta. Favorecerá também
a idéia da relatividade do àiyé; de que não é inteligente nem compensatório sacrificar a espiritualidade em
troca de alguns prazeres fugazes como bolhas de sabão. O constante contato com os ancestrais auxiliará a
percepção do que realmente somos, de onde viemos e o que estamos fazendo nesse mundo. Embora sejam
necessárias consultas específicas a esse respeito, é muito provável que quando Òdí “apadrinha” alguém
(o que geralmente só é visto ao término do processo de iniciação), será necessário que esse indivíduo
preste culto à divindade tutelar familiar, independentemente das características de seu Òkè Ìpînrí.
Também merece destaque a presença constante de sacerdotes nos caminhos de Òdí. Não há
nenhuma citação textual de que o indivíduo será um líder espiritual, como acontece em Ogbè, Îñý, Ìròsùn e
Ofun. Mas as características de Òdí evidenciam que dificilmente a felicidade do indivíduo poderá ser
desassociada da espiritualidade. Ou seja, a eventual iniciação a Òrìñà geralmente é indicada quando Òdí se
manifesta no àtë, e quando o indivíduo em questão possuiu um Orí adequado, essa mesma necessidade de
iniciação poderá se converter no que geralmente é chamado de “missão” pelos adeptos de nossa
religião. Muitos defendem a idéia de que Òdí não aparece para pessoas que não tenham nenhum tipo de
compromisso com Òrìñà. Dessa forma, mesmo que Ìfá não confirme a “missão” de um determinado
consulente, muito provavelmente o fará no que diz respeito à iniciação do mesmo. A presença constante de
personagens que cultuam Òrìñà, além de citações semelhantes a culto, sugere que Òdí seja um Odù
indicado para iniciação, sendo bem possível que sua manifestação denuncie ao sacerdote um consulente
que, sendo iniciado, não queira se identificar como tal. As razões dessas características de Òdí baseiam-se
no fato de que, em vários caminhos desse Odù, a solução da problemática levada pelo
personagem/consulente a Ìfá sugere que o mesmo seja iniciado, pois em muitos casos além da oferenda
prescrita, são necessárias oferendas a uma determinada divindade, ao Orí ou a própria ancestralidade do
consulente. E todos os que têm experiência nos “assuntos de Santo” sabem que esse tipo de resolução de
problemas quase nunca se encaixa no perfil daquele que é popularmente chamado de “cliente” nos
Candomblés, ou seja, o indivíduo cujas relações com o Candomblé não envolvem questões litúrgicas mais
complexas. Dessa forma pode-se assegurar que quando Òdí se manifesta, geralmente há alguma razão
espiritual mais profunda. Razão essa que se investigada pelo awolòrìñà, na maioria dos casos conduzirá à
iniciação ou no mínimo a níveis menos intensos de relacionamento com Òrìñà e com os ancestrais, como as
oferendas a Orí.
A presença de Òdí torna necessário um equilíbrio entre o trio Orí/Ancestrais/Òrìñà. As bênçãos de
Òdí aparecem quando esses três fatores estão em harmonia. Tal equilíbrio será consideravelmente
favorecido por Èñù, cujos trabalhos de pacificador e auxiliador pessoal estão em evidência nesse Odù.
Havendo harmonia entre todos esses fatores, a pessoa se fortalece e passa a contar com uma grande

250
proteção espiritual, que se manifestará em sua vida em forma de consideráveis positividades, tanto material
como espiritualmente falando.
Geralmente um conhecimento mais apurado dos Odù mostra que muitas vezes há dificuldades
para encaixar ações e pensamentos aos conselhos e condutas sugeridos pelos mesmos. Òdí é um Odù difícil
de seguir; portanto não serão raras às vezes em que pessoas sob Òdí agirão de forma contrária às suas reais
necessidades espirituais. Isso é desequilíbrio espiritual, presente em alguns caminhos desse Odù. Tal
desequilíbrio pode gerar medos infundados, inconformismo ou não aceitação das dificuldades inerentes à
vida. Nesses estados mentais praticamente não há evolução, daí a necessidade de constantes oferendas a
Orí, para que uma vez fortalecido e equilibrado, Orí possa conduzir a pessoa ao seu verdadeiro caminho e
às suas verdadeiras necessidades. É óbvio que a compreensão de tais fatos espirituais carece de uma
considerável capacidade de entendimento, aceitação e compreensão das leis que favorecem o
desenvolvimento pessoal, ou seja, uma boa cabeça. Provavelmente seja essa a razão de Orí ser uma das
maiores forças que se manifestam nos caminhos de Òdí. Os caminhos traçados por Orí para que o indivíduo
atinja o êxito serão mais facilmente percorridos com o auxílio de Èñù, que em comunhão com a
ancestralidade, os Òrìñà Funfun e Orí, forma a base da espiritualidade em Òdí. Um culto a Èñù é benéfico
em qualquer circunstância, mas em Òdí é simplesmente essencial. Poucas vezes nos caminhos desse Odù,
Èñù aparece como elemento de doloroso reequilíbrio universal, o que os hindus e budistas chamam de
Karma. Em sua maioria as aparições de Èñù evidenciam os aspectos benéficos dessa divindade tão
complexa, auxiliando o indivíduo em seu sucesso e desenvolvimento.
Um outro assunto que constantemente surge nos caminhos de Òdí são viagens. Em linhas gerais
essa particularidade de um Odù põe em evidência a idéia do novo, de novas oportunidades, de novos
desafios ou compromissos. É óbvio que literalmente viagens sempre representarão mudanças de cidade
(como de fato ocorre nos ìtan), mas não seria prudente negligenciar nenhuma das possibilidades
interpretativas. O que merece destaque é que as viagens que aparecem nos caminhos de Òdí estão
associadas ao desejo dos personagens em conseguir novos meios de sobrevivência ou prosperidade. Por
isso é possível que as viagens em questão influenciem de alguma forma as particularidades profissionais da
vida do consulente.
O elemento “poder” também está presente nos caminhos de Òdí. É representado pelos
personagens que adquirem a cobiçada posição de rei, ou uma outra posição social que favoreça a liderança
ou formação de opiniões. O que precisa ser salientado é que em todas essas situações, os personagens
mantiveram a consciência das responsabilidades que suas posições evocavam, por isso procuraram agir de
forma benéfica e justa com todos aqueles que hierarquicamente encontravam-se abaixo deles, inclusive
com inimigos.
Problemas de relacionamentos também existem com considerável força em Òdí. Há uma certa
tendência a ser mal interpretado, mesmo quando os intentos são sinceros. Com freqüência ocorrem
traições, o que faz da desconfiança algo às vezes necessário. Não se trata da desconfiança que considera a
todos culpados até provarem o contrário, e sim da desconfiança que sabiamente reconhece as limitações
humanas, que muitas vezes influenciam negativamente nas relações em geral. Apesar de haver a tendência
a ser mal interpretado e até traído, em Òdí não há espaços para vingança. Os próprios sentimentos que
nutrem a vingança prendem o homem ao àiyé. Esse fato é desastroso em Òdí, pois nesse Odù é necessário
um certo espírito de transcendência, que se baseia na compreensão da relatividade do àiyé, gerando um
desapego benéfico e necessário. Não se deve perder de vista que esse mundo é transitório; que não é sábio

251
prender-se a ele pelos grilhões do revanchismo. Atritos entre personalidades também podem ocorrer.
Nesse caso será preciso energia para defender os pontos de vista considerados corretos. A pessoa sob
influência de Òdí já tem tendência a não ser bem vista, interpretada ou aceita em alguns casos; não
defender-se seria o primeiro passo para que realmente acreditem em sua culpa, mesmo que
desmerecidamente. Mas é importante relembrar que vinganças não deveriam fazer parte da conduta
daqueles que sinceramente visam a espiritualidade.
O casamento é outra particularidade de Òdí. Nas poucas vezes em que aparece, assume um
aspecto de mútuo auxílio e complementação. Podem ocorrer muitas relações passageiras, mas a natureza
solitária de Òdí tende a completar-se um dia. Nesse momento o casamento assumirá um aspecto
transcendente, abençoado e único, que deve favorecer o crescimento espiritual de ambas as partes. Um
casamento sem tais características não se manterá, pois em Òdí a pessoa tende à insatisfação, mesmo que
aparentemente sem motivos.
Compaixão é outra virtude que aparece em Òdí. Diferentemente de Îñý, tal compaixão não leva
necessariamente à caridade, mas à identificação com quem sofre. Para tal será necessário transcender a
própria personalidade, pois como já foi visto, transcendência é uma das características de Òdí.
Verdadeiras guerras internas poderão ocorrer, caracterizadas por momentos de crises existenciais,
seguidos de fases de alegria espiritual. Em Òdí é necessário entrar em contato com a própria podridão
(simbolizada pelos vermes que aparecem em um de seus caminhos) para perceber que essa mesma
podridão é ilusória, assim como a sombra nada mais é que ausência de luz. Em momentos de grande
desequilíbrio pode-se chegar ao extremo de ofender as forças celestes. Isso é perigosíssimo, podendo
ocorrer graves retaliações por parte dos mentores espirituais, inclusive a interrupção precoce de um Àtùnwà
(renascimento).
São vários os aspectos que caracterizam o lado negativo de Òdí. A ingratidão certamente é um
deles. Há a possibilidade de o auxiliado de hoje, ser o inimigo mortal de amanhã, além de que são comuns
os rompimentos definitivos de amizades. Em alguns casos mais complicados, tais rompimentos são
espiritualmente prejudiciais, sendo então necessária a reconciliação. Òrìñà também fala de perigos nesse
Odù, e a prudência manda ampliar consideravelmente o rol desses perigos. Traições, desapontamentos
sentimentais, inimizades, prisões, insultos, inveja e acidentes com fogo merecem destaque nessa lista.
Em mais de uma ocasião, personagens dos caminhos de Òdí negligenciam suas responsabilidades
espirituais, ao não efetuarem as oferendas prescritas pelum babalawo. Desnecessário é dizer que as
conseqüências foram horríveis, para não dizer funestas. Como já foi visto outras vezes, negligenciar
oferendas prescritas é um exemplo clássico de falta de discernimento espiritual, na maioria das vezes
punida pelo considerável agravamento da questão levada a Ìfá. Isso por si só já seria um considerável
aspecto negativo de Òdí, mas é ainda mais grave quando é observado que os personagens que cometem
esses erros acreditavam estar numa situação de total segurança; um por que fazia parte dos devotos de
Olófin, e outro por que ocupava um alto posto no exército de um rei. Mas suas posições sociais não
impediram que grandes tragédias se abatessem sobre eles. Ou seja, além de existir a possibilidade de erros
de discernimento, o consulente poderá se considerar acima dos males que caracterizam boa parte da
existência no àiyé. Se houver sorte, provavelmente também haverá chance de arrependimento, mas
também será prudente considerar a hipótese de não poder contar com essa segunda chance, pois num dos
casos o personagem é morto pelo fogo, um símbolo universal de purificação espiritual.

252
Intrigas também fazem parte da negatividade inerente a Òdí. Em mais de uma ocasião um
determinado personagem é influenciado por terceiros a comprometer antigas amizades, geralmente em
nome de inverdades. Quando Òdí se manifestar o consulente poderá estar sujeito ao erro da intriga, ou a
estupidez de dar ouvidos a maldosas inverdades. Em ambos os casos a intuição espiritual e o discernimento
lógico poderão ser de grande valia.
Dificuldades generalizadas também poderão ocorrer sob a influência desse Odù, favorecendo um
quadro de desânimo e frustrações. Somente em raríssimas exceções essas dificuldades não terão uma
origem espiritual, pois esse assunto também é comum nos caminhos de Òdí. Não significa absolutamente
que alguma entidade espiritual gere o sofrimento em questão, mas simplesmente o indivíduo colocou-se
numa situação onde a expiação tornou-se necessária. Havendo paciência, resignação e sabedoria, muito
provavelmente os cuidados litúrgicos inerentes a Òdí reverterão satisfatoriamente a situação.
Todos esses fatores negativos favoreceram para que durante muitos anos Òdí fosse injustamente
associado a desgraças. Na verdade o que ocorre é justiça e cumprimento de leis espirituais, que punem
severamente, mas também auxiliam aqueles que desejam fazer o que Orí inspira como correto.
Resumidamente, Òdí é um Odù muito complexo, onde o potencial espiritual choca-se com os limites da
carne; onde a capacidade de entendimento esbarra na dificuldade de agir corretamente; onde a felicidade
está atrelada ao compromisso, à ética e retidão espiritual. Mas onde há também toda uma legião espiritual
disposta a auxiliar quem busca a elevação de seus princípios e a felicidade no àiyé.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Òñàlá
b) Egún
c) Orí
d) Èñù
e) Ñàngó
f) Öya
g) Ògún
h) Òrìñà Oko
i) Òñàògìyán
j) Îrúnmìlà
l) Yemowò (Como o culto a Yemowò praticamente só existe em Ifé, talvez se possa considerar a influência
de Yemöja nesse caso, tendo em vista que no Brasil é Yemöja que ocupa o lugar de companheira de Òñàlá).

Presente a Òdí

Cento e quarenta búzios


Um ìgbín
Um preá
Um peixe

253
Uma galinha
Uma cabaça
Uma enxada
Um tecido branco
Obì
Sementes de melão
Folhas de îdúndún e tûtû
A roupa que estiver vestindo
Diversas comidas e bebidas, etc.

Òdí 1

Existiu um certo rapaz cujo nome era Lágbònpalà. O tempo ia passando e ele começou a se
preocupar, pois ainda não havia encontrado aquela que seria a mãe de seus filhos. Na mesma época existiu
uma mulher chamada Arúgbó (mulher de certa idade, madura). Sua mocidade já havia passado, e ela
também não havia encontrado ninguém para ser seu marido. Sem que um soubesse da existência do outro,
Lágbònpalà e Arúgbó procuraram um babalawo, desejosos em reverter o quadro de infelicidade de suas
vidas. Foi aconselhado a ambos que fizessem uma determinada oferenda, e que também oferecessem uma
galinha e um prato à suas respectivas cabeças. Arúgbó foi mais rápida que Lágbònpalà e chegou ao
mercado bem cedinho, no intuito de comprar o que fosse preciso para sua oferenda. Exatamente naquele
dia, os mercadores haviam levado ao mercado apenas uma galinha e um prato. Quando Lágbònpalà
chegou, Arúgbó já havia comprado os elementos de sua oferenda, e não havia mais nada para Lágbònpalà
comprar. Desesperadamente ele tentou convencer Arúgbó de lhe vender a galinha e o prato, mas perante a
irredutibilidade dela, eles começaram a discutir. Èñù chegou e exigiu explicações. Cada um expôs seu caso.
Èñù disse que Òñàlá era maior que ambos, e que ele saberia o que fazer. Dessa forma Èñù os levou até a
casa de Òñàlá. Baba sentou os dois num àpótí, tocou um obì em suas frontes, ofereceu o prato à cabeça de
ambos e imolou a galinha. Baba disse, “Vão e durmam numa esteira. Você é o homem, ela é a mulher.
Tenham muitos filhos”. Dessa forma Lágbònpalà e Arúgbó se casaram e começaram a viver juntos.

“O que Lágbònpalà deveria fazer para ter filhos em sua vida? O que Arúgbó deveria fazer para
ter filhos em sua vida?”. O descontentamento sentimental é a tônica desse caminho de Òdí. Devido a esse
fato não será surpresa se a solidão for parte integrante da vida do consulente. Importante salientar que
ambos desejavam por filhos. Analisando a questão de uma maneira mais ampla, esse fato pode representar
o desejo pelas mais gratificantes e profundas realizações pessoais. Filhos são uma grande bênção, que
tornarão possível a realização de outras bênçãos futuras. Certamente há insatisfação com as atuais
características da vida pessoal; mas de acordo com a estrutura do ìtan, esse quadro poderá ser revertido, se
houver a clara compreensão sobre as informações trazidas por Òdí nesse caminho.

“Quando Lágbònpalà chegou, ele tentou pegar o que precisava de Arúgbó. Ele disse que
queria comprar a galinha e o prato”. É necessário salientar a rapidez dos personagens em tentar resolver
seus problemas. Se tivessem sido mais lentos, com o pensamento de que as coisas poderiam ser resolvidas

254
mais tarde, certamente não se encontrariam. A agilidade de ambos evidencia o sincero desejo de reversão
da situação de solidão. O ideal é que tal presteza caracterize as atividades do consulente, para que as
chances de sucesso não passem sem que ele perceba ou tenha feito nada em nome de sua felicidade.

“Lágbònpalà disse, ‘Quer vender o prato e a galinha para mim?’. Ela disse, ‘O quê?’. Eles
estavam brigando”. Quer seja por ignorância ou por irritabilidade, o consulente poderá afastar de sua vida
as principais chances de felicidade. Especificamente nesse caso, isso só não ocorreu porque Òrìñà (aqui
representado a espiritualidade como um todo) resolveu interceder. Mediante tais fatos, seria prudente que
tranqüilidade e sabedoria caracterizassem cada uma das atitudes do consulente, para que mesmo
inconscientemente ele não feche as portas que poderão garantir seu futuro bem estar. É óbvio que a
espiritualidade será de grande auxílio para a manutenção dos estados mentais aqui sugeridos.

“Èñù chegou. Ele disse, ‘O que está acontecendo?’. Arúgbó expôs seu caso. Lágbònpalà
expôs seu caso”. A partir desse momento começa a ficar claro que nesse Odù, Òrìñà será um auxílio para a
resolução de questões sentimentais. A presença de duas das mais importantes divindades do panteão
iorubano nesse ìtan é a evidência cabal desse fato. Analisando dessa forma, o ideal seria que existisse uma
considerável harmonia entre o consulente e sua espiritualidade, representada nesse Odù pela necessidade
de oferendas a Orí. Também é importante salientar a positiva influência de Èñù para a resolução satisfatória
da questão.

“Òrìñà disse que eles deveriam se sentar. Òrìñà pegou o obì e com ele tocou-lhes a cabeça. A
galinha, Baba imolou à cabeça de ambos”. A experiência com Ìfá evidenciará que em raras exceções os
Òrìñà interferem nas questões sentimentais de um indivíduo. É óbvio que tal pensamento não se aplica a
esse caminho de Òdí. A definição sobre o casamento dos personagens é dada por Òrìñà. Levando-se em
consideração os elementos espirituais de tal situação, o ideal seria que o consulente vivesse uma relação
sentimental que somasse positivamente à sua espiritualidade. Também é preciso salientar que
independentemente de quais sejam as divindades pessoais dos envolvidos, Òñàlá é muito forte em suas
vidas. Abre-se então a possibilidade de um culto familiar a esse Òrìñà, desde que Ìfá assim o confirme.
Liturgicamente falando, esse caminho de Òdí, juntamente com um dos caminhos de Îsá, dá uma clara idéia
sobre os rituais de casamento na religião ioruba de outrora. Infelizmente tais práticas quase inexistem no
Brasil, onde cerimônias católicas são realizadas nessas ocasiões.

"Eles deveriam oferecer um prato de bronze e uma galinha às suas cabeças”. Como alguns
autores ilustres já demonstraram, Orí está intimamente relacionado ao destino pessoal. A manipulação do
Orí de uma pessoa diretamente pelas mãos de Òrìñà, é mais uma evidência de que nesse caso, a vida
sentimental está indissoluvelmente associada à espiritualidade. O fato de Orí representar a sorte (destino)
de uma pessoa, reforça a idéia de que o relacionamento em questão deverá favorecer a espiritualidade do
consulente.

“Arúgbó foi para casa e começou a ter filhos. Ela teve sete filhos. Quando ela defecava, tinha
filhos. A casa estava cheia, a estrada os recebeu. Arúgbó dançava e regozijava. Ìfá fala de uma bênção de
filhos, de dinheiro e de vida longa”. O fato de Arúgbó ter conseguido os filhos que tanto desejava

255
evidencia os aspectos positivos desse Odù. O ìtan também fala de outras bênçãos, como prosperidade e
vida longa. Filhos representam realizações, e todas as bênçãos prometidas por Ìfá se manifestarão, se as
demais informações trazidas por esse Odù forem fielmente seguidas.

Ëbö

Quatorze búzios
Um galo
Sete pratos
Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) No ìtan, as duas partes envolvidas fazem a mesma oferenda. Se esse Odù aparecer de forma
negativa para uma pessoa já casada, o ideal seria se o casal envolvido fizesse o mesmo ëbö.

b) Os pratos são uma alusão à oferenda feita a Orí pelos personagens do ìtan. Reforça a idéia
sobre a necessidade de refortalecimento do àñë pessoal nesse Odù.

c) O ìtan diz que as oferendas a serem realizadas para Orí são constituídas de uma galinha e um
prato de bronze. No caso de consulente iniciado, tal prato poderá ser acrescido ao seu Ìgbá Orí. O
importante é que fique claro que o ëbö não estará completo sem oferendas a Orí.

d) Tal oferenda está relacionada à realização de questões sentimentais, em ocasiões semelhantes


às narradas no ìtan.

Òdí 2

Em certa época houve um homem chamado Olòde Òró, que era o rei da cidade de Òró. Ele andava
desesperado, em completa agonia, pois tudo em sua vida estava dando errado. Seus negócios decaíam, o
que ele se propunha a fazer não dava certo. Ele resolveu fazer oferendas ao Egún de sua casa, mas as coisas
não melhoraram. Nesse estado de aflição Olòde Òró resolveu consultar Ìfá. Òdí foi o que o babalawo viu, e
disse a Olòde Òró que ele deveria fazer uma oferenda. Mas além da oferenda prescrita, o babalawo também

256
aconselhou um culto cuidadoso a algumas divindades que haviam sido negligenciadas naquela cidade.
Eram elas Ìfá, que havia sido colocado ao longe, sobre um banco; e Òrìñà (Òñàlá), que havia sido largado
sobre uma tábua. Também foi aconselhada a realização de oferendas ao Òrìñà do mercado. Olòde Òró
seguiu fielmente as orientações de Ìfá. Fez o ëbö a Òdí, efetuou oferendas às divindades mencionadas, e
dentro de pouco tempo as coisas mudaram completamente em sua cidade. Sua vida tornou-se próspera e
organizada. Seus negócios iam bem. Os homens se sentiam fortes para trabalhar; a vida de todos estava
boa. Olòde Òró dançava e regozijava, ciente de que a compaixão de Olïrun havia se manifestado em sua
vida.

“Òdí káká; Òdí gìdì” No começo da narração do ìtan, essas expressões estão presentes. As
mesmas foram traduzidas como “dor” e “agonia” e evidenciam algumas características desse caminho
de Òdí. Desconforto e descontentamento ocorrerão devido a negligências espirituais, caracterizadas no ìtan
pelo afastamento em relação a Òrìñà (e da espiritualidade em geral).

"Ele colocou Ìfá longe, num banco; pôs Òrìñà longe, numa tábua. Sua vida estava atribulada e
ele estava infeliz”. Essa é a evidência de que as causas dos infortúnios inerentes a esse Odù são a
negligência e o afastamento em relação às coisas de Òrìñà. Devido a tal fato, muito provavelmente o
consulente seja iniciado, ou ao menos deveria ser. Também é provável que algum ancestral dele, em algum
momento da história, negligenciou Òrìñà, o que acabou acarretando nas dificuldades comuns a esse Odù. O
importante é que haja consciência de que só através da reaproximação em relação a Òrìñà (aqui
representado a espiritualidade como um todo) será possível reverter o quadro de consideráveis dificuldades
exposto no ìtan. E se de fato o consulente não for iniciado, a iniciação passa a ter um caráter emergencial
nesse caso.

"Ele fez oferendas a Egún ilé e para as divindades do tempo”. Essa passagem mostra as
primeiras atitudes de Olòde Òró para reverter a situação. Mas as oferendas por ele feitas não reverteram as
dificuldades que se abatiam sobre sua vida. Isso evidencia que não será Egún que conseguirá harmonizar a
situação, mas é importantíssimo salientar que após tais oferendas é que ocorreu a Olòde Òró a idéia de
consultar um babalawo. Ou seja, mesmo que a ancestralidade do consulente por si só não consiga resolver
as questões expostas nesse Odù, certamente influenciará para que seu descendente encontre as melhores
maneiras para tal.

“Disseram que ele deveria fazer oferendas ao Òrìñà do mercado”. Segundo algumas fontes
confiáveis, Olïja (Senhor do mercado) é um dos títulos de Èñù. É óbvio que serão necessárias consultas a
esse respeito, mas são vários os indícios de que também Èñù deverá ser propiciado, principalmente se
forem considerados os vários mitos que explicam a necessidade de se fazer oferendas a ele antes de
qualquer outro Òrìñà.

"Eles deveriam tirar Òrìñà do chão, deveriam cultuá-lo muito bem”. Essa é a chave para a
harmonização das questões quando Òdí aparece nesse caminho; zelar de Òrìñà. Indubitavelmente Òrìñà é o
fator de bênçãos nesse caso, e um culto respeitoso favorecerá a manifestação de consideráveis bênçãos,
como será visto mais à frente. Além dessa clara mensagem a esse respeito, é interessante a informação

257
sobre "tirar o Òrìñà do chão". Segundo algumas fontes, os assentamentos só devem ficar no chão para
"comer" (com raríssimas exceções), sendo literalmente "levantados" depois disso. Desse fato nasceu a
expressão "levantar o Òrìñà”. É intrigante a harmonia de algumas informações de Salàkï com algumas
fontes confiáveis do Candomblé brasileiro.

"Eles sacrificaram para Òrìñà; bênçãos vieram; a vida estava boa e seus destinos estavam em
ordem; a cidade estava fria (tranqüila); os trabalhadores estavam prósperos; os negócios do chefe iam
bem”. Como é natural em Òdí, cumprindo-se as obrigações espirituais a vida tende a ser próspera e
tranqüila. Essa passagem também evidencia o quanto Òrìñà é importante para a felicidade dessa pessoa.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Sete galinhas
Sete pombos
Sete ìgbín
Sete obì
Oferendas a Ìfá
Oferendas a Òrìñà (Òñàlá)
Oferendas à divindade do mercado (Èñù?)
A roupa que estiver vestindo

Comentários sobre o ëbö

a) O poderoso àñë movimentado pelo ëbö parece ser necessário para harmonizar as relações
entre Òrìñà e o consulente.

b) A presença de obì sugere a existência ou necessidade de sabedoria. Também evidencia traços


de espiritualidade. Analisando atenciosamente o ìtan, fica evidente a razão de tal simbologia.

c) Roupas em ëbö sugerem a necessidade de alteração de conduta, como se a atual personalidade


devesse ser "despachada", para que uma nova personalidade, em melhor harmonia com a situação, possa
surgir.

d) O ëbö não estará completo sem oferendas a Òrìñà e a Ìfá. O fato de aparecer no ìtan "Ìfá" e não
"Îrúnmìlà" é muito significativo. Tecnicamente falando, tal termo refere-se aos utensílios consagrados que
formam Ìfá, e não à divindade Îrúnmìlà. Se Ìfá confirmar tal possibilidade, poderá ser um indício de que o
consulente possua um oráculo montado para si, ou pelo menos deveria possuir. Nesse caso, tal oráculo
deveria receber oferendas, pois quando alguém recebe tal direito, Ìfá passa a ser considerado como um dos
elementos de seu Òkè Ìpînrí. Mas se as oferendas em questão devem ser feitas a Îrúnmìlà, caberá ao

258
awolòrìñà definir o que deverá ser feito, pois muitos defendem a idéia de que apenas sacerdotes de
Îrúnmìlà podem lhe fazer oferendas. Essa é uma questão complexa, que deverá ser definida com muita
calma e considerável conhecimento litúrgico.

e) O uso da palavra Òrìñà designando apenas uma divindade invariavelmente refere-se a Òñàlá. É
muito provável que seja esse o caso, principalmente pela força que esse Òrìñà exerce especificamente nesse
sistema oracular. Mas ainda assim seria prudente verificar se alguma outra divindade corresponde ao
“Òrìñà” citado no ìtan.

f) A grande quantidade de ìgbín certamente “acalmará” toda a situação. É importante frisar que
para o ioruba, “frio” significa calmo, propício e equilibrado.

g) A finalidade de tal oferenda é reverter um quadro de agonia, frustrações e perdas, dentro de


uma situação semelhante à narrada no ìtan.

Òdí 3

Antes que o àiyé fosse habitado por plantas, Îdúndún e Tûtû procuraram um babalawo, pois
queriam ter um bom nome no àiyé. Eles desejaram que as pessoas o reconhecessem por “Coisa fresca”,
como algo que oferece frescor e tranqüilidade. Foi recomendando aos dois que fizessem uma determinada
oferenda, e eles a fizeram. Quando Îdúndún e Tûtû chegaram ao àiyé, eles conseguiram uma vida
confortável. Cresceram e se espalharam pelas florestas e ao longo dos rios.

"Ninguém fica tão confortável ou desconfortável em sua vida, que não possa consultar Ìfá”. O
mito evidencia que Îdúndún e Tûtû são folhas que veiculam àñë ûrö, que acalma e propicia. Como tudo na
natureza (e fora dela) já foi determinado por aba (a ideação de Olódúmarè), certamente já estava certo que
tais ervas possuiriam essas particularidades. Mas isso não impediu que ambas consultassem Ìfá para saber o
que seria preciso para ter um bom nome e uma vida agradável no àiyé; e nesse ponto é possível entender a
passagem do ìtan acima exposta. Ninguém pode permanecer numa situação tão agradável que possa
negligenciar cuidados espirituais ou esforços pessoais. Mesmo que o awolòrìñà e até mesmo o consulente
não saibam porque tal mensagem se faz presente, certamente Òrìñà sabe; e o consulente seria prudente se
observasse esse conselho tão valioso. Também merece destaque o fato de que sempre que folhas são
citadas Ìfá, serão prudentes consultas a respeito da saúde do consulente ou possíveis feitiços.

"Eles desejavam ter seus próprios nomes no àiyé”. Como já foi dito, tanto Îdúndún como Tûtû
desejavam ser conhecidos como propiciadores do àñë ûrö (calmo, tranqüilo, propiciador). Esse fato evoca a
idéia de auto-afirmação. Pode ser essa uma ocasião para a pessoa se afirmar no àiyé, quer seja
profissionalmente, sentimentalmente ou de qualquer outra forma, pois o conceito de “vida agradável”

259
pode ser bem amplo. Também merece destaque o fato de que para conquistar um bom nome é
imprescindível a respeitabilidade; a observância de uma conduta pessoal ilibada. Logo, atitudes que visem
fortalecer o próprio caráter estarão em sintonia com esse Odù, e certamente favorecerão a manifestação de
consideráveis bênçãos.

"Uma bênção na floresta, uma bênção de vida longa pelo rio”. Floresta e rio são dois elementos
de grande força no culto Egún. Embora não haja nenhum outro fator que aparentemente possa justificar
maiores cuidados, seriam prudentes consultas relativas à ancestralidade do consulente.

“Òrìñà fala de uma vida agradável”. A presença de duas folhas essencialmente “frias”
(Îdúndún e Tûtû) dá a entender que há àñë ûrö nesse Odù. No ìtan elas são chamadas de "Algo frio". Para o
ioruba, "frio" significa tranqüilo, equilibrado e bom. Esses importantes detalhes, acrescidos ao fato de que
não há oferendas prescritas para esse Odù, geram a idéia de que há um Orí equilibrado aqui, prestes a
receber bênçãos em sua vida. No geral, esse parece ser um Odù benéfico, sem grandes preocupações, mas
onde a construção de uma vida respeitável parece ser importante. É provável que tal respeitabilidade esteja
vinculada à religião; daí a citação sobre Ìfá e sobre folhas largamente utilizadas nos rituais ao Òrìñà.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) O ìtan diz que Îdúndún e Tûtû fizeram uma oferenda. Contudo, não há nenhuma oferenda
prescrita no ìtan. Abre-se então a possibilidade de ser necessária a montagem de uma oferenda baseada
nas demais informações que as técnicas de leitura de jogo possam revelar. Mas é óbvio que a realização de
tal oferenda carecerá de consultas específicas.
Òdí 4

Houve uma época em que o reino de Irè estava passando por grandes dificuldades. Os àbìkú não
sobreviviam, os rios estavam secos, havia muito tempo que a chuva não caía. Tamanhas eram as
dificuldades em Irè que o rei, chamado Onírè Jùmu, resolveu consultar um babalawo. Ele perguntou a seus
conselheiros qual babalawo deveria chamar, e foi aconselhado a jogar com “Lebre de patas curtas”. O
babalawo consultou para Onírè e Òdí foi o que ele viu. Lebre disse a Onírè que Ògún, que era a divindade
cultuada pelo seu pai, havia sido deixado de lado, juntamente com seus amigos Ñàngó e Òrìñà Oko. Onírè
já havia feito oferendas ao Egún da comunidade, mas nada havia acontecido; então ele resolveu seguir as
orientações do babalawo. Fez a oferenda prescrita, tanto a Òdí como a Ògún, Ñàngó e Òrìñà Oko. Com uma
cabaça cheia de feijões ele foi à floresta. Deixou um pouco dos feijões lá, e também um pouco na estrada
que levava a Irè. Enquanto fazia isso, ele chamava por Ògún; “Ògún, wá’lé o” (Ògún, venha para casa).

260
Depois de um tempo, Ògún, Ñàngó e Òrìñà Oko chegaram. Ògún trouxe a força e as ferramentas para o
trabalho, Ñàngó trouxe a chuva que garantiu a vida de Irè, enquanto Òrìñà Oko garantiu a fartura com as
técnicas de agricultura. Os àbìkú não morriam mais; os rios estavam cheios, as pastagens estavam
verdejantes. A vida em Irè estava boa como há muito não acontecia. Onírè dançava e regozijava, consciente
de que graças a intervenção do babalawo e dos Òrìñà, a vida continuaria feliz no reino de Irè.

“A vida de Onírè estava atrapalhada e ele estava infeliz”. Dificuldades generalizadas estarão
presentes quando Òdí se manifestar nesse caminho. Devido às informações trazidas pelo ìtan, a causa de
tais infortúnios é a negligência espiritual, como será visto mais à frente.

“O pai de Onírè Jùmu cultuava Ògún. Ògún era o Oríñà que ele servia. Quando Onírè Jùmu
subiu ao trono, ele não cultuou mais Ògún; nem a Ñàngó, amigo de Ògún, nem a Òrìñà Oko, amigo de
Ògún”. Òdí é um dos Odù que melhor explana questões de ancestralidade. De acordo com a passagem
acima, a causa do sofrimento de Onírè foi a negligência em relação às suas obrigações religiosas; à sua
ancestralidade. Tais fatos evidenciam que o abandono do Òrìñà, e por extensão da própria espiritualidade,
acarretarão os mais diferentes infortúnios para o consulente. O ideal seria que imediatamente fossem
tomadas atitudes que visassem harmonização essa complicada situação. Ainda que de forma muito sutil, a
atitude de Onírè em relação a Òrìñà pode ser interpretada como ingratidão, pois o momento de abandono
das responsabilidades espirituais coincidiu como a subida de Jùmu ao trono. Seriam interessantes reflexões
a esse respeito.

"O Òrìñà de seu pai; o Òrìñà de sua linhagem, ao qual você não quer retornar”. Toda a trama do
ìtan gira em torno do Òrìñà do pai de Onírè e na necessidade de voltar a cultuá-lo. Nesse ponto aparece
uma incógnita: o Òrìñà do pai de Onírè é Ògún, mas a prudência manda considerar a hipótese da divindade
a ser cultuada pelo consulente não ser necessariamente Ògún, valendo então somente o exemplo exposto
no ìtan, mesmo que com outros personagens. O importante é que fique claro que o consulente deve prestar
culto ao Òrìñà de sua linhagem, e caberá ao awolòrìñà definir qual seria essa divindade, considerando que
são maiores as chances da mesma corresponder a Ògún.

"Ele sacrificou a Egún ilé e às divindades do tempo, mas isso não ajudou”. Essa passagem
mostra que apesar da grande força dos ancestrais em Òdí, a questão exposta nesse caminho de Odù refere-
se a Òrìñà. Somente através de um culto respeitoso às divindades definidas por Ìfá será possível harmonizar
essa complexa situação. O ìtan fala de Ògún, Òrìñà Okó e Ñàngó. Tais divindades aparecem no ìtan talvez
como evocação às oportunidades (Ògún), trabalho e abundância (Òrìñà Okó), riquezas e conquistas
(Ñàngó). A idéia é de que o culto da divindade familiar (seja qual for essa divindade) atrairá as bênçãos
simbolizadas por esses três Ëböra.

"Ìfá diz que essa pessoa deve cantar para a divindade de seu pai, que ela deixou de lado há
algum tempo”. Esse é o resumo de toda a trama contada por Òdí nesse caminho de Odù: a negligência à
divindade familiar e a necessidade de recomeçar o culto à mesma, com o objetivo de cessar um período de
dificuldades e iniciar um período de prosperidade e abundância.

261
“Então Ñàngó abriu um pouco as portas de água, e a chuva caiu. A chuva caiu por sete dias. As
árvores que estavam secas, desabrocharam. Os rios que estavam secos, tinham água novamente. Os
animais estavam se reproduzindo. Os que estavam acamados, se levantaram. As mulheres estéreis
estavam tendo filhos. Os trabalhadores prosperaram em Irè. Aqueles que nasciam àbìkú, sobreviviam. Irè
tornou-se uma boa cidade”. O ìtan relata uma grande quantidade de bênçãos, muita harmonia, felicidade
e prosperidade. Todos esses benefícios são oriundos da reaproximação com a divindade familiar. Pelo
simples fato de que toda a trama gira em torno de tal divindade, é óbvio que a mesma deverá ser definida
pelo awolòrìñà, para que as devidas homenagens lhe sejam prestadas. Como já foi dito, as chances de tal
divindade não ser Ògún parecem mínimas.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Sete galos
Sete pombos
Sete obì
Sete ìgbín
Muito feijão
Muito inhame
Muito àmàlà
Muitas sementes de melão

Comentários sobre o ëbö

a) A grande força energética do ëbö parece necessária para facilitar a reaproximação em relação
ao Òrìñà familiar.

b) Os feijões, inhame e àmàlà devem ser oferecidos a Ògún, Òrìñà Okó e Ñàngó, respectivamente.
Em relação aos feijões de Ògún, é aconselhável que o preceito narrado no ìtan seja seguido.

c) A presença de obì em ëbö evidencia a presença ou necessidade de sabedoria e Orí equilibrado.


Significa também que a cabeça do consulente influenciará diretamente no sucesso do ëbö.

d) Sementes de melão são usadas como oferenda a Òñàlá e a Egún. Esse fato pode ser uma
evidência de que esse Òrìñà tenha alguma relação com a situação; pois no ìtan, assim que as divindades
invocadas se apresentam elas dizem, “É Òñàlá que nos cobre”. Caberá ao awolòrìñà definir se realmente
há alguma influência de Òñàlá nesse caso.

262
e) Certamente o àñë dos ìgbín acalmará o período de consideráveis dificuldades narrado no ìtan,
tornando propício o surgimento de um novo ciclo de prosperidade. Também poderá aplacar o
descontentamento da divindade familiar, abandonada durante um bom tempo.

f) A finalidade de tal oferenda é favorecer a interrupção de uma fase de dificuldades generalizadas,


ao mesmo tempo em que torna possível a manifestação de muitas bênçãos, numa situação semelhante à
narrada no ìtan.

Òdí 5

Numa certa época existiu um babalawo muito correto, cujo nome era Òñùnwîn. Ele desejou que
sua vida fosse agradável, e resolveu consultar Ìfá para saber o que poderia ser feito a respeito. Ìfá mostrou
que Òñùnwîn conseguiria um bom nome, muitas riquezas, filhos e vida longa, se fizesse uma determinada
oferenda. Òñùnwîn fez a oferenda prescrita, assim como Ìfá havia determinado. Na região em que ele vivia
existiam muitos produtores agrícolas. Todos eles começaram a procurar Òñùnwîn, para que esse os
ajudasse a comercializar seus produtos. Ninguém vendia feijões, milho, sementes de melão ou qualquer
outro produto sem a influência de Òñùnwîn. Ele ficou muito rico e atingiu todas as bênçãos que Ìfá havia
prometido. As pessoas lhe rogavam para que não morresse, pois assim elas também poderiam ser corretas
como ele.

“Consultaram Ìfá para Òñùnwîn, que era babalawo de Agbalade”. Sempre que o personagem
principal de um ìtan é um babalawo, é prudente considerar a hipótese da religiosidade estar diretamente
relacionada aos acontecimentos narrados. Se Ìfá assim o confirmar, essa mesma religiosidade deverá ser
encarada como um dos meios que tornará possível a manifestação das várias bênçãos inerentes a esse Odù.

“Òñùnwîn disse, ‘O que posso fazer para que minha vida seja agradável’”. A questão levada
por Òñùnwîn a Ìfá evidencia preocupações com os aspectos materiais da existência. Se Ìfá confirmar a força
da religiosidade nesse Odù, ficará evidente um quadro de aparentes conflitos entre o espiritual
(representado pelo elemento “sacerdote”) e o profano (representado pelas preocupações materiais). A
sabedoria e o autoconhecimento serão armas importantíssimas para atingir a felicidade quando esse Odù
está presente.

"Disseram que ele teria um bom nome. Disseram que ele teria uma boa fortuna. Ìfá diz que uma
bênção de dinheiro é o que ele profetiza. Ele também fala de uma bênção de filhos, e uma bênção de
vida longa”. Como já foi dito, a presença desse Odù pode ser encarado como um bom presságio para a
realização de questões materiais. Merece destaque a citação sobre “bom nome”. Pela própria estrutura

263
do ìtan surge a idéia de que as realizações inerentes a esse Odù estão indissoluvelmente associadas a uma
conduta ética irrepreensível. Mais à frente será visto como Òñùnwîn tornou-se um ponto de referência
moral para outras pessoas. Ou seja, a busca pela prosperidade de forma alguma poderá gerar prejuízo à
formação de um caráter ilibado, pois tal atitude não estaria em sintonia com a realidade exposta por esse
caminho de Òdí. Caráter e honra são elementos indispensáveis para se conseguir um "bom nome". Não se
pode esquecer que Òdí é um Odù de compromissos e palavra.

"Não se podia vender milho, feijões, sementes de melão ou qualquer outra coisa sem
Òñùnwîn”. Aqui fica explícita a posição de destaque atingida por Òñùnwîn em seu meio. Sua influência
favoreceu para que seus caminhos se abrissem, tornando-o alguém de considerável prestígio. Tal prestígio
foi fundamental para a manifestação de sua riqueza. Esse fato certamente é um indício de que a pessoa para
quem aparece esse Odù tem grandes chances de se destacar satisfatoriamente naquilo que vier a fazer em
sua vida. Influência e bons contatos poderão favorecer consideravelmente uma eventual ascensão social e
profissional. Além de riquezas, Ìfá também cita filhos e vida longa como outras bênçãos inerentes a esse
Odù.

"Uma cabaça quebrada precisa de um arame; um pote quebrado precisa de uma corda em sua
boca”. Apesar da força que a conduta pessoal possui nesse Odù, tal passagem dá a idéia de que há no
consulente o potencial para cometer consideráveis erros que possam macular sua imagem. Como já foi dito,
embora veladamente há um certo ar de conflitos nesse Odù, que se não forem bem resolvidos poderão
favorecer atitudes de considerável ignorância. O conserto dos utensílios quebrados é uma evidência de que
se algo dessa natureza ocorrer, ainda será possível uma reparação, embora seqüelas sejam inevitáveis. Se
houver sabedoria, a cabaça e o pote não quebrarão, tornando desnecessários futuros consertos.

"Òñùnwîn, não morra; para que possamos ser corretos”. Essa é parte do Odù que abre a
possibilidade do consulente em questão vir a se tornar uma espécie de referência entre os seus.
Considerando-se o fato de que antes de enriquecer Òñùnwîn era um babalawo, é possível que seu “campo
de ação” na formação do caráter alheio seja a religiosidade. É óbvio que pela profundidade de tal
possibilidade seriam prudentes consultas específicas nesse sentido, antes que qualquer comentário a
respeito fosse feito.

Ëbö

Milho

Comentários sobre o ëbö

264
a) Milho representa fartura e abundância, o que reforça o aspecto materialmente benéfico desse
Odù.

b) A simplicidade do ëbö pode ser um indício de que tudo o que é necessário para a manifestação
das bênçãos inerentes a esse Odù, já faça parte da realidade do consulente, sendo apenas necessária uma
clara compreensão a respeito dos assuntos abordados no ìtan.

c) A finalidade de tal oferenda é conseguir “uma vida agradável”, prosperidade, um bom nome,
filhos e vida longa; dentro de circunstâncias semelhantes às narradas no ìtan.

Òdí 6

265
Antigamente o pássaro Àwòdí (uma espécie de falcão africano) era um babalawo. Houve uma
época em que ele decidiu ir à cidade de Ikàru para trabalhar em divinação, mas antes de fazer isso resolveu
consultar a palavra de outro babalawo. Foi-lhe dito que ele deveria fazer uma oferenda para que pudesse
retornar ileso daquela cidade, e também para que a bondade que ele viesse a fazer não fosse paga com
maldade. Àwòdí fez a oferenda prescrita e depois disso partiu para a cidade de Ikàru. Ao chegar lá Àwòdí
conseguiu jogar para o rei da cidade, chamado Oníkàru. A vida do rei estava atribulada e ele estava infeliz.
Àwòdí consultou para ele e o aconselhou a fazer um ëbö, além de uma oferenda a Öya e Ñàngó, divindades
diretamente ligadas à ancestralidade de Oníkàru. O rei fez as oferendas prescritas e em pouco tempo as
coisas mudaram em Ikàru. As mulheres estéreis começaram a ter filhos; quando nascia um àbìkú, ele
sobrevivia; os trabalhadores começaram a prosperar. Depois de um tempo, os conselheiros de Oníkàru o
chamaram para uma conversa, pois estavam preocupados com Àwòdí. Disseram a Oníkàru que tudo aquilo
que Àwòdí dissera que aconteceria, de fato acontecera. E se ele dissesse que todos naquela cidade
morreriam? Oníkàru não havia pensado nessa possibilidade e resolveu pedir ajuda a seus conselheiros.
Esses disseram que ele deveria matar Àwòdí. “Mas como farei isso?”. Eles disseram que convenceriam
Àwòdí sobre a existência de um preceito que todos aqueles que quisessem viver em Ikàru deveriam seguir.
Tal preceito consistia em retirar uma pedra do meio de uma grande fogueira, e que aquele que não tentasse
pegar a pedra seria morto. Dessa forma os conselheiros acreditaram que Àwòdí não escaparia de nenhuma
forma, quer tentasse pegar a pedra ou não. Então chegou o dia em que Àwòdí foi avisado sobre o nefasto
“preceito”. Antes de vir a Ikàru Àwòdí havia feito suas oferendas, e como complemento das mesmas
também fizera oferendas a Öya e Ñàngó. Ele resolveu confiar no poder do ëbö, que havia sido feito
exatamente para que ele pudesse retornar são e salvo do local onde estava indo. Pensando dessa forma
Àwòdí aceitou o desafio. Então os habitantes de Ikàru acenderam a fogueira com muita madeira e azeite de
dendê. Quando as chamas estavam muito altas, Àwòdí resolveu entrar nelas para apanhar a pedra que
estava em seu interior. Quando se aproximou da fogueira ele chamou por Öya. Um forte vento soprou,
afastando as chamas e deixando livre o caminho até a pedra. Àwòdí aproveitou o momento e entrou na
fogueira, pegou a pedra e deixou todos boquiabertos. Dessa forma a maldade das pessoas não afetou
Àwòdí, e assim como Ìfá previra, ele conseguiu voltar em segurança do reino de Ikàru.

"Muita bondade é paga com maldade”. A ingratidão é certamente a mais importante


mensagem trazida por Òdí nesse caminho. De acordo com a própria estrutura do ìtan, essa é uma fase onde
as práticas bondosas praticadas pelo consulente tendem a ter a maldade como recompensa. É importante
salientar que antes de ir a Ikàru, Àwòdí já sabia disso, pois Ìfá já o havia mostrado. Mesmo assim ele
consultou para o rei daquela cidade e determinou o que poderia ser feito para a resolução dos vários
problemas que as pessoas ali sofriam. Ou seja, apesar da enorme possibilidade de ingratidão, isso não
significa necessariamente que o bem não deva ser feito. Como muitos mestres ensinaram, entre eles o
Senhor Jesus, a porta da espiritualidade é estreita. Também é preciso considerar que Àwòdí era um
babalawo. Graças a esse fato não será surpresa se as decepções e traições inerentes a esse Odù ocorrerem
no âmbito espiritual.

"Disseram que Àwòdí deveria fazer uma oferenda para que pudesse retornar do lugar onde
estava indo. Ìfá diz que devemos ir e retornar”. Nesse caminho de Òdí podem ocorrer mudanças de

266
cidade, e tais mudanças podem até ser benéficas por algum tempo, mas a pessoa deve considerar a
hipótese de retornar um dia. Esse retorno às origens é típico de Òdí, e esse caminho é um exemplo disso.
Sob a influência desse caminho de Òdí, a pessoa deve reavaliar suas amizades e manter-se atento quanto a
possíveis surpresas desagradáveis.

“Oníkàru chorava por bênçãos. Sua vida estava atribulada e ele estava infeliz”. As dificuldades
vividas por Oníkàru e por seu reino evidenciam que momentos difíceis poderão estar presentes quando Òdí
se manifestar nesse caminho. Apesar disso é preciso salientar que as chances de uma reversão satisfatórias
da situação são mais do que consideráveis.

“Depois disso ele começou a ter filhos. As mulheres estéreis começaram a ter filhos. A mulher
que tivesse um àbìkú, ele sobrevivia. Os trabalhadores estavam prosperando em Ikàru. Ìfá diz que uma
bênção de riquezas é o que ele prevê”. Como já foi visto, apesar das dificuldades inerentes a esse Odù,
prosperidade e realizações materiais também o são. O sucesso profissional de Àwòdí (que conseguiu se
tornar o babalawo do rei, o que representa uma grande honra) e a prosperidade alcançada pelo povo de
Ikàru evidenciam os aspectos benéficos desse caminho de Òdí. Não obstante tais positividades, citações
sobre àbÌkú, por mais remotas que sejam, sempre justificam consultas específicas.

“Depois de um tempo, chamaram Oníkàru. Disseram, ‘Oníkàru. Esse babalawo disse que
quem quisesse filhos, teria. Ele disse que quem quisesse sarar, sararia. E se ele disser: ‘Todos vocês
morrerão? Eles disseram, ‘Nós sabemos o que fazer. Cada um deve trazer um pouco de madeira e azeite
de dendê’”. Àwòdí mostrou que era alguém de muito àñë. Seu poder impressionou a todos, a ponto de
amedrontá-los. A partir daí começam os perigos inerentes a esse Odù, o que justificam os cuidados em
relação à ingratidão. Caberá ao consulente tomar todo cuidado possível para não se ver numa situação tão
complicada quanto a de Àwòdí.

“Eles fizeram a fogueira e puseram a pedra no meio dela. Disseram que Àwòdí deveria pegá-la.
Quando ele já estava mergulhando ele chamou por Öya. Öya respondeu. Um vento soprou e afastou as
chamas. A fumaça subiu. Àwòdí mergulhou na fogueira e retirou a pedra”. Grande foi o perigo que
Àwòdí correu. Analogicamente é aconselhável que o consulente saiba que o mesmo pode ocorrer com ele.
Sem dúvida alguma esse mito é expresso na cantiga entoada na ocasião do orùkö de ìyáwò, representando
que frente a perigos o noviço contará com a proteção de Òrìñà, assim como Àwòdí:

Olùwa inà O fogo


Kini p’Àwòdí Não atinge o falcão (Àwòdí)
Òrìñà o kú ëwu o Que Òrìñà o afaste dos perigos

"Ìfá diz que não devemos permitir que as pessoas nos prejudiquem”. Alguns caminhos de Odù
aconselham uma atitude passiva ante traições, brigas, etc. Mas nesse caminho de Òdí essa atitude de
passividade não parece ser a mais indicada. Talvez a melhor maneira de agir seja vigorosamente, para
impedir que o mal se estabeleça. Àwòdí poderia ter fugido do perigo, mas resolveu enfrentá-lo, confiante
que estava na proteção de Òrìñà. Talvez seja essa a razão da presença de Ñàngó (justiça) nesse Odù. Um

267
irmão de considerável conhecimento litúrgico costuma dizer que paz não é necessariamente ausência de
guerra, mas sim a presença da justiça.

“Àwòdí dançava; Oníkàru regozijava”. Importante salientar a reação de felicidade do rei frente
ao sucesso de Oníkàru. Em nenhum momento do ìtan ele parece apresentar o desejo de prejudicar o
babalawo. Ele até chega a falar com seus conselheiros “Mas o que posso fazer? Ele está conosco há
bastante tempo”. Sua atitude foi mais de pusilanimidade do que maldade, embora o resultado pudesse ser
a morte, independente do caso. Ou seja, é aconselhável que o consulente espere não apenas por ódio, mas
também pela covardia de outrem, ao não impedir que o ódio e a injustiça vençam.

Ëbö (1)

Quatorze búzios
Um galo
Um pombo
Uma pedra
Oferendas a Öya e a Ñàngó

Ëbö (2)

Cento e quarenta búzios


Sete galos
Sete pombos
A roupa que estiver vestindo
Um tecido
Oferendas a Öya (da mãe)
Oferenda a Ñàngó (do pai)

Comentários sobre os ëbö

a) O primeiro ëbö foi feito por Àwòdí para que ele tivesse sucesso na cidade onde estava indo e
pudesse voltar de lá em segurança. Está relacionado ao sucesso profissional e bons presságios em tudo
aquilo que pode se chamar “novo”, graças ao simbolismo de mudança de cidade.

b) Pedras em ëbö geralmente representam proteção contra inimigos (é com elas que Ñàngó
afasta seus inimigos) e vida longa. Dois elementos assaz importantes nesse Odù.

268
c) O segundo ëbö foi feito por Oníkàru e visa a reversão de uma situação material insatisfatória. A
grande quantidade de búzios evidencia que não é aconselhável fazer esse ëbö sem a devida remuneração,
principalmente se forem considerados os perigos inerentes a esse Odù. As roupas evidenciam a
necessidade de mudanças comportamentais, no intuito de favorecer a manifestação das bênçãos em
questão. Em relação aos tecidos, o ìtan diz que após a oferenda Oníkàru começou a ter filhos, e os àbìkú
passaram a sobreviver. Como já foi visto em outras ocasiões, a presença de tecidos em oferendas está
diretamente relacionado à ancestralidade ou à descendência.

d) Nos dois ëbö prescritos são necessárias oferendas a Öya e a Ñàngó. No caso de Àwòdí, Öya
representa proteção pessoal, enquanto Ñàngó representa justiça e vitória sobre inimigos. Já no caso de
Oníkàru, Öya pode representar o sucesso na geração de filhos e a sobrevivência dos àbìkú, enquanto Ñàngó
representa sucesso e fartura. Ainda em relação ao segundo ëbö, é interessante a citação sobre os pais. É
uma evidência de que o fator ancestral é de considerável importância para a manifestação das bênçãos
inerentes a esse Odù. O ideal é que as oferendas sejam feitas exatamente como recomenda o ìtan; e se
assim não for possível, caberá ao awolòrìñà as devidas adaptações.

Òdí 7

Existiu certa vez um lavrador, cujo nome era Kàwòrû. Ele tinha sua lavoura, e antes de começar
plantio do ano, resolveu consultar um babalawo, no intuito de saber o que seria possível fazer para
conseguir uma considerável soma de dinheiro. O babalawo consultou Ìfá para Kàwòrû, e recomendado fazer
uma oferenda, pois dessa forma seria possível atingir seus objetivos. Kàwòrû também foi avisado que em
todas as manhãs deveria dar de comer e beber a seus pais. Por último ele foi aconselhado a fazer oferendas

269
a Òrìñà. Kàwòrû seguiu à risca as informações de Ìfá e depois cultivou sua lavoura, plantando de todas as
coisas que conhecia. Quando chegou a época da colheita, a produção da lavoura de Kàwòrû superava todas
as outras. Ele vendeu uma grande quantidade de alimentos num dia; e no outro dia fez a mesma coisa,
conseguindo uma enorme quantia de dinheiro. A cada dia Kàwòrû enriquecia mais, tamanha era a fartura de
sua lavoura. Foi assim que Kàwòrû enriqueceu, e a agricultura superou todas outras formas de produção.

“O que Kàwòrû deveria fazer para ser próspero? Disseram que ele se tornaria uma pessoa
próspera”. O desejo de melhores condições materiais de existência (e a realização de tais desejos)
caracteriza as principais mensagens trazidas por Òdí nesse caminho. O consulente terá todas as
oportunidades para prosperar em seu trabalho, se seguir corretamente todas as informações expostas por
Ìfá.

"Quando se forja uma enxada, bate-se nela até achatar. Quando se forja uma espada, bate-se
nela até curvar”. Essas passagens do ìtan dão a idéia de que os benefícios trazidos por esse Odù serão
precedidos por momentos de dificuldade, até mesmo de sofrimento. Mas a profunda sabedoria popular
iorubana mostra que tal sofrimento tem por finalidade o aprimoramento de caráter. É importante que fique
clara a necessidade de paciência quando esse Odù aparece; paciência essa caracterizada pela espera de
Kàwòrû até que sua lavoura gerasse os produtos que garantiram sua prosperidade.

“Ele começou a arar sua lavoura. Ele plantou de tudo em sua lavoura. Foi assim que Kàwòrû
enriqueceu”. A prosperidade de Kàwòrû não caiu do céu. Foi fruto de sua labuta diária, de seu sofrido suor.
Esse é o típico caso onde a prosperidade (até mesmo a riqueza) está presente, mas em estado latente,
carecendo de consideráveis esforços para sua manifestação. Fazer as oferendas e cumprir todos os
preceitos aconselhados por Òdí sem o espírito de trabalho narrado no ìtan, será algo completamente
desprovido de bom senso.

"Ele deveria dar algo para seu pai comer; ele deveria dar algo para sua mãe beber. Òrìñà disse,
‘Sacrifique para Òrìñà e você terá riquezas”. Como é comum quando Òdí aparece, a prosperidade está
na razão direta do cumprimento dos deveres em relação aos ancestrais e a Òrìñà, assim como na devoção
aos mesmos. O ideal é que essa pessoa cultue Òrìñà e mantenha uma relação respeitosa e auxiliadora em
relação aos seus pais ou à sua ancestralidade, caso esses já tenham deixado o àiyé. Juntamente com a
paciência e o trabalho, esse é o terceiro e decisivo fator que garantirá a plena realização dos desejos
quando se está sob a influência desse Odù.

"No àiyé, seja lá o que você fizer, se não for como essa lavoura, você não se assemelhará a
Kàwòrû”. Independentemente da ocupação profissional do consulente, ele deverá saber que o sucesso
basear-se-á no total devotamento profissional. É mais uma evidência da força do trabalho nesse caminho
de Òdí.

Ëbö

270
Vinte e oito búzios
Um galo
Um pombo
Uma enxada
Um cesto
Uma cabaça
Um obì
Sementes de melão
Todas as coisas plantadas na lavoura
Oferendas a Òrìñà

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì revela necessidade de sabedoria, o que só é possível se houver uma cabeça
equilibrada. Certamente a sabedoria em questão está diretamente associada à necessidade de interpretar e
seguir corretamente as diversas informações trazidas por Òdí nesse caminho.

b) Sementes de melão são usadas como oferendas a Egún e a Òñàlá. É mais um sinal da influência
ancestral nesse caminho de Odù, como já foi visto alhures. Caberá ao awolòrìñà definir se Òñàlá também
"fala" nesse caminho de Òdí.

c) A enxada simboliza trabalho e iniciativa; vitais para o sucesso nesse caminho de Òdí.

d) É possível que o cesto do ëbö seja uma alusão à fartura, pois os cestos eram usados em feiras
para expor as mercadorias à venda.

e) A cabaça é símbolo de fecundidade e abundância. Sem tal fecundidade a lavoura do ìtan não
prosperaria. Ainda que de forma muito tímida, seria importante verificar uma possível influência ancestral
feminina.

f) A grande diversidade de vegetais necessárias para esse ëbö certamente é mais uma forma de
atrair a prosperidade inerente a esse Odù. Caberá ao awolòrìñà, usando de seus conhecimentos, definir
quais vegetais deverão integrar a oferenda em questão.

g) Como já foi visto, no ìtan é dito “Sacrifique para Òrìñà e você terá riquezas”. O uso da palavra
“Òrìñà” para designar apenas uma divindade invariavelmente refere-se a Òñàlá. Mais uma vez será o
awolòrìñà que definirá se tal premissa aplica-se a esse caso, ou se alguma outra divindade corresponde ao
“Òrìñà” que deve receber oferendas. O importante é ter em mente a importância de Òrìñà para a
manifestação da prosperidade nesse caminho de Odù.

271
h) A finalidade de tal oferenda é atingir considerável prosperidade através do trabalho; dentro de
situações semelhantes às narradas no ìtan.

Òdí 8

Num determinado reino de outrora existiu um babalawo chamado Ajíbílù, que era o amigo mais
íntimo do rei. Ambos eram companheiros de infância, e quando o soberano subiu ao poder, eles
continuaram com a mesma amizade de sempre. Ajíbílù era acostumado a chegar no palácio e tocar
atabaque para o rei, que adorava ouvir as evoluções do amigo. Mas chegou o dia em que o Îyï Mèsì, antigo
conselho de Îyï, disse ao rei que na verdade Ajíbílù não gostava mais do rei, e que ele só continuava a ir ao
palácio por medo de futuras represálias. O rei ficou muito triste ao ouvir a história e resolveu chegar a
fidelidade de Ajíbílù. Certa vez ele o chamou ao palácio e lhe entregou um anel valiosíssimo, dizendo que o
mesmo deveria ser devolvido ao final do oitavo dia. Ajíbílù não entendeu o motivo daquilo, mas achou por
bem não questionar as ordens do rei. Ao chegar em casa ele guardou o valioso anel junto a seus apetrechos
de Ìfá. Mas a mulher de Ajíbílù tinha por hábito mexer em suas coisas, e acabou encontrando o anel. Por
alguma razão que só ela entendia, resolveu se livrar do anel enterrando-o num monte de lixo. Então chegou
o dia em que Ajíbílù deveria devolver o anel ao rei, e quando ele foi procurá-lo, não o encontrou.
Desesperado resolveu consultar um babalawo, que lhe aconselhou a fazer uma oferenda em cujo conteúdo
deveria constar uma espécie de larva que nasce em montes de lixo. Ajíbílù teve que procurar pelas larvas em
questão, e acabou cavando exatamente no mesmo monte de lixo em que sua esposa havia enterrado o
anel. Ele acabou encontrando-o e agradeceu ao babalawo por aquilo. Exatamente no dia determinado
Ajíbílù devolveu o anel ao rei, mas não comentou nada do ocorrido com sua esposa. Antes de partir do
palácio mais uma vez o rei o chamou e lhe entregou o anel, repetindo os mesmos preceitos anteriores.

272
Ajíbílù agiu exatamente como da primeira vez, e infelizmente sua esposa também. Assim que ela viu o anel,
pegou-o e o escondeu na lavoura, dentro de um monte de farinha de inhame. Mais uma vez chegou o
oitavo dia e como já havia acontecido, Ajíbílù não encontrou o anel em meio a seus apetrechos de Ìfá. Ele
correu ao babalawo, que lhe aconselhou fazer uma oferenda composta entre outras coisas por ìrû (espécie
de galo com as pernas cobertas por penas pequeninas). Ajíbílù foi procurar pelo ìrû exatamente no monte
de farinha de inhame que a esposa havia usado, e acabou encontrando o anel. No oitavo dia ele devolveu o
anel ao rei, e mais uma vez não fez comentário nenhum com sua esposa. Pela terceira vez o rei deu a Ajíbílù
o valioso anel, dentro das mesmas circunstâncias já narradas. Ajíbílù agiu como das outras vezes, e mais
uma vez sua esposa tentou pôr tudo a perdeu. Ela resolveu radicalizar e jogou o anel diretamente no rio.
Chegou o oitavo dia, e era preciso devolver o anel, que Ajíbílù mais uma vez não encontrou. Pela terceira
vez ele correu ao babalawo, que lhe aconselha fazer uma oferenda de peixe a Ìfá. O peixe que Ajíbílù pescou
para Ìfá tinha o anel em seu ventre,e Ajíbílù o encontrou assim que o abriu com uma faca. Ele foi ao palácio
devolver o anel ao rei, que dessa vez ficou com ele. Antes que Ajíbílù partisse o rei perguntou se nada
estranho havia ocorrido nos últimos dias, e foi então que Ajíbílù narrou os últimos acontecimentos. O rei o
dispensou e depois mandou chamar sua esposa, que era sua comparsa na trama que tentou manchar a
reputação de Ajíbílù. A mulher narrou ao rei as repetidas vezes que havia tentado se livrar do anel, e que
não entendia como Ajíbílù conseguia reavê-lo. Nem o rei nem a esposa sabiam que foram as consultas a Ìfá
que salvaram a reputação de Ajíbílù. Numa outra ocasião o rei encontrou Ajíbílù e disse que o método que
ele havia usado para encontrar o anel, ele deveria usar sempre. Ajíbílù dançava e regozijava, pois as
conspirações não foram capazes de prejudicá-lo e sua honra estava intacta.

“Ajíbílù tocava atabaque no palácio do rei. Então o Îyï Mèsì; eles disseram ao rei, ‘Aquele
amigo, para quem você dá de comer e beber, ele não te respeita mais. Você não vê que ele não te
ama?’”. A ação dos conselheiros do rei evidencia que intrigas estarão presentes quando Òdí se
manifestar nesse caminho. Sem dúvida esse é o principal é o mais perigoso aspecto desse Odù. Seguindo
essa mesma linha de raciocínio, é óbvio que as amizades poderão sofrer abalos nessa situação.

“O rei disse a Ajíbílù, ‘Pegue meu anel. Daqui a oito dias você deverá devolvê-lo. Se você
perder o anel, estarei lhe observando”. O rei acreditou na intriga criada pelos conselheiros, e através da
entrega de seu anel procurou testar a responsabilidade e fidelidade de Ajíbílù. Considerando-se a hipótese
de um eventual conchavo entre o rei e a esposa de Ajíbílù, é possível que tal fato caracterize tramas e
artimanhas. O importante é salientar que grandes responsabilidades poderão ser colocadas sobre os
ombros do consulente. Do correto cumprimento de tais responsabilidades advirá prestígio e respeito
alheio, mas se as responsabilidades em questão não forem adequadamente cumpridas, então o consulente
conhecerá a vergonha, além de possivelmente colocar a si mesmo numa situação bastante delicada.

“Quando Ajíbílù voltou para casa, ele guardou o anel junto a seus apetrechos de Ìfá”.
Segundo essa passagem do ìtan, fica caracterizada a posição de sacerdote de Ajíbílù. Esse fato abre a
hipótese de questões espirituais estarem diretamente associadas aos eventuais acontecimentos que
surgirão sobre a influência desse Odù.

273
“Sua mulher pegou o anel e enterrou-o num monte de lixo. Depois ela o enterrou num monte
de inhames, e por último o jogou no rio”. Além de sofrer com a conspiração dos conselheiros do rei,
Ajíbílù também sofreu com a estranha atitude de sua esposa. Além da óbvia possibilidade de problemas
familiares, essa passagem é uma indicação de que o sofrimento e a traição poderão vir pelos mais
inesperados caminhos.

"Se Olïrun não me matar, pessoas não poderão fazê-lo”. Esse é o nome do babalawo que
consultou para Ajíbílù. É uma clara alusão à proteção espiritual que acompanhará aquele que busca
orientação. A questão é saber se tal proteção existiria se Ajíbílù não fosse espiritualmente evoluído.
Certamente essa é uma questão que justifica considerável reflexão.

“Ele encontrou o anel e voltou para casa. Ele não disse nada a sua esposa. No outro dia, ele
devolveu o anel ao rei”. Apesar de saber sobre o comportamento de sua esposa, Ajíbílù evita confrontos
desnecessários. Definitivamente essa parece ser uma fase de expiações. Reclamações, brigas e
desentendimentos certamente não repercutirão de forma positiva na questão. Fé, sabedoria e confiante
resignação certamente caracterizarão a melhor resposta à situação.

“O rei chamou a esposa de Ajíbílù e disse, ‘O àñë de seu marido é tão grande quanto o
meu”. A postura séria, equilibrada e espiritualizada de Ajíbílù garantiu-lhe o devido reconhecimento
perante o rei. Não parece ser possível evitar os percalços que certamente estarão presentes quando Òdí se
manifestar nesse caminho, mas se houver a devida sabedoria, num futuro próximo haverá a devida
recompensa, que certamente mostrará ao mundo o valor intrínseco daquele que hoje sofre em intrigas.

"Ìfá diz que bênçãos é o que ele profetiza. Ele fala de uma bênção de filhos, de dinheiro e de
vida longa”. Apesar das características negativas desse caminho de Òdí, pode-se esperar por bênçãos,
desde que haja uma clara compreensão sobre os assuntos aqui abordados.

Ëbö (1)

Quatorze búzios
Um pombo
Oferendas a Orí

Ëbö (2)

Quatorze búzios
Um galo ñàñàrà (que possui penas nas canelas)

Ëbö (3)

274
Quatorze búzios
Um peixe fresco

Comentários sobre os ëbö

a) Essa estrutura de ëbö é única. O ìtan ensina que primeira mente Ajíbílù fez a primeira oferenda
num monte de lixo, provavelmente representando as traições e demais aspectos negativos desse caminho
de Òdí. Essa parte da oferenda deverá ser completada com oferendas a Orí. No mito, Ajíbílù manteve seu
Orí equilibrado, mesmo tendo certeza que sua mulher o prejudicava. Transcendência talvez seja a chave
para a compreensão dessa oferenda aparentemente paradoxal.

b) Segundo fontes superiores e totalmente fidedignas, a segunda parte da oferenda deverá ser
realizada num ambiente que evoque considerável ancestralidade, como o caminho que leva ao Ibö aku. Essa
segunda oferenda está diretamente relacionada à ancestralidade, e marca o início da reviravolta no ìtan.
Isso não é surpresa, pois em Òdí os ancestrais estão na base do sucesso e da felicidade de um indivíduo.

c) Oferendas de peixe evocam espiritualidade. Peixe foi um dos principais símbolos do antigo
Cristianismo, além de ser uma das encarnações de Vishnu. Tal oferenda coroa toda a história e abre os
canais para as bênçãos prometidas por Òrìñà. Resumindo, a oferenda inicia-se simbolizando os aspectos
negativos desse Odù; baseia-se nos ancestrais para a ascensão do indivíduo e culmina na espiritualidade
evocada pelo peixe. O detalhe a ser mencionado é que Ajíbílù ofereceu o peixe a Ìfá, que correspondia a seu
Òkè Ìpînrí, pois ele era um babalawo. Graças a esse fato, o awolòrìñà precisará definir o destino da oferenda
do peixe, pois são muitas as possibilidades. Em último caso, Ìfá certamente dissipará qualquer dúvida a esse
respeito.

275
Òdí 9

Sàsýrý era um antigo babalawo e também era escravo de um rei chamado Ëlýri. Num determinado
dia Sàsýrý consultou Ìfá, pois desejava saber o que poderia ser feito para que ele prosperasse em sua vida.
Foi dito a Sàsýrý que um ëbö deveria ser feito, pois dessa forma ele encontraria riquezas em sua vida. Sàsýrý
fez a oferenda prescrita, que deveria ser completada com oferendas de obì à árvore de Ìrokò. Também foi
dito a Sàsýrý que ele deveria abster-se de fazer oferendas à cabeça de quem quer que fosse durante o
período em que estivesse fazendo seus preceitos, e que também não deveria preparar ògùn (infusões de
ervas). Depois de fazer as oferendas, Sàsýrý foi visitado por seu senhor, Ëlýri. O rei desejava fazer oferendas
à sua cabeça, e ordenou a Sàsýrý que oficiasse os ritos. Mesmo sabendo que não poderia fazê-lo, Sàsýrý fez
as oferendas à cabeça de Ëlýri. A vida de Ëlýri e de todo seu reino melhorou, e eles começaram a gozar de
várias bênçãos. O preceito do Odù que aparecera a Sàsýrý exigia que oferendas de obì fossem feitas
diariamente a Irókò. Logo após fazer as oferendas para Ëlýri, Sàsýrý encaminhou-se para a árvore Irókò para
cumprir seus rituais particulares. Mas ele não sabia que o próprio Ëlýri havia mandado observá-lo. Os
soldados do rei viram Sàsýrý aos pés de Irókò, e deduziram que ele estava fazendo alguma espécie de
feitiço para Ëlýri. Ao ficar sabendo do acontecido, o rei determinou que os soldados surrassem Sàsýrý; que
preparassem um caixão com a árvore Irókò e que lançassem tal caixão ao rio, com Sàsýrý dentro. Os
soldados fizeram exatamente o que o rei determinara, para a infelicidade de Sàsýrý, que desacordado foi
colocado no caixão esculpido pelos soldados. Mas num reino distante chamado Ibini (atual Benin), que
ficava rio abaixo, o rei havia morrido e Ìfá determinara que o próximo monarca seria um estrangeiro que
chegaria à cidade. Todos os habitantes da cidade em questão posicionaram-se à margem do rio, esperando
a chegada do estrangeiro indicado por Ìfá. Eis que surge das águas o caixão que continha Sàsýrý em seu
interior. Os homens o puxaram para a margem, e ao acordar Sàsýrý acreditou que daquela vez seria
realmente morto por aqueles homens desconhecidos. Mas os homens pegaram Sàsýrý e o banharam;

276
deram-lhe roupas novas e o consagraram rei, colocando folhas em sua cabeça. Grande foi a festa naquele
importante reino; a prosperidade prometido por Òrìñà havia chegado à vida de Sàsýrý. Como era costume
naquela época, todos os monarcas dos reinos próximos foram até Ibini prestar homenagens ao novo rei.
Entre esses monarcas estava Ëlýri, que já sabia o que o destino havia feito a Sàsýrý. Com muito medo Ëlýri
foi ao encontro do novo rei, que era mais poderoso que ele. Estando ante a presença de Sàsýrý, Ëlýri não
pode fitá-lo nos olhos, permanecendo em pé, parado à frente do novo rei. Sàsýrý disse a Ëlýri que não o
surraria nem o encerraria num caixão, mas que a partir daquele momento Ëlýri não poderia mais se sentar,
deveria sempre permanecer em pé. Ëlýri corresponde ao Osún, cajado usado pelos babalawo, que nunca
deve se deitar. Sàsýrý corresponde a Ìfá, enquanto o caixão corresponde ao îpîn usado pelos babalawo.
Sàsýrý dançava e regozijava, pois a palavra de Òrìñà havia se concretizado em sua vida.

“Ìfá diz que essa pessoa será atormentada. Depois dirão que ele não será grande novamente;
mas Ìfá diz que ela será grande novamente”. Parece que sofrimentos são inerentes a esse caminho de
Òdí. Muito provavelmente não será possível evitá-los, mas o importante é ter em mente que tal sofrimento
terminará em bênçãos. Também é interessante notar que outras pessoas não desejam ou não acreditam no
bem estar do consulente, a ponto de vaticinarem que seus sofrimentos jamais terminarão. Mas o próprio
Òrìñà evidencia que isso não acontecerá, e que a pessoa em questão voltará a gozar de tudo aquilo que
pode qualificar uma pessoa como “grande”. Graças a tais fatos, seria prudente considerar a hipótese de
inimigos estarem presentes quando Òdí se manifesta nesse caminho.

“O que Sàsýrý deveria fazer para ser rico? Ele disse, ‘O que posso fazer para prosperar em
minha vida? Disseram que ele seria rico”. A preocupação que leva Sàsýrý a consultar Ìfá evidencia
aspirações de caráter material. Considerando-se a maneira como tal fator é encarado pelo ponto de vista
iorubano, a preocupação de Sàsýrý é lícita, visto que visa sua própria felicidade. O importante é ter em
mente que questões materiais estarão presentes quando Òdí se manifestar nesse caminho.

“Foi dito a Sàsýrý que ele não deveria fazer sacrifícios nem preparar ògùn (preparos de folhas).
Quando chegou o novo dia, Sàsýrý fez oferendas ao Orí de Elýri”. A partir do momento em que Sàsýrý fez
oferendas à cabeça de seu senhor, os infortúnios começaram em sua vida. Considerando-se o fato de ele
fora avisado que deveria abster-se de tais práticas litúrgicas enquanto estivesse fazendo seus preceitos a
Ìrokò, deve-se considerar a hipótese de desrespeito ao sagrado, que repercutirá de forma imediata e
negativa na vida da pessoa em questão. Também merece ser considerado o fato de que Elýri era o senhor
de Sàsýrý, ou seja, tinha poder sobre ele. Esse importante detalhe abre a hipótese de alguma forma de
coação estar presente na história, favorecendo o consulente à prática de um erro de caráter espiritual, cujas
conseqüências lhe serão consideravelmente dolorosas. Dentro de todo o contexto do ìtan, também será
prudente considerar a hipótese de necessidade de disciplina espiritual; a mesma disciplina que faltou a
Sàsýrý.

"Todos estavam tendo roupas e escravos”. Após a oferenda, a prosperidade chegou para Ëlýri.
Esse fato, associado às demais bênçãos inerentes a esse Odù, evidenciam que não se tratava de Sàsýrý ser
inapto para efetuar oferendas à cabeça de alguém; apenas o momento talvez não fosse bom para isso. Esse
fato pode revelar alguém que tenha impulso para auxiliar, mas que precisa de discernimento para fazê-lo

277
corretamente. Além disso, pode existir uma certa dificuldade para se adaptar a um esquema de disciplina
por demais rígido. Talvez esse não seja o momento ideal para assumir grandes responsabilidades
espirituais, como feituras, obrigações, etc.

“Então um dia o encontraram lá (aos pés de Ìrokò). Disseram, ‘Há! Ele está fazendo feitiços
para Ëlýri!”. Nesse exato momento começa o sofrimento de Sàsýrý. Considerando-se o fato de que a
árvore Ìrokò é uma das árvores onde as Àjý “vingaram”, é natural que tal planta seja usada em muitos
feitiços. É importante salientar a inocência de Sàsýrý em relação às acusações. Esse fato evidencia que a
pessoa em questão poderá ser mal interpretada em suas intenções. Além disso, sofrerá consideravelmente
em razão daquilo que as pessoas possam vir a pensar sobre ela. Essa importante característica desse
caminho de Òdí merece considerável atenção, tendo em vista que foi daí que de fato começaram os
sofrimentos de Sàsýrý.

“Ëlýri ordenou que observassem Sàsýrý”. Seguindo as determinações de Ëlýri, os guardas


ficaram observando Sàsýrý e acabaram flagrando-o ante a árvore Ìrokò. Também é necessário considerar a
hipótese da pessoa em questão vir a ser observada em seus atos, como se seus inimigos (que de fato
existem nesse Odù) esperassem o melhor momento para lhe causar dores e sofrimentos. Sendo assim, o
ideal seria que o consulente mantivesse sua vida de forma ilibada, como se não tivesse nada a esconder. Tal
postura certamente diminuirá as eventuais dificuldades causadas por seus algozes.

“Deveriam entalhar um caixão com sua madeira. Deveriam fazer uma tampa. Deveriam colocar
Sàsýrý dentro do caixão e levá-lo ao rio. Fizeram isso”. Em outros caminhos de Odù a presença de caixões
está diretamente associada a feitiços. Graças a esse fato é necessário considerar os feitiços como uma das
eventuais armas a serem usadas pelos inimigos do consulente. A situação de “prisão” vivida por Sàsýrý
aponta para mais uma negatividade desse Odù, que poderá ser considerada em seu aspecto literal ou
figurativo, cabendo a Ìfá as devidas definições. A relação "caixão-rio" é comum nos funerais de membros do
Lûsû Egún na região de Îyï; o que pode ser mais uma evidência de elemento ancestral nesse caminho de
Odù.

“Em Ìbìnì tiraram Sàsýrý das águas e o banharam. Ele pensava, ‘O que é isto? Vão me
matar?’”. A partir desse momento a sorte de Sàsýrý começa a mudar, assim como Ìfá havia vaticinado. O
próprio Sàsýrý não tinha consciência de tal fato, a ponto de pensar na hipótese de ser assassinado por
aqueles que na verdade o fariam rei. Ìfá já havia determinado que Sàsýrý prosperaria em sua vida, e esse
fato sugere, mesmo que sutilmente, a possibilidade de questionamentos em relação à própria fé. Em
relação a tal fato seria importante a manutenção da fé nas bênçãos prometidas por Òrìñà quando esse Odù
se manifesta. A saber: prosperidade e realizações.

“Eles fizeram de Sàsýrý o novo rei. Colocaram folhas em sua cabeça. Vestiram-no com roupas
novas e o colocaram no palácio. Deram esposas a ele”. Sem dúvida esses são os principais benefícios
inerentes a esse caminho de Òdí. Esses mesmos benefícios certamente se manifestarão na vida do
consulente, se todos os demais detalhes apontados por Ìfá forem fielmente observados. Apesar de todo o

278
sofrimento e negatividade que caracteriza a primeira parte do ìtan, pode-se considerar esse Odù como
positivo, pois os benefícios por ele oferecidos suplantam consideravelmente as negatividades.

“Disseram a Sàsýrý, ‘Todos os outros reis virão saudar-te’”. Além dos evidentes benefícios
materiais, esse Odù também aponta para a possibilidade do consulente vir a gozar de uma situação de
considerável prestígio entre os seus. O que merece destaque é a forma de lidar com tal prestígio, como será
visto abaixo.

“Sàsýrý disse, ‘Ele colocou-me num caixão e atirou-me ao rio. Eu não farei isso com ele.
Deixem-no em pé, junto ao pilar”. Se as duras normas de justiça de outrora fossem seguidas à risca (como
alguns outros Odù mostram), certamente Sàsýrý destinaria Ëlýri a uma sorte no mínimo semelhante a sua. O
mesmo não ocorre no ìtan, o que evidencia que o perdão (embora não o esquecimento total da ofensa) é
algo que também faz parte desse caminho de Òdí. Isso é algo que justifica reflexões.

“Nós conhecemos Ëlýri? Ele é o cajado Osù, que fica em pé à frente de Ìfá. Sàsýrý é Ìfá. O caixão
daquele dia é o îpîn que se esculpe para Ìfá”. Essas importantes informações de caráter litúrgico também
possuem interessantes características éticas. A relação do cajado Osù com o rei injusto Ëlýri merece
destaque, pois cajados geralmente são representações da ancestralidade masculina; e nesse caso,
considerando-se que esses mesmos ancestrais são responsáveis pelo comportamento ético do indivíduo ou
do grupo, o cajado em si seria uma espécie de “lembrança” àqueles cujas condutas forem semelhantes às
do rei Ëlýri. No início do ìtan é dito que Sàsýrý era um babalawo, e isso faz com que sua relação com Ìfá não
seja surpresa. Também merecem destaque as informações sobre o entalhamento do îpîn dos babalawo.

“Orí, leve-me para um bom lugar. Ele disse que não conhecia nada que Orí não pudesse fazer.
Olhem o que seu Orí fez para ele”. Essa breve citação do ìtan sugere uma eventual influência de Orí na
questão. Não há nenhuma informação textual a esse respeito, mas considerando-se a íntima relação de Orí
com o destino pessoal de cada indivíduo, não há nenhum absurdo em considerar essa hipótese. Se Ìfá assim
o confirmar, caberá ao awolòrìñà definir como agir diante de tão importante informação.

Ëbö

Quatorze búzios
Um pombo
Oferendas a Ìrokò

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, o consulente deverá oferecer obì a Ìrokò durante sete dias. Alguns mitos
colocam Ìrokò como uma espécie de intermediário entre o îrun e o àiyé, dando a ele poderes para, sob seus
próprios critérios, impedir que determinadas bênçãos ou malefícios recaiam sobre as pessoas. Graças a

279
essas particularidades dessa importante divindade, são comuns oferendas lhe serem feitas para que ele
“libere” os filhos e demais bênçãos que devem chegar a uma pessoa. Muito provavelmente essa seja a
razão da necessidade de oferendas a Ìrokò, embora não se deva esquecer a estreita ligação dele com a
ancestralidade em geral.

b) No ìtan é dito “Sete obì é o que Ìrokò aceita”. Fica assim evidenciada a natureza da oferenda
a ser feita a Ìrokò, embora seja possível, sob consultas, fazer acréscimos a essa oferenda. Também é
importante considerar que muitas vezes a presença de obì revela a presença ou necessidade de sabedoria.
Considerando-se o fato de que na verdade Sàsýrý é Ìfá, Ìfá usado por Îrúnmìlà (a sabedoria), as
particularidades de obì são perfeitamente aplicáveis a esse caminho de Odù.

c) Apesar de não haver recomendações específicas a esse respeito, e em razão das poéticas
citações sobre Orí presentes no ìtan, seriam prudentes consultas sobre a eventual necessidade de oferendas
a Orí. Além do mais, através dos rituais a Orí é possível evocar o àñë dos ancestrais, que parece ser
importante nessa situação. É óbvio que consultas específicas precisarão ser realizadas antes de qualquer
decisão a esse respeito.

d) A finalidade desse ëbö é favorecer a manifestação de riquezas e “vida agradável”, dentro de


situações semelhantes às narradas no ìtan.

280
Òdí 10

Nos primórdios da existência a árvore Obì procurou um babalawo, pois desejava muito a bênção
de um filho. O babalawo a aconselhou fazer uma oferenda para esse propósito; oferenda essa que obì fez
prontamente, mas negligenciando importantes elementos, uma faca e um tecido. Logo que fez sua
oferenda, constantemente obì perguntava ao babalawo sobre quando seus filhos chegariam; quantos
seriam; e desses filhos, quanto as pessoas comeriam. A atitude impertinente de obì acabou desagradando a
Èñù, que numa determinada ocasião disse a todos os aràiyé que as oferendas feitas por esses estavam
incompletas, pois era necessário que o fruto da árvore Obì fizesse parte das oferendas em questão. Cientes
de que incompleta uma oferenda não surte o efeito esperado, as pessoas do mundo correram a pegar os
filhos de Obì. Com a faca que obì deveria ter oferecido no ëbö e não o fez, as pessoas abriram várias
cabaças, e dentro delas colocaram os frutos colhidos da árvore Obì. Dessa forma obì perde sempre os seus
filhos para as pessoas até o dia de hoje, e também é por isso que, com raríssimas exceções, todas as
oferendas a Òrìñà são acompanhadas de obì.

“Ìfá diz que essa pessoa terá um filho, mas deve oferecer um ëbö em nome de todas as
pessoas do mundo. Para que uma criança não nasça insana, um ëbö é o que devemos oferecer”. Essa é a
primeira mensagem trazida por Òdí nesse caminho. Sem dúvida é uma passagem muito complexa, que

281
carece de profundas considerações. O primeiro elemento a ser considerado diz respeito à possibilidade de
gravidez. A afirmação de que um filho faz parte das bênçãos desse Odù evidencia que esse é um caso de
grandes realizações, quer se dê à palavra “filho” um sentido literal ou figurativo, esse representando as
mais diversas formas de realizações e felicidade pessoal. Fazer um ëbö (sacrifício) pelas pessoas do mundo
pode ser um indício considerável de espiritualidade, principalmente se for considerado o fato de que obì,
entre outras coisas, representa ao mesmo tempo a necessidade e o potencial de sabedoria espiritual. É
possível que as bênçãos prometidas por Òrìñà nesse Odù tenham que se estender a um grande número de
pessoas. Em relação a esse fato é preciso verificar que foi graças aos filhos de obì (e sua forçada renúncia ao
mesmo) que os aràiyé (pessoas do mundo) passaram a completar suas oferendas, garantindo assim o
sucesso das mesmas. Analogicamente é possível que dos esforços e posterior renúncia por parte do
consulente, muitas outras pessoas venham a se beneficiar, o que caracterizaria o “ ëbö aos aràiyé” do qual
fala o ìtan, pois a oferenda pela humanidade evoca equanimidade de espírito e um amor desapegado a
todos. Por último o ìtan fala de uma criança que pode nascer insana, dando ao termo insano a idéia de
deficiência mental. Quanto a esse fato é preciso salientar que os filhos de obì nasceram e imediatamente
morreram, em nome do bem estar dos aràiyé. Mesmo que de forma indireta, seria prudente considerar a
hipótese de uma influência àbìkú na situação. Mas independentemente de tal possibilidade, o importante é
ter em mente que sobre a influência desse Odù serão grandes as chances de geração ou nascimento de um
filho defeituoso. Graças a compaixão de Olïrun, esse Odù aponta para uma solução nessa complicada
situação.

“Obì disse, ‘Eu terei muitos filhos? Quantos filhos eu terei? Desses filhos, quantos as pessoas
comerão?’”. Só quem faz parte do corpo interno do Candomblé sabe o quanto é desagradável quando
alguém faz uma oferenda e fica cobrando resultados imediatos. Tal atitude evidencia um desconhecimento
de leis espirituais, o que por sua vez caracteriza desequilíbrio espiritual. obì é o fruto que melhor simboliza
Orí (aqui simbolizando o potencial de espiritualização e desenvolvimento do ente humano). A árvore de obì,
tendo atitudes completamente desequilibradas e espiritualmente inconseqüentes, evidencia que de fato há
desequilíbrio espiritual quando aparece esse Odù; desequilíbrio esse caracterizado pela oferenda
incompleta e o comportamento inconveniente. Esses importantes detalhes explicam as razões de Èñù em
contribuir para a perda dos filhos de obì, embora com posterior benefício da humanidade. É importante que
fique claro que se o consulente tiver um comportamento semelhante ao de Obì, certamente se colocará
numa situação de sofrimento e perdas, como o próprio Odù evidencia.

“Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro, de filhos e de vida longa”. Apesar das perdas e do
sofrimento da árvore Obì, essa passagem evidencia que há consideráveis elementos positivos nesse Odù. É
óbvio que essa positividade será suficiente para mudar radicalmente e de forma benéfica a vida do
consulente, mas só se manifestará de fato se o comportamento do mesmo for diferente do personagem. Ou
seja, se as oferendas forem feitas de forma correta, e se o comportamento for condizente com a sabedoria e
paciência em relação às leis espirituais; exatamente o que faltou a Obì.

“Èñù disse, ‘aràiyé, suas oferendas estão incompletas’. Com a faca que obì não ofereceu, as
pessoas abriram uma cabaça e nela colocaram os frutos. Com o tecido que obì não ofereceu, cobriram os
corpos dos filhos de Obì”. No ìtan, Èñù incita as pessoas a completar suas oferendas com os filhos de Obì.

282
Esse fato mostra Èñù como um elemento de equilíbrio da harmonia cósmica. Aqui também fica evidente
que apesar das consideráveis chances de realizações, conquistas e felicidade nesse Odù (o ìtan diz que os
filhos de obì eram incontáveis), tão grande quanto é a possibilidade de perdas, caso perdure o estado de
ignorância espiritual simbolizada pela conduta de obì. Também fica evidente a razão da necessidade de obì
em quase todos os tipos de oferendas.

Ëbö

Quatorze búzios
Um cabaça
Uma navalha
Uma faca
Um tecido com listras brancas, pretas e vermelhas.
Osùn

Comentários sobre o ëbö

a) A cabaça, nesse contexto, parece evocar as palavras de pessoas de considerável conhecimento


litúrgico, que a colocam como um "útero fecundado”. Esse fato reforça a idéia de filhos, mas é bom ter em
mente que "filhos", entre outras coisas, podem representar realizações em geral.

b) É muito provável que a presença de navalha seja algum forte indício de iniciação ou obrigação
de caráter espiritual. Considerando-se o fato de que o fruto de obì é imprescindível nos processos de
iniciação, tal possibilidade ganha ainda mais força. É possível que só através de profundo relacionamento
espiritual com a religião de Òrìñà seja possível atrair os benefícios e afastar os malefícios inerentes a esse
caminho de Òdí. É óbvio que pela gravidade do acima exposto, serão necessárias consultas específicas
antes de qualquer atitude a respeito.

c) A presença de facas em oferendas geralmente evoca a idéia de “cortar” uma eventual


negatividade que possa se abater sobre o consulente. Vários são os indícios no ìtan de que tal negatividade
existe, principalmente no que diz respeito aos filhos do consulente. Importante salientar que esse foi um
dos elementos negligenciados por obì em sua oferenda, o que pode significar um descrédito do consulente
em relação aos perigos inerentes a esse Odù.

d) Tecidos coloridos são muito comuns em oferendas relacionadas a filhos e aos antepassados.
Como já foi visto, é óbvio que os atuais ou futuros filhos do consulente têm alguma relação com toda a
problemática abordada no ìtan. Caberá ao awolòrìñà as devidas interpretações a respeito. Assim como a
faca, o tecido também foi negligenciado por Obì, e o que já foi dito aplica-se também a esse caso.

283
e) Osùn é um dos símbolos mais fortes de fecundidade, o que é mais uma forte alusão a filhos. O
osùn também possuiu a propriedade de transformar o latente em realização objetiva, além de atrair boas
notícias. Esses fatos caracterizam o potencial de realizações, prosperidade e felicidade desse caminho de
Òdí. Mas como foi dito, trata-se de um potencial, que carecerá de sabedoria e cuidados litúrgicos para se
tornar realidade.

f) A finalidade dessa oferenda é atingir prosperidade vida longa e benefícios em relação a filhos e
realizações em geral; dentro de situações semelhantes às narradas no ìtan.

284
Òdí 11

Vários são os tambores específicos do culto de determinados Òrìñà, mas houve uma época em
que o próprio Olófin não possuía um tambor específico para seus rituais. Naqueles dias existiu Àgbà, que
era um membro do culto a Olófin. Numa determinada ocasião Àgbà foi a um babalawo, disposto a saber o
que poderia ser feito para conseguir um bom nome e riquezas em sua vida. O babalawo recomendou uma
oferenda para esse propósito, mas Àgbà não a fez da maneira correta. Ele voltou a perguntar ao babalawo
se conseguiria um bom nome e fortuna com esse ëbö. O babalawo respondeu afirmativamente, mas avisou
que ele seria surrado com uma vara. Àgbà não levou a sério a palavra do babalawo. Acreditou que por ser
um membro importante do culto do mais venerado de todos os Òrìñà, ninguém poderia lhe fazer mal.
Pensando assim ele resolveu direcionar sua oferenda apenas para a aquisição de fortuna, esquecendo os
elementos que simbolizariam bom nome e proteção pessoal. Dentre todos os elementos que Àgbà deveria
oferecer em ëbö, uma pele de antílope e uma vara deveriam fazer parte da oferenda, e foram exatamente
esses dois elementos que Àgbà negligenciou. Os demais membros do culto a Olófin estavam descontentes
com a aparente desvantagem que possuíam em relação aos sacerdotes de outras divindades. Pensando
assim determinaram que Olófin passaria a ter um tambor em seu culto. Eles começaram a andar pela cidade,
na esperança de encontrar algum objeto que pudesse servir a seus propósitos. Num determinado canto
encontraram Àgbà, que havia acabado de oferecer sua oferenda incompleta. Os sacerdotes acharam
interessante a forma de Àgbà, e imediatamente determinaram que ele seria o tambor tão desejado. Foram
ao mercado e compraram a única pele de antílope que lá havia; exatamente aquela que Àgbà não quis

285
colocar em sua oferenda. Eles pegaram uma vara e com ela começaram a bater no rosto de Àgbà, louvando
o grande Òrìñà da brancura. Dessa forma a palavra do babalawo se fez verdadeira, e Àgbà não conseguiu
nem a fortuna nem o bom nome que um dia desejou.

"O que Àgbà deveria fazer para ter um bom nome no àiyé?". A preocupação de Àgbà revela que
o fator dignidade, representado pelo desejo de um bom nome, é sem dúvida um dos principais assuntos
tratados por Òdí nesse caminho. Esse fato evidencia que uma conduta pessoal ética e elevada certamente
favorecerá para que as bênçãos inerentes a esse Odù de fato se manifestem. Mais à frente será visto como
não é possível, sob a influência desse Odù, separar as conquistas materiais do comportamento pessoal
ilibado.

“Disseram, ‘Baterão em você com uma vara’”. O babalawo avisou a Àgbà que ele seria
surrado, mas suas palavras não sensibilizaram seu consulente. Àgbà acreditou que por se membro do culto
a Olófin, nenhum mal se abateria sobre ele. Analogicamente o consulente poderá acreditar que devido às
atuais características de sua vida, esteja imune aos males que muitas vezes caracterizam a existência no àiyé.
Seria importante avisar o consulente sobre eventuais desventuras em seu caminho, que podem impedir ou
dificultar que ele atinja os benefícios trazidos por esse Odù. Também merece destaque o fato de que varas,
na grande maioria dos casos, são representações isoladas dos ancestrais, principalmente os masculinos.
Ora, sabe-se que são esses mesmos ancestrais os zeladores da conduta ética de um individuo ou de um
ëgbý. Esse fato mostra que Egún (representando aqui a ancestralidade do consulente) poderá ser o fator de
dor em sua vida, se o mesmo for imprudente e inconseqüente como o personagem do ìtan. Tal
possibilidade interpretativa torna-se viável em função da importância que varas, cajados e troncos possuem
no culto a Egún.

“Àgbà não ofereceu a pele. Ele não ofereceu a vara. Ele fez ëbö para atingir uma boa fortuna”.
A partir desse momento as coisas começam a complicar para Àgbà. Geralmente a negligência em relação a
uma oferenda mostra erros de discernimento espiritual, que invariavelmente conduzem à dor. Também
merece destaque que num determinado momento, as preocupações de Àgbà com seu bom nome ficaram
relegadas, pois a riqueza encabeçou a lista de suas prioridades. O insucesso e o sofrimento do personagem
evidenciam que sob a influência desse Odù, não será uma atitude sábia desvincular os benefícios materiais
da conduta ética. Será o bom nome do consulente que favorecerá os meios pelo qual a riqueza poderá
chegar em sua vida, e não o contrário. Esse é sem dúvida o elemento trazido por Òdí nesse caminho que
mais merece reflexões, em virtude do impacto positivo (ou negativo) que pode ter na vida do consulente.

"Eles o absolveram da sentença de morte. Se o dinheiro está voltando, Ìkú não nos frustrará”.
Essas passagens revelam um caminho de Òdí perigoso, onde até mesmo a morte pode ocorrer
precocemente. Parece que ser transformado num atabaque foi um destino suave, perto do que poderia
acontecer ao incauto Àgbà. Várias são as pessoas ilustres do Candomblé que defendem a idéia de que em
casos extremos, as divindades ou os ancestrais podem encurtar consideravelmente a estadia de um
indivíduo no àiyé, frustrando assim as expectativas do mesmo em relação à felicidade. Pela força expressa
na passagem do ìtan, sem dúvida esse Odù exemplifica um desses casos. Seria importante deixar claro ao

286
consulente a dimensão que as conseqüências poderão possuir, quando erros espirituais ou éticos são
cometidos sob a influência desse Odù.

“Òrìñà fala de uma bênção de filhos, de dinheiro e de vida longa, quando nós vemos o Sétimo
Ancião (Òdí)”. Apesar dos elementos negativos e perigos tratados por Òdí nesse caminho, Òrìñà evidencia
que realizações, conquistas e uma vida longa podem ser alcançadas sobre a influência desse Odù; desde
que haja a clara compreensão sobre todos os demais assuntos aqui abordados. Certamente essas
realizações positivas estão na proporção direta da importância que o consulente der à construção de um
nome forte, digno e respeitável nesse mundo.

“Èñù dançava e regozijava. Ele louvava um babalawo, e um babalawo louvavam Òrìñà”. Sem
dúvida alguma Èñù terá influência nas desventuras que vierem a se abater sobre o consulente, caso o
mesmo aja de forma imprudente em relação aos assuntos trazidos por Òdí nesse caminho. Os mitos
colocam Èñù com o principal elemento de harmonia universal, recompensando e punindo conforme o
merecimento de cada um, em nome da lei de Olódúmarè que ainda pouco conhecemos. Sua sutil aparição
no ìtan evidencia definitivamente a possibilidade de erros de caráter espiritual quando esse Odù se
apresenta, intensificando assim os elementos perigosos já tratados. Por outro lado, Èñù também
recompensa aqueles que cumprem suas responsabilidades espirituais. Segundo tal análise, caso o
consulente aja de forma equilibrada e coerente perante o exposto, certamente Èñù será um fator de
felicidade em sua vida; cabendo então ao awolòrìñà abrir as devidas portas para que o citado de fato ocorra.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Uma galinha
Um pombo
Sete ìgbín
Sete obì
Uma pele de antílope
Uma vara

Comentários sobre o ëbö

a) Na falta da pele de antílope, parece não haver problema em usar a pele de um outro animal,
desde que esse animal também faça parte das oferendas costumeiras a Òrìñà.

b) A vara, como já foi dito, parece uma alusão à ancestralidade, tal qual o ìñán do culto a Egún.
Esse fato torna esse caminho de Òdí complexo, merecendo consultas mais aprofundadas, devido à
possibilidade de descontentamento da ancestralidade do consulente.

287
c) O ìtan deixa claro que os obì e os ìgbín devem ser oferecidos a Òrìñà (Òñàlá). Mas essa mesma
clareza não existe em relação aos demais animais. Seriam importantes consultas específicas a esse respeito,
pois galinhas e pombos também são oferendas costumeiras a Òñàlá. A estrutura do ëbö, somada ao fato de
Àgbà ser um tambor usado no culto a Òñàlá, revelam a grande influência desse Òrìñà nesse caminho de
Òdí. Como é comum em ìtan onde Òñàlá aparece, são aconselháveis atitudes e pensamento condizentes
com os aspectos positivos do arquétipo Funfun, como sabedoria, tranqüilidade, paciência e resignação.

d) Além de ser uma oferenda muito apreciada por Òñàlá, obì também representa necessidade de
sabedoria. A análise do ìtan mostra que tal simbologia aplica-se perfeitamente a esse caminho de Odù.

e) A finalidade de tal oferenda é conseguir um bom nome e prosperidade, além de se livrar de


dores e morte precoce. Tudo isso dentro de situações semelhantes às narradas no ìtan.

288
Òdí 12

Certa vez houve um homem cujo nome era Estrangeiro Valente. Ele era um babalawo e estava
passando por uma fase de considerável pobreza. Desejoso de reverter essa situação, Estrangeiro Valente
resolveu procurar outro babalawo; que por sua vez lhe recomendou fazer uma oferenda e dar de comer à
sua cabeça, no intuito de trazer para sua vida considerável prosperidade. Além do ëbö prescrito, Estrangeiro
Valente também deveria oferecer ìgbín e obì a Òrìñà, rogando por bênçãos. Estrangeiro Valente fez o ëbö
assim como lhe foi ensinado, e após isso se dirigiu para o reino de Ìbínní (Benin). Nesse mesmo reino, o
monarca também havia consultado os seus babalawo, no desejo de fazer seu reino prosperar. Um babalawo
lhe avisaram que um estrangeiro estava chegando; e que o rei deveria dividir todos os seus bens com esse
estrangeiro, pois essa seria a chave de sua felicidade e do desenvolvimento de seu reino. Passou algum
tempo e Estrangeiro chegou no reino de Ìbínní. O rei já havia determinado a seus guardas que detivessem o
primeiro estrangeiro que chegasse, não lhe permitindo abandonar a cidade sem uma audiência real. Dessa
forma, assim que chegou em Ìbínní Estrangeiro Valente foi detido pelos guardas do rei, que o arrastaram
até o monarca. Enquanto era arrastado Estrangeiro Valente reclamava do babalawo, pois ele havia feito
todas as oferendas e ninguém havia lhe avisado que aquilo aconteceria. Quando foi colocado em contato
com o rei, o soberano perguntou a Estrangeiro Valente se ele o ajudaria a desenvolver o reino de Ìbínní.
Estrangeiro respondeu que sim, desde que o rei não o matasse. O rei não o matou, e, além disso, deu a
Estrangeiro Valente metade de todos os seus pertences, como esposas, dinheiro, escravos, roupas, etc.
Estrangeiro Valente auxiliou o rei a fazer de Ìbínní um reino equilibrado e próspero. Ambos dançavam e
regozijavam, pois Ìfá havia dito a verdade.

“Você vive numa boa casa. Você sabe chegar em tempo. Quando você chega à presença do rei,
enriquece”. A rápida citação sobre uma boa casa pode ser um indício de eminente mudança de lar;

289
principalmente se for levado em consideração o fato do personagem em questão ter mudado de cidade
para prosperar. Essa mesma prosperidade é confirmada pela presença diante do rei. É possível que contatos
diretos com pessoas poderosas ou influentes possam favorecer a prosperidade inerente a esse caminho de
Odù. Já a breve citação sobre tempo pode representar a possibilidade das bênçãos tratadas no Odù ainda
não estarem no tempo certo para se manifestarem na vida do consulente. Sobre esse fato é preciso salientar
a necessidade de oferendas a Òñàlá, pois em muitos casos onde esse Òrìñà participa, a solução pode ser um
pouco mais demorada do que gostaria o consulente. Se Ìfá confirmar essa última possibilidade, paciência, fé
e perseverança serão indispensáveis para a manutenção de um estado mental que favoreça toda a
positividade trazida por esse Odù.

“Consultaram Ìfá para Estrangeiro Valente, quando ele foi ao reino de Ìbínní (Benin)
adivinhar”. A idéia de “estrangeiro” sugere mudanças, que podem ou não ser de cidade ou residência. O
fato de o personagem ser um sacerdote é um forte indício de que muito provavelmente questões espirituais
estejam envolvidas na problemática. Se assim o for, será precisa a devida atenção a todos os elementos
espirituais do consulente para uma resolução adequada da questão. Um outro fator que merece
consideração é de que o termo “Estrangeiro Valente” também é citado num dos caminhos de Ìròsùn,
nesse caso referindo-se a Egún; que ao menos no que diz respeito a esse plano de existência, pode ser
considerado de fato um estrangeiro. Essas possibilidades técnicas, além das experiências pessoais, tornam
esse pormenor do Odù digno de criteriosas e cuidadosas consultas, pois se Ìfá confirmar essas
possibilidades, certamente dependerá da correta observação dessa revelação o sucesso na obtenção das
bênçãos narradas no ìtan.

“Disseram, ‘Esses ìgbín você deve oferecera Òrìñà Baba, e rogar para que ele lhe mande
bênçãos’”. Essa informação diz respeito aos caramujos que compõem a oferenda necessária a esse Odù.
O destino a ser dado a esses animais evidencia que Òñàlá é o principal fator de auxílio quando esse
caminho de Òdí se manifesta. Nesses casos sempre é aconselhável que o consulente procure encaixar-se o
máximo possível à elevada espiritualidade inerente a esse Òrìñà. Logo, condutas que enalteçam a moral,
retidão de caráter, paciência, resignação, castidade e abstinência de toda e qualquer substância
entorpecente, certamente favorecerão a manifestação de todas as bênçãos que acompanham esse Odù.

“Estrangeiro Valente fez tudo o que lhe foi indicado. Depois disso ele foi a Ìbínní”.
Independentemente de todas as possibilidades interpretativas, o fato do personagem mudar de uma
cidade para outra para alcançar uma vida agradável evidencia que mudanças (de cidade ou não) serão
necessárias quando esse Odù aparece. Caberá ao próprio consulente, juntamente com o awolòrìñà, definir
quais são os aspectos de sua vida que carecem de mudança; pois como já foi dito, essas são de fato
importantes dentro da problemática exposta no ìtan.

“Quando Estrangeiro Valente chegou, os guardas o pegaram e o levaram até o rei. Ele disse,
‘Vocês, babalawo. Eu fiz tudo o que me mandaram. Não me disseram que eu seria arrastado’”. Sem
dúvida alguma essa é uma importante passagem do ìtan, que carece de comentários específicos. Antes que
os benefícios desse Odù se manifestem, é provável que uma fase de dificuldades (simbolizada pela
“prisão” de Estrangeiro Valente) se faça presente. É evidente o descontentamento (para não dizer

290
“revolta”) do personagem. Esse fato evidencia que em pelo menos um instante ele duvidou das bênçãos
prometidas por Òrìñà durante sua consulta a Ìfá. Devido a esse importante detalhe, será muito provável que
o quadro de dificuldades que antecipará a manifestação das bênçãos seja encarado com desânimo ou
fragilidade de fé pelo consulente. Desnecessário é dizer que tal estado mental apenas afastará por tempo
indeterminado os benefícios inerentes a esse Odù. Dessa forma, o ideal seria que o consulente mantivesse
uma fé inabalável nos benefícios que certamente chegarão em sua vida quando esse Odù se manifesta,
principalmente se o mesmo seguir todas as orientações trazidas por Ìfá. Todos esses fatos caracterizam
desequilíbrio espiritual, pois quando alguém está em dúvida passa a desacreditar que tudo tem um
propósito (Àbà), e que nada acontece sem a permissão de Olódúmarè. Esse desconhecimento e
conseqüente não aceitação das leis espirituais é o que caracteriza o desequilíbrio espiritual nesse caminho
de Òdí. Uma cabeça equilibrada sabe intuitivamente que uma vez tendo feito o que é espiritualmente
correto (nesse caso, o ëbö e a observação da conduta proposta no ìtan), só acontecerá o que deve
acontecer. Tal conscientização acabará por gerar uma aceitação benéfica e positiva dos resultados, sejam
eles quais forem. Talvez seja essa a razão de oferendas a Orí serem necessárias quando aparece esse
caminho de Odù. Também é preciso salientar que no ìtan, Estrangeiro Valente é conduzido ao rei por alguns
soldados. Esse fato, embora sutilmente, poderá simbolizar privação de liberdade.

“Onibínní disse, ‘Você estrangeiro; o que faz em minhas terras?’ Ele disse, ‘Eu vim devido a
minha pobreza’”. A resposta dada por Estrangeiro Valente ao rei é uma evidência que consideráveis
dificuldades materiais estarão presentes quando Òdí se manifestar nesse caminho. Tão importante quanto
esse detalhe é o fato de que tais dificuldades poderão ser revertidas nos mais diversos benefícios, desde
que a oferenda e a conduta sugerida pelo Odù sejam fielmente seguidas.

“O rei disse que deveriam dar um assento a Estrangeiro Valente. Deveriam também lhe dar
gorros, dinheiro, esposas, tecidos e escravos. Todas as coisas que Onibínní tinha, dividiu com Estrangeiro
Valente”. Essa é a passagem que evidencia todo o potencial de prosperidade e conquista desse caminho
de Odù. Certamente essa mesma sorte está destinada ao consulente, mas será vital que o mesmo mantenha
a fé naquilo que Ìfá diz. Também é importante salientar que se Estrangeiro Valente tivesse tentado fugir,
certamente afastaria seus caminhos da grande prosperidade que se manifestou em sua vida. Esse fato pode
ser um indício de que fugir do sofrimento (que nesse caso sem dúvida é um fator necessário à evolução)
poderá impedir a manifestação de dias melhores. Esse é um assunto que merece profundas reflexões.

“Onibínní disse, ‘Estrangeiro, você me ajudará a desenvolver minha cidade?’ Estrangeiro


disse, ‘Se o senhor quiser, e se o senhor não me matar’”. Mesmo depois que a riqueza chega em sua
vida, Estrangeiro continua a agir de forma defensiva em relação ao rei. Medos infundados certamente
estarão presentes quando esse Odù se manifestar. Será importante que haja a devida sabedoria para que o
medo em questão não venha a ser tornar um empecilho para a manifestação da prosperidade.

“Estrangeiro Valente ajudou a organizar a vida em Ìbínní. Tudo lá ficou agradável e calmo. A
vida de Estrangeiro estava tranqüila. Eles dançavam e regozijavam”. Essa é a evidência final de que é
possível atingir uma vida próspera e equilibrada sob a influência desse Odù. Importante salientar que a
atividade profissional de Estrangeiro Valente visava colocar em ordem o reino de Ìbínní. Devido a tal fato é

291
provável que o consulente venha a se deparar com ambientes confusos ou desorganizados, onde será
necessário o seu auxílio para que de fato haja a ordem que tornará possível uma “Vida agradável”; pois
no início do ìtan é dito que ele foi “acabar uma tarefa inacabada”. Essa importante informação
certamente poderá auxiliar o consulente a definir os próximos passos em sua vida.

“Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro, de filhos e de vida longa. Òrìñà fala de uma bênção
para além dos muros da cidade”. Todas as bênçãos prometidas por Òrìñà definitivamente fazem desse
caminho de Òdí um bom presságio. Importante a informação sobre “outra cidade”. Geralmente essa
colocação diz respeito a novas e melhores oportunidades que o consulente poderá encontrar em outros
ambientes, o que poderá ou não ocorrer em outra cidade, se Ìfá assim o confirmar. O importante é ter em
mente que quando essa expressão está presente, também o está a idéia do novo (simbolizada pela ida de
Estrangeiro Valente ao reino de Ìbínní), de algo até então inexistente na vida do consulente, que certamente
favorecerá o pleno êxito nos caminhos expostos pelo Odù.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Sete galos
Sete pombos
Sete ìgbín
Sete obì
Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì revela a necessidade de sabedoria quando se está sob a influência desse
Odù. Tal fato está baseado no mito que explica ser obì o receptáculo da Sabedoria Divina, sendo por isso o
fruto preferido de Orí.

b) O ìtan diz que os caramujos e dois dos sete obì devem ser oferecidos a Òñàlá. Como já foi dito,
esse Òrìñà é sem duvido um importante elemento de realizações positivas nesse Odù.

c) O ëbö não estará completo sem oferendas a Orí. É óbvio que o fortalecimento do àñë pessoal
será imprescindível para a manifestação das bênçãos prometidas por Òrìñà.

d) Todas essas oferendas visam o atingir de prosperidade e de uma vida agradável, em situações
semelhantes às narradas no ìtan.

292
Òdí 13

Uma determinada cidade antiga cujo nome era Ìkòyí, preparava-se para a guerra. O principal
babalawo da cidade consultou Ìfá, e disse ao rei, chamado Oníkòyí, e a seu principal general, de nome
Agbîn, para que realizassem oferendas no intuito de voltarem vitoriosos da guerra em questão. A oferenda
deveria ser realizada no alto de uma colina, para que os adversários de Ìkòyí sempre estivessem a seus pés.
Prontamente o rei preparou todos os elementos da dispendiosa oferenda, pois assim lhe mandou a
prudência. Mas Agbîn, o general do exército, acreditou que nada de ruim poderia lhe acontecer durante a
guerra. Presumiu e afirmou que o babalawo era um mentiroso, que Èñù não passava de um ladrão. Ele
olhou o céu com desprezo, como se nunca fosse morrer em sua vida. Dessa forma eles foram para a guerra.
A primeira flecha lançada pelos inimigos estava em chamas, e acertou em cheio o peito de Agbîn. Os
soldados tentaram ajudá-lo de todo o jeito, mas não foi possível, Agbîn morreu. A guerra continuou e Ìkòyí
saiu vitoriosa. O rei conseguiu voltar para casa, assim como Ìfá previra, mas Agbîn não teve a mesma
felicidade, em virtude de seu desrespeito perante o sagrado.

"Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö devido a guerreiros. Ele diz que para não ter tribulações,
essa pessoa não deve ser defensiva”. Guerra é o principal assunto abordado nesse caminho de Òdí. É
muito provável que a mesma já não possa ser evitada, e o prejuízo certamente será bem menor se houver a
clara compreensão desse triste fato. Dessa forma, atitudes de características defensivas parecem não ser as
mais indicadas, pois certamente acarretarão em derrotas. Para que seja possível orientar o consulente
corretamente, caberá ao awolòrìñà a clara compreensão sobre essas informações, tendo em vista tudo o
que poderá ser entendido pelo termo “guerra”. Como um irmão de considerável conhecimento litúrgico
já expressou, paz não é ausência de guerras, mas sim o prevalecer da justiça. Considerando-se o fato de que
a presente obra visa a harmonia, nas suas mais diversas formas de expressão, é aconselhável que o
awolòrìñà tenha clara consciência das conseqüências de suas palavras nas vindouras atitudes do consulente.

“Só quem luta sabe o que é a guerra”. Definitivamente guerras estarão presentes quando Òdí
se manifestar nesse caminho. É possível que por “guerra” possa ser compreendido tudo aquilo que
impede ou dificulte a realização de determinados objetivos. Essa breve definição certamente poderá auxiliar
o consulente a descobrir porquê Òrìñà lhe traz essas informações. É imprescindível salientar que na grande
maioria dos casos, a guerra só existe porque um dos lados se mantém intransigente, numa posição ética e
espiritualmente reprovável. Seriam prudentes reflexões a esse respeito. No caso de guerras internas, é

293
muito provável que os inimigos sejam as próprias más tendências pessoais. Uma análise acurada do ìtan
revela que o comportamento de Agbîn é a real causa de sua morte. Apesar dessas possibilidades mais
subjetivas, os perigos objetivos já citados não devem ser desconsiderados.

“Disseram, ‘Vocês devem oferecer o ëbö numa colina”. A presença de colinas em oferendas
geralmente visa afastar a mente de situações estressantes, aproximando o indivíduo de sua condição
espiritual intrínseca, que é de transcendência em relação às vicissitudes do àiyé. Espiritualmente falando, a
consciência desse fato favorecerá consideravelmente o sucesso na guerra que se aproxima. Não estaria em
sintonia com a espiritualidade aspirada por essas páginas se o elemento “colina” tivesse alguma relação
com qualquer tipo de soberba. Ter os inimigos aos pés não significa necessariamente ser melhor que eles, e
sim estar numa posição onde não seja possível a esses mesmos inimigos gerar qualquer tipo de aflição.
Apesar da morte de Agbîn, o retorno do rei (que fez a oferenda prescrita) é uma evidência de que a
prudência, assim como a observação de compromissos espirituais (simbolizados pelas oferendas
realizadas), favorecerão a vitória naquilo que Òrìñà definir como “guerra”.

"Agbîn chamou o babalawo de mentiroso; ele chamou Èñù de ladrão; ele olhou para os céus
com desprezo, como alguém que não pudesse morrer”. É evidente que o desrespeito ao sagrado poderá
estar presente quando Òdí se manifestar nesse caminho. Somente o consulente poderá saber e encaixar
essa informação à sua vida, mas o importante é que ele saiba que tal atitude certamente lhe trará
consideráveis sofrimentos. Em linhas gerais, a não observação de uma oferenda prescrita caracteriza as
“cobranças de Santo” que o povo de Òrìñà conhece tão bem. Trata-se também de ignorância espiritual,
cuja conseqüência direta sempre é a dor.

"A flecha que estava em chamas atingiu Agbîn”. É interessante o fato de Agbîn ter morrido pelo
fogo, pois esse elemento, entre outras coisas, é um símbolo de purificação, como se as atitudes de Agbîn
necessitassem de tão extrema expiação. Essa é mais uma evidência que grandes dores esperarão aqueles
que cometerem erros espirituais tão profundos como os cometidos por Agbîn. Também serão prudentes
cuidados físicos em relação ao elemento fogo.

"Tentaram e tentaram, mas não puderam salvá-lo”. Os anais da espiritualidade narram vários
casos onde um indivíduo coloca-se numa situação espiritual tão complexa e negativa, que torna quase
impossível o auxílio por parte dos que lhe querem bem. É possível que tal possibilidade se aplique à vida do
consulente, e se assim o for, mudanças comportamentais passarão a ser emergenciais, sob o risco do
consulente atrair para sua vida as mesmas dores que implacavelmente caíram sobre Agbîn. O ìtan sugere a
existência de uma cabeça totalmente desequilibrada, além de um total desconhecimento das leis espirituais.
Uma pessoa com essas características está sujeita a todo tipo de infortúnios, o que torna prudente cuidados
com inimigos, acidentes, doenças, perturbações com Ara îrun, Ajogún, Àjý, etc.

Ëbö

Cento e quarenta búzios

294
Sete galos
Sete pombos
Sete cestos
Sete cabaças
Sete ökà
Sete ëmï
A roupa que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de búzios dá a entender que não se deve fazer esse ëbö gratuitamente.
Existe a possibilidade do awolòrìñà ter que reforçar seu àñë pessoal depois de fazer esse ëbö para alguém.
O comportamento do personagem dá a entender que no momento essa pessoa não está merecendo ajuda,
o que acaba reforçando a necessidade de um pagamento considerável para ser ajudada.

b) O termo “agbîn” corresponde a um determinado tipo de cesto iorubano. Os cestos da


oferenda relembram a história de Agbîn, e os cuidados que a aparição desse Odù merece.

c) Ökà são oferendas comuns em ëbö de purificação. Sua presença nessa oferenda evidencia a
negatividade inerente a esse Odù, assim como a necessidade do consulente purificar-se das cargas
negativas geradas pela mente espiritualmente equivocada. Mesmo que de forma sutil e velada, a presença
desse alimento, assim como as cabaças necessárias ao ëbö, sugerem a presença ou influência de ara îrun na
problemática em questão. Seriam prudentes consultas a esse respeito.

d) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

e) Roupas em ëbö sugerem a necessidade de alteração de conduta, como se a atual personalidade


do consulente fosse incapaz de atrair benefícios. Daí a necessidade de “despachá-la” e assumir um
comportamento e mentalidade que possam erradicar a negatividade desse caminho de Òdí.

f) Os rituais dessa oferenda deverão ser feitos numa colina. As razões para tal já foram expostas
alhures.

295
296
Òdí 14

Nos primórdios da criação, antes do àiyé ser como hoje o conhecemos, Egún estava prestes a vir
do îrun para o àiyé. Mas antes de chegar ao novo plano de existência, Egún resolveu consultar Ìfá, pois
gostaria de desfrutar de várias bênçãos quando aqui chegasse. O babalawo disse que Egún conseguiria as
bênçãos que desejava, mesmo aquelas que não estivessem ao alcance de suas mãos. Egún fez a oferenda
prescrita pelo babalawo, e de fato, logo chegou ao àiyé, passou a conseguir grandes bênçãos em sua vida.
Todas as coisas que desejava, Egún conseguia realizar. Foi dessa forma que Egún se tornou mais poderoso
que os seres humanos. Ele dançava e regozijava; feliz pelo fato de Òrìñà ter abençoado a palavra do
babalawo.

"O que Egún deveria fazer para conseguir as bênçãos que suas mãos não alcançavam?”. O
desejo de realizações, principalmente de âmbito material, é o que melhor caracteriza esse caminho de Òdí.
Segundo a própria estrutura do ìtan, tais desejos tendem a ser plenamente realizados, se houver a clara
compreensão sobre os assuntos abordados nesse Odù.

“As bênçãos que não conseguir pegar, eu as puxarei com um gancho”. A espiritualidade
ensina que cada ser humano, quando na definição de seu destino pessoal (simbolizado nesse caso por Orí)
ainda no îrun, já fica ciente das bênçãos ou infortúnios que estejam harmonizados com esse mesmo
destino. Mas os destinos, assim como tudo no plano da evolução, não são estáticos, podendo ser alterados
pelo menos em parte por um Orí poderoso. A passagem em questão expressa, embora de forma velada,
que algumas das realizações aspiradas pelo consulente não estão ao alcance de suas mãos, ou seja, dentro
de sua realidade espiritual. Mas através de um determinado instrumento (o “gancho”, que pode
representar a poderosa vontade do Espírito) é possível ter acesso a tais bênçãos, desde que se saiba como
fazê-lo. Essa possibilidade interpretativa é muito complexa, e assim como todas as outras expostas nessa
obra, deverá ser confirmada por Ìfá antes de ser externada ao consulente, pois um erro de interpretação
aqui pode colocar um indivíduo fora dos caminhos traçados por seu Orí, o que representaria uma catástrofe
espiritual, podendo inclusive culminar em prejuízos ao atual atúnwà (renascimento), essa grande
oportunidade que Olódúmarè nos dá em Sua compaixão.

"Egún tornou-se mais poderoso que os humanos”. O conhecimento de sua própria natureza
como um ser espiritual: a consciência plena de que a morte nada mais é que um estado de transição, e a
menor sujeição à matéria são talvez os principais fatores que podem justificar o maior poder de Egún em
relação ao ser humano. Se Ìfá apoiar tal possibilidade interpretativa, ficará evidente que o conhecimento
sobre a relatividade do àiyé será um dos fatores que favorecerão a manifestação de bênçãos nesse caminho
de Òdí. Num plano menos filosófico e mais prático, a passagem do ìtan, embora sutilmente, abre a hipótese
de disputas estarem presentes na questão. Se assim o for, a sabedoria já abordada certamente será um fator
de diferenciação dentro do quadro de disputas. Caberá ao consulente agir coerentemente para que tal

297
diferenciação seja a seu favor. A natureza subjetiva e introspectiva desse Odù aponta para a possibilidade
das disputas em questão serem de natureza psíquica ou espiritual.

“Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro e de filhos. Ìfá diz que ele vê muitas bênçãos para essa
pessoa”. Como já foi visto, esse caminho de Òdí favorecerá as mais diversas conquistas e realizações
pessoais, que certamente se manifestarão na vida do consulente, se todas as demais informações trazidas
por Ìfá forem fielmente seguidas. Um detalhe que merece destaque é o fato de Egún (assim como a
ancestralidade em geral) ser um dos guardiões do comportamento ético na religiosidade iorubana. Os
mitos e as tradições explicam que atitudes desrespeitosas, ou que trouxessem alguma espécie de prejuízo
ou vergonha a um determinado ëgbý, colocavam um indivíduo em débito com a ancestralidade de sua
linhagem. Considerando-se a força que Egún possuiu nesse Odù, é possível que um comportamento ético
exemplar seja um dos pré-requisitos para a manifestação das bênçãos prometidas por Òrìñà. Se por algum
motivo o consulente achar que sua atual conduta não condiz aos padrões de retidão exigidos nesse caso,
caberá ao awolòrìñà definir, com o auxílio de Ìfá, quais seriam as melhores maneiras de conseguir harmonia
em relação à ancestralidade. Harmonia essa que sem dúvida favorecerá o manifestar de todas as bênçãos
citadas no ìtan.

“Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas a Ògún”. Não há nenhuma explicação textual
sobre a necessidade de oferendas ao Òrìñà dos metalúrgicos, o que torna necessário o livre especular a esse
respeito, embora a palavra final seja do próprio Ìfá. É muito provável que Ògún seja a divindade que
represente coletivamente a ancestralidade do consulente; pois Òdí traz mensagem semelhante em outros
caminhos. Se assim o for, certamente algum ancestral do consulente já cultuou essa divindade, e as
oferendas prescritas favoreceriam para que Ògún continuasse a abençoar os descendentes desse ancestral
em questão. Uma outra possibilidade a ser checada está ligada ao fato de Ògún também estar relacionado
à honra e ao comportamento ético, tanto que constantemente é invocado em momentos de juras e
compromissos, pois rezar sobre o ferro de Ògún é uma das coisas mais sérias na religião dos Òrìñà.
Também é possível que as oferendas a essa divindade visem evocar seu aspecto Asíwàjù, o desbravador que
vai à frente abrindo os caminhos e gerando novas oportunidades. Todas essas possibilidades e muitas
outras poderão explicar a necessidade de oferendas a Ògún, mas como já foi dito, caberá a Ìfá a definição
final.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Um galo
Um pombo
Uma roupa

Comentários sobre o ëbö

298
a) A presença de roupas no ëbö sugere a necessidade de harmonizar atitudes e pensamentos com
os assuntos abordados no ìtan, como se o atual jeito de ser ou agir do consulente não fosse combatível com
a realidade que precisa ser vivenciada quando aparece esse caminho de Òdí.

b) O ëbö não estará completo sem oferendas a Ògún. Caberá ao awolòrìñà definir a natureza das
mesmas.

c) Essa oferenda é feita, em situações semelhantes às narradas no ìtan, para que seja possível
atingir as mais diversas bênçãos, mesmo aquelas que aparentemente não sejam possíveis de ser alcançadas.

Òdí 15

Numa cidade de nome Ejù existiu um homem chamado Ëjù Îkîmi. As pessoas que compunham sua
linhagem geralmente morriam cedo, antes de conseguirem envelhecer. Mas essa sorte não estava destinada
a Ëjù Îkîmi, que foi escolhido o novo rei de sua cidade. Nesse momento ele viu-se numa difícil situação, pois
alguns cabelos brancos começaram a nascer em sua cabeça, deixando claro que o destino de sua linhagem
não se cumpriria sobre ele. O problema é que se os invejosos percebessem isso, poderiam matá-lo, pois Ëjù
Îkîmi passaria a ser o primeiro membro de sua linhagem com cabelos brancos. Preocupado ele procurou
por um babalawo, cujo nome era Ìdíogbinlë. O babalawo recomendou a Ëjù Îkîmi uma grande e dispendiosa
oferenda, que consistia entre outras coisas de uma cabra branca e vários caramujos, que deveriam ser
oferecidos à divindade de seu pai. Depois que o ëbö foi feito, Èñù pegou a pele da cabra imolada e
amarrou-a à entrada do palácio de Ëjù Îkîmi. Quando os invejosos (e potenciais assassinos) chegaram para
“cumprimentar” o novo rei, suas cabeças tocaram a pele que estava presa à entrada da porta. Perante o
novo (e ainda politicamente fraco) rei, os homens tentaram intimidá-lo, apontando-lhe os cabelos brancos,
como se aquilo fosse motivo para um homicídio. Mas eis que Ëjù Îkîmi apontou para a cabeça dos homens,

299
mostrando que também eles tinham cabelos brancos. Desesperados os homens pediram auxílio, pois se os
outros membros da cidade os vissem daquela forma, eles também correriam risco de morte. Ëju Îkîmi os
aconselhou a fazer a mesma oferenda feita por ele. O conselho foi seguido, e um a um os moradores de Ejù
passaram a envelhecer. Eles não morriam mais prematuramente. Ëjù Îkîmi, tornou-se Ëlëjù (rei de Ejù); ele
dançava e regozijava, pois Òrìñà o havia abençoado com vida longa e a prosperidade de um rei.

“Consultaram Ìfá para Ëju Îkîmi, filho de Îbamarî. As pessoas de sua linhagem não envelheciam;
não chegavam a ter cabelos brancos. O que ele deveria fazer para não morrer precocemente?”. A
possibilidade de morte precoce é certamente a principal mensagem trazida por Òdí nesse caminho de Odù.
É certo que o consulente deverá tomar todos os cuidados apontados por Ìfá para que essa não seja sua
sorte.

“Ele não poderia mais entrar nos salões, ou o matariam”. O fato de Ëju Îkîmi começar a
envelhecer (o que é o natural) foi encarado pelas demais pessoas da cidade como um acontecimento
negativo. Esse detalhe do Odù evidencia que a felicidade e os benefícios que chegarão à vida do consulente
desagradarão outras pessoas; que levadas por sentimentos espiritualmente ignorantes, poderão gerar
considerável dor. Toda essa questão não deixa de ser uma forma de inveja, que infelizmente estará presente
quando Òdí se manifestar nesse caminho. A forma como as pessoas lidaram com a situação também mostra
que consideráveis perigos (inclusive assassinatos) poderão estar presentes quando esse Odù se manifestar;
o que é uma evidência cabal de que todos os cuidados possíveis deverão ser tomados. Num plano mais
subjetivo, a ameaça representada pelos habitantes de Ejù poderá ser encarada como um elemento de
frustrações ou até de sabotagens, mais é óbvio que tal possibilidade interpretativa não deve ocultar os
demais perigos a serem considerados nesse delicado caso. Como o ìtan aborda assuntos referentes a
linhagens, também será prudente considerar a hipótese de toda família do consulente, e não apenas ele,
correr os mesmos riscos, pois esse caminho de Òdí apresenta características abrangentes, que
possivelmente transcendem o domínio de uma só personalidade.

“Ele disse ao babalawo, ‘Estou com medo de morrer’. O babalawo disse, ‘Você não
morrerá. Só se não fizer o ëbö’”. A oferenda prescrita para esse Odù é certamente o principal elemento
de proteção perante os consideráveis perigos que aqui se apresentam. Apesar da aparente repetição, é
imprescindível que fique bem claro ao consulente os riscos que o mesmo corre, e principalmente a
importância de seguir a orientação de Òrìñà para evitar uma sorte tão nefasta.

“Ìdíogbinlë disse que Ëju Îkîmi deveria oferecer a cabra branca e os caramujos à divindade de
seu pai”. Apesar de não haver uma citação textual, é evidente que a divindade em questão trata-se de
algum Òrìñà Funfun. Essa importante afirmação evidencia que a proteção do indivíduo está nos caminhos
de Òrìñà, ou seja, está indissoluvelmente atrelada à espiritualidade. Tudo isso faz com que o
comportamento litúrgico, ético e devocional seja mais do que necessário, sob o risco de um futuro curto e
doloroso. É óbvia a influência Funfun nesse Odù, sendo grandes as chances de necessidade de um culto
familiar a alguma divindade branca, para que a morte precoce (e outros infortúnios) não recaia sobre toda a
linhagem do consulente; e para que a prosperidade vivida pelo consulente possa fazer parte da vida do
mesmo. Obviamente que tal possibilidade deve ser confirmada por Ìfá.

300
“Ëju Îkîmi recebeu um oyè e começou a ter cabelos brancos. Òrìñà fala de uma bênção de
filhos, de dinheiro e de vida longa”. Apesar de toda a negatividade já exposta, esse caminho de Òdí
também traz consigo realizações, boas notícias, prosperidade (lembrando que o personagem tornou-se um
rei), além de consideráveis chances de não morrer prematuramente. Como já foi visto, todos esses
benefícios dependerão de como o consulente encarará a gravidade da situação, e principalmente, da
conduta espiritual que o mesmo terá depois de ter acesso a todas essas informações. A dispendiosa
oferenda necessária a esse Odù, que em si traz o potencial de riquezas e proteção pessoal, já servirá como
uma indicação do ânimo do consulente em resolver satisfatoriamente sua situação. Nunca é demais
ressaltar a necessidade do awolòrìñà deixar muito claro ao consulente as eventuais conseqüências de
negligências espirituais nesse caso. Também será de responsabilidade do awolòrìñà a eventual formação de
uma oferenda substituta, caso o consulente não possa arcar com a dispendiosa oferenda prescrita a esse
Odù. Desnecessário é dizer que tais alterações deverão ser sancionadas por Ìfá, sob pena de não se
mostrarem eficazes para a proteção do consulente, muito menos para a manifestação das bênçãos
prometidas por Òrìñà nesse caso.

"Foi Èñù que prendeu a pele da cabra. Se uma criança ou se um adulto entrasse no palácio, Èñù
os acompanhava”. Foi Èñù que conduziu as pessoas para que suas cabeças tocassem a pele da cabra e
adquirissem pêlos brancos. Èñù, sem dúvida nenhuma, é um fator de considerável auxílio na problemática
exposta nesse Odù.

“As pessoas disseram, ‘O que devemos fazer por nossas vidas?’ Ëjù Îkîmi disse, ‘Tragam
cento e quarenta ìgbín’”. Merece destaque a forma como Ëjù Îkîmi tratou as pessoas que lhe queriam
mal. Em sua posição de rei, poderia facilmente dar cabo de todas elas, mas preferiu indicar às mesmas o ëbö
que ele havia feito, para que a vida longa que ele desfrutaria pudesse também ser desfrutadas pelos demais
cidadãos de Ëju. Essa foi sem dúvida uma atitude de considerável sabedoria espiritual, que não poderia
deixar de receber o devido destaque. Definitivamente, rancores não fazem parte desse caminho de Òdí.

Ëbö

Cento e quarenta búzios


Cento e quarenta ìgbín
Sete galos
Sete pombos
Uma cabra branca
Uma roupa

Comentários sobre o ëbö

301
a) O ìtan diz que Ëjù Îkîmi deveria oferecer a cabra à divindade de seu pai. E se a divindade em
questão fosse Ògún, ou Ñàngó? Quem teria coragem de dar cabra a esses Òrìñà? Mas no ìtan aparecem
várias "dicas" de que essa divindade é um Òrìñà Funfun. A grande quantidade de caramujos no ëbö; o fato
de Òñàlá ser aquele que promove vida longa; a cor da cabra; a citação do termo "Òrìñà" para definir apenas
um ser, etc. Mesmo que os pais do consulente sejam feitos de outro Òrìñà que não Òñàlá, é muito provável
que essa seja a divindade familiar, que segundo o ìtan, deverá receber as oferendas em questão. Também é
importante salientar que quando situações semelhantes são apontadas por Ìfá, geralmente o consulente é,
ou deveria ser iniciado a Òrìñà. Um outro elemento que merece destaque é a forte ancestralidade que tal
oferenda certamente evocará.

b) Para nós brasileiros, pode parecer desnecessária a oferenda de cento e quarenta caramujos.
Parece que o bom senso deve prevalecer nesse caso, para que haja uma definição sobre a possibilidade de
redução desse número. Também deve ser relevado o fato de que também em terras iorubanas acontecem
algumas substituições nas oferendas, principalmente quando o consulente não dispõe de boa situação
financeira. É certo que a palavra final será de Ìfá.

c) Geralmente as roupas de ëbö simbolizam a necessidade de alterações comportamentais; mas


em casos como esse, tais roupas são uma tentativa de desviar da pessoa a negatividade abordada pelo Odù.

d) Em função do grande auxílio prestado por Èñù no ìtan, é provável que haja a necessidade de
oferendas mais bem elaboradas a esse Ëböra, além das que ele deve receber por trabalhar como Ëlýbö. Mas
como não há citações textuais, é óbvio que consultas específicas deverão ser executadas a esse respeito.

302
Òdí 16

Houve um tempo em que Òñàlá estava muito preocupado com seus filhos Òrìñàfi e Òrìñàju, que
moravam na cidade de Ifîn. Ele decidiu que precisava ir até eles, pois não sabia como estavam vivendo. Ele
precisava trabalhar, e com o suor de seu trabalho tentar ajudar seus filhos, que há muito não via. Mas antes
de começar a viagem, Baba resolveu consultar um babalawo. Esses lhe disseram que a viagem não seria
fácil; que Baba depararia com insultos, mas que ele não deveria reclamar de nada, nem se deixar esmorecer.
Baba fez a oferenda prescrita, que entre outros elementos continha vários tecidos. Um babalawo deu alguns
tecidos a Baba, dizendo que ele precisaria deles durante a viagem. Também lhe deram um cajado de
chumbo, para que Baba se apoiasse nele durante o trajeto. Por último disseram que se Yemùo (a esposa de
Baba, que o acompanharia) lhe desse alguma orientação, ele deveria obedecer sem discutir. Sendo assim,
Òñàlá iniciou a viagem que o levaria até Ifîn. Logo no início do trajeto encontraram uma vendedora de
dendê. Ela aproximou-se de Òñàlá, pedindo-lhe para que lhe auxiliasse a colocar o tonel de dendê no chão,
a fim de descansar. Yemùo propôs-se a ajudar, mas a velha insistiu que desejava o auxílio de Òñàlá. Em sua
bondade Baba ajudou a velha a colocar o tonel do chão, mas ele sujou toda a roupa de Òñàlá com dendê.
Baba não falou nada. Yemùo pegou suas roupas sujas e lhe deu um dos tecidos que um babalawo havia
devolvido. Depois desse incidente eles seguiram viagem, até que encontraram outra velha, que dessa vez
vendia carvão. Como na primeira vez, a velha pediu auxílio a Baba. Yemùo quis ajudar, mas a velha não
aceitou. Novamente as roupas de Baba ficaram sujas. Antes que Òñàlá tivesse qualquer reação, Yemùo

303
lembrou-lhe das palavras dum babalawo. Baba resignou-se e trocou suas roupas mais uma vez. Quando já
estavam perto de Ifîn, cruzaram com uma vendedora de yankò (espécie de azeite de palmeira). O que já
havia ocorrido duas vezes repetiu-se, e mais uma vez Baba resignou-se com sua sorte. Por fim eles
chegaram a Ifîn, e assim que viu um dos guardas, Òñàlá perguntou por Òrìñàfì. O que ele não sabia é que
Òrìñàfì havia se tornado rei de Ifîn, tendo Òrìñàju como seu principal conselheiro. O guarda indignou-se
com a ousadia de Baba, que chamava o rei pelo nome, num sinal aparente de desrespeito. O mesmo guarda
já estava prestes a prender Baba, quando Òrìñàju avistou seu velho pai, cansado pela longa viagem. Desfeita
a confusão, Òrìñàju determinou que todas as pessoas de Ifîn deveriam fazer oferendas a Òñàlá. Quando
perguntado por que, respondeu-lhes que era devido ao fato de Òñàlá ter lhe gerado. Todos fizeram
oferendas a Baba, que foi finalmente tratado com o respeito que merece por ser o Grande Òrìñà. As pessoas
o cumprimentavam dizendo “Èpà!”. É por isso que se faz essa saudação até os nossos dias.

"Ìfá diz que nos depararemos com insultos, mas que não devemos nos deixar abater, pois
haverá bênçãos após os insultos”. Insultos, adversidades em relacionamentos e dificuldades em geral
certamente estarão presentes quando Òdí se manifestar nesse caminho. O importante é ter em mente a
promessa de Òrìñà, pois tais sofrimentos serão o prenúncio de dias melhores.

"Ìfá diz que devemos nos recusar a sermos amedrontados pelos insultos”. O silêncio de Baba
no ìtan certamente não deve ser encarado como uma espécie de covardia ou acomodação. Na verdade
representa a mais alta sabedoria, pois tudo na vida tem um preço, e Baba o pagou com seu sofrimento
quando decidiu que visitaria seus filhos. A resignação mostrada por Òñàlá na verdade representa uma
considerável espiritualidade, pois em nenhum momento Òñàlá deixou de acreditar na palavra de Ìfá, que lhe
falou de dor, mas também de bênçãos. Esse caminho de Òdí certamente deve trazer a inspiração para o
suportar das dores que não podem ser evitadas. Olïrun não abandona nenhum de seus filhos, e o
reconhecimento demonstrado a Òñàlá em Ifîn é a prova de que os sofrimentos inerentes a esse Odù
certamente favorecerão a manifestação de consideráveis bênçãos.

"Baba vem para olhar o àiyé, para olhar por seus filhos. Ele transformou a si mesmo". A
preocupação de Baba em relação a seus filhos foi o motivo de sua viagem, mesmo com Ìfá mostrando os
consideráveis sofrimentos que lhe esperariam no trajeto. São vários os mitos que falam de seres
elevadíssimos que abandonam momentaneamente os planos excelsos no intuito de ajudar irmãos menos
felizes. Esse caminho de Òdí (que na verdade é uma outra versão do conhecidíssimo mito que deu origem
às Águas de Òñàlá) é uma evidência de que tais conceitos de espiritualidade também estão presentes na
religiosidade iorubana. Num plano menos metafísico, seria prudente se houvessem consultas no sentido de
averiguar possíveis sofrimentos com os filhos do consulente. Segundo a estrutura do ìtan, preocupações a
esse respeito são infundadas, pois os filhos de Òñàlá gozavam de considerável felicidade; mas prudência
nunca é demais. A parte que fala sobre transformação indica um momento de reflexões e crescimento
espiritual. As constantes mudanças de roupas efetuadas por Òñàlá representam o desapego em relação a
pontos de vista e particularidades de personalidade não condizentes com a espiritualidade evocada por
esse Odù. Trata-se de um processo contínuo de contato com o impuro (as substâncias que são tabus para
Òñàlá), que apesar de desagradável é necessário, pois certamente favorecerá o despertar de virtudes
inerentes à alma humana, mas que se encontram adormecidas na maioria de nós. Quando a esse último

304
comentário, é preciso salientar que foi graças a um sentimento de compaixão pelas velhas encontradas no
caminho, que Òñàlá entrou em contato com substâncias impuras. Sendo Òdí um Odù de introspecção, que
favorece reflexões e meditação, não é de se estranhar essas possibilidades. Òdí parece ser intimamente
ligado ao autoconhecimento, assim como à dor e à liberdade que esse mesmo autoconhecimento oferece
ao ser humano.

"Ìfá diz que há uma bênção por trás dos insultos”. Essa passagem, por si só, explica a razão da
tolerância e paciência demonstradas por Òñàlá no decorrer do ìtan. A certeza de que benefícios virão deve
gerar energia para suportar e transcender as dificuldades que aparecerão junto com esse Odù. Muito
provavelmente parte das bênçãos prometida por Òrìñà corresponde à felicidade e reconhecimento vividos
por Òñàlá na cidade de Ifîn.

"Se qualquer uma de suas esposas mandasse nele; ele não deveria discutir com elas”. Sob a
influência desse Odù, as relações mais íntimas deveriam estar baseadas em benefícios espirituais mútuos. É
provável que um dos cônjuges tenha capacidade para influenciar beneficamente seu parceiro. Parece que
especificamente nesse caso, a mulher esteja em melhores condições de auxiliar espiritualmente o homem.
No caso do consulente ser solteiro, abre-se a possibilidade do surgimento de uma esposa. De qualquer
forma, saber ouvir conselhos é uma das formas de sabedoria expressas no ìtan. A presença de Yemùo
(também chamada Yemowò, divindade companheiro de Öbátàlá em Ifý) pode sugerir uma influência de
Yemöjá, visto que essa "substitui" Yemowò entre os brasileiros. A impressão que se tem é que nesse
caminho de Odù o casamento parece ser benéfico; talvez até necessário.

“Aquele que fixa sua cabeça, roda como um pião”. Numa outra variante do mito, foi a teimosia
de Òñàlá a causa de suas grandes dores. O ditado popular acima expresso evidencia que “fixar a cabeça”
representa a atitude ignorantemente obstinada, que não leva ninguém a lugar algum, como um pião que
gira sobre sua circunferência sem conquistar grande espaço. Como já foi visto, as roupas trocadas por Òñàlá
representam a necessidade de desapego em relação a detalhes da personalidade, e a teimosia (ou
ignorância) pode muito bem ser um desses detalhes a serem abandonados.

"Ajude-me a colocar esse azeite no chão”. Para ajudar alguém, Òñàlá não hesita em entrar em
contato com seus ëwî. Esse fato assemelha-se ao ideal do Boddhisatva no budismo, onde há a idéia de que
o ser humano que completou seu ciclo evolutivo na atual existência, atingindo assim a perfeição, renuncia à
sua entrada no Nirvana (a Quietude Absoluta) para auxiliar outros seres a chegarem a tal estágio de
evolução. Isso é algo para se refletir e meditar.

“Quando Baba foi ajudá-la, ela derramou azeite de dendê em suas roupas”. O contato de
Òñàlá com seus ëwï indica as adversidades nesse Odù. A própria postura de calma e paciência de Òñàlá
parece ser um indicativo de como agir perante nossos próprios tabus, ou aquilo que não suportamos em
nossas vidas. Por se tratar de Òdí, tais adversidades podem ser externas (causadas por outras pessoas) ou
internas (conflitos psicológicos e existenciais), pois esse Odù representa os conflitos internos do homem em
relação à sua origem, existência e destino.

305
"Yemùo disse, ‘Não diga nada; lembre-se do que lhe disseram’”. Essa passagem reforça a
necessidade de tolerância nesse caminho de Òdí, além de evidenciar a influência salutar de Yemowò para
Òñàlá. Pelo fato de Òdí representar as características subjetivas do ser humano, Yemowò (nesse ìtan) pode
representar o lado sensível e intuitivo do ser humano, que especificamente nesse caminho de Odù parece
ter uma certa supremacia ante o poder patriarcal de Òñàlá, que dentro dessa analogia seria o racional, o
intelecto e a indução.

“Fizeram tudo bem feito para Òñàlá. Não havia outros que eles cultuassem em Ifîn, além de
Baba”. O reconhecimento e o culto prestado pelos habitantes de Ifîn certamente representam as bênçãos
desse Odù. Todo o sofrimento de Òñàlá pareceu pouco, diante da felicidade de ver seus filhos bem, e de ser
bem tratado pelas pessoas. É importante que o consulente saiba que seu sofrimento tem uma finalidade
para seu espírito; que tudo tem uma razão na vida, e que Olörun nunca se engana ou abandona seus filhos
à própria sorte.

Ëbö

Sete galinhas brancas


Sete ìgbín
Sete tecidos brancos
Oferendas a Òñàlá

Comentários sobre o ëbö

a) Não há referências sobre búzios. Pode ser um lapso de memória de Salàkï, o grande sacerdote
que narrou os ìtan. Mas também pode ser uma indicação de que não se deve cobrar para fazer esse ëbö,
visto que a função dos búzios era pagar o babalawo. É muito mais provável que a segunda opção
corresponda à verdade.

b) Como já foi visto, os tecidos estão relacionados às constantes trocas de roupas que Òñàlá faz
no ìtan. Tais trocas não só evidenciam o horror dos Funfun ao impuro, como parece aludir a uma
necessidade de constantes desapegos à personalidade que criamos no decorrer da vida. Essas
personalidades seriam compostas por opiniões, gostos, aversões, preferências, preconceitos, etc.; tudo isso
sendo representado pelas roupas do ìtan.

c) As oferendas a Òñàlá correspondem à forma de retratação encontrada pelo povo de Ìfîn, pelo
tratamento ríspido do guarda que encontrou Òñàlá, e por inicialmente não terem tratado o Grande Òrìñà
com a devida deferência, achando ousadia do mesmo chamar o rei pelo primeiro nome. Também seria
prudente considerar que Òñàlá (entre outras coisas) representa o purgar dos defeitos da personalidade
humana; sendo possível que o consulente possua alguma espécie de “dívida” com esse Òrìñà. A oferenda
efetuada pelo povo de Ifîn é composta por:

306
Dez galinhas
Dez pombos
Dez ìgbín
Dez de “todas as coisas”.

d) Por "todas as coisas" pode-se entender o conjunto de comidas, folhas ou metais que são
usadas no culto aos Funfun. Essa segunda oferenda é um complemento da primeira, e também é
imprescindível para a manifestação das bênçãos inerentes a esse caminho de Odù.

e) Segundo o ìtan, a razão dessa segunda oferenda é o fato de Òñàlá ser aquele que criou Òrìñàfì
e Òrìñàjù. Esse fato dá a entender que Òñàlá esteja intimamente relacionado à origem mítica do consulente.

Òdí 17

Numa determinada época, sete albinos anciões foram a Ejìgbò no intuito de trabalharem como
babalawo. Quando lá chegaram eles estavam famintos e exaustos. Um dos albinos comprou o equivalente a
quatorze búzios de inhames. Todos comeram e se fartaram. Depois o mesmo albino comprou o equivalente
a quatorze búzios de ötí. Todos beberam e saciaram-se. O vendedor de inhame e a vendedora de ötí não
souberam distinguir qual dos albinos havia efetuado as compras, e cobraram de todos eles o pagamento
devido. Mas os albinos não possuíam nenhum dinheiro, o que causou a revolta dos vendedores. Os anciões
quase foram surrados pelos vendedores, que na última hora decidiram levá-los ao rei. O monarca de Ejìgbò
era chamado Jaiyé Öla (Aquele que aprecia a honra), e quando todos os envolvidos chegaram à sua
presença, imediatamente ele reconheceu nos albinos seu próprio povo. Mas os anciões estavam num
estado tão deplorável de embriaguez, que começaram a agredir o rei com seus cajados. Entristecido o rei
determinou que os albinos deveriam pagar a dívida imediatamente, ou não poderiam mais entrar em
Ejìgbò. Como não possuíam dinheiro, os sete anciões foram expulsos. É por isso que albinos não entram na
cidade de Ejìgbò até hoje. Jaiyé Öla é aquele que conhecemos como Òrìñà Ògìyán.

“Consultaram Ìfá para sete anciões, que foram à cidade de Ejìgbò adivinhar”. O primeiro
detalhe desse Odù que merece destaque é a mudança de cidade por parte dos anciões. Geralmente tais
mudanças representam consideráveis alterações na vida do consulente, que não precisam necessariamente
ser de cidade. O fato do motivo da mudança ser profissional, indica que muito provavelmente questões
profissionais estarão associadas às consideráveis mudanças que ocorrerão na vida do consulente sob a
influência desse Odù.

307
“Criatura branca, evite dar dinheiro aos vendedores de ötí e de obì. ‘Quem vai pagar?’”. O
segundo detalhe que merece máxima atenção é a possibilidade de dívidas ocorrerem quando esse Odù se
manifestar. Segundo a estrutura do ìtan, muito provavelmente às dívidas em questão serão conseqüências
naturais da dificuldade de lidar com os impulsos sensoriais (representados no ìtan pela fome e sede dos
albinos) ou com os gastos pessoais. Mas independente do que gere a eventual dívida, o importante é ter em
mente que a falta de planejamento (simbolizada por uma viagem que não dá certo) é sem dúvida o
principal elemento de dores desse caminho de Òdí.

“Jaiyé Öla disse, ‘Ah! Esse é o meu povo’. Os albinos o atacaram com seus cajados”. Apesar
da compaixão demonstrada por Ògìyán para com seus filhos, o lamentável estado dos anciões não permitiu
que eles o reconhecessem como um elemento de auxílio na complicada situação. Graças a esses fatos, será
importante considerar a possibilidade de elementos entorpecentes serem um fator de considerável
sofrimento para o consulente. Todo e qualquer tipo de vício deverá ser evitado, para que o indivíduo não
corra o risco de desprezar sua própria espiritualidade, o que invariavelmente acarreta grandes sofrimentos.
O que precisa ficar bem claro é que a idéia do “errado” está presente, simbolizada pelo fato de, ao menos
em teoria, albinos não poderem beber, vestir preto ou ingerir sal. A violência dos albinos é mais do que uma
referência à guerra simbólica do culto a Òñàògìyán; parece ser também uma alusão a uma certa deficiência
de discernimento, visto que os albinos atacaram aquele que veio auxiliá-los. Também não se deve desprezar
a possibilidade de ingratidão, embora essa não seja a principal idéia trazida pelo ìtan.

“Se vocês não pagarem a dívida, não poderão mais entrar em Ejìgbò”. O desejo inicial de
Ògìyán certamente não era punir os albinos, e sim de ajudá-los. Mas a conduta equivocada dos mesmos
forçou o Òrìñà do pilão a agir duramente. É muito provável que os elementos da espiritualidade do
consulente não queiram gerar-lhe dor, mas a atual conduta do mesmo o coloca numa situação
espiritualmente complicada. Sem a devida clareza sobre os assuntos trazidos por Òdí nesse caminho,
certamente o consulente poderá esperar por consideráveis “retaliações” de seus mentores espirituais,
que na verdade nada mais são do que a incapacidade dos mesmos em continuar abençoando seu
protegido. Infelizmente tais “retaliações” poderão perdurar pelo resto de sua estadia no àiyé.

"Ìfá diz que essa pessoa deve sacrificar à colina Ògìyán”. Oferendas à colinas visam elevação
espiritual e conseqüente afastamento da profanidade do àiyé. Os problemas e a conduta dos albinos
evidenciam que tal elevação é necessária quando esse Odù aparece. Além do mais, Ògìyán é o Òrìñà que
representa o autoflagelo, ou seja, à necessidade de autocrítica e revisão de pensamento e conduta, após um
período de considerável introspecção. Também é preciso salientar que os anciões do ìtan eram sacerdotes.
Se a atitude deles já seria reprovável para uma pessoa comum, torna-se ainda pior pela (teórica)
proximidade deles com o sagrado. Toda essa condição espiritual justifica consideravelmente a necessidade
de oferendas em colinas.

Ëbö

Muita comida e bebida.

308
Comentários

a) Não há no ìtan nenhuma definição sobre o tipo de comida e bebida a serem oferecidas quando
Òdí se manifesta nesse caminho. Mas o bom senso indica que certamente tais oferendas deverão estar nos
“caminhos” dos Funfun, considerando-se a grande influência de Òrìñà Ògìyán na problemática exposta
no ìtan. Tal oferenda certamente favorecerá o despertar da espiritualidade necessária para a resolução das
complicadas questões inerentes a esse Odù, inclusive das oportunidades profissionais, rapidamente citadas
no início do ìtan, além é claro da questão de dívidas ou vícios. Caberá ao awolòrìñà as devidas definições
sobre cada um dos elementos necessários à formação da oferenda em questão.

b) Em muitos outros caminhos de Odù ocorre a mudança de cidade por parte do personagem.
Invariavelmente esse mesmo personagem recorre a Ìfá, na esperança de fazer o que for necessário para ter
êxito em seus projetos. É preciso ressaltar que essa não foi a conduta dos Anciões do ìtan, o que sugere a
idéia de que há a possibilidade do consulente não ter o hábito de humildemente recorrer aos mais sábios
antes de tomar decisões que podem mudar os rumos de sua vida. Esse caminho de Òdí é um doloroso
exemplo de como esse tipo de atitude pode ser desaconselhável.

309
Òdí 18

Houve uma época em que Olufön (o rei de Ifîn) e Eléjígbò (o rei de Ejìgbò) estavam brigados. Eles
não se acertavam de forma alguma, mas não permitiam que as pessoas soubessem da discórdia que havia
entre eles. Cientes de que tal situação estava fazendo mal a ambos, cada um resolveu consultar seus próprio
babalawo. Aquilo que o Òkè Ìpînrí de um mostrou, o do outro também mostrou. Eles deviam fazer uma
oferenda para acabar com as diferenças existentes entre eles. Ambos se perguntavam como isso poderia
dar certo, e Èñù disse que sabia o que deveria ser feito. Nas oferendas a serem feitas pelos reis, deveria
conter uma cabra. Èñù determinou que se a cabra entrasse no palácio de qualquer um deles, esse rei deveria
tomar a iniciativa para acabar com a inimizade. Sem que os reis soubessem, Èñù tocou a cabra de Olufîn
para dentro de seu palácio, e fez a mesma coisa com a cabra de Eléjígbò. Apesar das diferenças entre
ambos, os dois monarcas eram pessoas sérias, logo se viram no dever de honrar o compromisso assumido
perante Èñù. Dessa forma os reis começaram a comer e beber juntos. Depois disso a vida deles começou a
melhorar, e eles começaram a dançar e regozijar, felizes por Ìfá ter mostrado a verdade.

“Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö, para que dois líderes não vivam em discórdia”. A
discórdia é o principal elemento trazido ao conhecimento por esse caminho de Òdí. Toda a estrutura do ìtan
aponta para a necessidade de resolução satisfatória dessa complicada situação, onde ressentimentos e
vaidades constantemente trabalham contra a concórdia e a felicidade.

“O que eles deveriam fazer para que suas vidas fossem boas?” Essa foi a questão que motivou
os reis a consultar Ìfá. É uma evidência de que a situação de discórdia é um atraso na vida de ambos. Os
estudos de espiritualidade falam de situações onde dois indivíduos, que por algum motivo se
desentenderam, influenciam-se negativamente através de vibrações mútuas de ressentimento, rancor ou
ódio. Ao longo do tempo tais vibrações se condensam em energias pesadas no ojìjì (sombra, duplo astral)
de ambos, favorecendo os mais diversos tipos de malefícios. Todos esses fatores evidenciam que o atual
quadro de discórdia é um elemento de sofrimento para os envolvidos, portanto deve ser revertido
imediatamente.

"Ìfá diz que eles devem resolver suas diferenças sozinhos, privativamente”. É muito provável
que os assuntos entre os lados envolvidos sejam consideravelmente delicados, sendo preciso muito tato
para resolvê-los satisfatoriamente. Mas não se deve olvidar a necessidade de empenho para que haja
concórdia. Estardalhaços e lavagem de roupa suja não parecem ser a melhor atitude em nenhum caso,
especialmente quando há a influência desse caminho de Òdí.

"Dois quadris não têm uma boca que possa falar como uma pessoa. Com as duas mãos
tocamos o tambor aràn”. Essas passagens assemelham-se ao ditado popular "Uma mão lava a outra, e
com as duas se lava o rosto”. Esse fato reforça a idéia de necessidade de união. É como se as partes
envolvidas na questão pudessem, se trabalhassem juntas, construir algo de muito positivo para a vida de
todos. Caberá ao próprio consulente ter idéia das razões de Òrìñà em trazer tais recados.

310
“Èñù disse, ‘Eu sei o que deve ser feito’”. É necessário ressaltar a participação de Èñù para a
concórdia entre os reis do ìtan. Apesar de muitos não acreditarem, Èñù é sem dúvida o principal elemento
de harmonização do Universo. As oferendas feitas pelos reis simbolizam a boa vontade de ambos para
solucionar a situação; e todos sabem que quando as oferendas (obrigações morais e espirituais) são feitas
corretamente, Èñù sempre está disposto a agir de forma propícia.

"A briga estava terminada. Eles começaram a comer e beber juntos. Seus destinos estavam em
ordem”. Como já foi visto, o bem estar espiritual dos envolvidos depende em muito da comunhão. Logo,
não se deve poupar esforços para que a mesma exista. Não seria uma atitude espiritualmente correta
permitir que rancores, pré-julgamentos ou vaidades impeçam a harmonização.

"Devemos fazer oferendas aos Òrìñà Funfun”. Olufîn é um título de Òrìñà Olufîn, assim como
Eléjìgbò é um título de Òrìñà Ògìyán. As divindades brancas, sendo representantes da existência genérica,
parecem ser as mais qualificadas para favorecer e abençoar a concórdia necessária. A tolerância e a
paciência são características dos Òrìñà Funfun, e certamente serão muito úteis sempre que Òdí se
manifestar nesse caminho.

Ëbö

Vinte e oito búzios


Uma cabra
Sete ìgbín
Um galo

Comentários sobre o ëbö

a) Apesar de haver a citação de uma cabra, de acordo com o ìtan ela não é imolada. A cabra foi o
símbolo do artifício usado por Èñù para unir os chefes em discórdia. Embora essa possibilidade não possa
ser descartada, seria necessária uma resposta muito positiva de Ìfá para que a cabra fosse imolada no ëbö a
Òdí, ou para um dos Òrìñà Funfun envolvidos na trama. Se de fato Ìfá desaconselhar o sacrifício em questão,
poderá ser montado um preceito de acordo com as informações trazidas no ìtan. Ou seja, uma cabra sairá
da casa de Òrìñà Olúfîn e entrará na casa de Òrìñà Ògìyán. Uma outra cabra (ou a mesma, se Ìfá permitir)
fará o percurso inverso. Algum sacerdote (ou um importante símbolo) de Èñù deverá estar presente no
preceito.

b) No caso do sacrifício da cabra ser realmente necessário, não há no ìtan nenhuma referência
quanto a cor da mesma. Mas sendo esse um caminho de Òdí de grande influência Funfun, é óbvio que
branca é a cor em questão.

311
c) Segundo a natureza do ìtan, serão necessárias oferendas aos Òrìñà Funfun (Òñàlúfîn e
Òñàogìyàn) como complemento do ëbö. Se de fato a cabra não for a oferenda prescrita por Ìfá, uma outra
oferenda deve ser montada, baseado-se nas demais informações trazidas por Òdí nesse caminho; além é
claro, do conhecimento do awolòrìñà. É importante que fique claro que o ëbö não estará completo sem
oferendas aos Òrìñà Funfun.

Ejìogbè

Considerações gerais

Na versão de Salàkï, Ogbè mostrou-se um Odù complexo que aborda vários aspectos da vida
humana. Em seus caminhos encontram-se diversos assuntos, alguns até antagônicos, fazendo com que a
diversidade, a abundância e até os paradoxos sejam suas características. É praticamente impossível discernir
uma continuidade, uma característica que possa definir Ogbè numa síntese de poucas palavras. Ogbè é
amplo, vasto, ambíguo, polêmico, contraditório, abrangente, indecifrável, indefinível, misterioso, complexo
e pleno.
Pode-se até fazer uma tentativa de aproximação entre Ogbè e o pensamento tântrico oriental.
Nessas filosofias considera-se o espírito como originalmente perfeito e imaculado, sendo transcendente a
tudo aquilo que aparentemente poderia afetá-lo. Imbuídos desse sentimento de transcendentalidade,
mestres tântricos podem ter relações sexuais ou não, observar uma dieta específica ou não, meditar ou agir,
recolher-se à vida monástica ou familiar. Tudo isso sem alterar a paz interna, oriunda da consciência clara do

312
fato que esse mundo é fugaz e apenas o espírito é realmente imutável. A ambigüidade de Ogbè,
representada pela abundância de seus caminhos, de opções, de conduta, de mentalidade e espiritualidade,
é que torna possível uma (cautelosa) comparação entre esse e a filosofia trântrica oriental.
Independentemente de toda essa abundância de características, pode-se observar que cada
caminho de Ogbè traz em si a plenitude do assunto que aborda. Ou seja, quando a morte aparece, é com
força; quando a vida aparece, é com vigor. Mas isso não significa que Ogbè seja um Odù extremista; apenas
que é forte e merece respeito, independentemente do assunto que esteja trazendo ao conhecimento
humano. Graças a tudo isso, pode-se entender por que os nagôs dizem que "Ejionilé engana até a morte".
Mesmo no sistema Ìfá, Ogbè destaca-se sendo o Odù que teria originado todos os demais. No
Ërindílogun, a posição central de Ogbè (é o oitavo entre os dezesseis Odù,) o torna o Odù que mais aparece
Ìfá. Nesse pormenor é possível observar a perspicácia daqueles que criaram essa adaptação do sistema
oracular de Ìfá, pois sendo Ogbè o Odù que mais apareceria, deveria então ser o que mais contivesse
caminhos, e esses caminhos deveriam refletir da melhor maneira possível o cotidiano da vida humana.
Graças a isso pode-se encontrar em Ogbè riquezas e dificuldades materiais. Laços de família e emancipação.
Filhos e infertilidade. Paixões avassaladoras e impotência sexual. Disputas e amizades. Trabalho e repouso.
Espiritualidade e profanidade. Apego e transcendência. Tranqüilidade e brigas. Vida e Morte. Tudo
exatamente como é a existência nesse ciclo evolutivo.
Não que isso seja uma regra, mas pode-se até considerar (até certo ponto, é óbvio) que quando
um determinado assunto é considerado normal à vida humana, é em Ogbè que aparece. Quando esse
mesmo assunto é trazido por qualquer outro Odù, pode-se considerar que o termo "normal" já não é
aplicável. Por exemplo: se a necessidade de trabalho aparecer em Ogbè, pode-se entender por "trabalho" a
ação, de característica física ou mental, que visa a manutenção da vida no àiyé; algo simples e claro. Essa
mesma necessidade trazida por um outro Odù pode representar o perigo do desemprego, um meio de
auto-afirmação, individualização, necessidade de usar os frutos do trabalho de uma maneira específica, uma
forma de alterar os rumos da vida, etc. Ou seja, quando um assunto parece ser algo inerente à vida humana,
algo inevitável e normal, que não dependa de escolha, que não possua conflitos ou complicadas
explicações psicológicas, esse assunto tende a aparecer em Ogbè; daí sua diversidade. Caso esse mesmo
assunto apareça nos caminhos de um outro Odù, requererá mais atenção, pois poderá ser um momento
crítico, necessìtando de cuidados mais complexos para uma resolução satisfatória. Em Ogbè os recados são
claros, o comportamento é simples e direto; como clara, simples e direta é a mente dos mestres que
observam esse mundo como algo necessário e inevitável, mas que não macula a essência espiritual que há
em cada ser. Devido a esses fatos, uma considerável experiência de vida auxiliará em muito a interpretação
das mensagens trazidas por Ogbè.
Se um outro Odù aparece é possível conversar por muito tempo sobre ele, mesmo sem definir
qual é o seu caminho naquele momento, pois os demais Odù têm como característica manter um
determinado padrão de assuntos, fugindo pouco desse mesmo padrão. Devido a esse fato, há caminhos
diferentes de um mesmo Odù que trazem mensagens aparentemente iguais, que tendem a aparecer outras
vezes, criando assim as principais características de um Odù específico. Em Ogbè isso praticamente não
ocorre, pois os caminhos (na grande maioria das vezes) são completamente diferentes uns dos outros.
Graças a esse fato haverá a necessidade de definir por qual caminho Ogbè aparece, antes de emitir
qualquer opinião. Mas independentemente do caminho que aparecer, a reposta de Ogbè será clara, única e
vigorosa.

313
Apesar de toda essa ambigüidade, alguns assuntos aparecem em Ogbè com uma maior
freqüência, merecendo então alguns comentários. Entre tais assuntos merecem destaque as citações sobre
Olódúmarè. Não são citações que visam propriamente enaltecer as manifestações de nossa Origem, mas a
simples presença do Sagrado Nome evidencia espiritualidade e inquestionável potencial para crescimento e
felicidade.
A espiritualidade de Ogbè é representada pelas constantes citações sobre Òkè Ìpînrí, por um
período de convivência e aprendizado com sábios, e por alguns personagens que nasceram para cuidar de
Òrìñà. Ou seja, o sacerdócio (se Ìfá assim confirmar) pode ser a síntese da espiritualidade desse Odù. Mas
mesmo que a espiritualidade do “afilhado” de Ogbè não seja tão intensa a esse ponto, é preciso salientar
que as principais bênçãos narradas nos caminhos desse Odù têm o Òrìñà como origem. Ou seja, mesmo
que não estejam presentes os vários elementos necessários à formação de um zelador de Òrìñà (ou padre,
rabino, pastor, etc.), pelo menos o elemento “fé” deverá estar presente. Essa mesma fé é textualmente
citada nos caminhos de Ogbè, o que evidencia que esse pormenor não é uma questão de interpretação
pessoal. Essa postura de expectativa confiante e devocional, juntamente com a consciência das
responsabilidades espirituais, caracteriza a espiritualidade de Ogbè; espiritualidade essa que nos caminhos
desse Odù se traduz em “uma vida agradável”. Em relação à convivência com sábios, esse é um elemento
presente mais de uma vez nos caminhos de Ogbè. Nesses casos tal convivência permitiu o desenvolvimento
de potenciais espirituais, de sabedoria e de responsabilidade. Os personagens que tiveram a oportunidade
de viver dessa forma adquiriram virtudes que possibilitaram o cumprimento de seus destinos, dentro de um
caminho de harmonia e até de prosperidade. Apesar disso, nos ìtan há situações onde o devoto resolve
abandonar totalmente suas responsabilidades, muito provavelmente assumidas ainda no îrun. As
conseqüências nesses casos são desastrosas, e isso é uma das características negativas desse Odù, como
será visto mais à frente. Se fosse possível sintetizar a espiritualidade de Ogbè na figura de algumas
divindades, certamente essas seriam Òñàlá, Èñù e Îrúnmìlà. A primeira representando a espiritualidade em
si; a segunda representado o potencial de crescimento, evolução e prosperidade, e a terceira representando
a sabedoria que tornará possível a espiritualidade e a evolução já citadas. Coincidentemente ou não, são
essas as divindades que mais aparecem nos caminhos de Ogbè.
A prosperidade aparece em praticamente um quarto dos caminhos de Ogbè, o que faz desse Odù
um bom presságio para as questões materiais. É necessário salientar que às vezes tal prosperidade é fruto
de trabalho, mas em outras ocasiões surge devido a outros fatores. O que está presente em qualquer
caminho onde a prosperidade aparece é a sabedoria. Às vezes essa mesma sabedoria é caracterizada pela
astúcia, às vezes pela previdência e até mesmo pela honestidade e retidão de princípios. O importante é que
fique clara a necessidade de atitudes sábias, para que a prosperidade inerente a esse Odù de fato se
manifeste. Essa mesma sabedoria em alguns casos se transmuta em paciência, perseverança, humildade e
perspicácia. Todos esses fatores serão imprescindíveis para que de fato a prosperidade desse Odù ganhe
um canal de expressão na vida do indivíduo. Mas como já foi dito, Ogbè é complexo demais para ser apenas
sabedoria. Em alguns de seus caminhos os consulentes não fazem as oferendas prescritas. Isso caracteriza
erros de discernimento espiritual, que é exatamente o oposto de sabedoria. É desnecessário dizer que em
tais situações a vida dos personagens em questão não apenas deixou de melhorar, mas piorou
consideravelmente.
Mas além da possibilidade de erros de discernimento, há nos caminhos de Ogbè outros
elementos que podem representar perigo. Entre todos esses merece destaque a presença dos Ajogún,

314
personificações dos principais males que acometem a humanidade. Ìkú (a morte), Àrun (a doença), Ofò (a
perda) e muitos outros (os mitos falam de dezesseis) são citados nos caminhos desse Odù. Esse é sem
dúvida o aspecto mais preocupante de Ogbè, que traz consigo grandes conquistas, mas esconde em seu
seio o potencial para profundas dores. Mas a prudência sempre manda considerar a presença de outros
perigos quando os Ajogún se manifestam. Logo, será prudente considerar a hipótese de inimigos, feitiços,
disputas desleais, maledicências, problemas no âmbito profissional, possibilidade de tomar atitudes
precipitadas, etc. As constantes citações de roedores como parte integrante de muitas oferendas a Ogbè, é
a evidência definitiva da negatividade que pode, em algumas ocasiões, acompanhar esse Odù. É preciso
destacar que em momentos de perigo narrados nos caminhos de Ogbè, o Òrìñà (além de outros elementos
que compõem Òkè Ìpînrí) é o principal fator de proteção. Esse fato evidencia que se o consulente for devoto
de Òrìñà, no mínimo ele possuíra melhores chances de não sucumbir perante os elementos negativos que
acompanham esse Odù. Mas apesar de toda essa negatividade, seria um erro não deixar claro que as
positividades de Ogbè são proporcionalmente maiores do que as negatividades em questão.
Em nenhum dos Odù abordados nessa obra o fator casamento aparece mais fortemente do que
em Ogbè. São várias as citações sobre esse acontecimento de âmbito pessoal e social, evidenciando a força
que as relações afetivas têm nesse Odù. Apesar disso, é importante salientar que na maioria dos casos há
algum tipo de problema nos casamentos em questão. Não se trata de problemas que ponham em risco a
integridade da relação, mas sim aspectos ocultos, espirituais ou físicos, que se não forem descobertos ou
saneados se transformarão em futuras dores. Entre tais aspectos merecem destaque as possibilidades de
doença ou problemas de libido por parte do cônjuge. De qualquer forma, a presença de Ogbè no àtë pode
ser interpretada também como um bom presságio em relação à vida afetiva do consulente.
Em diversas oportunidades os personagens de Ogbè procuram Ìfá com a intenção de
conseguirem “uma vida agradável”. O sucesso desses personagens evidencia que é possível desfrutar de
uma existência sem grandes contratempos estando-se sobre a influência desse Odù, mas todos os
personagens que conseguiram essa bênção fizeram suas respectivas oferendas, ou cultuaram alguma
divindade. Esse fato evidencia que para atingir uma vida equilibrada, esforços de natureza espiritual serão
necessários. Tais esforços podem ser apenas as oferendas em questão, mas também podem representar a
necessidade de vínculos mais profundos com Òrìñà. O que abre essa possibilidade são as constantes
citações sobre Òkè que aparecem em alguns caminhos desse Odù.
Como já foi visto, a prosperidade tem em Ogbè um bom representante, mas reforçando a
característica de ambigüidade e paradoxo desse Odù, o mesmo ocorre com a pobreza. Portanto não será
surpresa se algum “afilhado” de Ogbè possuir uma existência caracteriza por essa infame característica
desse mundo. Mas a pobreza que aparece em Ogbè não é caracterizada pela imutabilidade. Poderá ser
alterada, principalmente através de oferendas ou de culto respeitoso a alguma divindade. A prosperidade
de Ogbè é uma potencialidade, que se torna realidade quando esforços conscientes são feitos nesse
sentido.
O potencial humano para reverter situações contraditórias é muito bem representado por Ogbè.
Sofrimentos também estão presentes nesse Odù, quase sempre envolvendo aspectos materiais da vida. Mas
assim como a pobreza, tal sofrimento poderá ser revertido em futuras felicidades, através de atitudes sábias
e honradas. Sob certas circunstâncias será natural que havendo a influência desse Odù, sofrimentos estejam
presentes. Mas igualmente naturais serão as bênçãos que chegarão para aqueles que corajosa e sabiamente
souberam passar pelos períodos de sofrimento que às vezes acompanham Ogbè.

315
Embora não de forma tão intensa quanto em outros Odù, filhos também estão presentes nos
caminhos de Ogbè. Por uma questão de simbologia, a presença de filhos reforça o potencial de realizações,
prosperidade e positividade desse Odù. Mas na maioria dos caminhos onde filhos estão presentes, também
há questões perigosas a serem consideradas. Entre essas destaca-se a possibilidade de àbìkú. Às vezes
textualmente, às vezes veladamente, os caminhos de Ogbè que abordam o assunto deixam claro que essa é
uma real possibilidade quando esse Odù se apresenta. Mães que não conseguem segurar a gravidez
também aparecem nos caminhos de Ogbè, o que reforça as possibilidades já citadas. Em alguns caminhos
os filhos passam por diversas situações de perigo, e tudo isso apenas evidencia que os rebentos merecerão
atenção especial quando Ogbè se manifestar Ìfá. Como já foi dito, uma das características de Ogbè é o
paradoxo. Assim como há filhos em seus caminhos, também há mulheres com consideráveis problemas de
infertilidade. Além dos aspectos óbvios, isso pode representar frustrações, além de evidenciar que as
realizações simbolizadas por filhos serão frutos de esforços consideráveis nesse sentido.
Um certo clima de disputa também faz parte da essência desse Odù. As disputas acontecem por
posições hierárquicas, em situações afetivas ou por bens materiais. Geralmente o vencedor das disputas é
aquele que cumpriu suas responsabilidades espirituais (fez as oferendas prescritas). Isso é mais uma
evidência de que se o indivíduo possuir sinceras preocupações em relação a sua evolução espiritual, sempre
que Ogbè aparecer ele poderá considerar isso como um bom presságio. Mas se o mesmo indivíduo for
espiritualmente irresponsável, indolente ou inconseqüente, poderá esperar por derrotas, como acontece
com aqueles que nos ìtan negligenciaram as devidas oferendas.
De forma mais intensa do que em outros Odù, há constantes citações sobre situações que
ocorreram antes do personagem vir do îrun para o àiyé. Isso evidencia a “idade” de Ogbè, por muitos
considerado o mais vetusto entre todos os Odù. Nesses casos geralmente o personagem procura resolver
suas questões ainda no îrun, o que representa a necessidade de planejamento e previdência quando esse
Odù aparece. A idéia do novo, de novas perspectivas, de viagens, fases ou oportunidades também é
reforçada por essa característica de Ogbè, o que faz desse Odù um bom presságio para tudo o que se pode
chamar de “Início”. Talvez por isso Ogbè seja considerado o “pai” dos demais Odù, sem mencionar que
independentemente do Orí dos iniciados, algumas casas fazem oferendas a Ogbè no início de seus ciclos de
iniciação. Em relação às viagens, em alguns dos caminhos desse Odù personagens se aventuram dessa
forma, conseguindo através delas prosperidade e notoriedade. Mais uma vez é importante salientar que
nessas ocasiões os personagens fizeram suas oferendas, antes de se aventurarem pelos caminhos do àiyé.
A possibilidade de atingir uma posição de destaque na vida também faz parte da realidade de
Ogbè. É esse Odù que narra como Èñù passou a reinar nas encruzilhadas e tornou-se tão importante
quando qualquer outra divindade; que mostra a supremacia de Orí em relação aos demais Ìrúnmîlû e de
como ele se tornou senhor de todos os destinos; que fala o que Ñàngó fez para se tornar Alàfín; que mostra
a trajetória de Olókun antes de se tornar senhor de todas as águas; que evidencia como Òñàlá se tornou
conhecido e respeitado em quase todas as cidades, e de como os Ìrúnmîlû conseguiram que as pessoas os
cultuassem e os considerassem imortais. Há em Ogbè o potencial para o prestígio, para a notoriedade, para
as conquistas e principalmente para a liderança. Invariavelmente esses aspectos de Ogbè se traduzem em
consideráveis benefícios para seus “afilhados”.
Mas apesar dessas características de Ogbè, o mais importante talvez seja ter em mente que quase
todos os assuntos relativos à vida no àiyé podem aparecer em seus caminhos. É como se cada um dos

316
demais Odù estivessem presentes, embora de forma diluída, na essência do que é Ogbè. Talvez não estejam
errados os que acreditam ser esse Odù a origem de todos os outros.
Muitos defendem a idéia de que qualquer Òrìñà pode “falar” nos caminhos de Ogbè. O que faz
sentido, levando-se em consideração que é esse Odù que narra como os Ìrúnmîlû chegaram ao àiyé.
Independentemente de tal possibilidade, as divindades citadas por Salàkï são:

a) Òñàlá
b) Èñù
c) Îrúnmìlà
d) Ñàngó
e) Îñun
f) Orí
g) Òrìñà Oko
h) Ajè
i) Ògún
j) Os Ajogún (Ìkú, Àrun, Îran, etc.)
j) Òñùmàrè
m) Àbìkú
n) Ìbejì
o) Öya
p) Ömölu
q) Egún
r) Oke

Presente a Ejìogbè

Cento e sessenta búzios


Dezesseis folhas
Duas galinhas
Dois pombos
Um preá
Um ìgbín
Uma muda roupa
Uma esteira
Uma cabaça com água fria
Um tecido estampado
Um tecido branco

317
Um tecido vermelho
Um tecido preto
Àkàsà
Àkàrà, etc.

318
Ejìogbè 1

Ara Tumi ("Meu corpo está confortável"), era esposa de Òrìñà (Òñàlá). Foi o próprio Òrìñà que a
iniciou, e nada em sua vida era mais importante do que servi-lo. O Orí de Ara Tumi colocou muitas riquezas
em sua vida. Não havia nada que ela não possuísse. Mas o coração de Ara Tumi não achava repouso. Toda a
opulência material a incomodava. No fundo de seu coração temia que as riquezas a afastassem de seu
grande amor, Òrìñà. Isto é Eji Ogbè.

“Uma cabeça com boa sorte, usa uma coroa de búzios. Um pescoço com boa sorte usa um
ìlûkû precioso. Um quadril com boa sorte tem um belo trono para se sentar”. Búzios, contas e um trono
são citações do ìtan que evidenciam a considerável prosperidade presente nesse caminho de Ogbè.
Definitivamente dificuldades materiais são estranhas a esse Odù. O mesmo aborda questões muito mais
profundas, que uma mente materialista dificilmente entenderia.

"Òrìñà, se eu usar meu trono, serei infiel a você”. Aqui está exposto o drama de Ara Tumi, que
via na riqueza algo antagônico à sua comunhão com Òrìñà. Seria perigoso e inconseqüente afirmar que isso
significa a necessidade de renúncia aos bens materiais para seguir a vida espiritual, até porque isso não é
nada comum no pensamento ioruba-nagô, mas sem dúvida serão necessárias reflexões quanto a real
natureza dos benefícios materiais desse mundo. Será necessário equilíbrio e discernimento para não
permitir que a materialidade interfira na espiritualidade. Crises existenciais ou de consciência também
poderão estar presentes quando Ogbè aparecer nesse caminho. Em relação ao aspecto infidelidade, não
parece haver nenhuma conotação com o sentido vulgar de tal palavra. É muito mais provável de que se
houver algum sentimento de infidelidade, esse esteja relacionado a questões muito mais elevadas. A
possibilidade profana só deverá ser considerada por questões textuais.

“Consultaram Ìfá para Ara Tumi, que era esposa de Òrìñà”. O fato de a personagem ser esposa
de Òrìñà revela uma grande intimidade com o mesmo. Pode-se esperar uma considerável relação espiritual
com Òrìñà quando aparece esse Odù, ainda mais pelo fato da rica personagem preferir a pobreza a um
possível afastamento de seus deveres para com a espiritualidade. É muito provável que essa pessoa tenha
que dedicar sua vida à religião. Obviamente serão necessárias consultas nesse sentido, antes de qualquer
tipo de definição.

"O primeiro nascimento da colina não causou vergonha ao iniciado". Em muitos outros mitos as
colinas representam elevação de pensamento e afastamento das agitações do àiyé. A passagem parece
indicar que ao não se esquecer dos deveres espirituais, não haverá motivos para vergonha. O problema
talvez não seja possuir riquezas, e sim agir como se a riqueza fosse mais importante que a espiritualidade.

Ëbö

319
Não há.

Comentários

a) Esse caminho de Odù é essencialmente instrutivo. Procura tocar o âmago da espiritualidade, no


intuito de gerar discernimento e sabedoria. Não haveria muita coisa que um ëbö pudesse fazer, visto que
toda a trama ocorre num plano introspectivo, no próprio coração humano. Por ser Olumînîkán (conhecedor
dos corações), Olódúmarè seria a grande ajuda, mas a Ele não há culto, apenas orações, comunhão e
confiança.

Ejìogbè 2

No começo dos tempos Òñùmàrè trabalhava como babalawo e consultou Ìfá para o rei de Ifë. Ìfá
mostrou que Ìkú estava se aproximando do rei, que foi aconselhado a fazer uma complexa oferenda para se
livrar de tal infortúnio. O rei seguiu as orientações dadas por Òñùmàrè através de Ìfá, e fez as oferendas
prescritas. Os próprios Òrìñà resolveram proteger o rei, “amarrando” Ìkú para que esse não levasse o
monarca antes do tempo estipulado por Ölïrun. Para a felicidade do rei, ele conseguiu se livrar com sucesso
dos perigos que lhe rondavam.

“Òñùmàrè está na casa, com sua face voltada para o mar, e suas costas para a lagoa”. O
aspecto de riquezas de Òñùmàrè não aparece com a mesma força de seu lado "preto", que em ocultismo
simboliza os segredos inescrutáveis das leis naturais; tudo aquilo que a atual humanidade não está
preparada para conhecer. Talvez essa seja a razão de sua atividade como grande babalawo. Interessante
notar também a estreita relação entre Òñùmàrè e o elemento água, confirmando muitos outros mitos
narrados pelos Antigos das casas mais tradicionais.

“Sua face se volta para Ölïrun, que está nas alturas”. A santíssima citação de Ölïrun dá a esse
caminho de Ogbè um ar de considerável espiritualidade. Mesmo havendo a presença de Ìkú nesse ìtan, é
muito mais provável que tudo acabe bem, se as demais informações trazidas por Ìfá forem observadas
corretamente.

"Rapidamente Òrìñà amarra Ìkú". Essa passagem evidencia o aspecto perigoso desse caminho de
Ogbè, pois a citação de Ìkú deve gerar todos os cuidados possíveis para evitar morte precoce. Viagens,
cirurgias, festas badaladas, brigas ou qualquer outro fator de relevante periculosidade devem ser evitados
enquanto se está sob a influência desse Odù. A passagem também revela que será Òrìñà que protegerá essa
pessoa. Logo, seria prudente descobrir o Òrìñà pessoal do consulente e oferecer o que for necessário para

320
fortalecer o àñë do mesmo, pois isso só viria a beneficiar a pessoa em perigo. Também é possível que
Òñùmàrè seja a divindade que auxiliará o consulente, independentemente de seu Òrìñà pessoal (é bom ter
em mente que Òñùmàrè é um dos Òrìñà que visitam seus elëgún durante os rituais fúnebres).

Ëbö

Dezesseis morcegos

Comentários sobre o ëbö

a) É reconhecido o fato de morcegos estarem relacionados a feitiços, doenças e adversidades em


geral. Tal fato apenas reforça os aspectos negativos desse Odù. Seriam prudentes consultas que pudessem
revelar a origem dos males que estão sobre o consulente.

b) Por ser um mamífero voador, o morcego geralmente é considerado uma exceção. É possível
que situações que caracterizem grandes exceções estejam relacionadas com a problemática em questão.
Para muitos, o morcego está relacionado aos rituais das Ìyàmi Àjý. Logo, seriam prudentes consultas sobre
uma possível influência das mesmas nas questões expostas.

c) A ausência de búzios revela que não se deve cobrar quando aparece esse Odù. Mais à frente,
quando Òfúnkànràn for estudado, serão explicados os motivos pelo qual não se deve cobrar em
determinadas situações.

d) A finalidade de tal oferenda é “amarrar Ìkú” nos caminhos de Òrìñà, para que a morte
precoce não se abata sobre o consulente ou alguém que lhe seja próximo.

Ejìogbè 3

Nos primórdios dos tempos, Òrìñà Rowù foi aconselhado a fazer um ëbö para conseguir um
importante oyè. Òrìñà Òlòjò também foi aconselhado a fazer o mesmo, mas acreditou que por ser o mais
velho entre os dois, teria direito natural a ficar com o oyè em questão. Baseando-se nesse pensamento,
Òrìñà Òlòjò não fez a oferenda prescrita, ao contrário de Òrìñà Rowù. Um dos elementos de tal oferenda era
um tecido branco, que deveria ser posteriormente carregado pelo ofertante, e assim o fez Òrìñà Rowù. O
Òrìñà que passaria o oyè para o próximo olóyè era Òrìñà Olúwòfin. A cerimônia de passagem de oyè se
daria no mercado de Ejigbomëkun, mas havia chovido muito, e o caminho para o mercado estava todo
enlameado. Num dos pontos onde os Òrìñà fatalmente sujariam suas impolutas roupas brancas, Òrìñà
Rowù usou o tecido que lhe fôra aconselhado trazer consigo e o estendeu no chão, para que Òrìñà
Olúwòfin, um dos mais vetustos Funfun, pudesse passar sem se sujar. Logo depois que Olúwòfin passou

321
pela lama, um galo cantou ao longe, e ele viu nisso um sinal de que deveria passar o oyè para Òrìñà Rowù,
que havia lhe tratado com tanto respeito. Dessa forma Rowù assumiu o tão cobiçado oyè, apesar de ser
mais novo que Òrìñà Òlòjò. Foi assim que as disputas por oyè começaram aqui no àiyé.

“Consultaram Ìfá para Òrìñà Rowù, no dia em que ele foi buscar um oyè no mercado de
Ejigbomëkun”. Toda a história gira em torno de um oyè. Logo, ascensão social e posições de destaques
devem ser consideradas quando aparece esse caminho de Ogbè. Obviamente a prosperidade que costuma
advir de tal ascensão também é relevante, ainda mais havendo a citação textual do próspero mercado de
Ejigbomëkun, lendário mercado iorubano, que muitos acreditam ter sido o ponto inicial de criação do àiyé.
Como muitas vezes passagens de oyè estão envoltas em ciúmes e intrigas, tais dificuldades poderão estar
presentes na situação.

“Òrìñà Òlòjò disse, ‘Eu sou o mais velho. Logo o oyè me pertence’ Então Òrìñà Òlòjò não fez
o ëbö”. Por ser mais velho que Òrìñà Rowù, Òrìñà Òlòjò acreditou que o oyè seria seu por direito, e não fez
a oferenda recomendada pelo ìtan para consegui-lo. Não fazer as oferendas prescritas geralmente é
considerado um ato de ignorância espiritual; embora soberba, orgulho e arrogância também devam ser
considerados. Estados mentais com essas características certamente afastarão o consulente das bênçãos
citadas no ìtan. A saber, ascensão social, prestígio e prosperidade.

“Então Òrìñà Rowù pegou seu tecido branco e o deu para que Òrìñà Olúwòfin o usasse (devido
à lama)”. Foi a prudência, a prestimosidade e a humildade de Òrìñà Rowù que o qualificou a receber o oyè.
Dessa forma, estados mentais de humildade, obsequiosidade e consciência do próprio valor favorecerão a
manifestação dos benefícios narrados no ìtan. Na mentalidade nagô-ioruba, tomar um título só é possível
para os que demonstram capacidade para tal. A presença de tantos Òrìñà Funfun no ìtan pode ser um
indício de que seriedade e elevação de princípios podem ser os melhores meios para atingir o que se
almeja.

"A competição por títulos começou assim". Disputas estarão presentes quando esse Odù
aparecer. Seria prudente preparar-se para as mesmas, se realmente houver o desejo de alcançar os
objetivos visados. O ìtan também evidencia que idade é apenas um dos fatores para alguém conseguir um
oyè, pois nesse caminho de Ogbè humildade, prestimosidade e sabedoria têm tanto valor quanto à idade.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Dezesseis galinhas
Dezesseis pombos
Um tecido branco
Um tecido tingido com osùn

322
Comentários sobre o ëbö

a) O tecido branco evidencia o àñë dos Funfun nesse caminho de Eji Ogbè. Também é uma alusão à
obsequiosidade demonstrada por Òrìñà Rowù.

b) osùn tem a propriedade de tornar o latente em realizado, e de atrair boas notícias. Talvez a idéia seja
evocar o surgimento do título (posição social ou econômica) em questão, além de todos os benefícios que o
acompanharão.

c) A finalidade de tal ëbö é conseguir um oyè (e tudo aquilo que isso representa), mesmo quando não se é o
“primeiro da lista”.

323
Ejìogbè 4

Nem sempre a Porca foi um animal que dá à luz vários filhotes. No começo da criação ela desejava
muito ter filhos, mas não conseguia tê-los. Ela constantemente fazia oferendas de ovos e lama, mas tal
oferenda não estava sendo eficaz para a realização de seus intentos. Então ela foi aconselhada pelo
babalawo a fazer outro tipo de ëbö, que finalmente surtiu o efeito esperado, favorecendo assim sua
gravidez e o nascimento dos filhos que há muito desejava. Hoje todos sabem que a porca é um símbolo de
fecundidade e realizações.

“Ela dizia, ‘Eu ofereço ovos; eu ofereço lama; eu ofereço osùn. O choro de meus filhos não me
toca os ouvidos’”. Sempre que um personagem não consegue ter filhos, há de se considerar as hipóteses
de carências ou frustrações em geral, pois filhos para o ioruba eram quase sempre garantia de prosperidade
e sucesso, além de metaforicamente representaram realizações em geral, sempre de caráter benéfico. O
fato das oferendas feitas por Porca não surtirem o efeito esperado pode ser um indício de que o consulente
esteja empreendendo esforços incorretos (ou incompletos) para a realização de seus desejos. Nesse caso
será preciso reavaliar as formas de atuação, para que, sob uma nova perspectiva, seja possível enfim obter
sucesso naquilo que se almeja.

"Òrìñà profetiza uma bênção de filhos”. A presença de osùn, ovos e a própria Porca evidenciam
que filhos possuem muita força nesse Odù. Graças a esse fato abre-se a possibilidade de gravidez, ou algum
outro assunto relacionado aos filhos já existentes. Também pode-se considerar a hipótese de realizações e
grandes mudanças benéficas na vida do consulente. É necessário ter em mente que para o ioruba filhos são
sinônimos de realização pessoal e social, algo que não apenas traz felicidade como afirma o indivíduo
perante a sociedade. Porca é um animal geralmente associado à abundância de filhos. Esse fato apenas
reforça ainda mais as características desse Odù.

324
“Um ëbö por filhos é o que se deve oferecer”. É importante salientar que Porca só conseguiu
seus filhos depois que alterou a oferenda que constantemente fazia. Esse fato não apenas evidencia a
importância das oferendas, como mostra a necessidade de alterações de atitude, para que ocorra a plena
realização dos projetos pessoais. Sempre que filhos aparecem no àtë, são prudentes consultas em relação
ao bem estar de eventuais filhos do consulente.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Dois pombos

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, Porca teria oferecido também ovos e osùn. Como já foi visto, tais elementos
estão intimamente relacionados a filhos e a realizações em geral. Apesar de Salàkï não ter mencionado
esses elementos juntamente com as galinhas e os pombos, existe a possibilidade dos mesmos serem
acrescidos ao ëbö. Caberá ao awolòrìñà verificar a procedência ou não de tal possibilidade.

b) Se Ìfá confirmar a necessidade de apenas acrescentar os animais à oferenda que Porca já vinha
fazendo, ficará evidente que não será necessária uma mudança radical nas atitudes que visem realizações
pessoais, mas sim o acréscimo de novos elementos, comportamentais ou não, para que seja possível êxito
no que se deseja realizar.

c) Tal oferenda foi feita para que se consiga ter filhos. Logo, está relacionada à gestação ou
realização de projetos em geral (sempre de caráter benéficos), devido à positividade do elemento “filhos”
num ìtan.

325
Ejìogbè 5

326
Existiu no passado uma moça cujo nome era Ölömö Wûwû (Criança Pequena), que chorava pelas
bênçãos do îrun e do àiyé, que ela acreditava estarem atrasadas em sua vida. Ölömö Wûwû não conseguia
segurar gravidez. Ela já havia feito as mais complexas oferendas, usando os mais poderosos animais, com
vacas e cabras; mas sempre perdia seus filhos ainda no útero. Foi-lhe recomendado que consultasse outro
babalawo, que lhe aconselhou fazer uma oferenda mais simples, que entre outras coisas contivesse várias
laranjas. Ölömö Wûwû fez a oferenda prescrita, mas pouco tempo depois começou a desconfiar da eficácia
da mesma, pois aparentemente tal oferenda era bem menos poderosa que as outras que ela já havia feito.
Ölömö comeu uma das laranjas do ëbö, e no outro dia defecou uma das sementes que havia ingerido. A
chuva caiu sobre a semente, que começou a germinar. Èñù era a própria laranjeira que começou a crescer.
Depois de um tempo, Ölömö tornou-se fértil. As primeiras quatro vezes que engravidou, ela concebeu
gêmeos. Mas uma tempestade chegou, e derrubou ao chão vários frutos da laranjeira que Ölömö cuidava.
As laranjas que haviam caído no chão choravam, chamando aquelas que ainda estavam presas à árvore. Ao
ver os frutos no chão ela chorou, pois viu naquilo um mau presságio, como se fosse perder seus filhos, da
mesma forma que a laranjeira perdeu os dela. Um amigo apareceu e lhe aconselhou a fazer oferendas a
Ìbejì. Ölömö seguiu os conselhos do amigo e fez a oferenda. De fato seus filhos não morreram. Dessa forma,
pela primeira vez, Ölömö Wûwû não perdeu seus filhos e pôde regozijar com os mesmos.

“Ela clamava pelas bênçãos do àiyé. Clamava pelas bênçãos do îrun. Ela não sabia que seu Orí
havia escolhido uma existência de ìlûkû e de jóias; que havia escolhido um destino de grandes
riquezas”. O desejo de Ölömö para que bênçãos surgissem em sua vida pode representar um certo
inconformismo do consulente com os atuais rumos de sua existência. É muito importante notar que ao
menos em teoria, essa pessoa não deveria passar por maiores dificuldades financeiras, pois seu próprio Orí
(que sob alguns aspectos representa a presença sagrada de Olódúmarè em nós) escolheu uma existência
abastada no àiyé. Por um outro lado, tal pormenor evidencia que não será necessariamente nas riquezas
que essa pessoa encontrará sua real felicidade. Essa última afirmação é confirmada pelo fato de que o
“choro por filhos” que costuma aparecer com certa freqüência nos ìtan, geralmente representa carências
em geral, como se algo vital faltasse para garantir uma duradoura felicidade. É óbvio que esse algo pode ser
literalmente filhos, mas outras possibilidades de interpretação devem ser consideras, sempre levando em
consideração que filhos representam felicidade e realizações em geral.

“Ölömö não conseguia manter seus filhos na gravidez”. A dificuldade de Ölömö em manter
seus filhos ainda no útero evidencia as reais possibilidades de problemas gestacionais. Mas à frente será
visto que tais problemas podem estar relacionados a àbìkú. Metaforicamente essa passagem abre a
possibilidade de frustrações em geral, trabalhos que não se consegue completar, sofrimentos, decepções,
etc.

"Eu já ofereci cabras; eu já ofereci vacas. E agora você me diz que uma cesta de laranjas é o que
eu devo oferecer?" Ölömö duvida da eficácia do ëbö, pois já havia feito oferendas mais complexas que não
surtiram bons resultados. Incredulidade perante uma oferenda pode representar ceticismo ou até mesmo
ignorância espiritual. Certamente tal atitude tende a não ser nada benéfica.

327
"Èñù é a semente que se desenvolveu rapidamente”. É conhecido o fato de Èñù estar
relacionado ao desenvolvimento dos seres, tanto física como espiritualmente. É provável que Èñù possa
ajudar essa pessoa de maneira especial, mas tal hipótese deverá ser confirmada por Ìfá.

“Ölömö começou a segurar gravidez”. O sucesso de Ölömö em ter filhos evidencia o aspecto
positivo desse caminho de Ogbè. Devido ao complexo significado de “filhos”, também pode-se esperar
por realizações em geral e bons presságios. Sempre que filhos estiverem presentes em ìtan, serão prudentes
consultas sobre o bem estar de eventuais filhos que o consulente possa ter. O mesmo se aplicará a seus
mais íntimos projetos pessoais.

"Ela teve gêmeos na primeira, segunda, terceira e quarta fez”. As características das gestações
de Ölömö após a oferenda evidenciam que Ìbejì fala nesse caminho de Ogbè. Mediante tal fato, reforça-se
ainda mais a possibilidade de problemas gestacionais e influência àbìkú.

“Os frutos que caíram no chão começaram a chorar, pois queriam chamar os frutos que ainda
estavam na árvore”. Essa passagem diz respeito às laranjas que foram derrubadas ao chão pela chuva.
Importantíssimo notar a informação litúrgica de que os “frutos que caem ao chão (morrem) chamam os
frutos que ainda estão na árvore”. Ora, todos sabem que é exatamente essa a ação dos espíritos àbìkú em
relação aos seus membros que ainda vivem no àiyé. Definitivamente há uma influência de àbìkú nessa
situação, e caberá ao awolòrìñà definir o que deve ser feito para resolver esse complicadíssimo caso.

“Seu amigo lhe disse, ‘Por que você está chorando? Você devia preparar uma comida para
Ìbejì’”. Não há no ìtan nenhuma informação de quem seria esse amigo de Ölömö, que sabiamente lhe
aconselhou a fazer oferendas a Ìbejì, com o intento de reter seus filhos no àiyé. É provável que tal amigo seja
Orí (nesse caso, representando a sagrada intuição espiritual) ou alguém próximo ao consulente. O
importante é ter em mente que provavelmente alguém tenha um conselho sábio, que certamente auxiliará
o consulente a resolver seus complexos problemas.

"Essa pessoa se tornará tão velha quanto suas crianças”. A presença de Ìbejì, o fato dos filhos de
Ölömö não vingarem e essa citação sobre vida longa, evidenciam que apesar da influência de àbìkú na
situação, são grandes as chances de reversão satisfatória da mesma, pois é evidente que esse caminho de
Ogbè traz uma bênção de vida longa.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Uma cesta com laranjas
Um gèlè (pano de cabeça)

328
Comentários sobre o ëbö

a) As laranjas foram oferecidas pela personagem do ìtan. Podem ser uma alusão à importância das
coisas simples, pois foi essa oferenda que tornou possível a sustentação de sua gravidez. É bom ter em
mente que ela fez oferendas muito mais complexas e seus filhos não vingaram.

b) Gèlè (panos de cabeça) geralmente representam traços de feminilidade. Também simbolizam a


ação de Orí na vida de uma pessoa. Definitivamente uma cabeça equilibrada será vital para a realização das
bênçãos inerentes a esse Odù.

c) A oferenda a Ìbejì recomenda pelo amigo de Ölömö é composta de feijões, inhame e folhas.
Não há nenhuma definição quanto ao tipo de feijão ou qual a folha a ser utilizada. Caberá ao awolòrìñà
definir esses importantes detalhes. O ëbö não estará completo sem essa oferenda a Ìbejì.

d) Esse ëbö foi feito para que uma mulher consiga manter sua gravidez até o final, sem nenhuma
intercorrência grave. Simbolicamente favorecerá a manifestação das mais amplas realizações pessoais.

Ejìogbè 6

Existiu uma cidade chamada Opoloro. Em tal cidade vivia um homem chamado Ondëñëroro, que
estava sendo observado por Ìkú e Àrun. Ele foi a um babalawo, que lhe recomendou fazer uma oferenda e
depois esfregar no corpo um ungüento, devidamente preparado. Assim o fez Ondëñëroro, e quando Ìkú
chegou para buscá-lo não o reconheceu, pois o ungüento havia mudado a cor de sua pele. Para não levar a
pessoa errada, Ìkú acabou não levando ninguém. Quando voltou ao îrun, Olódúmarè perguntou onde
estava a pessoa que ele havia ido buscar. Ìkú explicou que não encontrou Ondëñëroro, apenas uma pessoa
com a pele manchada. Olódúmarè disse que aquele era Ondëñëroro. Ìkú quis voltar para buscá-lo, mas
Olódúmarè disse que “A serpente não levanta a cabeça duas vezes”. Dessa forma Ìkú não retornou para
buscar Ondëñëroro, que graças aos conselhos do babalawo não teve a vida encurtada pelo cajado de Ìkú.

"Disseram que Ìkú estava procurando por ele”. Essa passagem evidencia que a morte está
rondando essa pessoa. Graças a esse fato seria prudente evitar qualquer comportamento que possa
oferecer perigos, como brigas, viagens, cirurgias, noitadas, etc. O ìtan também fala sobre Àrun. Logo, deve-
se considerar a hipótese de que também ocorram doenças quando aparece esse caminho de Ogbè. Caberá
ao awolòrìñà definir se há ou não a influência dos demais Ajogún na situação.

329
“Ìfá diz que essa pessoa deve usar Bujý como se fosse pomada. Deverá colocar o Bujý na água,
e depois se esfregar com ele”. O termo “Bujý” aparentemente não tem tradução. Mas é importante
salientar que algumas pessoas, profundas conhecedoras das leis de Òrìñà, recomendam o uso de jenipapo
nas mesmas circunstâncias e pelos mesmos motivos. A história espiritual dessas pessoas respalda com
considerável segurança a natureza dessa informação.

"Olódúmarè disse: ‘Onde está a pessoa que você foi buscar?’" É importante ressaltar a
importante informação teológica de que Ìkú trabalha sobre orientação direta de Olódúmarè.

“Assim Ondëñëroro não morreu. Ele louvava o babalawo e o babalawo louvava o Òrìñà". O fato
de Ondëñëroro não ter morrido dá a esse caminho de Ogbè um ar de positividade, apesar da presença de
dois importantes Ajogún na história, Ìkú e Àrun. Certamente o consulente conseguirá ter sucesso nessa
perigosa situação, se as informações trazidas por Eji Ogbè nesse caminho forem fielmente seguidas.

Ëbö

Oito búzios
Duas galinhas
Dois pombos
A roupa que estiver vestindo
Jenipapo
Porções de inhame (para Èñù)

Comentários sobre o ëbö

a) A presença da roupa certamente visa se livrar da negatividade que está atraindo os Ajogún (em
especial Ìkú) para os caminhos do consulente. Trata-se de uma espécie de “despiste”. Ao oferecer a roupa
no ëbö, a pessoa estará deixando para trás aquilo que está atraindo Ìkú, quer seja uma doença, kànbùrùkù,
etc. Mas roupas também simbolizam traços da personalidade. Nesse caso seriam prudentes alterações de
atitudes que pudessem favorecer o trabalho de Ìkú ou Àrun.

b) A maneira como o jenipapo deve ser usado já foi mostrado alhures. Um importante detalhe que
deve ser considerado é que, ao explicar a Olódúmarè os motivos por não ter trazido Ondëñëroro, Ìkú diz:
“A pessoa que encontrei era manchada, e estava nua”. Como já foi visto, a roupa que a pessoa estiver
usando deverá ser parte integrante do ëbö. Logo, é bem provável que o jenipapo deva ser passado
diretamente sobre o corpo do consulente, sem a interferência de roupas. Como esse é um assunto delicado,
por razões que só quem faz Candomblé conhece, caberá ao awolòrìñà tomar todos os cuidados possíveis
para não expor o consulente a uma situação constrangedora e, principalmente, não ter o seu próprio nome
veiculado à calúnias posteriores, infelizmente tão comuns na Religião dos Òrìñà.

330
c) No ìtan aparece “Essa pessoa deve pegar inhame e oferecer a Èñù”. Sendo Èñù o senhor dos
caminhos (Olönà), talvez a idéia seja fechar os caminhos que seriam usados por Ìkú para chegar ao
consulente. O ëbö não estará completo sem essa oferenda.

d) A finalidade dessa oferenda é proteger a pessoa da indesejável presença de Ìkú (ou outros
Ajogún).

331
Ejìogbè 7

Òrìñà Wújì (um antiqüíssimo Òrìñà Funfun) tinha um filho chamado Kugbagbe (Morte, não me
leve). Disseram a Kugbagbe que Ìkú viria buscá-lo; então ele correu ao babalawo, para saber o que poderia
ser feito para que não morresse precocemente. O babalawo asseguraram que ele não morreria, se fizesse
exatamente o que Ìfá determinava. Kugbagbe fez a oferenda prescrita e ofereceu vários ìgbín a seu pai Òñà
Wújì. Dessa forma Kugbagbe não morreu precocemente, pois Ìkú acabou se esquecendo dele.

"Ele disse: ‘Ìkú, esqueça-me hoje’”. Essa passagem resume com clareza a essência desse
caminho de Ogbè: a morte está rondando essa pessoa e o ëbö visa evitar esse desencarne eminente. A
presença de Ìkú torna prudente evitar atitudes potencialmente perigosas, como viagens, cirurgias, brigas,
noitadas, discussões, etc.

“Elas (as abelhas) lutam e picam, tocando umas às outras com suas caudas”. O ìtan fala de
abelhas e ferroadas. A idéia de dor física parece inerente a esse caminho de Ogbè. Apesar de não haver
nenhuma citação textual, seria prudente consultar para saber se há inimigos ocultos tentando prejudicar o
consulente. Esse aspecto do ìtan também reforça a possibilidade de acidentes.

"E ele fez oferendas a Òrìñà”. Além do ëbö prescrito, Kugbagbe faz uma oferenda de ìgbín a Òñà
Wújì, um Òrìñà Funfun muito antigo, pouco conhecido no Brasil. Ao que parece será esse Òrìñà que
protegerá essa pessoa nesse momento de extremo perigo. É muito provável que através de uma atitude
devocional a esse Òrìñà, o consulente consiga uma considerável proteção espiritual contra os perigos
inerentes a esse caminho de Eji Ogbè. Como tal informação não é textual, será imprescindível consultas a
esse respeito antes de qualquer comentário com o consulente. O importante é ter em mente que uma
atitude devocional (e litúrgica) é um dos fatores de sucesso nesse caminho de Ogbè; logo, a possibilidade
de iniciação (ou obrigação) não deverá ser descartada. O fato de os Òrìñà Funfun serem essencialmente
patriarcas e constantemente representarem uma idéia transcendente de coletividade, abre a possibilidade
de problemas semelhantes estarem ocorrendo com familiares ou pessoas próximas ao consulente. Também
seriam interessantes consultas nesse sentido.

"Os lavradores trabalham com as enxadas e não esquecem as ervas daninhas dos inhames”. A
breve citação sobre lavradores abre a possibilidade do trabalho estar relacionado com a problemática
exposta no ìtan. Seriam bem vindas consultas nesse sentido.

332
"Àrun, esqueça-me hoje”. Essa citação sobre Àrun (A doença, um dos dezesseis Ajogún) evidencia que não
apenas a morte, mas também os infortúnios físicos podem estar presentes quando Ogbè aparecer nesse
caminho.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo
A roupa que estiver vestindo
Oito ìgbín

Comentários sobre o ëbö

a) A roupa no ëbö parece ter a finalidade de “enganar” Ìkú e Àrun, para que esses se ocupem
com a roupa esqueçam o consulente. Também pode representar que um dos elementos que formam a
personalidade do consulente deve ser “despachado”, para que de fato tal destino não se abata sobre ele.
Caberá ao próprio consulente definir qual seria o elemento de sua personalidade que deve ser abandonado.
b) A finalidade de tal ëbö é evitar que a morte (além de outros Ajogún) recaia sobre o consulente
antes do prazo estipulado por seu destino.

333
Ejìogbè 8

Em sua profissão de babalawo constantemente Îrúnmìlà tinha que se deslocar de uma cidade a
outra. Numa de suas mudanças ele instalou-se em terras longínquas, exatamente onde moravam os
dezesseis Ajogún que povoam o àiyé. Antes de ir para lá Îrúnmìlà consultou Ìfá, que confirmou que tal
mudança lhe seria boa. Quando Ìkú ficou sabendo que alguém passaria a morar perto dele e dos outros

334
Ajogún, quis conhecer o ousado. Dirigiu-se à casa de Îrúnmìlà com seu îpá em mãos, pronto a matá-lo por
qualquer deslize. Quando Îrúnmìlà viu Ìkú se aproximando, convidou-o para almoçar. Ele ofereceu a Ìkú
deliciosas iguarias, e ainda lhe deu uma galinha para ser comida enquanto estivesse voltando para casa.
Depois que chegou em casa, Ìkú narrou aos outros Ajogún como Îrúnmìlà havia sido hospitaleiro com ele.
Os demais Ajogún, encabeçados por Àrun (a Doença), Ìjá (a Briga), Ofò (a Perda) e Öran (a intriga),
desejaram testar Îrúnmìlà para saber se ele havia sido bondoso realmente, ou simplesmente falso.
Disfarçados foram até a casa de Îrúnmìlà, que ao vê-los passar convidou-os a jantar. Ele os tratou de forma
idêntica ao que havia feito com Ìkú. Mesmo assim os Ajogún disseram que corria um boato de que ele,
Îrúnmìlà, vinha falando mal dos Ajogún. Veementemente Îrúnmìlà negou tal calúnia, e impressionados por
sua hospitalidade, os Ajogún se apresentaram como realmente eram. Îrúnmìlà por sua vez lhes disse que
apenas fez aquilo que costumeiramente fazia. Ou seja, agir bondosamente com qualquer um que dele se
aproximasse. Em sinal de agradecimento pela bondade recebida, os Ajogún disseram que não o matariam,
nem trariam infortúnios para sua vida. Também determinaram que qualquer um que fosse molestado por
eles (os Ajogún) deveria recorrer a Îrúnmìlà; e se o senhor dos oráculos intervisse pelos sofredores, os
Ajogún os deixariam em paz. Graças a isso Îrúnmìlà tornou-se aquele que auxilia alguém perante os Ajogún,
além de conseguir prosperar na nova terra em que havia se instalado.

"Ìfá foi se instalar nas proximidades de Ìkú, de Àrun e dos dezesseis Ajogún”. A razão procura
entender quais seriam os motivos de Îrúnmìlà em se estabelecer num local repleto de perigos. Talvez esse
fosse seu dever, ou algo que independesse de suas escolhas pessoais. Independentemente de
especulações, é interessante observar que antes de estabelecer tal mudança em sua vida, Îrúnmìlà procura
Ìfá com a seguinte pergunta: “Essa terra para onde estou indo; o que devo fazer para que ela seja boa para
mim?”. Ou seja, apesar dos perigos, o intuito de Îrúnmìlà era conseguir benefícios nas novas terras que
habitaria. É provável que a pessoa em questão encontre situações de perigo ou dificuldades para realizar
seus objetivos; situações caracterizadas pela presença dos Ajogún. Mas de acordo com esse Odù, ela deverá
encontrar as maneiras mais hábeis de cumprir suas obrigações, por mais difícil ou perigoso que possa
parecer no momento. Também há a idéia de conquistas, mudanças de cidade ou outros tipos de mudança
quando Eji Ogbè aparece nesse caminho. Mas em quaisquer dos casos haverá consideráveis perigos.

"Lá era a casa de Ìkú, de Àrun, de Ofò”. A presença dos Ajogún no ìtan evidencia que esse é um
momento muito perigoso, onde a morte, a doença, as perdas e as intrigas podem estar presentes. Será
preciso cautela e sabedoria.

“Quando Îrúnmìlà viu Ìkú, pediu-lhe para que lhe acompanhasse enquanto comia. Então Ìkú
comeu e bebeu; até se fartar”. Um fator de diferenciação desse caminho de Ogbè é que Îrúnmìlà não fOgè
nem afugenta os Ajogún. Ele convive com eles, evidenciando a necessidade de sabedoria e diplomacia
nesse momento crítico. A convivência com os Ajogún parecia inevitável, por isso é provável que esse seja
um momento onde não se pode evitar os males, devendo-se então encará-los da melhor maneira possível.

"A fina folha de palmeira é paciente em sua vingança”. Essa passagem pode ser um indício de
que as dificuldades em questão sejam uma espécie de "vingança". Ou seja, alguma espécie de resgate
cármico (o termo "cármico" será usado por falta de uma palavra equivalente em ioruba ou português).

335
Talvez essa seja a razão de Îrúnmìlà não evitar a presença dos Ajogún, pois é muito provável que as
dificuldades inerentes a esse caminho de Odù sejam necessárias para o desenvolvimento espiritual do
consulente.

“Nos disseram que você anda contando histórias sobre nós”. A atitude dos Ajogún perante
Îrúnmìlà mostra que desconfianças, intrigas e calúnias poderão estar presentes. Como já foi dito, as
negatividades inerentes a esse Odù podem se manifestar nas mais variadas formas.

“Àrun disse, ‘Então por quê você está nos tratando assim?’. Îrúnmìlà disse, ‘Eu vi vocês;
então apenas fiz o que estou habituado a fazer’”. É óbvio que se Îrúnmìlà procurasse ser falso com os
Ajogún, esses certamente o puniriam com a morte. Esse fato evidencia que as atitudes bondosas, honestas e
hospitaleiras de Îrúnmìlà eram de coração, totalmente desprovidas de interesses escusos ou de afetações. É
muito provável que através de atitudes semelhantes o consulente possa vir a ter consideráveis
oportunidades em sua vida. A postura de Îrúnmìlà perante os perigos e dificuldades pode ser uma alusão à
necessidade de um caráter ilibado. Retidão de princípios, sabedoria, caridade e gentileza são as melhores
maneiras de se agir quando aparece esse Odù.

“Mesmo que a Àrun confine alguém em uma cama, aquele que chamar por Îrúnmìlà não será
levado. O mesmo ocorrerá com Ofò e os outros Ajogún”. Essa passagem de interessante conteúdo
litúrgico explica os motivos pelo qual alguém deve “chamar por Îrúnmìlà” (consultar Ìfá) quando é
visitado pelos Ajogún. Um detalhe que merece destaque é o fato de que graças a essa definição dos
próprios Ajogún, o trabalho de Îrúnmìlà como babalawo foi consideravelmente favorecido, pois a palavra
dos Ajogún era a certeza de que a intervenção de Îrúnmìlà seria sempre benéfica para o consulente. Graças
a esses fatos é provável que se o indivíduo conseguir passar pelos momentos de dificuldades e perigos, sua
vida profissional poderá ser consideravelmente favorecida.

"Todos os Ajogún, me esqueçam. Eu sou aquele que lhes deu um bom presente. Îrúnmìlà
tornou-se abastado e rico”. Aqui há outra importante informação litúrgica; quando os Ajogún aparecem
devem ser “presenteados”, para que dessa forma os malefícios inerentes à presença deles não se
manifestem na vida de uma pessoa. A idéia bastante difundida de que eles simplesmente devem ser
“despachados” perde o embasamento perante essa citação do ìtan. Também é importante atentar ao fato
de que ao se atravessar esse perigoso momento com êxito, a pessoa poderá encontrar a prosperidade.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo
Uma roupa
Oferendas a Òkè Ìpînrí

336
Comentários sobre o ëbö

a) Roupas geralmente são uma alusão à necessidade de desenvolver uma personalidade que se
encaixe melhor às questões abordadas por Ìfá. Será necessário que a pessoa procure se adaptar com
sabedoria e diplomacia ante tão perigosa e desconfortável situação. Sob outro ponto de vista, é importante
salientar que no ìtan Îrúnmìlà dá a Àrun uma de suas roupas. Simbolicamente tal fato pode representar a
possibilidade de doenças aparecerem. Nesse caso, ao se “contentar” com a roupa, Àrun não prejudicaria
o consulente.

b) A necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí (muito provavelmente a Orí) evidencia que será
necessário o fortalecimento do àñë pessoal, para que seja possível atingir os objetivos almejados, apesar do
quadro de dificuldades e perigos esboçado pelo ìtan. Merece destaque o fato de que nesse Odù, ao
contrário de outros em que os Ajogún aparece, o personagem não é visitado pelos infortúnios, mas se
coloca numa posição onde há a possibilidade de ser prejudicado por eles. Certamente o consulente saberá
em que parte de sua vida tal detalhe se encaixa. A oferenda prescrita a Òkè Ìpînrí é uma galinha.

c) O ëbö foi feito para que, numa situação onde alguém seja obrigado a conviver com os Ajogún,
seja possível manter-se imune aos mesmos e ainda conseguir prosperar.

337
Ejìogbè 9

Aladé (Îrúnmìlà) tem várias esposas, mas houve uma época em que ele desejou casar-se com Ainá,
a primeira filha de Olódúmarè. Muitos outros Òrìñà e até mesmo Egún já haviam tentado se casar com ela,
mas ninguém conseguira. Mas Îrúnmìlà estava decidido e sem temor rumou até onde pudesse falar com
Olódúmarè. Lá chegando ele O chamou, e expôs seu desejo de casar-se com Ainá. Seu desejo foi
prontamente cumprido. Olódúmarè chamou Ainá e a cedeu para que Îrúnmìlà a desposasse. No outro dia
Îrúnmìlà pôs sua coroa e foi até Olódúmarè agradecer pela bênção recebida. Quando lá chegou, Örý, a
outra filha de Olódúmarè estava lá. Mais uma vez Olódúmarè chamou sua filha e a deu como esposa a
Îrúnmìlà. Dessa forma o benefício de Îrúnmìlà foi duplo, superando suas expectativas. Îrúnmìlà dançava e
regozijava, feliz pela bondade infinita de Olódúmarè.

338
“Consultaram Ìfá para Aladé (Îrúnmìlà), quando ele estava indo casar-se com Ainá, a primeira
filha de Olódúmarè”. Esse caminho de Ogbè pode ser analisado por dois pontos de vista. Literalmente
seria um Odù que aponta para um bom casamento e uma vida conjugal feliz e próspera. Metaforicamente
Îrúnmìlà recebe de Olódúmarè sua primeira filha, ou seja, recebe do Absoluto algo de valor transcendental,
que entidades menos sábias não conseguiram (Egún, Ñîpînnà, Ògún). Segundo Blavatsky, essa primeira
manifestação concebível do Absoluto seria a Sabedoria (Sofia, Aditi, o Adi-Buda, etc.) Sob esse ponto de
vista, Ìyá Odù não seria a filha mais velha de Olódúmarè, pois essa Ìyàmi está relacionada às combinações
da matéria, que como substância "emanou" posteriormente do Absoluto, visto que é mais densa e grosseira
que a sutilíssima substância (chamaremos assim por falta de um termo mais adequado) que compõe Aditi, a
manifestação do Absoluto que dá origem ao que podemos chamar de Sabedoria. Nessa linha de raciocínio,
Îrúnmìlà teria recebido de Olódúmarè a Sabedoria Oculta, transcendente e imaculada, pois não se pode
esquecer que Îrúnmìlà é a divindade mais sábia de todo o panteão ioruba. Esse fato dá a esse caminho de
Ogbè uma profunda espiritualidade, ao mesmo tempo em que torna possível que essa pessoa seja apta a
exercer importantes funções espirituais. Merece destaque o fato de que ao casar-se com Ainá, Îrúnmìlà
viveu em felicidade. De forma análoga, receber tal presente de Olódúmarè pode ser considerado com um
inefável presságio positivo.

“Egúngún, Ñîpînà e Ògún tentaram e não conseguiram. Îrúnmìlà disse que havia chegado a
vez dele”. Merece destaque o comportamento perseverante de Îrúnmìlà. Certamente casar-se com a filha
de Olódúmarè era um grande desafio, mas sua obstinação foi seu sucesso. Similarmente é possível que o
consulente encontre dificuldades para ter sucesso onde tantos outros falharam, mas um estado mental e
emocional semelhante ao de Îrúnmìlà certamente favorecerá para que o sucesso se manifeste em forma de
positivas realizações. Também é necessário destacar a possibilidade de disputas estarem presentes quando
esse Odù se manifestar.

“O palito que eu mastigo é maior que uma floresta. As pessoas que eu conheço podem encher
um mercado. A saliva em minha boca é maior que um oceano”. Poeticamente esses trechos do ìtan
sugerem uma personalidade diferenciada, alguém incrivelmente poderoso, cujas façanhas superam
qualquer ideação a respeito. Segundo a própria estrutura do mito, essas características correspondem a
Îrúnmìlà. Olódúmarè é a própria justiça, e sua atitude de grande benevolência em relação a Îrúnmìlà não
pode ser encarada como uma preferência, e sim como mérito do próprio Îrúnmìlà. A manifestação de Ogbè
nesse caminho certamente revelará uma cabeça diferenciada; alguém cujo potencial espiritual está acima da
média. Potencial esse que se bem direcionado, certamente atrairá bênçãos indescritíveis. A própria citação
do Altíssimo é a confirmação cabal sobre tal fato.

“Aládè dizia, ‘Eu agradeço. Eu consegui um presente, e quando fui agradecer, Olódúmarè me
deu outro presente’”. O título Aládè (proprietário da coroa) é dirigido a Îrúnmìlà, dando a entender que
nesse caminho de Odù ele é enaltecido por sua sabedoria e poder. Esse fato reforça a idéia de que a pessoa
em questão seja de fato espiritualmente diferenciada. A própria presença de Olódúmarè no ìtan é um forte
indício de que esse fato é verdadeiro. Aliás, citações literais sobre o Amado sempre podem ser consideradas
como um bom presságio. Também é interessante notar que esse trecho do ìtan assemelha-se à passagem
do Evangelho que diz: "A quem tem será dado". Îrúnmìlà já possuía bens espirituais (Ainá), e sua postura de

339
humildade e gratidão perante Olódúmarè o tornou digno de receber ainda mais bênçãos (Örû, a outra filha
de Olódúmarè). Certamente esse é um fato que justifica considerável reflexão.

“Agora Îrúnmìlà tinha duas esposas. Ele dançava e regozijava. Isso é quando Ìfá diz, ‘Uma
bênção de esposas’”. Apesar de todas as possibilidades interpretativas, é óbvio que esse caminho de
Ogbè simboliza, entre outras coisas, a possibilidades de casamentos e relacionamentos em geral. O
casamento é muito importante na vida do ioruba, e pelos auspiciosos casamentos ocorridos no decorrer do
ìtan, pode-se supor que esse seja um Odù de consideráveis realizações pessoais. Também é importante
salientar que possivelmente será na comunhão com as “filhas” de Ölïrun (os atributos concebíveis do
Imanifesto) que essa pessoa encontrará a felicidade, semelhante a um casamento.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Não há nenhuma citação sobre oferendas no ìtan. Esse caminho de Odù parece servir para gerar
profunda inspiração espiritual. Inspiração essa que favorecerá o sucesso nos mais variados âmbitos da vida,
principalmente no espiritual; algo que um ëbö talvez não pudesse fazer.

340
Ejìogbè 10

Apesar de ganhar sua vida através da sabedoria, consultando Ìfá para quem precisasse, houve
uma época em que Îrúnmìlà decidiu montar uma lavoura, pois a maioria dos outros Òrìñà haviam feito isso.
Só que ele decidiu que sua lavoura ficaria estrategicamente posicionada no meio das lavouras já feitas.
Quando chegou a época de plantio, divindades como Ñàngó, Ògún e Ömölu aravam suas lavouras. Até
Egún havia feito uma lavoura para ele. Enquanto isso Îrúnmìlà apenas plantava as ervas que
costumeiramente usava para seus ëbö e para lavar seus utensílios de divinação. Aproximava-se o tempo de
colheita e Îrúnmìlà construiu um grande celeiro. Depois disso ergueu uma choupana, e passava seus dias se
balançando numa rede. Por fim chegou a época da colheita e todos que haviam plantado começaram a
colher. Îrúnmìlà não tinha nada para colher, mas para escoar a produção, todos os Òrìñà tinham que passar
pelo meio da propriedade de Îrúnmìlà. Quando o primeiro tentou passar carregando sua safra, Îrúnmìlà
cobrou uma espécie de pedágio que deveria ser paga com boa quantidade de inhame. Quando o segundo
tentou passar, Îrúnmìlà exigiu que ele providenciasse oito homens para trabalhar em sua lavoura. Todos os
que passavam pela lavoura de Îrúnmìlà tinham que pagar de alguma forma. Îrúnmìlà conseguiu um celeiro
cheio e enriqueceu ao vender seus produtos. Apesar de ser fisicamente frágil, ele prosperou graças à sua
inteligência e previdência.

“Consultaram Ìfá para Îrúnmìlà, quando ele foi montar uma pequena lavoura”. A presença de
lavoura no ìtan mostra que será através do trabalho que a prosperidade chegará. Mas é importante ter em
mente que Îrúnmìlà não se empenhou em serviços braçais como os outros personagens. Ou seja, apesar do
trabalho ser vital para a prosperidade nesse caso, será a inteligência para aproveitar as oportunidades, o
planejamento e a esperteza que realmente contribuirão para que a prosperidade se manifeste.

“O que é roubado não é legítimo”. Essa passagem do ìtan é importantíssima, pois deixa claro
que aproveitar oportunidades não significa necessariamente lesar alguém. É óbvio que Îrúnmìlà foi muito
esperto, mas em nenhum momento ele foi desonesto, pois se assim o fosse certamente seria levado ao Balë,
e depois até mesmo ao Öba, como manda a tradição ioruba quando casos de desonestidade.

341
“Homens preguiçosos vivem sem critério. Somente tolos não sabem administrar seus
negócios”. A própria presença de Îrúnmìlà no ìtan é uma forma de evidenciar a presença da sabedoria, pois
só através dela será possível enxergar as possibilidades para prosperar e perceber o limite que há entre a
esperteza e a desonestidade.

"Ele deitou-se para descansar na choupana”. Estando sob a influência desse Odù,
definitivamente não será através do trabalho árduo que se chegará à prosperidade. É a cabeça que trará
riquezas, não necessariamente os braços. Os próprios mitos descrevem Îrúnmìlà como fisicamente frágil,
sendo essa a razão dele ter devotado sua existência a “viver pela sabedoria”, como vários ìtan retratam.
Não se enredar em trabalhos braçais não significa necessariamente levar uma vida ociosa. O ìtan deixa claro
que a atividade profissional deverá ser intensa, mas num plano mais intelectual, e não físico. Apesar de
elementos geralmente associados ao trabalho, certamente serão as atividades intelectuais que melhores
chances oferecerão a prosperidade.

"Oito montes de inhame, oito montes de milho, oito montes de feijão. Îrúnmìlà vendeu tudo e
enriqueceu. Òrìñà fala sobre uma bênção de riquezas aqui”. A citação de todas essas comidas, além do
sucesso de Îrúnmìlà e a própria palavra de Òrìñà, evidenciam definitivamente que de fato esse caminho de
Odù traz fartura, abundância e riqueza, desde que haja clara compreensão sobre todos os pormenores
abordados no ìtan.

Ëbö

Não há.
Comentários

a) Apesar do ìtan mostrar que Îrúnmìlà consultou Ìfá, não há nenhuma oferenda prescrita. Tal fato
evidencia que o consulente já possuiu tudo o que é necessário para atingir as bênçãos citadas no ìtan. Só
precisará da sabedoria simbolizada por Îrúnmìlà, e de um espírito disposto a esforços intelectuais.

342
Ejìogbè 11

343
Olu Ögan (espécie de formiga ou cupim africano) era estéril. Infeliz com essa situação ela resolveu
consultar Ìfá, que lhe aconselhou fazer uma oferenda que contivesse água fria. Com a água fria do ëbö a
terra foi umedecida, e com a terra umedecida os cupins prepararam suas casas. Na mesma proporção que o
cupinzeiro ia crescendo, Olu Ögan ia tendo filhos, até que conseguiu dezesseis. Ela dançava e regozijava em
sua felicidade, pois seus objetivos foram atingidos.

“Consultaram Ìfá para Olu Ögan, que havia sido estéril; antes de ter seus dezesseis filhos”. A
esterilidade da personagem é o elemento central desse caminho de Ogbè. Além de representar dificuldades
gestacionais, num plano metafórico a infertilidade da personagem pode representar as mais diversas
formas de frustrações e infelicidades, o que torna imprescindível que todas as providências sejam tomadas
para reverter tal situação.

“Ìfá diz que a água nunca secaria na boca dela. Onde quer que ela fosse, nunca faltaria água
em sua vida. Em qualquer lugar um cupinzeiro cresceria e se formaria com água”. Segundo alguns
autores de renome e real conhecimento de Candomblé, a água refresca e fecunda o que toca, tornado
propícia a fertilidade da terra. Ou seja, sem a ação propiciadora da água, as coisas no àiyé não se
realizariam. Ora, nas antigas culturas água simboliza a matéria num estado sutil e não diferenciado (daí o
incolor das contas de Yemöja), que conforme se aproxima do nosso plano de existência vai "solidificando" e
ganhando formas específicas. Tudo isso leva a crer que a causa da infertilidade da personagem seja alguma
carência, física ou astral, de algum elemento que se encaixe no significado de "águas", ou seja, da matéria
sutil não diferenciada, de onde todas as coisas procedem. Isso pode sugerir alguma disfunção física, que
poderá ser reequilibrada através do ëbö. O termo Ögan (ou àgan) é descrito em alguns dicionários como
"mulher estéril", ao mesmo tempo em que também denomina espécies de insetos africanos; o que confirma
a esterilidade nesse caminho de Ogbè e a relação dos cupins com a resolução satisfatória da questão. Sob
um ponto de vista mais abstrato, esterilidade poderá significar incapacidade ou dificuldade de realizar o
que se deseja, advindo de tal dificuldade considerável sofrimento. Sob esse prisma, é possível que a vida do
consulente esteja repleta de insatisfações e frustrações em geral.

“Naquele tempo oferecia-se água fria; a água fria que os cupins usam para construir suas
casas”. Baseando-se na explicação proposta para o termo água, fica claro porque as divindades
relacionadas com esse elemento presidem a gestação, pois elas retiram miticamente do manancial universal
os elementos físicos (pois os espirituais cabem aos Òrìñà Funfun) para formar um novo ser. As passagens
"Nunca secará água em sua boca" e "nunca faltará água em sua vida" abrem a hipótese de culto a alguma
divindade relacionada à gestação e à água. Obviamente tal possibilidade só será fato se confirmada por Ìfá.
Também é importante salientar a citação sobre cupins. É conhecido no Candomblé o fato desse pequeno
animal representar organização, trabalho e crescimento; sendo suas casas largamente utilizadas no culto de
algumas divindades. Foi a água oferecida no ëbö de Olu Ögan que tornou possível a construção do
cupinzeiro, e que mais tarde favoreceu o nascimento dos “dezesseis” filhos da personagem (número que
exprime perfeição). Esses fatos evidenciam que apesar da negatividade inerente a esse caminho de Ogbè,
são consideráveis as chances de reversão satisfatória da situação, graças à positividade do simbolismo dos
cupins.

344
“Nós temos ekòdídý em nossas cabeças”. Na grande maioria dos casos onde ekòdídý é
mencionado, a atitude devocional a Òrìñà passa a representar o mais seguro meio de harmonizar uma
situação. Levando-se em consideração a força que o elemento água possui nos processos de iniciação, é
muito provável que a citação sobre ekòdídý represente a necessidade de culto a alguma divindade
relacionada ao elemento água. Como o assunto é muito delicado, são aconselháveis consultas específicas
antes de qualquer definição a esse respeito.

"Depois disso, ela começou a ter muitos filhos. Olu Ögan tornou-se alguém com muitos
filhos”. Apesar de todos os problemas, são evidentes as chances de resolução satisfatória da questão. A
citação sobre filhos dá a esse caminho de Ogbè um caráter de realizações pessoais, sempre de forma
positiva, pois filhos são vistos como uma grande bênção no pensamento iorubano.

Ëbö

Trinta e dois búzios


A roupa que estiver vestindo
Uma esteira
Água fria

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas em oferendas geralmente evidencia a necessidade de alterações


comportamentais, para que uma nova personalidade, melhor sintonizada com a positividade do ìtan, possa
atrair as bênçãos inerentes a esse caminho de Odù. Caberá ao próprio consulente definir quais seriam os
elementos de seu comportamento que carecem de alteração. Também é possível que tal oferenda seja uma
maneira de atrair para a roupa toda negatividade que impedia Olu Ögan de procriar, liberando o consulente
de boa parte da negatividade em questão.

b) A esteira pode significar tanto a necessidade de iniciação (já abordada alhures), como alguma
espécie de problema de ordem sexual ou sentimental, visto que as esteiras eram as camas de outrora.
Caberá ao awolòrìñà definir se alguma dessas hipóteses corresponde à realidade do consulente.

c) Geralmente a ausência de animais em oferendas representa a total capacidade do consulente


de, por si mesmo, reverter as questões expostas no ìtan. Para isso será imprescindível compreender
claramente as mensagens trazidas por Ìfá, além de uma fé inabalável na vitória.

d) A finalidade dessa oferenda é reverter um quadro de infertilidade. Logo, está relacionada à


gestação e ao surgimento de plenas realizações.

345
Ejìogbè 12

Òñàlá possuiu muitos escravos, e entre eles estavam Cabra, Camaleão e Sapo, que um dia fugiram.
Baba os procurou em todos os lugares, mas não conseguiu encontrá-los. Îñun ficou sabendo o que
aconteceu e aconselhou a Òñàlá que consultasse Îrúnmìlà, pois certamente esse poderia dar idéia do
paradeiro dos fugitivos. Òñàlá seguiu o conselho de Îñun e consultou Îrúnmìlà, que lhe aconselhou fazer um
ëbö e colocá-lo em três lugares diferentes. Primeiro Baba pegou uma boa quantidade de milho e colocou à
porta do celeiro. Era lá que Cabra havia se escondido, e quando ela viu o milho foi rapidamente comê-lo.
Depois Baba teve que colocar um tecido colorido numa Ödan. Assim que Baba amarrou o tecido, o
Camaleão, que lá havia se escondido, ficou da mesma cor que o tecido. Assim que o viu Baba o capturou.
Depois Òñàlá precisava jogar água quente no banheiro, como complemento do ëbö. Assim que Baba jogou
a água, Sapo pulou para fora, pois era lá que ele havia se escondido. Baba ficou desconfiado com a rapidez
que encontrou os seus escravos e foi conversar com Îrúnmìlà, acusando-o de previamente tê-los escondido.
Baba estava furioso e Îñun, com sua doçura inigualável conseguiu acalmá-lo, argumentando que era o
próprio Òñàlá que havia passado àñë a ela, a Îrúnmìlà e a todos os Òrìñà, e que ninguém teria coragem de
fazer aquilo com ele. Mais calmo Òñàlá concordou com Îñun, mas ficou determinado que para que tal
episódio não repetisse, as predições de Ìfá só se cumpririam depois do terceiro, do sétimo ou do nono dia. É
por isso que as predições de Ìfá não se realizam imediatamente.

346
“Öpölö (sapo), Öga (camaleão) e Ewurë (cabra) eram escravos de Òrìñà. Eles haviam fugido”.
Vários são os elementos a serem considerados nesse caminho de Ogbè, mas primeiramente é importante
notar que a fuga dos escravos de Òñàlá pode representar perdas em geral. Seriam prudentes cuidados a
esse respeito.

“Baba disse, ‘Você, Îrúnmìlà. Você escondeu meus escravos”. Òñàlá ficou surpreso pela
maneira rápida que os escravos foram encontrados. Tão surpreso a ponto de desconfiar da honestidade de
Îrúnmìlà. Esse fato aponta para as chances de desconfianças estarem presentes quando esse caminho de
Ogbè aparecer. Mas olhando pelo ponto de vista de Îrúnmìlà, é possível que ingratidões também se
manifestem, juntamente com calúnias. Independente da forma como o problema for encarado, é evidente
que há uma certa negatividade inerente a esse Odù.

"Baba começou a enervar-se”. Além dos aspectos negativos já citados, a postura de Òñàlá
também pode representar injustiças, pois Îrúnmìlà foi acusado de algo que não fez. É preciso salientar que a
desconfiança de Òñàlá, mesmo que injustificada, pode ser explicada pela prontidão da resposta da
oferenda. Graças a esse pormenor será preciso prudência com o desejo de ajudar, pois esse mesmo desejo
quase trouxe sérios problemas a Îrúnmìlà. Se de fato Ìfá apontar para a presença de injustiças, é fato que o
lado acusado certamente não terá culpa em alguma questão semelhante à narrada no ìtan.

"Îrúnmìlà disse que não os havia escondido”. Se uma abordagem menos polêmica for assumida,
a atitude de Òñàlá passa a caracterizar uma situação de mal-entendido. Confusões desse gênero podem
ocorrer sob a influência desse Odù.

"Você é aquele que deu meu àñë”. Essa passagem confirma a informação dada por alguns
autores confiáveis, de que Òñàlá tem o oyè de Alábàlàñë, aquele que tem o poder de outorgar àñë. Mas
essa passagem também mostra que foi a diplomacia, representada no ìtan por Îñun, que conseguiu acalmar
Òñàlá. É provável que atitudes diplomáticas sejam necessárias quando aparecerem os problemas inerentes
a esse caminho de Odù. Enervar-se parece ser a atitude menos indicada.

“Disseram: ‘Há! A profecia de Òrìñà virá em três dias certamente. A profecia de Òrìñà virá em
sete dias certamente. A profecia de Òrìñà virá em nove dias certamente’”. Liturgicamente é interessante
notar a informação de que os resultados das oferendas têm um determinado prazo para se realizarem. Tal
informação certamente deverá ser usada quando “clientes” inconvenientes aparecerem.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Um tecido vermelho
Milho
Água quente

347
Comentários sobre o ëbö

a) E interessante a presença de água quente e a cor vermelha numa oferenda feita por Òñàlá.
Apesar da ligação desse Òrìñà com a brancura e o frescor, tais elementos representam o estado emocional
de irritabilidade e predisposição à briga que caracteriza esse caminho de Odù.

b) Essa foi a oferenda feita por Òñàlá para recuperar seus escravos. Está ligada à interrupção de
um período de perdas. Também favorecerá para que a verdade apareça, para que seja possível reaver o que
foi perdido; e para que a diplomacia evite brigas e desentendimentos em situações semelhantes às narradas
no ìtan.

348
Ejìogbè 13

Ogo Tërë era o nome de um grande guerreiro. Ele foi chamado a participar de uma grande
batalha, na cidade de Gbûndùgbûndù. Como era de praxe entre pessoas inteligentes, ele resolveu consultar
Ìfá antes de ir para a citada batalha. O babalawo disse que antes de ir para essa guerra, Ogo Tërë deveria
fazer um ëbö, pois um problema de impotência surgiria em sua vida. Esse problema futuramente lhe
impediria de ter filhos, por isso deveria ser resolvido prontamente. Ogo Tërë fez a oferenda prescrita,
resolveu seu problema e ainda conseguiu sucesso na batalha que disputou. Antes que seus no àiyé dias
terminassem, ele conseguiu muitos filhos.

"Essa é uma guerra de impotência, para que se possa ter muitos filhos; muitos filhos”. Guerra,
impotência e filhos são as principais mensagens trazidas por esse caminho de Ogbè, e cada uma delas
merecem considerações específicas. Geralmente guerras simbolizam os acontecimentos que impedem ou
dificultam a realização de projetos pessoais. É muito provável que tal definição se encaixe à realidade do
consulente, embora numa abordagem mais textual do termo, brigas e desentendimentos não devam ser
negligenciados. Filhos, além de seu aspecto literal, representam as mais diversas, amplas e positivas
realizações que podem chegar à vida do homem. Parece que as “guerras” já citadas serão a única forma
de se alcançar os “filhos”, e tudo aquilo que esse termo pode representar. A citação sobre filhos no ìtan
evidencia os elementos positivos desse Odù, e o quanto a situação pode ser satisfatoriamente revertida. Já a
impotência, como qualquer um dos elementos já citados, deve ter seu aspecto literal considerado, mas
também simboliza os mais diversos tipos de insucessos e frustrações. Todos esses elementos devem ser
considerados quando aparece esse caminho de Ogbè, e caberá ao awolòrìñà definir quais deles (se não
forem todos) se encaixa à realidade do consulente. Também é importante salientar que Ogo Tërë levou uma
questão a Ìfá e lhe foi aconselhado resolver outros problemas primeiramente. Esse fato pode ser um indício
de que as prioridades consideradas pelo consulente não sejam as mesmas que seu Orí considera. Sob esse
ponto de vista, é aconselhável que a pessoa em questão reveja suas prioridades, para que afobadamente
não ponha o carro adiante dos bois em questões importantíssimas de sua vida.

“Essa pessoa está numa guerra de impotência com sua esposa”. Apesar de todas as
possibilidades interpretativas, essa passagem deixa claro que o problema físico da impotência realmente
está presente. O fato de esse problema ser colocado como uma espécie de guerra em relação à esposa,
pode sugerir que tal disfunção (e tudo o que ela representa) está influenciando negativamente a vida
sentimental do consulente. Todos os cuidados possíveis deverão ser observados para que seja possível
reverter as dificuldades inerentes a esse caminho de Ogbè. É óbvio que se o consulente for mulher,
impotência deverá ser entendida como frigidez ou esterilidade, valendo portanto a mesma simbologia.

349
“Nós consultamos para Olu Ögan, rainha das formigas brancas”. É conhecido o fato de que
tais formigas têm estreita relação com alguns Òrìñà Funfun e com a ancestralidade em geral. Graças a esse
detalhe é possível que tais divindades tenha alguma relação com a situação, quer seja positiva ou
negativamente falando. O mesmo valerá para os ancestrais do consulente. Esse mesmo animal também é
citado num outro caminho de Ogbè, onde esterilidade e futuras realizações estão presentes; o que
evidencia a necessidade de se considerar cada uma dessas hipóteses. Num dos caminhos do Odù Ofun
também há citações sobre guerreiros e impotência. Como nesse Odù há a possibilidade de feitiços estarem
presentes, também seria prudente considerar essa possibilidade.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Uma vara de ferro
Uma cabaça com água fresca.
Uma calça

Comentários sobre o ëbö

a) Varas de ferro geralmente são símbolos fálicos. Nesse caso seria uma forma de evocar a
masculinidade e conseqüente sexualidade, numa óbvia tentativa de reverter o quadro de impotência
exposto no ìtan. Apesar disso, mais uma vez é importante salientar que a impotência pode representar um
estado mental específico, e será Ìfá que definirá se a mesma deve ser vista como um mal físico ou
psicológico. Num outro caminho de Ogbè também há citações sobre varas de ferro, e nesse caso específico,
Òrìñà Oko está envolvido na problemática. Por uma questão de prudência seria importante checar se mais
uma vez o caçador de elefantes tem alguma relação com esse Odù, embora não haja citações diretas a seu
respeito.
b) A presença da água pode ser uma forma de evocar tranqüilidade e paz de espírito, pois no ìtan
aparece: “Essa é a hora em que se deve oferecer água fria”. Sob esse ponto de vista, deve-se considerar a
hipótese de os problemas sexuais sejam de natureza psicológica. Ou seja, acalmando os aspectos
psicológicos da personalidade, o problema pode ter uma solução mais rápida. A água também é vista como
aquilo que torna possível a manifestação da vida, o que evoca esperança e otimismo. Apesar da
negatividade desse Odù, existem as chances de reversão satisfatória da situação.

c) Calça é algo masculino para o ioruba. É mais um símbolo para evocar masculinidade, virilidade e
poder de realização, assim como a vara de ferro já citada. A presença de elementos que evocam
masculinidade, juntamente com outros elementos essencialmente femininos (cabaça, água), num Odù onde
o personagem tem problemas de impotência e dissabores com a esposa, pode ser encarado, com toda a
prudência necessária, como u indício de homo sexualidade. Se Ìfá confirmar tal hipótese, por mais remota
que a mesma possa parecer, certamente a complexidade psicológica desse Odù atingirá seu ápice.

350
d) A finalidade dessa oferenda é reverter um quadro de impotência e frustrações, dentro das mais
variadas formas de compreensão de tais termos. Também favorecerá a vitória em guerras, considerando-se
tudo o que esse termo pode representar.

Ejìogbè 14

Um determinado caçador chamado Arogýgý Ajala, num determinado momento de sua vida
começou a sofrer de impotência. Quando chegava o momento dele manter relação com suas esposas, ele
não tinha sucesso. Insatisfeito com a situação ele consultou o babalawo para saber o que poderia ser feito a
respeito, e lhe foi dito que deveria afastar-se para sua lavoura, e lá cumprir os preceitos que Ìfá determinara,
pois assim ele resolveria seus problemas. Durante um longo tempo, Arogýgý não fez o ëbö, até o dia em
que não pôde evitar o contato íntimo com suas esposas. Quando isso ocorreu, as relações íntimas foram
frustrantes. Então Arogýgý resolveu partir, e já em sua lavoura esculpiu uma vara de madeira no formato de
seu pênis, assim como o babalawo havia orientado. Ele encostou a escultura contra a parede, e todo dia se
prostrava ante ela, na esperança de resolver seu problema. Ele continuou a trabalhar na lavoura, continuou a
caçar na floresta, pois ele era um caçador. Seu problema por fim resolveu-se, e ele achou que estava na hora

351
de voltar para casa. Mas ele hesitava, pois se chegasse em casa e encontrasse novas crianças, saberia que
qualquer um poderia ser o pai delas. Então ele não retornou, e continuou a fazer oferendas pela vara.
Arogýgý Ajala é Òrìñà Oko, e a vara que ele esculpiu é usada até hoje em seu ritual.

“Consultaram Ìfá para Arogýgý Ajala. Disseram que ele deveria oferecer um ëbö devido sua
impotência”. A questão da impotência é a principal mensagem trazida por esse caminho de Ogbè.
Representa obviamente disfunções de libido, mas num plano mais amplo pode representar as mais diversas
frustrações, nos mais amplos aspectos da vida. Impotência também pode representar dificuldade em alterar
um quadro insatisfatório. Devido a tais fatores, pode-se considerar que frustrações, dificuldades e
infelicidade estejam presentes quando Ogbè se apresentar nesse caminho.

“Disseram que a relação entre ele e suas esposas não estava muito boa”. Textualmente, o ìtan
diz que as relações de Arogýgý com suas esposas não estavam “frias”. O termo "frio" para o ioruba é
diferente do português, pois significa tranqüilo, agradável, sem problemas. Logo, a passagem do ìtan
significa que as relações entre Arogýgý estavam conturbadas, certamente devido ao descontentamento
delas pela impotência em questão, ou por dificuldades de auto-aceitação do próprio Arogýgý. O
importante é ter em mente que independentemente do que a impotência representa para o consulente (se
é metáfora ou realidade física), pode-se esperar por dificuldades no âmbito sentimental.

“Durante um longo tempo, Arogýgý não fez o ëbö prescrito. Até que teve que manter relação
com suas esposas”. É muito interessante essa passagem, pois caracteriza as típicas ocasiões em que há
conhecimento de que algo ruim ocorrerá, mais por alguma razão interna não é feito aquilo que evitaria o
pior. Esse fato evidencia que as frustrações na vida do consulente não têm origens desconhecidas. Ele sabia
que se depararia com dificuldades, e por algum motivo não fez o que deveria ser feito para evitar tal
situação. Se as dificuldades representadas no ìtan ainda não se manifestaram, ainda será tempo de evitar os
dissabores inerentes a esse Odù; mas se as mesmas já ocorreram, procrastinar as devidas providências pode
ter conseqüências ainda piores.

“Mas ele não voltou para casa. Por que não? Ele disse, ‘Qualquer um pode ser o pai de meus
filhos’”. Apesar de já estar com seu problema solucionado, Arogýgý resolve não voltar para casa. Esse
fato sugere que se realmente problemas sentimentais estiverem envolvidos na questão, as chances de
harmonização da situação não é muito grande. Por outro lado, a atitude de Arogýgý em não voltar para
casa foi baseada numa suposição. Ele não tinha certeza se encontraria em casa o quadro que pintara em sua
mente; mas mesmo não tendo certeza, decidiu-se por findar seus relacionamentos. Graças a tal fato é
possível que num quadro de dificuldades sentimentais, o consulente ache por bem não se desgastar numa
lenta e complexa reconciliação.

Ëbö

352
Trinta e dois búzios
Uma galinha
Um pombo
Uma calça

Comentários sobre o ëbö

a) Para o ioruba, calça é algo essencialmente masculino. Talvez por isso algumas casas tradicionais
não permitam que mulheres usem calçolões. Trata-se de uma forma de evocar virilidade e conseqüente
solução dos problemas abordados no ìtan, independentemente da questão ser metafórica, psicológica ou
fisicamente real.

b) A finalidade dessa oferenda é solucionar um quadro de impotência (ou infelicidade) dentro de


circunstâncias semelhantes às do ìtan.

c) No ìtan é dito que durante algum tempo Arogëgë deveria prestar reverência à vara de madeira.
Esse procedimento litúrgico influenciou sobremaneira a resolução de seus problemas. Devido a esse fato, é
possível que como complemento da oferenda sejam necessárias atitudes devocionais e respeitosas a Òrìñà
Oko. Como não há citações textuais a respeito, a última palavra certamente será do próprio Ìfá.

353
Ejìogbè 15

Houve ume época em que Rolinha e Pomba desejaram ter filhos. Elas resolveram consultar Ìfá para
saber o que poderia ser feito a respeito, e o babalawo mostrou que antes de terem filhos, elas deveriam se
preocupar em arrumar um local definitivo para morar. Por isso ambas foram aconselhadas a fazer uma
oferenda para terem os filhos desejados, e outra para conseguirem a bênção de um local onde viver. Pomba
fez a oferenda exatamente da forma que lhe foi aconselhada, mas Rolinha achou que bastava fazer o ëbö
para ter seus filhos, e que ter onde viver não carecia de uma oferenda específica. Depois que ambas fizeram
suas oferendas, Èñù simpatizou-se por Pomba. Ele arrumou uma cabaça para que Pomba a usasse como
ninho. Depois disso ela teve dezesseis filhos, e a cabaça ficou muito pequena para todos eles. Então Èñù
levou Pomba até a casa de algumas pessoas, que a trataram muito bem, oferecendo-lhe água e milho.
Pomba passou a ser considerada uma ave doméstica (Ëiyëlé, literalmente “ave de casa”), e dessa forma
conseguiu desfrutar uma vida agradável e equilibrada, pois ela era querida por todos e tinha onde criar seus
filhos. Enquanto isso Rolinha fez seu ninho no alto de uma árvore. Quando Èñù a viu chamou alguns
lavradores, dizendo-lhes que ovos de Rolinha eram saborosos. Os lavradores derrubaram o ninho de
Rolinha, e comeram todos os seus ovos. Depois disso, Rolinha decidiu fazer seu ninho no topo de uma
grande árvore, pois assim as pessoas não destruiriam seus ovos. Mas Èñù chamou por Öya, que com seus
ventos derrubou o ninho de Rolinha, espatifando todos os seus ovos. Devido aos ventos de Öya, Rolinha
tinha sempre que mudar o local de seus ninhos, e assim nunca pôde fixar-se em lugar algum, continuando a
viver como um animal selvagem, sem ser acolhida por ninguém.

“Consultaram Ìfá para Ëiyële (pomba) e Àdabà (Rolinha); quando ambas choravam porque não
tinham onde viver. Isso é quando alguém oferece um ëbö para ter onde viver”. A definição sobre um
lugar onde viver parece ser a mais importante mensagem trazida por Ogbè nesse caminho. Certamente
essa deve ser a prioridade da vida do consulente, para que num futuro próximo o mesmo não se veja
sofrendo dissabores semelhantes aos de Rolinha. Exatamente pelo fato de Rolinha não considerar o local
onde viver como uma prioridade, deve-se considerar a possibilidade do consulente em questão ter em
mente a realização de outros projetos, simbolizados no ìtan pelo desejo de ter seus filhos. É importante que
fique claro que ao não redefinir suas prioridades, certamente o consulente poderá se deparar com um

354
destino tão infeliz quanto o de Rolinha. O fato de não ter onde viver hoje pode não incomodá-lo tanto, mas
certamente chegará o dia em que isso será vital. Infelizmente é provável que nesse dia a vida do consulente
já esteja consideravelmente conturbada.

“Ambas eram irmãs. O que elas deveriam afazer para terem uma vida agradável?”. O motivo
que leva as personagens a procurar Ìfá merece destaque. É importante salientar que não são elas que
levantam a questão sobre a necessidade de um local onde morar, mas tal resposta aparece quando elas
perguntam o que deveriam fazer para terem uma vida agradável. Esse fato evidencia que mesmo que o
consulente não saiba, a definição (ou a conquista) de um lugar onde viver está diretamente associado à sua
felicidade. E se assim o é, é óbvio que tal questão merece prioridade, e todos os esforços pessoais deverão
apontar para isso.

"Eu oferecerei somente um ëbö por filhos”. Rolinha foi imprevidente, pois fez oferenda apenas
por filhos e não por uma casa. Conseguiu os filhos desejados, mas não tinha onde criá-los. Esse fato sugere
que o ideal seria que a pessoa primeiro organizasse sua vida antes de ter filhos (ou assumir compromissos
sérios em geral), mas a atitude de Rolinha abre a possibilidade de ocorrer gravidez precoce ou inesperada
quando esse Odù se manifesta.

"Pomba ofereceu o ëbö por crianças e por um lugar onde viver. Ela era chamada de ‘Aquela
que chega e é respeitada’”. Pomba foi previdente, pois sabia que para ter filhos precisaria de uma casa.
Fez as oferendas prescritas e devido a isso caiu nas graças de Èñù. Esse por sua vez parece ser um fator de
relevante auxílio e realizações nesse caminho de Odù. A maneira hospitaleira e cordial com a qual Pomba
era tratada, pode ser um indício de que a sabedoria em fazer o que é certo repercutirá diretamente nas
relações pessoais do consulente. Da mesma forma, a ignorância representada por Rolinha poderá favorecer
para a pessoa em questão não ser bem vista em alguns lugares ou ocasiões.

“Èñù avisou os lavradores, que foram até lá e pegaram os ovos de Rolinha”. Os primeiros
dissabores que chegaram para Rolinha vieram pelas mãos de lavradores. Geralmente a presença de
elementos ligada à lavoura representa questões profissionais. Analisando por esse prisma, é provável que
num determinado espaço de tempo o consulente venha a ter, em virtude de suas próprias atitudes,
problemas no âmbito profissional de sua vida.

“Èñù falou: ‘Você viu isso, Öya?’ Com seus ventos Öya balançou a árvore, e os ovos de
Rolinha se espatifaram no chão”. O fato de Rolinha ter perdido seus filhos pode significar consideráveis
perdas quando aparecer esse caminho de Ogbè. Seria importante estar atento a essa possibilidade, e
também considerar que os infortúnios que se abateram sobre Rolinha foram frutos diretos de sua
imprevidência. É óbvio que atitudes semelhantes são totalmente desaconselhadas nesse caso. Também é
preciso atentar para o fato de que os “castigos” que chegaram para Rolinha vieram pelas mãos de Òrìñà.
Esse fato pode ser uma evidência de que o consulente possua, num nível a ser definido, uma certa relação
espiritual com Òrìñà. Especificamente nesse caso, os ventos de Öya podem ser interpretados como um
elemento de confusão e perdas, que talvez cessassem ou nunca tivessem ocorrido se a oferenda tivesse

355
sido realizada; ou seja, se os compromissos e deveres espirituais fossem devidamente cumpridos. É óbvio
que a natureza e a profundidade desses supostos compromissos deverá ser avaliada e definida por Ìfá.

“Ìfá diz que essa pessoa deve oferecer um ëbö, para ter um lugar onde viver”. A definitiva
palavra de Òrìñà sobre o assunto evidencia a importância das questões abordadas no ìtan. Mas uma vez é
importante ressaltar que essa deve ser a prioridade na vida do consulente, para que os infortúnios inerentes
a esse caminho de Odù não o persigam por algum tempo.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma roupa
Uma esteira

Comentários sobre o ëbö

a) Esteiras em ëbö tanto podem significar necessidade de iniciação, como relacionamentos


afetivos e “um lugar onde dormir”. Caberá ao awolòrìñà definir se todas essas possibilidades
correspondem à realidade do consulente, ou se apensa àquelas já abordas no ìtan.

b) Roupas em ëbö geralmente representam a necessidade de alteração de conduta. Certamente


algum elemento da personalidade do consulente deverá ser abandonado, sob pena do mesmo não
conseguir as realizações inerentes a esse Odù, simbolizadas pelo pleno sucesso de Pomba. Caberá ao
próprio consulente descobrir quais seriam essas particularidades de sua própria personalidade que
poderiam lhe atrapalhar.

c) A ausência de animais no ëbö evidencia que o aspecto energético dessa oferenda é secundário.
O que dá a entender que o consulente já possua totais condições de resolver as questões expostas no ìtan,
e que apenas necessite compreender com clareza as informações trazidas por esse caminho de Ogbè.

d) Segundo o ìtan, essa oferenda não só favorecerá a conquista de um local para viver, como
auxiliará na criação de filhos que estejam ou venham estar envolvidas na questão.

Ejìogbè 16

A palmeira Ëluju chorava por não ter filhos; por não existir ninguém para fazer os rituais de
louvação junto com ela. Em seu desespero resolveu consultar um babalawo, que lhe aconselhou fazer uma

356
oferenda para resolver seus problemas. Antes disso, toda vez que a palmeira Ëluju engravidava, seus filhos
não chegavam a nascer. Mas depois que ela fez a oferenda prescrita, despertou a compaixão de Èñù, que
com um tecido vermelho cobriu (protegeu) seus pequeninos filhos, tornando possível o desenvolvimento
dos mesmos. Dessa vez seus filhos não pereceram. Amadureciam em cachos, até que caíssem ao chão,
dando origem a novas árvores. Nenhuma árvore estranha cresceu aos pés de Ëluju. Ela dançava e regozijava,
pois estava cercada por seus filhos tão esperados.

“Consultaram Ìfá para Palmeira Ëluju, que chorava por não possuir filhos; por ter que fazer
seus rituais sozinha”. O desejo de filhos é o que caracteriza esse caminho de Ogbè. Esse aspecto do Odù
pode ser interpretado de várias maneiras, mas geralmente representa o desejo de profundas realizações,
que têm em comum o poder de realmente oferecer consideráveis chances à felicidade. Tais realizações
podem ser as mais vastas possíveis, englobando questões sentimentais, profissionais, existenciais, etc.
Também merece destaque a breve citação sobre rituais. Uma certa idéia de solidão está implícita no ìtan, e
se Ìfá confirmar essa possibilidade, será possível que essa mesma solidão se estenda aos elementos
espirituais da vida do consulente. Outro detalhe que merece destaque é o fato de que sempre que aparece
um Odù que fala sobre filhos, deve-se considerar a hipótese de eventuais filhos do consulente estarem com
algum tipo de problema.

"Nas vezes anteriores em que havia engravidado, ela não foi capaz de dar à luz". Devido a essa
passagem deve-se considerar a hipótese de existirem problemas gestacionais quando esse Odù se
manifesta. Se Ìfá definir que a questão sobre filhos seja apenas metafórica, deve-se então considerar a
hipótese de frustrações na vida do consulente, como se seus planos e aspirações nunca chegassem a se
realizar. Também é possível que a passagem em questão tenha alguma relação com àbìkú. Tal hipótese
ganha ainda mais força se for levado em consideração que Ìròsùn, numa determinada circunstância,
indicada uma oferenda parecida com a que foi prescrita para esse Odù. Graças a essas possibilidades seria
prudente que o awolòrìñà procurasse descobrir se de fato a perda dos filhos no ìtan tem ou não alguma
relação com àbìkú. E se Ìfá confirmar tal possibilidade, todos os cuidados a respeito deverão ser tomados.

“Èñù protegeu suas crianças com o tecido, e assim elas se desenvolveram até caírem ao
chão”. No ìtan foi Èñù que, graças a seu àñë, tornou possível o nascimento dos filhos de Ëluju. Esse fato
evidencia que esse Ëböra é um fator de auxílio e proteção quando aparece esse caminho de Ogbè. Se Ìfá
assim definir, existirá a possibilidade de oferendas mais elaboradas a Èñù, além das que ele recebe por
trabalhar como Ëlýbö, para que o fator proteção desse Odù possa ser fortalecido.

"Palmeira tornou-se importante; seus filhos eram sua glória. Não havia outras árvores em sua
base”. Existem alguns Odù que dão a entender que os filhos serão motivo de glória para os pais. A
estrutura do ìtan evidencia que esse é certamente um desses casos. É fato de que os filhos que nascerem
sob a influência desse Odù certamente trarão muitas felicidades a seus pais. E se o fator filho no ìtan for
apenas metafórico, serão as realizações pessoais na vida do consulente que terão esse papel. A breve
citação sobre a inexistência de outras árvores ao pé da palmeira Ëluju merece considerações específicas. O
estudo da biologia ensina que algumas árvores impedem, das mais variadas maneiras, que árvores
estranhas se desenvolvam ao seu redor, com o intuito de não ter que dividir valiosos nutrientes. É possível

357
que essa breve citação represente alguma espécie de disputa ou perigo, como se “outras árvores”
(pessoas, situações, etc.) pudessem de alguma forma oferecer perigo. Essa última colocação em nada se
aproxima à principal idéia do ìtan, por isso seria prudente a realização de consultas antes que qualquer
comentário a respeito fosse feito ao consulente.

"Òrìñà, deixe-me ter minha glória no àiyé”. A simples citação sobre Òrìñà não é suficiente para
saber se, de alguma maneira, a espiritualidade do consulente influencia suas frustrações e infelicidades. Se
Ìfá confirmar tal possibilidade, talvez será apenas através de Òrìñà (culto) que será possível equilibrar a
situação. Mas é importante salientar que sem a influência de Èñù, Ëluju não teria conseguido seus filhos,
nem toda a felicidade oriunda de tal conquista.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo
Um tecido vermelho
Um tecido preto

Comentários sobre o ëbö

a) É comum a presença de tecidos em oferendas relacionadas a filhos. O detalhe a ser observado é


a presença das cores citadas na situação, o que reforça a possibilidade de uma problemática àbìkú na
situação, pois a presença dessas cores é comum em rituais a eles destinados. Serão necessárias consultas a
esse respeito.

b) A finalidade desse ëbö é conseguir filhos. Logo, está relacionada à gestação, fecundidade, ao
término de um período de solidão e às mais amplas realizações no plano pessoal.

358
Ejìogbè 17

Bikobaku Ngölà (Se sou vivo, prosperarei), era filho de Olohun (Senhor de todas as coisas no àiyé,
de quando a existência começou, que deu origem ao àiyé). Ele consultou Ìfá, pois desejava ter uma vida
agradável. O babalawo disse a Bikobaku Ngölà que ele não deveria ser egoísta; que durante oito anos
deveria conviver com pessoas que fossem mais velhas e sábias do que ele. Deveria servir essas pessoas, e
depois dividir com o mundo tudo o que conseguisse em sua vida. Bikobaku Ngölà seguiu as orientações de
Ìfá, e durante oito anos conviveu com adições. Seu desejo de sabedoria era tanto, que ele conviveu com
dezesseis anciões diferentes. Ele se comportava como filho desses anciões, e era totalmente submisso às
ordens desses. Como recompensa, os anciões passaram a Bikobaku Ngölà a sabedoria sobre como se
consultam os oráculos, como se apazigua as divindades e como se prescreve oferendas. De posse desses
conhecimentos, Bikobaku Ngölà atingiu grande prosperidade em sua vida. Ele percebeu que a sabedoria é a
origem de grandes benefícios.

“Consultaram Ìfá para Bikobaku Ngölà, que era filho de Olohun, Senhor que deu origem ao
àiyé, de todas as coisas existentes e do nascimento de tudo o que existe”. Filosoficamente falando, os
atributos do pai de Bikobaku Ngölà só podem dizer respeito a Ölïrun. Seria um grande erro lógico e
filosófico se qualquer outra divindade fosse considerada o pai do personagem principal do ìtan, pois
nenhum ser, nem o próprio Öbatàlá, é de fato senhor de todas as coisas, posto que tem uma origem e
certamente terá um fim (como emanação ou personalidade) ao final da atividade cósmica, o grande
Olorogun. Considerando-se dessa forma, Bikobaku seria o próprio Iwìn (espírito), que os hindus chamam de

359
Purusha, os teosofistas de Mônada, etc. Ou seja, a essência do que realmente somos, não do que
parecemos ser. Sua convivência com “Anciões” durante um longo período assemelha-se à queda do
espírito na matéria, mas sem a qual jamais teria consciência de sua realidade essencialmente perfeita, visto
que tem no Inefável sua origem. A confirmação de Ìfá sobre todas essas possibilidades interpretativas dará a
esse caminho de Ogbè características de altíssima espiritualidade e profundo significado filosófico.

"Ensine-me a adivinhar, a pacificar os deuses e a prescrever sacrifícios". As atividades citadas no


ìtan evidenciam a profunda relação de Bikobaku com a complexa liturgia que caracteriza a religião iorubana.
Devido a esses fatores, é mais do que provável que a pessoa para quem aparece esse Odù possua o que no
Candomblé é chamado de “missão”. Ou seja, a responsabilidade para aprender, proteger e aplicar os
profundos conhecimentos que formam o corpo de nossa religião, que como o próprio ìtan mostra, está (ou
deveria estar) nas mãos de “Anciões”.

“Disseram que ele encontraria sábios anciões, e que deveria conviver com eles durante oito
anos”. Se de fato o consulente compreender e procurar seguir as diretrizes desse Odù, certamente seu Orí
o conduzirá àqueles que poderão lhe auxiliar. A breve citação sobre um tempo cronológico pode ser um
indício de que a paciência será uma grande aliada, antes que se atinja a sabedoria almejada. Dessa forma,
certamente será possível desfrutar da “vida agradável” desejada no ìtan.

"Disseram que ele deveria servir aos seus mais velhos. Deveria ser submisso às ordens deles". A
atitude respeitosa e quase servil caracteriza a busca por conhecimentos no àiyé. A convivência de Bikobaku
com os anciões revela que apesar de todo o potencial espiritual, essa pessoa deve ser bem trabalhada, para
que esse mesmo potencial não se desvie dos caminhos espirituais. Também será necessária humildade e
obediência, principalmente perante aqueles que podem vir a se tornar instrutores valiosos. Rebeldia e
ignorância resumem as atitudes do espírito que ainda não atingiu a sabedoria; e certamente a atitude
respeitosa aconselhada pelo ìtan favorecerá para que tais defeitos, muitas vezes inerentes à personalidade
humana, possam atrapalhar o consulente na longa e árdua jornada que o espera.

“Isso ocorre quando Ìfá diz que essa pessoa não deve ser avarenta (egoísta)”. Faz muito
sentido esse conselho dado por Òrìñà, pois a partir do momento que alguém tem acesso a algum
conhecimento profundo, é seu dever não permitir que tal conhecimento se perca, embora seja
imprescindível ter discernimento para saber como, onde e quando passá-lo à frente. O avarento é aquele
que retém tudo para si, sem considerar as necessidades alheias. Sem essa orientação, Bikobaku se
assemelharia aos avançados Adeptos que entram no Nirvana, diferentemente daqueles que podem fazê-lo,
mas não o fazem (Bodhisattvas), pois preferem trabalhar para que todos os seres possam estar na mesma
condição de felicidade espiritual. Também é preciso salientar que quando a prosperidade material chegar,
essa orientação do Odù ganhará ainda mais importância.

"Eu não preciso de galinhas, eu não preciso de cabras. A sabedoria é o que eu busco". Essa
passagem apenas reforça o que já foi dito: a busca pela sabedoria deve ser a ênfase na vida do consulente.
A citação sobre animais talvez seja uma alusão à necessidade de não permitir que a liturgia das religiões

360
seja mais importante do que a mensagem das mesmas. São evidentes os aspectos de transcendentalidade
que caracterizam esse caminho de Ogbè.

“Bikobaku enriqueceu. Ele conseguiu muitos filhos, e sua vida foi agradável” O fato de
Bikobaku ter conseguido realizar seus desejos (uma vida agradável) evidencia os aspectos positivos desse
caminho de Ogbè. É óbvio que a prosperidade poderá ser esperada quando esse Odù se manifestar, mas é
interessante notar que ao considerar Bikobaku como o Espírito em evolução, também será necessário
observar que a prosperidade (e conseqüente felicidade) faz parte do destino humano, e certamente se
manifestará, quando houver a sabedoria profunda que torna isso possível.

Ëbö

Não há

Comentários

a) Mesmo tendo levado a Ìfá uma preocupação comum à cultura nagô-iorubana, a resposta dada
ao personagem foi totalmente incomum. Ao invés de uma oferenda prescrita, uma conduta foi o seu ëbö. A
mensagem trazida por Ogbè nesse caminho é de caráter espiritualizante. Está relacionada à moral e ao
comportamento baseado na busca da sabedoria. É um momento para reavaliar atitudes, crenças e
convicções. Um ëbö não teria nada a oferecer nesse caso.

361
Ejìogbè 18

No começo da criação quando Òñàlá ainda modelava os corpos que mais tarde serviriam como
morada temporária de Ëmi (sopro vital, a vida que é inerente ao Espírito), Èñù não tinha nenhuma ocupação
para fazer. Ainda não havia pessoas que precisassem de seus serviços, e mesmo os Ìrúnmîlû ainda não
tinham devotos, o que não favorecia para que Èñù tivesse outras ocupações em sua existência. Então num
dia, Èñù resolveu visitar o Grande Òrìñà. Baba vivia sempre muito atarefado, pois era sua incumbência
preparar os corpos das pessoas. Èñù ficava fascinado vendo Baba trabalhar. Com maestria ele fazia as bocas,
as mãos e os pés. Tudo isso Èñù aprendeu, vendo Òñàlá trabalhar. Quando algum outro Ìrúnmîlû visitava
Baba, raramente ficava mais do que quatro dias; mas Èñù permaneceu ao lado de Baba durante dezesseis
anos. Chegara o momento de povoar o àiyé com a humanidade, e Baba ainda não havia acabado sua parte
na criação. Então ele chamou Èñù e disse para que se instalasse na encruzilhada, e que de lá só deixasse
passar aqueles que trouxessem presentes e tivessem assuntos importantes a tratar. Ûlûgbárà seguiu as
orientações de Baba, e como sempre aparecia alguém para conversar com Òñàlá, Èñù sempre ganhava
algum presente. Dessa forma, depois de algum tempo, Èñù prosperou, até que atingisse grande riqueza. Foi
assim que Èñù se tornou senhor das encruzilhadas, e passou a ser tão importante quanto seus senhores.

“Consultaram Ìfá para os trinta e dois Ìrúnmîlû, quando eles estavam indo à casa de Baba
receber àñë”. Autores importantes e de renomado conhecimento ritual já haviam mostrado que Òñàlá é
Alàbàlàñë, aquele que outorga àñë nesse plano de existência. Além da informação de caráter litúrgico, essa
passagem evidencia que Òñàlá, assim como Èñù, são elementos de realização, prosperidade e felicidade
nesse caminho de Ogbè.

"Homens preguiçosos vivem por seu próprio juízo; apenas tolos não sabem cuidar de seus
negócios". Essa mesma citação aparece em outro caminho de Ogbè. De acordo com os contextos em que
aparece, significa que a atividade profissional que gera a prosperidade pode ser exercida de várias maneiras,
e não necessariamente de maneira braçal. O ìtan explica que Èñù não tinha nenhuma ocupação específica,
enquanto os outros Ìrúnmîlû trabalhavam arduamente, cada um cumprindo sua parte na criação do àiyé.
Como o trabalho de Èñù está diretamente ligado aos seres sensíveis, que àquela altura ainda não existiam,
ele não tinha nada de mais importante a fazer. Pois foi exatamente esse tempo livre que garantiu sua
posterior prosperidade. Tais fatos dão a entender que existe uma supremacia das atividades profissionais
intelectuais sobre as braçais nesse caminho de Odù.

“Èñù não partiu, e aprendeu como Baba modelava as mãos, pés, bocas e olhos. Tudo isso Èñù
aprendeu”. Durante o tempo que passou na companhia de Òñàlá, Èñù esforçou-se por aprender o
segredo da manufatura dos corpos humanos. O interesse, a constância e o vigor demonstrado por Èñù

362
parecem ser vitais para que haja sucesso na vida do consulente. É bom lembrar que a preguiça não deve
existir quando aparece esse caminho de Ogbè. O fato das atividades intelectuais estarem à frente das
braçais nesse caso, não significa uma permissão para a indolência. Foi o interesse de Èñù pelo trabalho de
Òñàlá que o qualificou a receber novas e rendosas atividades no futuro. Sem trabalho certamente não
haverá prosperidade quando esse Odù aparecer, mas o trabalho em si é caracterizado pela inteligência,
observação, astúcia e presteza. Levando-se em consideração tudo o que Èñù aprendeu com Òñàlá, além das
características da vida moderna, é possível que períodos de reciclagem profissional ou aprimoramento
técnico sejam necessários, para favorecer a manifestação da prosperidade inerente a esse caminho de Odù.

"Você, Èñù. Você se sentará na encruzilhada e não deixará passar aqueles que não trouxerem
oferendas". Liturgicamente falando, o ìtan explica como foi que Èñù tornou-se o senhor das oferendas
(Ëlýbö) e das encruzilhadas, assim como confirma o fato de Òñàlá ser o demiurgo na teogonia iorubana.
Mas o importante é ressaltar a confiança depositada em Èñù por Baba. Esse fato dá a entender que lealdade
e responsabilidade serão muito importantes para o futuro do consulente.

"Èñù tornou-se abastado. Ele conseguiu grande prosperidade". O ìtan ensina que Èñù tornou-se
rico porque passou a receber parte das oferendas que passavam por ele. Esse fato evidencia que a
prosperidade é algo inerente a esse caminho de Ogbè, e certamente se manifestará se as demais
informações trazidas por Ìfá forem fielmente seguidas.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Esse caminho de Ogbè fala sobre a importância da utilização correta do tempo útil, e de como
constância e sabedoria favorecerão atividades potencialmente prósperas. É uma questão de
conscientização; logo não há nada que um ëbö possa fazer aqui, pois o que definirá o sucesso
do consulente será a compreensão que o mesmo terá sobre a mensagem.

363
Ejìogbè 19

Certa vez Îrúnmìlà estava com um grande problema. Ele foi consultar Ìfá, e foi-lhe dito que se ele
não intervisse pelos principais reis iorubanos, eles não enriqueceriam; e se eles não enriquecessem, Îrúnmìlà
perderia seus principais “clientes”. Mas para poder exercer corretamente suas funções de babalawo,
Îrúnmìlà precisava fazer oferendas a Èñù. Mas ele não tinha dinheiro algum. A única coisa que possuía de
valor era seu filho, Amoñù. Com o coração cheio de pesar Îrúnmìlà penhorou os serviços de Amoñù, como
era hábito naquela época. Em troca do trabalho de seu filho, recebeu certa quantidade de dinheiro, e com
esse dinheiro fez o que tinha de fazer para Èñù. Depois disso Èñù foi à casa de Alara, um poderoso rei, cujos
filhos estavam doentes. Èñù disse a Alara que ele deveria consultar Îrúnmìlà, pois certamente ele poderia
ajudar seus filhos. Alara seguiu os conselhos de Èñù, e suas crianças se recuperaram. Problemas
semelhantes sofriam os reis Ajero e Öwarögun Agà. Mais uma vez Èñù aconselhou aos reis a consulta a

364
Îrúnmìlà, e o mesmo que havia acontecido a Alara se repetiu. Com o dinheiro de suas consultas, Îrúnmìlà
pagou o penhor por seu filho, e ainda conseguiu atingir grande prosperidade em sua vida, além de
favorecer a prosperidade e felicidade de outras pessoas.

"Se não suportarmos o sofrimento que enche uma caneca, não receberemos a bondade que
enche um cesto". Essa metáfora de grande significado espiritual sugere que esse é um momento de
dificuldades, mas que tais dificuldades são necessárias, pois prepararão o espírito para viver com sabedoria
os dias melhores que de certo virão. Os elementos de sofrimento que podem ser destacados no ìtan são os
filhos doentes dos reis; a angústia de Îrúnmìlà por não ter dinheiro para fazer o que deveria ser feito; e a
necessidade de trabalho forçado de Amoñù. Segundo a própria estrutura do ìtan, todos esses males
poderão ser vencidos, se houver a clara compreensão dos assuntos abordados no ìtan.

“Disseram, ‘Se você não iniciar seus reis, eles não prosperarão”. É conhecido o fato de que
Îrúnmìlà (e os sistemas oraculares, por extensão) favorece a prosperidade das pessoas. Essa passagem
evidencia que os reis em questão dependiam de Îrúnmìlà para seu bem estar. Isso pode ser uma evidência
de que a atividade do consulente é ou será vital para o benefício de outras pessoas. Isso torna os sacrifícios
inerentes a esse Odù mais do que necessários. É importante que o consulente reflita sobre o fato de que
pessoas dependem ou dependerão dele.

"O que ele deveria fazer. Ele não tinha dinheiro. Disseram que ele deveria conseguir dinheiro
emprestado". É conhecido o fato de que miticamente Îrúnmìlà seja um Òrìñà abastado, sempre
conseguindo consideráveis riquezas graças a sua sabedoria. Essa passagem mostra Îrúnmìlà em dificuldades
materiais, e dá a entender que o mesmo poderá ocorrer com o consulente quando aparecer esse caminho
de Ogbè. A presença de penhor no ìtan também abre a hipótese de existirem dívidas. O importante é ter em
mente que apesar do momento de dificuldades, certamente as coisas se arranjarão, se as informações
trazidas por Ìfá forem corretamente seguidas.

"Îrúnmìlà estava indo penhorar seu filho Amoñù". A atitude de Îrúnmìlà pode parecer extremista
à primeira vista, mas a idéia talvez seja de que a pessoa não deve poupar esforços para fazer o que é
espiritualmente correto, pois a idéia de renúncia é algo presente a esse Odù. Da mesma forma que não é
fácil para um pai ter que abrir mão de seu filho, mesmo que por pouco tempo, se Ìfá confirmar a existência
de renúncia, a mesma será dolorosa, mas necessitará ser realizada, em nome de futuros e duradouros
benefícios.

"Com o dinheiro que conseguiu com Amoñù, Îrúnmìlà iniciou Èñù". Todos os esforços de
Îrúnmìlà foram para que ele pudesse iniciar (?) Èñù. Seria prudente checar se Èñù tem alguma mensagem
para o consulente, ou se há alguma espécie de dívida em relação a Ûlûgbárà.

"Èñù disse a Alara, ‘Consulte Îrúnmìlà’. Se ele fosse à casa de Ajero ocorria o mesmo". Depois
de iniciado, Èñù foi à casa dos principais reis e indicou aos mesmos os trabalhos de Îrúnmìlà. Ou seja, todo o
esforço e desapego de Îrúnmìlà foram recompensados pelos trabalhos de Èñù. Esse fato sugere que Èñù
está diretamente relacionado à melhora na vida do consulente. Também é importante salientar que apesar

365
da valiosíssima ajuda de Èñù, Îrúnmìlà conseguiu prosperar através de suas atividades profissionais, o que
evidencia a força que o trabalho possuiu nesse Odù.

"Vocês me verão numa abundância de filhos". A iniciação de Èñù, e posterior prosperidade de


Îrúnmìlà, só foram possíveis graças ao fato de Amoñù ter sido penhorado. É possível que os filhos do
consulente o auxiliem no futuro a conseguir uma vida mais tranqüila. É importante ressaltar que em Odù
que fala sobre filhos, deve-se consultar sobre possíveis problemas que possam estar ocorrendo com
eventuais filhos do consulente, ainda mais levando em consideração que o filho de Îrúnmìlà é obrigado a
trabalhar, e os filhos dos reis aparecem doentes.

“Îrúnmìlà começou a ganhar dinheiro. Ele dançava e regozijava”. Esse caminho de Ogbè fala
sobre a prosperidade que pode chegar, principalmente através dos filhos. Fala também sobre a necessidade
de cuidados em relação a Èñù, e de como é importante trabalhar e ter muita força de vontade para fazer o
que é espiritualmente correto, pois disso dependerá a melhora da situação de dificuldades e privações que
caracterizam esse caminho de Odù.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Não há nenhuma oferenda prescrita no ìtan, mas a destacada presença de Èñù na situação abre
a possibilidade de oferendas lhe serem feitas, numa tentativa de reforçar os aspectos positivos desse Odù
(oportunidades, trabalho e prosperidade). É óbvio que tais oferendas deverão ser confirmadas por Ìfá; e se
tal confirmação ocorrer, caberá ao awolòrìñà defini-las.

366
Ejìogbè 20

Antigamente existiu um mercado onde havia grande sofrimento. Todos que lá chegavam sofriam,
mas a pessoa que persistisse e suportasse o sofrimento com resignação, depois da terceira vez encontraria
prosperidade. Îrúnmìlà, Òñàlá e Ògún ficaram sabendo do mercado, e decidiram que iriam lá. O primeiro a ir
foi Îrúnmìlà. Quando lá chegou, encontrou uma ponte que dava acesso ao mercado, e essa ponte estava
sendo guardada por uma cabra. Îrúnmìlà aproximou-se da cabra com humildade e prostrou-se ante ela. Na
terceira vez que Îrúnmìlà agiu assim, seu sofrimento desapareceu e ele atingiu a prosperidade que buscava
no mercado. Quando ele retornou, encontrou Òñàlá. Îrúnmìlà lhe disse que de fato havia sofrimento no
mercado, mas com paciência e resignação era possível prosperar lá. Baba pensou que se ele havia sido
paciente para criar Îrúnmìlà, então certamente conseguiria suportar os sofrimentos do mercado. Òñàlá
dirigiu-se par lá, e quando chegou encontrou um ìgbín que guardava a ponte. Baba prostrou-se perante o
ìgbín, e na terceira vez que agiu assim, seu sofrimento terminou e ele conseguiu grande prosperidade.
Ògún também quis ir ao mercado, mas disseram que ele não deveria ir, pois havia um ëwï que deveria ser
respeitado, e dificilmente Ògún o observaria; não era permitido entrar armado no mercado. Ògún disse que
iria desarmado, mas antes de partir escondeu uma espada em sua calça. Quando lá chegou, Ògún
encontrou um cão guardando a ponte. Ele aproximou-se furtivamente do cão, e quando estava perto o
suficiente, rapidamente decaptou-o. As pessoas diziam “Ele matou o guardião da ponte”. Com seu àñë,
Èñù infundiu medo em Ògún, que desesperado correu para o mato. Uma planta trepadeira cheia de
espinhos rasgou toda a sua roupa, e ele foi obrigado a se cobrir com folhas de palmeira. É assim que Ògún
se veste até hoje. Depois disso Ògún não teve mais nenhum descanso no àiyé. Tudo o que ele conseguia,
era através de árduo trabalho. Ele não conseguiu a prosperidade que vem através da paciência e resignação.

"Ògún, Îrúnmìlà e Òñàlá estavam indo para o mercado suportar sofrimento". Îrúnmìlà, a
sabedoria, prostrou-se por três vezes e tornou-se abastado. Òñàlá, a paciência, prostrou-se por três vezes, e
embora não tenha conseguido êxito imediato, acabou triunfando. Ògún, a impetuosidade, não se prostrou,
e graças à sua atitude desprovida de paciência e sabedoria, não só deixou de conseguir a prosperidade
como trouxe muitas dores a si mesmo. O ìtan deixa claro que nesse caminho de Ogbè o sofrimento estará

367
presente. As citações sobre um mercado podem ser um indício de que tais sofrimentos estarão relacionados
à labuta diária, que todos travamos no àiyé.

"Mas a pessoa que fosse lá por três vezes se tornaria abastada". Essa passagem indica que será
no ato de enfrentar o sofrimento que estará a chave para o sucesso. Será necessária perseverança e
paciência para se conseguir o que se almeja. Também é importante salientar que apesar do sofrimento
citado no ìtan, há a real possibilidade de se conseguir prosperidade. Metaforicamente é bem possível que o
mercado citado na história corresponde ao àiyé.

“Îrúnmìlà disse, ‘Realmente há sofrimento lá, mas eu suportei com resignação”. Infelizmente
parece não ser possível evitar o sofrimento que caracteriza esse Odù. A presença de duas divindades que
representam espiritualidade pode ser um indício de que tais sofrimentos são necessários ao espírito. Talvez
o melhor seja focar os aspectos positivos desse Odù, pois aqui também há prosperidade e vitória sobre uma
realidade sofrida.

“Disseram, ‘Ògún, é um ëwî!’". O desrespeito de Ògún ao ëwï evidencia uma personalidade


rebelde, que teima em fazer suas próprias leis, e só atrai dissabores a si mesma. É óbvio que atitudes
semelhantes às de Ògún são desaconselháveis em qualquer momento da vida, especialmente quando
Ogbè se manifesta nesse caminho. Saber respeitar leis preestabelecidas representa sabedoria; e como já foi
visto em outras ocasiões, essa é a origem dos principais e mais duradouros benefícios que podem atingir o
ser humano.

“Por três vezes Baba e Îrúnmìlà passaram por ali; e tornaram-se abastados”. Essa passagem
confirma os aspectos positivos desse Odù, além de evidenciar a necessidade de paciência, resignação e
perseverança para que seja possível desfrutar dos benefícios narrados no ìtan.

"Ìfá diz que essa pessoa deve ter paciência". Essa passagem resume com perfeição a mensagem
que Ogbè traz nesse seu caminho. Foi a paciência de Îrúnmìlà e Òñàlá que garantiu o fim do sofrimento e
posterior prosperidade de ambos; ao mesmo tempo em que a falta de paciência de Ògún lhe trouxe
dissabores e lhe privou de felicidades futuras.

Ëbö

Não há.

Comentários

368
a) A ausência de uma oferenda específica demonstra que o consulente já possuiu todos os meios
para atingir os benefícios inerentes a esse Odù. Caberá ao mesmo ter paciência e sabedoria, pois se suas
atitudes forem semelhantes às de Ògún, apenas o sofrimento desse Odù lhe acompanhará.

Ejìogbè 21

369
Oke (divindade das colinas) um dia sentiu-se desconfortável e resolveu consultar Ìfá. Seu Òkè
Ìpînrí mostrou Ogbè, lhe avisando que uma grande conspiração de canalhas, ratos e aves de rapina se
formava para destruí-lo. Oke perguntou o que poderia ser feito para que seus inimigos não tivessem
sucesso, e lhe foi recomendado fazer uma oferenda. Oke fez a oferenda prescrita, e num determinado dia
todos os seus inimigos chegaram para lhe destruir. Os homens traziam enxadas e picaretas para destruir sua
base; os ratos a roeriam até que ela se desgastasse, enquanto as aves de rapina lhe atacariam com seus
poderosos bicos. Èñù se compadeceu pela situação de Oke, e com seu àñë resolveu protegê-lo. Quando os
homens bateram em Oke com suas ferramentas, imediatamente elas se quebraram. Quando os ratos
tentaram roer Oke, suas bocas se feriram e sangraram. Quando as aves atacaram Oke, seus picos e garras se
quebraram imediatamente. Dessa forma Oke não sofreu infortúnios com seus inimigos. Ele dizia que seus
inimigos desejassem, ele estaria ali durante muitos anos, e nada poderiam fazer contra ele. Oke dançava e
regozijava; feliz por Òrìñà ter dito a verdade.

"Quatrocentos e vinte canalhas; quatrocentos e vinte pássaros; oitocentos e sessenta ratos; eles
conspiraram juntos e foram guerrear contra Òkè". Inimigos são a principal mensagem trazida por Ogbè
nesse caminho. A citação sobre grandes quantidades evidencia que o número de inimigos dessa pessoa é
maior do que ela imagina. Da forma como eles aparecem no ìtan, é possível que haja uma união de força
dos mesmos, com o intuito de prejudicar o consulente. Da mesma maneira que Oke tomou seus cuidados, é
aconselhável que o consulente faça o mesmo.

“Depois que Oke ofereceu o ëbö, Èñù juntou-se a ele”. Èñù é o fator de auxílio e proteção
quando esse Odù aparece. Interessante notar que tal auxílio só foi oferecido a Oke depois que ele cumpre
suas obrigações rituais. Graças a esse detalhe, no caso de consulente iniciado, seria importante que o
mesmo estivesse em harmonia com seu Òkè Ìpînrí, pois as chances de sucesso seriam consideravelmente
maiores. De qualquer forma é aconselhável que a pessoa, durante esse complicado momento, trate Èñù
com o devido respeito, para que o grande auxiliador da humanidade possa se compadecer de sua situação
e ajudá-la. Também é preciso salientar que colinas geralmente representam a necessidade ou capacidade
de manter-se longe das negatividades do àiyé. Atitudes elevadas, quer seja no âmbito profissional, moral ou
espiritual, certamente favorecerão a proteção nesse caso, pois dessa forma o consulente se colocará numa
posição inacessível a seus inimigos.

"Os pássaros não viram Èñù e quando bicaram Oke, seus bicos quebraram. Quando os ratos
roeram Oke, suas bocas sangraram". A presença de roedores em ìtan geralmente representa considerável
negatividade. Especificamente nesse caso, tal negatividade é óbvia. Já a citação sobre aves abre a hipótese
de uma possível influência das Àjý na situação. Mesmo que não haja feitiços de Àjý, não se pode descartar a
possibilidade de mulheres fazerem parte do rol de inimigos que o consulente possua. Obviamente tais
possibilidades deverão ser confirmadas por Ìfá antes de qualquer comentário a respeito.

“Quatrocentos e vinte enxadas". Geralmente enxadas representam elementos de trabalho


quando aparecem em ìtan. Graças a essa possibilidade interpretativa, seria prudente considerar que a

370
negatividade e animosidade em questão tenham alguma relação com o trabalho do consulente, ou com
qualquer outra atividade que garanta o sustento do mesmo.

"Se eles persistirem por vinte anos, estarei preparado para eles". Essa é uma das partes que
compõem a cantiga para o ëbö desse Odù. Evidencia a possibilidade dos esforços inimigos persistirem por
muito tempo, tornando necessária a constante vigilância para que não ocorram surpresas desagradáveis.
Infelizmente é possível que periodicamente essa pessoa tenha que tomar os devidos cuidados, pois seus
inimigos a acompanharão.

"Ìfá diz que há uma bênção de vida longa aqui". A citação sobre vida longa dá a idéia de que a
ação dos inimigos pode até pôr a vida do consulente em perigo. Tal fato dá a esse Odù uma característica
emergencial, apesar de também haver uma clara proteção espiritual de Èñù. Mas por outro lado, essa
passagem também evidencia que se os devidos cuidados forem tomados, os esforços dos inimigos não
lograrão êxito.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Dois pombos
Duas galinhas
Muito èkùrù
Uma enxada quebrada

Comentários sobre o ëbö

a) É conhecido o fato de que èkùrù é uma comida muito utilizada em ëbö, sempre que há alguma
negatividade envolvida. Essa é mais uma evidência de que a prática litúrgica orientada pelos ìtan é
perfeitamente compatível com a realidade do Candomblé brasileiro.

b) Apesar de não haver citações textuais a esse respeito, seria interessante considerar a hipótese
de serem realizadas oferendas específicas a Èñù, além das que ele recebe por trabalhar como Ëlýbö. Seriam
prudentes consultas nesse sentido.

d) A enxada quebrada é a evidência de que a negatividade em questão tem alguma relação com a
sobrevivência profissional do consulente. Especificamente nesse caso, representa o desejo de que as
atividades dos inimigos não triunfem.

c) A finalidade de tal oferenda é proteger o indivíduo de uma grande conspiração de inimigos,


favorecendo o cumprimento integral de seu destino pessoal.

371
Ejìogbè 22

Babamaroñë (Pai que não pensa em desconforto) um dia resolveu montar uma lavoura. Antes ele
resolveu consultar Ìfá, e lhe foi dito que teria alguns problemas; que poderia perder uma bênção devido a
impaciência. Mas se agisse pacientemente certamente alcançaria grande prosperidade. Quanto
Babamaroñë começou a montar sua lavoura, ele juntou-se a outros oito sócios. Com o passar do tempo,
esses sócios foram gradativamente deixando de ajudá-lo nos cuidados com a lavoura e a casa. Era
Babamaroñë que enrolava as esteiras, varria o chão e fazia todo o trabalho. Quando aparecia alguém para
negociar os produtos da lavoura, era ele que fazia a colheita, vendia e comprava o que fosse preciso. Seus
sócios deitavam e dormiam em qualquer canto em que encostassem. Mas na hora de dividir os lucros, todos
eram presentes e ativos. Babamaroñë quis brigar, mas lembrou-se do que Ìfá havia dito e resolveu não fazer
nada. Com o passar do tempo os seus sócios foram desanimando com a lavoura. Um a um, do primeiro ao
oitavo, eles foram largando a sociedade. Babamaroñë ficou com a lavoura só para ele, e pôde desfrutar
enfim da prosperidade que Òrìñà havia prometido Ìfá.

372
"Uma sociedade gera sofrimentos; um solo dividido gera vermes". Todo o ìtan gira em torno de
assuntos referentes a trabalho; e de acordo com essa passagem, a sociedade profissional não é a melhor
opção quando aparece esse Odù. Mas de acordo com a própria estrutura do ìtan, se tal sociedade já existir,
extingui-la com brigas certamente será um caminho ainda pior.

"Ele era aquele que varria a casa, que enrolava as esteiras. Os demais dormiam numa sala
qualquer, enquanto ele negociava, comprava e vendia". Essa passagem deixa claro que Babamaroñë era
explorado pelos demais, mas de acordo com o ìtan, "Ele nunca brigou". São grandes as chances do trabalho
estar frustrando o consulente, mas a mensagem de Ogbè é que ele suporte pacientemente tais
adversidades, pois bênçãos nascerão delas. O uso do termo “Baba” geralmente destina-se a Òñàlá. Não
há nenhuma citação textual, mas é possível que o título Babamaroñë pertença a algum Òrìñà Funfun. Se
assim o for, fica ainda mais forte a mensagem sobre a necessidade de paciência; algo que simplesmente
caracteriza essa classe de divindades.

"Quando os sócios partiram, ele juntou as coisas de todos eles e tornou-se rico e abastado".
Apesar das dificuldades já citadas, com paciência e sabedoria a prosperidade chegará para essa pessoa,
desde que ela entenda e siga as orientações trazidas por esse Odù.

"Ìfá diz que essa pessoa deve suportar o sofrimento no trabalho que estiver fazendo. Ìfá diz,
uma bênção de riquezas". Essa passagem resume com perfeição a mensagem trazida por Ogbè nesse
caminho de Odù. Certamente haverá descontentamentos no trabalho, a ponto de existir o desejo de jogar
tudo para o alto. Nesses momentos a paciência deve imperar, pois o sofrimento inicial é o presságio de
grandes felicidades futuras.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Inicialmente seria prudente verificar se de fato o título Babamaroñë designa alguma divindade
branca. Se assim o for, apesar de não haver oferendas prescritas para Ogbè, oferendas aos Òrìñà Funfun
poderiam ser realizadas pela sorte do consulente. É óbvia a necessidade de confirmação de Ìfá a esse
respeito.

b) Se a confirmação em questão não for sancionada, ficará evidente que a mensagem desse Odù
aborda aspectos comportamentais. É uma questão de conscientização, e um ëbö não faria sentido nesse
caso.
Ejìogbè 23

373
Há muito tempo atrás, existia Floresta. Ela possuía uma grande extensão de terra, e cedeu parte
dela a Colina. Colina cresceu nos espaços de floresta; tornou-se alta e imponente. Em sua esplendorosa
existência, Colina cedeu seu sopé, para que nele Rio pudesse existir e correr livremente. Onde quer que Rio
passasse, levava com ele o potencial da vida. Em suas margens ele encontrou Aböiyùn (mulher grávida) de
Ifë. Rio permitiu que ela bebesse de suas águas e as usasse para banhar-se. Aböiyùn deu à luz seu filho, ao
lado de Rio. Todos esses, anteriormente, haviam consultado Ìfá; que lhes prometeu bênçãos e respondeu
“De duas em duas eu ajudo as pessoas. Eu não as ajudo individualmente”. Isto é Ejìogbè.

“De duas a duas eu ajudo as pessoas. Eu não as ajudo individualmente. Consultaram Ìfá para
Floresta, que possuía uma grande área e a deu para Colina”. Há de se ressaltar a relação entre os
personagens do ìtan. É toda uma corrente de generosidade que acaba beneficiando por último uma criança
que vai nascer. A generosidade aparece com grande intensidade nesse caminho de Ogbè. Um outro detalhe
a ser considerado é que citações sobre florestas e rios abrem a possibilidade de uma possível influência
ancestral na questão, levando-se em consideração que em muitos mitos de terras iorubas (Îyï), Egún tem
nos rios a sua origem. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Aböiyùn estava dando à luz várias crianças". Simbolicamente filhos também representam
realizações pessoais de grande significado. Citações sobre mulheres grávidas representam esperança, além
de um considerável potencial positivo. Filhos são abundância de vida e felicidade, e na grande maioria dos
casos representam bons presságios. É óbvio que o aspecto literal de “gravidez” não deve ser
desconsiderado.

“Disseram que Floresta, Colina, Rio e Aböyùn deveriam oferecer um ëbö”. É importante
ressaltar que as origens dos benefícios inerentes a esse ìtan são oferendas. Ou seja, procedem de
responsabilidades espirituais, que é o que representa as oferendas a partir do momento que alguém sabe
que deve efetuá-las. Esses detalhes evidenciam que a ação litúrgica ritual está indissoluvelmente associada
aos benefícios trazidos por esse Odù. Logo, será aconselhável que o consulente exerça tal ação ritual, para
que de fato tais benefícios possam se manifestar em sua vida.

"Os doentes na cama não conhecem a oferenda". De acordo com o espírito dessa passagem, os malefícios
(doenças) são frutos diretos da ignorância (não conhecer o ëbö). Como já foi dito, a própria idéia de
oferenda pressupõe que o indivíduo tenha um certo cabedal espiritual, a ponto de lógica ou intuitivamente
reconhecer o que deve ou não ser feito. Não ter tal profundidade espiritual pode ser encarado como
ignorância (não conhecer o ëbö), cuja conseqüência é dor (doenças).

“Isso é quando Òrìñà fala de uma bênção”. Apesar de sua natureza poética, e até da
possibilidade de doenças estarem presentes, esse caminho de Ogbè pode ser considerado benéfico.
Bênçãos poderão ser esperadas, se as demais informações trazidas por Ìfá forem corretamente seguidas.

Ëbö

374
Não há

Comentários

a) Apesar de não haver uma oferenda prescrita, o ìtan diz que todos os personagens ofereceram
ëbö. A própria passagem que relaciona um ëbö à saúde mostra que uma oferenda seria muito importante a
esse Odù. Baseado nesses fatores, o awolòrìñà poderá (sob consulta) montar uma oferenda que vise ao
menos proteger o consulente de eventuais doenças que possam ocorrer, ou favorecer a manifestação das
bênçãos prometidas por Òrìñà. Mas independentemente de haver ou não oferendas a serem realizadas, o
elemento ancestral desse Odù parece estar presente, tornando então necessárias consultas para saber se os
ancestrais do consulente têm alguma mensagem a expressar.

375
Ejìogbè 24

Houve uma época em que Îñun, desejosa de conquistar bênçãos e prosperidade, resolveu fazer
uma viagem, na esperança de que em outras terras conseguiria atingir seus objetivos. Mas antes de partir,
ela decidiu consultar Ìfá. Foi-lhe dito que encontraria as bênçãos esperadas no local onde estava indo, mas
que também encontraria bênçãos em seu lar, assim que retornasse. Uma oferenda também lhe foi prescrita,
e Îñun a fez de forma adequada, no intuito de realizar em sua vida aquilo que Ìfá predissera. Depois de fazer
a oferenda, Îñun partiu em sua viagem. Permaneceu nas terras novas o tempo necessário para conseguir
dinheiro; e no dia que voltou para sua casa, as pessoas a receberam felizes, dizendo “Oh! Îñun! Seja bem
vinda!”. A essa altura Îñun já era muito próspera; mas para sua grande e feliz surpresa, ela descobriu que
também estava grávida. Em pouco tempo seus filhos nasceram, e Îñun dançava e regozijava. Assim como Ìfá
havia predito, ela encontrou bênçãos fora e dentro de seu lar.

“Uma criancinha procura um meio de vida. Consultaram Ìfá para Iyèiyé mi Òtòlò Ûfîn. Îñun
disse, ‘Esse lugar para onde estou indo; o que posso fazer para trazer dinheiro de lá?’”. A questão
levada por Îñun a Ìfá, além da própria estrutura do ìtan, evidencia a aspiração por meios que garantam ou
favoreçam a sobrevivência financeira. Certamente essa será uma das principais preocupações do consulente
quando Ogbè aparecer nesse caminho. De acordo com o desenrolar do ìtan, será possível atingir a

376
prosperidade sobre a influência desse Odù, desde que sejam observadas as demais informações trazidas
por Ìfá.

"Ìfá diz, uma bênção além dos muros da cidade". É necessário ressaltar que Îñun muda de cidade,
para que fosse possível realizar seus intentos. Graças a tal fato é possível que o atual jeito de viver (ou de
ser) do consulente não favoreça a manifestação das bênçãos citadas no ìtan, o que torna imprescindível a
necessidade de mudanças. É óbvio que essas mudanças podem realmente ser de cidade, mas o mais
importante é ter em mente que o elemento “mudanças” pode estar relacionado a outros detalhes da vida
pessoal, o que poderá ser confirmado por Ìfá. O importante é ter em mente que a mudança em questão,
quer seja de moradia ou de estado de espírito, é essencial para que os benefícios prometidos por Òrìñà
possam de fato se realizar.

"Quando Îñun chegou em casa, estava grávida; ela tinha dinheiro. Ìfá diz que essa pessoa
também encontrará uma bênção em casa". Apesar de toda possibilidade de sucesso numa outra cidade
(ou ramo de atuação, estado de espírito, etc), é importante salientar que uma bênção ainda mais importante
que o dinheiro (filhos) manifestou-se na vida de Îñun assim que ela voltou para casa. Esse fato evidencia que
o lar do consulente, independente da definição que se possa dar a “lar”, é (ou deveria ser) para ele um
fator de felicidade. O ato de ir ao mundo para prosperar é algo intrínseco a esse Odù, mas o retornar às
origens também o é. Além de toda a prosperidade inerente a esse Odù, a citação sobre filhos é mais um
elemento positivo desse caminho de Ogbè, pois evidencia elementos de realização que podem favorecer a
felicidade nos mais amplos sentidos. Também é preciso destacar que se Îñun voltou grávida, é porque teve
relacionamentos afetivos na cidade em que fôra trabalhar. Esse fato pode ser visto como um importante
indício de relacionamentos afetivos.

"Quem bebe vinho de palma deve prestar atenção ao subir numa corda". Esse ditado popular
parece apontar para o fato de serem necessárias redefinições de prioridades. É como se fosse um aviso
sobre a necessidade de prudência e consciência sobre os passos a serem dados, pois tudo na vida tem um
preço, e quem deseja o contentamento do vinho de palma, não pode aspirar pela emoção de subir numa
corda. Sem dúvida serão necessárias reflexões a esse respeito.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Quatro pombos
Quatro galinhas
A roupa que estiver vestindo
Oferendas a Îñun

Comentários sobre o ëbö

377
a) A presença de roupa no ëbö reforça a idéia de que a pessoa precisa ajustar sua personalidade
aos objetivos almejados, para que determinadas tendências de comportamento ou pensamento não
atrapalhem a manifestação das bênçãos abordadas no ìtan.

b) No ìtan aparece, “Essa pessoa deve fazer oferendas a Îñun”. Tal oferenda favorecerá o alcance
dos objetivos pessoais, e o ëbö não estará completo sem ela. Como não há nenhuma informação textual,
caberá ao awolòrìñà definir a natureza de tal oferenda. A finalidade desse ëbö é conseguir sucesso,
prosperidade e realizações “numa outra cidade”, ou em tudo aquilo que pode ser abrangido por esse
termo.

378
Ejìogbè 25

Nos primórdios dos tempos, Erijialö (Olófin) desejou tomar Îñun como esposa. Antes que a
cerimônia ocorresse, ele consultou Ìfá para saber o que seria necessário fazer pelo sucesso do casamento.
Foi-lhe recomendado fazer uma oferenda, que uma vez efetuada garantiria o sucesso esperado. Erijialö fez a
oferenda prescrita, garantindo assim o bem estar de seu futuro relacionamento. Îñun por sua vez não
andava nada bem, a ponto de Ìkú começar a rondá-la. Ela não queria morrer, pois em seu coração desejava
dar muitos filhos a Erijialö. Quando Baba casou-se com ela, o àñë que ele havia movimentado com a
oferenda fez efeito, restabelecendo o bem estar de Îñun. Olomi Tútù (Senhora das águas frias, Îñun) voltou a
ser bela e atraente. Ambos dançavam e regozijavam, pois a profecia de Ìfá sobre um bom casamento havia
se cumprido.

“Baba estava indo casar-se com Olomi Tútù. O que ele deveria fazer para que o casamento
fosse bom?".A presença de um casamento (relações amorosas em geral) representa o principal aspecto
desse caminho de Ogbè. Devido a tal fato pode-se esperar pelos mais diversos tipos de relacionamentos
conjugais, que de acordo com esse Odù podem ser prósperos e felizes, mas que no momento precisam de
cuidados específicos.

“Ele estava indo tomá-la como esposa. Ela não queria morrer; queria dar muitos filhos a ele”.
Nesse caminho de Ogbè, a matéria física (Îñun) só se mantém viva graças à intervenção do Espírito (Olófin).
Seguindo esse ponto de vista metafórico, é importante notar que quando um princípio "espiritualizante"
(Baba) envolve-se com a matéria (Îñun), essa se purifica e dá vazão aos seus aspectos mais benéficos
(geração de filhos, vida). Talvez seja essa a razão do ìtan chamar Îñun de Olomi tútù (Senhora das águas
frias), pois “frio” para o ioruba é calmo, sereno, equilibrado e fértil. No ìtan Ìkú aparece prestes a levar
Îñun para o Òrun; e só não o faz porque ela casou-se com Baba. Talvez isso seja uma alusão à necessidade
de espiritualização, pois sem aproximar-se de Olófin (espiritualidade) Îñun certamente morreria. Há certa
coerência em supor que a espiritualização será importante para a permanência no àiyé. Tal simbolismo
também abre a hipótese de fechar os caminhos para Ìkú através da iniciação ou obrigação. É óbvio que
quanto a essa última possibilidade, serão necessárias consultas específicas a esse respeito. Num âmbito
mais prático, seria prudente considerar a hipótese de doenças ou perigos em relação ao cônjuge.

379
"É a falsidade da morte. É o ëwî de Ifë". Há de se considerar a real proximidade de Ìkú quando
esse Odù se manifesta. Quando essas possibilidades estão presentes, sempre é prudente evitar situações
potencialmente perigosas, como viagens, cirurgias, noitadas, brigas, etc.

"Òrìñà fala de uma bênção de vida longa". Apesar dos perigos inerentes a esse caminho de Odù,
são grandes as chances dos mesmos não surtirem seus nefastos efeitos, se as demais informações trazidas
por Ìfá forem corretamente seguidas.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é bastante simples, não carecendo de maiores explicações. O importante é ter em mente
que sua finalidade é garantir um casamento feliz, além de boa saúde e proteção a um cônjuge que possa
estar em problemas.

Ejìogbè 26

Houve uma determinada época em que Îrúnmìlà estava prestes a se casar. Mas antes de consumar
o matrimônio, ele descobriu que sua noiva era àbìkú. Îrúnmìlà ficou muito preocupado e decidiu consultar
Ìfá, para saber o que poderia ser feito em benefício de seu casamento. Ìfá lhe disse que deveria fazer um ëbö
e também efetuar oferendas a seu Òkè Ìpînrí. Îrúnmìlà seguiu as orientações de Ìfá, e para sua felicidade sua
noiva já não corria o risco de morrer prematuramente. Îrúnmìlà dançava e regozijava, feliz por Ìfá ter
revelado a verdade.

“Consultaram Ìfá para Îrúnmìlà, quando ele estava prestes a se casar com uma àbìkú”. A
presença de àbìkú é a principal mensagem trazida por Ogbè nesse caminho. Sempre que tal possibilidade
está presente, é aconselhável que todos os cuidados possíveis sejam tomados para evitar futuros
sofrimentos. Um outro detalhe a ser considerado é que o casamento com uma àbìkú pode representar a
entrada numa situação fadada ao fracasso, e de acordo com a estrutura do ìtan, tal situação possivelmente
tenha conotação sentimental. Apesar das possibilidades interpretativas, é óbvio que a literalidade do
aspecto àbìkú merece todo cuidado.

380
"Ela morreria antes (do ëbö), mas não vai morrer mais. Uma bênção de vida longa é o que Òrìñà
prevê". Apesar de todos os perigos inerentes a situações onde àbìkú está presente, as chances de reversão
satisfatória da situação são boas. É necessário salientar a importância que a oferenda possui nesse contexto.
Sem os devidos cuidados, no caso de real presença de àbìkú, provavelmente haverá morte; e se Ìfá
confirmar que a presença de àbìkú é uma alegoria, as frustrações representadas pela morte certamente
estarão presentes.

“Îrúnmìlà deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí”. Fortalecer o próprio àñë é algo necessário
quando Ogbè aparece nesse caminho. Caberá ao awolòrìñà definir quais os elementos do Òkè Ìpînrí do
consulente necessitam de oferendas.

“Ele disse, ‘Eu deixo meus problemas para meus Ìkín’”. Essa pequena frase do ìtan encerra
informações consideravelmente importantes; os critérios para consultas a oráculo. Muitos podem
considerar fanatismo ou falta de bom senso consultar Ìfá para situações aparentemente simples. Talvez haja
razão nesse pensamento, mas a consulta feita por Îrúnmìlà pode representar um padrão mais confiável a
esse respeito. Sempre que um assunto transcende a capacidade pessoal de compreensão, ou cujos
resultados são imprevisíveis, consultas serão necessárias. Através dessa importante afirmação é possível ter
uma visão mais clara do limite entre uma situação comum, e outra que carece de orientação espiritual.

"Îrúnmìlà deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí. Isso é quando Ìfá diz que essa pessoa deve
fazer oferendas a Ìfá". Um importante detalhe ritual necessita ser definido graças a essa passagem.
Tecnicamente falando, o termo “Ìfá” corresponde, na maioria das vezes, ao conjunto de apetrechos
divinatórios utilizados por um babalawo e à prática divinatória em si; e não à divindade Îrúnmìlà, que seria
então patrona do sistema divinatório sintetizado pela palavra “Ìfá”. É reconhecido o fato de que a partir
do momento que um sacerdote recebe seu oráculo pessoal, esse passa a fazer parte de seu Òkè Ìpînrí. No
caso do consulente ser um sacerdote dessa ordem, certamente deverá fortalecer o àñë de seu oráculo. O
importante é ter em mente que tal refortalecimento de àñë é imprescindível para a normalização de tão
delicada situação. Caberá ao awolòrìñà definir se o consulente precisa fazer oferendas à divindade Îrúnmìlà,
se as oferendas necessárias devem ser feitas a Ìfá, ou a algum outro elemento que componha seu Òkè Ìpînrí,
dentro da complexa significação englobada por esse termo. Parece ser muito importante que o àñë pessoal
do consulente seja devidamente fortalecido, para que as melhores opções apontadas por Ìfá possam ser
observadas e seguidas. É necessário ressaltar que além da possibilidade de àbìkú estar presente no
contexto, alegoricamente as chances de grandes frustrações e tristezas também são consideráveis.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Dois ëmï
Um pombo
Oferendas a Òkè Ìpînrí

381
Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.
Apesar das possibilidades interpretativas, é muito provável que a real presença de àbìkú seja a tônica desse
Odù.

b) É importante ressaltar que sem oferendas a Ìfá e Òkè Ìpînrí, esse ëbö não estará completo

c) A finalidade de tal oferenda é evitar a morte precoce de um àbìkú, conseguir uma bênção de
vida longa ou se livrar de entrar numa situação fadada ao fracasso. Tudo isso em circunstâncias semelhantes
às narradas no ìtan.

382
Ejìogbè 27

Arira era um chefe de família de Ifë, que numa época de sua vida resolveu tentar a sorte numa
outra cidade. Em Ifë ele deixou seus filhos e esposas, na esperança de conseguir uma vida melhor. Quando
chegou na outra cidade, trabalhou e buscou a prosperidade. Depois de um tempo ele resolveu voltar para
Ifë, mas já havia tido um filho na cidade em que estava morando. Como era o costume, os filhos pertenciam
ao pai, então Arira levou sua criança, que se chamava Ojodu, juntamente com ele para Ifë. Ojodu passou a
conviver com os outros filhos de seu pai. Depois de um tempo, Arira morreu, e os irmãos de Ojodu
começaram a dizer que ele não era um filho legítimo de Arira. Indignado com a postura dos irmãos, Ojodu
propôs que eles fizessem consultas ao espírito de Arira, pois ele mesmo diria a verdade sobre a origem de
Ojodu. Eles pegaram um obì de oito gomos, e Ojodu disse ao espírito de seu pai, “Se sou seu filho, que
caiam quatro faces do obì para baixo e quatro para cima. Se não sou seu filho, então que caiam todas as
faces para baixo” Dizendo isso Ojodu lançou os gomos do obì, e a posição deles mostrou que de fato ele
era filho de Arira. Seus irmãos também lançaram o obì, mas a resposta foi contrária às expectativas deles.
Eles tiveram que reconhecer a filiação do irmão que havia nascido fora de Ifë. Ojodu dançava e regozijava,
pois o obì mostrou que ele era uma pessoa honesta.

“Arira estava indo para fora da cidade. Ele acharia uma bênção”. Toda a trama do ìtan começa
quando Arira parte de Ifë, em busca de bênçãos numa outra cidade. Esse tipo de migração é
constantemente narrado nos ìtan oraculares, e demonstram o desejo por novas oportunidades. Mudanças
de cidade representam a idéia do novo, de novas perspectivas que poderão favorecer uma vida melhor. A
citação sobre bênçãos evidencia que tais mudanças (de cidade ou qualquer outro tipo) serão benéficas
quando esse Odù se manifestar.

“Consultaram Ìfá para Arira de Ifë, que chorava por filhos”. Essa clássica passagem geralmente
revela traços de insatisfação, como se algo de considerável importância estivesse faltando na vida, para que
seja possível gozar de felicidade. De acordo com as demais mensagens do ìtan, esse “algo mais” pode ser
encontrado numa outra cidade. O importante é ter em mente que para atingir a plenitude na vida,
mudanças serão necessárias, assim como o foi para Arira. Como esse Odù aborda assuntos referentes a
filhos, também seria prudente verificar se eventuais filhos do consulente encontram-se em algum tipo de
problema.

383
“Quando ele foi para fora da cidade, ele teve um filho”. O novo filho de Arira evidencia a real
possibilidade de se obter bênçãos numa nova cidade (ou perspectiva de vida). Filhos são considerados
como uma grande bênção, e tal fato revela o potencial positivo desse caminho de Ogbè. Por outro lado, o
nascimento de Ojodu abre a possibilidade de filhos fora do casamento. Mas é óbvio que pela gravidade
dessa possibilidade, seriam prudentes consultas específicas antes de qualquer tipo de manifestação por
parte do awolòrìñà.

“Nosso pai não gerou você”. A recusa dos demais irmãos em reconhecer a filiação de Ojodu
pode representar a possibilidade de ocorrerem discussões, desprezo e mal-entendidos quando esse Odù
aparece. Mas a possibilidade de má fé não deve ser negligenciada, pois o ìtan fala sobre “traidores e
mentirosos”. Também merece destaque a possibilidade de existirem crises existenciais, sentimentos de
isolamento e incompreensão. Em qualquer uma dessas possibilidades é importante ressaltar a postura firme
e confiante de Ojodu, que possibilitou o reconhecimento público de sua filiação. Embora não esteja
explícita no ìtan, seria prudente considerar a hipótese de disputas por heranças.

“Você Arira, se foi você que me gerou...”. O fato de Ojodu consultar seu falecido pai através do
obì evidencia consideráveis traços de ancestralidade nesse caminho de Ogbè. Foi o próprio Arira, em
espírito, que confirma a origem de Ojodu, favorecendo assim o bem estar de seu descendente.
Similarmente, é possível que a ancestralidade do consulente possa auxiliá-lo em seu atual momento. Se Ìfá
confirmar essa possibilidade, caberá ao awolòrìñà definir o que deverá ser feito a respeito.

“Quando a existência começou, as pessoas eram consagradas para consultar com obì”. É
interessante essa informação litúrgica que Ogbè nos traz. Há a necessidade de consagrações prévias antes
que alguém possa utilizar obì em práticas oraculares. É mais uma evidência da seriedade e complexidade da
religião dos Òrìñà, que infelizmente ainda sofre com abusos oriundos de personalidades indevidamente
exaltadas.

“Homens honestos jogam obì e se saem bem. Moscas não zumbem ao redor de um àtë de
contas”. Essa citação de honestidade talvez seja uma indicação de que a probidade será vital para que
possa ocorrer sucesso quando aparece esse caminho de Odù. Tal probidade também parece ser
imprescindível àquele que consulta através do obì. Coincidentemente ou não, os ancestrais (representados
nesse Odù por Arira, o pai falecido) são os guardiões da ética comportamental, tanto no âmbito pessoal
como social. Já o ditado popular expresso na seqüência evidencia que aquele que é valioso, não precisa se
preocupar com as moscas (os irmãos de Ojodu e pessoas de má índole em geral).

“Essa pessoa deveria oferecer obì aos seus pais”. Essa é a evidência definitiva da forte
ancestralidade existente nesse caminho de Ogbè. A presença de obì em ìtan geralmente representa a
existência ou necessidade de sabedoria, além de uma cabeça equilibrada. Talvez esses fatores sejam
indispensáveis para que a pessoa possa lidar com os mal-entendidos (ou má fé) inerentes a esse Odù. O
fato de Ojodu ter consultado seu falecido pai mostra que a oferenda de obì deve ser destinada aos
ancestrais do indivíduo. No caso de pais vivos, é óbvio que o consulente deverá estreitar ao máximo sua
relação com os mesmos. obì e ancestrais têm espaço num mesmo rito: böri. Embora não haja nenhuma

384
citação textual no ìtan, seriam prudentes consultas sobre a necessidade ou não de oferendas a Orí. O
importante é ter em mente a importância de oferecer à ancestralidade a oferenda prescrita. Os meios pelo
qual isso pode ser feito deverão ser definidos pelo awolòrìñà.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Dois pombos

Comentários sobre o ëbö

a) A estrutura do ëbö é simples, não carecendo de maiores comentários. O importante é salientar


que tal oferenda foi feita por Arira, para que ele tivesse sucesso na nova cidade em que foi viver.

b) O ëbö não estará completo sem a oferenda de obì aos ancestrais do consulente.

c) A finalidade de tal oferenda é atingir bênçãos numa outra cidade, ou em qualquer outra
situação onde a idéia do novo estiver presente.

Eji Ogbè 28

Houve um tempo em que Îrúnmìlà desejava casar-se com Ajeñuna (Ajè, divindade da riqueza). O
tempo estava passando, ele precisava casar com ela, pois estava vivendo em pobreza. Com esse intento ele
procurou um babalawo, e um ëbö lhe foi prescrito. Îrúnmìlà fez a oferenda corretamente, e depois de um
tempo conseguiu casar-se com Ajè. Em sua alegria Îrúnmìlà cantava que o poder de Ìfá faz de um menino
um homem. Ajè ficou sabendo que Îrúnmìlà andava exaltando a si mesmo, e não gostou da história. Ela
sabia que se não fosse ela, Îrúnmìlà ainda estaria pobre. Îrúnmìlà ficou sabendo do descontentamento de

385
Ajè e correu ao babalawo. Esse lhe aconselhou a prestar homenagens àquela que favoreceu sua felicidade.
Então Îrúnmìlà começou a exaltar em público o poder de Ajè, dizendo que era ela que fazia de um menino
um homem. Mas Orí ficou sabendo da história e também não gostou. Como Îrúnmìlà se casaria com Ajè, se
ele não tivesse sido seu suporte durante toda a existência? Îrúnmìlà ficou sabendo do descontentamento de
Orí, e mais uma vez procurou o babalawo. Obteve como resposta a orientação de louvar publicamente
aquele que tornara possível sua felicidade. Então Îrúnmìlà começou a cantar que era Orí que fazia de um
menino um homem. É Orí que escolhe as esposas de alguém, e que abençoa a vida com riquezas.

"Îrúnmìlà era pobre. Ele desejava casar-se com Ajeñuna". Em muitos caminhos de Odù, Îrúnmìlà
aparece em dificuldades, e através da sabedoria e da atividade ritual consegue riquezas, esposas e
felicidades. Sob esse ponto de vista, Îrúnmìlà representa o espírito essencialmente sábio, que possuiu todo
o potencial para traçar o próprio caminho de maneira sábia e feliz. As dificuldades por ele vividas nesse Odù
evidenciam a séria possibilidade da pobreza (ou grandes dificuldades) estar presente quando Ogbè aparece
nesse caminho.

"Ajè! Ela realmente casou-se com Îrúnmìlà". O desejo de Îrúnmìlà em casar-se com Ajè evidencia
que questões sentimentais estão presentes nesse Odù. Já o sucesso dele em conseguir tal casamento
evidencia os elementos de realização que tornam esse caminho de Ogbè definitivamente um bom
presságio, tanto material quanto sentimentalmente falando.

"Îrúnmìlà tornou-se alguém de muito prestígio, com muitos seguidores. Todos comiam e
bebiam em sua casa; ele era muito popular". As realizações inerentes a esse Odù certamente favorecerão a
manifestação da popularidade, que caracterizou a vida de Îrúnmìlà após seu casamento. Além da riqueza
em si, pode-se esperar pelas agitações sociais que geralmente acompanham a popularidade. A parte que
fala sobre seguidores abre a possibilidade de também existirem aspectos de liderança quando esse Odù
aparece.

"Quem ele era antes de se casar comigo?". Essa indagação de Ajè aponta para a possibilidade de
ingratidão, embora em nenhum momento Îrúnmìlà pareça ter consciência disso. Parece mais ser o caso de
uma ingratidão inconsciente, fruto de uma visão limitada sobre uma questão complexa. O que evidencia
esse fato é a atitude de Îrúnmìlà em redimir-se rapidamente.

"Orí disse, ‘Poderia você casar-se com Ajè se eu não o apoiasse?’ É Orí que escolhe a esposa
de alguém, e que coloca a riqueza em sua vida" Orí é o verdadeiro responsável pelas bênçãos que
chegaram a Îrúnmìlà. Esse fato de caráter filosófico confirma o que muitos autores já expuseram sobre a
importância de Orí na “sorte” de uma pessoa. Embora não haja nenhuma citação textual, é possível que
sejam necessárias oferendas a Orí, para que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato se manifestar.

"Îrúnmìlà levou as mãos à cabeça e foi ao babalawo". Na maioria das vezes em que aparece em
ìtan, Îrúnmìlà representa sabedoria espiritual. É importante notar a atitude de humildade dessa grande
divindade, que não hesita em procurar orientação espiritual. Esse fato sugere que a humildade será muito

386
importante para que os benefícios abordados no ìtan possam manifestar-se e perdurar na vida do
consulente.

"Ìfá diz, uma bênção de esposas". Apesar de todas as possibilidades interpretativas, os benefícios
que chegaram a Îrúnmìlà após seu casamento com Ajè mostram que casamentos e relacionamentos em
geral tendem a acontecer e prosperar quando aparece esse caminho de Ogbè.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo
Um ëmï
Oferendas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores em ëbö geralmente representa algum aspecto negativo ou perigoso na


problemática tratada no ìtan. Há a possibilidade de tal negatividade estar relacionada à pobreza de
Îrúnmìlà, antes que o casamento ocorresse, ou à sua atitude equivocada ante Ajè e Orí. Mas esses mesmos
animais também representam abundância sobre a terra, demonstrando que apesar da negatividade
simbolizada pela pobreza (e possível ingratidão), são consideráveis as chances de reversão satisfatória da
situação.

b) Levando-se em consideração a informação dada no ìtan sobre a relação entre Orí e a riqueza
que chega a uma pessoa, nada mais lógico que o Òkè Ìpînrí do consulente, formado entre outros elementos
por Orí, precise ter o àñë fortalecido para garantir a manifestação das bênçãos narradas no ìtan. Caberá ao
awolòrìñà a definição sobre tais oferendas, e quais elementos do Òkè Ìpînrí em questão deverão recebê-las.

c) A finalidade dessa oferenda é abandonar uma situação de pobreza e conseguir um bom


casamento.

387
Ejìogbè 29

Numa determinada ocasião, Olomi Tútù (Senhora das águas frias, Îñun) resolveu consultar Ìfá, pois
desejava ter uma vida agradável. Assim que o babalawo consultou o jogo, viu que Îñun seria feliz em seus
intentos, mas para tal deveria fazer uma oferenda, purificar-se e ter fé inabalável na palavra de Òrìñà
(Òñàlá). Îñun fez a oferenda prescrita. Também lhe foi dito que deveria vestir-se totalmente de branco, e ir
prestar suas homenagens no sacrário de Òrìñà. Îñun seguiu fielmente as informações de Ìfá, e conseguiu a
vida agradável que tanto desejava. Òrìñà havia lhe prometido filhos e dinheiro, e cumpriu sua palavra
integralmente.

“Îñun disse, ‘O que posso fazer para ter uma vida agradável?”. Os motivos que levaram Îñun
a procurar Ìfá evidenciam que questões materiais estarão presentes quando esse Odù se manifestar. É
possível que o consulente não esteja feliz com os atuais rumos de sua vida material. De acordo com a
própria estrutura do ìtan, as chances de reversão da situação são consideráveis, desde que haja uma clara
compreensão das demais questões abordadas no ìtan.

"Disseram que ela deveria confiar no Òrìñà". Essa parece ser o ponto central a ser observado
nesse Odù. Fé nos desígnios de Òrìñà será vital para ultrapassar quaisquer dificuldades que possam surgir, e
essa mesma fé deverá estar alicerçada no conceito de que Òrìñà nada mais faz do que colocar em nossas
vidas aquilo que fazemos por merecer. Para que tal fé seja possível, é óbvio que o culto a Òrìñà é mais do
que necessário. Indiretamente essa passagem parece ser um indício de que essa pessoa deve priorizar, sob
Olódúmarè, o Òrìñà em sua vida. Certamente se houver a fé necessária, o consulente conseguirá realizar
todos os seus intentos.

388
“Îñun deveria ter um tecido branco, um chapéu branco e uma calça branca. Disseram, ‘ Olomi
Tútù, a senhora deve estar pura. Ela foi ao sacrário de Òrìñà”. Essa íntima relação com Òrìñà (Òñàlá)
confirma que esse caminho de Ogbè fala sobre iniciação (ou obrigação). É evidente que a vida dessa pessoa
só estará em ordem e harmonia se houver atividades devocionais a Òrìñà. Levando-se em consideração que
o termo “Òrìñà” quando usado para designar apenas um ser refere-se a Òñàlá, nada mais coerente que a
necessidade de pureza física, mental e emocional (simbolizada pela necessidade do uso do branco), antes
de qualquer contato mais íntimo com o demiurgo iorubano. Indiscutivelmente Òñàlá (assim como a fé
pessoal) é o fator de realização e bênçãos nesse Odù. Merece destaque a citação de roupas masculinas que
deveriam ser trajadas por Îñun. Os motivos para tal não estão expostos no ìtan, e se o awolòrìñà achar que é
justificável, deverá empreender esforços para entender a razão desse aparente paradoxo. O importante é
salientar a necessidade do uso do branco para ir à casa de Òñàlá prestar reverências, assim como o ìtan
determina.

"Baba é ligeiro na dança; é direto na luta. Antes de vencer a luta, ele cai ao chão". É muito
conhecido o fato de que em situações onde Òñàlá está presente, a solução definitiva pode demorar um
pouco. Isso pode representar um certo sofrimento, e nesse caso a fé já abordada estará em plena harmonia
com esse pormenor. Além disso, a presença de Òñàlá representa espiritualidade, e onde existe
espiritualidade quase sempre existirá algumas dificuldades que deverão ser transpassadas.

"Bênçãos é o que Òrìñà profetiza para essa pessoa. Ele fala de uma bênção de filhos e de
dinheiro". Seguindo as diretrizes desse Odù, a vida tende a ser realmente muito "agradável" para o
consulente. Nenhuma adversidade deverá macular sua fé, pois Òñàlá nunca mente.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö em si é bastante simples. O importante é ter em mente que sem a devida fé, assim como
uma maior afinidade com Òrìñà (que poderá se traduzir em iniciação), não será coerente esperar pelas
bênçãos prometidas no ìtan.

b) O ìtan ensina que após o ëbö, Îñun vestiu-se de branco e foi prestar reverências a Òñàlá.
Considerando-se o quanto esse Òrìñà é importante para a manifestação das bênçãos citadas no ìtan, o ideal
é que o consulente haja da mesma maneira. Se para prestar essas reverências serão necessárias novas
oferendas, caberá ao awolòrìñà definir, pois não há no ìtan referências textuais a esse respeito.

389
390
Ejìogbè 30

Existiu um certo babalawo cujo nome era Inrinrin (Andarilho). Ela era muito pobre, por que as
oferendas que ele prescrevia eram muito dispendiosas, e as pessoas não as faziam. Aconteceu que Oniwere
(rei de Iwere) estava com a vida toda atrapalhada. Ele perguntou a seus conselheiros quem poderia chamar
para consultar Ìfá para ele, e foi-lhe recomendado chamar Andarilho. Quando Andarilho chegou, o rei não
acreditou que aquele homem, todo vestido em andrajos, poderia organizar sua vida. De qualquer forma
Andarilho consultou para o rei, e a oferenda que ele prescreveu era muito cara: trezentos e vinte búzios,
dezesseis cabras, dezesseis galinhas e dezesseis pombos. Oniwere riu de Andarilho, e foi mais um a não
fazer a oferenda prescrita. Andarilho sentiu-se humilhado e partiu de Iwere. Em sua nova viagem ele foi a Îyï,
e o rei de lá requisitou seus serviços. Mais uma vez Andarilho prescreveu uma caríssima oferenda, quase
idêntica à que ele havia prescrito a Oniwere, apenas com dezesseis roupas ao invés das galinhas. Só que o
rei de Îyï resolveu fazer a oferenda, apesar dos altos custos. Como mandava a tradição, Andarilho passou a
ser o dono das roupas, e não mais se vestiu com farrapos. Com o pagamento da grande quantidade de
búzios, ele tornou-se abastado. O reino de Îyï cresceu e prosperou, a ponto de chamar a atenção de
Oniwere. Ele procurou descobrir quem havia consultado para Îyï, tornando possível tamanho crescimento e
prosperidade. Disseram-lhe que havia sido Andarilho, e mais uma vez Oniwere mandou chamá-lo, dessa vez
disposto a fazer o que fosse preciso, pois desejava que Iwere tivesse o mesmo destino de Îyï. Quando
Andarilho recebeu o recado de Oniwere, recusou-se a ir consultar Ìfá para ele. Alegou que só ajudaria quem
lhe tratasse bem. O reino de Îyï continuou crescendo e prosperando, até se tornar um vasto império. É por
isso que Îyï não tinha rivais naquela época.

"Andarilho era pobre. Quando lhe davam água, o faziam numa velha cabaça". A situação de
penúria de Andarilho evidencia um triste e perigoso aspecto desse caminho de Ogbè, a pobreza.
Certamente consideráveis dificuldades materiais estarão presentes quando esse Odù aparecer. Segundo a
própria estrutura do ìtan, tal quadro de adversidades poderá ser revertido depois de algum tempo, desde
que haja um claro entendimento sobre as questões abordadas nesse Odù.

“As pessoas não faziam os ëbö que ele prescrevia. Depois de um tempo, ele vestia-se com
farrapos”. É muito importante ressaltar que Andarilho poderia minimizar suas dificuldades, se passasse a
prescrever oferendas menos dispendiosas para seus consulentes. Mas em nenhum momento ele deixou que
suas dificuldades fossem mais valiosas que sua consciência, continuando a prescrever aquilo que ele
realmente acreditava ser o melhor para seus consulentes. Esse fato sugere que por maiores que sejam as
dificuldades, a honestidade (principalmente consigo mesmo) é o que deve prevalecer. A recusa de Oniwere
em fazer o ëbö prescrito pode ser interpretada como um erro de discernimento espiritual, e até de desdém
em relação às definições de Ìfá (e do Òrìñà). Invariavelmente tal conduta acarreta dor e sofrimento. É óbvio
que essa postura deverá ser evitada a todo custo.

391
“Oniwere disse, ‘Há! Há! Você quer que eu ofereça tudo isso?’ Oniwere não fez o ëbö”.
Além da pobreza e demais dificuldades inerentes a esse flagelo, também é possível que escárnios
aconteçam sob a influência desse Odù. Andarilho entristeceu-se, mas não agiu agressivamente perante sua
humilhação. Talvez essa seja a melhor maneira de agir se tal infortúnio estiver presente no dia a dia do
consulente.

"Opa! As roupas passaram a pertencer a Andarilho. Ele tornou-se abastado". Essa passagem só
reforça o que já foi dito, ou seja, que as dificuldades trazidas por esse caminho de Ogbè são passageiras. O
fato de Andarilho ser um babalawo pode ser uma alusão à possibilidade das dificuldades materiais só
terminarem através de ações de caráter espiritual. Mas levando-se em consideração que o babalawo é
considerado um profissional em terras iorubas, também existe a possibilidade da reversão da situação de
pobreza ocorrer graças a um profundo conhecimento técnico e profissional. Caberá ao awolòrìñà, em
comunhão com o Òkè Ìpînrí do consulente, definir se a melhor maneira de reverter a situação será através
de atividades litúrgicas ou profissionais. Mas o importante é que fiquem claras as reais chances de prosperar
quando esse Odù aparece, apesar das dificuldades inicias relatadas no ìtan.

“Oniwere precisou de Andarilho novamente. Ele disse que só consultaria para quem o tratasse
bem”. Essa obra tem a preocupação de não fomentar sentimentos ou atitudes contrárias ao que se pode
definir como “espiritual”. Portanto a postura de Andarilho não deve ser vista como vingança, birra ou
qualquer coisa desse tipo. Oniwere havia zombado dele, e Andarilho sentiu-se no direito de não passar por
aquilo novamente. Sentimentos de aversão embasados em rancor são completamente desaconselháveis
nesse ou em qualquer outro caso.

"Essa é a razão de Îyï não ter rivais". O Antigo Império Îyï foi o mais próspero e poderoso império
ioruba. De acordo com o ìtan, tal posição só foi alcançada devido ao fato de Îyï ter seguido textualmente as
diretrizes traçadas por Ìfá, por mais dispendiosas que as oferendas prescritas pudessem ser. Esse fato dá a
entender que o ëbö desse Odù (assim como tudo o que a consciência determinar) deve ser feito, para que a
pessoa possa prosperar, assim como Îyï prosperou.

Ëbö

Trezentos e vinte búzios


Dezesseis cabras
Dezesseis pombos
Dezesseis roupas

Comentários sobre o ëbö

a) Não há como negar que um ëbö dessa magnitude sairá mais caro que uma feitura. O bom
senso manda que esse ëbö seja reduzido para algo mais condizente com as atuais características do

392
Candomblé brasileiro, desde que Ìfá assim o confirme. Mas é importante ressaltar que todos os problemas
que aparecem no ìtan têm como raiz a não realização das oferendas prescritas por Ìfá. Ou seja, é pouco
provável que haja permissão de Ìfá para alterar a natureza dessa oferenda. Em relação a esse fato, é
importante salientar que não conhecemos as razões pelas quais nossos mentores espirituais determinam
algumas coisas. O que ocorreu no passado do consulente para que seu Òkè Ìpînrí mostrasse esse Odù é um
segredo, cuja origem pode estar em renascimentos passados, mas a recusa de Oniwere em fazer sua
oferenda pode nos dar uma vaga idéia a respeito. Especular sobre tal questão não parece ser apropriado.

b) Roupas em ëbö geralmente simbolizam a necessidade de assumir uma postura mais condizente
com as informações trazidas pelos Odù, como se a atual personalidade do consulente não fosse a ideal para
encarar as dificuldades inerentes a esse caminho de Ogbè. É possível que tais traços de personalidade sejam
semelhantes às que o ìtan mostra para Oniwere.

c) É conhecido o fato de que Ebö de Odù deve ser pago, sob o risco de não funcionar, pois em
muitos casos o dinheiro faz parte da magia. A grande quantidade de búzios evidencia que, especificamente
esse caso, não deve ser uma exceção à regra.

d) A finalidade dessa oferenda é gerar prosperidade, desenvolvimento e expansão, semelhante ao


que ocorreu com o antigo Império Îyï. Por uma questão de lógica, o ideal seria que parte dessa
prosperidade repercute diretamente na vida do awolòrìñà, como aconteceu com Andarilho.

Ejìogbè 31

Há muito tempo atrás, Atiba morava nas terras de Añipa (espécie de senhor feudal do antigo
império Îyï, representante dos governantes de terras distantes perante o rei). Mas Atiba não estava feliz com
sua posição de subalterno. Ele desejava ser também um senhor de posição na sociedade. Levado por esse
desejo, ele resolveu consultar Ìfá. Foi-lhe dito que deveria fazer uma oferenda, em cuja composição existia
um caramujo. Disseram para ele não sacrificar o caramujo, pois esse animal, ao se arrastar para longe,
levaria consigo a influência de Atiba, para que ele pudesse conquistar terras longínquas. Atiba seguiu a
orientação de Ìfá e fez a oferenda corretamente. Depois de um tempo, as pessoas que serviam a Añipa
passaram a servir Atiba. Se ele fizesse uma lavoura, as pessoas o ajudavam a plantar e a colher. Todos
passaram a roubar aquilo que pertencia a Añipa. As colheitas que antes lhe eram confiadas, as pessoas
passaram a deixar com Atiba. Gradativamente Atiba tornou-se o senhor da região onde vivia, superando
Añipa em prestígio e importância. Atiba dançava e regozijava, pois o que Ìfá havia mostrado tornou-se
verdadeiro.

393
"Atiba, o que ele deveria fazer para que pudesse tomar as terras de Añipa?" Desejos de ascensão
e conquistas estarão presentes quando aparecer esse caminho de Ogbè. Segundo a estrutura do ìtan, tais
desejos se converterão em realidade, se as demais informações trazidas por Ìfá forem devidamente
seguidas. Apesar disso, há de se considerar a hipótese desse Odù aparecer dando ênfase a seus aspectos
negativos. Nesse caso, o que deverá ser considerado é a hipótese da ganância alheia trazer perdas e dores
ao consulente. Caberá ao awolòrìñà definir quais são os aspectos desse Odù que devem ser considerados
para o consulente.

"Leve-me para o gramado, e eu tomarei o gramado de seu dono. As pessoas roubavam e


roubavam de Añipa”. As perdas sofridas por Añipa foram consideráveis. Ele perdeu seu prestígio, sua
influência, sua colheita e posteriormente seu dinheiro. Se o consulente se identificar com esse personagem,
é bom que saiba que estão de olho na posição que atualmente ele ocupa, e sem os devidos cuidados,
certamente seu destino será semelhante ao de Añipa, pois a possibilidade de roubos não deve ser
descartada. Por outro lado, se as pessoas passaram a confiar suas colheitas a Atiba (provavelmente para que
ele as negociasse), era por que Atiba havia conseguido a confiança e o respeito delas. Se de fato Ìfá
confirmar que o consulente se identifica com Añipa, serão necessárias mudanças radicais de
comportamento, para que o infortúnio de Añipa não se manifeste em sua vida.

"Onde quer que eu vá, eu serei um bom homem". Em nenhum momento do ìtan Atiba
demonstrou cobiça sobre os bens materiais de Añipa. Ele apenas não desejava passar o resto da vida numa
posição socialmente inferior, e ninguém deve ser execrado por isso. Isso significa que retidão de princípios
será importante para o sucesso nos assuntos abordados no ìtan. É óbvio que sem uma postura digna e
exemplar, explicitada pela passagem em destaque, dificilmente os benefícios narrados no ìtan se
manifestarão, até por que as pessoas não auxiliariam Atiba se ele não fosse um bom homem.

“Disseram, ‘Não sacrifique o ìgbín. Você deve colocá-lo sobre o ëbö, para que ele se arraste;
para que você consiga as terras que deseja’”. Foi o potencial de influenciar positivamente as pessoas
que tornou possível o sucesso de Atiba. Somando à passagem que fala sobre “bom homem”, tal fato
evidencia que impressionar positivamente as pessoas, principalmente através de retidão ética e
competência profissional, é o melhor meio para se atingir sucesso quando Ogbè aparece nesse caminho.
Também é possível que novos contatos possam ajudar o consulente a realizar seus intentos.

"Se Atiba fazia uma lavoura, ele colhia inhame e milho. Se ele quisesse, sua lavoura se
estenderia ao longe”. Invariavelmente citações sobre lavouras sugerem a idéia de que os elementos
citados no ìtan têm relação com a vida profissional do consulente. Se o mesmo se identificar com Atiba,
esse Odù representará a possibilidade de ascensão e alargamento dos horizontes profissionais, que
repercutirão diretamente na prosperidade pessoal. Mas se a identificação for com Añipa, pode-se esperar
exatamente o contrário.

"Atiba tornou-se poderoso, a ponto de superar Añipa. Era nele que as pessoas confiavam". Essa
é a confirmação de que as conquistas e o sucesso já citados, inerentes à realidade desse Odù, estão na
relação direta da confiança que for despertada nas pessoas em geral. O critério para o desenvolvimento de

394
tal confiança é a retidão de caráter e a competência profissional, como também já foi visto.
Independentemente de qualquer interpretação, esse caminho de Ogbè é um bom presságio no que diz
respeito a conquistas e prosperidade.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Dezesseis galinhas
Dezesseis pombos
Um ìgbín
Uma muda de roupa completa
Água fria.

Comentários sobre o ëbö

a) O ìtan diz que o ìgbín não deve ser imolado. Deve ser solto sobre o ëbö, para que se arraste ao
longe, expandindo a influência pessoal daquele que faz a oferenda. Essa idéia também aparece em algumas
oferendas a Îñý.

b) A presença de roupas evidencia a necessidade de maleabilidade de personalidade, para que


seja possível lograr aquilo que se almeja. Caberá ao próprio consulente descobrir quais são os elementos de
sua personalidade que, uma vez alterados, favorecerão a manifestação das bênçãos em questão.

c) Segundo alguns autores de renome e real conhecimento de Candomblé, a água fria torna
propícia a realizações dos intentos; pois de seu frescor nasce a vida. O uso de água nos rituais de Òrìñà é
imprescindível, pois sem ela nada se realiza. Em outras oferendas onde água fria está presente, há um certo
clima de hostilidade no ar, e esse elemento representaria o desejo para que tal hostilidade não se manifeste
de fato. Esse Odù aborda disputas, o que faz dessa possibilidade interpretativa algo bastante razoável.

d) A finalidade de tal oferenda é se tornar “senhor das terras onde vive”. Está relacionada à
ascensão social, sucesso profissional e posterior prosperidade.

395
Ejìogbè 32

Nos primórdios da criação quando os Ìrúnmîlû estavam vindo do îrun para o àiyé, eles
consultaram Ìfá, pois desejavam saber o que seria necessário fazer para que as pessoas os considerassem
como imortais. Eles foram avisados que deveriam fazer uma oferenda, para que ao chegar aqui fossem
considerados dignos de culto. Todos eles, sem exceção, fizeram a oferenda prescrita. Quando Egún aqui
chegou, adentrou à terra e tornou-se imortal. Orò fez a mesma coisa, assim como Ògún e todos os demais
Ìrúnmîlû. Eles se tornaram dignos de culto; tornaram-se deuses.

“Consultaram Ìfá para os Ìrúnmîlû, quando eles estavam vindo do îrun para o àiyé”. Sempre
que há um deslocamento de um plano de existência a outro, fica expressa a idéia do novo, de uma nova
fase, de novos desafios ou de novas características na existência pessoal. Se Ìfá confirmar tal possibilidade
para a realidade do consulente, é importante que fique claro que essa fase poderá ser considerada como
muito positiva, se houver a devida compreensão sobre as informações trazidas por Ogbè nesse caminho.

“Os Ìrúnmîlû juntaram e ofereceram o ëbö. Assim eles se tornariam imortais”. Especificamente
em casos como esse, o ato de oferecer o ëbö pode ser visto como uma espécie de preparação para a nova
fase que se aproxima. Sob esse ponto de vista, é aconselhável que de fato o consulente se prepare para as
realizações que ele mesmo espera, demonstrando assim a mesma previdência dos Ìrúnmîlû.

“Egún aqui chegou, adentrou à terra e tornou-se imortal. Orò, Ñîpînnà, e Ògún também. Eles
tornaram-se deuses, dignos de culto”. O sucesso dos Ìrúnmîlû evidencia que esse é um Odù de
realizações. Da mesma forma que eles foram bem sucedidos, o mesmo poderá ocorrer com o consulente,
desde que sejam observadas as informações trazidas por Ìfá. É interessante o fato de que a religião é o meio
usado pelo ìtan para falar sobre liderança e carisma. É possível que a religião esteja relacionada ao potencial
de realização do consulente, e que será através da religiosidade que o consulente poderá maximizar tal
potencial. Pela profundidade dessa possibilidade, seriam prudentes consultas nesse sentido antes de
externar qualquer opinião a respeito. A breve citação sobre o elemento “terra”, dentro do contexto em
que aparece nesse Odù, envolve segredos do culto que não convém serem aqui abordados.

"É dessa mesma forma que essa pessoa tornar-se-á alguém que reterá para si a atenção das
demais pessoas”. Toda a estrutura do ìtan e a passagem acima evidenciam o carisma e potencial de
liderança inerente a esse Odù. Se houver clara compreensão sobre os assuntos aqui abordados, o

396
consulente poderá se tornar alguém de considerável carisma e magnetismo pessoal, que tem tudo para se
destacar em qualquer ramo de atividade; e que poderá gozar de grande prestígio entre os seus.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Dois pombos

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, não carecendo de maiores comentários.

b) A finalidade de tal oferenda é conseguir sucesso, renome, liderança e carisma, dentro de


situações semelhantes às narradas no ìtan.

Ejìogbè 33

Baba Röjuforiti era um babalawo que tinha na pobreza a principal característica de sua vida.
Cansado dessa situação um dia ele resolveu consultar Ìfá, com o intento de saber o que poderia ser feito
para viver uma vida agradável. Um ëbö lhe foi aconselhado, e Baba Röjuforiti o fez da maneira adequada.
Depois disso, quando ele consultava Ìfá para alguém, determinava a oferenda a ser feita, e imediatamente a
pessoa a fazia. Sua fama de bom babalawo o precedeu, até que ele começou a consultar para os reis de sua
região. Ele determinou que o rei Alará fizesse uma oferenda, e o rei a fez prontamente, pagando por seus
serviços. O mesmo ocorreu com os reis Örögun Agà e Ajûrö. Qualquer coisa que Röjuforiti determinasse,
eles ofereciam. Dessa forma ele prosperou muito em sua vida, abandonando a condição de pobreza que
havia caracterizado sua existência até então.

"Consultaram Ìfá para Baba Röjuforiti, que era pobre". A pobreza do personagem é o primeiro
elemento desse Odù a ser considerado. Devido a tal fato, pode-se esperar por dificuldades matérias
consideráveis quando Ogbè aparece nesse caminho. Mas devido ao desenrolar do ìtan, tais dificuldades
poderão ser suplantadas, desde que haja a devida compreensão sobre os assuntos aqui abordados.

“Ele tomou dinheiro emprestado. Depois que pegou o dinheiro, ele pode fazer o ëbö”.
Também é possível que dívidas estejam presentes quando esse Odù se manifestar. Merece destaque a
atitude de Röjuforiti, que demonstrou total confiança no que Ìfá lhe mostrou. Sem tal confiança certamente
não contrairia uma dívida, simplesmente por que era muito pobre. Isso evidencia que o consulente deverá
empreender todo esforço possível para fazer a oferenda, e por extensão, executar todas as atividades
espirituais que tornarão possível a reversão do atual quadro de dificuldades materiais.

397
“O àñë de Èñù não se restringe a uma lavoura”. Além desse momento, não há nenhuma outra
citação de Èñù no ìtan. Mas essa passagem dá a entender que o àñë de Èñù é muito mais vasto e ativo do
que imaginamos. É muito provável que ele tenha auxiliado Röjuforiti, apesar de não haver evidências
explícitas disso. Seria prudente consultar sobre uma possível influência positiva de Èñù nesse Odù; e se Ìfá
assim o confirmar, tentar descobrir o que poderia ser feito para intensificar tal auxílio.

“Qualquer coisa que Röjuforiti determinasse, eles ofereciam”. Além de abrir seus caminhos no
que diz respeito a clientes, a oferenda parece ter favorecido a liderança e a capacidade de persuasão de
Röjuforiti. Graças a esse fato, esse caminho de Ogbè também pode ser considerado um bom presságio para
o desenvolvimento das virtudes acima citadas.

"Röjuforiti tornou-se abastado. Ìfá diz que uma bênção de riquezas é o que ele profetiza".
Apesar das dificuldades inerentes a esse Odù, as chances de alcançar uma vida próspera e equilibrada são
consideráveis. Merece destaque o fato de que foi através de seu trabalho que Röjuforiti mudou os rumos de
sua vida. Também é importante salientar que apenas os mais renomadum babalawo consultam para os reis.
Isso mostra que em relação à atividade profissional, o ideal é que o consulente procure exercer da melhor
maneira possível suas ocupações. Esse fato evidencia que a atividade e o esforço profissional serão vitais
para que surjam as oportunidades que poderão justificar a prosperidade abordada no ìtan.

“Röjuforiti dizia, ‘Eu serei próspero com certeza”. Por mais que as dificuldades possam
parecer intransponíveis, é imprescindível a manutenção de um espírito confiante e otimista. As vicissitudes
desse plano de existência não poderão desanimar aquele que visa vencer e prosperar quando esse Odù se
apresenta. A certeza na vitória é o primeiro passo para a reversão do quadro de dificuldades exposto no
ìtan.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Um pombo

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö é por demais simples, não carecendo de maiores explicações. A simplicidade de tal
oferenda pode ser um indício de que em si, o consulente já possua o potencial para a prosperidade,
carecendo somente de oportunidades, e principalmente de autoconfiança.

b) Como já foi visto, apesar de não haver nenhuma citação textual a esse respeito, há a
possibilidade de serem necessárias oferendas específicas a Èñù (além das que ele deve receber por

398
trabalhar como Ëlýbö) para concretizar os benefícios desse Odù. É óbvio que será necessária confirmação de
Ìfá antes de qualquer movimento nesse sentido.

c) A finalidade de tal oferenda é favorecer o surgimento de oportunidades, gerar autoconfiança e


reverter uma situação de pobreza, em situações semelhantes às narradas no ìtan.

399
Ejìogbè 34

Nos primórdios da criação Ajè, a divindade da riqueza, não tinha marido. Infeliz com essa situação,
ela resolveu consultar um babalawo. Foi-lhe dito que deveria fazer oferenda de dois obì a Orí. Ajè conseguiu
os dois obì, e quando estava dirigindo-se à casa de Orí, ela acabou cruzando o caminho dos demais
Ìrúnmîlû. Ajè passou por eles de cabeça baixa, sem fazer nenhum comentário. Ñàngó considerou ofensivo o
silêncio de Ajè, e em forma de protesto tomou dela os obì e enfiou-os em sua boca. Tristemente Ajè foi à
casa de Orí e narrou-lhe o acontecido. Orí foi ter com os Ìrúnmîlû, e lá chegando perguntou quem havia
pego os obì de Ajè. Ñàngó se apresentou, e ouviu de Orí que aquilo havia sido uma tolice. Enfurecido
Ñàngó partiu para cima de Orí, que o levantou e o arremessou para Koso. Òrìñà Oko, amigo de Ñàngó,
resolveu defender seu companheiro. Orí o levantou e o arremessou para Irawö. Os outros Ìrúnmîlû foram
brigar com Orí, e um a um ele os arremessou para diversas cidades. Arremessou Îrúnmìlà para Adó; Öya
para Ira; Ömölu para Egún; Èñù para Iworo; Öbalufon para Ûrìn, Egún para Öjý. Òrìñà Oko disse que a peleja
não havia terminado; que ao final de três anos eles se encontrariam novamente, e que então eles, os
Ìrúnmîlû, venceriam. Orí resolveu consultar o babalawo, que lhe recomendou ter muitas comidas e bebidas
para a ocasião do reencontro. Passaram-se os três anos, e de fato os Ìrúnmîlû voltaram. O primeiro a
conversar com Orí foi Îrúnmìlà, exigindo-lhe uma retratação. Orí argumentou que Îrúnmìlà estava se
tornando um tolo; logo ele, que vivia por sua sabedoria. Mas agora ele era cultuado e respeitado em Adó.
Orí explicou que graças ao que havia acontecido, todos os Ìrúnmîlû passaram a ser cultuados nas cidades
em que viviam. Os Ìrúnmîlû reconheceram que Orí havia sido bom para eles. Todos fizeram uma grande
festa de reconciliação. Comeram e beberam com as oferendas que Orí havia guardado. Eles reconheceram
que Orí é o melhor defensor que alguém pode ter. Foi assim que Orí superou todas as outras divindades. É
por isso que quando Orí come, sempre há comida para outro Òrìñà em sua mesa.

"Ajè não tinha marido. O que ela poderia fazer? Disseram que Ajè deveria pegar dois obì e ir até
Orí". Toda a estrutura do ìtan tem um caráter didático, filosófico e até teogônico, pois visa evidenciar a
supremacia de Orí em relação às outras divindades do panteão ioruba. No ìtan, Ajè procura Orí porque não
tinha marido. Esse fato apenas evidencia que Orí está relacionado a qualquer fator da vida humana, e que
sua influência é vital para que o indivíduo tenha sucesso em qualquer atividade que se empenhe no àiyé.
Apesar de não parecer ser a tônica desse Odù, os problemas sentimentais de Ajè deverão ser considerados.

"A mulher brigona tem seus filhos com dificuldade". No ìtan, os Òrìñà enfrentam Orí e são
vencidos por esse, passam por infortúnios ao serem arremessados em distantes localidades, mas graças a
esse fato começam a ser cultuados em cada uma dessas cidades. Esse fato evidencia que é Orí que direciona
o indivíduo para aquilo que ele realmente tem que fazer no àiyé. Orí é a raiz de toda a felicidade ou
infortúnio de qualquer um, e a passagem do ìtan relacionada, que é uma espécie de ditado popular
iorubano, é uma alusão de que se enervar ante as dificuldades da vida pode ser uma atitude desprovida de
sabedoria, que só torna a situação ainda pior.

400
“Então Lakiö (Ñàngó) começou a brigar com Orí, que o ergueu e o arremessou-o para Koso”.
Apesar de todas as possibilidades interpretativas no que diz respeito a Orí, não será prudente negligenciar a
possibilidade de brigas acontecerem sob a influência desse Odù. Especificamente nesse caso, tais brigas
seriam frutos de falta de sabedoria ou vaidade. Mas merece destaque o fato das brigas do ìtan serem
travadas contra Orí. Num outro mito bastante conhecido, Olódúmarè coloca num obì toda sua sabedoria, e
Orí é a única divindade que consegue partir esse obì e ter acesso à Sabedoria Divina. Sob esse prisma, Orí
representa toda a evolução possível à atual humanidade, o arquétipo perfeito. É uma realidade inerente a
todo ser vivente, sede de sua evolução e de seu destino pessoal. Alguns até afirmam que o Bára é na
verdade o Èñù pessoal de Orí no ser humano, não de uma personalidade que hoje existe e amanhã não mais
existirá. Considerando-se todos esses fatos, nada mais lógico que nenhuma divindade (muito menos um ser
humano) possa vencer Orí num combate. Isso significa que se a briga existente nesse Odù pode representar
para o consulente uma espécie de rebeldia em relação ao que diz sua consciência (a voz de Orí que o
homem pode ouvir), e se o homem assim proceder certamente será derrotado. Pois Orí é sua parte divina,
que existe desde sempre, e certamente não perderá para o “João” ou a “Maria”, entidades vazias,
“sombras” fantasmagóricas, destinadas à dissolução ao final de algumas décadas. Se o consulente estiver
insistindo em alguma atividade sem futuro, desprovida de razão e sabedoria, certamente ocorrerá a derrota.
Caso tal possibilidade se confirme, será preciso discernimento para replanejar atitudes que possam
conduzir a futuros benefícios.

“Orí disse, ‘Você, Îrúnmìlà. Você que era chamado ‘O pequeno que possui sabedoria’.
Você estava se tornando um tolo. Não estava agindo com sabedoria. Quando eu o joguei em Adó, o que
você possuía? Hoje você é cultuado naquela cidade’”. Todos sabem que Îrúnmìlà representa a
sabedoria; o conhecimento sobre as leis ocultas que favorecem a felicidade. No entanto, Orí diz que
Îrúnmìlà estava se tornando um tolo. Também é conhecido o fato de que é Orí que “recoloca” um
indivíduo em seu destino pessoal, se por algum motivo houve algum desvio. Îrúnmìlà tornar-se tolo
caracteriza um grande desvio de destino, o que analogicamente pode estar acontecendo com o consulente.
Se Ìfá confirmar essa possibilidade, é possível que as dificuldades presentes na vida do consulente sejam
geradas por seu próprio Orí, com o intuito de conscientizá-lo para a importância de rever seus caminhos.
Levando-se em consideração que a mudança que Orí proporcionou na vida dos Ìrúnmîlû estava relacionada
à religião, é muito possível que as mudanças mobilizadas por Orí em relação à vida do consulente também
tenham na religião os seus motivos. Filosoficamente falando, essa é uma importante informação que Ogbè
nos traz nesse caminho. Tentar abordar nesse curto espaço a complexidade de tudo que pode ser
compreendido como “Orí” seria uma ingrata missão. Se Òrìñà, sob Olódúmarè, assim permitir,
futuramente uma nova obra sobre o assunto será preparada.

"Òrìñà Okó, quem era você? Você é aquele que eles cultuam em Irawö hoje". Essa é a definitiva
evidência de que é Orí que traça os caminhos para que a pessoa tenha uma boa vida. Há a possibilidade do
consulente estar passando por situações desagradáveis, como passaram os Òrìñà do ìtan assim que foram
jogados em distantes cidades, mas seguindo a mesma analogia, o que agora parece infortúnio será a causa
de futuras felicidades e realizações consideravelmente benéficas.

401
"Ìfá diz que uma bênção é o que ele profetiza aqui". Esse caminho de Ogbè é um bom presságio,
pois explica como algumas divindades atingiram um patamar de notoriedade perante a humanidade. Pode-
se esperar por realizações e felicidade, principalmente se a pessoa se conscientizar que os caminhos
traçados por Orí podem inicialmente não parecer os melhores, mas no futuro ficará explícito o porquê da
atual situação.

"Orí é o melhor defensor". É conhecido o fato de que é Orí o principal fator de prosperidade e
sucesso de qualquer pessoa. Essa passagem apenas reforça a idéia de que será fortalecendo o àñë de Orí
que o consulente conseguirá atrair as bênçãos citadas no ìtan. Na verdade essa passagem é parte de uma
cantiga, muito comum no Brasil, o que é mais uma evidência de que as informações de Salàkï são
perfeitamente compatíveis com a realidade do Candomblé por nós praticado:

Orí mö jajuwön Orí mö já Orí é o melhor defensor (mö, sabe/já, brigar)


Ëni Orí da ko la fará we o O Orí de alguém é bom, não tem igual
Orí mö jajuwön Orí é o melhor defensor

Ëbö

Comidas e bebidas de todos os tipos


Oferendas a Orí

Comentários sobre o ëbö

a) As comidas necessárias para esse ëbö foram as que Orí ofereceu aos Ìrúnmîlû no momento da
concórdia. Fica explicado o motivo pelo qual há oferendas de outros Òrìñà na “Mesa de böri”; ao mesmo
tempo em que cai por terra o argumento de alguns (principalmente dos movimentos africanistas dentro do
Candomblé) que não há sentido a realização de oferendas a Òrìñà durante os rituais de Orí. Levando-se em
consideração que são os Ìrúnmîlû que “carregam” as pessoas pelos caminhos definidos por Orí, nada
mais coerente que haja perfeita concórdia entre esses elementos tão importantes de Òkè Ìpînrí.

b) No ìtan aparece: “Essa pessoa deve fazer oferendas a seu Orí. É isso o que diz Òrìñà”.
Também parecem bastante razoáveis os motivos pelo qual tais oferendas são necessárias. Como já foi visto,
há a possibilidade do consulente estar, por algum motivo, saindo dos caminhos traçados por Orí ainda no
îrun. Tais oferendas hão de resolver essa questão. Além do mais, quer sejam riquezas, saúde ou mesmo a
resolução de questões sentimentais (lembrando a presença de Ajè nesse mito), é Orí quem traz isso para os
ser humano. Obviamente será preciso definir a natureza das oferendas em questão.

402
c) As finalidades dessas oferendas são amplas, assim como são amplas as atividades de Orí na vida
de uma pessoa. Dependerá principalmente das questões levadas pelo consulente a Ìfá.

Ejìogbè 35

403
Antes que os seres humanos começassem a habitar o àiyé, Orí escolheu seu próprio destino. Ele
procurou um babalawo, para saber o que poderia ser feito para que as coisas fossem boas para ele. O
babalawo aconselhou a Orí fazer uma oferenda, que continha entre outras coisas àkàrà preparados com
Ëgusi (sementes de melão). Essa iguaria deveria ser oferecida a Òñàlá, que naquela época era o senhor de
todos os destinos. Orí fez a oferenda prescrita, e depois procurou por Baba para lhe oferecer os àkàrà. Baba
havia ido para Iranje, ver como estava uma de suas lavouras. Orí apressou-se e ainda conseguiu encontrar
Baba na estrada. Humildemente ele ofereceu os àkàrà, e devido à fome da viagem, Baba os enfiou
afoitamente na boca. De repente Èñù apareceu, perguntando a Orí o motivo de sua presença ali. Orí
explicou que para sua vida ser próspera e equilibrada, precisava de todos os destinos, que eram guardados
por Òñàlá. Então Orí pegou todos os destinos, e depois disso foi embora. Èñù trouxe água para Òñàlá, que
quase havia engasgado em sua fome. Ao se recompor Baba perguntou pelos destinos, e Èñù respondeu-lhe
que Orí os havia levado. Òñàlá mandou Èñù buscar Orí, mas Èñù disse que não era certo, pois Orí havia feito
sua oferenda, e Baba havia aceitado, sacramentando então a realização dos pedidos de Orí. Baba percebeu
que não podia voltar atrás em sua postura, e dessa forma Orí tornou-se senhor de todos os destinos; até
nossos dias.

"O que Orí deveria fazer para que as coisas fossem boas para ele". Os motivos que levaram Orí a
consultar Ìfá evidenciam que questões materiais estarão presentes quando esse Odù se manifestar. O
sucesso de Orí em realizar seus intentos evidencia o aspecto de realização desse caminho de Ogbè.

"Orí estava indo escolher seu destino". Orí representa (entre outras coisas) o destino individual. O
fato de no ìtan ele estar em busca do seu destino pode ser uma alusão à possibilidade da pessoa em
questão ainda não ter encontrado o seu. A partir do momento em que consultou Ìfá, Orí sabia exatamente o
que fazer por sua felicidade. Essa mesma determinação que Orí demonstrou será importante para que o
destino do consulente seja tão bom e próspero como o de Orí. É muito provável que essa seja uma fase
importantíssima na vida do consulente, cujas decisões repercutirão em todo seu futuro, pois o que Orí
conseguiu (os destinos de todos os seres) nem Òñàlá pode lhe tirar.

"Òñàlá encheu sua boca com os àkàrà". Foi a gula de Òñàlá que não lhe permitiu perceber a
complexidade da situação; que o levou a perder a supremacia sobre os destinos. É provável que o gozo
inconseqüente dos sentidos possa ser desastroso quando aparece esse caminho de Ogbè. A fome foi a
causa da perda sofrida por Òñàlá, o descontrole dos sentidos pode levar o consulente a perder seu próprio
destino, e nada é mais importante do que isso.

"Orí escolheu todos os destinos". O fato de Orí ter conseguido não só o seu, mas todos os demais
destinos, é uma evidência da real possibilidade de sucesso, realizações e plenitude desse Odù. Também
pode ser uma alusão ao potencial (ou necessidade) de influência sobre outras pessoas. É bom ter em mente
que é Orí que possibilita a qualquer pessoa atingir seus objetivos, garantindo assim a felicidade pessoal.
Tudo aquilo que Orí abençoa, ele sanciona. É importante salientar a ousadia de Orí, que não se deixou
intimidar pela presença do Grande Òrìñà. Provavelmente essa postura destemida e decidida, embora
humilde, será importante para que as realizações já citadas possam de fato se manifestar.

404
"Èñù disse, ‘Ele não trouxe os àkàrà em troca dos destinos?’" Foi Èñù que praticamente
decretou que seria lícito que Orí ficasse com os destinos, uma vez que havia realizado oferendas com esse
propósito. É provável que Èñù tenha uma considerável participação para que o consulente realmente
consiga que "as coisas sejam boas para ele". Caberá ao awolòrìñà definir a intensidade da influência de Èñù
em toda a problemática, e se Ìfá confirmar tal influência, tentar intensificá-la de maneira positiva.

“Orí disse, ‘Vocês me verão numa abundância de bênçãos’. Isso é quando Òrìñà fala de uma
bênção de dinheiro”. A prosperidade é sem dúvida o principal elemento que poderá tornar “a vida
agradável” sob a influência desse Odù. Segundo o próprio desenrolar da trama, tal prosperidade estará
presente se houver clara compreensão sobre os assuntos abordados no ìtan.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma galinha
Um pombo
Oito àkàrà (preparados com sementes de melão)

Comentários sobre o ëbö

a) Sementes de melão são uma oferenda comum a Òñàlá e aos ancestrais. A influência de Òñàlá
na questão é obvia, cabendo então ao awolòrìñà descobrir se há alguma influência ancestral em toda a
problemática.

b) Levando em consideração que os àkàrà foram oferecidos por Orí a Òñàlá, o normal é que os
mesmos sejam preparados “nos caminhos de Òñàlá”. Segundo o ìtan, essa parte da oferenda deve ser
feita diretamente a Òñàlá.

c) A finalidade dessa oferenda é conseguir uma vida agradável e prosperidade, provavelmente


despertando a consciência para as particularidades do próprio destino e desenvolvendo influência sobre o
destino de outras pessoas.

405
Ejìogbè 36

Existiu um homem chamado Lafiadun. Ele estava prestes a fazer uma viagem, e não tinha ninguém
para ajudá-lo. Então ele foi à casa de um amigo, com o intento de pedir-lhe uma esposa emprestada, pois
essa prática era comum naquela época. O babalawo aconselhou a Lafiadun fazer uma oferenda, para que o
desejo de não devolver a esposa do amigo não o dominasse. Lafiadun partiu com a esposa do amigo, mas
não fez o ëbö. Passaram-se vários anos, e nada da esposa do amigo retornar. As pessoas começaram a
zombar do amigo de Lafiadun, perguntado onde estava a esposa que ele havia emprestado. Ele nada dizia.
Depois de dezesseis anos, Lafiadun até quis fazer a oferenda prescrita, mas não a fez. A esposa do amigo
nunca retornou. É por isso que não se deve emprestar a esposa.

"Lafiadun levou a esposa do amigo para fora da cidade". De acordo com a narrativa de Salàkï,
não se pode à primeira vista considerar a hipótese de adultério, pois ao que parece, emprestar uma das
esposas parecia ser um antigo costume ioruba. Seria mais o caso de empréstimos em geral, quer seja de
objetos, dinheiro, etc. Dessa forma, ao invés de infidelidade seria mais correto considerar a hipótese de
ingenuidade. Mas levando-se em consideração que no Brasil tal hábito não existe, não se deve
desconsiderar a hipótese, mesmo que remota, de infidelidade.

"Disseram que Lafiadun deveria fazer um ëbö, para que a esposa de seu amigo retornasse". A
finalidade da oferenda era não permitir que o desejo de se apoderar de algo alheio vencesse. Lafiadun não

406
fez a oferenda, dando aos seus defeitos a oportunidade de vencê-lo. É muito provável que o consulente se
veja num dilema de consciência, sofrendo com a pressão de tentações, quase pendendo para o lado do
erro. Nesse caso seria melhor rever suas opiniões, para que não atraísse para sua vida negatividades
desnecessárias.

"Lafiadun pegou a mulher do amigo e foi embora". Definitivamente, quando aparecer esse Odù
não será o melhor momento para confiar em "amigos". Empréstimos em geral podem se transformar em
perdas. Merece destaque a perda sofrida pelo amigo de Lafiadun. Certamente se houver ingenuidade em
questões semelhantes às narradas no ìtan, a perda estará presente. Levando-se em consideração que para
um ioruba uma esposa é um bem valioso, pois através de esposas se consegue filhos; através de filhos se
consegue braços para o trabalho, e através do trabalho se consegue dinheiro, chega-se a conclusão que a
perda em questão é considerável, e não apenas de âmbito emocional; embora sofrimentos sentimentais
não devam ser desconsiderados quando esse Odù aparece.

"Se o dono não aceita o prejuízo, a briga não termina". É possível que devido à situação tensa
narrada no ìtan, possam ocorrer até brigas e desentendimentos. A passagem acima dá a idéia sobre a
necessidade de saber perder, pois a esposa do amigo de Lafiadun não voltou, e sem a consciência da perda
inevitável, grande inquietação poderia caracterizar a situação. Se infelizmente o quadro de perdas
(sentimentais ou não) se estabelecer, o conformar-se talvez seja a melhor solução.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar de ter sido recomendado um ëbö a Lafiadun, tal oferenda não está prescrita no ìtan.
Devido a ausência de um ëbö, serão necessários cuidados ainda mais intensos no que diz respeito à
negatividade desse caminho de Ogbè, pois é provável que tal negatividade já esteja presente.
Ejìogbè 37

Onreku era um lavrador que numa determinada ocasião resolveu consultar Ìfá e ouviu que deveria
fazer uma oferenda, pois uma doença não muito grave estava chegando para ele. Ele deveria oferecer
búzios, uma enxada quebrada, um tecido tingido e um pombo. Mas ao invés de oferecer esse ëbö, Onreku
só ofereceu um ëmï. Depois disso, ele começou a ter dificuldade para ficar em pé (ficou doente). Houve um
dia em que tentou subir num monte de inhame, e exatamente nesse momento Èñù chamou os outros
lavadores, que incitados por Elégbàrà pegaram a enxada que Onreku deveria ter oferecido em seu ëbö, e
com ela o empurraram para dentro de um sulco no chão. Naquela situação lastimável, Àrun (a doença)

407
chegou para ele. Onreku não pode se levantar, até que chegasse a época das chuvas. Onreku não morreu,
mas Àrun nunca permitiu que ele fosse feliz.

"Ìfá diz que essa pessoa deveria oferecer um ëbö contra uma pequena doença. Onreku não
morreu, mas Àrun não permitiu sua felicidade". A possibilidade de adoecer é a principal mensagem desse
caminho de Ogbè. De acordo com as informações do ìtan, não se trata de uma doença fatal, mas ela pode
se prolongar ou deixar seqüelas que tornarão infeliz a vida do consulente. Segundo o ponto de vista de
muitas pessoas, é preferível a morte do que uma vida assim. Tal fato torna a necessidade de fazer o ëbö
simplesmente emergencial.

“Ele não ofereceu a enxada. Um ëmï foi o que ele ofereceu”. Não fazer as oferendas prescritas,
ou fazê-las de maneira incorreta é uma evidência de desequilíbrio espiritual. Há certamente uma carência
de sabedoria que pode levar o consulente a tomar atitudes erradas, que o influenciarão negativamente pelo
resto de seus dias. Fazer a oferenda corretamente (e por extensão cumprir as responsabilidades espirituais)
é algo imprescindível quando Ogbè aparece nesse caminho.

"Os lavradores jogaram Onreku dentro de um sulco". No ìtan, Onreku tem problemas com os
lavradores. Esse fato talvez seja uma alusão de que os problemas inerentes a esse Odù têm alguma relação
com a vida profissional do consulente, ou de que as doenças poderão afetar o aspecto profissional de sua
vida. Independente da possibilidade que Ìfá mostrar, o fato é de que profissionalmente haverá prejuízos se
os devidos cuidados não forem tomados.

"Èñù chamou os lavradores". Foi Èñù que, ao chamar os lavradores, decretou o aumento do
sofrimento de Onreku, pelo fato do mesmo ter negligenciado o ëbö. Levando-se em consideração que Èñù
só aje assim com aqueles que negligenciam suas responsabilidades espirituais, é provável que os problemas
de saúde em questão sejam conseqüências de erros espirituais. Caso tal possibilidade se confirme, caberá
ao awolòrìñà definir os caminhos que levarão o consulente ao melhor equilíbrio espiritual que, juntamente
com o ëbö, poderá restabelecer sua saúde e posterior felicidade.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Um pombo
Um tecido levemente tingido
Uma enxada quebrada.

Comentários sobre o ëbö

a) Oferendas de tecidos quase sempre estão relacionadas aos ancestrais ou a filhos. Caberá ao
awolòrìñà descobrir se há alguma dessas influências na problemática desse Odù.

408
b) Enxadas quebradas aparecem como oferendas em outros caminhos de Odù. São uma evidência
de que a doença acarretará prejuízos no âmbito profissional.

c) No ìtan, Onreku oferece apenas um ëmï. Isso pode significar que no processo de cura ou
resgate espiritual, a pessoa deverá seguir aquilo que lhe for indicado, e não traçar os caminhos para o
reequilíbrio de acordo com sua própria opinião. Graças a esse fato, ouvir os mais velhos (e provavelmente
procurar um médico) pode ser muito importante para o bem do consulente.

d) A presença de roedores reafirma a possibilidade de sérios problemas ocorrerem, uma vez que
tais animais são usados em situações de considerável negatividade. Considerando-se o fato de que Onreku
ofereceu o ëmï por conta própria, sem que o babalawo tivessem determinado, é possível que o consulente
tenha sua própria idéia sobre o que fazer para melhorar, e agindo assim poderá atrair negatividades ainda
maiores para sua vida. Será prudente considerar a hipótese de hipocondria. A razão para isso está no fato
de roedores geralmente simbolizarem negatividades consideráveis, embora reversíveis. É como se ao
receber a notícia de sua doença, Onreku se automedica, dando à sua doença um tratamento exacerbado,
que só acarretou sofrimentos, negligenciando o fato de que segundo o babalawo, tratava-se de uma
doença passageira. A finalidade desse ëbö é impedir que uma doença se instale na vida de alguém. E se a
mesma já estiver instalada, que ela seja passageira e não deixe seqüelas físicas ou profissionais.

409
Ejìogbè 38

Antes de o mundo ser como é, a Serpente possuía uma linda roupa colorida, que graciosamente
envolvia seu corpo. Ela adorava sua roupa e não se desfazia dela por nada. Numa determinada ocasião ela
resolveu consultar Ìfá, e para atingir seus objetivos lhe foi aconselhado oferecer sua roupa como ëbö.
Serpente achou aquilo um absurdo. Se esse era o preço para realizar seus objetivos, ela preferia não pagar.
O objetivo de Serpente era poder se levantar na vida. Mas ao não oferecer sua roupa, ela sentenciou a si
mesma a continuar se arrastando pelo tórax por toda a eternidade. Para contribuir ainda mais para sua
tristeza, sempre que chegava uma determinada época do ano, Serpente era obrigada a abandonar sua
roupa. É por isso que as serpentes se arrastam pelo chão e trocam de pele todos os anos.

"Serpente não ofereceu o tecido. Se ela oferecesse seu tecido, ela se levantaria". Geralmente a
negligência em relação a uma oferenda já prescrita pode ser interpretada como um considerável erro de
discernimento espiritual, como se a pessoa estivesse valorizando por demais aquilo que intrinsecamente
possuiu pouco valor, ao mesmo tempo em que negligencia o que realmente é importante. Se tal
possibilidade for um fato, ficará caracterizado o desequilíbrio de cabeça (espiritual) do consulente, cabendo
então ao awolòrìñà definir quais caminhos poderiam levar ao reequilíbrio, visto que uma cabeça
desequilibrada ou enfraquecida certamente atrai negatividades para o caminho de qualquer um. Se
Serpente tivesse agido sabiamente, poderia evitar um futuro de consideráveis sofrimentos. É possível que
somente através da renúncia o consulente poderá “se erguer”, que no caso de Serpente significaria levar
uma vida mais confortável e menos sofrida. O fato de tecidos geralmente representarem filhos ou
antepassados, abre a hipótese de um desses elementos da vida do consulente ter alguma relação com a
questão. Especificamente no caso de Serpente, tal tecido também era sua roupa. Roupas simbolizam
elementos da personalidade, e foi exatamente ao não abrir mão de seu jeito de ser, que Serpente se
colocou em situação tão sofrida. Segundo tal analogia, se o consulente não identificar os elementos de sua

410
personalidade que precisam ser oferecidos em ëbö (abandonados ou alterados), certamente atrairá para si
um futuro tão triste quanto o de Serpente.

"Era seu peito que ela arrastava pelo chão". O fato de Serpente ter que rastejar aparece no ìtan
como um grande sofrimento, imposto por ela mesma ao se negar fazer a oferenda prescrita. Esse fato abre
a possibilidade dos sofrimentos vividos pelo consulente serem resultados de suas ações atuais ou pretéritas.
Também pode-se considerar a possibilidade do mesmo estar por demais apegado a valores totalmente
desprovidos de lógica espiritual. Se essa possibilidade for confirmada por Ìfá, certamente existirão
consideráveis sofrimentos futuros. É preciso salientar que esse mesmo animal aparece em outros caminhos
de Odù, também agindo erroneamente e sendo consideravelmente punida por isso. Toda a estrutura do
ìtan dá a entender que erros de discernimento estão presentes. Se tais erros forem cometidos, será muito
triste o futuro do consulente. Sob outro ponto de vista, serpentes geralmente representam Sabedoria. Não
o conhecimento mundano; mas Sabedoria Divina, algo que é Una com a própria Deidade. Esse argumento é
confirmado por diversos mitos de outras culturas, e entre os iorubas, pelo fato de Òñùmàrè ser o próprio
Oluô de Olódúmarè. Esse fato sugere que essencialmente o consulente possuiu entendimento sobre o que
ocorre em sua vida, o que talvez torne menos difícil a atitude de desapego, tão necessária quando Ogbè
aparece nesse caminho.

"Aquele que é enterrado nas cercanias da floresta, deve vagar por lá mesmo". Apesar de muito
vago, pode-se considerar os termos "floresta e enterrado" como leves alusões a uma provável influência
ancestral (o tecido do ëbö também pode apontar para isso). Caberá ao awolòrìñà definir se tal possibilidade
é uma realidade ou não; e no caso de resposta afirmativa, definir até que ponto a ancestralidade está
relacionada à necessidade de desapego que é aludida no ìtan.

"Serpente não era capaz de levantar-se". Caso a pessoa já esteja sofrendo as conseqüências de
seus atos pretéritos ou de seus erros de avaliação, caberá ao awolòrìñà definir quais seriam as maneiras de
pelo menos aliviar os sofrimentos, pois o ëbö para Ogbè nesse caminho é de natureza apenas simbólica. A
situação de Serpente abre a possibilidade de consideráveis infortúnios, quer sejam físicos, materiais,
psicológicos ou espirituais.

Ëbö

Um tecido colorido

Comentários sobre o ëbö

a) Como já foi dito acima, esse ëbö tem um caráter quase que totalmente simbólico, pois
representaria desapego e o fato do consulente estar disposto a agir diferentemente do personagem do ìtan.
Mas em oferendas onde há tecidos, deve-se considerar a hipótese dos ancestrais ou os descendentes
estarem envolvidos na questão. Isso é algo a ser consultado.

411
b) As razões para esse ëbö exprimem a idéia de “Erguer-se”. Todo o elemento simbólico que Ìfá
definir que se encaixe em tal termo poderá ser considerado como uma finalidade dessa oferenda.

Ejìogbè 39

412
Antes que a formação do àiyé estivesse concluída, Granizo resolveu consultar Ìfá, pois desejava
que as coisas dessem certo para ele nesse mundo. O babalawo disse que ele atingiria seus objetivos se
fizesse uma oferenda, em cujo conteúdo existia água fria. Granizo fez a oferenda prescrita e depois disso
veio para o àiyé. Devido à forma viril, robusta e até violenta em que se apresentava nos períodos de
tempestade, Granizo foi coroado o senhor de todas as formas de água, e dessa forma conseguiu a vida
agradável que tanto desejava.

"Deitar numa esteira é sinal de riquezas. Sandálias são sinal de prestígio. Se alguém é pomposo,
será feito o rei". A principal mensagem trazida por Ogbè nesse caminho é o desejo de ter uma vida melhor,
e o sucesso em realizar tal desejo. Certamente esse é um Odù de realizações, mas merece destaque uma
análise mais profunda sobre o elemento “granizo”. Esse fenômeno da natureza é caracterizado pela
violência impressionante com o qual se apresenta. Isso gera a idéia de que o sucesso nesse Odù talvez
esteja relacionado à intima natureza do granizo. Ou seja, as realizações podem ser fruto de atitudes e
posturas ousadas, viris, que deixem claro o poder pessoal e o potencial de vitória e liderança. Isso é agir
“pomposamente”, como diz o ìtan, o que certamente acarretará a “coroação”, que é a realização
benéfica e plena dos principais anseios para essa vida.

“Depois que fez o ëbö, Granizo veio para o àiyé”. Vários são os mitos que ocorrem num tempo
pré-histórico. Esses fatos são evidenciados quando as oferendas prescritas são realizadas antes do
personagem vir do îrun para o àiyé. Esse fato sugere a necessidade de prévia preparação, de previdência e
planejamento, antes de ocorrerem esforços direcionados no sentido da realização. Ou seja,
independentemente das conquistas almejadas pelo consulente, será necessário planejamento,
caracterizado pela consulta de Granizo a Ìfá antes de vir para o àiyé. Levando-se em consideração que esse
sistema oracular esta indissoluvelmente associado a uma religião milenar, é possível que tal planejamento
necessite de respaldo espiritual.

"Você não sabe que um babalawo terá dinheiro em qualquer lugar?" Além do prestígio já citado,
a prosperidade também está presente nesse caminho de Odù. Definitivamente a aparição de Ogbè nesse
caminho é um sinal de prosperidade, realizações, carisma e capacidade de liderança. Interessante notar que
todas essas virtudes, em tese, deveriam estar presentes na personalidade de um rei, assim como Granizo o
é. Esse fato evidencia que ou tais virtudes fazem parte da personalidade do consulente, ou deveriam fazer,
se o mesmo pretende ter a “vida agradável” que esse Odù favorece.

"A vida estava agradável para Granizo. Ele tornou-se o rei das águas". Na simbologia oculta,
"águas" é o nome metafórico dado à matéria ainda não diferenciada, mas que está em vias de receber
formas específicas. Todo o potencial para riqueza é intrínseco à idéia de matéria, daí o fato das mais ricas
divindades iorubanas estarem relacionadas a esse elemento (Olókun, Ajè Ñalúgà, Îñun, etc.). Todos esse
fatores reforçam a idéia de que o consulente tende a conseguir prosperidade material e renome, se seguir
corretamente as informações trazidas por Ìfá. Infelizmente é preciso salientar que não há no ìtan nenhuma
passagem que possa indicar algum nível de espiritualidade a se destacar, não havendo sequer a conhecida

413
passagem "Òrìñà fala sobre uma bênção...”. Isso não significa necessariamente que haverá materialismo ou
profanidade quando aparecer esse Odù, mas seriam prudentes cuidados para que a prosperidade e a
liderança abordadas no ìtan não gerassem atitudes de soberba e violência, desprovidas de humildade, e
que por si só poderiam afastar o consulente dos caminhos realmente espirituais, amplamente benéficos a
todos os seres sensíveis.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Quatro galinhas
Quatro pombos
Água fria

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de água em alguns ritos acalma a terra, permitindo que essa manifeste todo seu
potencial de fertilidade. Além disso, granizo sempre é acompanhado por chuva, a água que cai do céu e que
torna possível a vida nesse mundo. Sob esse prisma, oferendas de água evocam toda a positividade
abordada no ìtan, tornado propício sua manifestação.

b) A finalidade dessa oferenda é favorecer liderança e prosperidade, inerentes a esse caminho de


Odù.

414
Ejìogbè 40

Antes de vir do îrun para o àiyé, Àtë (espécie de peneira de palha, que é usada nas feiras para
expor mercadorias, e também nos processos divinatórios com búzios) resolveu consultar Ìfá. Desejava saber
o que poderia ser feito para que sua vida fosse boa no àiyé. O babalawo determinou que ele fizesse uma
oferenda. Entre os elementos da oferenda estavam os ìlûkû (miçangas, contas valiosas) de Àtë. Mesmo
assim ele fez a oferenda prescrita, confiante de que teria êxito em seus intentos. Assim que chegou ao àiyé,
as pessoas que trabalhavam nas feiras, os vendedores de sal, de feijão e até de ìlûkû, perceberam que Àtë
era o objeto perfeito para suas atividades comerciais. Todos começaram a procurá-lo, e sobre ele
depositaram seus alimentos e riquezas, realizando dessa forma os desejos de Àtë.

"Àtë estava indo ser um utensílio no àiyé". Àtë é o nome dado a um tipo de peneira de palha,
usada para expor os produtos em uma feira, semelhante às nossas barracas. Foi graças ao fato de ser útil e
necessário aos vendedores, que Àtë foi muito requisitado e conseguiu atingir prosperidade. Esse fato dá a

415
entender que a disponibilidade, a obsequiosidade e a iniciativa em servir (principalmente
profissionalmente) favorecerão em muito para que as bênçãos profetizadas por Òrìñà possam manifestar-
se. Também há a idéia de que o trabalho é imprescindível para a manifestação das bênçãos citadas.

“O que àtë deveria fazer para que sua vida fosse boa?”. Um importante elemento desse Odù
que precisa ser considerado é o fato de que àtë também é utilizado em processos divinatórios. Seria
prudente considerar a hipótese da prosperidade em questão estar relacionada à liturgia da religião Nagô;
ou seja, de ser através da divinação (no àtë) que o consulente atrairá bênçãos para sua vida. É óbvio que
será o próprio Òkè Ìpînrí do mesmo que definirá qual dos dois caminhos (litúrgicos ou não) lhe será mais
viável. Em relação a esse último detalhe, é importante que fique claro que ainda hoje em terras iorubanas,
Em Cuba e até aqui no Brasil, o babalawo, quer seja devoto de Ìfá ou não, é visto como profissional. Desde a
antiguidade as pessoas requerem seus serviços, como hoje consultamos um médico ou advogado. Levam-
se anos até memorizar os ìtan e saber interpretá-los de maneira adequada. Devido a tudo isso, não é errado
que se cobre para exercer as divinações (os búzios das oferendas representam exatamente o pagamento
pelo trabalho do babalawo), mas é espiritualmente execrável que alguém se recuse a prestar auxílio
espiritual, inclusive através de Ìfá, a irmãos que não podem pagar suas consultas. São vários os mitos que
mostram casos assim, mas o consulente sempre pode achar formas alternativas de pagar sua dívida, quer
seja prestando serviços pessoais ao sacerdote, lhe dando presentes como roupas, tecidos, etc. O importante
é que o consulente saiba reconhecer o valor daquele que procurará lhe auxiliar, e que o sacerdote não
abuse da boa fé do consulente, através de preços exorbitantes e espiritualmente descabidos.

"Todos que estavam vendendo procuravam por Àtë". Independente do caminho de


prosperidade que o Òkè Ìpînrí do consulente mostrar, essa é a passagem que mostra que o consulente
tende a ter seus serviços constantemente requisitados. Mediante tal possibilidade, seria prudente e lógico
que a pessoa se preparasse para ser um bom profissional (ou sacerdote), pois ao menos em teoria não lhe
faltará trabalho e posterior prosperidade.

"Ìfá diz que nos tornaremos reis quando aparece esse Odù. Essa pessoa se tornará aquela que é
servida pelos demais". Sempre que o assunto “realeza” é abordado num Odù, pode-se considerar tal fato
como um presságio de grandes conquistas materiais. Mas também é necessário ter em mente que a idéia
de “rei”, além de prosperidade envolve liderança, sabedoria, responsabilidade e justiça. De acordo com
essa passagem do ìtan, a possibilidade de se atingir tudo isso é enorme quando aparece esse caminho de
Ogbè, pois definitivamente esse é um Odù de ótimos presságios. Mesmo que inicialmente a melhor atitude
seja servir, essa passagem evidencia que essa pessoa tem todo o potencial para ser um líder, alguém a ser
admirado, principalmente em assuntos onde o dinheiro (ou a atividade litúrgica remunerada) estiver
presente.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas

416
Ìlûkû variados

Comentários sobre o ëbö

a) No ìtan é dito que todos os ìlûkû que àtë possuía, ele ofereceu em ëbö. Graças a esse fato a
idéia de renúncia deve ser considerada nesse Odù, pois ìlûkû representam prosperidade. Ou seja, Àtë teve
que abrir mão de suas riquezas (materiais ou não) em nome de um “uma vida agradável”. Mais à frente
ele reouve seus ìlûkû, juntamente com carisma e abundância. Todos esses argumentos exprimem a idéia de
que a prosperidade material é um dos benefícios inerentes a esse Odù, mas não o único; e que renúncias
talvez sejam necessárias para atingir os objetivos almejados. O ìtan fala de realeza, e uma das características
de um rei deve ser a sabedoria. Como os ìlûkû pertenciam a Àtë, o ideal é que se o consulente for de Òrìñà,
ofereça pelo menos alguns (talvez todos!) de seus fios de contas pessoais, o que caracterizaria ainda melhor
o elemento “renúncia”.

b) A finalidade desse ëbö é conseguir prosperidade e prestígio, em assuntos semelhantes aos


narrados no ìtan.

417
Ejìogbè 41

Existiu um babalawo cujo nome era Jòkòtò’Ñà (Aquele que senta junto a Òrìñà). Ele sabia que
seu destino era de servir Òrìñà; era ser devoto de Òrìñà. Mas contrariando os desígnios de seu Orí,
Jòkòtò’Ñà deixou de cuidar de Òrìñà. Ele pegou todas as suas coisas e foi morar na floresta. Òrìñà decidiu
que as coisas não ficariam assim. Ele preparou uma armadilha bem no caminho que Jòkòtò’Ñà costumava
usar. Sem ver a armadilha preparada por Òrìñà, Jòkòtò’Ñà caiu e acabou ficando aleijado. O que ele
poderia fazer? Já não era possível caminhar normalmente, vender ou sequer ir de cidade em cidade para
adivinhar. Os mais velhos disseram que ele deveria confiar em Òrìñà, e Jòkòtò’Ñà resolveu confiar. Então
Òrìñà preparou ferramentas especiais para Jòkòtò’Ñà, que com elas conseguiu trabalhar, atingindo
grande prosperidade em sua vida. Apesar de não conseguir mais andar, Jòkòtò’Ñà enriqueceu, alcançando
a felicidade.

"Disseram que Jòkòtò’Ñà deveria somente servir a Òrìñà; que ele deveria devotar-se a Òrìñà".
A pessoa para quem aparece esse Odù está no àiyé para cultuar Òrìñà. Essa deve ser a prioridade em sua
vida, e tudo mais deve girar em torno desse fato. Devido a tão clara definição do próprio Ìfá, e ao fato do
personagem do ìtan ser um sacerdote, são consideráveis as chances dessa pessoa vir a ser um futuro
Zelador de Òrìñà, ou ao menos alguém de destaque no mundo do Candomblé. O próprio nome do
personagem indica uma profunda afinidade com Òrìñà. A conscientização sobre esses fatos será a diferença
entre a felicidade ou a desgraça pessoal.

"Jòkòtò’Ñà foi para a floresta e não cuidou de Òrìñà". Apesar de intrinsecamente possuir
considerável afinidade com Òrìñà, não será surpresa se o consulente estiver fugindo ou evìtando o seu
próprio destino, que envolve responsabilidades espirituais. Isso será muito perigoso, pois nesse caminho de
Ogbè, negligência espiritual é sinônimo de consideráveis sofrimentos, além de também evidenciar um
afastamento das oportunidades de prosperidade e felicidade, pois é necessário salientar que enquanto
esteve na floresta, nada de bom aconteceu na vida de Jòkòtò’Ñà.

"Òrìñà preparou uma armadilha para ele. Jòkòtò’Ñà caiu na armadilha e não pode mais
andar". As pessoas mais velhas de casas mais antigas constantemente narram casos onde a negligência
com Òrìñà redundou em considerável sofrimento. Essa passagem do ìtan evidencia que tais narrativas têm

418
embasamento litúrgico e histórico, pois mitos de validade incontestável as confirmam. Especificamente
nesse Odù, Òrìñà não hesitará em “trazer” de volta a seu seio o filho que por algum motivo (muito
provavelmente ignorância espiritual) tenha se afastado. O que merece destaque é a forma que Òrìñà usará
para tal; a dor. A menos que o consulente queira para si destino tão triste quanto o de Jòkòtò’Ñà, lhe é
aconselhável repensar suas atitudes espirituais.

"Jòkòtò’Ñà não podia mais andar; não podia mais vender nem adivinhar". Caso a pessoa
insista em não cumprir suas responsabilidades espirituais, é bem provável que os aspectos profissionais e
financeiros de sua vida também sejam afetados. O que não significa que sofrimentos físicos (doenças,
acidentes, etc.) não devam ser considerados. A questão de responsabilidades espirituais merece alguns
esclarecimentos. Os mitos mostram que antes de um indivíduo vir ao àiyé, ele previamente escolhe seu
destino. Tal ato é simbolizado pela necessidade de ir até a casa de Àjàlà (divindade que prepara as cabeças
dos que vão nascer) e lá apanhar um Orí (aqui Orí simboliza elementos que tornam possível a realização de
um destino pessoal específico) que possibilitará levar uma vida equilibrada, próspera e feliz nesse mundo.
Os critérios que levam um indivíduo a escolher uma ou outra cabeça são por demais complexos, e
mereceriam uma obra à parte. O importante é ter em mente que a pessoa para quem Ogbè aparece nesse
caminho escolheu servir Òrìñà nessa vida. Essa é a principal característica de seu destino, que por um
motivo ou outro ela resolveu negligenciar. As leis naturais de evolução não toleram esse tipo de atitude, e
daí vêm as dificuldades ou sofrimentos na vida de quem age dessa forma.

"O que Jòkòtò’Ñà deveria fazer? Disseram que ele deveria ter fé em Òrìñà, e ele teve. Então
Òrìñà deu a ele uma ferramenta e disse que ele deveria trabalhar". Essa é uma evidência de que a punição
trazida por Òrìñà tem uma finalidade específica, sempre em sintonia com a justiça de Olódúmarè, um dos
pontos básicos de qualquer religião. Especificamente nesse caso, tais punições visam estreitar os laços entre
o consulente e sua espiritualidade, simbolizados pela passagem “Deveria confiar em Òrìñà”. Essa fé do
personagem é uma evidência de que internamente o mesmo reconhecia sua falha, pois se assim não fosse,
ao invés de fé certamente existiria revolta. Definitivamente o Òrìñà (e por extensão, a espiritualidade) deve
ser a prioridade na vida dessa pessoa. Se existir uma fé inabalável nisso, benefícios se manifestarão em sua
vida, atenuando suas dores e trazendo perspectivas de dias muito melhores no futuro.

"Apesar de não poder andar, ele tornou-se abastado". Caso a pesada mão de Òrìñà já tenha
descido sobre o consulente, esse deve ter em mente que o mesmo está ao seu lado, pronto a auxiliá-lo,
desde que ele cumpra suas responsabilidades espirituais. A prosperidade de Jòkòtò’Ñà é a evidência cabal
disso. É óbvio que se as dores inerentes a esse Odù ainda não se manifestaram, o consulente poderá evitar
grandes sofrimentos através da sabedoria, ao mesmo tempo em que garante um futuro provavelmente
muito feliz.

Ëbö

Oferendas a Òñàlá

419
Comentários

a) "Ìfá diz que devemos fazer oferendas a Òñàlá". A presença dessa citação de Òñàlá, e o fato de
Jòkòtò’Ñà ficar aleijado, evidenciam a grande força Funfun desse Odù. Mesmo que o consulente não seja
de Òñàlá (o que é pouco provável), é evidente a influência desse Òrìñà em sua vida. Na maioria das vezes
em que Òñàlá aparece num Odù de características espirituais, há a possibilidade de algum familiar do
consulente estar envolvido na questão, graças ao aspecto patriarcal desse Òrìñà. Além do mais, a citação do
termo “Òrìñà” para designar apenas uma divindade invariavelmente corresponde a Òñàlá.

b) Não há nenhuma citação sobre a natureza da oferenda a ser feita. Caberá ao awolòrìñà definir
tal detalhe.

c) A finalidade dessa oferenda pode ser vista sob duas perspectivas. A primeira é caso as
fatalidades inerentes a esse Odù não tenham se manifestado. Nesse caso o ëbö oferenda visa estreitar a
comunhão entre indivíduo e Òñàlá, no intento de atingir a prosperidade conseguida pelo personagem do
ìtan. A segunda perspectiva é caso as fatalidades já tenham ocorrido. Nesse caso essa oferenda visará
reforçar a fé do indivíduo em sua espiritualidade, no intento de conseguir novas maneiras de viver,
prosperar e ser feliz numa realidade de considerável dificuldade.

Ejìogbè 42

Houve uma época em que Òñàlá desejou muito ter prosperidade em sua vida. Ele se indagava se
conseguiria desfrutar de uma existência agradável, e levado por tal questão resolveu consultar Ìfá. O

420
babalawo disse que Baba não deveria viver no campo, plantando milho, pimenta ou qualquer outro
produto. Ele deveria ir à cidade, pois era lá que estavam suas riquezas. Também foi recomendado a Òñàlá
que fizesse uma determinada oferenda que visasse abrir seus caminhos e espantar qualquer espécie de
negatividade. Baba fez a oferenda prescrita, seguiu os conselhos do babalawo e fortaleceu o àñë de seu Òkè
Ìpînrí. Depois disso tudo, Baba mudou-se para a cidade, assim como o babalawo havia sugerido. Quando
chegou na cidade, todas as pessoas que possuíam galinhas, cabras, ìgbín ou tecidos, começaram a
presentear Baba com seus produtos. Eles começaram a servir Òñàlá, como se não houvesse ninguém mais
para servir. Baba atingiu grande prosperidade e renome, e dessa forma pôde viver a vida agradável que
tanto desejava.

"Ìfá diz que a riqueza dessa pessoa está na cidade. Que ela não deveria plantar milho". Uma vida
pacata, de características interioranas, parece não ser a mais indicada quando aparece esse caminho de
Ogbè. Profissões e atividades tipicamente urbanas parecem ser as mais apropriadas para que a pessoa
atinja a prosperidade. Nesse ponto há um aparente paradoxo nesse caminho de Odù, que merece ser
destacado. É óbvio que o arquétipo de Òñàlá se adaptaria melhor a uma vida pacata e sem grandes
agitações. Mas prestando atenção ao ëbö, constata-se a presença de ëmï, o que geralmente representa
perigos ocultos, uma potencialidade negativa, embora reversível. Deve-se estar atento à possibilidade da
vida na cidade desencadear uma existência de características profanas, como sexualidade desregrada,
materialismo, abusos de alimentação, afastamento das raízes, etc.; visto que todos esses fatores são
antagônicos à realidade de Òñàlá. Os perigos inerentes à cidade grande também devem ser considerados,
como acidentes, assaltos, etc. Mas todos esses fatores, apesar de merecerem atenção, não significam que a
idéia de instalar-se na cidade deve ser abandonada, a menos que não se deseje uma mudança
consideravelmente positiva no que diz respeito ao lado material da vida.

“Poderia Òñàlá ter uma vida agradável?”. O desejo de Òñàlá revela que preocupações
materiais são inerentes à aparição desse Odù. O ìtan explica detalhadamente o que deve ser feito para que
tal desejo se realize. O sucesso de Òñàlá na cidade revela a total possibilidade de sucesso quando Ogbè se
manifesta nesse caminho.

"Baba deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí. Em qualquer lugar onde Baba fosse, as pessoas
lhe davam cabras, ìgbín e galinhas. Era Baba que todos serviam. Òrìñà diz que devemos fazer oferendas a
Òrìñà". Essa é a confirmação de que será possível atingir prosperidade sob a influência desse Odù. O que
merece destaque é a necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí. Levando-se em consideração que Òkè Ìpînrí
envolve os principais elementos da espiritualidade pessoal, principalmente a ancestralidade, fica
evidenciado o fato de que os ancestrais, assim como Orí e o Òrìñà pessoal, favorecerão consideravelmente
para que as bênçãos citadas no ìtan de fato se manifestem. O termo Òrìñà, designando apenas uma
divindade, invariavelmente refere-se a Òñàlá. É esse Òrìñà, juntamente com os demais elementos do Òkè
Ìpînrí do consulente, que garantirão a prosperidade ampla que esse Odù traz consigo. Todos esses fatores
evidenciam que o consulente deve ser iniciado; e se não o for, deveria, pois Òrìñà é o seu fator de
desenvolvimento no àiyé.

421
"As esposas, eu terei na cidade. Os filhos, eu terei é na cidade. Todas as bênçãos, eu terei na
cidade". Seguindo essa orientação do ìtan, até a formação de uma família deverá ocorrer no âmbito urbano.
Definitivamente uma vida urbana é o mais indicado quando aparece esse Odù, pois somente assim a
prosperidade se manifestará na vida do consulente.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Quatro galinhas
Quatro galos
Quatro pombos
Quatro ëmï
Um ìgbín
Oferendas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

b) Como já foi visto, é muito provável que o termo “Òrìñà” designe Òñàlá. Mas seria imprudente
não considerar a hipótese do indivíduo em questão ter que fazer oferendas a outras divindades que
compõem seu Òkè Ìpînrí. É óbvio que as devidas definições serão dadas por Ìfá. Contudo, é pouco provável
que Òñàlá não seja um dos elementos do Òkè Ìpînrí do consulente (isso se não for a divindade pessoal do
mesmo), pois no ìtan o próprio Òñàlá teve que fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí para que conseguisse
sucesso em seus intentos. O importante é que fique clara a necessidade de fortalecer o àñë pessoal, pois só
dessa forma será possível realizar as benéficas questões abordadas no ìtan. Nesse caminho de Odù também
é dito que a pessoa deverá fazer oferendas a Òñàlá. Na remotíssima possibilidade de Òñàlá não fazer parte
do Òkè Ìpînrí do consulente, tais oferendas deverão ser acrescidas às já citadas anteriormente.

c) A finalidade desse ëbö é favorecer a prosperidade numa vida urbana, dentro de particularidades
semelhantes às narradas no ìtan.

422
Ejìogbè 43

Lájùmi era o nome de um devoto de Òñàlá. Ele era aleijado e albino, e cuidava de Òrìñà ainda nos
espaços do îrun. Um dia Lájùmi resolveu consultar Ìfá, pois desejava que sua vida fosse boa, que seu destino
estivesse em ordem. O babalawo disse que ele deveria oferecer um ëbö, e que depois disso deveria prestar
homenagens a Òrìñà. Lájùmi fez exatamente o que o babalawo determinou. Ofereceu seu ëbö e depois foi à
casa de Òrìñà prestar reverências. Depois que Lájùmi fez isso, todas as coisas que ele se propunha fazer, ele
completava com êxito. Ninguém brigava com ele, ninguém o admoestava. Sob circunstância nenhuma as
pessoas ralhavam com ele. Lájùmi tornou-se filho de Òrìñà; as pessoas o acariciavam. Òñàlá não permitia
que ninguém fizesse qualquer mal a seu devotado filho. Dessa forma Lájùmi conseguiu a vida agradável que
tanto desejava.

"Eu sou aleijado, sou albino. Ìfá diz que albinos não devem comer sal. Deve-se colocar Ëfun no
tórax dos albinos". São vários os mitos que afirmam serem filhos de Òñàlá todos os que carregam defeitos
físicos congênitos. Todos esses fatos evidenciam a grande influência de Òñàlá nesse caminho de Odù.
Mesmo na remotíssima possibilidade do consulente não ser filho de Òñàlá, é evidente que esse Òrìñà
possui grande influência em sua vida.

423
"Lájùmi era devoto de Òrìñà no îrun. Ele deveria prestar homenagens a Òrìñà". A vida da pessoa
para quem aparece esse Odù deve ter no Òrìñà sua prioridade; pois só assim ela encontrará equilíbrio e
chances de triunfar nesse mundo de dificuldades. Aliás, as dificuldades físicas de Lájùmi podem ser um
indício de dificuldades generalizadas. A devoção é a chave do sucesso nesse Odù. Se houver a devida
compreensão sobre esses fatos, certamente bênçãos diversas se manifestarão na vida do consulente, e as
dificuldades inerentes a esse Odù não o impedirão de encontrar uma boa vida.

“Poderia a vida de Lájùmi ser boa? Poderia seu destino estar em ordem?”. Geralmente quando
um personagem procura Ìfá com a intenção de tornar boa sua vida, pode-se deduzir uma certa insatisfação
com os atuais rumos da existência pessoal. Em muitos mitos Òñàlá é símbolo de sofrimentos, que por sua
vez devem ser pacientemente suportados, pois são frutos de pretéritos erros de discernimento. Graças a
esses fatores pode-se considerar que no momento o consulente possa estar passando por sofrimentos em
sua vida. Segundo a própria estrutura do ìtan, tal fase há de terminar, principalmente se o consulente
tornar-se um real devoto de Òrìñà.

"Não o perturbavam, não o faziam sofrer, não brigavam com ele. Ìfá diz que não permitirá que
ele sofra". Seja por um carisma pessoal ou por uma profunda intimidade com Òrìñà, o fato é que a pessoa
para quem aparece esse Odù é especial. Há nesse caminho de Ogbè uma grande proteção de Òrìñà, que
poderá se converter na “vida agradável” da qual fala o ìtan. Mais uma vez é importante salientar que a
atitude devocional a Òrìñà será a chave das potenciais positividades inerentes a esse Odù. Sem tal devoção,
é certo que essas positividades não se manifestarão.

"Isto é quando Ìfá diz que essa pessoa pertence a ele, e nada deve perturbá-la". A relação entre
Òrìñà e consulente é algo incomum até em outros caminhos de Odù. Provavelmente causar dor a essa
pessoa atrairá negatividade para o infeliz agressor. A lógica diz que quanto mais as atitudes do consulente
forem condizentes com a realidade de Òñàlá, mais intensa será a benéfica relação entre ele e sua
espiritualidade. Tais atitudes seriam a abnegação, humildade, paciência, elevação de princípios, alimentação
e sexualidade comedidas, abstenção de substâncias entorpecentes e muitas outras; pois todas essas
atitudes estão em harmonia com a espiritualidade representada por Òñàlá.

"Todas as coisas que Lájùmi fazia eram completadas, sua vida era agradável, seu destino estava
em ordem". Essa é a evidência da positividade inerente a esse Odù. Completar todas as coisas que se
propõe fazer sugere um considerável àñë pessoal. Esse fato, em comunhão com a necessidade de
atividades devocionais implícitas no ìtan, abre a possibilidade desse ser um dos casos de “missão”, como
se o consulente não devesse se limitar a cuidar da própria espiritualidade, vindo a ter influência nos
caminhos espirituais de outras pessoas. É óbvio que consultas específicas devem ser feitas a esse respeito. O
importante é salientar mais uma vez a importância da devoção espiritual a Òrìñà, como um fator de
realizações e bênçãos.

Ëbö

424
Trinta e dois búzios
Quatro galinhas
Quatro pombos
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) O tecido branco é mais um símbolo da íntima relação entre o consulente e Òñàlá.

b) No ìtan é dito que após fazer o ëbö, Lájùmi deveria prestar reverências a Òrìñà. Obviamente
esse procedimento deverá ser seguido nesse caso. Sem dúvida essa é mais uma evidência de que Òrìñà
(Òñàlá) é o elemento de bênçãos nesse Odù.

c) É importante lembrar que esse ëbö foi feito para que a vida de Lájùmi "fosse boa". Ou seja, essa
oferenda e o comportamento já citado alhures, tendem a repercutir positivamente em todos os aspectos da
vida do consulente.

425
Ejìogbè 44

Antes que existisse a criação Escuridão era casada com Fogo. Mas Terra (aqui, um elemento
masculino) desejava escuridão como sua esposa. Terra resolveu consultar o babalawo, na esperança de que
fosse possível tomar Escuridão de Fogo. O babalawo viu Ejìogbè, e recomendou a Terra que fizesse um ëbö.
Terra fez a oferenda prescrita, e depois de um tempo conseguiu tomar Escuridão de Fogo. Mas o marido
traído não se deu por vencido tão facilmente. Em todos os lugares Fogo procurou por Escuridão, mas é
impossível iluminar a terra (o elemento em si). Depois de um tempo Fogo percebeu que não encontraria sua
fugitiva esposa. Terra e Escuridão dançavam e regozijavam, pois agora seria possível viver um grande amor.

"Eu busco você, mas não consigo te encontrar". A principal mensagem trazida por esse caminho
de Ogbè é a existência de uma forte paixão, temperada por traços de infidelidade. A busca citada no ìtan
pode significar que uma das partes envolvidas ainda anseia pela consumação de sua paixão. É pouco
provável que tal paixão possa ser compreendida como uma alegoria, pois são muitos os indícios de que
realmente há uma questão amorosa envolvida. Mas caberá ao awolòrìñà descobrir se há algum outro
significado para esse Odù, velado na poesia profunda da espiritualidade iorubana.

"O que Terra poderia fazer para tomar Escuridão de seu marido, Fogo?" Como já foi dito, além
do elemento paixão, há também infidelidade nesse Odù. É muito possível que a idéia clássica sobre
infidelidade (relação extraconjugal) não se aplique de todo a esse caso, como será visto mais à frente.

"Fogo procurava por Escuridão nas cercanias. Escuridão dançava, Terra regozijava. Ìfá diz que
bênçãos são o que ele profetiza". De imediato, Fogo não desiste de sua relação com Escuridão e procura
por ela. Esse fato sugere que aquele que perde seu companheiro tende a não poupar esforços para manter
o relacionamento, e que o rompimento da relação é unilateral. Procurando entender a problemática
metaforicamente, chega-se a conclusão de que onde há fogo, não pode haver escuridão. Analisando por
esse prisma fica evidente a incompatibilidade do casal dissolvido, pois a própria existência de um
representa a supressão do outro. Graças a esse fato é muito possível que a relação que sofre o assédio
externo não é feliz, ou pelo menos não possua os elementos necessários para uma vida harmoniosa. A
alegria de Escuridão, juntamente com o fato dela não ter demonstrado nenhuma resistência a Terra, mostra
que no mínimo há um considerável descontentamento com o relacionamento a qual se refere Ìfá. Por
último, é preciso salientar que nesse Odù, Òrìñà fala de “bênçãos de esposas”. O fato de existirem
bênçãos espirituais nesse caso pode ser uma evidência de que espiritualmente falando, o relacionamento

426
em questão (representado pelo casamento entre Escuridão e Fogo) não é promissor, como a analogia
citada já demonstrou. Por outro lado, escuridão é sem dúvida um dos atributos da terra, levando-se em
consideração que a luz não penetra na mesma. Esse fato evidencia que para a personagem Escuridão, seu
amante Terra oferecia chances maiores de afinidade, que graças às bênçãos de Òrìñà, poderia se converter
em felicidade conjugal. Esses são os motivos pelo qual não se pode dar a esse Odù a simplista definição de
“relações extraconjugais”. Como foi visto, é muito mais do que isso.

"Agradeço a Èñù Îdarà, pois ele mostrou-me onde você estava". Graças a essa breve citação, Èñù
passa a ser um importante fator de auxílio para que o consulente encontre a felicidade nas questões do
coração. Caberá ao awolòrìñà definir se há necessidade de intensificar (através de oferendas) a positiva
influência de Èñù nesse Odù.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Dois pombos
Dois ëmï
Um tecido preto

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores em oferenda geralmente é um indício de que a transição entre um


relacionamento e outro não será isenta de complicações. Todo cuidado será pouco para evitar dores,
constrangimentos e brigas que costumam acontecer em casos como esse.

b) Por ser uma oferenda muito comum aos ancestrais, tecidos quase sempre evidenciam traços de
ancestralidade (ou descendência) nas oferendas em que aparecem. Devido à cor preta, símbolo das leis do
universo desconhecidas pela atual humanidade (o preto está relacionado a Ìyàmi Odù, Onilý e Îrúnmìlà, e o
segredo é um fator importantíssimo no culto de tais divindades), abre-se a possibilidade desse intricado
relacionamento já vir de outras eras. Caso tal fato se confirme, as dificuldades simbolizadas pelo roedor
tendem a aumentar. Mas é importante não perder de vista o fato de que Òrìñà abençoa as mudanças que
vierem a acontecer na vida sentimental de todos os envolvidos. Tecidos também são comuns em oferendas
relacionadas a filhos, sendo então prudente verificar se há alguma informação referente a filhos nesse Odù.

c) A finalidade dessa oferenda é favorecer a vivência de um relacionamento afetivo em casos


semelhantes ao narrado no ìtan.

427
Ejìogbè 45

No princípio dos tempos, viveu um homem chamado ömö Tùtun. Ele ainda estava no îrun, mas
aproximava-se o dia em que deveria nascer no àiyé. Antes que tal dia chegasse, ömö Tuntun resolveu
consultar Ìfá, pois desejava ter uma boa vida quando aqui chegasse. O babalawo o aconselhou a fazer um
ëbö, e ömö Tuntun o fez corretamente. Então chegou o dia em que ele deveria nascer. ömö Tuntun levava
uma boa vida. As pessoas eram extremamente bondosas com ele. Quando o viam, cumprimentavam-no
dizendo “Caríssimo!”. Todos eram extremamente indulgentes com ele. ömö Tuntun dançava e regozijava,
pois como Òrìñà havia prometido ele pôde ter uma boa vida no àiyé.

428
"Ìfá diz que essa pessoa deve jogar água na rua ao entardecer, porque um vis ìtante está
chegando". Segundo autores de considerável renome, o ato de jogar água na rua (no chão, para ser mais
preciso) está relacionado ao simbolismo de apaziguar a terra, acalmando-a e tornando-a profícua e fértil,
para que ela possa permitir que bênçãos se manifestem, pois o ioruba/nagô acredita que a terra é a mãe da
vida, e conseqüentemente de todas as bênçãos inerentes à essa. Certamente o ato de jogar água na rua
favorecerá à chegada de pessoas ou situações que tragam os mais diversos benefícios consigo.

“Consultaram Ìfá para ömö Tuntun, quando ele estava vindo do îrun para o àiyé. O que ele
poderia fazer para que sua vida fosse boa?”. É preciso salientar que ömö Tuntun fez o ëbö quando estava
vindo do îrun para o àiyé. Ou seja, ele preparou um caminho bom para si mesmo através da oferenda. Da
mesma forma, verte-se água sobre a terra para preparar bons caminhos (como ocorre no ritual de Ìpádè). A
idéia que nasce desses fatos é de que o indivíduo deve ser previdente, preparando da melhor forma
possível todos os detalhes para que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato manifestar-se. É preciso estar
preparado para as mudanças que certamente ocorrerão quando aparece esse caminho de Ogbè.

"Use água adequadamente, para que você possa jogá-la num visitante. Ìfá diz que uma bênção
de filhos é o que ele profetiza". O ato de jogar água sobre as pessoas está presente em alguns rituais do
Candomblé, representando a chuva que cai e torna possível a manifestação da vida nesse mundo. Quase
sempre há a idéia de abençoar, atrair coisas boas e impedir que algum tipo de negatividade recaia sobre
alguém que esteja presente. De modo geral, pode-se considerar que verter água sobre alguém é uma forma
de desejar-lhe boa sorte, além de ser um óbvio sinal de consideração. Em relação ao ìtan, deve-se
considerar a hipótese de que alguém esteja prestes a entrar na vida do consulente, trazendo consigo os
mais diversos benefícios. Mesmo que essa não seja uma presença definitiva (pois o ìtan fala sobre um
"visìtante"), é sem dúvida uma presença esperada e conseqüentemente agradável. É provável que o
visìtante em questão possa ser um filho, pois ömö Tuntun é literalmente "filho novo", além do que as
pessoas do ìtan o tratavam com o mesmo carinho que geralmente se trata um bebê. Apesar de tal
possibilidade, não devem ser negligenciadas as hipóteses sobre o auspicioso aparecimento de outras
pessoas, e não necessariamente de um filho. Caberá ao awolòrìñà definir qual das hipóteses citadas melhor
corresponde à realidade do consulente.

"As pessoas eram indulgentes com ömö Tuntun. Todos o tratavam com bondade. Homens e
mulheres o acariciavam". É importante notar que os critérios de “vida agradável” nesse Odù são as
relações pessoais. É possível que através de tais relações o consulente encontre os meios que favorecerão a
manifestação das bênçãos citadas em sua vida. É óbvio que ninguém é bondoso com quem não merece.
Isso significa que só a oferenda não garantirá as boas relações inerentes a esse Odù. Será necessária uma
conduta que justifique a bondade das demais pessoas. Já a citação sobre bênçãos evidencia os aspectos
positivos desse caminho de Ogbè.

429
Ëbö

Trinta e dois búzios


Duas galinhas
Dois pombos

Comentários sobre o ëbö

a) A oferenda é por demais simples, não carecendo de maiores comentários. Sua finalidade é
favorecer a chegada de alguém ou alguma nova situação, caracterizada por bênçãos. Também favorecerá as
relações pessoais, aumentando ainda mais a possibilidade de novos e auspiciosos caminhos se abrirem para
o consulente.

430
Ejìogbè 46

Houve um tempo de muita tristeza na cidade de Ìjágbà. As crianças estavam sendo mortas,
pisoteadas por um cavalo enfurecido. De repente o cavalo aparecia do nada, correndo e escoiceando. Não
havia tempo para as crianças saírem de seu caminho, e impiedosamente o animal as pisoteava, causando
morte instantânea. As pessoas pressionaram o rei, chamado Ónjágbà, para que ele tomasse providências. O
rei resolveu consultar o babalawo, que lhe prescreveu uma grande oferenda, composta entre outras coisas
de diversos ìgbín a Òñàlá. Também foi dito que ele deveria preparar um delicioso àmàlà para Ñàngó, pois
no local onde ele arreasse o ëbö, Ñàngó chegaria para lhe ajudar. O rei seguiu todas as informações do
babalawo, e fez a oferenda corretamente. Assim que ele arriou o ëbö, Ñàngó chegou, perguntando do que
se tratava. Antes de responder o rei ofereceu o àmàlà a Ñàngó, juntamente com ötí. Ñàngo comeu até se
fartar. Bebeu até matar sua sede. Nesse exato momento gritos foram ouvidos; mais uma vez o
descontrolado animal aparecera. Sem perder tempo Ñàngó pegou as pedras e os cajados oferecidos no
ëbö, e com eles perseguiu o animal. Surpreso com a resistência inesperada, o cavalo fugiu em disparada.
Ñàngó corria atrás do cavalo, bradando que ele nunca mais deveria retornar a Ìjágbà. Nunca mais um
problema semelhante aconteceria na cidade. Todos agradeciam e louvavam a Ñàngó. A partir daquele
momento foi decidido que somente a Ñàngó eles cultuariam.

"Era um cavalo que estava matando as crianças em Ìjágbà". As mortes das crianças pisoteadas
por um cavalo, revelam grande violência e brutalidade nesse caminho de Odù. Deve-se considerar a
hipótese de acidentes ou algo semelhante. É desnecessário dizer que tais perigos são ainda maiores para os
filhos do consulente, mas além da hipótese de filhos, seria prudente considerar também todas as pessoas
mais próximas. A morte de crianças punha em risco todo o futuro de uma comunidade ioruba, pois essas
seriam os braços trabalhadores que garantiriam o sustento de todos. Graças a esse fato, também deve-se
considerar a hipótese de perdas generalizadas quando esse Odù aparece. Apesar do ìtan falar sobre morte

431
de crianças, seria prudente considerar todo tipo de infortúnio, tais como perdas, doenças, acidentes,
roubos, etc.

“No lugar onde você arrear o ëbö, o salvador aparecerá”. Ñàngó e Òñàlá são os fatores de
segurança e continuidade da vida nesse Odù. Um lançará sua paz sobre uma situação conturbada e
desesperadora, enquanto outro garantirá a vitória sobre os perigos graças a sua força e coragem. O que
merece destaque especial é o fato de que divindades (e por extensão, a espiritualidade) serem os principais
elementos de auxílio nesse Odù. Graças a esse fato é prudente considerar que apenas através de Òrìñà o
consulente conseguirá se livrar dos perigos inerentes a esse Odù. Isso sugere que o consulente em questão
seja iniciado, ou pelo menos deveria ser.

“Ñàngó afastou o cavalo com as pedras. As crianças de Ìjágbà não morreram mais”. Apesar do
grande perigo evidenciado por esse Odù, são consideráveis as chances de normalização da situação, desde
que as mensagens trazidas pelo ìtan sejam corretamente seguidas.

"Todos em Ìjágbà cultuavam Ñàngó. Ìfá diz que se qualquer coisa perturbar essa pessoa, é
Ñàngó que a ajudará". Especificamente nesse caso, o auxílio de Ñàngó será extensivo a outros aspectos da
vida do consulente. Tal proteção espiritual pode ser uma evidência de que o consulente possua fortes
vínculos com esse Ëböra. Mesmo na remota possibilidade de Ñàngó não ser seu Olórí, são grandes as
chances do consulente ter que cultuá-lo para que haja equilíbrio e proteção em sua vida. No caso de
realmente os filhos do consulente estarem com problemas, tal possibilidade (o culto a Ñàngó) também
deve ser considerada para eles, pois Ñàngó é um dos principais símbolos de continuidade. As passagens
"Todos estavam cultuando Ñàngó" reforça tal possibilidade.

Ëbö

Trezentos e vinte búzios


Dezesseis galinhas
Dezesseis pombos
Oito ëmï

Oferendas a Ñàngó

Dezesseis àmàlà
Dezesseis Òrógbó

432
Dezesseis cajados
Dezesseis pedras
Bebidas

Oferendas a Òñàlá

Dezesseis ìgbín

Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de búzios sugere que tal ëbö definitivamente não deve ser realizado
gratuitamente. Pode ser por várias razões, inclusive a possibilidade de perigos para o oficiante do rito, que
nesse caso deveria fortalecer seu àñë pessoal com o dinheiro a mais pago por essa oferenda. Também é
preciso considerar que possivelmente todo o povo da cidade ajudou a pagar os honorários do babalawo. Se
assim o for, fica confirmada a possibilidade de outras pessoas, além do consulente, correrem os riscos
expostos no ìtan.

b) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

c) Os cajados da oferenda a Ñàngó talvez tenham relação com o Okó Ñàngó, cetro ritual usado
em alguns dos rituais desse Òrìñà. As pedras sem dúvida representam os famosos Ëdun Ara de Ñàngó.

d) Não há definição sobre o tipo de bebida que deve ser oferecida a Ñàngó. O ìtan diz apenas
“ötí”. Caberá ao awolòrìñà definir esse detalhe da oferenda.

e) Como já foi dito, as oferendas a Òñàlá certamente visam aplacar com àñë ûrö a considerável
negatividade inerente a esse Odù. Também pode representar traços de espiritualidade, o que abre a
possibilidade dos perigos em questão terem alguma relação com a espiritualidade do consulente.

f) A finalidade de tal oferenda é proteger toda e qualquer criança que seja próxima ao consulente.
Também evitará perdas generalizadas, por motivos já explicados alhures.

433
Ejìogbè 47

Antes que o mundo fosse como é, Olókun, o senhor dos oceanos, desejou que suas águas fossem
mais importantes que todos os outros cursos de água. O que ele poderia fazer para concretizar seus
intentos? Ele resolveu consultar um babalawo, que lhe aconselhou a fazer uma oferenda. Olókun fez a
oferenda prescrita, exatamente da maneira que o babalawo prescreveu. Então um dia uma chuva torrencial
caiu. Uma grande enchente se formou, carregando tudo a sua frente. Pedaços de cabaça e todo o tipo de
sujeira foram parar nos rios, que por sua vez desembocaram no mar. Rios ou lagoas simplesmente não
davam conta de tudo o que a enchente carregava. Apenas o oceano recebia tudo, sem alterar em nada sua
natureza. Todos perceberam que as águas mais importantes eram as de Olókun. Foi assim que Olókun
tornou-se senhor de todas as águas.

"O que Olókun deveria fazer para que pudesse sobrepujar todas as outras águas?". A questão
levada por Olókun a Ìfá evidencia que disputas estarão presentes quando Ogbè se manifestar nesse
caminho. Há o desejo de mostrar o potencial e o valor pessoal. De acordo com a própria estrutura do ìtan,
tal desejo tende a ser realizado, o que significará reconhecimento para a pessoa em questão.

"Ìfá diz que não devemos nos permitir sermos atemorizados pelo sofrimento ou pelos insultos".
Independente dos desejos que o consulente traga consigo, é importante que fique claro que a realização
dos mesmos não virá sem dificuldades. Como já foi dito, esse é um Odù de disputas. A citação sobre
insultos e sofrimentos sugere problemas de relacionamento ou situações estressantes em geral. Ante tais
problemas, não deverá existir esmorecimento, pois a vitória será certa para aquele que compreende e
obedece a esse Odù.

"Depois do sofrimento, Ìfá diz que bênçãos virão". As cabaças quebradas e o lixo que foram
parar no mar simbolizam os sofrimentos de Olókun. Mas foram esses sofrimentos que evidenciaram o
poder dele em relação às outras águas. É muito provável que o sofrimento inerente a esse Odù não possa
ser evitado. A sabedoria consistirá em perceber os futuros benefícios que se manifestarão na vida, graças ao
sofrimento que hoje se faz presente.

"Uma torrente juntou as sujeiras das cabaças e dos pratos e despejou no mar. Um rio não pode
ser igual ao mar". Essa é a confirmação de que foi exatamente a capacidade de suportar sofrimentos
(sujeiras) que evidenciou o fato de que Olókun era o mais apto a ser reconhecido como o Senhor de todas
as águas. Esse fato apenas evidencia o que já foi dito acima sobre a necessidade de paciência e capacidade
de encarar as adversidades e suportar os sofrimentos que possam aparecer pelo caminho.

“Foi dessa forma que Olókun se tornou rei de todas as águas”. Como já foi dito, esse é um Odù
de vitórias e conquistas. Considerando-se o fato de que Olókun é reconhecido por sua riqueza (alguns
mitos dizem que foi através dele que Òñùmàrè enriqueceu, enquanto outros mostram que ele é pai de Ajè,
a própria riqueza), não será surpresa se os objetivos do consulente forem de âmbito material. Nesse caso, as

434
chances de sucesso serão consideráveis, se os conselhos trazidos por Ogbè forem seguidos com sabedoria.
Mas realizações em outros assuntos da vida não devem ser negligenciadas.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Quatro galinhas
Quatro pombos
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) A presença do tecido branco talvez seja uma forma de evocar a paciência e tolerância necessária
nesse Odù, devido ao fato do branco estar relacionado aos Funfun, extremamente pacientes e tolerantes.

b) Tecidos também representam ancestralidade e descendência. Em relação a esse particular,


algumas fontes afirmam que oferendas ao mar (a Olókun?) são feitas durantes os rituais aos antepassados.
Observando por esse ponto de vista, é possível que o tecido de fato represente alguma influência ancestral
na questão. Seriam prudentes consultas a esse respeito.

c) A finalidade dessa oferenda é conseguir a sucesso e reconhecimento numa situação de disputa.

435
Ejìogbè 48

Houve um dia em que Jûmiadé (Ñàngó) sentiu que sua vida poderia ser muito melhor do que
então era. O que ele poderia fazer para que sua vida fosse agradável? Com essa dúvida em mente, ele
procurou um babalawo. Foi-lhe recomendado fazer uma grande e dispendiosa oferenda, e Jûmiadé a fez.
Depois disso, comerciantes, lavradores, vendedores de folhas, caçadores, guerreiros e lenhadores, todos
começaram a servir Ñàngó. Seu poder tornou-se incomensurável e ele foi escolhido o novo Alàfín, chamado
de Àfînjá. Foi assim que Jûmiadé tornou-se o soberano de Îyï.

"O que ele deveria fazer para que sua vida fosse boa; para que seu destino estivesse em ordem
e ele pudesse sobrepujar a todos?". Os motivos que levaram Ñàngó a consultar Ìfá evidenciam um certo
descontentamento com os atuais rumos da vida, principalmente os materiais. Segundo a estrutura do ìtan,
tal descontentamento é positivo, pois representa o germe de drásticas mudanças que levarão a vida do
consulente a novos patamares de realizações, conquistas e eventual felicidade. Merece destaque a especial
preocupação sobre “sobrepujar a todos”. Vários são os mitos que colocam Ñàngó cercado por inimigos.

436
Mesmo que especificamente nesse caso Ìfá não confirme a presença de inimigos, será prudente esperar no
mínimo por oposição à realização dos projetos pessoais.

"Consultaram Ìfá para Àfînjá, quando ele foi tomar seu oyè no palácio". A presença de Ñàngó Ìfá
geralmente é um sinal de vitórias, mudanças, filhos, casamentos, amores, prosperidade, lutas e conquistas.
Devido a esse fato não será surpresa se qualquer uma dessas possibilidades estiverem na vida do
consulente. Citações sobre oyè (títulos honoríficos) simbolizam ascensão social ou hierárquica. Mesmo na
remota possibilidade de Ñàngó não ser o Olórí do consulente, é provável que esse Ëböra possua fortes
vínculos com o mesmo.

"Ele tornou-se rei. Fazendeiros, curandeiros, caçadores, lenhadores, guerreiros; todos o


serviam". Além das consideráveis conquistas inerentes a esse caminho de Ogbè, merece destaque o fator
liderança. Praticamente todos os mitos que falam de Ñàngó enaltecem esse aspecto de sua personalidade.
O ideal é que o consulente também possua tal particularidade, pois isso facilitará em muito a manifestação
da positividade inerente a esse Odù. Também é importante salientar que ao menos em teoria, reis são
pessoas sábias, ponderadas, justas, equânimes e responsáveis. Alguns outros mitos mostram que pelo
menos a responsabilidade faltou a Ñàngó, o que culminou em sua deposição. Se o consulente pretende
caracterizar sua vida como se fosse um reinado, o ideal é que ele possua as características intrínsecas de um
monarca.

"Isso é quando Òrìñà fala sobre uma grande pessoa, a quem todos servirão. É isso o que ele fará
por essa pessoa". Definitivamente a pessoa para quem aparece esse Odù está destinada à grandeza e
liderança. Como monarcas geralmente são ricos, o elemento prosperidade certamente estará presente. É a
confirmação de que o destino dessa pessoa é especial, de que ele realmente veio ao àiyé para tornar-se
alguém de muito prestígio, um verdadeiro líder nato. Mas é importantíssimo ressaltar o fato de que é Òrìñà
que o fará assim. Isso evidencia que para as potencialidades desse Odù se tornem fatos, será necessária a
consciência de que Òrìñà é o fator de ajuda nessa questão. Talvez seja precocidade considerar tal fato como
uma alusão à necessidade de iniciação (ou obrigação), mas consultas nesse sentido seriam mais do que
prudentes.

Ëbö

Trezentos e vinte búzios


Uma ovelha
Uma cabra
Um tecido
Um gorro
Uma calça
Uma muda roupa
“Tudo o que a boca come”
Oferendas a Ñàngó

437
Comentários sobre o ëbö

a) Roupas geralmente representam aspectos da personalidade. Sua presença em oferendas


sugere que para haver sucesso será necessária uma personalidade maleável, além de capacidade de
adaptar-se às situações. Opiniões fixas e pontos de vista arraigados tendem a ser prejudiciais nesse caso.

b) Gorros representam a possibilidade de ascensão social, pois forma o vestuário típico das
pessoas influentes na sociedade iorubana de outrora.

c) Calças geralmente representam traços de masculinidade. Podem ser um indício de que ramos
de atividade essencialmente masculinos podem ser os mais indicados quando aparece esse Odù.
Especificamente nesse caso também podem representar a virilidade de Ñàngó; virilidade essa que pode ser
imprescindível no caminho de conquistas que esse Odù representa.

d) Tecidos são uma oferenda comum em situações relacionadas a filhos ou aos ancestrais. Caberá
ao awolòrìñà definir se há alguma influência desse tipo nesse caminho de Ogbè.

e) No ìtan aparece: “Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas a Ñàngó”. Essa é a evidência
final da influência de Ñàngó nas conquistas do consulente. Caberá ao awolòrìñà as devidas definições sobre
as oferendas em questão.

f) A expressão “Tudo o que a boca come” é muita usada nas comunidades de Candomblé.
Através de bom senso e conhecimento ritual, o awolòrìñà definirá quais comidas serão necessárias nesse
caso.

g) A finalidade da tal oferenda é favorecer a manifestação de grandes conquistas, prosperidade e


liderança, dentro de situações semelhantes às narradas no ìtan.

438
Ejìogbè 49

Antes que todos os animais que conhecemos povoassem o àiyé, Sòbìa (espécie de lagarto
africano) estava muito preocupado. Ainda não havia chegado o momento dele vir para o àiyé, mas sentia
que as pessoas lhe trariam problemas, provavelmente tentando devorá-lo. Com essas preocupações na
cabeça, Sòbìa resolveu consultar um babalawo. Esse lhe recomendou uma oferenda, no intuito de vencer
seus futuros inimigos no àiyé. Sòbìa fez a oferenda prescrita, exatamente da maneira que o babalawo
aconselhou. Quando Sòbìa veio para o àiyé, se um homem tentasse pegá-lo, ele o derrubava com sua
cauda. Se uma mulher tentasse pegá-lo, ele a derrubava com sua cauda. Se uma criança tentasse pegá-lo,
ele a derrubava também. Não havia quem Sòbìa não pudesse derrubar. Dessa forma Sòbìa sobreviveu, e
seus inimigos não tiveram forças para derrotá-lo.

"Ìfá diz que nos ajudará a vencer nossos inimigos. Essa pessoa verá o fim do ódio de seus
inimigos. Ìfá diz que não poderão prejudicá-la". É evidente que inimigos estarão presentes quando Ogbè
aparecer nesse caminho. Além do poder da oferenda inerente a esse Odù, merece destaque o fato de que
também o Òrìñà será um elemento de auxílio e proteção nessa infeliz situação. Se Òrìñà está protegendo o
consulente, natural seria que esse retribuísse tal proteção com oferendas ou com devoção litúrgica. Mas
levando-se em consideração que essa necessidade não está explícita no ìtan, seriam prudentes consultas
específicas antes que tal postura fosse assumida.

"Uma barata não pode chutar os pés de um elefante. Um homem não consegue chutar os pés
de um macaco". Esse ditado popular de considerável sabedoria é um indício de que ao situar-se numa
posição eqüidistante dos inimigos, quer seja física ou moralmente, o consulente não mais será sobrepujado
pelo mesmo, ou pelo menos diminuirá as chances disso acontecer. A presença de algodão no ëbö pode ser
uma indicação de que essa eqüidistância seja espiritual (ou moral) e não física, pois algodão é um símbolo
sagrado dos Òrìñà Funfun e da existência genérica, logo também, da espiritualidade e da transcendência
em relação às vicissitudes do àiyé. Ainda que muito remotamente, há a hipótese dos "inimigos" não serem
necessariamente alguém, mais algo; talvez até elementos da própria personalidade do consulente.
Serpentes e dragões são tidos como símbolos de sabedoria nas antigas filosofias. A metáfora sobre Sòbìa
(que é um lagarto) talvez indique a necessidade de sabedoria para solucionar essa complicada

439
possibilidade. Mas é óbvio que são maiores as chances dos inimigos em questão serem objetivos e não
subjetivos.

"Mulheres, homens ou crianças; não havia quem Sòbìa não derrubasse. Isso é quando Ìfá diz
que nos ajudará a vencermos nossos inimigos". Mais uma vez fica claro a influência de Òrìñà na
problemática exposta no ìtan. Definitivamente a espiritualidade do consulente (aqui simbolizada por Òrìñà)
será o principal fator de proteção quando esse Odù se manifestar. Apesar de toda negatividade, ou das
várias possibilidades interpretativas, o importante é salientar as reais chances de vitória sobre todo e
qualquer inimigo que possa surgir; desde que as informações trazidas por Ìfá sejam corretamente seguidas.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Uma meada de algodão
Duas galinhas
Dois pombos
Dois òkété
Dois ëmï
Duzentas folhas

Comentários sobre o ëbö

a) O simbolismo do algodão já foi abordado alhures. Apesar disso é importante considerar a


hipótese de algum Òrìñà Funfun ser o elemento de proteção nesse Odù, pois em mais de uma
oportunidade o ìtan faz citações sobre o auxílio de Òrìñà nessa complicada situação.

b) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

c) Geralmente folhas em ëbö representam a possibilidade de questões de saúde estarem


presentes na situação, pois essas constituíam o principal elemento de cura na sociedade iorubana de
outrora. Também é muito conhecido o fato de que diversos feitiços são preparados através de algumas
folhas. Devido a tal possibilidade, seria prudente considerar os feitiços como um dos possíveis elementos
usados pelos inimigos quando esse caminho de Ogbè se manifesta.

d) A finalidade desse ëbö é proteger o consulente da deletéria ação de inimigos, além de


fortalecer a proteção que vem pelos caminhos de Òrìñà.

440
Îsá

Considerações gerais

441
Por ser um Odù com um bom número de caminhos (na versão de Salàkï), é óbvio que vários são os
assuntos abordados nos caminhos de Îsá. Entre tais assuntos, merece destaque o elemento “filhos”.
Em cindo de seus dezenove caminhos, filhos estão presentes. Esse importante detalhe evidencia
que Îsá é um Odù de realizações, pois como já foi visto, além de seu aspecto literal, filhos também
representam as mais diferentes formas de realizações no âmbito pessoal, que em seus aspectos positivos
poderá representar até mesmo a felicidade. Mas outros Odù têm características semelhantes. O particular a
ser salientado em Îsá é a possibilidade desses mesmos filhos (principalmente no aspecto literal do termo)
estarem em dificuldades. Essas dificuldades são representadas de maneiras diversas nos ìtan, mas é
necessário estar aberto à possibilidade de perigos estarem presentes. Esses mesmos perigos podem ser: A)
físicos, pois num determinado momento os filhos de um personagem são devorados, graças à ignorância
espiritual do mesmo. B) Os próprios filhos poderão representar perigos, pois em outro ìtan os filhos de uma
mãe imprudente a devoram, depois que ela se recusa a fazer um ëbö. C) Os filhos podem ser “arrastados”
pelo mundo, quer seja pela incompetência dos pais em orientá-los ou por pura rebeldia. Mas como já foi
dito, apesar de todos esses elementos negativos, a presença de filhos poderá ser interpretada como
positiva, pois evidencia o potencial para realizações e felicidade inerentes a Îsá. Mas a possibilidade dos
filhos terem ou trazerem problemas quando esse Odù se apresenta, certamente é o elemento de
diferenciação de Îsá em relação aos demais Odù.
Pelas características de alguns de seus caminhos, Îsá também pode ser visto como um Odù que
favorece novas fases. A idéia do novo está presente, e com ela todo um potencial de realizações. Algumas
particularidades desse Odù, como a necessidade de disciplina e espiritualidade, certamente tornarão
auspiciosas as esperanças em relação às novas fases que Îsá representa em algumas ocasiões.
Problemas gestacionais também podem ser esperados. Simbolicamente tais problemas podem
representar dificuldades em atingir objetivos ou realizar projetos. Mais o mais interessante desse aspecto de
Îsá é que os personagens que possuem problemas gestacionais são aconselhados a fazer oferendas e a
deixarem de consumir algum tipo de alimento, que imediatamente passa a ser tratado como ëwî. Graças a
tão intrigante questão, é possível que em alguns momentos vitais que precedem a felicidade (como é o
caso da gravidez), poderá haver a necessidade de renúncia e o fortalecimento da vontade, o que tornará
possível realizar os projetos que realmente favorecerão a manifestação de bênçãos. Como será visto mais à
frente, é considerável o aspecto espiritualidade de Îsá, e a renúncia será companheira daquele que procurar
ascender internamente sob os caminhos desse Odù.
A rebeldia também está presente nos caminhos de Îsá. Manifesta-se no descontentamento de
uma esposa com seu marido, com filhos que saem pelo mundo sem dar satisfação aos pais, e por
personagens que se recusam a fazer as oferendas prescritas. É óbvio que esse comportamento só trouxe
dissabores aos personagens em questão. É graças a esse aspecto de Îsá que a disciplina passa a ser
importante. Não porque seja textualmente citada, mas porque se fosse observada nos momentos de
rebeldia, certamente não haveria a dor e o sofrimento que acompanharam aqueles que se comportaram
rebeldemente. Um detalhe importante sobre as conseqüências da rebeldia é a possibilidade dos projetos
pessoais falharem, ainda mais se questões pessoais estiverem presentes. Também é preciso salientar que
em dois episódios, os rebeldes possuíam claramente missões espirituais a serem cumpridas. Por isso são
grandes as possibilidades de, sob uma eventual influência negativa desse Odù, a pessoa voltar as costas aos
compromissos espirituais. Desnecessário dizer que nada de bom poderá surgir de tais atitudes. Em relação

442
às recusas em fazer as oferendas prescritas, essas evidenciam a possibilidade de ignorância espiritual, erros
de discernimento e até soberba. As conseqüências dessas atitudes chegam a ser funestas quando Îsá está
presente.
Îsá é um dos poucos Odù que claramente trazem em um de seus caminhos a mensagem de que o
consulente deve ser devoto de Òrìñà. Pela importância de essa questão, são necessários esclarecimentos a
respeito. O primeiro detalhe a ser levado em consideração é a inicial recusa dos personagens em assumir
seus papéis perante as obrigações espirituais. Um personagem sai de casa e se recusa a aprender os
segredos de Ìfá, enquanto o outro também sai de casa, mas com o intuito de levar uma vida emancipada.
Ambos não conseguem realizar o que desejam, e vêem seus esforços irem por água abaixo, até mesmo
devido a influência de Òrìñà. O segundo detalhe diz respeito às características do compromisso espiritual
em questão, pois como o livre arbítrio desses personagens não é respeitado, pode-se presumir que esses
mesmos compromissos já estavam acordados ainda nos espaços do îrun, o que favorece a atitude de
inflexibilidade de Òrìñà em relação a esses devotos. Parece não se tratar da hipótese de alguém que já no
àiyé, desenvolve as particularidades que justificam novas responsabilidades espirituais. Provavelmente
trata-se de espíritos que por algum motivo já foram incumbidos de responsabilidades, mas ao chegarem ao
àiyé resolvem por algum motivo não cumpri-las, e invariavelmente são punidos por tal comportamento. Por
essas razões a missão espiritual, e por extensão a espiritualidade como um todo, são caracterizadas por um
dever, portanto devem ser cumpridas a qualquer custo.
Também aparece em Îsá constantes comparações entre o chumbo, metal de Òñàlá, e outros
metais utilizados pelas demais divindades. Nessas comparações o chumbo sempre é tratado como algo
especial, que por sua resistência às intempéries do àiyé passou a ser o metal preferido pelas divindades
criadoras, numa clara alusão à supremacia dos elementos espirituais sobre os físicos, o que de uma certa
maneira representa espiritualidade. Como os compromissos espirituais citados nesse Odù estão
relacionados a Ìfá e Òñàlá, certamente a disciplina, a sabedoria e a retidão de caráter deverão caracterizar a
vida daquele que desejar crescer espiritualmente sob a influência de Îsá. Interessante notar que nos casos
citados, os personagens prosperaram depois que assumiram suas responsabilidades espirituais.
Um outro fator que merece destaque em Îsá é a generosidade. Ela não é tão forte como em Îbàrà
ou Îyûkú, mas é a causa de proteção e felicidade em quatro dos caminhos desse Odù. Textualmente é
representada pela atitude de Îrúnmìlà, que ao presentear Ìkú escapa da morte; pelo banquete que Òrìñà
Oko serviu a alguns amigos, o que favoreceu para que ele fosse considerado o líder de seu ëgbý; pela ação
de um rei, que tornou um personagem muito rico; pela atitude de um adivinho, que não cobrou uma
consulta e ainda deu braceletes ao seu consulente, que mais tarde lhe salvaram a vida, e pelo conselho de
Òrìñà, que num determinado momento nos orienta a perguntarmos às pessoas próximas se as mesmas
necessitam de alguma coisa. É óbvio que estando presentes questões espirituais nesse Odù, a generosidade
não poderia faltar, pois sem dúvida trata-se uma das formas mais clássicas de espiritualidade. Os benefícios
que se manifestaram na vida de Òrìñà Oko e Îrúnmìlà evidenciam que a prosperidade também será benéfica
para aqueles que a praticarem. Mas mesmo se isso não estivesse claro nos ìtan, ainda assim tais atitudes
seriam aconselhadas, simplesmente pela generosidade ser um dever de todos.
Casamentos também estão presentes nos caminhos de Îsá. Aparecem várias vezes, e nem sempre
de forma positiva. Na primeira citação o casamento mostra-se equilibrado e feliz, mas em outras
oportunidades aparece conturbado, culminando com a atitude de desprezo de um cônjuge para o outro. A
idéia que surge é da potencialidade de relações felizes e equilibradas, desde que haja esforços nesse

443
sentido. Um detalhe que merece atenção é o fato de no casamento onde há felicidade, os cônjuges se
uniram perante Òrìñà e assumiram o compromisso de se auxiliarem mutuamente. Esse pormenor abre a
possibilidade das relações afetivas serem felizes se houver comprometimento espiritual, ou ao menos ético.
Em relação a esse último detalhe, também é importante assinalar que em dois momentos os cônjuges são
taxativamente aconselhados a não aceitarem outros companheiros, mesmo sendo poligâmica a cultura
iorubana. Graças a esse detalhe a possibilidade de infidelidade também estará presente, embora os
personagens do ìtan tenham seguido as orientações que lhes foram dadas.
A prosperidade também está presente nos caminhos de Îsá, embora de forma proporcionalmente
menor do que outros Odù. Não há um padrão claro para a aparição da prosperidade nesse Odù, embora
com certa reserva seja possível relacioná-la com o auxílio de terceiros. Em duas ocasiões a prosperidade se
manifesta dessa forma; a primeira pelo auxílio e orientação de Èñù, e a segunda graças aos cuidados e
preocupações de uma mãe aflita, que faz uma oferenda para auxiliar seu filho num momento de perigo. Se
a figura da mãe for considerada como um elemento de ancestralidade, então a prosperidade em Îsá poderá
ser definida como oriunda de esforços espirituais, tendo em vista que Èñù só auxilia aqueles que cumprem
suas obrigações religiosas. Mas apesar da tênue relação desses fatos, que para muitos talvez não
caracterizem um padrão, não se deve desconsiderar a hipótese da prosperidade se manifestar de outras
maneiras quando esse Odù aparece, graças às várias maneiras que ela se apresenta em seus caminhos.
Em relação a ancestralidade, merece destaque a ausência de mitos relativos às Ëlëiyë, como seria
de se esperar de um Odù que muitos acreditam ter “trazido” as Àjý para o àiyé. A ausência de citações
sobre as Grandes Mães é compreensível, tendo em vista que possivelmente seu culto não fosse dominado
pelo sacerdote que narrou os ìtan. Essa é sem dúvida uma lacuna nas informações trazidas por essa obra,
embora com boa vontade e considerável conhecimento técnico de oráculo, seja possível reconhecê-las em
vários momentos, quando se apresentam no àtë símbolos, divindades ou situações da qual geralmente
fazem parte. Em relação a esse detalhe, a figura de uma mãe que auxilia um filho em perigo, favorecendo
dessa forma a prosperidade do mesmo; a presença de Îñun e Öya como matriarcas, além de diversas outras
citações, pode sim representar ancestralidade feminina, embora não com a força que muitos desejariam.
Merece destaque a citação de Orò como uma divindade feminina. Esse assunto será abordado mais
intensamente no caminho de Odù específico. O fato é que Orò, independente de qualquer idéia que se
possa fazer sobre sua sexualidade, representa as mais arcaicas formas de ancestralidade. Sua presença
evoca atitudes e fatos ocorridos em outros renascimentos, que geraram situações que necessitam de
ajustes, para que a harmonia representa pelo sagrado Àbà (propósito sagrado e insondável de Olódúmarè
para a existência) possa prevalecer sobre o caos e a injustiça. Especificamente nesse corpo de ìtan (sim, por
que há vários, dependendo da região ioruba de origem), esse é talvez o aspecto de Îsá mais relacionado à
ancestralidade.
Não seria nada harmônico se num Odù tão repleto de informações não existissem elementos
negativos que merecem ser citados. O primeiro deles é a possibilidade de desgraças familiares,
simbolizadas por filhos mortos e matricidas. A força de tal negatividade é tanta, que sempre serão
aconselhados cuidados em relação à família quando Îsá se apresentar no àtë. Ìkú também se apresenta de
outras formas, em sua clássica descida do îrun ao àiyé para buscar alguém específico. Pela estrutura dos
ìtan, pode-se perceber que é possível retardar a inevitável viagem, se cuidados específicos forem tomados a
tempo.

444
Também é possível a ação de inimigos quando se está sobre a influência desse Odù. A traição
caracterizará tais inimigos, e a exposição de segredos pessoais por parte de falsos amigos. Um detalhe que
merece máxima atenção é que os ìtan são claros em mostrar que os inimigos são pessoas próximas, que
provavelmente façam parte do cotidiano do consulente. Pela constante citação de roedores e azeite de
dendê nos caminhos de Îsá, a possibilidade de feitiços não deve ser descartada, embora não haja citações
textuais.
Em dois momentos específicos é recomendado aos personagens fazerem oferendas, para que não
venham a ter problemas com as pessoas em geral. Nesses casos, os personagens não sabiam quem poderia
lhes fazer mal, nem de onde poderia vir o perigo; e esse fato infelizmente torna necessária uma certa
desconfiança quando Îsá se mostrar em seus aspectos negativos, pois também existe a possibilidade de má
interpretação das atividades pessoais por parte das pessoas em geral. Mas o detalhe mais importante
quanto a essa questão é o fato de que os dois personagens que receberam essa orientação não fizeram
corretamente as oferendas prescritas; o que evidencia descaso para com esse importante perigo.
Desnecessário dizer que as conseqüências foram desastrosas, pois como já foi visto, há um certo ar de
intolerância das leis universais de harmonia em relação à pessoa que, estando sobre a influência de Îsá,
comete erros de natureza espiritual.
Os momentos em que estão presentes as mortes de filhos nos ìtan evidenciam que perdas têm em
Îsá um bom representante. À primeira vista não parecem ser perdas de caráter material, mas algo muito
mais profundo, de conseqüências mais dolorosas, que provavelmente deixará indeléveis cicatrizes. Também
merece destaque a dificuldade de se manter aquilo que se conquista; invariavelmente devido à ignorância
espiritual, falta de discernimento para perceber a gravidade de uma situação, ou ambas hipóteses.
As divindades citadas por Salàkï são:
a) Èñù
b) Òñàlá
c) Îñun
d) Îrúnmìlà
e) Ògún
f) Ñàngó
g) Òrìñà Oko
h) Ìkú
i) Orò
j) Öya
l) Îñïsì

Presente a Îsá

Cento e oitenta búzios


Um galo
Um pombo
Um òkété
Nove ovos

445
Tecidos (branco, preto, vermelho e colorido)
Água fria
Osùn
Chumbo
Ferro
Bronze
Uma muda de roupa
Azeite de dendê, etc.

446
Îsá 1

Certa vez existiu um homem chamado Ödunnbade. Numa determinada ocasião de sua existência
ele resolveu consultar um babalawo, pois desejava que “sua vida fosse agradável; e que as coisas fossem
mais fáceis para ele". O babalawo recomendou-lhe um ëbö, que deveria ser completado com oferendas a
Òrìñà. Ödunnbade seguiu corretamente as orientações do babalawo, e depois de um tempo seu pai, que já
era um ancião, veio a falecer. Entre todos os seus irmãos, Ödunnbade acabou herdando do oyè de seu pai,
assim como a prosperidade e reconhecimento que o oyè em questão proporcionava. Ele dançava e
regozijava, feliz por Òrìñà ter dito a verdade. Ödunnbade na verdade é o próprio festival dos inhames novos
de Ifë.

"O que ele deveria fazer para que sua vida fosse agradável, para que as coisas fossem fáceis
para ele?" Essas foram as razões que levaram Ödunnbade a consultar Ìfá. Esse fato exprime preocupações e
até descontentamentos sobre as atuais particularidades da existência pessoal. Sob a influência desse Odù,
esses assuntos tendem a se resolver satisfatoriamente.

“Ele deveria fazer oferendas a Òrìñà”. Essa passagem mostra o complemento da oferenda feita
por Ödunnbade. É um óbvio indício de que atitudes devocionais e litúrgicas a Òrìñà serão imprescindíveis
para a manifestação das bênçãos inerentes a esse caminho de Îsá. Bênçãos essas caracterizadas por uma
vida agradável, abrandamento das dificuldades inerentes ao àiyé e obtenção de um oyè (por extensão,
ascensão social). A utilização da palavra “Òrìñà” designando uma só divindade invariavelmente refere-se
a Òñàlá. Muito provavelmente seja essa a divindade que deverá receber oferendas como complemento do
ëbö a esse Odù, mas nada impede que em nome da prudência o awolòrìñà confirme essa possibilidade,
para ter certeza se de fato é Òñàlá, e não um outro Ëböra, que deverá receber as oferendas em questão.

"Ödunnbade tomou o oyè de seu pai". Considerando-se o fato de que foi o recebimento desse
oyè a positividade que se manifestou na vida de Ödunnbade, é provável que o mesmo esteja intimamente
relacionado ao sucesso naquilo que se almeja. Há a possibilidade dessa positividade ter relação à
continuidade da ocupação do pai do consulente. Mas além do sentido literal, deve-se considerar a hipótese
dessa passagem corresponder a uma posição de destaque que certamente será atingida se o consulente
optar por uma atividade (profissional ou não) em que possa atuar como líder, pois títulos geralmente estão
relacionados à capacidade de liderança, competência e destaque em atividades específicas. A citação
textual de oyè torna esse Odù propício à passagem de títulos honoríficos dentro de um ëgbý Òrìñà, e o fato
do oyè em questão ser uma espécie de herança, um legado deixado de uma geração para outra, evidencia a
ancestralidade inerente a esse caminho de Îsá. Especificamente no Candomblé, o termo “herança” pode
ter uma conotação toda especial, envolvendo complicadas transferências de responsabilidades entre um ser
que se torna ara îrun, e outro que continua em sua situação temporária de aràiyé. Apesar de não haver
nenhuma citação textual a respeito, seriam prudentes consultas nesse sentido.

447
“Vocês não conhecem Ödunnbade? Ele é aquele que chamamos de inhame. Quando os
inhames novos estão prontos, é o momento de se fazer o festival de Ödunnbade”. A citação textual do
festival dos Inhames Novos abre a possibilidade desse caminho de Odù favorecer novos ciclos da vida;
novas atividades em geral, pois esse festival representa o início das atividades sociais e litúrgicas em terras
iorubas. Considerando-se que em Ifë a principal divindade é Òrìñàlá, ganha ainda mais força a idéia de uma
eventual influência dos Òrìñà Funfun em toda a problemática exposta por esse Odù.

Ëbö

Dezoito búzios
Um galo
Oferendas a Òrìñà

Comentários sobre o ëbö

a) Como já foi visto, além do ëbö acima prescrito será necessária uma oferenda a Òrìñà (muito
provavelmente a Òñàlá). A natureza de tal oferenda não está explícita no ìtan, cabendo então ao awolòrìñà
definir esse importante detalhe. Se de fato Ìfá confirmar a influência dos Òrìñà Funfun nesse Odù, será
aconselhável que o consulente tenha uma certa paciência para a resolução de suas questões, pois é sabido
que quando Òñàlá está envolvido numa questão, não adianta pressa, pois as coisas só ocorrerão no
momento certo. Outras atitudes típicas do comportamento “Funfun” como tranqüilidade, espiritualidade
e perseverança serão vitais para o sucesso sob a influência desse caminho de Îsá.

b) A finalidade desse ëbö é conseguir uma vida mais amena, menos atribulada pelos constantes
sofrimentos inerentes ao àiyé. Também está relacionada ao frescor de novas fases e oportunidade da vida
(Inhames Novos), além de favorecer a obtenção de um oyè.

448
Îsá 2

Nos primórdios da criação existiu um homem, cujo nome era Ölögbön (Sabedoria). Também
existia uma mulher, que se chamava Imöran (Conhecimento). Ambos eram solteiros, mas se sentiam
atraídos um pelo outro. Naquela época era através de um obì que as pessoas recebiam àñë de Òrìñà. Então
Ölögbön pegou seu obì sem que Imöran soubesse, e sussurrando ao perguntou ao obì como seria possível
dormir com Imöran. Essa por sua vez também sussurrou ao seu obì, perguntando o que seria necessário
fazer para ver a nudez de Ölögbön e desfrutar de sua vida. Depois disso, eles pegaram os obì e foram até a
casa de Òñàlá. Era Îñïsì que guardava a casa de Baba. Logo que Ölögbön e Imöran chegaram, disseram que
queriam conhecer a resposta do que haviam perguntado ao obì; e que para tal precisavam ver Òñàlá. A
princípio Îñïsì não os deixou passar, mas acabou cedendo. Ambos explicaram a Òñàlá o que estava
ocorrendo. Baba disse que deveriam trazer cordas para ele. Eles trouxeram as cordas, Baba os amarrou e
disse que ambos não deveriam tomar outras pessoas como cônjuge. Depois Baba disse que Imöran seria a

449
mulher que ajudaria Ölögbön, e que ambos não se esquecessem que ele (Òñàlá) estava com as cordas
deles. Dessa forma Ölögbön e Imöran se casaram. Imöran era boa para Ölögbön, que era gentil com sua
esposa. Eles viviam em harmonia; a casa de ambos era equilibrada. Eles dançavam e regozijavam com a
bênção que chegara a suas vidas. Ölögbön é aquele que conhecemos como Îrúnmìlà. Imöran é aquela que
conhecemos como Îñun.

"Îrúnmìlà disse, ‘O que eu devo fazer para dormir com essa mulher?’ Îñun disse, ‘O que eu
devo fazer para poder ver esse homem nu; e para que possa desfrutar de tudo o que ele possui?’". É
evidente que questões sentimentais estarão presentes quando Îsá se apresentar nesse caminho. O
importante é ter em mente que de acordo com a estrutura do ìtan, tais sentimentos deverão ter a
espiritualidade como esteio, mesmo que a princípio apenas o desejo esteja presente. Interessante notar que
além de desejos amorosos, Îñun nutria a esperança de desfrutar dos bens de Îrúnmìlà. Esse fato não só
aponta para interesses maiores do que os sentimentais, mas passa a ser ainda mais intrigante levando-se
em consideração que mais à frente, Òñàlá determina que Îñun deveria ajudar Îrúnmìlà, talvez numa alusão à
origem do oyè Àpètèbí. Graças a todos esses detalhes, é provável que se houver outros interesses além dos
sentimentais, certamente haverá um preço a ser pago no futuro; e tal preço possivelmente possuirá uma
conotação espiritual.

“Baba disse, ‘A mulher que você precisa para te ajudar, você a tomará. O homem que você
precisa para te ajudar, você o tomará. Nenhum dos dois deve tomar outra pessoa como cônjuge’.
Îrúnmìlà era bom para Îñun; que também era boa para Îrúnmìlà. Eles viviam em harmonia, a casa deles
estava equilibrada. Eles dançavam e regozijavam”. Essas foram as palavras de Òñàlá a Îrúnmìlà e Îñun. É
uma evidência da necessidade de mútuo auxílio dentro de um casamento. Se tal espírito de auxílio estiver
presente, certamente a felicidade conjugal inerente a esse Odù se manifestará. Interessante notar o
conselho sobre não tomar outro companheiro. Pode ser uma alusão à necessidade de manutenção de um
casamento, ou um desestímulo à infidelidade.

"Tragam-me suas cordas". No ìtan Òñàlá amarra Îrúnmìlà a Îñun, simbolizando a união entre
ambos. O fato dos dois amantes terem ido a Òñàlá (como que para sacralizar uma possível união entre
ambos) pode ser um simbolismo sobre a importância espiritual que relacionamentos afetivos terão quando
aparece esse Odù. Devido a esse fato, pode-se supor que tais relacionamentos serão profundos e
provavelmente bem sucedidos, se houver entendimento das questões abordadas nesse caminho de Îsá.

"Essa é a razão de Ìfá não poder tomar mulheres para si sem o consentimento do babalawo".
Além de trazer uma importante informação litúrgica e cultural, essa passagem pode ser uma alusão de que
as escolhas sentimentais devem ser respaldadas por consultas a Ìfá. Se tal possibilidade possuir
fundamento, será mais uma evidência de que a vida sentimental deverá estar em harmonia com a
espiritualidade quando aparece esse caminho de Îsá.

“Consultaram Ìfá para Ölögbön e Imöran”. No ìtan, Îrúnmìlà é chamado de Conhecimento,


enquanto Îñun é chamada de Sabedoria. Esse fato evidencia que conhecimento sem sabedoria é uma
virtude incompleta, assim como a recíproca é verdadeira. Muitos foram os erros do passado do Candomblé

450
que teriam sido evitados, se houvesse clara percepção de que só o conhecimento não é suficiente, pois é
acumulativo e tem suas raízes na mente, enquanto a sabedoria é intuitiva, pois é oriunda da alma.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Îñun e Îrúnmìlà perguntaram aos obì questões que geralmente carecem de oferendas para
serem resolvidas. Mas Òñàlá não lhes prescreveu nenhum ëbö; apenas os orienta, aconselhando atitudes
harmônicas e espiritualizadas. Como um já desejava casar com o outro, de fato oferendas não fariam
sentido aqui.

451
Îsá 3

Antes de ser conhecida como Ìyánsàn, Öya não conseguia ter filhos. Já estava na hora dela vir para
o àiyé, e preocupada resolveu consultar um babalawo, pois desejava muitos ter filhos em sua vida. O
babalawo recomendou-lhe um ëbö, que entre outras coisas possuía carne de carneiro. Öya fez a oferenda
prescrita, depois o babalawo fez um preparo com a carne do carneiro, e lhe deu para comer. Öya comeu a
carne, e pouco tempo depois começou a ter seus filhos tão esperados. Öya teve nove filhos, todos no topo
de uma colina, por isso é chamada Ìyánsàn (mãe de nove filhos). Mas tudo na vida tem um preço, e Öya foi
taxativamente proibida de consumir carne de carneiro outra vez. É por isso que esse é o principal ëwî de
Öya.

“Será que Ölömö (Öya) poderia ter seus filhos no àiyé?”.O fato de Öya não possuir filhos abre
a possibilidade de ocorrerem consideráveis frustrações na vida do consulente, pois na mentalidade
iorubana ter filhos é a mais completa forma de auto-afirmação, quer seja social, pessoal, psicológica, etc. É
óbvio que considerando o aspecto literal da questão, são grandes as chances de algum fator, físico
psicológico ou espiritual, que favoreça dificuldades gestacionais.

"Quando ela teve filhos, ela teve nove Ela tornou-se vendedora de dendê. Quem é ela? É
Ìyánsàn". O fato de Öya ter conseguido engravidar evidencia que apesar da possibilidade de existirem
frustrações ou dificuldades gestacionais, esse é um caminho de Odù onde as realizações estarão presentes.
Pode-se então esperar por sucesso naquilo que se almeja, pois filhos simbolizam plena realização. A breve
citação sobre a ocupação profissional de Öya pode ser alusão à importância que o trabalho terá para que
seja possível criar os filhos (realizar o que se almeja). Nesse caso fica evidente que será necessário
reorganizar a vida (muito provavelmente em seu aspecto profissional) para desfrutar harmoniosamente do
que se espera realizar. A atividade de Öya como vendedora dá ao comércio um certo destaque em relação a
outras atividades profissionais.

452
"Uma bênção de filhos é o que virá". Além de todas as possibilidades já abordas, em Odù que fala
sobre filhos é necessário cuidado, pois existirá a possibilidade dos filhos já existentes estarem com algum
problema. Pela gravidade de tal possibilidade, é óbvio que o ideal é ter certeza através de consultas
específicas antes de fazer qualquer comentário com o consulente.

"É por isso que Öya não toca em carneiro". É muito conhecido o fato de que Öya tem no carneiro
o seu principal ëwî. Segundo Salàkï a razão de tal tabu é o fato de Öya ter usado carne de carneiro no ëbö
que a possibilitou ter filhos. Nas doutrinas esotéricas, o carneiro é tido como um símbolo de força e
violência, sendo seus chifres elementos fálicos. Öya serve-se da lascívia representada pelo carneiro para
tornar-se mãe, não entrando nunca mais em contato com o mesmo. Nesse caso é importante salientar que
em outro mito, Öya só consegue engravidar quando é possuída violentamente por Ñàngó. Sob um ponto
de vista metafórico, abre-se a possibilidade de um comportamento sexual inconseqüente ser inadequado e
desaconselhável quando aparece esse caminho de Odù. Dá mais força a essa possibilidade o fato de Ñàngó
ser um dos Ëbörà representados por elementos fálicos; e o carneiro é sua oferenda por excelência. O
comportamento sexual que os mitos dão a Öya também reforça tal possibilidade. Mas por tratar-se de uma
especulação, tal afirmação deverá ser confirmada antes de ser externada.

Ëbö

Dezoito búzios
Um tecido colorido
Carne de carneiro

Comentários sobre o ëbö

a) Tecidos coloridos são constantemente utilizados para Egún e Ìbejì, sendo também muito
comuns em oferendas relacionadas a filhos e crianças em geral. Caberá ao awolòrìñà checar se há alguma
influência dessa natureza nesse caminho de Îsá.

b) O significado do carneiro já foi abordado alhures. A forma de preparo dessa carne também
deverá ser definida pelo awolòrìñà, visto que não há informações quanto a isso no ìtan.

c) A finalidade desse ëbö é favorecer o surgimento de filhos. Logo, está relacionado à gestação e
realizações em geral.

453
454
Îsá 4

Certa vez Îñun decidiu ter filhos, mas para sua surpresa, não estava conseguindo engravidar. Então
Îñun foi a um babalawo, e quando o babalawo consultou Ìfá, a aconselhou a deixar de consumir ötí öká
(uma bebida iorubana). Îñun gostava de ötí öká, mas era o consumo dessa bebida que não lhe permitia ter
filhos. Mesmo gostando dessa bebida, Îñun não mais a consumiu, e passou a apreciar ñûkûtû, uma outra
bebida iorubana feita à base de um tipo de milho. A abstenção de ötí öká e o consumo de ñûkûtû
favoreceram para que Îñun tivesse muitos filhos. Logo que acordava, Îñun bebia ñûkûtû. Ela dançava e
regozijava em sua alegria pelos filhos que havia conseguido.

"O que Îñun deveria fazer para que pudesse ter filhos". O desejo por filhos geralmente está
associado a algum outro tipo de desejo ou aspiração ainda não realizada, independentemente do aspecto
da vida em que tal realização possa acontecer. É provável que desejos de realizações estejam presentes e
que esses mesmos desejos possam ser alcançados, se o consulente compreender as mensagens trazidas
por esse caminho de Îsá. Interessante notar que teoricamente Îñun não deveria ter nenhum problema para
ter filhos, tendo em vista que ele é a patrona da gestação e do fluxo menstrual. A dificuldade de Îñun em
engravidar pode representar diversos tipos de frustrações, além é claro de problemas gestacionais.

"Bem. Îñun gostava de ötí öká. Ela deveria deixar de beber ötí öká se quisesse ter filhos". Para
alcançar os objetivos almejados, será necessário um certo grau de renúncia e força de vontade. É provável
que os benefícios desejados (simbolizados pelos filhos) só se manifestarão se a vontade de alcançá-los for
maior do que o desejo de desfrutar os gozos sensoriais.

"Tartaruga entra no casco vagarosamente, o ìgbín arrasta-se vagarosamente". Essas passagens


podem ser uma alusão de que será necessário paciência até que as realizações em questão possam de fato
acontecer. Também merece destaque o fato de que em algumas filosofias, a tartaruga representa a
capacidade de retrair os sentidos de tudo o que pode causar prejuízo à espiritualidade. Esse pormenor
encaixa-se perfeitamente à realidade exposta por esse caminho de Îsá.

“Îñun começou a ter filhos. Ela dançava e regozijava. Aquele que bebe ñûkûtû terá muitos
filhos. Isso é quando Òrìñà fala sobre uma bênção de filhos”. Em Odù que fala sobre filhos deve-se
considerar a hipótese de relacionamentos amorosos, formação de família, emancipação, ascensão social,
desejos não realizados e a possibilidade de algum filho já existente estar com algum problema. A palavra de
Òrìñà, que se cumpriu na vida de Îñun, dá a esse caminho de Îsá aspectos positivos de realizações e
conquistas. Também é interessante notar a importante informação litúrgica sobre a bebida ñûkûtû.

Ëbö

Dezoito búzios

455
Um galo
Um pombo
Ovos
Oferendas a Îñun

Comentários sobre o ëbö

a) Ovos são um dos símbolos mais comuns de continuidade da vida, de que algo ainda não
manifestado está prestes a ganhar forma e se desenvolver. Esse fato dá a esse caminho de Îsá uma
característica de vitória e realização, pois no ìtan Îñun consegue os filhos que tanto desejava. Ovos também
podem representar o àñë das Ìyá nlá (Grandes Mães), sem o qual nenhuma realização de caráter material é
possível, pois elas são as patronas de toda e qualquer combinação material. O número de ovos necessários
não foi definido por Salàkï; cabendo então ao awolòrìñà tal definição.

b) No ìtan aparece, “Vá e faça oferendas a Îñun”. O ëbö não estará completo sem essas
oferendas. Esse fato reforça ainda mais a possibilidade desse caminho de Îsá estar relacionado ao àñë das
Ìyá nlá. A natureza de tal oferenda também não foi definida por Salàkï, cabendo novamente ao awolòrìñà
definir esse detalhe.

c) A finalidade desse ëbö é favorecer a geração de filhos. Logo está relacionado à fecundidade e
ao surgimento de realizações em geral.

456
Îsá 5

Îsá nos conta que antigamente Ferro, Bronze e Chumbo eram filhos de Ògún, Îñun e Òñàlá,
respectivamente. Numa determinada ocasião essas três divindades consultaram um babalawo, e ouviram
que uma grande ventania estava para chegar, e arrastaria seus filhos pelo mundo, se eles não tomassem
providências. Îñun ficou preocupada; Òñàlá ficou preocupado, mas Ògún disse que vento nenhum poderia
carregar seu filho Ferro pelo mundo. Apesar dessa postura inicial de Ògún, ele também resolve, junto com
Òñàlá e Îñun, enterrar seu filho no chão, para que o vento não o carregasse. Então eles enterraram Ferro,
Bronze e Chumbo. A ventania chegou, e durou nove meses. Ao final desse tempo eles foram desenterrar
seus filhos. Ògún desenterrou Ferro, que estava todo corroído pela ferrugem. Uma grande tristeza invadiu o
coração do Guerreiro. Òñàlá desenterrou Chumbo, que havia engordado a ponto de quase não ser
reconhecido. Depois Îñun desenterrou Chumbo. Ele estava bem, mas não tão vistoso quanto Chumbo. Foi
assim que Chumbo superou os outros metais, obtendo a preferência de Òñàlá. Também é por isso que os
filhos devem cultuar seus pais através de seus pés, pois os pés tocam sempre o solo, que salvou a vida de
Ferro, Bronze e Chumbo.

457
“Ìfá diz que é preciso fazer uma oferenda por nossos primogênitos. Essas três crianças. O que
elas deveriam fazer para não serem carregadas por aí?”. A principal mensagem trazida por Îsá nesse
caminho é a possibilidade de algo muito ruim acontecer ao primogênito do consulente. Como já foi visto
muitas vezes, “filhos” representam também projetos e realizações pessoais, mas seu aspecto literal
parece muito mais aplicável a esse Odù. Esse fato dá ares de perigo esse caminho de Îsá.

“Consultaram Ìfá para Ferro, primeiro filho de Ògún; para Bronze, primeiro filho de Îñun, e
para Chumbo, primeiro filho de Òñà Wújì”. O chumbo é usado por Òñàlá, o bronze por Îñun e o ferro por
Ògún. É como se a sabedoria (chumbo) devesse estar acima das emoções (bronze), e essas por sua vez,
acima dos instintos (ferro). Interessante seria uma comparação entre esses fatos e as Gunas (características
da natureza material e humana) do Bhagavad Gita hindu, que diz que tudo nesse mundo se encaixa nesse
três aspectos da natureza, ou seja, Satva (Sabedoria-luz), Rajas (desejo-fogo) e Tamas (ignorância-trevas). As
ações inspiradas por Satva levam à iluminação, baseadas em Rajas levam à satisfação sensorial, e baseadas
em Tamas levam ao torpor espiritual. Independentemente de qualquer comparação religiosa ou filosófica, é
fato que a atitude inicial de Ògún é típica de ignorância espiritual. Depois ele se arrepende, e resolve acatar
o conselho de Ìfá. O fato de ele enterrar seu filho, sem considerar o que a umidade faria com ele, é mais uma
evidência de atitudes impensadas, para não dizer ignorância espiritual.

"Ògún disse, ‘Nenhum vento pode derrubar meu filho’". A atitude de Ògún de não fazer o
ëbö prescrito, por acreditar que nada poderia causar dor a seu filho, evidencia aquilo que os hindus
chamariam de Tamas; a ignorância, de cujo seio só nasce a dor. É exatamente esse tipo de comportamento
que deve ser evitado quando aparece esse caminho de Îsá. É possível que a grande ventania do ìtan
represente os percalços da vida no àiyé. Esses mesmos percalços se abaterão sobre os filhos (ou aspirações)
do consulente, e certamente os arrastarão pelo mundo, se os cuidados sugeridos por Ìfá não forem
tomados a tempo.

"Quando desenterraram Ferro, ele estava coberto de ferrugem. Ògún estava triste". O ferro é
utilizado nos ritos de quase todas as divindades "filhos", os Ûbïrà. Também é conhecido o fato de que são
exatamente essas divindades que mais se afastam daquilo que pode ser considerado espiritual, como
sabedoria, paciência, etc. Olhando por esse prisma, pode-se entender a metáfora da ferrugem, pois o fato
do ferro ser o menos sutil de todos os metais usados em rituais, foi o que mais sofreu devido à tormenta
que se abateu sobre todos. Sob um outro ponto de vista, pode-se considerar que ao não fazer o ëbö, Ògún
também não alimentou a terra (que sempre é a primeira a "comer"), e o sofrimento imposto a seu filho Ferro
pode ser uma represália à atitude ignorante e desrespeitosa de Ògún. Tanto Îñun como Òñàlá fizeram seus
ëbö, garantindo assim a segurança de seus filhos no seio de Onilý. Mas apesar de todas as interpretações
metafóricas, o sentido literal do texto também merece atenção, logo há a possibilidade de algum filho do
consulente (ou pessoa muito próxima) estar em perigo.

“É por isso que se deve cultuar os pais através dos pés”. Na simbologia do Candomblé, os pés
representam os antepassados, pois servem como apoio e mantém o indivíduo em contato com sua origem,
a terra. No ìtan, foi o zelo dos pais que garantiu a vida de Ferro, Bronze e Chumbo. Esse fato sugere que a

458
ancestralidade do indivíduo será o apoio do mesmo nesse momento de perigo. A referência sobre "cultuar
os pés" abre a possibilidade de que tal culto aos ancestrais possa ser efetuado através dos ritos de börí. Se
tais ritos serão suficientes ou não, caberá ao awolòrìñà definir, mas o importante é ter em mente que o
consulente precisa estreitar os laços entre ele e sua ancestralidade, pois sua segurança pode depender
desses vínculos.

"Ìfá diz que devemos ter cuidado com nossos primogênitos". Apesar das possibilidades de
“filhos” terem uma conotação metafórica no ìtan, essa passagem definitivamente demonstra que o
aspecto literal parece muito mais aplicável a esse Odù. De fato há problemas com o primogênito do
consulente, ou algum outro primogênito que ele conheça. A presença no ìtan de divindades e elementos
usados no culto a Òrìñà pode ser um indício de que tais problemas tenham cunho espiritual.

Ëbö

Um ëmï
Um òkété
Um ëmï

Comentários

a) O ìtan diz que foram os filhos dos Òrìñà citados que consultaram Ìfá. Logo tal ëbö deveria ter
sido feito por eles. Não há nenhuma citação literal sobre a negligência de Ògún em fazer o ëbö, apenas a
observação e o bom senso apontam para isso. De qualquer forma, a presença de roedores no ëbö é a
evidência definitiva de que há considerável negatividade em toda a questão, embora essa mesma
negatividade seja perfeitamente reversível. São grandes as chances dos primogênitos em questão “se
perderem” na vida, se os devidos cuidados não forem tomados.

b) A finalidade desse ëbö é proteger os primogênitos contra sofrimentos ou comportamentos que


possam caracterizar a ventania citada no ìtan.

459
Îsá 6

Por ser alguém muito sábio, constantemente Îrúnmìlà consultava Ìfá. Numa dessas consultas foi-
lhe dito que Ìkú estava chegando do îrun para buscá-lo, e que era preciso fazer uma complexa oferenda e
com muita rapidez, a menos que ele quisesse morrer. Îrúnmìlà sentiu a gravidade da situação e correu a
fazer o que era preciso. A primeira coisa que ele fez foi oferecer uma galinha a seu Òkè Ìpînrí. Depois ele
pegou um pintinho, preparou-o com bastante dendê e colocou na estrada, no caminho que levava até sua
casa. Por último ele pegou uma galinha e deixou-a preparada, na cozinha de sua casa. Quando Ìkú estava
chegando, encontrou o pintinho e devorou seu primeiro presente. Quando chegou à casa de Îrúnmìlà, foi
muito bem recebido, e comeu a galinha, seu segundo presente. Quando Ìkú estava partindo, Îrúnmìlà lhe
deu um tecido e mais uma galinha, para que ele não passasse fome no caminho de volta. Quando Ìkú
chegou ao îrun, perguntaram onde estava a pessoa que ele deveria trazer. Ìkú explicou como havia sido
bem tratado, a ponto de não ter coragem de fazer nenhum mal àquele que deveria ser seu carrego. Dessa
forma Îrúnmìlà não morreu precocemente. Pôde dançar e regozijar, pois o babalawo havia dito a verdade.

"Disseram agora, rapidamente". Em caminhos de Odù onde aparece Ìkú, a rapidez em agir é
essencial para que a morte possa ser evitada. Devido a esse fato esse caminho de Îsá assume um caráter
emergencial. O tempo perdido pode ser a diferença entre permanecer ou ter que abandonar esse plano de
existência.

“Ìkú estava chegando”. A presença de Ìkú é a tônica desse caminho de Îsá. Por uma questão de
prudência, sempre é bom verificar se apenas o consulente corre perigo, ou se a negatividade também se
aplica a alguém próximo ao mesmo. Ìkú é o mais poderoso de todos os Ajogún, e alguns acreditam que
quando ele se aproxima, outros Ajogún também podem fazê-lo. Por isso seria prudente considerar a
hipótese de outros malefícios estarem presentes nos caminhos desse Odù (como doenças, perdas, brigas,
intrigas, etc).

"Ìkú disse, ‘Como poderia trazer comigo aquele que me alimentou?’". Na maioria das vezes
em que Îrúnmìlà aparece em caminhos de Odù, representa a necessidade de sabedoria e astúcia para driblar
as dificuldades que possam aparecer. Essa mesma sabedoria fica evidente na informação litúrgica trazida
por Îsá nesse caminho; ou seja, sendo tratado com respeito e consideração, Ìkú pode não levar de volta ao
îrun alguém que tenha vindo buscar. É muito importante ter em mente que a principal mensagem desse
caminho de Îsá é a proximidade de Ìkú, desejando levar consigo o consulente ou alguém que lhe seja caro.

460
Graças a esse fato, algumas atitudes deveriam ser evitadas por uma questão de segurança, como noitadas,
viagens, cirurgias, etc.

“Òrìñà fala sobre uma bênção de vida longa aqui”. Apesar do perigo inerente a toda situação, a
palavra de Òrìñà é a confirmação de que, se todos os detalhes forem corretamente seguidos, não haverá
morte precoce quando Îsá se manifestar nesse caminho.

Ëbö

Dezoito búzios
Três galinhas
Um pintinho
Um tecido
Oferendas a Òkè Ìpînrí

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, após ser imolado, o pintinho deve ser assado, regado com dendê e colocado
"na entrada da cidade", ou seja, um local de acesso à casa da pessoa, para que Ìkú ao se aproximar receba
essa primeira oferenda.

b) O tecido também é uma oferenda a Ìkú. Como tecidos geralmente são oferecidos à
ancestralidade em geral, é possível que essa mesma ancestralidade venha a auxiliar o consulente nesse
momento de perigo. A necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí reforça tal pensamento.

c) No ìtan, uma das galinhas Îrúnmìlà ofereceu a seu Òkè Ìpînrí. O fato de já haver uma oferenda
prescrita e definida a Ìpînrí, ao invés da clássica citação “deveria fazer oferendas a seu Òkè Ìpînrí”, exprime
que um dos elementos da espiritualidade do consulente recebe oferendas de galinhas. No plano da
experiência pessoal, é possível dizer que já houve casos em que Ìfá aconselhou que a galinha em questão
fosse imolada a Òñàlá. Isso não significa que tal procedimento seja um padrão, mas é um indício que pode
auxiliar o awolòrìñà a definir tão importante questão. É óbvio que o destino de tal oferenda também poderá
ser Orí ou a própria ancestralidade do consulente, mas todas essas são possibilidades que caberá a Ìfá
definir.

d) A segunda galinha, depois de imolada, deve ser preparada de forma semelhante ao pintinho.
Juntamente com o tecido, deverá pernoitar na casa do consulente, pois Ìkú o visitará e isso não poderá ser
evitado. Mas quando lá chegar, Ìkú encontrará mais um sinal de respeito e consideração, e se Ölïrun assim

461
permitir, poderá se sensibilizar e não carregar ninguém consigo. Caberá ao awolòrìñà, nos caminhos de Èñù
Ëlýrù, definir onde a galinha e o tecido serão colocados na manhã seguinte. Como não há nenhuma citação
em relação ao preparo da galinha que deverá ser imolada ao Òkè Ìpînrí do consulente, certamente os
padrões rituais de sacrifício se aplicam a mesma.

e) Esse ëbö é para Ìkú não levar consigo ninguém antes do tempo.

Îsá 7

Existiu um certo agricultor cujo nome era Ogè. Esse agricultor tinha dívidas para com o Onibini (rei
do Benin), e resolveu saldá-las através de seu trabalho pessoal. Os feijões plantados por Ogè já estavam
quase maduros, mas mesmo assim ele não quis saldar sua dívida com o lucro de suas futuras vendas. Ogè
conversou com o rei, que aceitou essa forma de receber seu crédito. Enquanto Ogè estava no palácio
trabalhando, o rei saiu para olhar seu reino, e acabou se deparando com a belíssima plantação de Ogè.

462
Levado por seus baixos instintos, o rei começou a colher os feijões de Ogè, no intuito de juntá-los aos seus.
O que o rei não sabia é que Ogè já estava voltando para casa, e flagrou-o roubando seus feijões. O rei disse
que Ogè deveria deixar-lhe levar os feijões, e assim sua dívida estaria totalmente quitada; e também pediu
para que Ogè não comentasse nada daquilo com ninguém. Nessa hora Èñù apareceu somente para Ogè, e
lhe aconselhou a pedir mais coisas em troca de sua discrição. Ogè pediu para o rei a sua primogênita em
casamento, chamada Jëjë. E o rei a deu. Mais uma vez Èñù apareceu, dizendo a Ogè que pedisse mais.
Seguindo o conselho de Èñù, Ogè pediu ao rei consideráveis riquezas. Ele ganhou dinheiro, tecidos e jóias.
Dessa forma Ogè enriqueceu, tornando-se alguém muito importante no reino do Benin.

"Ogè estava indo penhorar-se ao rei de Benin". São várias as citações de Salàkï sobre a prática de
colocar os próprios serviços ao dispor de um credor para pagar alguma dívida. Provavelmente tal prática era
comum na sociedade iorubana de outrora. Esse detalhe da cultura iorubana evidencia que nem sempre é
através de dinheiro que se paga uma dívida, e tal informação certamente se aplica a muitos ëgbý Òrìñà. Mas
o importante é saber que devido à passagem acima, são consideráveis as chances de ocorrerem dívidas e
dificuldades materiais consideráveis quando aparece esse caminho de Îsá.

"O rei quis roubar os feijões de Ogè, colocando-os junto aos seus próprios feijões". Essa atitude
do rei de Benin aponta para a possibilidade de perdas, roubos ou falcatruas quando aparece esse caminho
de Odù. Se o rei conseguisse roubar os feijões, os esforços de Ogè em seu trabalho seriam perdidos. Esse
outro fato aponta para a possibilidade de ocorrerem problemas no trabalho que venham a causar
sofrimento ao consulente.

"O rei disse, ‘Não deixe ninguém saber disso’". Foi o medo de ser conhecido como ladrão que
fez o rei negociar a dívida com Ogè. Remotamente isso pode representar a possibilidade de segredos
escusos. Segundo a própria estrutura do ìtan, conhecer tais segredos será um trunfo, mas ter seus segredos
revelados certamente atrairá prejuízos.

"Èñù disse, ‘Diga que o dinheiro não é suficiente’". Foram os conselhos de Èñù que
propiciaram prosperidade a Ogè. Esse fato mostra que será Èñù o principal auxílio para que a situação de
dívidas e dificuldades possa melhorar. Astúcia e inteligência também serão vitais para que tais mudanças
possam de fato ocorrer. Uma observação mais apurada do ìtan evidencia que se esse Odù mostrar-se
negativo no àtë, pode-se considerar as possibilidades de perdas, extorsão e diversos tipos de
desonestidades.

"Ogè tornou-se possuidor de dinheiro, filhos e esposas". É essa passagem que evidencia os
aspectos positivos desse Odù. Fala da possibilidade de conseguir sucesso, apesar das dificuldades iniciais.
Além da questão prosperidade, deve-se atentar a parte que evidencia a possibilidade de realizações em
geral (filhos).

Ëbö

463
Não há.

Comentários

a) Salàkï não cita nenhuma oferenda. Esse fato evidencia que a resolução da problemática em
questão dependerá do discernimento, astúcia e inteligência do consulente. A presença benéfica de Èñù abre
a possibilidade de oferendas a esse Ëbörà. Mas como tal oferenda não está prescrita no ìtan, serão
necessárias consultas específicas a esse respeito.

464
Îsá 8

Nos primórdios da criação existiu um homem chamado Ojogbojigi, também conhecido por
Ömöyala (o filho prosperará), que resolveu consultar um babalawo, quando ele estava vindo do îrun para o
àiyé. O babalawo lhe recitou uma série de versos, que evidenciavam as dores do àiyé, mas também
mostravam que de cada dor nasce novas oportunidades. Ömöyala tinha dúvidas se prosperaria em sua vida,
por isso foi aconselhado a chamar por seu Orí de maneiras específicas, dizendo sempre Origbëbë (Orí
atende nossas súplicas), para que o mesmo lhe abençoasse e ouvisse suas súplicas.

“Consultaram Ìfá para Ömöyala, quando ele estava vindo do îrun para o àiyé”. Esse
deslocamento de um plano de existência para outro é comum em muitos caminhos de Odù. Pessoas de
profundo conhecimento místico vêm nessas passagens alusões a uma nova fase na existência humana. A
idéia do novo fica assim representada nesse Odù. Essas mesmas pessoas (acreditem, são fontes fidedignas)
aconselham oferendas a Ògún nessas situações, apesar de não haver nenhuma citação textual sobre o
Guerreiro de ferro. As razões de oferendas a Ògún estão relacionadas ao aspecto Asìwàjù (aquele que vai à
frente) desse Ëböra, para que o mesmo “abra os caminhos”, favorecendo assim vitórias e felicidades na
nova fase simbolizada pela passagem do îrun para o àiyé. Como não há citações textuais sobre a
necessidade de oferendas a Ògún, serão prudentes consultas nesse sentido.

"Elefantes tombam, suas presas são usadas como marfim. Antílopes tombam, seus chifres são
usados como instrumentos de caça. Búfalos tombam. Eles pegam seus chifres e friccionam osùn neles”.
Esses foram os versos divinatórios narrados a Ömöyala pelo babalawo. Geram uma idéia de esperança, e

465
mesmo que haja dificuldades quando aparece esse caminho de Îsá, o consulente não deve desesperar-se,
pois assim como da morte de animais pode vir coisas boas, também de suas dificuldades pessoais há de vir
momentos mais felizes. A esperança em dias melhores parece ser muito importante nesse caminho de Îsá. É
óbvio que se tal espírito de esperança não estiver presente, certamente o consulente estará sujeito a
momentos de pessimismo, até mesmo de confusão mental ou depressão. O próprio nome Ömöyala (o filho
prosperará) parece uma promessa ou uma invocação de prosperidade e futura felicidade.

"Nós somos tolos para saber se uma criança prosperará. Se nossa cabeça ouve nossas súplicas,
nós não sabemos". Essas passagens dão a entender que no momento o consulente não está em condições
de discernir sobre o seu futuro. Pode ser um momento de cansaço mental, fruto de um sofrimento
contínuo. É importante que fique claro que apesar desse quadro de dúvidas, as passagens anteriores já
citadas dão a entender que o otimismo certamente favorecerá para que os aspectos positivos desse Odù
possam de fato se manifestar.

"Essa é a razão de usarmos o nome Origbëbë (Orí atende nossas súplicas)". Se o


enfraquecimento mental for confirmado por Ìfá, oferendas a Orí poderão ser consideradas. Mas como não
há nenhuma citação textual a esse respeito, serão necessárias consultas específicas antes de qualquer
definição. A passagem acima pode ser uma alusão de que será através de Orí que as coisas poderão se
acertar.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Não há nenhuma oferenda prescrita por Salàkï. Caberá ao awolòrìñà definir quais serão os
caminhos para auxiliar o consulente nesse momento de complexas dificuldades. É certo que evidenciar os
aspectos positivos desse Odù já será uma maneira clara de auxílio.
Îsá 9

Num passado remoto, existiu um homem chamado Àfàlà. Ele afirmava que poderia pegar um
tecido preto e lavá-lo, até que ficasse branco. Os parentes de Àfàlà ficaram sabendo da história, e contaram
tudo o que ouviram ao Balë. Esse por sua vez levou as palavras de Àfàlà ao conhecimento do rei. O rei disse
que nunca havia visto nada igual, e se de fato Àfàlà pudesse fazer isso, seria generosamente recompensado
pelo seu feito. Mas se não o fizesse, seria punido como mentiroso. A mãe de Àfàlà ficou sabendo do decreto
real, e preocupada com a sorte de seu filho procurou um babalawo. Esse lhe recomendou fazer um ëbö que
contivesse um ëmï e um tecido branco. Tal ëbö deveria ser deixado no rio, e quando a mãe de Àfàlà para lá
se dirigiu, encontrou os mensageiros do rei, que numa cabaça levavam o tecido preto para Àfàlà, que já

466
estava no rio. A mãe de Àfàlà pôs o ëbö no chão, e nesse momento o ëmï fugiu. Em sua fuga o animal
esbarrou nos mensageiros do rei, que assustados deixaram cair a cabaça com o tecido, enquanto corriam
atrás do ëmï. A mãe de Àfàlà aproveitou a confusão e pegou o tecido preto da cabaça para si; deu o tecido
branco de seu ëbö para Àfàlà e partiu. Quando os mensageiros voltaram, Àfàlà lhes entregou o tecido
branco. Sem prestar atenção ao caso, eles se deram por satisfeitos, e voltaram ao palácio para comunicar ao
rei que Àfàlà havia conseguido cumprir sua tarefa. Assim que foi comunicado do ocorrido, o rei cumpriu sua
palavra e tornou Àfàlà um homem rico. Àfàlà dançava e regozijava em sua felicidade, graças ao fato de sua
mãe ter consultado Ìfá e feito a oferenda prescrita.

"Inimigos de fora não são tão ruins quanto os domésticos". Certamente essa passagem refere-se
aos parentes de Àfàlà, que espalharam a notícia sobre os tecidos, e dessa forma quase lhe trouxeram
consideráveis sofrimentos. De acordo com o ìtan, tais inimigos seriam pessoas próximas, conhecidas do
consulente. Há de se levar em consideração que um exame minucioso do ìtan revelará que o real inimigo de
Àfàlà era sua própria ignorância (ou ingenuidade) em querer mudar a cor de um tecido com água. Talvez o
conceito de "inimigos em casa" possa ser aplicado em um plano subjetivo, interno e psicológico. Mas essa
nova possibilidade não inviabiliza os cuidados básicos que esse Odù exige, ou seja, precaução com inimigos
em geral.

“Consultaram Ìfá para Àfàlà, que desejava lavar um tecido preto, até que ele ficasse branco”.
Como já foi visto, as possibilidades de ignorância ou ingenuidade devem ser consideradas. Mas o bom
senso também aponta para a possibilidade de se assumir compromissos difíceis de cumprir. Segundo a
própria estrutura do ìtan, é importante que fique claro que, no caso de tais compromissos não serem
cumpridos, as conseqüências poderão ser ruins. Se o consulente acreditar não contar com a mesma sorte de
Àfàlà, o melhor seria tomar todos os cuidados possíveis, para que um passo maior do que a perna não seja
dado.

“Sua mãe disse, ‘Onde já se viu alguém lavar um tecido preto até que fique branco?’. Ela
pegou cinco búzios e foi a um babalawo”. No ìtan é a mãe de Àfàlà que faz o ëbö que acaba salvando-o
da guarda real. Esse fato pode ser uma alusão à possibilidade de ser na figura materna (ou em sua
ancestralidade feminina) que o consulente encontrará melhor apoio para seus problemas. Se tal fato for
confirmado por Ìfá, fica claro que a idéia de inimigos próximos não se encaixará à mãe do consulente. No
caso de mãe falecida, é evidente que esse caminho de Îsá assumirá ares de considerável ancestralidade,
ainda mais pelo fato da mãe do ìtan ter levado o ëbö a um rio, pois entre os iorubas, rios são um dos mais
fortes símbolos de ancestralidade. Se de fato o fator ancestral for confirmado por Ìfá, abrir-se-á a
possibilidade de oferenda a Ìyàmi. A ausência de textualidade para essa possibilidade torna necessária a
execução de consultas a esse respeito.

"Quando os mensageiros voltaram, encontraram o pano branco". A esperteza da mãe de Àfàlà


pode significar a necessidade de subterfúgios e rapidez de raciocínio para escapar de uma situação
delicada.

467
"O rei deu um prêmio a Àfàlà. Ele tornou-se próspero". Essa passagem evidencia a possibilidade
de se conseguir sucesso material quando aparece esse caminho de Îsá, desde que se possua a devida
inteligência para driblar os inimigos e aproveitar oportunidades, independentemente dos inimigos serem
reais (físicos) ou alguma tendência de personalidade que constantemente traga dores ou prejuízos.

"Ìfá diz que nós escaparemos do perigo". Essa passagem é uma confirmação que perigos estarão
presentes quando aparecer esse caminho de Îsá, mas também indica as boas chances de escapar ileso a tais
perigos.

Ëbö

Dezoito búzios
Um galo
Um ëmï
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

b) O tecido branco desse ëbö é o mesmo que a mãe de Àfàlà trocou pelo preto que ele foi lavar no
rio. Pode representar o auxílio ancestral (como já foi abordado), o auxílio materno ou a necessidade de
purificação. Caberá ao awolòrìñà definir o que se encaixa melhor à realidade do consulente.

c) No ìtan esse ëbö foi feito pela mãe de Àfàlà. Será necessário definir se é o próprio consulente
que deve fazer essa oferenda a Îsá, ou se a mesma deve ser feita por sua mãe ou alguém que a substitua.

d) A finalidade desse ëbö é conseguir se sair bem perante compromissos de difícil realização.
Levando-se em consideração o ìtan, tal ëbö também favorecerá a prosperidade em situações como as já
citadas.

468
Îsá 10

Houve uma época em que Òrìñà Oko desejou tornar-se o líder de sua comunidade. Ele foi
consultar um babalawo para saber o que poderia ser feito a respeito, e lhe foi aconselhado a não ser
avarento. O babalawo disse que ele deveria ir à floresta caçar, e que o primeiro animal que ele abatesse, não
deveria reter nada para si. Deveria preparar um banquete, para desfrutar junto com seus amigos. Esse seria
o seu ëbö. Òrìñà Oko seguiu as orientações de Ìfá. Ele serviu o banquete, e todos os seus amigos comeram e
beberam em sua casa. Após o banquete, seus amigos tinham nele uma confiança inabalável. Ele passou a
ser servido por todos, conseguindo dessa forma a liderança inicialmente desejada.

“Consultaram Ìfá para Òrìñà Oko de Irawö; quando ele foi à floresta para conseguir a liderança
em seu ëgbý”. O motivo que leva Òrìñà Oko a consultar Ìfá evidencia as aspirações por liderança nesse
Odù. Certamente o potencial para liderar estará presente nesse contexto. O sucesso de Òrìñà Oko em seus
intentos faz desse caminho de Îsá um presságio de realizações no que diz respeito a relações interpessoais,
levando-se em consideração a palavra “ëgbý” (comunidade).

“O primeiro animal que você abater, não o venda. Faça um banquete com ele e convide seus
amigos à sua casa. Assim você se tornará um homem agradável. Disseram que Òrìñà Oko não deveria ser
avarento". A generosidade demonstrada por Òrìñà Oko foi a chave para atingir a posição de liderança em
sua comunidade. Merecem destaque as preocupações em relação a comunhão. Foram atitudes que
zelavam pela comunhão entre pessoas que favoreceram o sucesso de Òrìñà Oko. Esse fato evidencia a
necessidade de esforços pela união e harmonia (o conhecido “Ajo” do Candomblé). Um outro fator que
merece destaque é a possibilidade de renúncia, para que seja possível atingir objetivos. Tal fato é
demonstrado quando Òrìñà Oko abre mão de sua caça (fruto de seu trabalho) em nome de seu objetivo.

"Òrìñà Oko dava água fria para os que buscavam filhos, ou se esforçavam para se sentir
melhor". A idéia de “água fria” em ìtan é propiciar condições para as mais diversas realizações.

469
Simbolicamente, o uso de água em rituais visa o “tornar propício”, ou seja, favorecer para que algo de
bom aconteça, assim como a água, ao molhar a terra, torna possível a manifestação da vida. Todos esses
fatos mostram que uma vez realizada, a liderança almejada nesse Odù deve levar benefícios às pessoas em
geral. Sem que tal idéia esteja clara, todo o conceito de liderança inerente a esse caminho de Îsá perderá o
sentido.

"Òrìñà Oko tornou-se alguém que os demais serviam". Essa passagem é uma confirmação sobre
a possibilidade do consulente vir a atingir uma posição de destaque entre os seus. Mas uma vez é
importante salientar as responsabilidades que tal liderança exigirá.

"Ìfá diz que nós teremos descanso". Devido ao conteúdo dessa passagem, é possível que o
consulente esteja vivendo uma realidade estressante. Tal estresse poderia ser representado pelas
preocupações de Òrìñà Oko, além de seus esforços como provedor nesse ìtan. Independente de questões
interpretativas, o fato é que um período que Ìfá chama de “descanso”, está prestes a se manifestar na vida
do consulente.

“Chifres de búfalo são bons para friccionar osùn. Nós o friccionamos com osùn, e os
entregamos a Öya”. Essa passagem traz uma importante informação litúrgica. De uma forma geral, além
de fálicos chifres representam descendência, pois vêm à frente dos animais, em oposição à cauda,
relacionada à morte e aos antepassados. Sem falar da forma cônica, que representa o crescimento ao
infinito que se inicia num ponto específico, a ponta do chifre. Esse mesmo emblema, em contato com osùn,
representa fecundidade e realizações. Graças a esses fatos, é possível que realizações também possam
ocorrer quando aparece esse caminho de Îsá.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar de não haver nenhuma oferenda prescrita, nos caminhos normais em que isso
realmente acontece, é óbvio que o próprio banquete servido no ìtan funcionará como um ëbö. Há outros
caminhos de Odù onde banquetes são recomendados, e invariavelmente atraem consideráveis bênçãos a
quem os prepara e serve. Nos dias atuais é pouco provável que o consulente consiga caçar o prato principal
repasto, mas talvez fosse importante a presença de algum animal que evocasse a idéia de caça, levando-se
em consideração que Òrìñà Oko é um grande caçador. Caberá ao awolòrìñà definir todos os detalhes a esse
respeito.

470
Îsá 11

471
Contam os mais velhos que Iki (uma espécie de roedor africano) e Agbò (carneiro) eram amigos.
Certa vez Iki consultou um babalawo, e foi avisado que corria perigo. Iki foi aconselhado a não sair de casa,
não aceitar presentes nem responder chamados, tudo isso durante nove dias. Iki recebeu do babalawo
algumas pulseiras de metal, e depois voltou para casa preocupado, disposto a seguir as orientações trazidas
por Ìfá. Agbò era o adivinho do rei. Numa de suas consultas ele disse ao monarca que Iki deveria ser o seu
ëbö. O rei não fazia idéia de onde poderia encontrar Iki, e Agbò disse que conhecia um, e que o traria para o
rei fazer seu ëbö. Agbò dirigiu-se a casa de Iki, e lá chegando o chamou. Iki evitou responder, mas devido a
insistência de Agbò acabou fazendo-o. Agbò havia levado alguns obì para atrair Iki, que se mostrou
relutante em aceitar o presente. Mas a insistência de Agbò fez Iki ceder mais uma vez, e assim que saiu de
sua toca para apanhar os obì, foi capturado por Agbò, que o prendeu numa espécie de tigela com tampa.
Nessa hora Èñù aconselhou Iki a recitar o encantamento que o babalawo havia lhe ensinado. Iki assim o fez,
e um vento fortíssimo surgiu, levantou Agbò no ar e o arremessou em direção a um toco de árvore. Na
confusão Iki fugiu da tigela, mas lá deixou seus braceletes. Agbò levantou-se e pegou a tigela. Não quis
abri-la, apenas a chacoalhou, e o tilintar dos braceletes lhe fez acreditar que Iki ainda estava lá. O rei era
conhecido por sua impaciência e crueldade. Assim que Agbò chegou ao palácio, o rei avisou que se ele não
havia trazido Iki, seria melhor ir embora. Mas Agbò não partiu, e quando abriu a tigela, só encontrou os
braceletes. O rei mandou os guardas prendê-lo. Agbò começou a chutar e chifrar todos que dele se
aproximavam. O filho do rei também tentou pegá-lo, e Agbò o chutou nos testículos, matando-o. Furioso o
rei ordenou aos guardas que matassem Agbò. Na hora dos funerais do filho do rei, Agbò foi sacrificado. É
por isso que carneiros são imolados em exéquias até os nossos dias. Iki dançava e regozijava, pois a palavra
de Òrìñà havia se mostrado verdadeira.

“Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö, para que nossos amigos não possam nos prejudicar. Ìfá
diz que quem trai um amigo, trai a si mesmo”. A possibilidade de ser traído por um amigo é a principal
mensagem trazida por Îsá nesse caminho. Carneiro aproveita-se de sua intimidade com Iki para traí-lo.
Certamente esse é um momento para reavaliar as amizades, pois as chances de traição são mais que
consideráveis. Caberá ao consulente tomar todos os cuidados possíveis para que tal infortúnio não
aconteça. A morte de Agbò pelas mãos do rei mostra o futuro desastroso para os traidores nesse Odù. Caso
o consulente encaixe-se melhor ao perfil de Agbò do que de Iki, é bom que saiba que está plantando
ventos; colherá tempestades.

"Essa pessoa não deve sair por nove dias. Nem deve aceitar obì por nove dias. Se a chamarem,
ela não deverá responder". Haverá consideráveis perigos quando aparecer esse caminho de Îsá. Devido a
tais perigos é desaconselhável que o consulente exponha-se desnecessariamente a situações
potencialmente perigosas, como viagens, cirurgias, noitadas, brigas, etc. Talvez o mais prudente seja seguir
ao pé da letra o que diz o ìtan e seguir os preceitos desse Odù pelo período acima citado.

"Também não deverá aceitar obì de ninguém". Apesar de obì geralmente representar a
sabedoria de Orí, no ìtan ele aparece como objeto de desejo de Iki. Mesmo sendo aconselhado a não
receber obì de ninguém, Iki aceita-os de Carneiro, sendo capturado por isso. Mesmo que haja fortes desejos

472
sensoriais, a abstinência e a prudência deverão prevalecer, pois esse é um momento de consideráveis
perigos.

"Èñù disse, ‘Comece a fazer encantamentos’". É importante salientar a presença benéfica de


Èñù nesse caminho de Îsá. Graças aos seus conselhos Iki evoca os ventos e consegue livrar-se de Agbò. O
uso de encantamentos também é muito sugestivo, pois pode significar que em casos extremos apenas a
magia poderá salvar o consulente.

"O vento arremessou Agbò contra uma árvore". A presença de vento e carneiro num mesmo ìtan
pode representar uma influência velada de Öya nesse Odù. Como não há nenhuma passagem que explicite
essa possibilidade, serão necessárias consultas específicas antes de se considerar a validade de tais
argumentos.

"O rei disse, ‘Matem-no!’. Essa é a razão de usarem Agbò em ritos fúnebres até hoje". Talvez
como uma conseqüência de sua própria índole, Agbò não podia confiar em ninguém, nem no rei que
prometeu-lhe vantagens. Liturgicamente o ìtan explica a razão do uso desse animal nos ritos de Àñèñè.
Mesmo no Brasil, são muitas as famílias de Candomblé que usam Agbò como oferenda a seus ancestrais.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar de não haver nenhum ëbö prescrito, no ìtan é dito “Ìfá diz que devemos oferecer um
ëbö, para que um amigo não possa nos prejudicar” Ou seja, será necessária uma oferenda em virtude da
aparição desse Odù. Caberá então ao awolòrìñà definir a natureza de tal oferenda, assim como o destino da
mesma. Certamente a razão da oferenda em questão será a proteção do consulente contra futuras traições.
E no caso dele ser o traidor, impedir que seu destino seja o mesmo de Agbò.

b) No ìtan, os braceletes usados por Iki foram doados pelo próprio babalawo. Não há nenhuma
citação que dê a entender que Iki tenha pago por eles. Devido a tais fatos, além de ser desaconselhável
qualquer forma de cobrança do awolòrìñà quando esse Odù aparece, será necessário que o mesmo
disponha dos braceletes em questão, para que possa auxiliar o consulente da melhor maneira possível,
dentro dos caminhos expostos no ìtan.

473
Îsá 12

Num passado remoto existiu um rei chamado Oniwata (rei de Wata), cuja rainha, sua esposa
chamava-se Origbo. Houve uma ocasião em que eles decidiram consultar Ìfá, e o babalawo disse que
ambos deveriam oferecer um ëbö para que não tivessem muitos filhos; por que se eles tivessem muitos
filhos, esses desejariam matá-los. Entre outras coisas, algumas portas faziam parte do ëbö, e Oniwata fez a
oferenda prescrita, mas Origbo não acreditou que seus próprios filhos poderiam lhe matar. Ela não fez o
ëbö. Passou um tempo, e eles começaram a ter filhos. O número de seus filhos já era consideravelmente
elevado. Chegou um dia em que alguém gritou ao longe “Èñù está chegando”, e esse era o sinal para
Oniwata se esconder atrás das portas que ofereceu em seu ëbö. Quando as crianças chegaram, jogaram-se
sobre Origbo. Quando saíram de cima dela, restavam apenas ossos. É por isso que se diz que Oniwata não
morreu. Quem morreu foi sua esposa Origbo, devido sua negligência em relação aos recados de Ìfá.

"Se a cerveja enche o estômago, intoxica a criança. Se o sol estiver muito forte, enlouquecerá a
criança. Se alguém tem muita autoridade, fará maldades. Se tètèrègún é plantada no rio, se tornará um
arbusto". Além de representaram detalhes da cultura ioruba, todas essas passagens mostram que extremos

474
têm quase sempre conseqüências ruins. Atitudes equilibradas, caracterizadas pela previdência, sabedoria e
prudência, são as principais mensagens trazidas por Îsá nesse caminho.

“Disseram que Oniwata e Origbo deveriam oferecer um ëbö; para que não tivessem muitos
filhos. Por que se eles tivessem muitos filhos, Estes tentariam matá-los”. No ìtan, os personagens
deveriam fazer o ëbö para que não possuíssem um número elevado de filhos, pois isso os levariam à
destruição. A mesma atitude poderá ser considerada em outros aspectos da vida, como dívidas,
compromissos, etc. Assumir compromissos difíceis de cumprir é algo desastroso estando-se sob a influência
desse caminho de Îsá. Além das interpretações alegóricas, é óbvio que se deve considerar a necessidade de
um controle de natalidade, além da possibilidade de ocorrerem sérios problemas em relação aos filhos. De
acordo com a própria estrutura do ìtan, tais problemas seriam caracterizados pelos mais diversos tipos de
prejuízos ou sofrimentos que os filhos poderão causar.

"Meus filhos me matarão?". Origbo não fez o ëbö necessário. Geralmente quando isso ocorre,
pode-se considerar a hipótese de erros de julgamento e discernimento. O consulente pode estar num
momento em que não consegue distinguir o certo do errado, sendo grandes as chances de suas atitudes
serem exatamente opostas àquilo que Ìfá aconselha. Se tal postura de fato existir, será muito difícil prestar
qualquer tipo de auxílio.

"Eles gritaram, ‘Èñù está vindo!’". Geralmente quando alguém não faz as oferendas prescritas,
Èñù torna-se o agente pelo qual o reequilíbrio cármico se fará sentir (a palavra "cármico" foi usada por falta
de outra mais adequada à idéia em questão). Seria prudente verificar se Èñù tem algum recado para o
consulente.

“Quando eles a agarraram, o que houve? Eles partiram, e restaram apenas os ossos de
Origbo”. Interessante notar mais uma vez a presença de Èñù num mito onde a mãe é devorada. Essa é a
passagem que evidencia a séria possibilidade de sofrimentos e desgraças familiares quando esse Odù
aparece. Considerando-se a possibilidade de “filhos” representarem realizações em geral, também fica
evidente o quanto tais realizações correm perigo nesse momento.

“Isso é quando Òrìñà fala de uma bênção de vida longa”. A morte de um personagem num
ìtan sempre dá ao Odù ares de considerável negatividade. Apesar dessa particularidade mostrada por Îsá
nesse caminho, a palavra de Òrìñà evidencia a real possibilidade de se passar ileso pela grave situação
representada no ìtan. É óbvio que para tal o consulente deverá agir com prudência e sabedoria.

Ëbö

Uma porta de ferro


Uma porta de bronze
Uma porta de chumbo

475
Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, esse foi o ëbö que Oniwata ofereceu. Quando os matricidas chegaram, Oniwata
trancou-se atrás das portas, e assim pode sobreviver. O simbolismo das portas é impedir que o sofrimento
ou perigos possa chegar até o consulente.

b) Geralmente quando esses três metais aparecem num ìtan, é uma alusão às características da
vida no àiyé. Ferro é o físico, a matéria. Bronze representa os sentimentos e emoções, enquanto chumbo
representa os elementos espirituais e a racionalidade. O fato de no ìtan não existir nenhuma supremacia de
um metal sobre o outro (como acontece em outros ìtan) reforça a idéia de equilíbrio que é necessária
quando aparece esse caminho de Odù.

c) A finalidade desse ëbö é gerar proteção pessoal, em situações semelhantes às narradas no ìtan.

476
Îsá 13

Dentre todos os sapos e rãs que viviam na lagoa, Sapo Könkö (similar ao nosso sapo-boi), era
reconhecido como alguém honorável, de índole admirável. Houve uma ocasião em que ele consultou Ìfá, no
intuito de saber o que poderia ser feito para ter uma vida agradável. O babalawo lhe disse que uma
oportunidade de ouro apareceria, e que se ele fosse sábio, saberia aproveitá-la. Passou-se um tempo, e
durante uma noite todos os sapos da lagoa coaxavam, emitindo o som “ Öba àiyé, Öba àiyé” (rei do
mundo, rei do mundo). Ao ouvir o coaxar dos demais sapos, imediatamente Könkö respondeu “Ëku, ëku”
(Saudações. Saudações). Graças a resposta de Könkö, os demais sapos reconheceram nele o novo monarca
da lagoa, favorecendo assim a manifestação da “vida agradável” que Könkö tanto desejava. Sapo Könkö
dançava e regozijava, pois a palavra de Òrìñà havia se mostrado verdadeira.

"Capturar é a razão da armadilha de peixe". O ìtan diz que os sapos do rio, em forma de coaxo,
diziam: "Rei do mundo. Rei do mundo". Provavelmente essa seja uma questão onamatopéica, mas o
importante é observar que quando os sapos coaxavam dessa maneira, Könkö respondeu: "Saudações",
como se ele fosse o próprio Rei do mundo, e todos os demais sapos fossem seus súditos. Könkö aproveitou
a oportunidade que apareceu para tornar-se rei e receber muitas bênçãos. Da mesma forma, nesse caminho
de Îsá a pessoa deverá ter inteligência, sensibilidade e sabedoria para aproveitar uma oportunidade que
aparecerá. Uma vez aproveitada, tal oportunidade lhe trará muitos benefícios.

"Diziam que Könkö era honorável". Muito provavelmente Könkö não seria aceito como monarca
se não possuísse postura para tal. A citação sobre honra pode ser uma alusão à necessidade de uma
conduta digna e elevada, com convém a um verdadeiro monarca, e sem a qual provavelmente as bênçãos
prometidas no ìtan podem não acontecer.

"Òrìñà profetiza bênçãos". Essa passagem evidencia os aspectos positivos desse caminho de Îsá.
Certamente será possível atingir a “vida agradável” citada no ìtan, se todas as informações trazidas por Ìfá
forem corretamente seguidas. As bênçãos inerentes a um rei correspondem à prosperidade, popularidade,
liderança, etc.

Ëbö

477
Não há.

Comentários

a) A ausência de ëbö evidencia que será através de esforços pessoais, sabedoria e sensibilidade
que o consulente conseguirá atingir os benefícios citados no ìtan. Mais uma vez é importante salientar o
quanto a questão “honra” poderá influenciar na realização das aspirações pessoais.

Îsá 14

Existiu um certo rei cujo nome era Àlàpà. Em seu reino havia um babalawo, cujo nome era
Afíjágberu. Numa de suas consultas ao babalawo, Àlàpà foi informado que sua esposa estava cheia de
problemas e infeliz. Afíjágberu recomendou a Àlàpà que fizesse um ëbö para reverter essa situação, e Àlàpà
o fez. Depois de algum tempo, a vida de Àlàpà melhorou em todos os sentidos. Sua esposa não teve mais
problemas, ela começou a se sentir melhor. Àlàpà teve muitos filhos. Ele conseguiu grande prosperidade. As
pessoas cantavam. “À frente de Àlàpà, há filhos. Atrás de Àlàpà, há dinheiro. Afíjágberu é um bom
babalawo”. Foi dessa forma que o rei Àlàpà trouxe felicidade para seu lar, prosperidade e filhos para sua
vida.

“Disseram que Àlàpà deveria oferecer um ëbö, pois sua esposa estava cheia de problemas e
infeliz”. A infelicidade da esposa de Àlàpà foi o motivo de sua consulta a Ìfá. Graças a tal fato é possível
que o companheiro do consulente esteja passando por algum problema mais sério, e provavelmente careça
de auxílio. Segundo esse Odù, a prática litúrgica e devocional poderão ser de grande valia na situação.

“É na pobreza que um menino aprende Ìfá. Depois ele se torna próspero”. É exatamente a
citação sobre o aprendizado de Ìfá que abre a possibilidade de atitudes devocionais estarem relacionadas à
solução dos problemas inerentes a esse Odù. Nenhum personagem do ìtan se encaixa à realidade expressa
nessa oração, mas a simples citação de Ìfá é suficiente para evocar uma certa aura de religiosidade. No ìtan,

478
apenas o ëbö foi suficiente para a reversão do quadro de problemas, e caberá ao awolòrìñà se o mesmo
aplica-se à realidade do consulente.

“Àlàpà não morreu. Muitos filhos vieram para ele. Ele começou a gerar muitos filhos”. A
citação sobre filhos evidencia a presença de bons presságios nesse caminho de Îsá. É muito provável que a
harmonia volte a reinar no âmbito familiar, e que o consulente também consiga realizar seus mais íntimos
projetos; isso se todas as informações trazidas por Ìfá forem corretamente seguidas.

"Afíjágberu é um bom babalawo". É muito conhecido o fato de que apenas os melhores e mais
experientes adivinhos consultam os oráculos para os reis. Tal idéia supõe que se uma certa atividade
profissional for exercida no contexto, será necessário dominar tal atividade e realmente se sobressair
naquilo que se propor a fazer. Por um outro lado, a louvação ao babalawo que definiu as oferendas
representa gratidão e consideração. Esses são detalhes éticos importantes que caracterizam esse caminho
de Odù.

“Olhem à frente de Àlàpà, há filhos. Olhem atrás de Àlàpà, há dinheiro. Isso é quando Òrìñà
fala sobre uma bênção de riquezas". Essa passagem é a confirmação de que será possível atingir grande
prosperidade e atingir consideráveis realizações sob a influência desse Odù. Mais uma vez é importante
salientar que para que isso ocorra, será necessária clara compreensão sobre os assuntos aqui abordados.

Ëbö

Dezoito búzios
Um galo
Um pombo
A roupa que estiver usando
Bastante azeite de dendê

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas no ëbö evidencia a necessidade de maleabilidade de personalidade, para


que seja possível alcançar os benefícios citados no ìtan. Não será surpresa se na personalidade do
consulente houver traços característicos que possam dificultar o sucesso exposto no ìtan.

b) Geralmente a utilização de dendê em ëbö visa aplicar a ira de alguma divindade, ou “quebrar
as forças” de alguma negatividade. Em relação a esses detalhes, é importante lembrar que no começo do
ìtan é dito que a esposa de Àlàpà não estava bem; pelo contrário, era vítima de grande infelicidade.

479
Levando-se em consideração tudo o que azeite de dendê pode simbolizar em ëbö, é possível que algum
malefício (até mesmo feitiços) estejam acompanhando o companheiro do consulente, alguém que lhe seja
caro ou até ele mesmo. A própria esposa de Àlàpà, por ser mulher, pode de alguma maneira representar
determinadas influências de Ìyàmi na questão. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

c) A finalidade desse ëbö é reverter um quadro de infelicidade do cônjuge; conseguir


prosperidade e realizações em situações semelhantes à narrada no ìtan.

480
Îsá 15

Alangba (espécie de lagarto africano) era um babalawo, e foi prestar seus serviços na casa de
Alakolë, que era um rei. Quando Alangba olhou o àtë, Îsá foi o que ele viu e narrou para seu Alakolë a
história de um menino que desde cedo fôra orientado a permanecer em sua casa para aprender os
segredos dos oráculos; como se prescreve oferendas, e como se acalma a força das divindades. Mas o
menino recusou-se a conhecer esses segredos. Saiu pelo mundo, tentando fazer muitas coisas em sua vida.
Mas tudo aquilo que ele conseguia fazer durante o dia, a noite Èñù Ödara arremessava tudo longe. Alangba
aconselhou a Alakolë que fizesse ëbö, para que sua sorte não fosse a mesma do menino.

"O menino deveria ficar em casa para aprender a apaziguar os deuses. Ele disse que não queria
ficar em casa para aprender Ìfá". Essa passagem gera a idéia de que aqui há uma missão espiritual a ser
cumprida, mas também há a recusa em cumpri-la. Provavelmente tal recusa se baseia na ignorância sobre
os resultados positivos e negativos que envolvem uma missão espiritual. Caberá ao awolòrìñà instruir o
consulente sobre os prós e contras de uma missão espiritual, no intuito de auxiliá-lo a entender melhor a
gravidade do que é exposto nesse caminho de Îsá. Também deverá ser levado em consideração a simples
hipótese do consulente estar se negando a assumir uma outra postura qualquer em sua vida, quer seja
espiritual ou não. Como missão espiritual é um assunto dos mais complexos e graves, seriam prudentes
todas as consultas possíveis antes de se afirmar alguma coisa. Também pode ser interessante prestar
atenção à parte que diz que o garoto "deveria permanecer em casa". Essa é a primeira coisa que o garoto
recusa-se a fazer. Tal fato pode ser uma sugestão de que será na família (física ou não) que estarão as
melhores oportunidades para o aprendizado espiritual, que definitivamente deve ser a prioridade quando
aparece esse caminho de Îsá. Citações textuais sobre “casa” muitas vezes envolvem complicados
contextos de ancestralidade.

"O trabalho que o menino fazia durante dia e noite, Èñù Îdarà arremessava tudo longe".
Constantemente Èñù é citado nos ìtan como um elemento de "castigo" para aqueles que, conhecedores de
suas responsabilidades espirituais, recusam-se a cumpri-las. É provável que todos os esforços do
consulente, se não estiverem respaldados na espiritualidade, tendem a ser nulos. Também será prudente
efetuar consultas para saber se há algum recado de Èñù para o consulente.

"Ìfá diz que essa pessoa deve oferecer um ëbö devido às pessoas". O campo da experiência
pessoal ensinou que para passagens como essas, há pelo menos dois tipos de interpretações. O primeiro
diz respeito à necessidade de ter que auxiliar a quem necessite, e a outra interpretação abre a possibilidade
das pessoas em geral virem a ser elementos de considerável sofrimento no futuro. É possível que tanto uma
como outra possibilidade se encaixe à realidade do consulente, pois se realmente existir uma missão
espiritual, é óbvio que tal missão deverá ser caracterizada pelo auxílio a quem necessite. O fato do babalawo

481
do ìtan ser um lagarto é muito sugestivo, pois répteis representam sabedoria oculta e magia, sendo esse
mais um indício de uma possível missão espiritual. E se Ìfá confirmar essa possibilidade, já foi visto que tudo
o que o consulente vier a fazer, longe dos caminhos da prosperidade, Èñù garantirá sua frustração. Nesse
caso, as pessoas poderão ser as “ferramentas de conscientização” de Èñù. Em outro de seus caminhos, Îsá
explica que depois que se aprende Ìfá, é normal prosperar. Nesse contexto, Ìfá representaria o conjunto de
informações litúrgicas que tornam possível a prática sacerdotal. Essa possibilidade de prosperidade
(confirmada pela presença de um rei no ìtan) não deve ser o principal motivo pelo qual alguém deva se
dedicar à religiosidade, mas especificamente nesse caso, com muita cautela, poderá servir como incentivo
dentro dos caminhos desse Odù, pois como já foi visto, há aqui uma certa rebeldia em não fazer o que deve
ser feito. Caberá ao awolòrìñà as devidas definições a esse respeito.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) Apesar da necessidade de um ëbö devido às pessoas, não há nenhuma oferenda prescrita no


ìtan. Talvez seja necessário que o awolòrìñà “monte” uma oferenda que possa auxiliar o consulente da
melhor maneira possível, levando em consideração tudo o que o Òkè Ìpînrí do mesmo revelar no àtë. Mas a
ausência de uma oferenda prescrita também pode ser um indício de que “a oferenda pelas pessoas” seja
alguma espécie de sacrifício pessoal, nesse caso simbolizado pela aceitação do destino sacerdotal. Mesmo
que de fato seja necessária a montagem de uma oferenda, será importante tentar conscientizar o
consulente de que, sem a clara compreensão dos assuntos abordados no ìtan, essa eventual oferenda não
passará de ritualismo vazio.

482
Îsá 16

Houve uma ocasião em que Olúfîn consultou Ìfá, com o intuito de saber o que deveria ser feito
para conseguir uma esposa. O babalawo aconselhou Olúfîn a comprar uma escrava e com ela se casar, pois
tal escrava lhe daria filhos. Ele também foi aconselhado a não tomar uma segunda esposa, e a fazer os
esforços necessários pela manutenção de seu casamento, principalmente sendo paciente. Então Olúfîn
comprou a escrava que desejava, sem saber que a mesma era Orò. De início Orò o tratou com grande
desprezo, mas seguindo as orientações de Ìfá, Olúfîn não se deixou abater e manteve a paciência. Por fim as
bênçãos prometidas por Ìfá (filhos) se manifestaram, fazendo Olúfîn dançar e regozijar em sua felicidade.

483
“O que Olúfîn deveria fazer para que pudesse ter uma esposa?”. O desejo da Olúfîn por uma
esposa evidencia a presença de carências afetivas quando esse Odù se apresenta. Considerando-se o fato
de Olúfîn compra sua esposa, é possível que atitudes pouco convencionais sejam tomadas para a realização
do desejo em questão.

"Essa mulher que você tem, seja paciente com ela. Você casará e terá filhos. Não tome uma
segunda esposa". Essa passagem aponta para prováveis problemas de relacionamentos, mas que não
justificam uma separação. Em se tratando de Orò, são grandes as chances de haver débitos cármicos entre
os envolvidos (a palavra "cármicos" será usada na falta de um termo correspondente em português ou em
ioruba); daí a necessidade de manter a relação, apesar dos eventuais problemas que possam ocorrer. É
necessário que fique claro que para Salàkï, Orò é uma divindade feminina, ao contrário do que comumente
se acredita. Apesar de muitos rechaçarem tal afirmação, não se deve esquecer que a mesma confusão
acontece em relação a outras divindades, como Onilý, Olókun, Ötin, etc. Independentemente da real
sexualidade de Orò, não parece ser essa a questão mais importante tratada no ìtan, e sim o fato de existir a
possibilidade de casamentos e desavenças matrimoniais, embora com grandes chances de reversão
satisfatória da situação.

"Pobreza, não me deixe ouvir sua voz. A chuva apaga as pegadas dos lavradores". Embora a
morte dos corpos apague a memória física, as conseqüências dos atos persistem pelo tempo. Assim como
apesar da chuva apagar as pegadas, isso não significa que elas não foram marcadas no solo. Geralmente
Orò representa uma ancestralidade muito antiga, abrangente, que pode envolver mais de uma passagem
pelo àiyé. Sua presença evoca a idéia de que no momento certo, tal ancestralidade exigirá harmonia e
justiça entre causa e efeito. Em relação a justiça, é importante salientar que em terras iorubas, devotos de
Orò muitas vezes são responsáveis pela aplicação das sentenças de morte. Também é importante salientar a
breve citação sobre pobreza, pois se o aspecto de ancestralidade e justiça harmoniosa de Orò forem
considerados, é possível que tal pobreza exista ou venha a existir, por motivos que apenas Olódúmarè e
seus mais altos representantes conhecem.

"Quem é Olúfîn. Olúfîn? Bah!". A atitude de desprezo de Orò em relação a Olúfîn, assim como a
aceitação passiva do mesmo, reforça a idéia de débitos cármicos. Talvez devido a tais débitos Olúfîn suporte
tudo resignadamente. A transformação sofrida por Orò (de escrava a esposa), além de evidenciar a
possibilidade de ascensão, pode também representar uma tentativa de resgate, de reacerto de uma
situação que há muito (talvez alguns renascimentos) esteja conturbada. A presença de Olúfîn em ìtan
geralmente representa a necessidade de sabedoria, paciência e compaixão, além de uma vontade férrea
para suportar sofrimentos e adversidades que possam vir a ocorrer.

"Olúfîn é o choro de Orò". Essa passagem é muito interessante, pois é como se Orò (aqui
representando a ancestralidade coletiva da humanidade) possuísse mágoas de Olúfîn, que no ìtan
caracteriza aquele que se esforça por redimir-se. Em relação a esse ponto, é pertinente citar detalhes de
algumas tradições orientais muito antigas, que ensinam que a humanidade, assim como a Terra, foi criada
por semideuses; mas o resultado de toda a obra não é perfeito. Reconhecendo tal imperfeição, alguns seres
abstêm-se de participar da obra, mas assumem o papel de “fiscalizador”, semelhante à postura de Èñù na

484
teogonia iorubana. Por outro lado, as próprias divindades criadoras assumem a responsabilidade pela
imperfeição de sua obra. É importante salientar que apenas Olódúmarè é perfeito, mas em sua posição de
transcendentalidade não pode “criar”, pois esse é um ato finito, que jamais poderia ser realizado pelo
próprio Infinito, o que caracterizaria uma impossibilidade lógica e filosófica. Em relação a esse último
pormenor, é importante salientar que os deficientes físicos congênitos são considerados filhos de Òñàlá, a
divindade criadora da humanidade.

Ëbö

Dezoito búzios
Um galo
Um pombo
Uma roupa (a que estiver vestindo)

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roupas em ëbö geralmente simboliza a necessidade de livrar-se de características


da atual personalidade que possam atrapalhar a manifestação dos aspectos positivos abordados no ìtan.

b) Segundo o ìtan, esse ëbö foi feito por Olúfîn para que ele pudesse ter filhos. Tal oferenda
favorecerá a resolução de problemas sentimentais, dentro de um contexto semelhante ao ìtan.

485
Îsá 17

Dizem os antigos que numa determinada ocasião Obì (a árvore) consultou Ìfá. Ela foi aconselhada
a fazer um ëbö para que pudesse ter seus primeiros filhos, para atingir boa fortuna, e para que não tivesse
problemas com as pessoas. Obì se perguntou o que poderia lhe acontecer de mal, depois que conseguisse
seus filhos e grande fortuna. Acabou acreditando que não havia motivos para fazer as oferendas que
visavam lhe proteger de eventuais problemas com as pessoas; portanto só fez a oferenda para conseguir
filhos e riquezas, mas não para evitar futuros problemas. O tempo passou e Obì conseguiu os filhos e a
riqueza que tanto desejava. Mas Èñù apareceu para todo o povo dizendo que para completar as oferendas e
conseguir sucesso em tudo, seria necessário comer obì. As pessoas começaram a puxar os frutos de Obì,
que eram seus filhos; pois só assim conseguiriam completar suas oferendas e prosperar. Havia uma
serpente que ficava aos pés de Obì, e que também se alimentava de seus filhos. Mas as pessoas mataram a
serpente e também as vespas que tinham na árvore sua morada. As pessoas dançavam e regozijavam, pois
suas oferendas passaram a ser mais poderosas. Obì acabou ficando sem os filhos e a riqueza que conseguiu,
graças a sua própria imprudência.

"Consultaram Ìfá para Obì, quando ela estava começando a ter filhos". Os motivos que levam
Obì a consultar Ìfá evidenciam que esse é um caminho de grandes aspirações. O sucesso de Obì em ter seus
filhos mostra que também haverá realizações e sucesso. É óbvio que os aspectos literais desse Odù não
devem ser negligenciados, o que faz desse caminho de Îsá propenso à aparição de filhos ou formação de
família, além de considerável prosperidade.

“Disseram que obì deveria oferecer um ëbö para ter seus primeiros filhos, e para que não
tivesse problemas com as pessoas. obì não fez o ëbö para que as pessoas não fizessem mal a seus
filhos”. Interessante os motivos pelo quais obì é aconselhada a fazer o ëbö. Além de ser esse o meio de
atingir seus objetivos (filhos-realizações-felicidade), tal oferenda também visava proteger Obì de atritos e
sofrimentos em relação aos aràiyé (pessoas em geral). Esse fato evidencia a séria possibilidade do
consulente vir a ter problemas de relacionamento. Problemas esses que podem culminar em perdas e

486
considerável sofrimento. Geralmente quando o personagem de um ìtan recusa-se a fazer uma oferenda já
prescrita, acaba se deparando com sofrimentos ou dificuldades intransponíveis. Num plano simbólico, a
recusa em fazer um ëbö significa ignorância espiritual e uma cabeça em desequilíbrio. Um outro aspecto do
ìtan que merece reflexão é o fato de existirem outros mitos onde Obì (o símbolo) recusa-se a fazer uma
oferenda ou a faz parcialmente. Num outro importante mito, teria sido num obì (o fruto) que Olódúmarè
colocou sua sabedoria, que mais tarde passou a pertencer a Orí. Baseando-se em tal fato, pode-se
considerar que obì seja o receptáculo da mais elevada sabedoria que um ser humano pode alcançar nesse
plano de existência. A recusa em fazer uma oferenda não se encaixa com a idéia de sabedoria que obì
veicula, e esse fato por sua vez pode significar que o consulente esteja espiritualmente desequilibrado, sem
condições de no momento discernir entre o que de fato o beneficiará ou o prejudicará. Se tal possibilidade
for confirmada por Ìfá, caberá ao awolòrìñà definir de qual maneira será possível recolocar o indivíduo em
equilíbrio com seu Orí (destino pessoal), para que suas decisões sejam coerentes e atraiam bons presságios.

"Èñù disse, ‘Vocês devem comer obì’". É através de Èñù que o sofrimento chega a Obì e seus
filhos. Seria prudente averiguar se os filhos do consulente correm algum perigo, além de que é necessário
considerar que perdas de filhos representam considerável frustração e sofrimento. Talvez fosse prudente
descobrir se Èñù tem algum recado para o consulente. Também é interessante o fato de Èñù afirmar "para
que tudo aquilo que vocês venham a fazer esteja em boa ordem". Tal afirmação não só explica a razão de
obì estar presente em quase todos os momentos do culto a Òrìñà, como também pode ser uma alusão
(embora velada) de que o uso do obì pode desenvolver capacidades especiais, que na maioria dos seres
humanos encontram-se em estado latente.

"As pessoas pegaram ganchos, e puxaram os filhos de Obì (os frutos) para baixo. Elas dançavam
e regozijavam. Devemos usar ìtùfù (chumaço de algodão) para receber as bênçãos de Ñàngó. Ìfá diz que
bênçãos é o que ele vê aqui". Há outros caminhos de Odù onde crianças correm perigo e Ñàngó as salva.
Analogicamente essa passagem reforça a idéia sobre a possibilidade de ocorrer algum mal com os filhos do
consulente, ou pelo menos alguém muito próximo. Apesar de nesse caminho de Îsá não haver nenhuma
citação a esse respeito, talvez fosse prudente consultar sobre a possibilidade de oferendas a Ñàngó, para
favorecer a proteção dos filhos. O fato das pessoas consumirem os filhos de obì é uma evidente alusão à
possibilidade de perdas e sofrimentos. Certamente será esse o destino do consulente, se não houver o
devido entendimento sobre as informações trazidas por Îsá nesse caminho. Por outro lado, há de se
considerar a boa sorte das pessoas do ìtan. Graças a Èñù elas tiveram acesso a importantes segredos rituais,
que por sua vez garantiram a plena realização de seus intentos. Sob esse ponto de vista esse caminho de Îsá
pode ser encarado como um bom presságio, justificando assim as bênçãos prometidas por Òrìñà nesse
Odù. Mas como essas bênçãos estão atreladas à liturgia, muito provavelmente será através de Òrìñà que as
mesmas se manifestarão.

Ëbö

Dezoito búzios
Um òkété

487
Um galo
Um tecido preto
Um tecido vermelho
Um tecido branco
Um cajado
Ìtùfù (chumaços de algodão)

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.

b) Oferendas de tecidos são muito comuns em ëbö ligados à descendência ou ancestralidade.


Esse fato também é uma confirmação de que os filhos do consulente estão envolvidos na problemática,
embora não se deva desconsiderar os erros de discernimento do próprio consulente.

c) O cajado foi usado pelas pessoas para pegar os frutos de obì. Nesse contexto representa o
acesso à prosperidade, realizações e sabedoria. Cajados também representam genericamente os ancestrais.
Seria prudente considerar uma possível influência ancestral na situação.

d) Já o ìtùfù é uma clara alusão à influência de Ñàngó nesse caminho de Îsá. Tal influência reforça a
possibilidade de oferendas a esse Ëbörà, embora não haja citações textuais. Mas uma vez é importante
lembrar a relação de Ñàngó com a proteção dos filhos, como também é mostrado nos caminhos de Ìròsùn e
Eji Ogbè.

e) A finalidade desse ëbö é conseguir filhos (realizações em geral), prosperidade, além de evitar
perder aquilo que se conquista.

Îsá 18

Awujë e Wepe (dois tipos de feijões africanos) desejavam ter filhos. Com esse intuito em mente
procuraram um babalawo, e ouviram que precisavam fazer um ëbö para atingir seus objetivos. Awujë
argumentou que sua sorte não era boa, que ele não sabia o que poderia ser feito para que as pessoas não
comessem os filhos que ele viesse a ter. Nesse estado de torpor mental, Awujë não fez a oferenda prescrita,

488
enquanto Wepe a fez, exatamente como o babalawo havia determinado. Então chegou a época que
precedia a colheita, e os lavradores estavam famintos. Èñù apareceu e perguntou se eles conheciam a planta
Awujë. Eles responderam negativamente, e Èñù disse que com os feijões dessa planta seria possível matar a
fome, pois Awujë era um planta comestível. Apesar de não possuírem sal, os lavradores começaram a comer
os filhos de Awujë (os feijões). Eles também desejaram comer os filhos de Wepe, mas a oferenda feita por
esse continha um òkété, que cobriu Wepe com seus pelos. Devido a grande quantidade dos pelos do
roedor, os lavradores desistiram de comer os filhos de Wepe. Esse por sua vez dançava e regozijava, feliz
pelo babalawo ter dito a verdade. Já Awujë sofria, devido sua ignorância e falta de iniciativa para salvar os
próprios filhos e assim reter o que havia conquistado.

“Ìfá diz que devemos perguntar do que as pessoas carecem. Ìfá diz que há duas pessoas, que
deveriam oferecer um ëbö por seus filhos”. Essa passagem evidencia que pessoas (ou pessoa) próximas
ao consulente estão precisando de alguma forma de auxílio. Caberá ao próprio consulente analisar as
razões de Òrìñà ter trazido esse recado, e procurar agir da maneira mais coerente possível em face de tal
fato. Em relação às pessoas que terão problemas com seus filhos, da forma que o ìtan aborda o assunto, é
possível que não seja necessariamente o consulente uma dessas pessoas. De qualquer forma é evidente que
há negatividade quando esse caminho de Îsá aparece.

"O que eles deveriam fazer para que pudessem ter filhos?". O desejo por filhos pode representar
a aspiração pelas mais variadas realizações pessoais. Em Odù que fala sobre esse assunto, deve-se
considerar a hipótese de emancipação, auto-afirmação, liderança, casamento e obviamente gravidez.
Também seria prudente considerar a possibilidade de haver algo de errado com filhos já existentes.

"Meu Orí não é bom. Eu não sei o que fazer para as pessoas não comerem meus filhos". Awujë
foi instruído por Ìfá a fazer as oferendas prescritas em nome do nascimento e segurança de seus filhos.
Mesmo assim ele não fez a oferenda, argumentando que não saberia o que fazer para evitar futuras
desgraças. Esse fato evidencia o torpor mental de Awujë; um estado de espírito que os hindus chamam de
“Tamas”, caracterizado entre outras coisas pela incapacidade de distinguir entre o bom e o ruim, e aceitar
inverdades como se fossem verdades. O resultado de tais atitudes foi a morte de seus filhos, o que
evidencia que esse estado mental estando presente, favorecerá consideráveis sofrimentos futuros para o
consulente. Já Wepe acata corretamente tudo aquilo que Ìfá lhe indica, o que evidencia sabedoria. Esse
estado mental, por sua vez, favorecerá um futuro pleno de realizações e até de felicidade (filhos).

“Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö devido às pessoas”. Há ocasiões onde o motivo de tal
oferenda é auxiliar a humanidade em geral. Mas é pouco provável que essa seja a essência desse Odù. É
muito mais razoável acreditar que a finalidade de tal oferenda é evitar futuros sofrimentos que poderão
chegar pelas mãos de outros, da mesma forma que os lavradores comeram os filhos de Awujë.

“Os lavradores começaram a comer os filhos de Awujë”. A morte dos filhos de Awujë é a
evidência final dos perigos que os filhos (e os projetos pessoais) correm quando esse Odù aparece. Se
nenhum cuidado for tomado, pode-se esperar por perdas, dores e infortúnios. Um outro detalhe que
merece destaque é o fato de elementos relacionados à agricultura geralmente evocarem a idéia de

489
trabalho. Graças a esse fato é possível que o trabalho (ou o ambiente profissional) tenha alguma relação
com o sofrimento que poderá chegar para o consulente, se ele não entender e acatar as informações
trazidas por Îsá nesse caminho.

“Os lavradores não puderam comer os filhos de Wepe. Òrìñà fala de uma bênção de filhos, de
uma bênção de dinheiro”. O sucesso de Wepe em conseguir seus filhos, depois em conseguir mantê-los
vivos, evidencia os aspectos positivos desse Odù. Isso evidencia que se houver a devida sabedoria e
previdência, simbolizadas pela atitude de Wepe, será possível conseguir grandes realizações e até
felicidade, apesar de toda negatividade inerente a esse caminho de Îsá. Por último, é importante salientar
que a prosperidade é uma das bênçãos prometidas por Òrìñà àquele que entender e cumprir as orientações
de Ìfá.

Ëbö

Dezoito búzios
Um òkété
Um galo
Osùn
Azeite de dendê

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de roedores evidencia a negatividade desse caminho de Odù, mas também a


possibilidade de reversão da situação, pois esses animais também representam abundância sobre a terra.
Há algum perigo oculto, muito provavelmente relacionado a alguém próximo ao consulente, além da
evidente possibilidade de perda no âmbito pessoal.

b) osùn, entre outras coisas, está relacionado a fecundidade e a progênie em geral. Tal fato pode
ser mais um indício sobre a relação dos filhos com os assuntos abordados por esse caminho de Îsá. Por
outro lado, osùn também favorece a realização objetiva de aspirações subjetivas. Aspirações essas
evidenciadas pelo desejo dos personagens em terem filhos. O sucesso de Wepe em seu anseio, somado à
presença de osùn no ëbö, é mais uma evidência da possibilidade de realizações, filhos e prosperidade.

c) É comum o uso de dendê para rogar a compaixão das divindades por nossos defeitos. O dendê
também é muito usado em oferendas a Ìkú, aos outros Ajogún e as Àjý. Essa é mais uma evidência da
negatividade inerente a esse caminho de Îsá. Seria prudente estar aberto a todo tipo de infortúnios,
inclusive feitiços.

d) A finalidade desse ëbö é conseguir filhos (realizações), e manter o que se conquista, mesmo
quando há considerável negatividade envolvida.

490
Îsá 19

Òñàlá teve muitos escravos. De todos eles Òrìñà gostava mais de Ìwa (caráter). Apesar de ser seu
escravo, Baba tratava Ìwa como seu filho. Numa determinada ocasião Ìwa disse que se um filho tem idade
para se manter, então deveria ser independente. Quando Ìwa disse isso, Baba concordou. Então um dia Ìwa
saiu de casa, dizendo que logo voltaria. Passaram-se vinte meses, e Ìwa não regressou. Mas todas as coisas
que Ìwa fazia não davam em nada. Seus olhos, ouvidos e os pés ficaram doentes. Então ele pegou o
dinheiro que lhe restava e foi a um babalawo. Assim que o jogo foi aberto, o babalawo perguntou se Ìwa
vinha agindo com insolência, e envergonhado ele confirmou. Então ele lhe prescreveu um ëbö, cuja
composição possuía dois obì que deveriam ser ofertados a Olófin. Ìwa fez a oferenda prescrita, e levou os
obì até seu senhor. Assim que viu Òñàlá, Ìwa se arrependeu. Ofereceu a Òñàlá os obì e pediu-lhe perdão,
dizendo que gostava muito do velho Òrìñà. Òñàlá perdoou Ìwa, dizendo que também lhe gostava. Bastou
esse perdão para que a vida de Ìwa se transformasse por completo. Todos as coisas que ele desejava fazer,
ele realizava. Ìwa passou a cuidar de Òrìñà, fazendo da devoção o mais importante aspecto de sua vida.

“Baba pegou todo seu dinheiro para comprar Ìwa (caráter) como escravo”. Um dos elementos
mais importantes desse Odù é sem dúvida a relação entre Òñàlá (espiritualidade) e Ìwa (caráter, existência).
A união entre esses dois fatores evidencia a importância que a espiritualidade deverá ter na personalidade e
na existência do consulente.

"Se um filho é velho o bastante para manter-se, deve ser independente". Essas palavras de Ìwa
representam um grande desejo de emancipação, principalmente no que diz respeito à família. Nos nossos
dias isso pode ser considerado normal, mas é importante não esquecer que o afastar-se de Olófin não

491
trouxe nenhum bom resultado a Ìwa. Também é importante observar que Olófin não impede que Ìwa parta,
e até concorda com ele, numa demonstração de tolerância e respeito pela personalidade alheia. Rebeldia e
dificuldade para aceitar o próprio destino também são características desse Odù.

"Iwa permaneceu fora por mais de vinte meses. Seus olhos não eram bons, e ele não podia ver.
Seus ouvidos não eram bons, e ele não podia ouvir. Seus pés não eram bons, e ele não podia andar. De
todas as coisas que Ìwa fazia, nenhuma ele conseguia realizar". Ìwa representa um dos mais importantes
aspectos da filosofia iorubana. É a existência, que nasceu de um propósito ( Abà), e só se torna realidade
graças a um poder de realização (àñë). Todos esses importantes detalhes dão a entender que a existência
do consulente estará comprometida, se o mesmo se afastar da profunda espiritualidade, representada por
Olófin. Ìwa era escravo de Òñàlá, e seu propósito (Abà) era servi-lo. Ao afastar-se dessa realidade acabou
atraindo para usa vida uma série de dificuldades. Similarmente o propósito da vida do consulente é a
espiritualidade (aqui representada por Òñàlá), e o afastar-se desse propósito certamente será a raiz de
consideráveis sofrimentos. As características desse Odù indicam dissabores físicos como um dos meios de
“conscientização” a ser utilizado pelos mentores espirituais.

“Disseram, ‘Vá até Òñàlá e desculpe-se. Você tem sido insolente’. Ìwa disse, ‘Sim, eu tenho
sido insolente’”. O ìtan chama de insolência o fato de Ìwa ter prometido voltar num determinado prazo e
não ter mantido a palavra. É óbvio que tal postura não coaduna com a idéia de espiritualidade que esse Odù
evoca. Merece destaque a humildade de Ìwa em reconhecer suas falhas, e seu esforço em tentar se retratar.
Essa sim é uma atitude em sintonia com as características desse caminho de Îsá.

"Òrìñà disse, ‘Eu perdôo. Eu perdôo. Todas as coisas que Ìwa fazia passaram a ser boas".
Olófin, como pai espiritual que é, aceita Ìwa de volta, evidenciando a força que o perdão deve possuir nesse
Odù. Mesmo que o consulente se arrisque por caminhos que o afastem da espiritualidade, ele deverá saber
que apenas cultuando Òrìñà (muito provavelmente Òñàlá) será possível trilhar bons caminhos em sua vida.
É inevitável uma comparação entre esse caminho de Îsá e a parábola do filho pródigo do Evangelho, o que
dá a esse Odù um aspecto ainda mais espiritualizado.

"Bronze permanece em casa e torna-se escuro. Somente chumbo satisfaz Òrìñà". Essa passagem
pode ser uma alusão de que apenas um comportamento de características espirituais satisfará o Òrìñà. Uma
vida profana definitivamente não é a indicada quando aparece esse caminho de Îsá.

"Você cultuará Òrìñà todos os anos, todas as manhãs e todas as tardes". Essa passagem
confirma definitivamente qual deve ser a prioridade na vida do consulente. É óbvio que essa pessoa possui
uma missão espiritual. Também deve ser considerado o fato de Ìwa significar "caráter". Há a idéia de que ao
afastar-se do Òrìñà (leia-se espiritualidade), poderá ocorrer um considerável decréscimo na conduta do
consulente, repercutindo diretamente em seu caráter.

Ëbö

492
Dezoito búzios
Um galo
Um pombo
Dois obì

Comentários sobre o ëbö

a) A presença de obì evidencia a necessidade de sabedoria e equilíbrio. Segundo o ìtan, esses obì
devem ser oferecidos a Òñàlá, o que evidencia definitivamente a grande influência desse Òrìñà nesse Odù.

b) Esse ëbö foi feito por Ìwa para que ele pudesse se reaproximar de Olófin. Logo, favorece
reconciliações em geral, mas principalmente no âmbito espiritual e familiar. Considerando-se o fato de que
Ìwa passou a realizar satisfatoriamente suas atividades, é possível que tal oferenda, dentro de perspectivas
específicas, também favoreça a realização de projetos pessoais.

Òfún

493
Considerações gerais

É natural que cada Odù aborde de diferentes formas o complexo assunto que é a espiritualidade.
No caso específico de Òfún, a espiritualidade é caracterizada pela marcante influência dos Òrìñà Funfun. Tal
influência é mais forte em Òfún do que em qualquer outro Odù, influenciando marcantemente até mesmo
as oferendas que são feitas a esse Odù.
Se a influência das divindades brancas é assim tão forte, natural que um comportamento
condizente com tal realidade seja o espiritualmente aconselhado quando esse Odù se manifesta. Será
pouco provável que Òfún “acompanhe” alguém que não tenha num Òrìñà Funfun um dos elementos de
seu Òkè Ìpînrí. Levando-se em consideração que a espiritualidade que caracteriza os Funfun é representada
pelo silêncio, introspecção, busca de sabedoria e sincera comunhão com Olódúmarè, o ideal é que esse
comportamento também caracterizasse o indivíduo “afilhado” de Òfún.
Seria um equívoco acreditar que por tais características Òfún seria um Odù materialmente
desfavorável. Isso é uma inverdade, pois há realizações em seus caminhos, embora as clássicas citações
sobre "dinheiro" de fato estejam quase ausentes, com poucas mais importantes exceções. O que se pode
entender é que o normal seja uma vida equilibrada sob esse Odù, sem luxo ou extravagâncias, mas com o
suficiente para uma vida equilibrada. Como não poderia deixar de ser, a influência Funfun expande-se
também para esse aspecto de Òfún, fazendo com que as dificuldades para atingir o equilíbrio material
sejam consideráveis, mas nada que a persistência, o trabalho árduo, a fé em Olódúmarè e em si mesmo não
possam resolver. Resumindo, pode-se esperar por dificuldades materiais quando Òfún aparece, mas deve-
se ter em mente que tais dificuldades poderão ser vencidas, pois a pessoa sob Òfún possuiu um grande
potencial para realizar aquilo em que se empenha de corpo e alma.
Um outro aspecto de Òfún que merece destaque é a fragilidade da saúde. É possível que doenças
apareçam com considerável força nesse Odù, embora essas sejam vencidas nos caminhos em que se
manifestam, desde que haja um árduo empenho para tal, pois se entregar à doença nesse Odù pode ter
conseqüências funestas. As doenças mais comuns em Òfún serão as de caráter mentais, psicológicas, as
"fraquezas" em geral e as relacionadas à libido; embora a prudência ordene que se tenha atenção a todo e
qualquer distúrbio que possa surgir.
Filhos são constantemente citados nos caminhos de Òfún, o que é natural, pois esse fato sempre
acontece quando Òñàlá está presente. Esse detalhe não apenas representa o favorecimento de fertilidade e
gravidez, como metaforicamente dá a Òfún um positivo aspecto de realizações, levando-se em
consideração que muitas vezes “filhos” nos ìtan podem assim ser compreendidos. Merece destaque um
caminho específico desse Odù, onde a força das realizações e sucesso pessoal é tamanha, que é dito que
tudo o que se deseja realizar no àiyé, será realizado. São muitos os Odù que têm em seu íntimo tal poder de
realizações, mas esse detalhe em Òfún é tão importante que merece ser citado nas “Considerações
Gerais” dessa obra. Em um momento específico, os filhos citados num ìtan são mortos. Por esse delicado
motivo serão prudentes consultas sobre o bem estar dos mesmos sempre que Òfún se fizer presente no àtë.
Mas por mais paradoxal que possa parecer, assim como são constantes as citações sobre filhos
nesse Odù, é importante salientar a séria possibilidade de infertilidade. Não só esse aspecto de Òfún é
citado textualmente em um de seus caminhos, como o próprio Olófin, o demiurgo por excelência, é

494
aconselhado a fazer um ëbö para que pudesse gerar um filho. Esse particular de Òfún evidencia que quando
esse Odù manifesta-se negativamente, o mesmo potencial para realizações já abordado não só estará
ausente, como será prudente esperar pelas mais diversas dificuldades. Considerando-se que a infertilidade
é considerada uma desdita no vetusto ponto de vista ioruba, essa particularidade de Òfún pode ser indício
de consideráveis sofrimentos. Ainda em relação à infertilidade, é importante salientar que a impotência
sexual também é citada nos caminhos de Òfún. Considerando-se o fato de que a atividade sexual não seja a
principal característica das divindades criadoras, é natural que a libido não tenha em Òfún seu mais fiel
representante. Mas o detalhe a ser evidenciado é que metaforicamente a impotência em questão poderá
representar frustrações em geral, o que reforça a negatividade que Òfún poderá demonstrar em algumas
ocasiões.
Alguns detalhes de Òfún mostram ser esse um Odù propício para o início de novas fases,
independentemente da maneira como “novas fases” possam ser compreendidas. Para muitos Òfún é o
mais velho de todos os Odù, mas não é assim reconhecido por não ter “chegado” ao àiyé antes dos
demais. Essa possível primazia de Òfún passa a ganhar mais força quando é considerado o fato de que é
nos seus caminhos que os Òrìñà Funfun se manifestam com maior força. Ora, sendo as divindades criadoras
as primeiras manifestações cósmicas do Imanifesto (entre aquelas que o intelecto pode conceber, é claro),
natural que tanto elas quanto Òfún representem o novo, o potencial vivo e latente, mas que ainda carece de
meios específicos para manifestação nos planos mais densos de existência. Quando a esse último
pormenor, é interessante ressaltar a primária realização das Águas de Òñàlá em relação às demais
festividades em um ëgbý Òrìñà.
Apesar de todo seu potencial espiritual, feitiços e magias estão presentes com considerável força
nos caminhos de Òfún. Primeiramente numa situação em que Îrúnmìlà conseguiu se safar de uma situação
crítica; depois para que Frio consiga demonstrar seu poder às pessoas, incomodando-as. E por último
através da maneira “mágica” com que a Aranha tece seu fio sem ninguém saber como. Esse aspecto de
Òfún pode representar as chances de feitiços e magias estarem presentes quando esse Odu aparece, como
também pode evidenciar a afinidade que o “afilhado” de Òfún pode ter com as ciências ocultas.
A presença de Òfún muitas vezes pode representar a existência de profundos segredos. Em sua
própria gênese como hipotético “pai” dos demais Odù, é natural que o segredo faça parte da essência
desse Odù. Os segredos são textualmente citados nos caminhos desse Odù, mas além dessa evidência, a
presença de Ìyá Odù (aquela cuja face não deve ser encarada; cujos segredos nenhum mortal pode
conhecer; que não se deixa ver por qualquer um) é o elemento definitivo que caracteriza a presença de
segredos nesse Odù. Em linhas gerais, pode-se dizer que devido sua alta espiritualidade, e por conseguinte
seu “afastamento” da mundanalidade humana, Òfún representa aspectos da manifestação cósmica que o
homem ainda não pode nem merece conhecer.
Casamentos também estão presentes nos caminhos de Òfún, mas apesar da influência de Òñàlá
nesse Odù, infelizmente o que caracteriza tais casamentos não é a paz, da qual o demiurgo é o
representante mor. Nas duas ocasiões em que casamentos são citados, há brigas e confusões, e em uma
delas o casamento termina. Uma breve citação sobre a necessidade de respeitar os ëwï alheios pode ser a
chave para tornar os casamentos sobre a influência desse Odù menos conturbados. Certamente sabedoria e
tolerância favorecerão uma vida matrimonial mais tranqüila.
Uma das particularidades de Òfún que merece destaque é a possibilidade de traições. Num dos
casos a traição é caracterizada pela exposição de segredos por parte de falsos amigos, e em outra ocasião a

495
traição fica evidente quando a própria esposa rouba o àñë do marido. Apesar de toda a espiritualidade
desse Odù, esse é um elemento negativo que precisa ser salientado, talvez pela tentativa esperançosa de
gerar o devido alerta ou desanimar futuros comportamentos execráveis, pois dependendo do caso, o
“afilhado” desse Odù pode ser a vítima ou o autor das traições em questão.
Òfún é o único Odù (na versão de Salàkï) que faz citações sobre outras religiões, ao narrar a
origem do Ramadã, mês sagrado dos islamitas, dedicado à expiação das faltas, à oração e ao jejum. Abre-se
então a possibilidade de realizações de consultas específicas para saber se o Lûsû Òrìñà é ou não a melhor
opção espiritual para o consulente. Metaforicamente a citação de outra religião pode significar a
necessidade de considerável respeito às opiniões alheias, além de total falta de preconceitos. É importante
salientar que outros elementos de religiões diversas poderiam ser representados nos caminhos de Òfún,
como a páscoa, o natal, etc. Mas é no Ramadã que Òfún “expande” seus braços. É óbvio que a influência
islamita na África é uma das causas das citações em questão, mas o que merece destaque são as
particularidades do Ramadã em si. Por representar o desejo humano de comunhão com Deus através da
expiação, o Ramadã representa com perfeição um dos aspectos de Òfún, o sofrimento. Esse mesmo aspecto
aparece de diversas maneiras nos caminhos desse Odù, onde Nàná é abandonada por seus filhos e quase
morre de fome; onde Îrúnmìlà é preso e feito escravo, e só escapa dessa situação graças à sua sabedoria;
onde Òñàlá tem seu àñë usurpado por uma serpente; onde até mesmo um leopardo, símbolo de força e
agilidade, pode se deparar com a doença. Graças a todos esses fatores, infelizmente pode-se esperar por
algum tipo de sofrimento quando Òfún se manifesta na maioria de seus caminhos. Mas certamente tais
sofrimentos não são em vão, pois favorecerão o amadurecimento espiritual e o fortalecimento do caráter.
Esse mesmo sofrimento é representado pelas cinzas, que simbolizam um dos elementos mais comuns de
oferenda a esse Odù. Cinzas nada mais são do que aquilo que sobrevive à ação do fogo inclemente, e sai do
suplício mais leve e “esbranquiçada”. A condição de comburente já não existe nas cinzas, da mesma
forma que o potencial para o sofrimento tende a ser sublimado, pois suas causas foram queimadas pela
sabedoria, favorecendo finalmente uma existência mais feliz. A “madeira” de nossas paixões certamente
será consumida pelo fogo da existência no àiyé; mas depois disso já não existirá a possibilidade de futuros
sofrimentos em planos de existência mais felizes.
Em um de seus caminhos Òfún é muito claro quanto a existência de uma missão espiritual, pois é
dito com todas as letras (não sendo então uma questão de interpretação) que a pessoa "deve servir a
Òrìñà". Esse fato faz com que sob Òfún seja possível atingir satisfatória evolução espiritual, que possa
justificar as muitas bênçãos que são prometidas nesse Odù. Também há constantes citações sobre a
necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí. Graças à complexidade representada por esse termo, pode-se
considerar Òfún como um Odù propício à iniciação, e que o culto a Òrìñà deverá diminuir a carga de dores
inerentes a esse Odù, além de favorecer a manifestação das bênçãos, que também o são.
Num dos caminhos de Òfún um personagem, chamado de “filho de Olódúmarè”, consegue
uma vida agradável, equilibrada, repleta de amizades e felicidade. Esses detalhes, além da bem aventurada
citação do Inefável, evidenciam que apesar de todas as negatividades que se possam considerar, Òfún
representa o potencial humano para a felicidade; e que nenhuma dor, por maior ou mais justa que possa
parecer, é maior que a compaixão de nosso Àñèñè Nlá (O Maior e Principal Ancestral).
As divindades citadas por Salàkï são:
a) Òñàlá
b) Îrúnmìlà

496
c) Ògún
d) Nàná
e) Îñun
f) Ìyá Odù

Presente a Òfún

Duzentos búzios
Um ìgbín
Uma galinha branca
Um pombo branco
Uma cabaça com água fria
Uma cabaça com cinzas
Uma navalha
Uma meada de algodão
Ovos de galinha branca
Comidas brancas
Um tecido branco, etc.

Òfún 1

Em tempos imemoriais Olófin desejou muito gerar um filho. Com esse propósito em mente ele
consultou Ìfá, e lhe foi aconselhado fazer uma oferenda para atingir seu objetivo. Baba fez o ëbö prescrito, e
conseguiu gerar um filho, que recebeu o nome de Bamgbala. Para a surpresa do próprio Olófin, ele também
gerou mais dois filhos, chamados Alalade e Talabi. Baba dançava e regozijava graças à plena realização de
seus intentos. Isso é Òfún.

497
“Consultaram Ìfá para Òñàlá Îñûrûgbò, quando Baba estava prestes a gerar Bamgbala como
seu filho”. Geralmente o desejo de filhos, além do sentido literal, representa grandes aspirações, cujas
realizações certamente trazem felicidade. O fato de Olófin ter realizado seus desejos, mostra que de fato
esse caminho de Òfún pode ser visto como repleto de realizações.

"Baba gerou Bamgbala. Ele gerou também Talabi, e depois gerou Alalade. Os filhos de Baba
eram inumeráveis”. Geralmente em Odù que fala sobre filhos deve-se considerar a hipótese de estar
ocorrendo algum problema com os filhos do consulente. Em seus aspectos positivos, a presença de filhos
representa realizações em geral, potencial de liderança e a possibilidade de existir profundos desejos ainda
não realizados, mas cuja realização se aproxima. De uma maneira geral a presença de filhos em Odù pode
ser considerada como um bom presságio. O fato de Baba ter conseguido mais filhos do que esperava
mostra a possibilidade das realizações que se manifestarem na vida do consulente serem maiores que sua
expectativa.

"Se alguém tem dinheiro, se alguém tem uma criança, pegue um tecido branco". Essa passagem
faz uma alusão ao Àlà, tecido sagrado e um dos principais símbolos dos Òrìñà Funfun, representando a idéia
de que filhos, direta ou indiretamente, têm sua origem em Òñàlá. É bom ter em mente que quando Òñàlá
está numa questão, a solução pode ser demorada, mas é certa. Logo, será necessária perseverança e
paciência.

Ëbö

Dez búzios
Dez ìgbín
Uma galinha branca
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) A estrutura do ëbö evidencia a grande influência de Òñàlá nesse caminho de Òfún. Tal
quantidade de ìgbín provavelmente manifestará um grande àñë ûrö na vida ou no Orí do consulente. Se tal
ëbö é o indicado para Òfún nesse caminho, é porque certamente o consulente esteja necessitado desse
àñë.

b) A finalidade desse ëbö é gerar filhos. Por isso está relacionado à fertilidade e fecundidade, e
num plano mais abstrato, realizações em geral, sempre de caráter benéfico.

498
Òfún 2

Num passado remoto, existiu uma mulher chamada Adenlokun. Seu maior sonho era ter um filho,
mas ela era estéril, e por mais que se esforçasse não conseguia ter os filhos que tanto desejava. Angustiada
pela situação ela resolveu consultar Ìfá. O babalawo lhe mostrou que apesar de sua dificuldade, ela tinha
tudo para engravidar, “havia filhos em seu interior”. Foi-lhe recomendado um ëbö, em cuja composição
existia uma porca. Adenlokun fez a oferenda prescrita, e depois de um tempo finalmente engravidou. Ela
teve muitos filhos, e enorme era sua alegria. Ofun é como isso.

"Adenlokun era estéril". Em Odù em que aparece esterilidade, há vários fatores a serem
considerados. Um deles é a hipótese de alguma disfunção genética, sexual ou de libido. Num plano mais
psicológico, a esterilidade pode representar frustrações em geral, além da possibilidade do potencial do
consulente não estar sendo utilizado em sua plenitude. De qualquer forma, a presença de esterilidade num
Odù sugere a necessidade de consideráveis mudanças na estrutura da vida, para que as realizações
(geralmente simbolizada por filhos nos ìtan) possam manifestar-se.

“Nós vemos a mosca que é espantada pelo ìrukûrû”. Apesar de muito breve e aparentemente
sem importância, a citação sobre moscas merece destaque. É conhecido o fato de que moscas em ìtan
representam a presença de elementos negativos. Graças a esse fato é possível que tais elementos, de uma
maneira ou de outra, influenciem negativamente a continuidade da infertilidade citada no ìtan,
independentemente da maneira que essa infertilidade deverá ser interpretada. Segundo o ìtan, o que
espanta a mosca (e por extensão, a negatividade) é o ìrùkûrû, símbolo de realeza e também um dos
principais emblemas dos caçadores, que o usam para afastar ou controlar os espíritos da floresta. Se
realmente Ìfá confirmar a hipótese da mosca citada no ìtan representar negatividade, haverá a possibilidade
de questões referentes à realeza (elevação social, riqueza, títulos, etc.) ou a espíritos elementares estarem
envolvidas na questão. Caberá ao awolòrìñà descobrir as formas que o “ìrùkûrû poderá afastar a mosca”.

"Disseram que ela tinha crianças dentro de si". Essas foram as palavras do babalawo, assim que
consultou Ìfá para Adenlokun. É interessante a citação de que ela já possua filhos em seu interior, pois é
comum a idéia de que gestações que não vingam (ou têm problemas sérios) estarem nos caminhos de
àbìkú. Não há nenhuma citação textual a respeito, mas seria prudente considerar tal hipótese. Mas se essa
passagem for analisada em seus aspectos positivos, ficará evidente que o consulente possui em si todo o
potencial necessário para a realização de seus projetos, tendo em vista que “filhos”, entre outras coisas,
representam realizações pessoais e até felicidade.

499
"Adenlokun começou a ter filhos. Suas crianças eram incontáveis". A partir do momento em que
Adenlokun consegue ter filhos, abre-se outra particularidade desse caminho de Òfún, o de realizações em
geral nos mais diversos aspectos da vida. Pelas próprias características do ìtan, há a possibilidade dessas
realizações estarem intimamente relacionadas aos aspectos genéticos (sexuais) e familiares.

Ëbö

Dez búzios
Uma porca
Uma galinha branca
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) É conhecido o fato do porco ser um animal intimamente relacionado à gestação, devido ao


grande número e freqüência de seus rebentos. A presença desse animal no ëbö reforça o que já foi dito a
respeito de filhos.

b) É comum o uso de tecidos em oferendas relacionadas aos ancestrais ou à descendência. A cor


branca é uma marca característica de quase todos os ëbö para Òfún. Há a possibilidade do consulente ter
alguma relação mais íntima com os Òrìñà Funfun. Caberá ao awolòrìñà descobrir se tal possibilidade
procede, e se Ìfá assim o confirmar, os filhos que nascerem (ou as realizações que ocorrerem) estarão nos
caminhos de Òñàlá.

c) A finalidade dessa oferenda é reverter um quadro de infertilidade; e num plano metafórico,


favorecer a realização de consideráveis elementos positivos.

500
Òfún 3

Houve uma época em que Òkété e Galo eram amigos íntimos de um grande rei. Esse mesmo
monarca tinha o hábito de comer escondido, e as pessoas tinham dúvidas se ele se alimentava
normalmente, ou se sobrevivia graças a algum sortilégio sobrenatural. Òkété e Galo fizeram um pacto com
as pessoas, e assumiram que descobririam onde e quando o rei comia. Num determinado dia eles seguiram
o rei, que se escondeu num dos cantos de seu palácio. Òkété cavou um buraco até a dependência onde o
rei se encontrava. Ele levou uma corda consigo, amarrou-a a cintura e deixou a outra extremidade com Galo,

501
dizendo que se o rei estivesse se alimentando, ele puxaria a corda, e no mesmo instante Galo deveria cantar
bem alto, avisando a todos que o rei estava comendo. Quando Òkété acabou de fazer seu túnel, encontrou
o rei que estava se alimentando. Imediatamente Òkété puxou a corda que levara consigo, e Galo cantou
bem alto. O segredo do rei não existia mais, e agora todas sabiam que ela era uma pessoa normal. O rei
ficou furioso, e com a corda que Òkété usou, ele matou. A corda de Òkété é sua própria cauda, que as
pessoas puxam até hoje para matá-lo. A partir daquele momento o rei definiu que tanto Òkété como Galo
seriam utilizados em oferendas, como acontece até nossos dias. É por isso que Ìfá diz que devemos ser
cuidadosos.

"Ìfá diz que devemos ser cuidadosos para não sermos traídos". A possibilidade de ocorrerem
traições e decepções é a principal mensagem trazida por Òfún nesse caminho. Será importante que o
consulente tome seus cuidados para que esse aspecto negativo desse Odù não se manifeste em sua vida.

"O rei pegou o primeiro bocado de comida e levou à boca". O bom senso diz que não haveria
razões para o rei esconder de todos que ele se alimentava. Não há no ìtan nenhuma citação sobre um
período de jejum ou algo semelhante. Esse fato pode significar que há consideráveis segredos em questão,
que ao menos à primeira vista, não deveriam ser revelados.

“O rei disse, ‘Òkété, Galo. Vocês fizeram um juramento a Ìfá, mas o traíram’". A citação de Ìfá
no ìtan abre a possibilidade da traição ou decepção em questão estar relacionada a questões espirituais. É
importante ter em mente que o castigo imposto aos traidores foi muito duro, dando a entender que a
traição que vier aparecer será de considerável seriedade. Caso o consulente se identifique com os animais
do ìtan e não com o rei, é bom que tenha em mente as dores que lhe esperam. Liturgicamente o ìtan explica
a razão desses dois animais serem usados em oferendas até hoje.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) A ausência de uma oferenda deixa claro que as chances de evitar a traição são pequenas, como
se esse infeliz processo já tivesse começado. Isso reforça a possibilidade (mas não confirma) de realmente o
consulente se identificar com o rei traído. Logo, o conselho dado no ìtan sobre a necessidade de agir
cuidadosamente deve ser seguido à risca.

502
Òfún 4

Nos primórdios da criação os seres (e as idéias) deveriam vir do îrun para o àiyé. Havia chegado a
vez de Agogô e Ñûkûrû, mas antes eles resolveram consultar Ìfá, pios desejavam que "as coisas não fossem
duras para eles". Foi recomendado a ambos que fizessem ëbö. Primeiramente eles fizeram uma oferenda
que continha duzentos búzios, mas as coisas não melhoraram. Depois disso eles fizeram outra oferenda,
essa contendo entre outras coisas, duzentos braceletes de bronze. Dessa vez o ëbö surtiu o efeito esperado,
e as coisas começaram a ficar mais amenas e fáceis na vida dos dois. Eles louvavam os adivinhos, felizes pela
melhora ocorrida em suas vidas.

“Eu ofereci duzentos búzios; as coisas são duras para mim". Essa passagem corresponde ao
nome de um dum babalawo que consultou para Agogô e Ñûkûrû. Evidencia que se poderá esperar por
dificuldades quando aparecer esse caminho de Òfún. Mas segundo a própria estrutura do ìtan, tais
dificuldades serão vencidas, se os assuntos abordados nesse Odù forem corretamente entendidos.

"Eu ofereci duzentos braceletes de bronze; as coisas são fáceis para mim". Apesar das
dificuldades inerentes a esse Odù, certamente haverá vitória. Em muitos ìtan aparecem citações sobre ferro,
bronze e chumbo (o preto, o vermelho e o branco). A espiritualidade simbolizada pelo branco está
relacionada à sabedoria, desapego e evolução. A espiritualidade simbolizada pelo vermelho está na vontade
firme em agir corretamente, na coragem, astúcia e compaixão. A espiritualidade simbolizada pelo preto está
principalmente no potencial de auxílio a quem necessita (as folhas de Îsànyìn, as ferramentas de Ògún, os
animais de Îñïsì, etc.). Apesar das dificuldades, a oferenda constituída apenas de búzios (que visava somente
prosperidade) não surtiu o efeito esperado. Foi a oferenda de ìdë (braceletes de bronze) que tornou as
coisas "fáceis". Ou seja, a oferenda que veiculava espiritualidade intuitiva foi a que reverteu a situação. Esse
fato pode ser um indício de que a busca da melhora da situação, apenas por uma questão material, pode
não ser a melhor conduta quando aparecer esse caminho de Òfún. É possível que seja através da
conscientização sobre necessidades mais profundas que o consulente conseguirá passar pelas dificuldades
que estarão presentes quando esse caminho de Odù aparecer.

“Então eles vieram do îrun para o àiyé”. Essa é mais uma das clássicas citações que
constantemente aparecem nos ìtan. Geralmente essa passagem de um plano de existência a outro
simboliza uma nova fase, novos desafios e novas dificuldades. Merece destaque a prudência dos
personagens, que consultaram Ìfá e fizeram suas oferendas antes de iniciarem essa nova fase. Seria muito
bom se o consulente procurasse agir com a mesma postura dos personagens, para que seja possível vencer
as dificuldades que certamente estarão presentes quando Òfún aparecer nesse caminho.

Ëbö

503
Duzentos búzios
Duzentos braceletes de bronze
Uma meada de algodão
Uma cabaça
Uma vara

Comentários sobre o ëbö

a) Pode parecer uma incoerência a necessidade de tantos búzios (um alto pagamento) num
momento de dificuldades. O que pode se entender desse fato é a necessidade de desapego a uma
mentalidade excessivamente material. O ato de oferecer parece ser vital para o sucesso da oferenda; de
qualquer forma, apesar das dificuldades do consulente seria desaconselhável que esse ëbö fosse realizado
gratuitamente. Caberá ao awolòrìñà ter o bom senso para saber que há várias formas de se pagar por um
auxílio de caráter espiritual.

b) O algodão é um dos principais símbolos da existência genérica, e por extensão da elevação de


pensamentos e desapego à inconstância do àiyé. Sua presença nesse ëbö pode representar a necessidade
de cultivar uma conduta coerente com o simbolismo acima citado, além de obviamente ser uma espécie de
“sinal” sobre uma possível influência dos Òrìñà Funfun nesse Odù.

c) A cabaça é o corpo de Ñûkûrû, enquanto é com uma vara que se consegue o som do Agogô.
No ìtan ambos deveriam fazer o ëbö para que pudessem reverter as situações de dificuldades materiais. É
provável que além do consulente, alguém muito próximo tenha que fazer a mesma oferenda ou esteja
passando por problemas semelhantes. Varas são, entre outras coisas, elementos fálicos, enquanto cabaças,
por seu formato arredondado, podem simbolizar úteros; e conseqüente feminilidade. É provável também
que essa pessoa próxima seja o cônjuge do consulente. No ìtan, a oferenda realizada por Agogô não surtiu
o efeito esperado, enquanto a realizada por Ñûkûrû foi eficaz: abre-se então a possibilidade do lado
masculino de uma eventual união ser o mais desequilibrado ou menos apto a compreender a necessidade
de crescimento espiritual que aparece nas sublinhas desse caminho de Òfún. Além de todas essas
possibilidades interpretativas, também merece destaque a possibilidade desses dois elementos
representarem a ancestralidade do consulente, visto que cabaças e varas são dois dos principais emblemas
dos ancestrais. Se Ìfá confirmar essa possibilidade, ficará evidenciada a participação dos mesmos na
problemática exposta por Òfún nesse caminho.

d) A ausência de animais reforça a idéia de espiritualidade desse Odù, além de evidenciar que a
conduta do consulente será de vital importância para o sucesso da oferenda.

e) A palavra "ìdë" significa bronze, mas no Brasil está associada a braceletes em geral. Há a
possibilidade do número duzentos ser uma alusão à grande quantidade. Nesse caso, sob consulta, o
awolòrìñà poderá diminuir o número de braceletes, visando a diminuição dos custos do ëbö.

504
f) A finalidade dessa oferenda é atingir a vitória e vencer dificuldades, em situações semelhantes
às narradas no ìtan.

Òfún 5

Apesar de ser o maior entre todos os guerreiros, houve ocasiões em que Ògún perdeu batalhas.
Em épocas remotas, houve uma sangrenta batalha numa cidade chamada Gbûndùgbûndù, que ficava
próxima a uma colina chamada Ijamö. Mas a guerra não foi bem sucedida. Depois disso, muitas e muitas
crianças nasceram. Isso é Òfún.

"Consultaram Ìfá para Ògún Dudu (preto), que foi guerrear na cidade de Gbûndùgbûndù; a
guerra de Ijamï, que não foi bem sucedida". O ìtan em si é um complexo poema, que traz informações
explícitas, mas segredos implícitos, tornando necessário conhecimento e intuição para um razoável
entendimento. Uma guerra mal sucedida, num Odù em que aparece Ògún, pode ser considerada como
uma grande frustração, pois dificilmente, em se tratando de Ògún, algo poderia ser considerado pior.
Estando Ògún relacionado ao desbravamento de caminhos e ao surgimento de oportunidades, sua derrota

505
em uma guerra torna necessárias consultas antes de se realizar qualquer tipo de empreendimentos, nos
mais diferentes âmbitos.

"Isso é quando Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö contra a impotência". Impotência é uma
das mensagens trazidas por esse caminho de Òfún. Mas apesar de parecer algo simples, na verdade esse
fato em um Odù como Òfún adquire complexas particularidades. Quando impotência aparece em um Odù,
obviamente deve-se considerar a disfunção sexual, quer seja Erétil ou não, que esteja causando prejuízos à
vida sexual do consulente. A prudência pede que sejam feitas consultas para saber a origem dessa
disfunção, pois essa pode ser física, emocional, psicológica ou até espiritual. Cada uma dessas
possibilidades merecerá uma abordagem específica por parte do awolòrìñà. Há também a possibilidade da
impotência abordada no ìtan ter uma conotação metafórica, simbolizando genericamente frustrações,
impossibilidade de reverter uma situação desagradável, ou o não aproveitamento de um considerável
potencial. A idéia que se tem desse fato é a possibilidade de frustrações, tristezas e sofrimentos, pois a
impotência não deixa de ser uma grande frustração.

"Òfún compreende Ìká, Ìká compreende Òfún". A citação sobre Ìká é muito intrigante, pois Ìká é
um Odù onde a doença, os feitiços e a morte aparecem com muita força. Esse fato faz com que cada uma
das possibilidades citadas possa ser a origem da impotência (física ou metafórica) abordada no ìtan.

Ëbö

Dez búzios
Uma galinha branca

Comentários

a) O ëbö em si é por demais simples, não carecendo de maiores comentários. A impotência


também aparece em Ejìogbè, mas nos ëbö respectivos há a presença de varas, que no caso são um símbolo
fálico. A ausência desses símbolos pode ser vista como uma indicação de que os elementos metafóricos se
sobressaem aos físicos, especificamente nesse caso.

b) A finalidade dessa oferenda é combater a impotência, quer essa seja física ou metafórica; e
evitar derrotas, como a sofrida por Ògún, favorecendo assim conquistas e conseqüente contentamento.
Ainda no plano metafórico, esse ëbö favorecerá para que as frustrações inerentes a esse Odù não se
manifestem, e se as mesmas já tiverem se manifestado, que suas conseqüências não sejam desastrosas.

Òfún 6

506
Em tempos imemoriais, Îrúnmìlà decidiu viajar até a cidade de Ilà, para ali exercer sua profissão de
babalawo. Quando estava chegando em Ilà, Îrúnmìlà encontrou um lavrador trabalhando, e cordialmente
perguntou se faltava muito para chegar à cidade. Ao ver um forasteiro por ali, o lavrador pensou que o
próprio Olódúmarè havia lhe mandado um escravo de presente, mesmo não tendo ocorrido nenhuma
guerra. Astutamente o lavrador disse a Îrúnmìlà que seria melhor descansar antes de seguir viagem, e
ofereceu sua casa para o descanso. Logo que entrou na cabana, o lavrador prendeu Îrúnmìlà e foi dizer ao
rei que Olódúmarè havia lhes mandado um novo escravo. O rei disse que por ser a pessoa mais importante
de Ilà, ele deveria ficar com o escravo; e assim o fez. Tiraram Îrúnmìlà da cabana e queriam amarrá-lo, mas
ele disse que não fugiria. No meio de seu sofrimento Îrúnmìlà lembrou-se que antes de viajar para Ilà havia
esquecido de lavar seus instrumentos de divinação, que faziam parte de seu Òkè Ìpînrí. Então ele colheu as
folhas apropriadas e lavou seus instrumentos, na esperança de reverter sua triste situação. Chegou o dia em
que uma grande festa ocorreria, e o filho caçula do rei ordenou a Îrúnmìlà que preparasse um cavalo para
levá-lo à festa. Îrúnmìlà preparou o cavalo, e quando o príncipe montou, a imagem de sua sombra ficou
bem nítida no chão. Disfarçadamente Îrúnmìlà abaixou-se, e sobre a sombra riscou a figura de um Odù,
cobrindo-a depois com uma cabaça. Quando o príncipe chegou na festa, começou a se divertir com seus
amigos. Îrúnmìlà ficou na casa, e quando se viu sozinho destampou a figura do Odù e começou a recitar os
versos específicos àquela figura. Imediatamente o príncipe desmaiou, e não havia quem pudesse acordá-lo.
Quando Îrúnmìlà encontrou o rei, disse-lhe que era um babalawo em sua terra natal, e que poderia ajudar o
príncipe. Sem opções o rei consentiu, e trouxeram o rapaz para que Îrúnmìlà o ajudasse. Como sabia
exatamente qual era o problema, não foi difícil ao senhor dos oráculos reverter a situação, fazendo o ëbö
correto para o Odù por ele invocado. Assim que acordou o príncipe disse ao rei que a partir daquele
momento ele, o rei, deveria dividir todas as suas posses em duas partes, e dar metade a Îrúnmìlà. Todos
deveriam se dirigir a Îrúnmìlà tratando-o por “Majestade”, pois definitivamente ele era um rei, e não um
escravo. Dessa forma Îrúnmìlà prosperou, e Ilà ficou conhecida como a cidade que possuía dois reis, Onílà e
Îrúnmìlà.

“Îrúnmìlà disse, ‘O que eu devo fazer para que as coisas sejam boas para mim em Ilà?’”. A
questão levada por Îrúnmìlà a Ìfá mostra que mudanças de cidade (ou mudanças em geral) estarão
presentes quando esse Odù aparecer. Segundo a estrutura do ìtan, será possível prosperar dentro das novas
perspectivas que se apresentarem, mas não sem consideráveis sofrimentos.

"Se não possuímos grande sabedoria, não poderemos fazer remédios fortes. Se não
aprendermos a fazer remédios, não conseguiremos curar as doenças sérias. Se não curarmos as doenças
sérias, não poderemos juntar riquezas. Se não conseguirmos riquezas, não conseguiremos fazer grandes
coisas". Nessa passagem que reflete a sabedoria iorubana popular, fica evidente que a sabedoria é a raiz de
benefícios que podem manifestar-se na vida do o ser humano. Esse fato, além da conduta sábia de Îrúnmìlà,
evidencia que será a sabedoria que poderá auxiliar o consulente a passar pelos momentos de dificuldade
que chegarão, e que também lhe dará chances de conseguir consideráveis conquistas materiais.

“Disseram para Îrúnmìlà entrar na casa. Depois pediram para Îrúnmìlà se sentar. Há! Eles o
enganaram!”. Traições estarão presentes quando aparecer esse caminho de Òfún. No ìtan, é um lavrador

507
que aprisiona Îrúnmìlà e o apresenta ao rei como escravo. A presença de um lavrador tendo tais atitudes
abre a possibilidade de ocorrerem problemas de considerável gravidade no âmbito profissional. O
importante é ter em mente que a traição está presente nesse Odù; logo todo o cuidado será necessário.

"Ele disse que onde quer que o seu senhor o colocasse, ele não fugiria". Há de se destacar a
conduta de retidão de Îrúnmìlà em manter sua palavra sobre não fugir. Também merece destaque o fato de
que em nenhum momento do ìtan, Îrúnmìlà dá sinal de descrença em sua vitória, apesar de sua posição
extremamente delicada. Parece que ele tinha consciência de que havia tomado todos os cuidados
necessários para que sua incursão em Ilà fosse proveitosa. As dificuldades iniciais não abalaram sua fé no
que Ìfá havia mostrado como um bom presságio. Similarmente, o consulente deverá manter o pensamento
positivo sobre a resolução de seus problemas, pois dificuldades aparecerão, mas deverão ser encaradas
com coragem e sabedoria, pois a vitória será certa para quem agir com esses predicados.

“Îrúnmìlà disse que não era um escravo para ficar amarrado”. Pela situação de prisão de
Îrúnmìlà, seria prudente considerar a hipótese de situações caracterizadas pela privação de liberdade. A
possibilidade de sensações semelhantes à escravidão também deverá ser considerada.

"Îrúnmìlà colhia as folhas, pegava água no rio, plantava os frutos na lavoura". Apesar de sua real
posição de grande sacerdote, Îrúnmìlà não se esquiva dos serviços braçais que lhe eram designados. Essa
atitude demonstra humildade e uma louvável capacidade de resignação ao sofrimento, além de
indiretamente ser mais um indício na certeza da vitória no que se propõe a fazer. É provável que antes de
atingir seus objetivos (principalmente os profissionais), o consulente se veja exercendo atividades que à
primeira vista não representam seus desejos pessoais. Dentro desse quadro, o importante será ter em
mente que a situação será passageira, e que em breve novas e importantes oportunidades aparecerão.

“Quando Îrúnmìlà deixou sua casa, não fez oferendas a seu Òkè Ìpînrí”. Segundo o ìtan, os
instrumentos de divinação de Îrúnmìlà fazem parte de seu Òkè Ìpînrí; e o descuido em relação à própria
espiritualidade talvez tenha sido a causa dos infortúnios por ele experimentados, mesmo tendo feito as
oferendas prescritas pelo ìtan. Para minimizar esses males, Îrúnmìlà colhe determinadas folhas e com elas
lava seu oráculo. Independente de qualquer questão interpretativa, o fato é que após ter feito isso,
apareceu a oportunidade para reversão satisfatória de seu sofrimento. Todos esses fatos mostram o quando
é importante manter em harmonia o àñë pessoal. Se o consulente possuir o direito sobre a utilização dos
oráculos, é provável que seja época para “dar de comer ao jogo”.

“Quando o filho do rei foi subir no cavalo, Îrúnmìlà procurou pela sombra dele, e marcou uma
figura (um Odù) sobre ela”. Preparar esse feitiço para o filho do rei foi a única oportunidade que Îrúnmìlà
teve para reverter sua triste situação. É possível que apenas através de atividades semelhantes (magia) seja
possível vencer em situações semelhantes às narradas no ìtan. Mesmo que Ìfá confirme tal possibilidade, é
importantíssimo que fique claro que a ação de Îrúnmìlà não estava baseada num rancoroso desejo de
vingança, e sim na necessidade de escapar de uma situação desesperadora. Ele era profundo conhecedor
do que estava fazendo, e sabia que poderia reverter o feitiço quando fosse preciso. Todos esses detalhes

508
evidenciam que mesmo se for necessária a utilização de magia, isso não deve significar necessariamente
uma espécie de permissão para o cultivo de sentimentos contrários à espiritualidade.

"O príncipe desmaiou. Ninguém conseguia levantá-lo". Foi Îrúnmìlà que orientou o rei sobre o
que ele deveria fazer para que seu filho recuperasse a saúde. Ele finalmente conseguiu exercer suas reais
funções de babalawo, o que era a razão de sua ida a Ilà. Esse fato sugere que mais cedo ou mais tarde as
dificuldades passarão, e o consulente conseguirá agir de acordo com sua real vontade.

"Ele não é um escravo; ele é um rei". Essas palavras proferidas pelo príncipe mostram que o
reconhecimento chegará para o consulente, que seu sofrimento não será em vão, e que após um período
de dificuldades as coisas melhorarão consideravelmente.

"Onílà dividiu suas esposas, suas propriedades, as esposas dos filhos, as propriedades dos
filhos. Tudo ele dividiu em duas partes, e levou até Îrúnmìlà. Este foi o dia em que Ilà teve dois reis".
Como recompensa por sua ação junto ao príncipe, Îrúnmìlà foi coroado rei. Esse fato é mais uma evidência
de que os sofrimentos atuais guardam futuras bênçãos. Trabalho, honestidade, humildade, paciência e
sabedoria são os meios que deverão ser usados para que as mais amplas bênçãos possam recair sobre o
consulente ("Vocês me verão numa abundância de bênçãos").

Ëbö

Quarenta búzios
Duas galinhas brancas
Dois ìgbín
Dois pombos
Duas bolsas
Duas cordas
Dois tecidos brancos

Comentários sobre o ëbö

a) Segundo o ìtan, as bolsas, os tecidos e as cordas devem ser “apresentados” ao Odù, mas uma
peça fica com o consulente, e a outra com o oficiante do rito.

b) As bolsas podem ser um símbolo do trabalho, pois são usadas pelos babalawo para carregarem
seus apetrechos de divinação. É mais uma evidência de que o trabalho está diretamente associado às
questões expostas pelo Odù.

509
c) A corda está intimamente relacionada ao período de escravidão vivido por Îrúnmìlà. Representa
dificuldades, falta de liberdade e a possibilidade de por algum tempo haver a necessidade de trabalhar
naquilo que inicialmente não se deseja.

d) ìgbín é uma oferenda comum nos caminhos de Òfún, pois esse Odù é essencialmente ûrö,
estando intimamente relacionado aos Òrìñà Funfun. Representa a necessidade de calma, perseverança e
sabedoria perante as dificuldades que possam aparecer.

e) A finalidade desse ëbö é conseguir prosperar em circunstâncias como às do ìtan, além de


fornecer àñë para atravessar momentos de considerável dificuldade antes da manifestação da
prosperidade.

Òfún 7

Contam os Antigos que certa vez Îrîgîjima (Grande Leopardo) estava seriamente enfermo. Para
resolver seu problema ele resolveu consultar um babalawo, que lhe prescreveu uma oferenda à base de

510
fogo e cheia de simbologia. O babalawo também disse a Îrîgîjima que ele deveria esforçar-se para melhorar,
não se entregando de forma alguma. Îrîgîjima seguiu as orientações de Ìfá, e depois de algum tempo
acabou desfrutando de boa saúde. Nenhum animal tinha a agilidade dele; seus botes eram infalíveis;
ninguém podia lhe olhar nos olhos. Îrîgîjima dançava e regozijava em sua perfeita saúde.

“Consultaram Ìfá para Îrîgîjima, que estava seriamente enfermo". Esse é o resumo da principal
mensagem trazida por Òfún nesse caminho: uma doença de considerável seriedade. Geralmente leopardos
são vistos como exemplos de força e vitalidade, e a presença desse animal num estado de doença pode
gerar a idéia de um decréscimo generalizado na qualidade de vida. Por uma questão de prudência, caberá
ao awolòrìñà definir se outros fatores negativos, além de doenças, deverão ser considerados.

"Ele deveria esforçava-se por melhorar". Apesar da gravidade da doença em questão, essa
passagem evidencia que o consulente não deve entregar-se à doença (ou dificuldades em geral), pois essa
atitude definitivamente não será a mais adequada A estrutura do ìtan evidencia que lutar pela recuperação
da saúde, de todas as formas possíveis e imagináveis é a melhor conduta quando Òfún aparece nesse
caminho.

"De todos os animais, nenhum se levantava como Leopardo. Ele dizia, ‘Vocês me verão com
boa saúde’". Eis a indicação de que apesar da seriedade da doença, são consideráveis as chances de
recuperação. Em nenhum momento justifica-se a perda da esperança, desde que as orientações trazidas por
Òfún nesse caminho sejam corretamente seguidas.

Ëbö

Dez búzios
Duas lamparinas
Um tecido
Uma navalha

Comentários sobre o ëbö

a) Em alguns ëgbý Òrìñà é comum o uso de lamparinas em ëbö. Provavelmente a presença do


fogo tenha alguma ação junto ao duplo astral do indivíduo (o Ojíjí, para alguns) que favoreça a recuperação
do equilíbrio físico-energético que caracteriza a saúde.

b) A presença de tecidos é comum quando há alguma relação entre a problemática em questão e


a descendência ou ancestralidade do consulente. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

c) A navalha é o elemento mais significativo do ëbö, pois muito provavelmente seja um símbolo
relacionado à iniciação (ou obrigação). Se tal possibilidade se confirmar, é provável que a recuperação da

511
saúde, ou de qualquer outro aspecto da vida do consulente que Ìfá venha a salientar, dependa de cuidados
espirituais. Ou seja, pode não ser apenas uma questão médica.

d) A ausência de animais num ëbö relacionado à saúde é rara. Esse fato pode ser mais um indício
da necessidade de cuidados espirituais e uma postura mental adequada para que haja a convalescença
esperada.

Òfún 8

Em tempos imemoriais Nàná encontrava-se muito doente. Ela estava disposta a melhorar, e com
esse intuito procurou um babalawo. Foi-lhe dito que deveria fazer um ëbö, mas Nàná não estava em
condições de fazer isso por si mesma. Seus filhos, os Imalû, deveriam fazer esse ëbö para ela, e durante o
período de convalescença, deveriam alimentá-la todos os dias pela manhã, e só depois disso deveriam ir
trabalhar. Mas os filhos de Nàná partiram, e só voltaram depois de trinta dias. Nanã já estava quase
morrendo de fome quando seus filhos apareceram. Como forma de castigo Nàná determinou que daquele
momento em diante, sempre no começo de cada ano, seus filhos jejuariam durante trinta dias, e só
poderiam se alimentar à noite. Foi assim que começou a tradição de jejuns no àiyé.

"Consultaram Ìfá para Nàná, quando ela estava seriamente enferma". Toda a estrutura do ìtan
aponta para a possibilidade de doenças estarem presentes quando Òfún aparecer nesse caminho. O esforço
de Nanã em melhorar certamente deverá caracterizar a postura do consulente perante tal dificuldade.

"Os filhos de Nàná não a alimentaram corretamente". No ìtan, foi recomendado aos filhos de
Nàná que a alimentassem pela manhã antes do trabalho, e à noite quando retornassem. Mas eles saíram e
só voltaram após trinta dias, deixando Nàná passar fome por todo esse longo período. Metaforicamente
esse fato pode significar que não será no seio da própria família que o consulente conseguirá o devido
apoio para o restabelecimento de sua saúde. Também pode representar ingratidão, dificuldades de
relacionamento e abandono.

"Por trinta dias vocês não poderão comer nem beber durante o dia". Esse foi o castigo imposto
por Nàná a seus filhos devido o desleixo deles. No ìtan, esse mesmo jejum tem características de expiação, o
que dá a esse caminho de Òfún uma particularidade favorável a momentos de introspecção e oração.
Também é importante salientar que nos caminhos de Òfún aparecem citações sobre o Ramadã, o mês
sagrado de orações e penitências do povo islamita, onde um dos preceitos a serem seguidos é exatamente
o jejum durante o período prescrito no ìtan. Se houver alguma relação entre esse fato e a saúde do
consulente, é provável que só através da religião será possível conseguir bons resultados para a
convalescença.

"Os Ìmalý não deveriam quebrar o jejum". No ìtan, Nàná é reconhecida como a mãe dos Ìmalý,
espíritos ancestrais da raça humana, e segundo alguns, de todas as formas passíveis de evolução, em corpos

512
físicos ou não, que habitam nosso globo. Esse fato evidencia o quão essa divindade está relacionada à
ancestralidade.

Ëbö

Dez búzios
Uma galinha branca
A roupa que estiver vestindo
Oferendas a Òrìñà

Comentários sobre o ëbö

a) Galinhas brancas são comuns nos ëbö para Òfún, pois é sabido que esse Odù está intimamente
relacionado aos Òrìñà Funfun.

b) Provavelmente a roupa do ëbö seja uma forma de despistar a doença, para que essa se fixe na
roupa e não na pessoa. Sob certos aspectos, a roupa também pode simbolizar a necessidade de assumir um
comportamento diferente, para evitar que os sofrimentos presentes nesse Odù (doenças, ingratidão e
solidão) se manifestem.

c) Segundo o ìtan, o ëbö não estará completo sem oferendas a Òrìñà. É reconhecido o fato de que
quando o termo “Òrìñà” é usado para representar apenas um ser, refere-se a Òñàlá. Nesse caso a
presença de Òñàlá abre a hipótese dos males do consulente serem realmente de origem espiritual,
provavelmente atingindo os componentes psíquicos e psicológicos. Se tal possibilidade proceder,
provavelmente será através de iniciação (ou obrigação) que o consulente poderá ser auxiliado. A prudência
indica a necessidade de saber se o termo Òrìñà, ao contrário do que já foi dito, refere-se ao Olórí (divindade
particular) do consulente. Nesse caso seria essa divindade que receberia as oferendas prescritas. Não há no
ìtan nenhuma referência sobre as oferendas a serem realizadas a Òrìñà, cabendo então ao awolòrìñà as
devidas definições.

d) A finalidade dessa oferenda é favorecer a saúde e evitar sofrimentos durante o período de


convalescença. Também será eficaz em casos de solidão, se Ìfá assim definir.

513
Òfún 9

Dizem os Antigos que a Aranha é mensageira de Òrìñà. Certa vez ela consultou Ìfá, e lhe foi dito
que servir Òrìñà era seu destino. Aranha seguiu as orientações de Ìfá, e a partir daquele momento cuidar de
Òrìñà passou a ser sua prioridade na vida. Como recompensa por sua devoção, Òrìñà deu a Aranha àñë e

514
muitas bênçãos. Todas as coisas que ela fazia passavam como mágica. As pessoas não entendiam como ela
conseguia realizá-las; principalmente como conseguia tecer seu fio. Aranha dançava e regozijava, pois Òrìñà
havia lhe tornado muito poderosa.

"Aranha era mensageira de Òrìñà. Disseram que era Òrìñà que ela deveria servir". Essas
passagens resumem com perfeição a principal mensagem desse caminho de Òfún: a necessidade de
dedicar-se a Òrìñà e colocá-lo como prioridade de vida.

"Òrìñà deu a Aranha as suas bênçãos". Se o consulente entender e seguir as informações trazidas
por Òfún nesse caminho, sua vida tende a ser repleta de bênçãos, nos mais amplos sentidos. Pelo ponto de
vista ioruba, tais bênçãos poderiam ser resumidas em saúde, prosperidade, boa família, sucesso naquilo que
se dedica, proteção contra inimigos, um bom nome e vida longa.

"Onde quer que Aranha vá, deverá trabalhar para Òrìñà". A breve citação sobre trabalho
evidencia que nesse caso específico, só a iniciação não será solução. Certamente será preciso esforço e
atitudes que realmente caracterizem alguém como um devoto. Sem dúvida alguma essa pessoa é apta a
possuir um oyè de considerável expressão no complexo mundo do Candomblé.

"Ninguém via o crescimento de Aranha e nem como ele tecia seu fio". Como essa passagem
parece fazer alusão à relação do personagem com as pessoas em geral, é provável que as pessoas mais
próximas ao consulente não tenham idéia sobre a realidade espiritual do mesmo, e por isso não
reconheçam seu potencial. Esse fato não seria surpresa, pois o Nazareno já dizia que ninguém é profeta em
sua própria casa.

"Isso é quando Ìfá diz que todas as coisas que essa pessoa fará passarão como mágica". Essa
passagem pode ser uma alusão ao fato do consulente possuir algum dom especial, algo que o distingue
entre os demais. De alguma forma (não expressa no ìtan), parece que o consulente possui um considerável
poder de realização (àñë).

Ëbö

Dez búzios
Uma galinha branca

Comentários sobre o ëbö

a) O ëbö em si é simples, não carecendo de nenhum comentário especial. Mas no ìtan é dito que
logo depois do ëbö, Aranha deveria “Ir até Òrìñà”. Ou seja, só o ëbö não garantirá as bênçãos inerentes a
esse caminho de Òfún. Também serão necessárias atividades que caracterizem devoção, como o “trabalhar
para Òrìñà” que textualmente aparece no ìtan.

515
b) A finalidade desse ëbö é receber as bênçãos de Òrìñà, em situações semelhantes às narradas no
ìtan.

Òfún 10

Certa vez Onigbëti, rei de Igbëti, resolveu consultar Ìfá, pois ele ainda não possuía um herdeiro
para seu trono. O babalawo consultou Ìfá, e Òfún foi o que ele viu. O babalawo recomendou a Onigbëti que
fizesse um ëbö, em cuja composição havia cinzas. Também disse que seria necessária a oferenda de dez
ìgbín a Òrìñà. Onigbëti fez a oferenda prescrita, e após algum tempo gerou um filho. O que era o filho de
Onigbëti? Era o próprio Ramadã, mês de jejuns e orações dos islamitas. Onigbëti dançava e regozijava, pois
graça a sua devoção a Òrìñà conseguiu um importante filho, que é uma grande riqueza na vida de uma
pessoa.

"E num dia, Onigbëti teve um filho". A aspiração por filhos pode representar desejos ainda não
realizados, grandes aspirações que exercem considerável pressão sobre o consulente. É importante ter em
mente que em Odù que fala de filhos, sempre é prudente checar como estão os filhos do consulente. O
sucesso de Onigbëti em conseguir um filho evidencia o caráter de realizações que esse caminho de Òfún
possuiu.

"Ele deveria oferecer dez ìgbín a Òrìñà". A poderosa oferenda feita pelo rei evidencia que Òñàlá
está intimamente relacionado às realizações (e possivelmente à vida) do consulente. Caberá ao awolòrìñà
definir se tal oferenda está relacionada simplesmente ao momento atual ou se há a necessidade de algum
culto especial a esse Òrìñà. É importante ter em mente que juntamente com o ëbö, essa oferenda (e a
devoção que ela inspira) favoreceram o sucesso de Onigbëti em seus intentos.

"Seu filho era o início do Ramadã". É muito intrigante a citação sobre o mês sagrado dos
islamitas, dedicado à oração e expiação, sendo caracterizado por jejuns e até macerações. A principal idéia
que vem à mente é a possibilidade de estar prestes a começar um período de considerável espiritualização
para o consulente. Muito provavelmente, pela própria natureza do Ramadã, tal período tende a ser
caracterizado por dificuldades e sofrimentos de caráter existencial, provavelmente para estreitar os laços
com a espiritualidade, e por extensão, com Olódúmarè. A citação sobre Ramadã também pode indicar que
o Orí do consulente necessite de outra religião, e não a de Òrìñà. Também pode indicar a necessidade de
tolerância e paciência perante pontos de vista e comportamentos diferentes do que o consulente está
acostumado. São várias as possibilidades de interpretação, cabendo ao awolòrìñà, através de experiência e
intuição, definir com clareza qual a verdadeira mensagem de Ìfá para o consulente.

516
"Nádegas brancas não são hereditárias; com exceção do lavrador, que às vezes senta-se sobre a
lama". É muito intrigante a citação de "nádegas brancas" e "hereditariedade" num Odù que fala sobre filhos
e outra religião. Da mesma forma que nádegas brancas não são comuns entre povos negros, uma citação
sobre um importante momento litúrgico de outra religião também não é comum nos ìtan. A idéia de
estrangeiro, de algo que vem de outra origem, parece estar presente. A questão sobre hereditariedade abre
a hipótese, ainda que muito remota, de filhos ilegítimos, infidelidade, etc. Pela gravidade dessas
possibilidades, seriam prudentes consultas específicas antes de quaisquer tipos de comentários.

Ëbö

Dez búzios
Uma galinha branca
Um tecido branco
Uma cabaça com cinzas

Comentários sobre o ëbö

a) Tanto a galinha branca quanto o tecido branco são oferendas típicas para Òfún, pois é sabido
que esse Odù é intimamente relacionado ao àñë dos Òrìñà Funfun. Além do mais, oferendas de tecidos são
comuns para Odù relacionados a filhos.

b) Como já foi visto, a citação sobre o Ramadã pode ser um indício da aproximação de um
momento de dificuldades e sofrimentos, mas que visam purificação e elevação de princípios espirituais.
Especificamente para Òfún, cinzas representam a continuidade da vida da madeira, só que num plano mais
sutil, “esbranquiçado” pelo fogo da purificação. Segundo alguns confiáveis autores, cabaças são
representações de "úteros fecundados". Sob esse ponto de vista são reforçadas as hipóteses sobre
realizações em geral (pois filhos representam, entre outras coisas, realizações).

c) Segundo o ìtan, o ëbö não estará completo sem a oferenda de dez ìgbín a Òñàlá. Essa é uma
evidência que além do caráter energético da oferenda, será preciso um comportamento devocional, para
que as bênçãos citadas no ìtan possam de fato se manifestar. d) A finalidade dessa oferenda é conseguir
filhos. Logo, está relacionada à realizações em geral, sempre de caráter positivo.

517
Òfún 11

No começo dos tempos, o Frio estava determinado a mostrar sua força para as pessoas,
conquistando todos os seres que possuíssem ossos. Quando todos ficaram sabendo dos intentos de Frio,
escarneceram dele. As pessoas diziam que por não possuir ossos ou sequer um corpo, Frio não poderia
incomodá-las de maneira alguma. Sentindo-se humilhado, Frio foi embora, mas prometendo voltar e
incomodar a todos. Ele consultou Ìfá, e foi aconselhado a fazer um ëbö com cabaças, águas e cinzas. Frio fez
a oferenda prescrita, e quando ele quebrou a cabaça com água e cinzas, as pessoas imediatamente

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começaram a sentir frio. No outro dia, pela manhã, todos comentavam como frio havia incomodado a todos
durante a noite. Frio dançava e regozijava, pois seus intentos haviam se realizado. Ninguém jamais duvidaria
de seu poder de perturbar as pessoas.

"Consultaram Ìfá para Frio, quando ele desejava conquistar todas as pessoas que tinha ossos".
O desejo de conquistas é um elemento presente nesse caminho de Òfún. Importante salientar que à
primeira vista, Frio não possuía os elementos necessários para ter sucesso em seus intentos; elementos
esses que foram movimentados através da oferenda. Há a idéia de que apenas desejar não é o suficiente.
Será preciso dispor de meios apropriados para atingir a realização dos projetos pessoais.

“Disseram, ‘O que Frio poderá fazer? Ele não possui ossos em seu corpo. Ele não possui força
alguma. Não pode fazer nada. O que ele pode fazer?’”. Há também a idéia de uma fase de descrédito,
onde ninguém acredita no potencial do consulente. Como apesar dos elementos negativos, esse é um
caminho de Odù propício a realizações, são consideráveis as chances do consulente reverter tal situação, se
seguir corretamente as informações trazidas por Ìfá. Apesar de não haver nenhuma citação literal, essa
passagem torna prudente consultas específicas sobre a saúde do consulente, pois a saúde é a raiz de
qualquer conquista nesse plano de existência. A razão para tal prudência é o fato de muitas vezes o frio ser
encarado como uma das principais características da presença de Ìkú. Também seria prudente considerar a
presença daquele que também não possuiu ossos, mas influencia em muito os seres vivos: Egún.

“Frio disse que conquistaria todas as pessoas que possuíssem ossos”. Devido ao desdém com
que é tratado, Frio decide-se por dominar as pessoas. Abre-se então a hipótese de ações motivadas por
sentimentos de revanchismo, diferenças pessoais, etc. É óbvio que sentimentos como esses não atraem
coisas boas, pois a grande maioria das pessoas não vê o frio com bons olhos. Ou seja, Frio conseguiu que as
pessoas reconhecessem seu poder, mas nem por isso se fez querido. Isso é algo para se refletir. Também é
importante é ter em mente que no momento, o consulente não dispõe nem de armas nem de energia para
obter sucesso em seus intentos. Esses elementos de realização serão gerados pela oferenda, e por um
entendimento claro de toda a situação.

“Foi assim que Frio começou a incomodar as pessoas". De acordo com o ìtan, são grandes as
chances do consulente vir a possuir considerável influência sobre os seus, mas é importante salientar que
possivelmente tal influência não será apreciada pelos demais, pois esses a caracterizará como "incômodo".
Caberá ao consulente definir se tal fim justifica os meios.

"Ìfá diz que bênçãos são o que ele profetiza". Por outro lado, essa passagem evidencia os
elementos positivos desse caminho de Òfún, a clara possibilidade de se conquistar o que se deseja, além de
respeito e auto-estima. Se houver o devido discernimento e sabedoria, será possível atingir as bênçãos
citadas no ìtan.

Ëbö

519
Dez búzios
Dez ìgbín
Uma cabaça com cinzas
Uma cabaça com água fria
Um tecido branco

Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de ìgbín necessária para esse ëbö provavelmente atrairá àñë de
característica ûrö. O próprio nome do personagem talvez seja indicação de que será através de atitudes
essencialmente ûrö (calmas, sábias e premeditadas) que o consulente obterá as conquistas em questão.

b) Segundo alguns autores de renome, cabaças representam úteros fecundados; ou seja, todo um
potencial de vida e analogicamente de realizações.

c) A presença de água fria é condizente com o àñë ûrö já citado. Em determinadas circunstâncias,
verter água sobre a terra é o simbolismo que representa a criação de situações potencialmente positivas,
mas especificamente nesse caminho de Odù, a presença de água parece ter relação direta com a idéia de
“frio”.

e) É comum a oferenda de cinzas nos caminhos de Òfún. Há a idéia de que mesmo quando todo o
potencial é consumido pelo fogo, ainda assim é possível existir vida. Especificamente para esse Òfún, cinzas
representam a continuidade da vida da madeira, só que num plano mais sutil, “esbranquiçado” pelo fogo
da purificação. Também é importante salientar a presença de um certo sofrimento nessas ocasiões.

f) Também é comum a presença de tecidos em oferendas relacionadas à descendência ou a


ancestralidade. Seriam prudentes consultas nesse sentido, principalmente pela presença (velada) de
representações ancestrais nesse caminho de Òfún.

g) A finalidade dessa oferenda é fazer com que alguém consiga “sensibilizar” as pessoas
próximas, mostrando que existe e que merece respeito.

520
Òfún 12

Dizem os Antigos que Erè (uma espécie de jibóia africana) já foi esposa de Òñàlá. Quando Baba
casou-se com ela, tinha dúvidas se Erè poderia lhe gerar filhos. Mas ao longo do casamento Erè deu a Baba
vários filhos, entre eles Olódù, Ëlërin e Elégunrín. Num certo dia, o àñë que Baba usava para proteger sua
casa, Erè o engoliu. Òñàlá ficou preocupado, e perguntou à esposa se ela sabia do paradeiro de seu àñë,
mas Erè disse que não sabia de nada. Desconfiado Òñàlá usou seus poderes, e pôde ver seu àñë no interior
de Erè. Irritado e ao mesmo tempo triste, Baba disse a ela que não poderia tomar o àñë de volta, mas a
partir daquele dia ela não conseguiria mais andar com as próprias as pernas, perderia suas peçonhas e teria
que se arrastar para sempre sobre o próprio tórax. Desesperada Erè pediu pelo auxílio de seu filho mais
velho, Olódù, que na verdade é Òrìñà Olúwòfin; mas não adiantou. Assim como Baba havia determinado,
Erè teve que pagar por seus erros através de perenes limitações físicas.

“Consultaram Ìfá para Òñàlá Îñûrûgbò, quando Baba foi tomar Erè (espécie de jibóia africana)
como esposa”. Segundo as doutrinas arcaicas, serpentes em geral simbolizam a Sabedoria, o
conhecimento das coisas desse mundo e dos outros (A Doutrina Secreta). Talvez venha daí o fato de
Òñùmàrè ser um grande babalawo. A serpente do Gênesis oferece os frutos da árvore do Conhecimento;
enquanto a serpente do ìtan "engole" o poder de Òñàlá, senhor de grande sabedoria. Ambas são
amaldiçoadas a arrastarem-se pelo resto de suas vidas. Tais fatos podem significar que a sabedoria
(Serpente) sem a presença do Espírito (Òñàlá) pode levar à perdição espiritual, causando inenarráveis
sofrimentos ao infrator, visto que é conhecido o fato que o mal carma gerado por erros espirituais é
consideravelmente mais intenso do que o gerado por erros teoricamente comuns (a palavra carma será
usada na falta de um termo mais propício). É provável que o consulente possua um considerável potencial
para atingir a sabedoria, mas é importante saber que nesse caso, os meios são tão importantes quanto os
fins. Ou seja, a atitude de Jibóia em usurpar o poder de Òñàlá só lhe trouxe sofrimento. Para atingir a
sabedoria ou o desenvolvimento de algum potencial latente demanda tempo, disciplina é uma considerável

521
consciência sobre todas as questões envolvidas. Analisada de forma menos esotérica, essa passagem
representa a possibilidade de infelicidade conjugal, roubos, traições e ingratidões. Seriam prudentes
cuidados nesse sentido.

“Bem. Erè poderia gerar filhos? Disseram que ela poderia gerar filhos. Quando Erè teve um
filho, ela deu à luz Olódù. Também nasceram Ëlërin e Elégunrín”. Independentemente de questões
interpretativas, é importante ressaltar que Baba atinge seus objetivos, pois consegue uma esposa e filhos. A
presença de filhos no ìtan evidencia o aspecto de realizações desse caminho de Òfún, o que representa uma
considerável positividade, possivelmente de amplas conseqüências, levando em consideração que um dos
filhos é reconhecido como um dos Òrìñà mais antigos, sábios e poderosos, Òrìñà Olúwòfin.

"Então num dia, Jibóia engoliu o poder que Òñàlá usava para proteger sua casa". A ação de
Jibóia, sob certas circunstâncias, poderá ser considerada como um tipo de traição. Quer seja na família ou
em um ambiente próximo, será prudente esperar por traições ou ao menos atitudes inesperadas quando
aparecer esse caminho de Òfún.

"Baba procurou através de sua visão interna". Essa passagem evidencia a clarividência de Òñàlá.
Talvez haja poderes psíquicos em desenvolvimento, o que seria ainda mais um motivo para o
desenvolvimento de sabedoria, visto que um àñë mal direcionado muitas vezes leva o indivíduo aos
caminhos da magia negra, e como já foi visto, os castigos tendem a ser consideravelmente dolorosos
quando há erros espirituais sob a influência de Òfún.

“Erè chamava por seu filho, ‘Olódù, me valha!’”. A situação de Erè era tão desesperadora,
que nem um grande ser como Olúwòfin pôde auxiliá-la. É importante ter em mente que se forem cometidos
erros semelhantes como aos citados no ìtan, será praticamente impossível auxiliar o infrator. Se o
consulente identificar sua personalidade com Erè, ao invés de Òñàlá, então será muito mais sábio e
prudente alterar seu comportamento, procurando viver nos caminhos de retidão moral que geralmente
Òfún representa.

Ëbö

Não há.

Comentários

a) A ausência de um ëbö caracteriza esse caminho de Òfún como uma mensagem, como um aviso
sobre a necessidade de desenvolver sabedoria, mas através de uma ética comportamental bem definida,
sem lesar quem quer que seja de nenhuma maneira.

522
Òfún 13

523
Desde os primórdios da criação, Àrà (Maravilhoso) era filho de Olódúmarè. Àrà consultou Ìfá, no
intuito de saber o que poderia ser feito para que ele gozasse de uma boa vida no àiyé. O babalawo lhe
prescreveu uma oferenda, e também lhe aconselhou ir até Òrìñà prestar reverências. Disseram que dessa
forma ele conseguiria atingir seus objetivos. Àrà fez a oferenda prescrita e seguiu os preceitos do Odù.
Depois de um tempo, todas as pessoas, homens ou mulheres, procuravam por sua amizade. Todas as coisas
que ele se propunha a fazer, com êxito ele as realizava. Ele passou a realizar maravilhas em sua vida, e
completava todas elas com sucesso. Àrà dançava e regozijava, pois a palavra de Òrìñà havia se mostrado
verdadeira em sua vida.

"Consultaram Ìfá para Àrà, que era filho de Olódúmarè. O que ele deveria fazer para que sua
vida fosse agradável". É necessário destacar o desejo de realizações materiais nesse Odù. Segundo a
própria estrutura do ìtan, tais desejos se realizarão, se as demais informações trazidas por Ìfá forem
corretamente seguidas. É importantíssimo ressaltar a presença do Sagrado Nome. Sua simples citação num
Odù onde realizações estão presentes evidencia e reforça de sobremaneira os aspectos positivos desse
mesmo Odù.

"Disseram que ele deveria ir a Òrìñà; que qualquer coisa que ele fizesse seria completada
naquele dia". Segundo essa passagem do ìtan, Òrìñà (e conseqüentemente a espiritualidade) estará
diretamente relacionado às realizações e felicidades que possam se manifestar sobre a influência desse
Odù. A informação de que Àrà deveria "ir a Òrìñà" evidencia a necessidade óbvia de culto, pois de outra
forma talvez as bênçãos trazidas por Òfún nesse caminho podem não se realizar. A sagrada filiação de Àrà,
textualmente citada no ìtan, também pode ser vista como um indício de que a espiritualidade é a chave para
o sucesso quando esse Odù se apresenta.

"Homens e mulheres procuravam pela amizade de Àrà". Essa passagem caracteriza carisma e um
considerável magnetismo pessoal. É possível que o consulente seja (ou possa vir a ser) um formador de
opiniões; uma pessoa cuja presença é benéfica aos demais. O fato de Àrà ser chamado de filho de
Olódúmarè indica que provavelmente tal carisma tenha um fundo espiritual. De qualquer forma, a própria
citação sobre o Altíssimo torna esse caminho de Òfún especial e abençoado, daí não ser novidade que o
nome do personagem seja Àrà. É possível que uma espiritualidade caracterizada pela busca sincera de
comunhão com Àñèñè Nlá (Principal Origem) seja necessária quando Òfún aparecer nesse caminho ("Buscai
o reino de Deus e sua justiça e o demais lhe será dado como acréscimo" Jesus. "Quem anda em meus
caminhos será elevado, e Eu satisfarei todos os seus desejos". Krishna). Especificamente para o Candomblé,
os Òrìñà serão o veículo que trarão à vida do consulente as bênçãos, cuja origem é nosso Criador.

“Ìfá diz que sejam quais forem as maravilhas que se queiram executar; você as executará nesse
mundo”. São muitos os caminhos de Odù que expressam a possibilidade das mais diversas formas de
realização, mas nenhum o faz com tanta clareza. É muito provável que esteja no destino do consulente a
realização de grandes tarefas enquanto ele permanecer no àiyé. A presença de Olódúmarè nesse ìtan abre a
possibilidade dessas tarefas estarem diretamente relacionadas à espiritualidade. O importante é ter em

524
mente que se houver a devida sabedoria, tais tarefas serão realizadas com pleno êxito. Essa combinação de
informações poderá caracterizar, se Ìfá assim o confirmar, a típica “missão espiritual”, conhecida de todo
o povo de Òrìñà.

Ëbö

Dez búzios
Dez ìgbín
Um pombo branco
Ovos de galinha branca

Comentários sobre o ëbö

a) O grande número de caramujos e a predileção pelo branco evidenciam o caráter ûrö e


espiritualizado desse caminho de Òfún.

b) Ovos são um dos principais símbolos de realizações. Representam um potencial ainda latente,
que certamente eclodirá se houverem as condições adequadas para tal. Sua presença em oferendas torna
prudentes consultas sobre uma hipotética influência de Ìyàmi na situação. Não há nenhuma informação no
ìtan quanto ao número de ovos necessários para esse ëbö a Òfún. Caberá ao awolòrìñà definir tal detalhe.

c) Como já foi citado, no ìtan é dito que Àrà deveria ir até Òrìñà prestar reverências. O uso do
termo Òrìñà para designar apenas um ser, geralmente diz respeito a Òñàlá. A própria oferenda prescrita
poderia muito bem ser diretamente oferecida ao pai da brancura. Existe uma lacuna no ìtan que dá espaço a
interpretações contraditórias. Por isso seria importante que o awolòrìñà definisse se tal oferenda deve ser
feita a Òfún ou a Òñàlá, se é que não deva ser feita para os dois. O fato de tantas informações terem sido
trazidas por um Odù com características essencialmente ûrö, pode ser um indício de que Òñàlá seja um dos
principais integrantes do Òkè Ìpînrí do consulente. O importante é que fique claro que sem a atitude
respeitosa a Òrìñà, certamente não se poderá esperar pelas bênçãos inerentes a esse Odù. Se a reverência
em questão justifica ou não iniciação, essa é outra história que caberá ao awolòrìñà averiguar.

525
Òfún 14

Îrúnmìlà teve muitas e muitas esposas. Mas o mais marcante foi seu casamento com Ìyá Odù.
Certa vez Îrúnmìlà decidiu que iria até a cidade de Atokeroke para trabalhar como babalawo. Odù morava
nessa cidade, e todos queriam se casar com ela. Mas Odù não se permitia ser desposada por ninguém.
Quando Îrúnmìlà soube desse caso, decidiu que se casaria com ela. As pessoas diziam que não seria fácil,
pois Odù era uma pessoa muito importante e geniosa, mas Îrúnmìlà estava determinado. Ele consultou Ìfá,
para saber o que deveria ser feito para atingir seus objetivos. Foi-lhe recomendado fazer uma oferenda, e
Îrúnmìlà a fez de maneira completa. Depois disso ele foi conversar com Odù, mas ela manteve-se em sua
posição de não casar com ninguém. Não se dando por vencido Îrúnmìlà perguntou a razão de sua recusa, e
Odù lhe explicou que só poderia se casar com aquele que assumisse o compromisso de respeitar seus
tabus, que eram bastante complicados. Îrúnmìlà quis saber quais eram esses tabus, e Odù lhe explicou que
ela não convivia com as pessoas, pois ninguém poderia olhá-la diretamente. Îrúnmìlà não viu nada de
excepcional nesses tabus e casou-se com Odù, prometendo respeitar seus ëwî. Então Odù foi para a casa de
Îrúnmìlà, instalando-se num cômodo só seu, onde ninguém além de seu marido entrava. Todos os dias pela

526
manhã Îrúnmìlà lhe levava ûkö, e também a alimentava ao meio dia. As outras pessoas que moravam na
casa de Îrúnmìlà ficaram curiosas, pois sabiam que alguém estava morando naquele cômodo, mas Îrúnmìlà
não permitia que ninguém sequer se aproximasse de lá. Îrúnmìlà precisava trabalhar, e teve que sair pelo
mundo para adivinhar. Aproveìtando sua ausência, as pessoas resolveram espiar pela fechadura quem era a
nova moradora da casa. Assim que percebeu que estava sendo observada, Odù encolerizou-se, e em sua
raiva começou a matar os filhos de Îrúnmìlà. A notícia chegou até o dono da casa, que desesperado voltou
ao lar. Antes que Îrúnmìlà chegasse, Îñun veio saber o que estava acontecendo. Respeitosamente ela se
dirigiu a Odù, e lhe perguntou o que estava acontecendo. Îñun deu sua versão do caso, e assim que Îrúnmìlà
chegou, ele fez o mesmo. Com sua peculiar doçura Îñun convenceu aos dois que não havia motivos para
brigas, pois as pessoas não conheciam o ëwï de Odù. Mas apesar de tudo, Îrúnmìlà mantinha-se triste pelos
filhos que haviam morrido. Então Odù pegou umas folhas, e com elas esfregou as cabeças de um cão e de
um galo. Ela colocou os dois para brigar, e disse que se o galo vencesse o cão, os filhos de Îrúnmìlà
voltariam à vida. Para a surpresa de todos foi exatamente isso o que aconteceu. O galo venceu o cão, e os
filhos de Îrúnmìlà voltaram da morte. Todos dançavam e regozijavam, pois um grande e doloroso mal-
entendido havia terminado.

“Ìfá estava indo para a cidade de Atokeroke. Ele estava indo tomar Odù como esposa. Ìfá diz
que uma bênção de esposas é o que virá”. Toda a estrutura do ìtan evidencia que relações amorosas
estarão presentes quando Òfún aparecer nesse caminho. Poderá haver conturbações, mas se existir boa
vontade para o entendimento tudo poderá terminar bem.

‘"Îrúnmìlà, essa mulher é difícil". Quer seja um casamento ou qualquer outra coisa na vida do
consulente, essa passagem evidencia que conquistar aquilo que se deseja demandará considerável energia,
paciência, obstinação e sabedoria. Facilidade para obter o que se almeja definitivamente parece não existir
nesse caminho de Òfún.

"O que ele deveria fazer para casar-se com aquela mulher?". São vários os assuntos abordados
nesse complexo caminho de Òfún, mas o fato da oferenda realizada por Îrúnmìlà ter por objetivo conseguir
o casamento com Odù, evidencia que casamentos e relações em geral possuem destaque no contexto.
Metaforicamente, e se Ìfá assim confirmar, casamento poderá também ser entendido como qualquer
realização de grande importância na vida do consulente.

"Você poderá observar meus ëwî?" Respeitar a personalidade de Odù foi o pré-requisito
necessário para que pudesse haver casamento. Esse fato representa a necessidade de respeito mútuo para a
saúde do relacionamento em questão. O ëwî de Odù era que ninguém poderia vê-la. Simbolicamente
falando, essa informação é muito interessante, pois em um outro mito, antes de voltar ao Òrun, Odù ensina
como deve ser montada a cabaça que serviria para representar a natureza em seu estado primordial, da
qual ela é o símbolo por excelência. A cor de Odù (o preto) simboliza o oculto, aquilo que a humanidade
ainda não pode conhecer, pois também não poderia compreender. Preto também simboliza os débitos
espirituais do passado que devem ser resgatados em momentos oportunos. Sob esse ponto de vista, é
possível que seja essa a razão de ser tão importante manter o relacionamento em questão, pois é possível
que haja alguma relação espiritual entre os envolvidos. Quanto a esse detalhe, merece destaque a

527
informação trazida por outro mito, onde Îrúnmìlà deixa claro que se alguém se dirigir a ele sem prestar
reverências a Odù, não será considerado seu filho.

"Ìfá diz que essa pessoa deve ser cuidadosa, pois está sendo observada". Essa passagem aparece
no ìtan depois que as outras pessoas da casa de Îrúnmìlà observam secretamente Odù. Essa foi a razão das
dificuldades que surgiram no casamento de Îrúnmìlà e Odù. Graças a esse fato, abre-se a possibilidade de
influências externas que possam vir a prejudicar as relações do consulente, quer sejam essas matrimoniais
ou não. Mas por outro lado, o recado de Òrìñà não explica a razão dos cuidados ao ser observado, mas sem
dúvida, alguém (provavelmente sem boas intenções) está observando o consulente, e é necessário todo o
cuidado a esse respeito.

"Îñun disse, ‘Isso é tudo?’. Ela disse, ‘Está tudo bem. Volte com ele para casa’. Ìfá diz que
essa pessoa deve fazer oferendas a Îñun e a Odù". Pela ligação de seu simbolismo com o mel, é comum
que o àñë de Îñun seja invocado em momentos de desentendimentos amorosos. O ìtan deixa claro que
haverá desentendimentos sentimentais quando esse Odù aparecer, e certamente Îñun poderá auxiliar para
que as conseqüências não sejam definitivamente ruins.

“O galo ergueu o cão. Kaburá! Ele arremessou o cão no chão e ficou por cima. Se o galo canta,
acordamos como ele. Îrúnmìlà dançava e regozijava”. A morte dos filhos de Îrúnmìlà evidencia que os
prejuízos poderão ser imensos se não houver o devido respeito aos ëwï (personalidades) alheios. Mas por
outro lado a ressurreição dos mesmos, além de evidenciar o grande àñë de Ìyá Odù, mostra que mesmo
havendo prejuízos à qualidade dos relacionamentos envolvidos, será possível contornar a negatividade
inerente a esse caminho de Òfún; desde que haja sabedoria e boa vontade.

Ëbö

Dez búzios
Uma galinha branca
Um pombo branco
Um tecido branco
Um tecido colorido
Oferendas a Òkè Ìpînrí
Oferendas a Îñun
Oferendas a Ìyá Odù

Comentários sobre o ëbö

a) A presença do branco é algo intrínseco à natureza de Òfún, pois esse Odù é intimamente
relacionado aos Òrìñà Funfun.

528
b) Tecidas são oferendas comuns quando filhos estão envolvidos na problemática. Os problemas
sofridos pelos filhos de Îrúnmìlà abrem a hipótese de existir alguma negatividade com possíveis filhos do
consulente. Como filhos alegoricamente representam os anseios mais íntimos do indivíduo, também é
possível que as realizações pessoais do consulente estejam correndo perigo. Seriam prudentes consultas
nesses sentidos.

c) A necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí evidencia que as realizações almejadas nesse Odù
estão em estreita relação com a espiritualidade e ancestralidade do consulente. O fortalecimento do àñë
pessoal favorecerá a manifestação das bênçãos prometidas no ìtan. Caberá ao awolòrìñà definir quais
seriam essas oferendas, e quais dos elementos do Òkè Ìpînrí do consulente deverão recebê-las.

d) O ëbö não estará completo sem oferendas a Ìyá Odù e Îñun. Uma garantirá as bênçãos
sentimentais inerentes a esse Odù; enquanto a outra favorecerá doçura e entendimento nas relações
influenciadas por esse Odù. A natureza de tais oferendas deverá ser definida pelo awolòrìñà.

e) A finalidade dessa oferenda é atingir objetivos de âmbito sentimental, dentro de circunstâncias


semelhantes às narradas no ìtan.

529
Îwïnrín

Considerações gerais

Considerando o número relativamente pequeno de caminhos, Îwïnrín mostrou-se um Odù de


grande diversidade, abordando assuntos muitas vezes completamente diferentes, tornando possível
encontrar em seus caminhos muitos assuntos relevantes à vida cotidiana.
Entre todos esses assuntos, merece destaque a grande força que Egún possuiu nesse Odù. Egún
aparece em muitos outros Odù, mas o que caracteriza suas aparições em Îwïnrín são as constantes citações
sobre a estrutura litúrgica do Lûsû Egún, quer seja com roupas, ferramentas, oferendas, sacrários, clero ou
ritualismo. Devido a esse fato, ao aparecer Îwïnrín sempre serão prudentes consultas sobre a necessidade
ou não da pessoa em questão ter que cultuar Egún dentro do Lûsû Egún. É óbvio que tão incomum
possibilidade deverá ser confirmada por consultas específicas e bem elaboradas, pois os resultados poderão
ser desastrosos, se alguém for indicado para o Lûsû Egún sem a plena sanção de seu Orí.
Uma possível razão para as constantes aparições de Egún em Îwïnrín pode estar relacionada a um
outro aspecto desse Odù: a conduta comportamental. É conhecido o fato de que em terras iorubas, os
membros do Egúngún são responsáveis pela retidão de conduta, tanto da comunidade como do indivíduo.
Uma observação detalhada sobre o conjunto dos caminhos de Îwïnrín (pelo menos na versão de Salàkï)
evidencia que o aspecto comportamental é marcante nesse Odù. São constantes as aparições de

530
comportamentos arrebatados, inconseqüentes, incoerentes e até desonestos de vários personagens que
aparecem nos caminhos desse Odù; tudo isso podendo ser sintetizado pela palavra “Rebeldia”. As
conseqüências desse comportamento invariavelmente trazem dor, das mais variadas maneiras. O que se
pode deduzir dessa explanação é que a força de Egún em Îwïnrín está intimamente relacionada ao
comportamento humano, como se fosse um poderoso lembrete sobre a necessidade de adequar-se a uma
disciplina e ética que devem nortear uma pessoa no àiyé e, quando violadas, acarretam consideráveis
sofrimentos ao infrator. Graças a todas essas particularidades, as aparições de Îwïnrín também representam
a necessidade de reflexão sobre o comportamento pessoal, e muito possivelmente as alterações oriundas
de tais reflexões atrairão os aspectos positivos desse Odù.
É óbvio que as aparições de Egún revelam traços de ancestralidade, mas é importante saber que
tal ancestralidade, ao menos em Îwïnrín, não se limita a Egún. Numa proporção um pouco menor também
merece destaque as seguidas aparições de Orò nos caminhos de Îwïnrín. Essa complexa divindade também
possuiu muita influência sob os caminhos desse Odù, revelando alguns aspectos do seu tão pouco
conhecido culto. Geralmente as aparições de Orò evocam a ancestralidade de outras vidas, pois Orò, assim
como Onilý, está intimamente relacionado ao elemento Terra, representando a ancestralidade do planeta, e
por isso também é "testemunha" das incontáveis gerações de seres humanos e não humanos que por aqui
passaram, possuindo total conhecimento sobre as causas dos acontecimentos da vida atual, pelo simples
fato de que estava presente quando tais causas foram postas em movimento. Ou seja, Orò conhece as
razões dos períodos de felicidades ou infortúnios pelo qual passam os seres humanos, e devido a esse fato,
as aparições de Orò Ìfá geralmente representam os momentos onde os deméritos ou méritos do passado
terão seus respectivos castigos ou recompensas, mesmo que o consulente não tenha a mínima idéia das
causas de seu atual sofrimento ou felicidade. Graças a todos esses fatores, pode-se considerar Îwïnrín um
Odù que prenuncia a harmonia universal, pelo menos no que diz respeito às relações humanas.
Apesar de toda essa fortíssima influência ancestral nesse Odù, não pode ser negligenciado o fato
de quem também é possível expressar a espiritualidade através dos caminhos de Òrìñà. Tal possibilidade
existe devido principalmente à presença de Òñàlá em Îwïnrín, reequilibrando a vida de um devoto seu,
trazendo-lhe bênçãos, pricipalmente no âmbito familiar e material. Devido a esse fato não se pode
considerar a espiritualidade de Îwïnrín apenas relacionada a Egún ou Orò. Também há chances de Òrìñà ser
a melhor opção para o consulente, embora essa possibilidade seja proporcionalmente inferior à primeira já
citada. O ideal é que mesmo que a pessoa venha a se consagrar a Òrìñà, sejam tomados os devidos
cuidados em relação aos aspectos ancestrais de sua espiritualidade.
Os Ajogún também merecem um destaque especial quando o assunto é Îwïnrín, e entre todos
eles, é Ìkú que aparece com mais força. Graças a esse fato Îwïnrín pode ser considerado um Odù onde são
consideráveis as chances de morte precoce (inclusive de àbìkú), principalmente pelos caminhos da doença,
da briga, dos acidentes e dos homicídios, pois todos esses fatos são relatados em seus caminhos. É
importante frisar que apesar de existir aspectos tão negativos desse Odù, os mesmos não são inevitáveis,
podendo ser satisfatoriamente solucionados se vistos previamente.
A desonestidade é outro fator que tem que ser destacado em Îwïnrín. Roubos e falcatruas em
geral também estão presentes em seus caminhos, tornando necessários cuidados especiais em relação a
esses fatores. Coincidentemente ou não, essa característica de Îwïnrín está intimamente relacionada aos
aspectos comportamentais desse Odù, como já foi visto.

531
Um outro fator negativo que deve ser destacado é a infidelidade. Ela poderá aparecer de várias
maneiras, nos mais diversos aspectos da vida, mas será nas relações pessoais, principalmente no âmbito das
amizades e dos sentimentos, onde a infidelidade possuirá um melhor campo de expressão. Assim como a
desonestidade, a infidelidade baseia-se no comportamento humano, outra característica fortíssima desse
Odù.
Ainda relacionada às questões comportamentais, a paciência é algo a ser buscado quando esse
Odù aparece. De acordo com os caminhos que abordam esse assunto, paciência será necessária perante
momentos de crise, onde há exacerbações de sentimentos, que por sua vez podem levar a infelizes
decisões, cujos resultados poderão perdurar até o final da vida. Perder a cabeça, deixando-se levar pelos
instintos, definitivamente não será a melhor maneira de agir quando se está sob a influência desse Odù.
Quanto aos aspectos sentimentais da vida humana, é importante citar as constantes aparições de
casamentos nos caminhos de Îwïnrín. Esse importante detalhe faz desse Odù um bom presságio para as
questões sentimentais, desde que todas as demais questões comportamentais sejam coerentemente
consideradas. Ou seja, sempre haverá oportunidades sentimentais quando Îwïnrín estiver presente, mas o
aproveitamento dessas oportunidades dependerá da conscientização sobre as complexas questões
comportamentais representadas por esse Odù.
O trabalho é um fator de grande importância em Îwïnrín, representando um importante meio de
se alcançar a prosperidade. Segundo as características dos caminhos que abordam esse assunto, o trabalho
tende a ser árduo, mas se realizado com competência poderá abrir importantes portas, pois a prosperidade
também está presente em Îwïnrín, e certamente se manifestará se houver um claro entendimento de todas
essas questões. Ainda em relação a prosperidade, apesar dessa aparecer num número reduzido de
caminhos, está atrelada à ação ritual e religiosa, quer seja pelos caminhos de Òrìñà ou de Egún. Ou seja, sem
preocupações de caráter espiritual, a vida do “afilhado” de Îwïnrín tende a ser materialmente
insatisfatória. Por “preocupações de caráter espiritual” pode-se entender o engajamento numa realidade
religiosa, que poderá ser de Òrìñà ou de Egún, sendo essa última possibilidade um pouco mais provável.
Coincidentemente ou não, a estrutura disciplinar de uma religião estabelecida poderá até ser sufocante
para alguém sob Îwïnrín, mas com certeza será uma das melhores formas de refrear os prováveis distúrbios
comportamentais que podem ocorrer quando esse Odù rege uma situação.
Um dos fatores que mais merece destaque em Îwïnrín é a presença de Èñù. Nos caminhos em que
ele aparece, o personagem simplesmente é salvo das conseqüências (algumas vezes nefastas) de suas
atitudes. Èñù, como arquétipo, simboliza o ser humano, com todo o seu potencial para o bem e para o mal.
É exatamente assim que Îwïnrín retrata o arquétipo humano; um potencial, passível de evolução, rítmica e
continuada. A influência de Èñù é tão marcante nesse Odù, que dificilmente o consulente poderá
encaminhar sua vida sem lhe prestar reverências especiais. Uma outra característica da influência de Èñù em
Îwïnrín pode ser sentida no fato de que, apesar de todos os complexos assuntos tratados nesse Odù, Îwïnrín
fala de realizações, o que não poderia ser diferente, pois Èñù é aquele que favorece o desenvolvimento e
realização de tudo o que compõe esse plano de existência.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Egún
b) Èñù
c) Orò

532
d) Òñàlá
e) Îrúnmìlà
f) Os Ajogún
g) Ògún*

Presente a Îwïnrín

Cento e dez búzios


Um galo
Uma galinha
Um pombo
Um tecido colorido
Uma cabaça com ûkö
Uma cabaça com água fria
Uma roupa, etc.
Um ìñàn
Um Îgï
Uma pedra
Uma espada
Ötí
Porções de àkàrà
Porções de ûkö, etc.

533
* Na verdade, o que aparece em Îwïnrín é a citação sobre um sacerdote de Ògún em um dos ìtan. A divindade em si não é citada nos
caminhos desse Odù.

Îwïnrín 1

Numa certa ocasião existiram dois amigos, Îwînwîn e Serpente, que foram orientadas a fazer um
ëbö e trabalharem muito, para que a prosperidade pudesse se manifestar em suas vidas. Serpente era uma
caçadora, enquanto Îwînwîn apanhava lenha para vender. No ëbö oferecido por eles havia uma pequena
armadilha para apanhar pássaros. Depois de fazer o ëbö, Serpente foi caçar com a armadilha que ofertou.
Rapidamente ela apanhou várias aves, e vendeu todas elas ao rei, adquirindo assim muito dinheiro. Quando
Îwînwîn foi apanhar lenha, acabou encontrando muito mel e também vários cogumelos. Ele apanhou tudo, e
também vendeu ao rei, conseguindo muito dinheiro, assim como Serpente. Dessa forma ambos
prosperaram em suas ocupações, conseguindo assim uma vida consideravelmente boa.

“Aquele que acorda na cidade, aquele que acorda na cidade. Aquele que anda pela cidade, e
usa as águas da cidade para banhar-se; e depois usa as águas da cidade para lavar o rosto”. Num
caminho de um outro Odù, orações semelhantes estão presentes. Nessa ocasião o consulente é
aconselhado a viver em cidade grande, para que consiga toda a prosperidade que seu Orí lhe reservou. Não
há nenhuma citação textual a esse respeito, mas a procedência dessa informação justifica consultas nesse
sentido. Tal possibilidade parece ainda mais razoável se for considerado o fato de que é através de suas
atividades profissionais (lenhador e caçador), que os personagens do ìtan conseguem prosperar. Como a
consideração dessa possibilidade pode alterar por completo a vida do consulente, seriam prudentes
consultas específicas nesse sentido antes que se pudesse comentar algo a respeito.

“Consultaram Ìfá para Îwînwîn, filho de ‘Aquele que corta madeira para conseguir dinheiro’.
Também consultaram Ìfá para serpente, filha de ‘Aquele que caça com armadilhas para conseguir
riquezas’”. A citação textual das ocupações profissionais dos personagens é mais uma evidência de que o
trabalho está diretamente associado às bênçãos trazidas por Îwïnrín nesse caminho.

534
“Ìfá diz que são bênçãos de vida longa, filhos e riquezas o que ele nos dará; quando nós vemos
Àgbàgbà mïkànlã no àtë (Décimo primeiro ancião - Îwïnrín)”. Além da prosperidade que vem pelos
caminhos profissionais, essas são as outras bênçãos prometidas pelo Òrìñà quando Îwïnrín aparece nesse
caminho de Odù. Um fator que merece destaque é a citação de que será o próprio Òrìñà que favorecerá a
manifestação de tais bênçãos. Graças a essa informação, passa a existir a possibilidade de uma atitude
devocional ou litúrgica a Òrìñà, para que de fato tais bênçãos se manifestem. Como não há nenhuma
citação literal a esse respeito, serão necessárias consultas preliminares antes que qualquer comentário a
esse respeito seja feito ao consulente.

“Serpente, ele pegou um pombo, um papagaio e um pato. Îwînwîn, ele encontrou mel e
cogumelos. Eles juntaram tudo isso e venderam ao rei". Essa é a definitiva evidência sobre a importância
do trabalho nesse caminho de Îwïnrín. A prosperidade não chegou por acaso aos personagens do ìtan, pois
foi resultado de muito trabalho e competência. Ao que parece, não bastará trabalhar; será necessário ser um
ótimo profissional naquilo que se faz, para que a prosperidade em questão possa de fato se manifestar.
Também é importante destacar que Îwînwîn não esperava encontrar nada além de madeira. Tal fato abre a
possibilidade de novas descobertas (ou oportunidades) que possam favorecer a manifestação das bênçãos
em questão.

"Eles pegaram tudo e venderam ao rei; ambos tornaram-se ricos". A presença de um rei na
questão é uma evidência de prosperidade. O fato dos negócios terem acontecido diretamente com ele,
sugere que bons contatos podem ser importantes quando aparecer esse caminho de Îwïnrín.

"Vocês não sabem que em nossas casas teremos riquezas?" Definitivamente a prosperidade está
presente nesse caminho de Îwïnrín. Mas é bom ressaltar mais uma vez que tal prosperidade é fruto de
trabalho árduo, e provavelmente de bons contatos. A breve citação sobre “nossas casas” abre a
possibilidade de pessoas próximas ao consulente estarem envolvidas nas questões expostas. Nesse caso
seria importante que essas pessoas também oferecessem o ëbö, pois no ìtan é dito que tanto Îwînwîn como
Serpente o fizeram.

Ëbö

Onze búzios
Uma espada
Uma armadilha (de visgo).

Comentários sobre o ëbö

a) A espada do ëbö é um símbolo de luta e desbravamento. Graças a esse simbolismo, pode-se


esperar certa dificuldade até que os objetivos almejados sejam alcançados. O sucesso dos personagens no
ìtan evidencia que mesmo que haja dificuldades, o mais sábio será persistir. O aspecto de “espada” que

535
caracteriza contendas não parece se aplicar nesse caso, tendo em vista que nada semelhante aparece nesse
caminho de Îwïnrín.

b) A armadilha de visgo foi o elemento de trabalho usado por Serpente no ìtan. Certamente
representa a importância do trabalho nesse Odù, além de simbolizar o desejo de “capturar” elementos
que favoreçam a prosperidade inerente a esse Odù. Sob outro ponto de vista, também poderá representar
necessidade de conhecimento técnico apurado para que seja possível prosperar dentro do contexto
sugerido pelo ìtan.

c) A ausência de animais evidencia o caráter simbólico dessa oferenda. Graças a esse fato os
esforços pessoais do consulente serão a verdadeira base de seu sucesso.

d) Levando-se em consideração que o ëbö foi feito por Serpente e por Îwînwîn, seria aconselhável
que qualquer outra pessoa envolvida na questão também faça a mesma oferenda.

e) A finalidade desse ëbö é conseguir novas perspectivas e descobertas no âmbito profissional,


que por sua vez possam favorecer a manifestação de uma considerável e duradoura prosperidade.

Îwïnrín 2

536
Em tempos imemoriais Òñàlá resolveu consultar Ìfá. O babalawo viu Îwïnrín, e avisou a Baba que
ele geraria um filho. Mas esse filho desejaria suplantar Baba. Ele seria preguiçoso, e se Baba não prestasse a
devida atenção, esse filho se tornaria um senhor, mais importante do que ele mesmo. Òñàlá perguntou ao
babalawo o que seria necessário fazer para que isso não acontecesse, e uma oferenda lhe foi prescrita. Baba
fez a oferenda corretamente, que entre outras coisas continha um îgö. Por fim acabou nascendo o filho
anunciado por Ìfá, e Baba o chamou de Júoríwà. O îgö que Òñàlá ofereceu, acabou parando nas mãos de
Júoríwà. Não havia nada que ele não pudesse fazer com seu îgö. Júoríwà dançava, Baba regozijava. Eles
viveram em harmonia. Júoríwà é aquele que chamamos de Èñù.

"Baba, esse filho que você está pensando em gerar, ele desejará suplantar você". De acordo com
o aviso do babalawo, fica evidente que disputas poderão acontecer quando Îwïnrín se manifestar nesse
caminho. Será preciso sabedoria e bom senso para evitar grandes problemas. O fato de Júoríwà ter sido
gerado por Òñàlá abre a hipótese das disputas em questão acontecerem num âmbito familiar, ou no
mínimo entre conhecidos.

"Ele fará um nome para si mesmo". Apesar de disputas serem a principal mensagem trazida por
Îwïnrín nesse caminho, há de se considerar a existência de um considerável poder de realização nesse Odù.
Em vários outros mitos Èñù mostra seu potencial e esperteza, garantindo para si uma posição de destaque
na teogonia iorubana. Esse fato sugere que se houver um claro entendimento sobre as questões aqui
expostas, o mesmo poderá estar reservado para o futuro do consulente. Também é importante salientar
que nesse mito, Èñù aparece como “filho” de Òñàlá. A presença de filhos representa o potencial das mais
amplas realizações positivas.

"Todas as coisas que Baba estava fazendo, Júoríwà estava fazendo. Júoríwà dançava, Baba
regozijava". Ao que parece, o intuito de Òñàlá não foi impedir que Júoríwà se tornasse tão grande e
poderoso quanto ele. Isso é normal, pois humildade é uma das características dos Òrìñà Funfun, além do
fato de antes mesmo de seu nascimento, Júoríwà já estava destinado à grandeza. Ciente disso, Òñàlá não se
confrontou com Èñù, mas agiu de forma que esse o auxiliasse em suas tarefas. Apesar de haver disputas
nesse caminho de Îwïnrín, o mais adequado parece ser a comunhão de forças para a realização de tarefas
em comum. Esse fato evidencia a importância da sabedoria, visão larga e ausência de egocentrismo quando
Îwïnrín aparece nesse caminho. Sem tais atitudes possivelmente o consulente será "passado para trás", pois
não são poucos os mitos onde Èñù apronta alguma arte para cima do velho Òrìñà Funfun.

Ëbö

Onze búzios
Onze galinhas
Onze pombos
Um îgö

537
Comentários sobre o ëbö

a) A presença do îgö no ëbö evidencia a influência de Èñù nesse caminho de Îwïnrín. Como Èñù
aparece no ìtan mostrando todo seu poder de realização (àgbára), tal influência tende a ser benéfica.

b) A finalidade desse ëbö é evitar um quadro de consideráveis disputas, quando aparentemente


elas são inevitáveis.

Îwïnrín 3

Em tempos imemoriais, um rei chamado Ëlýyï desejou muito ter uma filha. Com esse intento ele foi
a um babalawo, que lhe recomendou uma oferenda específica para esse fim. Ëlýyï fez a oferenda prescrita, e
depois de algum tempo sua esposa engravidou. A filha que nasceu recebeu o nome de Nòyówïn
("Escassez"). Mas o babalawo havia dito a Ëlýyï que o Odù tinha um preceito; sua filha não deveria ser
prometida a ninguém em casamento. Ëlýyï conhecia o preceito, mas quando sua filha cresceu, ele a
prometeu a Eléjìgbò. Os dois reis se encontraram, e Ëlýyï avisou a seu futuro genro que em onze dias levaria
Nòyówïn a sua casa. Ao final dos onze dias, a princesa teve que dirigir-se à casa de seu futuro marido,
embora não estivesse feliz com sua sorte. No meio do caminho ela encontrou alguns homens, e entoou um
encantamento, no intuito de esquivar-se do destino que seu pai havia lhe reservado. Com uma voz inumana
ela dizia aos homens que encontrou que se eles destruíssem uma casa, ela cozinharia muito Ogunnmö para
eles (uma espécie de ensopado). Enfeitiçados pela voz de Nòyówïn, os homens destruíram a primeira casa
que encontraram. Nòyówïn viu que seu encantamento havia dado certo, e continuou pedindo que os
homens cortassem uma árvore. A primeira árvore que encontram, os homens cortaram. Nòyówïn pediu aos
homens que destruíssem o mercado da cidade, sempre prometendo Ogunnmö para todos. Os homens
simplesmente acabaram com o mercado da cidade, sem deixar nada em pé ou inteiro. Por último Nòyówïn
levou os homens até a casa de seu noivo. Disse que se os homens derrubassem Eléjìgbò, todos comeriam
muito Ogunnmö. Os homens derrubaram Eléjìgbò, e o surraram até a morte. Nòyówïn não precisaria mais
se casar, pois simplesmente não havia mais noivo. A notícia chegou até Ëlýyï, que determinou a Nòyówïn
que casasse com o irmão mais novo de Eléjìgbò. Mas o irmão do falecido Eléjìgbò também já conhecia a
história, por isso escondeu-se, e quando Nòyówïn chegou com seus enfeitiçados seguidores, não o
encontrou naquele dia. Ele só apareceu no outro dia, e levou a noiva para sua casa. Nòyówïn recebeu vários
presentes de seu marido. Não havia nada que ela pedisse que ele não lhe desse. Eles dançavam e
regozijavam. É por isso que os noivos já não esperam suas noivas em casa. E também é por isso que quando
um noivo morre, seu irmão casa-se com sua noiva. Nòyówïn é aquela que conhecemos como Orò. O
mercado que ela mandou destruir está em ruínas até hoje.

“Escassez de dinheiro é quando procuramos por dinheiro. Escassez de água é quando


esperamos pela primavera. Escassez de comida é quando estamos famintos”. Apesar de no ìtan existirem

538
reis e princesas, essas passagens poderão representar presságios de consideráveis dificuldades. Seriam
prudentes consultas nesse sentido.

“Disseram, ‘Ëlýyï, essa sua filha, não a de para um marido’. Ëlýyï disse, ‘Eléjígbò, em onze
dias eu a levarei para sua casa”. Apesar da orientação de Ìfá, o rei Ëlýyï promete sua filha em casamento a
outro rei. A desobediência a preceitos determinados por Ìfá representa inconseqüência e considerável
ignorância espiritual, e invariavelmente acarreta sofrimentos, como logo será visto. Sob outro ponto de
vista, a atitude do rei também poderá ser entendida como compromissos não cumpridos. Sem dúvida
nenhuma essa foi a atitude que gerou os infortúnios narrados no ìtan. Logo, uma atitude como a de Ëlýyï
deverá ser evitada a todo custo. Mas olhando por outro prisma, a postura do rei também poderá ser vista
como preocupação em relação ao bem estar dos filhos. A intenção poderia até ser boa, mas os resultados
foram catastróficos, pelo menos para Eléjígbò. Esse último detalhe, somado ao fato de Nòyówön não
desejar se casar, representa a imposição da vontade de um superior, sem o devido respeito ao que um
subalterno possa pensar ou sentir.

“Os tambores rufavam. Nòyówön cantava, antes que ela terminasse de dizer isso, eles já
haviam destruído a casa totalmente; o mercado já estava destruído; eles haviam cortado a árvore; eles
batiam em Eléjígbò, até que ele morresse”. Através de seu cantar, que mais se assemelha a um feitiço,
Nòyówön fez com que os homens a obedecessem em suas mais terríveis vontades. Além de uma
capacidade incomum de persuasão, esse fato também abre a hipótese de possíveis feitiços ou
encantamentos. Seriam prudentes consultas nesse sentido. Também é importante destacar que para
escapar de seu casamento, Nòyówön foi capaz de qualquer coisa, inclusive determinar o assassínio de seu
noivo. Sempre que um personagem morre, o Odù em questão mostra que merece consideráveis cuidados.
Definitivamente há perigos nesse caminho de Îwïnrín. Tanto awolòrìñà como consulente deverão tentar
descobrir os motivos pelo qual Òrìñà traz essas informações. Se de fato Ìfá confirmar que a morte de
Eléjígbò foi uma espécie de “represália” pela palavra quebrada de Ëlýyï, ficarão caracterizadas as
situações onde alguém sofre simplesmente por estar na hora errada, no local errado. Como já foi dito, todo
cuidado será pouco quando Îwïnrín se manifestar nesse caminho.

“Quando o caçula soube que Nòyówön estava chegando, ele foi para dentro de casa e se
escondeu”. Foi a astúcia que salvou a vida do irmão de Eléjígbò. O consulente deverá se basear nesse
importante detalhe para definir suas ações perante os perigos inerentes a esse Odù. Saber reconhecer o que
e quem é perigoso reflete considerável sabedoria.

“Eles começaram a ter filhos. àbúrò disse, ‘Do que você precisa?’. Nòyówön disse, ‘De
tudo que você tem. Dê tudo para mim’. Nòyówön dançava e regozijava”. Sem seus seguidores, não
restou a Nòyówön outra opção senão casar-se. Sua atitude perante seu marido poderá representar, com
muita cautela e em casos específicos, a possibilidade de casamentos por interesse. A realização do segundo
casamento é uma evidência de que assuntos sentimentais estarão presentes quando Îwïnrín se manifestar
nesse caminho.

539
"Vocês conhecem Nòyówön? Ela é quem chamamos de Orò". De acordo com alguns autores, os
devotos de Orò seriam reconhecidos por zelar (às vezes violentamente) pela ética de algumas comunidades;
seja punindo bruxas ou outros perturbadores da paz social. Coincidentemente ou não, aqueles que
seguiram Nòyówön causaram morte e destruição por onde passaram. Esse fato, à primeira vista, gera uma
certa idéia de crueldade, mas a passagem que diz "Não dê sua filha a um marido" mostra que o pai de
Nòyówön assumiu um compromisso, um pacto, que acabou não sendo cumprido. Se o compromisso
assumido tivesse sido mantido, provavelmente as desgraças narradas no ìtan não teriam acontecido. Esses
fatos, somados à presença de Orò, sugerem que as dificuldades atuais sejam frutos de atos passados, muito
provavelmente de outras vidas, pois Orò é uma das divindades mais relacionada à ancestralidade e aos
mistérios dos renascimentos. Coincidentemente ou não, àbúrò consegue ter uma vida feliz ao lado de
Nòyówön. É como se o mau carma tivesse se cumprido em seu irmão. Para os hindus, Karma é uma lei
universal, que segue normas específicas, muitas vezes até matemáticas. Graças a isso é comum o uso de
"amuletos astrológicos", compostos por metais ou pedras preciosas, específicas para cada pessoa, que
acredita-se possuírem o poder de "desviar" as conseqüências cármicas de algumas ações pretéritas. O ìtan
diz que após Nòyówön não encontrar àbúrò em casa, "eles começaram a ter filhos", como se àbúrò tivesse
desviado o mau carma causado pela quebra do pacto feito pelo pai de Nòyówön (a palavra "carma" será
usada na falta de um termo próximo em ioruba ou português). àbúrò conseguiu escapar da triste sina de
seu irmão, e esse fato evidencia que os acontecimentos ruins sugeridos por Îwïnrín nesse caminho não são
inevitáveis, podendo ser evitados se vistos previamente e através de uma ação sábia e cuidadosa.

“Ìfá diz, ‘Uma bênção de riquezas, de filhos e de vida longa’”. Apesar da considerável
negatividade inerente a esse Odù, as características do casamento entre Nòyówön e àbúrò justificam as
bênçãos prometidas por Òrìñà. É óbvio que para o desfrute das mesmas será necessária sabedoria para uma
clara compreensão de todos os assuntos inerentes a esse Odù.

Ëbö

Cento e dez búzios


Onze galinhas
Onze pombos
Um tecido colorido

Comentários sobre o ëbö

a) A grande quantidade de búzios evidencia que esse ëbö deverá ser bem pago. Esses casos
geralmente representam perigos, e será prudente se o awolòrìñà reforçar o próprio àñë. Esse fato reforça a

540
idéia de débitos passados. Caberá ao awolòrìñà o devido bom senso para saber que há mais de uma forma
de se pagar por serviços de caráter espiritual.

b) A presença de tecidos é comum em oferendas relacionadas a filhos ou antepassados. Tanto um


como outro elemento estão presentes nesse caminho de Îwïnrín.

c) Esse ëbö foi oferecido pelo pai de Nòyówön para que ela pudesse ter filhos. Como isso de fato
ocorreu, pode-se esperar uma certa propensão para realização do que se almeja quando Îwïnrín aparecer
nesse caminho de Odu, embora inicialmente possa-se ter impressões contrárias.

541
Îwïnrín 4

Num passado remoto, existiu um homem chamado Alúkúlàkà. Numa certa altura de sua vida, ele
desejou mudar-se para viver entre os Ëgbà. Mas antes de empreender sua viagem, Alúkúlàkà consultou Ìfá,
e o babalawo lhe recomendou uma oferenda, para que tudo desse certo entre os Ëgbà; para que ele
atingisse todos os seus objetivos. Entre os elementos do ëbö havia vários àkàrà. Alúkúlàkà fez a oferenda
prescrita, e depois rumou para a região dos Ëgbà. Quando lá chegou, foi muito bem recebido. As pessoas
alegremente lhe davam presentes. Todos lhe sorriam com jovialidade. Alúkúlàkà dançava e regozijava, pois
havia encontrado uma grande bênção entre os Ëgbà. Alúkúlàkà é aquele que conhecemos como Egún. Os
àkàrà que ele ofereceu naqueles dias, é o que se oferece a ele até hoje.

"Derrame algo no chão, ponha algo na boca. Não permita que no chão tenha mais que uma
cabaça". Algumas partes da narrativa do ìtan retratam com fidelidade fatos comuns nas invocações dos
ancestrais Em outras aparições em diversos caminhos de Odù, Egún aparece mais como um ancestral,
muitas vezes até distante; mas nesse caminho de Îwïnrín aparecem traços da liturgia do culto a Egún.
Citações textuais sobre realidades comuns ao cotidiano do Lûsû Egún, reforçadas por alguns dos elementos
necessários ao ëbö desse Odù, tornam necessárias consultas específicas, pois existe a possibilidade de uma
eventual proximidade com a liturgia desse culto, o que caracterizaria o consulente como “do lado de lá”.
É óbvio que a gravidade de tal possibilidade deverá ser confirmada por Ìfá, pois um erro nesse sentido
poderia atrair consideráveis prejuízos à evolução espiritual do consulente.

“O lugar para onde ele estava indo, o que poderia fazer para que esse lugar fosse bom para
ele?”. Esse é um Odù que fala de mudanças de cidade. Nesses casos, além do sentido literal, sempre é
prudente esperar pelos mais diversos tipos de mudança na vida do consulente. A boa sorte de Egún
evidencia que as mudanças que ocorrerem sob a influência desse Odù serão consideravelmente benéficas.
Merece destaque a prudente atitude de Egún, que antes de se embrenhar no novo resolveu consultar Ìfá.
Essa mesma prudência de caráter espiritual será bem vinda à vida do consulente.

“Alúkúlàkà foi para Ûgbá, e lá ele encontrou bênçãos. Alegremente, o povo lhe dava presentes.
Alúkúlàkà era aquele a quem o povo sorria. Lá ele gerou seu filho, Abuju Àkà”. Eis a confirmação dos
benefícios inerentes a esse caminho de Îwïnrín. Como já foi dito, essa pode ser a sorte do consulente, se

542
houver um claro entendimento sobre as informações trazidas por esse Odù. A breve citação sobre filhos
pode até representar a possibilidade de relacionamentos afetivos na questão, mas independentemente
disso certamente evidencia um considerável potencial de realizações positivas, podendo culminar inclusive
em felicidade. É importante que fique claro que todas as bênçãos aqui narradas baseiam-se em relações
interpessoais, e certamente chegarão ao consulente pelos caminhos de Egún.

“Alúkúlàkà é aquele que chamamos de Egún”. Muitos são os mitos que confirmam a posição
de Egún como guardião da ética pessoal e grupal. Não será nada inteligente esperar pelas bênçãos desse
Odù, se o comportamento pessoal não for do agrado de Egún, e por extensão, da própria ancestralidade. Se
de fato o consulente espera desfrutar das positividades desse Odù, deverá conscientizar-se sobre a
importância de elevar seus pensamentos, condutas e conceitos. Magia sem comprometimento espiritual é
feitiçaria, e todos sabem que Òrìñà não abençoa isso.

Ëbö

Onze búzios
Um îpá (uma vara)
Àkàrà
A roupa que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

a) Varas são uma oferenda típica a Odù relacionados aos ancestrais. O ìñán (um tipo de îpá) é um
dos principais emblemas de Egún.

b) No Brasil é comum o uso de óleos brancos para a preparação de àkàrà para Egún, mas não se
pode afirmar que tal costume tenha força em terras iorubas. Caberá ao awolòrìñà definir de que forma os
àkàrà deverão ser preparados.

c) A presença de roupas em ëbö geralmente sugere a necessidade de assumir uma postura


comportamental que tenha sintonia com as informações trazidas pelos Odù, pois roupas geralmente
simbolizam personalidade.

d) É preciso salientar que a maioria dos elementos desse ëbö “pertencem” a Egún. Sob esse
ponto de vista, essa oferenda, para Egún, representou renúncia. Algo semelhante acontece nos caminhos de
Ìròsùn, e essa precedência dá força a afirmação. Se Ìfá confirmar tal pensamento, ficará evidente que será
necessário um certo nível de renúncia por parte do consulente, pois só assim seria possível desfrutar das
bênçãos inerentes a esse Odù.

e) A finalidade dessa oferenda é favorecer bons resultados em uma viagem, em situações


semelhantes às narradas no ìtan.

543
Îwïnrín 5

Em tempos muito remotos, o povo de Ëgbà consultou Ìfá. O babalawo viu Îwïnrín, e avisou a todos
que os Ajogún os visitariam. Os Ëgbà foram aconselhados a fazer um ëbö, que seria composto entre outras
coisas por uma grande pedra. Todos estavam preocupados, não havia como evitar a visita dos Ajogún. O

544
povo de Ëgbà fez a oferenda prescrita. Depois de algum tempo Ìkú chegou. Com ele chegaram Àrun (a
Doença), Ìjá (a Desavença), Îran (a Intriga) e todos os demais Ajogún. O povo de Ëgbà correu, e todos se
esconderam sob a pedra oferecida no ëbö. Os Ajogún correram toda a cidade; procuraram e procuraram,
mas não encontraram ninguém. Eles até tentaram levantar a grande rocha, mas não conseguiram. Sem ter o
que fazer ali, eles partiram. O povo de Ëgbà dançava e regozijava, pois os Ajogún não puderam lhes fazer
mal. A colina que salvou os Ëgbà, é a colina que chamamos de Olúmö.

"A tartaruga sobe no alto do morro para se aquecer ao sol. A tartaruga sobe ao alto do baobá
para aquecer-se ao sol". Por razões óbvias tartarugas são símbolo de longevidade, daí serem ofertadas a
Ñàngó, Àgànjú, etc.; divindades que simbolizam a continuidade da vida. Tal longevidade é sem dúvida o
objetivo nesse caminho de Odù. A citação sobre o sol também é sugestiva, pois segundo antigas doutrinas
ocultistas, o Sol seria a morada dos mais elevados seres de nossa cadeia evolucionária, assim como a Terra é
a morada da humanidade. A idéia é de que ao aproximar-se do sol a tartaruga garante sua longevidade,
pois é sabido que os répteis precisam do sol para ativar seus processos metabólicos. Similarmente há a idéia
de que a aproximação a esses elevados seres garantirá a longevidade do consulente, ameaçada pela
presença dos Ajogún. Como o Ëríndilogun é um oráculo essencialmente iorubano, é provável que tais seres
(especificamente para o consulente) sejam os Òrìñà. Devido a essa linha interpretativa, é provável que para
garantir definitiva proteção contras os Ajogún, sejam necessárias atividades litúrgicas e devocionais a Òrìñà.
Como não há citações textuais a esse respeito, é óbvio que serão necessárias consultas específicas.

“Consultaram Ìfá para Ûgbá, que possuía um mercado ao lado do rio. Filhos que estavam para
cair nas mãos de Ìkú”. A experiência sacerdotal ensina que há ocasiões em que os males podem ser
evitados, mas também há situações onde isso não pode ser feito, sendo possível apenas amenizar prejuízos.
O ìtan deixa claro que haverá a “visita” dos Ajogún. Isso não tem como ser evitado. Caberá ao consulente
demonstrar a mesma prudência dos Ëgbà, para evitar que essa visita traga consideráveis prejuízos em sua
vida.

"Todos os Ajogún não puderam levantar a colina". A oferenda e astúcia dos Ëgbà impediram que
sérias catástrofes se abatessem sobre eles. É a prova de que se houver previdência, será possível não ser
afetado pelas dificuldades inerentes a esse Odù. O fato de uma colina ter salvo os Ëgbà é muito sugestivo.
Colinas evocam a idéia de elevação espiritual; de colocar-se numa situação física, moral e espiritualmente
inatingível. Pode ser um indício que sem essas preocupações, dificilmente será possível evitar a
negatividade representada por Îwïnrín nesse caminho.

"Os Ègbá deixaram de fenecer, dançavam e regozijavam. Vocês conhecem a pedra que o povo
Ègbá ofereceu? Ela é chamada de colina Olúmö". Sem dúvida alguma o ìtan trazido por Îwïnrín é uma
variante do mito que explica a origem de Abëokuta. Mais uma vez é importante salientar as consideráveis
chances de reverter a complicada situação explanada por esse Odù.

Ëbö

545
Vinte e dois búzios
Onze galinhas
Onze pombos
Uma pedra de tamanho considerável
Um tecido escuro
Um tecido claro
Água fresca

Comentários sobre o ëbö

a) A pedra é uma alusão à colina Olúmö, cuja base foi o esconderijo dos Ègbá enquanto havia a
aproximação de Ajogún, representado então proteção.

b) A água fresca é uma forma de acalmar os Ajogún, além de gerar no consulente um estado de
tranqüilidade, fundamental para a elevação pensamentos sugerida no ìtan.

c) Tecidos em ëbö geralmente estão relacionados a filhos ou ancestrais. Levando-se em


consideração que a ação dos Ajogún poderia prejudicar a todos, inclusive crianças, seria prudente verificar a
possibilidade de perigos em relação a eventuais filhos do consulente.
d) A grande quantidade de animais pode ser uma alusão de que outras pessoas, além do
consulente, estejam envolvidas na situação. Principalmente se for levado em consideração de que o povo
Ëgbà fez o ëbö, não apenas um indivíduo.

e) A finalidade desse ëbö é conseguir esquivar-se da ação dos Ajogún, quando não é possível
evitar a presença dos mesmos.

546
Îwïnrín 6

Desde os primórdios da criação existiam duas plantas, Ògùö (espécie de Hibisco africano) e
Itàkùnpîlî (espécie de trepadeira africana). Ambos consultaram Ìfá, no intuito de saber o que fazer para se
desenvolverem. O babalawo recomendou a ambos que fizessem ëbö. Itàkùnpîlî não fez o ëbö, pois
acreditava que para seu desenvolvimento bastava aderir a Ògùö, pois assim conseguiria tudo o que era
preciso para seu desenvolvimento O destino de Ògùö era desenvolver-se, até tornar-se uma árvore bela e
frondosa. Com esse pensamento em mente Ògùö fez o ëbö, mas Itàkùnpîlî não. Passou algum tempo, e
Itàkùnpîlî se enroscava de tal forma no tronco de Ògùö, que não permitia seu desenvolvimento. Depois de
algum tempo, já não era mais possível enxergar Ògùö, os ramos de Itàkùnpîlî o cobriram totalmente. Èñù
apareceu, foi até um grupo de lavradores, perguntando se eles conheciam a planta Itàkùnpîlî. Os lavradores
responderam negativamente. Então Èñù disse que eles poderiam matar a fome comendo Itàkùnpîlî, e para
auxiliá-los, Èñù lhes deu a espada que Ògùö havia oferecido. Os lavradores começaram a cortar os ramos de
Itàkùnpîlî. Cortaram e cortaram, até que fosse possível enxergar o tronco de Ògùö mais uma vez. Itàkùnpîlî
não impedia mais o desenvolvimento de Ògùö, que dançava e regozijava, grato pela oportunidade de viver
em paz e seguir o destino que seu Orí lhe reservou.

“Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö, para que um parente não nos prejudique”. Inimigos
representam o grande perigo desse caminho de Îwïnrín. Segundo o próprio ìtan, os inimigos em questão

547
são parentes, ou pelo menos pessoas muito próximas ao consulente. Será preciso disposição e energia para
reverter situação tão desfavorável.

"Itàkùnpîlî disse, ‘Quando eu quero atrapalhar Hibisco, eu não atrapalho?’" As palavras de


Itàkùnpîlî evidenciam que ele não só tinha consciência de sua influência deletéria, como não fazia a mínima
questão de alterar sua conduta. Esse fato faz com que os cuidados para se livrar de tão perniciosa
companhia sejam tomados com considerável energia.

“Se Ògùö tentasse crescer e se desenvolver, Ìtàkùnpîlî o cobria. Ele não o deixava em paz”. De
acordo com a estrutura do ìtan, o que caracteriza os perigos desse Odù é a possibilidade de uma das partes
impedir ou atrapalhar o desenvolvimento da outra. Esse importante detalhe certamente auxiliará o
consulente a identificar as razões de Òrìñà em lhe trazer esses recados. Trata-se de uma relação parasitária,
que certamente não fará bem nenhum àquele que se identificar com Ògùö.

"Èñù disse aos lavradores, ‘Isso é uma espada. Corte-o fora com isso’". Foi graças ao
intermédio de Èñù que Ògùö livrou-se da incômoda influência de Itàkùnpîlî. Esse fato evidencia que Èñù é o
principal fator de auxílio quando aparecer esse caminho de Îwïnrín. É importante salientar que esse tipo de
ação de Èñù geralmente está destinado àqueles que negligenciam suas responsabilidades espirituais,
lembrando que Itàkùnpîlî não fez a oferenda prescrita. Esse importante detalhe abre a possibilidade de
questões espirituais estarem envolvidas no contexto. Também merece destaque o fato de lavradores terem
auxiliado Ògùö. Pode ser uma alusão à possibilidade do trabalho, de uma maneira ou de outra, estar
envolvido na solução dessa complicada questão.

“Ògùö disse, ‘Eu fiz o ëbö por causa de Ìtàkùnpîlî. Òrìñà, não permita que eu brigue com um
parente. Ìfá diz que ajudará essa pessoa a se defender de parentes hostis”. Segundo essa passagem, é
evidente que Ògùö não desejava o triste fim de Itàkùnpîlî. Não foi sua culpa que seu parente fez por
merecer destino tão ruim. Mas apesar disso, será necessária por parte do consulente um real desejo de
findar a situação de exploração expressa no ìtan. O importante é ter em mente o auxílio de Òrìñà nesse
contexto.

“Ogùö estava livre de Ìtàkùnpîlî. Ele dançava e regozijava”. Se houver um claro entendimento
sobre as questões aqui abordadas, será possível ao consulente reverter esse quadro de infelicidades,
podendo então dar continuidade ao rumo de sua vida, que o ìtan caracteriza como “desenvolvimento”.
Ëbö

Vinte e dois búzios


Um galo
Um pombo
Uma espada

Comentários sobre o ëbö

548
a) A espada representa a ação de Èñù, no sentido de "cortar" as influências da doentia relação
abordada no ìtan. A finalidade desse ëbö é se livrar de uma situação que impede o desenvolvimento
pessoal, tolhendo aquele que busca uma boa vida.

549
Îwïnrín 7

Em épocas muito remotas existiu um homem chamado Àjýlû, que era devoto de Ògún. A mulher
que ele desejava casar chamava-se Erelú. Chegou um tempo em que esses dois se casaram. Passaram-se
dezesseis anos do casamento, mas Erelú não engravidava. Preocupados, ele procuraram um babalawo, e
ouviram que para terem filhos, seria necessária a realização de um ëbö. Só que esse ëbö deveria ser feito
num ermo, onde nascia duas árvores cujos galhos se entrelaçavam. O babalawo explicou-lhes como chegar
nesse lugar, e eles partiram. Quando lá chegaram, encontraram as árvores, exatamente como o babalawo
havia dito. Àjýlû e Erelú fizeram as oferendas prescritas aos pés das árvores, e decidiram ficar por ali até que
o ëbö surtisse efeito. O tempo foi passando, até que chegou o período fértil de Erelú. Exatamente nesse dia,
Àjýlû tinha ido caçar, pois ele era um caçador. Apareceu um grande macaco, e aproveìtando-se do estado
de Erelú, imobilizou-a e a possuiu. Quando a lua mudou, Erelú não menstruava mais; ela estava grávida.
Quando chegou a época da criança nascer, muitos vieram para cumprimentar o feliz casal. Enfim a criança
nasceu, e chamaram um babalawo para lhe ler o destino. O babalawo disse que aquela criança era diferente;
que existia a possibilidade dos pais perdê-la. Àjýlû não se conformava com a idéia de perder seu único filho.
Para aliviar seu sofrimento Erelú contou-lhe o ocorrido com o Macaco. Àjýlû reconheceu na criança o filho
de Orò, e que por isso deveria chamar-se Añýyìn. Para que a criança não morresse, foi preciso fazer
oferendas no local onde o macaco havia possuído Erelú. Naquela época as pessoas tinham muita paciência,
por isso Àjýlû não brigou com Erelú. Eles dançavam e regozijavam, felizes com o filho que não encontrou Ìkú
precocemente.

"Ìfá diz que quando vemos as divindades anciãs no àtë, devemos fazer oferendas a Orò". No
Brasil são poucos os conhecimentos sobre Orò, mas sabe-se que o mesmo está diretamente relacionado à
ancestralidade. Não à ancestralidade pessoal, de um determinado indivíduo, mas à ancestralidade da
humanidade como um todo. Acredita-se que situações relacionadas a Orò têm suas causas em épocas
passadas, em gerações passadas, que agora exigem as devidas reparações. A necessidade de oferendas a
Orò, dentro do contexto desse Odù, evidencia a necessidade de harmonia entre o passado e o presente do
consulente. As razões para tal, possivelmente só Ölïrun as conheça.

"E por dezesseis anos Erelú não engravidou". As aparições de Orò em ìtan geralmente sugerem
momentos de resgates cármicos, assim como prováveis problemas de origem ancestral. (o termo "cármico"
será usado na falta de um termo similar em português ou ioruba) A esterilidade é considerada um problema
de origem ancestral, pois impede a continuação das linhagens, algo importantíssimo na cultura ioruba.
Coincidentemente ou não, o termo Erelú era usado pela principal sacerdotisa do culto Gûlûdû no Brasil;
outro anúncio de ancestralidade. Esses fatos evidenciam que todo e qualquer problema de fertilidade

550
inerente a esse Odù, terá na ancestralidade as suas origens. Metaforicamente, esterilidade pode simbolizar
frustrações e momentos de considerável tristeza.

"O babalawo disse, ‘Quando vocês encontrarem as árvores Ëmi e Idí, façam oferendas a elas".
Sacrifícios a árvores são uma das principais formas de caracterizar ancestralidade. É bom ter em mente que
foi devido ao ëbö oferecido e ao sacrifício às árvores recomendadas, que Erelú pôde engravidar. Esse fato
não apenas evidencia a forte influência dos ancestrais na vida do consulente, como dá a esse caminho de
Îwïnrín um certo poder de realização, visto que o objetivo do ëbö (ter um filho) foi atingido. Portanto não se
pode qualificar esse caminho de Odù como ruim, pois filhos sempre são considerados como bênçãos, e
metaforicamente representam realizações diversas.

“Um chimpanzé chegou, imobilizou Erelú e a possuiu. Quando a lua nova apareceu, Erelú não
menstruou mais. Ela estava grávida”. O estupro sofrido por Erelú caracteriza um importante e perigoso
aspecto desse caminho de Îwïnrín. É óbvio que o consulente deverá tomar todo cuidado possível para evitar
essa verdadeira tragédia pessoal. Embora não seja esse o sentido do ìtan, também será possível considerar a
hipótese de infidelidade, desde que Ìfá assim o confirme.

"Àjýlû disse, ‘Esse é o filho de Orò’. É por isso que o filho de Orò chama-se Añýyìn". Dizem os
mitos que Orò foi muito humilhado durante uma fase de sua existência; talvez por isso seus devotos sejam
responsáveis pelo cumprimento de sentenças de morte. Ou seja, a presença de Orò sempre evoca uma idéia
de justiça. Sendo assim, é natural que sua presença evidencie ser esse um delicado momento de reacerto
entre causas e efeitos; causas essas que podem ter suas origens em outros renascimentos. Orò também está
relacionado às florestas e ao elemento terra; particularidades que demonstram a estreita ligação dessa
divindade com a ancestralidade, como já foi visto.

“Àjýlû disse, ‘O babalawo falou que essa criança por quem viemos de tão longe; por quem
fizemos ëbö; por quem devíamos trabalhar muito, nós podemos perdê-la’”. Segundo essa passagem
do ìtan, quando esse Odù aparece há a chance de morte precoce por parte de crianças próximas ao
consulente. Apesar dessa considerável negatividade, é necessário ressaltar que os cuidados tomados pelos
personagens do ìtan salvaram o filho de Erelú desse triste fim. Ou seja, a situação é perfeitamente reversível,
desde que haja um claro entendimento sobre todas as questões abordadas por esse Odù.

“Naquela época, as pessoas tinham paciência. Todos eram pacientes”. É evidente que lidar
com todas as questões expostas por esse Odù não será fácil. Aqui Òrìñà fala de dificuldades gestacionais,
viagens forçadas, estupro, infidelidade e influência àbìkú. A paciência sugerida pelo ìtan foi demonstrada
pelos personagens; que desejavam ter um filho, e não permitiram que nenhuma negatividade afastasse sua
atenção disso. Seriam prudentes reflexões a esse respeito.

“O lugar onde o macaco dormira com Erelú, eles foram até lá e fizeram oferendas”. Esse foi o
cuidado tomado pelos pais de Añýyìn para evitar a morte precoce de seu filho. O ritual sugerido no ìtan
evidencia traços fortíssimos de ancestralidade, e saber lidar com esse complexo elemento da religião
ioruba, pode ser a diferença entre a vida e a morte quando Îwïnrín se manifesta nesse caminho. Na

551
impossibilidade de efetuar sacrifícios semelhantes aos narrados no ìtan, caberá ao awolòrìñà, fazendo uso
de todo seu conhecimento e bom senso, determinar através de Ìfá as possíveis formas de adequar o ritual
acima exposto à realidade da vida contemporânea.

“A criança não chorou mais. Ìfá diz, ‘Uma bênção de dinheiro, filhos e vida longa. Eles
dançavam e regozijavam”. O nascimento de Añýyìn, e sua vitória contra a morte precoce, além da citação
sobre outras bênçãos inerentes a esse Odù, mostram que apesar de todas as possibilidades negativas, esse
caminho de Îwïnrín traz em si positividades. Uma compreensão adequada dos assuntos aqui tratados
certamente favorecerá a manifestação das bênçãos prometidas por Òrìñà.

Ëbö

Onze búzios
Um galo
Um pombo
Um machado
A roupa que estiver usando
Oferendas a Orò
Oferendas a árvores sagradas

Comentários sobre o ëbö

a) A única idéia que se pode ter sobre a presença do machado no ëbö é sua relação com a
equanimidade e conseqüentemente com a justiça, num contexto já abordado alhures.

b) Roupas sugerem a necessidade de maleabilidade de personalidade, para adaptar-se à situação


traçada no ìtan. Também representam o desejo de que as negatividades inerentes a esse Odù permaneçam
na roupa, e não no corpo do consulente.

c) O ìtan diz que tanto o sacerdote como a esposa fizeram o ëbö citado. Como a ancestralidade
representada por Orò é abrangente, realmente seria melhor se houvesse a participação de um eventual
cônjuge na oferenda.

d) O ëbö não estará completo sem oferendas a Orò. São poucos os que sabem dar de comer a
Orò. Se houver a necessidade, o awolòrìñà deverá consultar seus mais velhos, ou checar o procedimento
passo a passo através de Ìfá, pois é assim que se procede nesses casos. Não é objetivo da presente obra a
exposição sem critérios de segredos guardados por gerações de bons sacerdotes.

e) Em relação às oferendas que devem ser feitas a árvores, a complexidade de tais ritos demandará
um considerável cabedal de conhecimento por parte do awolòrìñà. Mas é importante ter em mente que tais

552
oferendas parecem ser importantes para a manifestação dos aspectos positivos desse Odù, pois foi assim
que os personagens do ìtan procederam. Um dos fatores a se considerar é que as árvores citadas no ìtan
não existem em nossa flora. Logo, o bom senso e o conhecimento ritual serão importantíssimos para a
resolução desse e outros problemas que possam surgir para a realização desse ëbö.

f) A finalidade dessa oferenda é conseguir a bênção de filhos, bem como de tudo o que pode ser
compreendido como tal. Também será de grande valia em situações influenciadas por àbìkú.

553
Îwïnrín 8

No começo dos tempos, Egún e Orò vieram do Ìpînrí îrun para o àiyé. Mas antes da grande
viagem, procuraram um babalawo, cada um com seus respectivos objetivos. Egún fez um ëbö, com a
intenção de reter para si os frutos do trabalho de Orò. Por sua vez, Orò também fez um ëbö, mas com
diferentes objetivos. Ele desejava que as pessoas o procurassem para resolver todas as suas questões
pessoais. Passou-se um longo tempo, e eles trabalhavam juntos. Mas Egún pegou para si o dinheiro que
eles guardaram, e com ele comprou um belo tecido. Quando Orò viu Egún trajando uma bela roupa,
perguntou onde estava a sua, visto que o dinheiro pertencia aos dois. Ironicamente Egún perguntou a Orò
se ele havia encomendado alguma roupa. Isso foi bastante para que começassem a brigar. Depois da briga
Egún partiu, desfazendo a sociedade até então existente. É por isso que Egún e Orò jamais são vistos juntos
num mesmo festival. Sem a sociedade com Egún, Orò determinou que aqueles que desejassem fazer
qualquer coisa no àiyé e não o chamasse, teriam o insucesso como resultado. É por isso que os Antigos
dizem “Tomem conta do que é de Orò”.

“Consultaram Ìfá para Orò e Egún, quando eles estavam vindo do Ìpînrí do îrun para o àiyé”.
Essa é uma passagem clássica nos mitos divinatórios. Sempre que há a locomoção do îrun para o àiyé, fica
evidente que a situação evoca a idéia do novo, de novas perspectivas e desafios. Certamente tudo o que se
encaixar a esse contexto será beneficiado por esse caminho de Îwïnrín. Merece destaque a prudência dos
personagens, que fizeram suas consultas antes de se embrenharem no novo. O ideal seria que o consulente
mantivesse a postura prudente de Egún e Orò, e consultasse detalhadamente Ìfá antes de empreender
novidades em sua existência.

"Ìfá diz que devemos oferecer um sacrifício para que alguém que trabalha conosco não possa
enganar-nos, para que não fique com o fruto de nosso trabalho". A possibilidade de ser ludibriado no
trabalho é a principal mensagem trazida por Îwïnrín nesse caminho. A passagem é suficientemente clara em
seu conteúdo, dispensando maiores comentários, ainda mais pelo fato de que no ìtan Egún pega todo o
dinheiro do trabalho que ele e Orò haviam feito.

"Essa é a razão de Orò e Egún não irem juntos ao mesmo lugar". Alegoricamente, a separação
entre Orò e Egún merece alguns comentários. Segundo algumas fontes, Orò seria a representação coletiva
da ancestralidade do àiyé, enquanto Egún é um ancestral individualizado, cuja ação muitas vezes limita-se a
um determinado grupo ou clã; portanto não mais fazendo parte da coletividade representada por Orò,
circunstancialmente falando. Ainda no caso de Egún, seus descendentes lhe prestam culto; quando muito,
pessoas indicadas ou próximas a esses mesmos descendentes. Îwïnrín nos ensina nesse caminho que todos
os aràiyé, independente de linhagens, devem prestar homenagens a Orò. É como se Orò representasse
várias classes de Ara îrun, cujas misteriosas funções não se limitam ao îrun; enquanto Egún, apesar de ser
um Ará îrun, trabalha constantemente com os aràiyé, e às vezes até vem a esse plano de existência, no
intuito de orientar, parabenizar ou censurar seus descendentes ou protegidos. Todos esses detalhes
explicam com considerável clareza as razões do "desentendimento" entre Egún e Orò.

554
"Orò disse, ‘Se qualquer um que tenha alguma coisa para fazer não me chamar, não
conseguirá fazer’". O ìtan ensina que oferendas a Orò são necessárias até quando um novo ser nasce. A
idéia que se tem é que tais oferendas a Orò (e à ancestralidade em geral) são fundamentais para que o
indivíduo possa encontrar seus caminhos no àiyé. Em algumas obras, o "assento" de Orò é representado por
um buraco no chão, que se supõe não ter fundo. As oferendas são diretamente feitas nesse buraco, e
segundo as fontes de tais obras, tal buraco nunca transborda. Esse fato evidencia a íntima relação entre Orò
e o elemento Terra. Talvez essa seja a razão de algumas casas de Candomblé, até de considerável renome,
iniciarem seus ritos de iniciação através de oferendas a Terra, como que pedindo permissão a ela para que
se possa viver e prosperar nesse mundo. O importante é que fique clara essa interessantíssima informação
trazida por Îwïnrín, que dá a Orò uma posição de destaque na teogonia ioruba.

"Depois de um tempo, Egún pegou o dinheiro que ele e Orò ganharam, e comprou um belo
tecido”. Apesar de todas as possibilidades interpretativas, de informações litúrgicas e metafóricas, não se
pode esquecer que esse caminho de Îwïnrín alerta sobre desonestidade, principalmente no trabalho.

“Vocês me verão numa abundância de bênçãos. Ìfá diz que bênçãos são o que ele prevê”.
Apesar de tudo, a palavra de Òrìñà é muito significativa para alertar a possibilidade de manifestação de
bênçãos quando esse Odù se manifesta. Através das técnicas oraculares, o awolòrìñà poderá evidenciar a
seu consulente quais seriam essas bênçãos, uma vez que não explicações textuais a respeito.

Ëbö

Oferendas a Egún e a Orò.

Comentários

a) Apesar de não haver nenhuma oferenda prescrita para Îwïnrín, o ìtan diz, “Quando nós vemos
as divindades anciãs no àtë, Ìfá diz que devemos oferecer um ëbö. Ìfá diz que devemos fazer oferendas a
Egún e a Orò, para que alguém que trabalha conosco, quer seja mais velho mais novo ou apenas um amigo,
não possa nos enganar, nem pegar para si o fruto de nosso trabalho“. Essa informação textual evidencia
que serão essas as oferendas que impedirão a manifestação das negatividades inerentes a esse Odù. Como
não há citações textuais, caberá ao awolòrìñà definir a natureza das oferendas em questão.

555
Îwïnrín 9

Em tempos imemoriais Îwïnrín conseguiu enriquecer primeiro que Ogbè. Houve uma ocasião em
que Ogbè plantou um pé de obì. Como um jogo; como uma brincadeira, em onze dias o obì estava
começando a brotar. Ogbè sentiu que para proteger sua pequena árvore, o ideal seria cobri-la com um
pote, pois assim nem o sol excessivo nem as formigas poderiam fazer mal à planta. Mas Ogbè não tinha
nenhum pote, e pediu um emprestado a Îwïnrín. De imediato Îwïnrín emprestou o pote a Ogbè, que o
emborcou sobre a pequena árvore. Passaram-se mais onze dias, e a árvore de Ogbè milagrosamente estava
prestes a dar frutos. Mas Îwïnrín achou por bem pedir o pote de volta, e assim o fez. Ogbè argumentou que
se retirasse o pote naquele momento, certamente a planta morreria. Îwïnrín manteve-se irredutível, e a
discussão foi levada até o rei. O monarca ouviu as duas partes, e sentenciou que Ogbè devolvesse
imediatamente o pote para Îwïnrín. A contra gosto Ogbè retirou o pote, não sem matar a pequena árvore de
obì. Depois de alguns anos, Îwïnrín teve uma filha. Chegara o momento dessa filha se casar, mas Îwïnrín não
tinha vários fios de conta para entrelaçar no corpo dela, como mandava a tradição. Ogbè tinha as contas, e
as ofereceu emprestadas a Îwïnrín. Todo feliz Îwïnrín envolveu o corpo de sua filha com as contas, e a
menina já estava pronta para se casar. Mas exatamente nesse momento, Ogbè pediu as contas de volta.
Îwïnrín quis cortar os fios de conta, pois era impossível desemaranhá-los do corpo de sua filha. Mas Ogbè
não permitiu que assim fosse, e mais uma fez eles foram até o rei. O monarca disse que da mesma forma

556
que Ogbè tinha devolvido o pote imediatamente, Îwïnrín deveria devolver os fios de contas imediatamente,
sem danificá-los. Contrariado Îwïnrín levou sua filha para casa e a matou, pois só assim seria possível
devolver os fios de conta. É por isso que quando emprestamos algo, devemos ter muita paciência para pedir
de volta, pois não sabemos o que Ölïrun dirá no futuro.

"Ìfá diz, ‘Por favor!’ Ele diz que devemos ter paciência. Ìfá diz que quando emprestamos algo
a alguém, devemos ser pacientes para pedir de volta, pois não sabemos o que Ölïrun dirá no futuro".
Essas passagens resumem com perfeição a mensagem trazida por esse Odù. A causa do sofrimento de
Îwïnrín foi sua intolerância e falta de bom senso. Essas mazelas comportamentais tendem a ter
conseqüências destrutivas quando se está sobre a influência desse Odù. A citação sobre Ölïrun num Odù
com essas características, evidencia que o ioruba-nagô reconhece a posição de “Última Instância” de
nosso Criador.

"Ogbè disse, ‘Devo cortar a árvore justamente agora que os frutos não maduraram?’ Îwïnrín
disse: Corte-a". Esse é o exemplo da intemperança de Îwïnrín. Tais atitudes não trazem nada de bom, e
certamente despertarão o desejo de vingança por parte de outras pessoas. Sob esse Odù, a sabedoria
consiste em perceber que cedo ou tarde os resultados de nossas atitudes voltam para nós. Apesar de fazer
parte de outra cultura, as palavras do senhor Buda encaixam-se com perfeição às informações trazidas por
esse Odù, “Praticando o mal por ignorância, o insensato esquece que acende o fogo que o queimará um
dia”. Sem dúvida alguma, seriam prudentes reflexões a esse respeito.

“Ambos foram até a casa do rei. O rei disse que Ogbè deveria cortar a árvore; depois disse que
Îwïnrín deveria devolver os ìlûkû”. Na sociedade iorubana de outrora, os reis resolviam pendengas
judiciais em última instância. As contentas jurídicas entre Ogbè e Îwïnrín evidenciam que disputas judiciais
poderão estar presentes quando esse Odù se manifestar. Nesse caso, continuariam valendo os conselhos de
Òrìñà sobre a necessidade de temperança e paciência.

"A galinha esparramou meu ògùn, eu quebro os ovos dela". Essa passagem evidencia que o
pensamento de vingança estará presente quando Îwïnrín aparecer nesse caminho; mas o próprio ìtan deixa
claro que tal postura tende a trazer ainda mais desgraças no futuro, portanto deveria ser substituída por
paciência e compreensão. Além do mais, o ìtan mostra que a causa dos infortúnios nesse Odù é um apego
irracional às próprias posses. Ora, não há nada no universo que seja imutável e que realmente pertença a
alguém. Clareza de pensamentos em relação às próprias posses pode ser muito útil nesse caso.

“Îwïnrín voltou para casa, matou a filha, e devolveu as contas a Ogbè”. A morte de filhos
sempre representa consideráveis perdas. Será importante manter-se atento a esse perigoso detalhe desse
Odù. Se de fato perdas estiverem presentes, com bom senso o consulente poderá encontrar nas próprias
ações as explicações para tal. Independentemente de questões metafóricas, a morte de filhos sempre
justifica consultas sobre o bem estar de eventuais filhos do consulente.

"Não é maldade. Você fez primeiro, eu fiz depois". Em mais de uma ocasião aparecem nos
caminhos de Îwïnrín situações de harmonização entre causas e efeitos, inclusive de outras vidas. Caso o

557
consulente esteja passando pelos sofrimentos descritos no ìtan e não entenda as razões de tal penúria,
serão grandes as chances da origem dos sofrimentos em questão radicarem em eras passadas, que nós não
lembramos, mas que estão gravadas nos anais do espírito.

Ëbö

Não há

Comentários

a) A ausência de um ëbö caracteriza esse caminho de Îwïnrín como um aviso. Se os erros


cometidos no ìtan de fato ocorrerem, talvez não haverá formas de contornar as nefastas conseqüências.

558
Îwïnrín 10

Em certa ocasião, um vendedor de aró (também conhecido como ëlu ou wájìi) chamado Salàkï
consultou Ìfá, pois as coisas estavam difíceis para ele. O babalawo abriu o jogo, e Îwïnrín foi o que ele viu. Ele
recomendou a Salàkï que fizesse um ëbö, e também lhe orientou dizendo que era o aró estocado em sua
casa que não permitia a manifestação de bênçãos em sua vida. Salàkï fez a oferenda prescrita, e ao chegar
em casa, retirou todos os potes de aró que usava para vender ou tingir roupas. Ele deu o aró para os
adivinhos, e os potes em sua casa ficaram vazios. A vida de Salàkï mudou totalmente. Tudo estava dando
certo; tudo estava em ordem. O que ele pedisse para Òrìñà, ele recebia. Salàkï dançava e regozijava, pois
Òrìñà havia dito a verdade.

"Ìfá diz que essa pessoa não poderá colocar sua mão em aró durante onze dias". O grande
enigma desse caminho de Îwïnrín é a proibição de Salàkï em tocar em aró. Há alguns pontos que devem ser
considerados a esse respeito. Sabe-se que aró é um elemento fundamental nos ritos de iniciação. Veicula o
“preto”, e por extensão, o àñë dos ancestrais, entre outras coisas. É exatamente a relação de aró com o
“preto” que não o qualifica a estar em contato direto com pessoas iniciadas a Òñàlá. Essa possibilidade
ganha ainda mais força quando consideramos a passagem do ìtan que diz: “Ìfá diz que não deverão tingir
roupas com ele, Que ele deverá ser jogado fora, para que o tecido com aró não possa tocar seus corpos”.
Ora, Salàkï é o nome dado a crianças de nascimento especial, que devem ser consagradas a Òñàlá. Vários
são os mitos que evidenciam o desapreço de Òñàlá por qualquer cor que não seja o branco, em especial o
vermelho e o preto. Ou seja, um devoto de Òñàlá em constante contato com o preto, certamente não
atrairá coisas boas para sua vida, como será visto mais à frente.

“Ele deveria ir a Òrìñà. Salàkï, filho de Öbafúnwà”. Como já foi dito, o nome Salàkï é dado a
pessoas que nascem sob ocasiões especiais e que por esse motivo devem ser consagradas a Olófin. Esse
importante detalhe, somado ao fato do personagem ter ido até Òrìñà depois que realizou o ëbö, evidencia
que Òrìñà é o fator de bênçãos desse Odù. Sendo assim, é muito provável que o consulente seja pessoa
iniciada, ou pelo menos deveria ser, visto a importância que certamente Òrìñà tem em sua vida.

“Ìfá diz que esse aró pertence a Èñù. É Èñù que tem posto as mãos nele”. O ìtan diz que o aró
em questão pertencia a Èñù. É bastante conhecido o fato de muitas vezes Èñù se mostrar consideravelmente
possessivo em relação às coisas que lhe pertencem. Em virtude dessa característica de Èñù, e também das
particularidades do ìtan, seria prudente verificar um eventual descontentamento de Èñù com a questão. E se
Ìfá assim o confirmar, caberá ao awolòrìñà, através de seu conhecimento, determinar de que forma Èñù
poderá ser propiciado.

559
“Ìfá diz que não deverão tingir roupas com ele, que ele deverá ser jogado fora. Ìfá diz que essa
pessoa deve devotar-se ao seu trabalho”. O aró é constantemente utilizado para tingir tecidos, sendo
essa uma atividade comercial bastante comum entre os iorubas. A proibição que aparece no ìtan pode ser
um indício de que a atual atividade profissional do consulente não é a mais indicada para lhe trazer
felicidade, ou poderá estar favorecendo, de alguma forma, um afastamento em relação à espiritualidade. É
bom ter em mente que após abster-se de usar aró, Salàkï conseguiu uma considerável prosperidade. Mas
considerando-se a orientação de Òrìñà sobre a necessidade de devotamento ao trabalho, caberá ao próprio
consulente definir se é o caso de necessidade de mudança profissional, ou apenas de alterações
profissionais dentro do atual contexto de sua vida. O importante é ter em mente que o trabalho parece ser
vital para a manifestação das bênçãos inerentes a esse Odù.

“Era o aró que estava em sua casa, que não permitia que bênçãos chegassem para ele”.
Segundo o ìtan, o aró era a causa das dificuldades na vida de Salàkï. Entre outras coisas, aró é utilizado nos
rituais de iniciação como um fator de proteção contra as Àjý. Sob outro ponto de vista, o aró em questão
poderá representar outro elemento que, estando em contato com o consulente, possa estar atrapalhando
sua vida. Em nome da prudência, cada uma dessas possibilidades deveria ser checada pelo awolòrìñà.

“Salàkï dançava e regozijava. Sua vida estava boa, todas as coisas iam bem para ele. Ìfá diz,
‘Uma bênção de dinheiro’”. Apesar dos complicados assuntos abordados nesse caminho de Îwïnrín,
uma clara compreensão de todos eles certamente favorecerá a manifestação de consideráveis bênçãos.

Ëbö

Onze búzios
Onze ìgbín
Um galo
Um tecido branco
Reverências a Òrìñà.

Comentários sobre o ëbö

a) A presença dos caramujos evidencia a influência de Òñàlá nesse caminho de Odù. Atitudes
respeitosas a Òrìñà são o complemento dessa oferenda, e como já foi visto outras vezes, o uso da palavra
“Òrìñà” para designar apenas um ser invariavelmente refere-se a Òñàlá. Se Ìfá confirmar a necessidade de
iniciação para essa pessoa, provavelmente Òñàlá merecerá um local de destaque em sua espiritualidade.

b) Tecidos em ëbö geralmente representam alguma influência de ancestralidade ou descendência.


A ancestralidade já foi abordada nas explanações sobre aró; cabendo ao awolòrìñà as devidas consultas em
relação a eventuais filhos do consulente.

560
Îwïnrín 11

Contam os Antigos que existiu um homem chamado Desobediente. Certa vez esse homem
desejou tomar posse de umas terras que ficavam próximas aos domínios de Egún. Ele desejava cultivar
essas terras. As pessoas diziam: “Não vá lá. É terra de Egún”. Mas Desobediente não dava ouvidos a
ninguém. Pelo sim, pelo não, Desobediente levou consigo algumas comidas que Egún gostava. O que
Desobediente não sabia é que Egún havia consultado Ìfá, e já tinha feito um feitiço para que aquele que se
metesse em suas terras, ficasse lá como seu escravo. Quando Desobediente adentrou nas terras de Egún, o
feitiço fez efeito; ele não podia mais partir. Egún apareceu, entoando uma cantiga que dizia, “Você
conhecia o ëwî. Por quê não o cumpriu”. Assustado com a repentina aparição de Egún, Desobediente lhe
ofereceu as comidas que havia trazido. Egún gostou de Desobediente, e o colocou para cuidar de suas

561
roupas e de sua rede. Desobediente não precisaria mais trabalhar na terra para sobreviver. Sempre que as
pessoas davam presentes a Egún, Desobediente ganhava alguma coisa. Dessa forma ele prosperou,
chegando a alcançar boa riqueza.

"Dar conselhos, para aceitá-los. Não gosto disso, não aceito isso". "Você conhecia o ëwî, por
que não o cumpriu?" Essa passagem, acrescida ao fato do personagem chamar-se "Desobediente", mostra
que dificuldades para seguir conselhos estarão presentes quando Îwïnrín se manifestar nesse caminho. Se
mesmo assim o consulente acreditar que deve fazer o que lhe convém, somente Egún poderá lhe auxiliar no
futuro. Todo o ìtan sugere que o comportamento de um indivíduo também lhe qualifica para “cuidar de
Egún”. O fato dos ancestrais serem zeladores do comportamento pessoal certamente está relacionado a
essa questão.

"Ìfá diz que essa pessoa deve estar atenta a uma punição na lavoura". Lavouras em ìtan
geralmente indicam que questões profissionais fazem parte da questão. Da mesma forma que
Desobediente não conseguiu as terras que desejava para trabalhar, será prudente esperar por dificuldades
no âmbito profissional. Segundo a estrutura do ìtan, dificilmente tais dificuldades não estarão relacionadas
ao comportamento pessoal.

“Disseram, ‘Essa lavoura, onde você está indo, não tome posse de terras lá. É terra de Egún”.
A tradição iorubana diz que Egún é um dos guardiões da conduta pessoal. A postura de Desobediente
perante Ìfá foi passível de punição, e a mesma se daria pelas mãos de Egún, se o Òkè Ìpînrí de Desobediente
não determinasse que ele deveria cuidar de Egún. Sempre que Egún está presente numa situação, convém
não abusar da sorte, e se possível, passar a ouvir conselhos de pessoas próximas, que realmente
demonstram desejo de auxílio.

"Ìfá diz que essa pessoa deve cuidar de Egún no ìgbálû". A tradição religiosa nagô ensina que no
Lûsû Òrìñà os ancestrais são cuidados no Ilé Ìbî Akú. A citação textual sobre ìgbálû, uma realidade do Lûsû
Egún, é um indício de que essa é a realidade espiritual do consulente. Devido a esse fato, talvez fosse
melhor que o consulente procurasse uma casa de Lûsû Egún para cuidar de sua espiritualidade e do
cumprimento de seu destino. Caso o consulente já seja iniciado a Òrìñà, provavelmente terá que receber
algum oyè relacionado a parte ancestral do culto, pois é evidente que a "mão" dessa pessoa serve para
cuidar de Egún.

"Egún chegou, Desobediente não disse nada". Ciente de que se tornara servo de Egún,
Desobediente aceita pela primeira vez o seu destino. Esse fato dá a impressão de que certas características
comportamentais são um dos critérios usados por Orí na escolha do culto a Egún para uma determinada
pessoa. Para apoiar tal possibilidade, é bom ter em mente que na cultura ioruba os ancestrais (e por
extensão, o clero do Lûsû Egún) são responsáveis pela manutenção da ética grupal e individual.

"Desobediente tomava conta das roupas de Egún. Tornou-se rico". A necessidade de servir Egún
não deve de forma alguma ser vista como uma maldição. É importante observar que só após iniciar sua
devoção a Egún que a prosperidade chegou para Desobediente. Essa é a evidência cabal de que o bem

562
estar do consulente está nos caminhos de Egún. Conscientizar-se desse fato certamente será o primeiro
passo para que grandes e positivas mudanças possam ocorrer. Potencialmente, todos somos ancestrais.

Ëbö

Uma galinha
Uma rede
Um tecido
Îlûlû
Àkàrà
Ûkö
Ötí

Comentários sobre o ëbö

a) A ausência de búzios é uma evidência de que o oficiante do rito não deve cobrar por seus
serviços. A não observação desse detalhe pode favorecer o descontentamento de Egún.

b) Segundo o ìtan, essa oferenda foi feita diretamente a Egún. Foi ela que evitou que o destino de
Desobediente fosse cuidar das lavouras de Egún, “promovendo-o” a responsável pelas roupas de Egún,
favorecendo assim a manifestação de uma prosperidade que provavelmente não chegaria à sua vida por
outros caminhos. Por uma questão de respeito às instituições iorubanas de outrora, talvez fosse prudente
(sob orientação oracular, é óbvio) que tal oferenda fosse feita por um Öjý, ou pessoa completamente apta a
invocar as forças relacionadas a mais pura ancestralidade iorubana, pois as citações sobre tecidos, roupas e
redes (todas essas partes integrantes da liturgia Egúngun) abrem a possibilidade, mais que plausível, de
todo o ritual do Lûsû Egún estar envolvido na questão.

c) Segundo renomados autores, îlûlû é um bolo de feijão, também chamado mïim-mïin,


semelhante ao èkùrù.

563
Îwïnrín 12

Îrúnmìlà era o melhor dos babalawo. Sua clientela era enorme e muitas mulheres faziam parte
dessa clientela. Houve uma época que especialmente as mulheres consultavam Îrúnmìlà diariamente. O
esposo de uma delas, chamado Àgön, acreditava que se tratava de adultério; que Îrúnmìlà mantinha
relações com as mulheres que o procuravam. Nessa complicada situação, Îrúnmìlà resolveu consultar Ìfá.
Foi-lhe dito que uma entre aquelas mulheres desejaria casar-se com ele, e que isso seria uma bênção.
Îrúnmìlà quis saber o que seria preciso fazer para que tal bênção se manifestasse, e foi aconselhado a fazer
ëbö. Îrúnmìlà fez a oferenda prescrita, que entre outros elementos continha bastante àkàrà. Os àkàrà
deveriam ser levados ao ìgbálû. Quando a existência começou, era no ìgbálû que aconteciam os rituais. As
pessoas faziam suas reverências e depois todos comiam. Îrúnmìlà seguiu corretamente as orientações de
Ìfá. Passou um certo tempo, e um dia Àgön chegou em casa, mas não encontrou sua esposa, chamada Ërû.
Ele deduziu erroneamente que Ërû deveria estar com Îrúnmìlà, e quando ela chegou, ele a mandou embora,
dizendo: “Vá e fique com Îrúnmìlà”. Não restava a Ërû outra alternativa a não ser procurar Îrúnmìlà. Assim
que Ërû chegou em sua casa, Îrúnmìlà foi ao rei, pois não queria confusões em sua vida. Ali, na presença do
rei, Àgön, Ërû e Îrúnmìlà foram resolver a complicada situação. Àgön confirmou que não queria mais Ërû, e o
rei disse, “Basta! Ërû, fique com quem lhe deseja”. Dessa forma Ërû se tornou esposa de Îrúnmìlà. Ele
dançava e regozijava, pois a bênção de esposas prometidas por Ìfá havia se cumprido em sua vida.

"Ìfá diz que não devemos divorciar-nos de nossa esposa". No ìtan, Àgön divorcia-se de Ërû
graças a uma suspeita infundada. Definitivamente o divórcio é algo desaconselhável quando Îwïnrín
aparece nesse caminho. Mesmo que haja conturbações no casamento, o que é muito provável, o ideal seria
a manutenção de esforços pelo bem do relacionamento em questão.

“Îrúnmìlà estava jogando, e todas as mulheres vinham se consultar com ele. Depois de um
tempo, Àgön disse que estavam cometendo adultério”. Ciúme e até calúnias estarão presentes quando
ocorrer a manifestação desse Odù. Certamente essas mazelas comportamentais serão responsáveis pelos

564
conflitos sentimentais que caracterizam esse Odù. A atitude de Àgön é totalmente reprovável, e em nome
do bom senso deverá ser evitada a todo custo.

“Ìfá diz que há mais. Essa pessoa está se relacionando amorosamente com uma mulher. E a
mulher casará com ele”. Relacionamentos afetivos definitivamente caracterizam esse caminho de Îwïnrín.
Dependendo do contexto em que esse Odù aparecer, isso poderá ser encarado como uma bênção ou como
um infortúnio, pois Îrúnmìlà ganhou uma esposa, mas Àgön a perdeu. Caberá ao próprio consulente
esforçar-se por entender as razões de Òrìñà em lhe trazer esse recado. O importante é ter em mente que
uma clara compreensão desse Odù favorecerá amplos benefícios no âmbito sentimental.

"Disseram que Îrúnmìlà encontraria uma esposa. O que ele deveria fazer?". A preocupação de
Îrúnmìlà em desfrutar a bênção prometida por Ìfá é uma evidencia de que “cabem” alterações
consideráveis na vida sentimental do consulente. Assim sendo, a observância dos preceitos desse Odù,
assim como a manutenção de uma expectativa positiva, favorecerão consideravelmente as eventuais
mudanças benéficas dentro de um panorama sentimental.

"Pegue suas coisas e vá embora para Îrúnmìlà". A confusão feita por Àgön evidencia a
possibilidade de mal-entendidos. O melhor é que haja diálogo, para que toda a situação possa acertar-se
de maneira favorável, pois como já foi dito, o divórcio é desaconselhável quando se está sob a influência
desse Odù.

"Eles conversaram, mas não!" Apesar da necessidade de diálogo, parece que ao menos uma das
partes envolvidas não estará disposta a conversações. É importante frisar novamente a importância do
entendimento nessa questão. A irredutibilidade certamente será a raiz de consideráveis dores futuras.

"Então o rei disse, ‘Aquele que quer você, vá e case-se com ele’". Caso o consulente
identifique-se melhor com Ërû do que com Àgön, essa passagem pode ser uma indicação sobre a
necessidade de dar valor a si mesmo. Pela complexidade de tal possibilidade, seriam prudentes consultas
específicas antes de externar qualquer palavra nesse sentido.

"Então Ërû casou-se com Îrúnmìlà". Metaforicamente esse caminho de Îwïnrín também poderá
ser interpretado como a possibilidade do consulente estar se desfazendo de quaisquer outros fatores de
sua vida que, a princípio, sejam mais importantes do que parecem. Como já foi dito, tal atitude é
completamente desaconselhável.

Ëbö

Onze búzios
Um pombo
Muito àkàrà
Muito ûkö

565
Comentários sobre o ëbö

a) O ìtan diz que os àkàrà do ëbö foram levados por Îrúnmìlà ao ìgbálû, sacrário de Egún. Esse fato
evidencia não apenas que esse deve ser o destino dos àkàrà, mas também que Egún está intimamente
relacionado às questões sentimentais do consulente. Em função das dificuldades sentimentais apresentadas
no ìtan, a presença de Egún torna prudente a realização de consultas sobre a possibilidade de feitiços feitos
por outrem, com o intuito deliberado de dificultar esse aspecto da vida do consulente.

b) A finalidade desse ëbö é conseguir resolver satisfatoriamente questões de âmbito sentimental;


em situações semelhantes às narradas no ìtan.

Îwïnrín 13

566
Em tempos muito remotos existiu uma moça chamada Möloun. Ela era namorada do Alápínnì, e
num dia de chuva, se meteu em enrascada. Alápínnì deixou as roupas de Egún tomando sol, antes do
festival anual; depois foi resolver outros problemas. Começou a chover, e Möloun percebeu que se não
fizesse nada, as roupas de Egún estragariam. Ela fechou seus olhos, recolheu as roupas e levou-as até o
ìgbálû. Mas mulheres não podem entrar no ìgbálû! Quando Alápínnì chegou, não encontrou as roupas.
Möloun explicou o que tinha acontecido, tomando o cuidado em frisar que não viu nada no ìgbálû, pois se
manteve de olhos fechados todo o tempo. Mesmo Assim Alápínnì ficou furioso, e disse a Möloun que em
onze dias ela seria morta pelos sacerdotes de Egún. Viraria oferenda, no caminho que leva até o ìgbálû.
Möloun ficou desesperada; ela levou as mãos à cabeça e decidiu procurar um babalawo. Esse lhe disse que
seria necessária uma grande oferenda, composta por onze porções de àkàrà, de ûkö e de ötí. Möloun fez a
oferenda assim como o babalawo determinara. Èñù compadeceu-se por Möloun, e resolveu ajudá-la. Ele
multiplicou as porções de comida e bebida, a ponto de encher onze cestos. Depois Èñù levou tudo para o
ìgbálû, onde estavam os sacerdotes de Egún. Eles comeram e beberam até se fartar, depois desejaram ir
atrás de Möloun para matá-la. Nessa hora Èñù chamou Möloun, e ela disse que fôra ela que preparara toda
a comida. Ela sabia que eles chegariam com fome, por isso preparou-lhes um belo almoço. Os sacerdotes se
perguntavam como poderiam matar alguém que lhes fez tanto bem. Eles decidiram não matá-la. Möloun
dançava e regozijava, pois sua vida não acabaria precocemente devido a um mal-entendido.

"Aceite conselhos, para ser apto a conhecer o àiyé como ele é. Möloun disse, ‘Há! Vai chover
encima das roupas’”. Aceitar o àiyé como ele é pode ser entendido, nesse caso, como a incapacidade de
alterar algumas regras, cuja existência garantem uma certa harmonia social. Por melhor que fossem as
intenções de Möloun, o fato é que mulheres não devem entrar no ìgbálû, e sua atitude caracterizou uma
grande ofensa à instituição estabelecida, tornando-a passível de duras reprimendas. Saber como e quando
auxiliar corresponde a uma sabedoria que certamente lhe faltou. A boa vontade em auxiliar poderá ser a
causa de grandes transtornos, se não estiver acompanhada pelo bom senso. Segundo o próprio ìtan, aceitar
conselhos, nessa situação, poderá ser de grande valia para o consulente.

Alápinni disse, ‘Há! Em onze dias matarão você’. Ele disse, ‘Você será o sacrifício a ser feito,
na estrada que vai para o ìgbálû’. Möloun disse, ‘Eu fiz isso para te ajudar, e você me matará?’”. Sob
certas circunstâncias, a atitude de Alápínnì poderá ser encarada como ingratidão. Mas a tônica do Odù não
é essa, e sim possuir a devida sabedoria para não se colocar numa posição onde a ingratidão alheia pode
ser a causa de consideráveis dores. Se Möloun tivesse seguido as tradições, não precisaria se preocupar com
seu futuro.

"As onze porções de ûkö, Èñù dividiu em onze cestos". Foi a ação de Èñù que auxiliou Möloun a
sobreviver. Esse fato evidencia que a presença desse Ëbïra será vital para a segurança do consulente. Seria
prudente checar a viabilidade de oferendas mais elaboradas a Èñù, além das que ele recebe por trabalhar
como Ëlýbö. É preciso salientar que esse tipo de ação de Èñù, caracterizada pelo auxílio irrestrito a alguém,
está diretamente associada ao cumprimento das obrigações espirituais. Sendo assim, o ideal seria que o
consulente se mantivesse na melhor harmonia possível com os elementos de sua espiritualidade, pois isso
diminuiria consideravelmente as chances dos infortúnios desse Odù recaírem sobre si.

567
"Se alguém faz coisas boas, nós não podemos matá-lo". Aqui está explícita uma outra
característica importante desse caminho de Îwïnrín: a possibilidade de atenuar os resultados negativos de
ações pretéritas através de atitudes altruístas. Essa idéia é comum entre os espiritualistas de todo o mundo.
Há até uma história, bastante popular entre os Espíritas, que diz que um senhor de engenho costumava
punir seus escravos, prensando seus membros em engenhos de cana. Esse senhor morreu, e ao voltar ao
àiyé estava destinado a passar por coisas semelhantes em seu novo nascimento. Desde cedo, o antigo
senhor de engenho habituara-se a ser gentil e caridoso, inspirado pelas valiosas lembranças das lições
aprendidas após seu último desencarne. Em sua idade adulta ele trabalhava como torneiro mecânico, até
que um dia perdeu um dedo no torno. No hospital, angustiado, perguntava a Deus a razão de tal
sofrimento, pois sempre havia sido uma boa pessoa. Naquela noite ele sonhou e lhe foi revelado o que ele
fizera no passado. Ao despertar, louvou a Deus pela sua compaixão, pois estava ciente de que se não fosse
pelas suas boas ações, os resultados de seu carma seriam bem piores (o termo "carma" será usado na falta
de uma palavra similar em português ou ioruba). Essa idéia existe nesse caminho de Îwïnrín, pois através de
sua dedicação a seus futuros algozes, Möloun despertou neles a compaixão que acabou salvando sua vida.

"Möloun, eles vão matar você". Apesar de todas as possibilidades interpretativas e metafóricas,
não se pode negligenciar os aspectos literais desse caminho de Odù; ou seja, há reais riscos de morte.
Graças a esse fato, atitudes potencialmente perigosas, como viagens, cirurgias, noitadas, etc, deveriam ser
evitadas por prudência.

"Mulheres não podem entrar no ìgbálû". As constantes citações sobre elementos do Lûsû Egún,
podem ser um indício de que a liturgia desse braço da religiosidade iorubana, tenha alguma relação com a
realidade espiritual do consulente. A presença do clero do Lûsû Egún pode ser um indício de que o
comportamento do consulente não está sendo eticamente equilibrado. Tal possibilidade existe devido ao
fato de Egún ser responsável pelo comportamento ético, individual e grupal. Se tal possibilidade proceder, é
óbvio que se o consulente não alterar sua conduta, acabará passando por consideráveis sofrimentos.

“Isso é quando Ìfá diz, ‘Uma bênção de vida longa’”. Apesar dos consideráveis perigos
inerentes a esse Odù, a palavra de Òrìñà evidencia a real possibilidade de se passar incólume por essa
situação; desde que haja um claro entendimento sobre as questões aqui abordadas.

Ëbö

Onze búzios
Onze porções de ûkö
Onze porções de àkàrà
Onze cabaças com ötí (bebida alcoólica não especificada)
Um gèlè vermelho (pano de cabeça)
A roupa que estiver vestindo

568
Comentários sobre o ëbö

a) Oferecer o próprio pano de cabeça representa humildade e submissão. Nada mais natural, pois
Möloun reconheceu que não deveria ter entrado no ìgbálû. Também pode ser um lembrete sobre as
limitações femininas em relação ao Lûsû Egún.

b) A presença de roupas no ëbö evidencia a necessidade de alteração de conduta


comportamental, pois roupas simbolizam a personalidade.

c) O ëbö foi transportado por Èñù até o ìgbálû, onde os sacerdotes repastaram-se. Graças a esse
fato, há duas possibilidades a serem consideradas. Ou a oferenda deverá ser feita a membros da
comunidade Egúngún, ou Egún deverá ser propiciado com as mesmas. Cada uma dessas possibilidades
deverá ser cuidadosamente checada pelo awolòrìñà.

d) A finalidade desse ëbö é harmonizar a relação entre Egún e uma pessoa que tenha agido de
forma ofensiva, garantindo perdão e conseqüente possibilidade de continuar a vida sem maiores
problemas. É óbvio que sem um sincero sentimento de arrependimento, esse ëbö será apenas ritualismo
vazio.

Ejìlà Ñëböra (Ìwòrì)

Considerações gerais

Ejìlà Ñëböra é um “apelido” do Odù Ìfá conhecido como Ìwòrì Meji; e numa livre tradução
poderia significar “Doze Poderosos”. A narrativa de Sàlàkî mostra esse Odù com características únicas,
pois Ñàngó aparece na maioria dos seus caminhos, o que torna muito difícil (talvez impossível) desassociar
um do outro. Em nenhum outro Odù um Òrìñà aparece com tanta força e constância, como Ñàngó nos
caminhos de Ejìlà. Aparecem nesse Odù elementos associados ao culto de Ñàngó, particularidades e
comportamentos desse Ëböra, tornado sua influência algo simplesmente incontestável.
Estando Ñàngó tão fortemente representado nesse Odù, é natural que algumas características
desse Ëböra estejam presentes. Isso de fato ocorre no que diz respeito a conquistas, inimigos, lutas,
ascensão, amizades, prosperidade, etc. Ao se estudar os mitos de Ñàngó, percebe-se imediatamente que
todos esses fatores estão presentes. Nos caminhos de Ejìlà, Ñàngó é proclamado Alàfín, combate seus
inimigos, exalta suas amizades, é ovacionado por pessoas, auxilia e é auxiliado. Apesar de outras divindades
aparecerem em vários outros caminhos de Odù, não há como deixar de notar que tais aparições em nada
sem comparam ao que acontece com Ñàngó em Ejìlà Ñëböra. O próprio Salàkï, numa de suas citações,
chama Ejìlà Ñëböra de “A grande pessoa”; um epíteto que se aplica perfeitamente à figura de Ñàngó. De
uma forma ou de outra, quase todos os assuntos que merecem destaque especial nesse Odù poderão ser
observados nos mitos ou no próprio arquétipo de Ñàngó.

569
O desejo de estabilidade material é um dos assuntos que aparecem mais de uma vez nos
caminhos de Ejìlà Ñëböra. Tais desejos também fazem parte do arquétipo de Ñàngó, pois é muito
conhecido o fato de que quando jovem, Ñàngó era um conquistador nato, angariando enorme riqueza para
o Império Îyï, por onde quer que passasse. Será natural então que, estando sob a influência desse Odù, o
consulente seja acometido por consideráveis preocupações em relação aos aspectos materiais de sua vida.
De acordo com o desenrolar das tramas nos caminhos desse Odù, pode-se esperar que tais desejos de
afirmação material conduzam o consulente para um caminho de prosperidade e conquistas, desde que
obviamente as demais informações do ìtan sejam seguidas inteligentemente (além do ëbö, é claro).
Seguindo essa linha de pensamento, deve-se destacar as constantes citações sobre prosperidade
nos caminhos de Ejìlà Ñëböra. Esse Odù costuma ser benéfico para conquistas materiais, mas deve-se ter
em mente outros aspectos do mesmo. Por suas características de conquistador, não era suficiente para
Ñàngó a riqueza advinda de suas conquistas territoriais. Similarmente, o dinheiro em si talvez não
represente o verdadeiro critério de felicidade inerente a esse Odù. A possibilidade de relacionar-se com
outras pessoas, os desafios, as amizades e a liberdade também deverão contribuir, juntamente com a
prosperidade material, para o real bem-estar.
Essa linha de pensamento torna obrigatória a observação de outra característica de Ejìlà Ñëböra, a
ascensão social. Segundo os mitos, Ñàngó já pertencia a uma linhagem rica, por isso suas conquistas
certamente não visavam apenas o dinheiro, mas também o poder que vem através dele. Como já foi dito, é
nos caminhos desse Odù que Ñàngó alcança sua maior ambição, o trono de Îyï. A observação de todos
esses fatos mostra que o desejo de grandes realizações e ascensão social, que nesse caso representaria uma
espécie de ambição saudável, é um fato dentro da realidade que esse Odù representa.
Conquistas em geral são um dos assuntos que mais merecem destaque em Ejìlà Ñëböra. Tal fato é
evidenciado pela maioria das aparições de Ñàngó nesse Odù. Pode-se então afirmar que um desejo (e
também um potencial) de conquistas estará presente quando Ejìlà aparecer. É necessário salientar o
comportamento ousado, destemido e determinado de Ñàngó para obter suas vitórias, quer seja no âmbito
bélico, na política, nos amores, etc. Muito provavelmente serão atitudes imbuídas de tais características que
favorecerão as conquistas que estejam nos caminhos desse Odù. Mas é preciso salientar que a principal
conquista de Ñàngó nos caminhos de Ejìlà Ñëböra foi o trono de Îyï. Isso só foi possível devido a
diplomacia, generosidade e preocupação com amigos e parentes. Ou seja, apesar do comportamento viril e
destemido, também serão aconselháveis outras atitudes, de caráter mais social e benéfico, para que seja
possível usufruir das bênçãos que caracterizam esse Odù. Será preciso um considerável discernimento para
saber quando uma ou outra atitude será realmente necessária.
Compromissos e responsabilidades também serão necessários em Ejìlà Ñëböra. Tal idéia surge de
uma passagem de ìtan que diz "Essa pessoa deve assumir um juramento com alguém". Os juramentos são
sagrados entre os ioruba, acreditando-se que a Terra (Onilý) tragará aquele que quebra sua palavra. Essa
necessidade de honrar compromissos, embora indiretamente, pode favorecer a formação de uma
personalidade séria e digna, como convém a um monarca. Os próprios mitos de Ñàngó explanam como
essa divindade, apesar de poderosa e ousada, acaba perdendo o trono de Îyï em função de atitudes
impensadas, que os mais críticos não titubeiam em chamar de irresponsáveis. Sob esse ponto de vista,
retidão e ética comportamental assumem um papel de destaque nesse Odù, pois conquistar é apenas um
passo que qualquer pessoa corajosa e determinada pode conseguir, mas apenas as sábias mantêm o que
conquistam.

570
Intimamente relacionado às conquistas está o fator “inimigos”. Em suas incursões bélicas
Ñàngó não encontrava povos covardes, e sim homens dispostos a matar ou morrer por suas terras e por seu
povo. Provavelmente, as conquistas relacionadas a esse Odù encontrarão oposição considerável, fazendo
com que o número de inimigos possa crescer perigosamente. Por sua vitalidade e beleza, Ñàngó
impressionava as mulheres e também estimulava o ódio dos homens; pode-se então esperar por atitudes
invejosas nesse Odù. Mas talvez os inimigos mais perigosos sejam aqueles representados pela corte de Îyï,
co-responsável (pois segundo os mitos, os principais responsáveis eram os próprios reis) pelas seguidas
quedas e ascensões de vários monarcas ao trono de Îyï. Provavelmente o inimigo mais perigoso será aquele
que não se dispõe a uma disputa direta, mas arma uma situação insuportavelmente desfavorável até atingir
seus objetivos. Mas é óbvio que tal colocação não deve gerar menosprezo por toda e qualquer forma de
inimigos, pois esses são poderosos em Ejìlà, e se os devidos cuidados não forem tomados, certamente
impedirão a manifestação das inúmeras bênçãos inerentes a esse Odù. Merece destaque nessa situação a
presença de Òrìñà, que em mais de uma ocasião se coloca como um auxílio para suplantar os inimigos em
questão.
Paradoxalmente, a amizade também está presente nos caminhos de Ejìlà. Num momento de
inspiração poética, esse Odù nos ensina que “Uma faca, por mais afiada que seja, não esculpi o próprio
corpo”. Ou seja, ninguém se faz sozinho na vida; um auxílio externo sempre será necessário. Essa
consciência será importantíssima para um adequado posicionamento na vida por parte do consulente. Será
importante sempre lembrar que foi através do auxílio prestado por Bàtá que Ñàngó enriqueceu; e também
foi através do auxílio dos políticos de Îyï que ele subiu ao trono; e através do auxílio espiritual que Crocodilo
e a palmeira Èrùjù conseguiram seus filhos. O paradoxo consiste em existir dentro de um mesmo Odù
elementos tão distintos quanto inimizade e amizade. Mas a natureza dúbia é uma das características de
Ñàngó, onde o branco e o vermelho convivem harmoniosamente (ao menos em teoria).
Filhos representam um outro aspecto de considerável importância nesse Odù. Mas serão
necessários cuidados, pois nos caminhos de Ejìlà que abordam esse assunto os filhos aparecem como
problemas, principalmente de ordem gestacional. Esse fato não é surpresa, pois os mitos dizem que foram
várias as tentativas de Ñàngó em ter filhos com Öya, antes que houvesse enfim a concepção; e mesmo
assim os primeiros filhos do casal nasceram mudos. Deve-se então estar atento a prováveis problemas que
possam acontecer com os filhos, quer eles já tenham nascido ou não. É preciso salientar que em mais de
uma ocasião, personagens dos ìtan perdem seus filhos, antes mesmo que esses viessem à luz. Isso reforça a
possibilidade já abordada de problemas gestacionais, mas também aponta para a velada, mas perigosa
influência de àbìkú. As dificuldades gestacionais que aparecem em Ejìlà podem representar problemas de
libido, de opção sexual, matrimoniais e, num plano mais subjetivo, frustrações em geral. No que diz respeito
às frustrações, tal possibilidade torna necessário que os planos que venham a ser arquitetados sob a
influência desse Odù sejam muito bem elaborados, para que não haja revertérios nas aspirações do
consulente. Apesar dessa negatividade, geralmente a presença de filhos em Odù representa realizações e
felicidade; portanto pode ser encarada como um bom presságio.
De acordo com Ejìlà, a generosidade poderá atrair muitas bênçãos para quem a pratica. O ato de
doar e servir tornou possível a ascensão de Ñàngó ao trono de Îyï, e similarmente, poderá atrair
consideráveis benefícios para o consulente. Foi essa mesma generosidade, expressa em outro caminho de
Ejìlà Ñëböra, que tornou possível a riqueza de Ñàngó, quando as pessoas de uma cidade, ouvindo o apelo
do tambor Bàtá, ofereceram-lhe várias riquezas. Ou seja, a generosidade está presente nos caminhos de

571
Ejìlà, e nesses casos consideráveis benefícios se manifestam. Sob esse prisma, é óbvio que se o consulente
direcionar suas atitudes nesse caminho, terá maiores chances de usufruir as bênçãos inerentes a esse Odù,
principalmente se observar que num determinado momento tal generosidade não só é recomendada por
Ejìlà, como é aconselhado que a mesma seja direcionada a amigos e parentes.
Aproveìtando a aura de espiritualidade inerente a Òñàlá, é imprescindível observar as citações
sobre Òkè Ìpînrí existentes nesse Odù. Como autores de renome já demonstraram, esse termo na maioria
das vezes refere-se à origem física e mítica de um indivíduo, portanto engloba questões ancestrais e
espirituais. Invariavelmente a aparição do termo Òkè Ìpînrí em práticas oraculares iorubanas pressupõe que
o consulente seja um iniciado. Quando isso não ocorre, ficam caracterizadas as famosas “cobranças de
Santo” que todas as pessoas do Candomblé já ouviram falar. Todos esses detalhes fazem de Ejìlà Ñëböra
um Odù propício à iniciação, pois a resolução de uma parte considerável dos problemas expostos por ele
dependerá direta ou indiretamente da comunhão entre Orí e Òrìñà. Nesses casos será até possível que o
ritual do böri resolva satisfatoriamente a questão, mas a experiência mostra que dificilmente o próprio Orí
do consulente, aqui representado sua sabedoria divina em estado latente, abençoará qualquer vínculo com
a religião de Òrìñà que não seja a própria iniciação.
Por fim, é importante salientar que simplesmente não há citações sobre casamentos ou quaisquer
outros tipos de relacionamentos afetivos nos caminhos de Ejìlà. À primeira vista isso poderá parecer um
paradoxo, visto que esse Odù fala de filhos, além do fato de Ñàngó ser conhecido por sua natureza
romântica e conquistadora. Mas uma análise mais profunda dos ìtan mostrará que as aparições de Ñàngó
nesse Odù caracterizam-se pelo aspecto jovem, conquistador e livre desse Ëböra. Possivelmente a vida
familiar (principalmente a matrimonial) não terá muito destaque quando o consulente estiver sobre a
influência de Ejìlà Ñëböra.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Ñàngó
b) Òñàlá
c) Òrìñà Oko
d) Òrìñà Òkè

572
Presente a Ejìlà Ñëböra

Cento e vinte búzios


Doze àmàlà
Doze òrògbò
Doze pedras
Doze porretes*
Dois galos
Dois pombos
Um ìgbín
A roupa que estiver vestindo
Um tecido colorido, etc

573
* São constantes as aparições de porretes nos caminhos de Ejìlà Ñëböra. Esses mesmos porretes são chamados nos ìtan de kùmî, mas
no Brasil geralmente kùmî é o nome dado ao cajado usado por Ìkú e por Öbalúàiyé. Independentemente disso, Salàkï dá esse nome a
uma espécie de cajado usado por Ñàngó. Pessoas de considerável conhecimento litúrgico dão o nome de Okó Ñàngó a um cajado de
madeira fálico usado pelos sacerdotes desse Ëböra em algumas ocasiões públicas. É muito provável que os porretes sejam os mesmos,
mudando apenas os nomes, provavelmente devido a diferentes regiões iorubas em que Ñàngó é cultuado. Geralmente a presença de
varas, cajados ou bastões (îpá) é uma alusão a uma possível influência ancestral na questão, tendo em vista que esses são alguns dos
principais símbolos de ancestralidade. Embora o sentido dos ìtan dê aos porretes as características de armas, por uma questão de
prudência o awolòrìñà deverá pesquisar essa possível influência ancestral sempre que houver a citação de kùmî nos caminhos de Ejìlà.
Num dos ìtan, Ñàngó livra-se de seus inimigos usando o poder do fogo e o "kùmî" em suas mãos. Graças a esse fato, optou-se por
interpretar a presença de kùmî como uma arma (ou algo similar) que geralmente é utilizada em momentos de perigo. Mas tal
interpretação não significa que os possíveis significados ancestrais ou fálicos deverão ser desconsiderados. Mais uma vez, será o bom
senso e o conhecimento do awolòrìñà que definirá a melhor maneira de interpretação.

Ejìlà Ñëböra 1

Houve uma ocasião em que Ñàngó desejou que sua vida fosse boa, que seu destino sempre
estivesse em ordem. Imbuído desse desejo ele resolveu consultar um babalawo. Esses lhe aconselharam a
fazer uma grande oferenda composta de vários elementos que representavam um considerável poder,
como pedras e porretes. Ñàngó fez o ëbö determinado Com esses instrumentos Ñàngó venceu todos os
seus inimigos. Quem ousasse lhe enfrentar recebia pedradas e porretadas. Não havia quem pudesse
enfrentá-lo. As pessoas se impressionaram com o poder de Ñàngó, e quando o rei passava todos diziam,
"Ñàngó, você é firme como um Òñè. Quando as coisas estiverem ruins, carregue-nos em suas costas".

“O que Ñàngó deveria fazer para que sua vida fosse boa; para que sua existência estivesse em
ordem?”. Interessante notar os motivos que levaram Ñàngó a consultar Ìfá. Graças a esse fato é muito
provável que o consulente esteja ansioso por resolver questões materiais, que uma vez solucionadas
favorecerão a manifestação de uma vida próspera e equilibrada.

574
“Não havia quem pudesse enfrentá-lo. Com o kùmî em suas mãos, ele derrotou todos os seus
inimigos. Dessa forma ele viu o fim do ódio deles. Ñàngó dançava e regozijava”. A passagem acima
evidencia que disputas estarão presentes quando Ejìlà ÑËböra aparecer nesse caminho. Juntamente com as
disputas estarão os inimigos. Mas apesar dessa negatividade, é preciso salientar que são grandes as
chances de derrotá-los. Em seus mitos Ñàngó era um conquistador nato, levando Îyï a se tornar um imenso
império em terras iorubas.

"Ìfá diz que ajudará essa pessoa a conquistar seus inimigos". Aqui está a confirmação sobre a
presença de inimigos nesse caminho de Odù. Em seus mitos Ñàngó constantemente aparece como um
grande conquistador. É interessante notar que a expressão usada no ìtan é "conquistar". Tal fato pode
significar que existam fatores a serem conquistados, e possivelmente também haja pessoas que poderão
impedir, direta ou indiretamente, que o consulente consiga tais conquistas. É importantíssimo ter em mente
que o auxílio para sobrepujar tais inimigos vem de Òrìñà, o que poderá significar que será através de uma
atitude devocional ou litúrgica em relação ao mesmo que o consulente obterá sua vitória.

"Você é robusto; firme como um oñé". Esse òríkì de Ñàngó representa a necessidade de firmeza e
obstinação perante as dificuldades. Os reinos conquistados por Ñàngó não caíram do céu, foram frutos de
árduos embates e sangrentas batalhas. O vigor de Ñàngó em seguir seus planos deverá ser um exemplo
para o consulente.

"Ìfá diz que essa pessoa deve fazer oferendas a Ñàngó". Quando Ñàngó aparece em ìtan, há um
grande número de informações a serem consideradas. Pelo seu aspecto de monarca é possível que o
desenrolar das questões abordadas no ìtan possam influenciar diretamente a vida de outras pessoas. Por
sua dualidade entre o branco e o vermelho, a melhor maneira de agir talvez seja mesclando sabedoria e
vigor. O conhecimento do awolòrìñà sobre o arquétipo desse Ëböra será muito importante para o devido
esclarecimento ao consulente sobre a melhor maneira de agir. A oferenda em questão que deve ser feita a
Ñàngó é muito parecida com a que o próprio Ëböra fez para resolver seus assuntos.

"Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro, de filhos e de vida longa, quando vemos as Divindades
Anciãs no àtë". Eis a confirmação dos aspectos positivos trazidos por Ejìlà nesse caminho. Certamente essas
bênçãos se manifestarão na vida do consulente, se houver a clara compreensão sobre os assuntos aqui
abordados.

Ëbö

Doze búzios
Dois galos
Dois pombos
Doze àmàlà
Doze porretes
Doze pedras

575
Doze òrògbò

Comentários sobre o ëbö

a) O kùmî citado no ìtan talvez seja um dos vários tipos de porretes utilizados no culto a Ñàngó e
demais divindade do trovão, do fogo e da justiça. Provavelmente não possua relação com o cajado usado
por Öbalúàiyé e Ìkú, apesar dos nomes serem idênticos. Algumas casas tradicionais possuem o Oko Ñàngó;
uma espécie de cajado que é mostrado publicamente em algumas ocasiões. Dentro do contexto do ìtan, os
porretes em questão representam a energia de Ñàngó em enfrentar e vencer seus inimigos.

b) Muito provavelmente as pedras do ëbö simbolizam os ëdùn àrá, pedras de raio atiradas por
Ñàngó em seus inimigos. Esse fato praticamente confirma a possibilidade de ocorrerem embates e sérias
disputas quando esse Odù aparecer. Levando-se em consideração que é Ñàngó que fala nesse Odù, é muito
provável que tais embates ocorram nos tribunais.

c) A finalidade dessa oferenda é conseguir uma vida agradável e equilibrada, principalmente em


situações onde inimigos estão presentes.

576
Ejìlà Ñëböra 2

Uma determinada palmeira, de nome Ièrùjù, chorava muito, pois não conseguia ter filhos. Mesmo
quando ela engravidava, seus filhos não vingavam. Muito triste com a situação, ela resolveu consultar Ìfá. O
babalawo disse que ela deveria fazer um ëbö, que deveria ser completado por oferendas a Ñàngó e a
Olófin. Palmeira Ièrùjù fez as oferendas prescritas por Ìfá, e em pouco tempo voltou a engravidar. Dessa vez
seus filhos não morreram; vingaram e cresceram fortes e sadios. Ièrùjù louvava um babalawo, e um
babalawo louvavam Òrìñà, pois a palavra desse havia se mostrado verdadeira.

"Apà Ièrùjù estava chorando por filhos". Sem dúvida alguma filhos representam um dos fatores
mais relevantes na vida do ioruba. A dificuldade em gerá-los pode simbolizar frustrações em geral nos mais
diversos aspectos da vida; embora questões gestacionais obviamente não devam ser descartadas, sendo
esses os detalhes que evidenciam a negatividade desse caminho de Ejìlà. Também é preciso considerar que
a personagem do ìtan é uma árvore. Esse fato abre a possibilidade, ainda que remota, de uma possível
influência ancestral na questão. Consultas nesse sentido seriam assaz pertinentes.

"Os filhos que ela teve anteriormente, e que não haviam vingado...". Definitivamente deve ser
considerada a possibilidade de disfunções gestacionais estarem presentes quando Ejìlà se manifestar nesse
caminho. Por uma questão de lógica deve-se considerar também uma eventual influência àbìkú na situação.
O que mais reforça essa possibilidade é a necessidade de oferendas a Ñàngó, pois os mitos o colocam
diretamente relacionado a Ìbejì, que por sua vez mantêm relações com a sociedade Ûmûrû dos àbìkú. Num
plano metafórico os filhos que não vingaram podem representar frustração nos projetos pessoais, sempre
acompanhadas de considerável sofrimento para o consulente. Quando tais informações se manifestam no
àtë, sempre é prudente verificar se os filhos do consulente estão com algum problema.

"Apà Ièrùjù começou a gerar filhos". Definitivamente filhos representam a grande força positiva
desse caminho de Ejìlà. Em Odù com essas características, deve-se considerar a possibilidade de formação
de família, gravidez, afirmação social, liderança, formação de opiniões, etc. Pela presença de Ñàngó nesse
Odù, as possibilidades referentes a liderança, conquistas e realizações ganham um maior destaque em
relação às outras. O importante é ter em mente que filhos representam as mais diversas e positivas
realizações, o que faz desse Odù um bom presságio, apesar da possibilidade de problemas gestacionais.

577
"Disseram que ela deveria dar comida e bebida a Ñàngó; obì e ìgbín a Òñàlá". É óbvio que as
duas divindades citadas no ìtan participarão ativamente do processo que atrairá bênçãos para a vida do
consulente. Seria prudente verificar se apenas oferendas serão suficientes, ou se há a necessidade de um
culto mais específico a qualquer uma das divindades citadas. Pelas características monarcas/patriarcais de
ambas, é provável que toda a família do consulente (e provavelmente sua ancestralidade) esteja relacionada
com as questões expostas por Ejìlà nesse caminho de Odù.

Ëbö

Doze búzios
Um galo
A roupa que estiver vestindo
Comidas e bebidas a Ñàngó.
Dois obì e um ìgbín a Òñàlá

Comentários sobre o ëbö

a) Roupas geralmente representam a necessidade de alteração comportamental; mas pelas


características do ìtan, também é provável que estejam relacionadas à eventual disfunção física ou astral
que tenha gerado as dificuldades gestacionais da personagem. Caberá ao awolòrìñà as devidas definições a
esse respeito.

b) O ëbö não estará completo sem oferendas a Ñàngó e Òñàlá. No que diz respeito a Ñàngó, o
ìtan apenas cita "comidas e bebidas", sem qualquer espécie de especificação. Mais uma vez serão
necessárias as devidas definições nesse caso.

c) A finalidade desse ëbö é reverter um quadro de infertilidade gestacional, e metaforicamente


cessar um período de frustrações.

578
Ejìlà Ñëböra 3

Em razão de suas constantes guerras por conquistas materiais, freqüentemente Ñàngó se


deparava com inimigos. Numa dessas ocasiões, ele chegou a ficar totalmente cercado por eles. Em sua
preocupação Ñàngó resolveu consultar Ìfá, e foi-lhe dito que uma oferenda seria necessária. Entre os vários
elementos que compunham a dita oferenda, existiam pedras, porretes de madeira e ìtùfù (espécie de pavio

579
feito com algodão). Ñàngó fez a oferenda prescrita, e também foi orientado pelum babalawo a se servir dos
porretes e das pedras para atacar seus inimigos. Ele deveria embeber os ìtùfù em óleo, e depois atiçar fogo,
colocando-os na boca logo após isso. Ñàngó seguiu à risca as informações do babalawo. Quando seus
inimigos viram aquele homem vigoroso, jogando pedras para todos os lados, trazendo nas mãos um
porrete ameaçador, e ainda por cima cuspindo fogo pela boca, se amedrontaram e fugiram. Não houve um
só inimigo que permanecesse para enfrentar Ñàngó. Todos passaram a respeitar Olúbámbí, e aqueles que
ainda não o cumprimentavam passaram a dizer, “Kábíyèsi k’ábî” (Bem vindo, majestade).

"Ñàngó estava vivendo entre inimigos. O que ele poderia fazer para derrotá-los?". O confronto
com inimigos é a grande ênfase desse caminho de Ejìlà. Em relação a esse fato, a presença de Ñàngó pode
significar que conquistas das mais diversas ordens estejam relacionadas à questão, baseando-se na
natureza bélica e conquistadora desse Ëböra. Sob esse ponto de vista, inimigo talvez seja aquele (ou aquilo)
que dificulte ou impeça a realização dos desejos e conquistas por parte do consulente. Mas apesar dessa
possibilidade interpretativa, a prudência manda considerar especialmente a idéia comum que se faz sobre
“inimigos”, independentemente de como esses se manifestarem.

"Ñàngó estava ascendendo fogo em sua boca, e com o porrete em suas mãos, não havia quem
pudesse enfrentá-lo. Ñàngó foi vitorioso". Foi a atitude ousada de Ñàngó que determinou sua vitória. Ele
deixou claro a seus inimigos o que poderia acontecer, caso esses decidissem enfrentá-lo. Blefar, no intuito
de mostrar aos inimigos uma força que na verdade não se possui, parece ser a maneira adequada de agir
nessa complicada situação. Mas é importante que fique claro que “blefar”, especificamente nesse caso, foi
a única maneira de Ñàngó sair da perigosíssima situação em que se encontrava. Era uma situação extrema,
que exigiu uma atitude extrema. Enganar a quem quer que seja, fora do contexto claramente explícito no
ìtan, certamente será uma atitude reprovável aos olhos da espiritualidade, que mais cedo ou mais tarde
exigirá sua devida reparação. Também é preciso salientar que é muito conhecido o mito que explica como
Ñàngó recebeu o poder de lançar fogo pela boca, graças a um feitiço trazido por Öya do território bariba.
Tal fato abre a possibilidade (ainda que remota) dos inimigos virem a utilizar algum tipo de magia contra o
consulente, ou do próprio consulente ter que utilizar magia para livrar-se da má influência de seus inimigos.
É óbvio que tais possibilidades deverão ser confirmadas por Ìfá, antes que qualquer atitude seja tomada a
esse respeito.

“Isso é quando Ìfá diz que ajudará essa pessoa a suplantar seus inimigos”. Essa é a definitiva
palavra de Òrìñà sobre a presença de inimigos nesse caminho de Ejìlà, independentemente do que Ìfá venha
a apontar como tal. O que precisa ser salientado é a postura de auxílio de Òrìñà na situação. Graças a essa
clara citação do ìtan, é possível que além do ëbö prescrito, seja preciso outro tipo de ação devocional à
divindade que auxiliará o consulente a suplantar seus inimigos. Embora sejam necessárias consultas a esse
respeito, é pouco provável que tal divindade não seja Ñàngó. Também é importante que fique claro que em
casos como esse, atitudes devocionais e sinceras a Olódúmarè, e a os demais elementos que compõem a
espiritualidade de um indivíduo, são mais do que aconselháveis.

Ëbö

580
Vinte e quatro búzios
Dois galos
Dois pombos
Doze pedras
Doze ìtùfù
Doze porretes

Comentários sobre o ëbö

a) As pedras provavelmente sejam uma alusão aos ëdùn àrà, pedras-de-raio mitológicas, utilizadas
por Ñàngó contra seus inimigos.

b) É comum a presença de porretes (kùmî) nos caminhos de Ejìlà relacionado a inimigos. Tal
ferramenta é utilizada por Ñàngó durante suas pelejas. Em alguns mitos a mesma é substituída pelo oñé.

c) Ìtùfù é o nome dado por Salàkï aos tufos de algodão utilizados por Ñàngó, para que esse "coma
fogo". Sem dúvida são os mesmos utilizados por esse Ëböra e por outros de sua família, durante os rituais
do àjèrè e da Fogueira de Airá.

d) A finalidade dessa oferenda é atingir vitória num contexto caracterizado pela presença de
inimigos.

581
Ejìlà Ñëböra 4

Quando esse mundo ainda estava em processo de formação, Dia e Sol ainda estavam no îrun. E
com a proximidade do momento de ambos virem para o àiyé, eles resolveram consultar Ìfá, no intuito de
saber o que poderia ser feito para que nenhuma pessoa pudesse comandá-los, e para que suas vidas
fossem boas. O babalawo determinou que uma oferenda deveria ser feita para esse propósito; oferenda
essa que Dia e Sol realizaram prontamente. Quando chegou o momento determinado, ambos vieram do
îrun para o àiyé. Quando as pessoas passaram a habitar esse plano de existência, comentavam sobre o calor
do Sol, comentavam sobre a duração do Dia, mas não podiam fazer nada para comandá-los. É por isso que
se diz, “Braços não seguram o Sol; bocas não comandam o Dia”. Eles dançavam e regozijavam, felizes por
que conseguiram a vida agradável que desejavam, e por que em suas posições, não podiam ser
comandados por ninguém.

"Ìfá diz que não permitirá que outras bocas nos comandem". Todo o ìtan sugere que alguma
espécie de influência ou dominação (provavelmente deletéria) esteja presente, ou prestes a se manifestar,
quando Ejìlà aparece nesse caminho. Abre-se então a possibilidade de influências de terceiros nas atitudes
do consulente. Caso tal fato seja confirmado, é bom que se tenha em mente que essa realidade parece não
ser a ideal, pois os personagens do ìtan engendraram vários esforços para evitá-la.

"Consultaram Ìfá para Dia e Sol, quando eles estavam vindo do îrun para o àiyé". Sempre que há
a citação sobre um personagem que está prestes a vir do îrun para o àiyé, a prudência manda considerar a
hipótese de que o novo (e tudo aquilo que ele representa) esteja presente. Caberá ao próprio consulente
verificar a aplicabilidade ou não de tal conceito em sua vida. Outro detalhe que carece de comentários diz

582
respeito à figura do sol. Nas obras ocultistas de maior renome, é dito que nesse astro habitam os mais
elevados seres de nossa cadeia planetária, enquanto aqui na Terra existem seres de considerável
espiritualidade, embora também existam verdadeiras aberrações espirituais. Não se trata aqui de discorrer
sobre a validade científica de tal pensamento, ou se o mesmo aplica-se tão somente às alegorias das
antigas religiões. O fato a ser observado é que sob esse ponto de vista, a presença do Sol pode simbolizar a
necessidade de aproximação ao que é elevado, ético e espiritual, assim como a presença de colinas. Nesse
caso, o elemento “Dia” citado no ìtan representa o resultado objetivo da presença do Sol. Se Ìfá confirmar
todas essas possibilidades interpretativas, ficará explícito o fato de a elevação espiritual, assim como a ética
e a moral, serem imprescindíveis para que o consulente possa conseguir a vida agradável e a posição
intocável expressas no ìtan.

"Braços não seguram o sol; bocas não comandam o dia". Em suas posições transcendentais, nem
Sol nem Dia poderiam ser perturbados por ninguém. Essa passagem não só reforça a idéia de possível
dominação (ou tentativa) por parte de terceiros, assim como da necessidade de elevação e
transcendentalidade para que tais influências não venham a se concretizar. Pelas características gerais desse
caminho de Ejìlà, talvez fosse prudente tomar cuidados em relação à opinião pública.

"Ìfá diz que quando as divindades Anciãs aparecem no àtë, devemos fazer oferendas a Òrìñà
Òkè". Òrìñà Òkè (ou Orí Òkè, para alguns) é a divindade iorubana patrona das colinas em geral. Geralmente
oferendas em colinas visam favorecer o "afastamento" do pensamento em relação aos aspectos negativos
da vida no àiyé, atingindo assim uma determinada transcendentalidade, proveitosa para a resolução de
diversas questões materiais ou espirituais. Tal transcendentalidade geralmente é obtida através de
pensamentos elevados e condutas irrepreensivelmente éticas, o que só reforça tudo o que foi dito sobre
esse caminho de Odù. Num ponto de vista mais prático e menos metafórico, oferendas a colinas visam
deixar os inimigos sempre “aos pés”.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Um galo
Um pombo
Uma tigela

Comentários sobre o ëbö

a) No ìtan, tanto Sol como Dia ofereceram o ëbö acima. O fato de existirem dois personagens
principais no ìtan, abre a possibilidade de haver alguém próximo ao consulente que viva situação
semelhante. Nesse caso, talvez fosse prudente que tal pessoa fizesse o mesmo ëbö.

583
b) É difícil entender a necessidade da tigela no ëbö. Um detalhe que pode auxiliar a compreensão
desse fato está implícito no ìtan, onde é dito que os personagens ofereceram “Uma tigela importante”.
Apesar de todas as possibilidades de erro graças a uma interpretação errônea da linguagem ioruba, é
possível que tal “tigela” seja alguma representação isolada de Orí. O que justifica (em parte) tal
possibilidade é a estreita ligação de Orí com a elevação espiritual sugerida no ìtan. É óbvio que serão
necessárias consultas nesse sentido. Também é preciso considerar uma outra hipótese. Tigelas (ou cabaças)
são elementos imprescindíveis num determinado tipo de feitiço que se faz na sombra de alguém; feitiço
esse que só é possível realizar na presença do Sol, e conseqüentemente, do Dia. Se Ìfá confirmar essa última
possibilidade interpretativa, ficara evidente que feitiços é uma das formas de domínio que poderá ser usada
contra o consulente.

c) A finalidade desse ëbö é conseguir transcender uma situação onde se é “comandado” pelos
braços ou pelas bocas das pessoas. A citação sobre Òrìñà Òkè já é suficiente para determinar onde os rituais
deverão ser oficiados.

584
Ejìlà Ñëböra 5

Em certa época existiu um rei cujo nome era Àdìgún. Esse mesmo rei desejou que sua vida fosse
boa, e que seu destino estivesse em ordem. Com tais desejos em mente, o rei Àdìgún resolveu consultar Ìfá.
Foi-lhe dito que deveria fazer um ëbö, e que depois disso deveria ir até a casa de Òñàlá oferecer-lhe obì e
ìgbín, pois assim receberia o àñë que tornaria possível a realização de seus intentos. Àdìgún fez a oferenda
prescrita, e depois de cumprir todos os preceitos necessários, o babalawo lhe ofereceu uma lamparina,
dizendo que deveria acendê-la a seu Òkè Ìpînrí, pois assim enxergaria os caminhos de seu destino, tornando
possível uma existência feliz. Àdìgún seguiu à risca as orientações do babalawo. Depois de um tempo, todas
as bênçãos que ele não via, ele passou a vê-las. A bênção de dinheiro, de filhos, de esposas e de vida longa;
todas essas ele passou a ver. Àdìgún dançava e regozijava, pois a palavra de Òrìñà havia se mostrado
verdadeira, tornado possível o desfrute de muitas bênçãos.

"Àdìgún, filho de ‘Aquele que ascende uma lâmpada para encontrar seu destino’. Isso é
quando Ìfá diz que essa pessoa deve ascender uma chama a seu Òkè Ìpînrí". Há uma importante
mensagem de conteúdo litúrgico nesse ìtan, pois é explicada a razão do uso de fogo nos rituais iorubanos.
De alguma maneira misteriosa, o fogo parece possuir a capacidade de atrair a prosperidade e redirecionar o
indivíduo para seu verdadeiro destino pessoal. Sem dúvida essa é uma das razões do fogo ser usado em
praticamente todas as religiões antigas, quer seja em tochas, candeeiros, velas, lâmpadas, etc. Citações
sobre Ìpînrí geralmente indicam a presença de alguém que é ou deveria ser iniciado. O importante é que os
elementos que constituem a espiritualidade do consulente sejam iluminados, pois de acordo com o ìtan,
isso repercutirá positivamente em todos os aspectos da vida do mesmo.

"Do ëbö que ele ofereceu, lhe deram uma lâmpada". Segundo o ìtan, a pessoa que fará a
oferenda deverá receber do awolòrìñà algo como uma lamparina (ou uma vela de sete dias, ou alguma
coisa que o valha). Esse ato representará o auxílio necessário para que o consulente possa encontrar-se na
vida. Mas se não houver uma orientação coerente por parte do awolòrìñà sobre todos os elementos
implícitos e explícitos tratados no ìtan, provavelmente tal simbolismo se tornará estéril ou mutilado.

“Àdìgún deveria oferecer comida e bebida a seu Òkè Ìpînrí. Ele deveria pegar doze obì e doze
ìgbín, e ir com eles até Baba Àgbà para receber àñë”. Como já foi dito, o ideal seria se quando esse
caminho de Odù se manifestasse, o consulente fosse iniciado, ou ao menos desejasse sê-lo. É preciso que
fique muito clara a participação de Òrìñà na manifestação das bênçãos inerentes a esse Odù. Mesmo que
Òñàlá não faça parte do Òkè Ìpînrí do consulente, será do àñë desse Òrìñà que as bênçãos em questão se
manifestarão. Considerando-se que Òrìñà não é um negócio (ao contrário do que muitos pensam), além
das oferendas em questão será importante que o consulente mantenha atitudes sintonizadas com a

585
espiritualidade caracterizada por Òñàlá. Sem dúvida alguma, tal conduta favorecerá por demais todos os
benefícios citados no ìtan.

"O passarinho bate suas asas para alcançar a árvore. Eu acho que você abriu as portas da
riqueza". Provavelmente as bênçãos inerentes a esse Odù não cairão do céu. Serão frutos de esforços
pessoais bem direcionados, assim como o passarinho precisa esforçar-se para chegar em segurança a sua
árvore. Se tal esforço estiver presente, o consulente poderá ter certeza que “as portas da riqueza” se
abrirão para ele, desde que todos os detalhes trazidos por Ejìlà nesse caminho sejam corretamente
seguidos.

"As bênçãos que Àdìgún não via, ele passou a ver. O dinheiro estava lá, os filhos estavam lá, as
esposas estavam lá. Todas as coisas vieram para Àdìgún". Como já foi dito, são consideráveis as bênçãos
inerentes a esse caminho de Ejìlà. A citação textual de cada uma delas há de favorecer a multiplicação dos
esforços necessários para a manifestação das mesmas. Apenas relembrando, a espiritualidade representada
pela necessidade de oferendas a Òkè Ìpînrí e a Òñàlá, é um dos elementos a serem observados nesse caso.

Ëbö

Trinta e seis búzios


Quatro òkété
Quatro ëmï
Quatro galos
Quatro pombos
Oferendas a Òkè Ìpînrí
Doze obì (a Òñàlá)
Doze ìgbín (a Òñàlá)

Comentários sobre o ëbö

a) Geralmente a presença de roedores revela alguma espécie de negatividade. Provavelmente o


consulente encontrará dificuldades, até que as bênçãos existentes no ìtan possam de fato manifestar-se.
Mas esses animais também representam abundância sobre a terra, evidenciando a real possibilidade de
reversão da situação. Seria interessante se sacerdote e consulente unissem esforços, no sentido de
descobrir as razões dessa orientação de Òrìñà.

b) Sempre que são necessárias oferendas a Òkè Ìpînrí, caberá ao awolòrìñà definir quais elementos
compõem a espiritualidade do consulente. Geralmente o termo Òkè Ìpînrí refere-se à ancestralidade de um
indivíduo, mas Òrìñà, Odù e um determinado elemento simbólico (água, terra, etc.) fazem parte do mesmo.
O equilíbrio entre todos esses fatores favorecerá a manifestação de um àñë equilibrado, que por sua vez
garantirá o “enxergar” de todas as bênçãos citadas no ìtan.

586
c) Como já foi visto, os ìgbín e os obì devem ser oferecidos a Òñàlá, para que esse repasse àñë ao
consulente. É importante notar que entre outras coisas, a presença de obì em oferendas representa a
necessidade de sabedoria.

d) A finalidade desse ëbö é favorecer que alguém “enxergue” as bênçãos que lhe foram
reservadas por seu Orí. Tudo isso nos caminhos de Òñàlá.

Ejìlà Ñëböra 6

Certa vez um grande Crocodilo fêmea estava desesperada. Ela chegava a conceber filhos, mas
esses não tinham força para abandonar os ovos e acabavam morrendo. Muito triste com a situação, ela
resolveu consultar um babalawo. Seu Òkè Ìpînrí mostrou “A grande pessoa” (Ejìlà Ñëböra), e o babalawo
lhe aconselhou a fazer um ëbö. Como complemento do ëbö, foi dito que ela deveria fazer oferendas a
Ñàngó e a Òrìñà Oko. Depois de fazer o ëbö, mais uma vez Crocodilo fêmea engravidou. Quando chegou o
momento certo, Ñàngó soltou um poderoso grito; os ovos eclodiram imediatamente, trazendo à vida os
filhos de Crocodilo fêmea. Ela dançava e regozijava, pois dessa vez seus filhos viveriam. É por isso que o
trovão espatifa os ovos dos crocodilos até o dia de hoje.

587
"Ìfá diz que aqui há uma bênção de filhos". Filhos são a principal mensagem trazida por Ejìlà
nesse caminho. Em Odù com tais características, deve-se considerar a possibilidades de emancipação,
afirmação social, realizações em vários aspectos da vida comum, influência, seguidores, aspirações ainda
não realizadas, fortificação dos vínculos familiares e possíveis problemas com filhos. Caberá ao awolòrìñà
definir se alguma entre todas essas possibilidades condiz com a realidade do consulente. O importante é ter
em mente que filhos sempre representam presságios positivos nesse sistema oracular.

"Quando ela engravidava, seus filhos não nasciam. Quando vemos esse Odù, devemos fazer
oferendas a Ñàngó e a Òrìñà Oko". Embora não haja citações textuais, essa particularidade do ìtan abre a
hipótese da presença de àbìkú na questão. Se Ìfá confirmar tal possibilidade, o awolòrìñà deverá usar todo
seu conhecimento para lidar com esse complicado caso. Essa passagem do ìtan também pode representar
questões objetivas ou subjetivas. Num plano objetivo, será prudente considerar a hipótese de problemas
gestacionais ou de libido, em razão da presença de Òrìñà Oko na questão. Num plano mais subjetivo,
frustrações e dificuldades em geral poderão ser esperadas, pois essas muitas vezes são representadas por
filhos que não nascem ou morrem após o nascimento. De qualquer forma, esse aspecto do Odù pode ser
considerado negativo, e caberá ao awolòrìñà definir o que poderá ser feito para uma resolução satisfatória
da situação. A necessidade de oferendas a Ñàngó será devidamente detalhada mais à frente. Quanto a
Òrìñà Oko, além da questão sexual já exposta, será prudente considerar uma hipotética influência negativa
de feitiços, considerando-se o fato de que esse Ëböra é um autêntico “Caçador de Bruxas” em terras
iorubanas. Para reforçar essa possibilidade, ressaltemos a presença de um réptil no ìtan. Na grande maioria
dos casos em que tais animais estão presentes, diversas formas de negatividade também estarão. Essas são
apenas hipóteses, mas a prudência manda investigá-las.

“Ela deveria dar de comer e de beber a seu Òkè Ìpînrí. Ela dizia, ‘Agradeço a Òrìñà por me
permitir ter filhos”. Essa clássica citação em muitos dos ìtan narrados por Salàkï representa, entre outras
coisas, a necessidade de refortalecimento do àñë pessoal. É óbvio que a ancestralidade do consulente passa
a ter considerável importância dentro da problemática exposta no ìtan, assim como todos os outros
elementos que compõem a espiritualidade mítica do mesmo, como Òrìñà, Odù e Orí. Em casos como esse
geralmente o consulente é alguém iniciado, ou pelo menos deveria ser, tendo em vista que para efetuar as
oferendas prescritas no ìtan, consideráveis segredos rituais serão manipulados. É importante que fique clara
a necessidade de espiritualidade por parte do consulente, caracterizada pela ancestralidade e devoção a
Òrìñà, pois esse será caminho para a resolução satisfatória do complicado problema exposto por Ejìlà
Ñëbïra nesse caminho.

"Quando chegou a hora, Ñàngó soltou um grito, e os filhos de Crocodilo eclodiram". Foi a ação
benéfica de Ñàngó que tornou possível a principal aspiração de Crocodilo: o nascimento de seus filhos. Tal
fato pode significar que Ñàngó está intimamente relacionado às conquistas que o consulente poderá ter
em sua vida, independentemente dos aspectos literais ou metafóricos do ìtan. Como a aparição de Ñàngó
também está diretamente relacionada aos filhos do ìtan, é possível que tal influência estenda-se aos filhos,
ou demais pessoas próximas ao consulente.

588
Ëbö

Doze búzios
Dois galos
Dois pombos
Um tecido colorido
Comidas e bebidas a Òkè Ìpînrí
Doze àmàlà com doze òrògbò
Oferendas a Òrìñà Oko

Comentários sobre o ëbö

a) Tecidos são uma oferenda comum em situações relacionadas a filhos ou a ancestralidade. Esses
dois elementos estão presentes nesse caminho de Ejìlà, explicando adequadamente a razão de tal elemento
na oferenda em questão.

b) O ëbö não estará completo sem oferendas a Ñàngó e Òrìñà Oko. A oferenda a Ñàngó já está
claramente exposta, o mesmo não ocorrendo com Òrìñà Oko, cabendo então ao awolòrìñà definir tal
particularidade.

c) Também será preciso definir de que forma serão efetuadas oferendas ao Òkè Ìpînrí do
consulente. Como já foi dito, os ancestrais, e muito provavelmente o Òrìñà pessoal do consulente, deverão
ser propiciados. Mas uma vez é importante ressaltar a necessidade de clareza quanto a importância da
comunhão espiritual com todos os elementos que compõe o Ìpînrí. Além de oferendas, atitudes litúrgicas e
devocionais certamente favorecerão a manifestação das bênçãos narradas no ìtan.

589
Ejìlà Ñëböra 7

Certa vez durante uma consulta a Ìfá, o babalawo disse a Àfînjá que ele tinha chances de se tornar
o rei de Îyï. Entusiasmado com a idéia, Àfînjá perguntou o que deveria ser feito para que aquele vaticínio se
concretizasse. Foi-lhe recomendado fazer uma oferenda, e também agir benevolentemente em relação a
amigos e parentes. Àfînjá seguiu o conselho do babalawo e fez a oferenda. Mais tarde, em sua casa, ele
preparou um grande banquete, ao qual convidou muitos amigos e parentes. Entre os convidados de Àfînjá
havia várias pessoas ilustres, de considerável importância e influência na corte de Îyï. Ao término do repasto,
os convidados conversavam alegremente, até que surgiu o assunto sobre quem deveria ser o próximo rei de
Îyï, visto que o cargo estava vago. Eles começaram a deliberar e chegaram a conclusão de que a pessoa que
havia os tratado tão bem, oferecendo-lhe comidas, bebidas e hospitalidade, estava apta a ser o novo
monarca. Dessa forma Àfînjá foi coroado como Alàfìn de Îyï. Àfînjá é quelê que conhecemos por Ñàngó.

"Consultaram Ìfá para Àfïnjá, quando ele estava indo tornar-se rei de Îyï". A obtenção de tão
importante posição social evidencia que haverá consideráveis conquistas quando Ejìlà se manifestar nesse
caminho. É óbvio que essa mesma posição não poderia ser delegada a alguém inapto, e tal fato pode ser
um indício de que o consulente possui um grande potencial de liderança, além de provavelmente estar
predestinado a algo grande em sua passagem pelo àiyé.

"Ìfá diz que devemos assumir uma jura com alguém". É muito provável que Òrìñà considere
como “juramento” o compromisso que certamente Àfînjá assumiu com o povo de Îyï. Nesse caso,
atrelado ao juramento em questão estaria uma grande responsabilidade. Esse fato talvez signifique que o
momento em si seja muito importante na vida do consulente, tornado então necessário assumir
compromissos que provavelmente repercutirão pelo resto de sua vida. De qualquer forma, a passagem do
ìtan dá uma idéia de compromisso, retidão e palavra, algo que deve ser inerente a um monarca.

590
"Um homem sábio não faz de si mesmo um chefe. Uma faca, por mais amolada que seja, não
pode esculpir o próprio corpo". Apesar de ser muito conhecido o caráter ousado e muitas vezes arrogante
de Ñàngó, é importante salientar que tal comportamento não existiu no ìtan, sendo substituído pela
amizade e até pela humildade. Talvez se Ñàngó tivesse se auto-intitulado rei, ele não tivesse o apoio
popular ou político para garantir seu reinado. Tais fatos sugerem a necessidade de humildade, amizade e
sabedoria, para que todos possam reconhecer o real potencial do consulente, fazendo assim com que sua
ascensão seja algo natural, e não imposta.

"É um homem bravo aquele que se inicia a Ìfá". Essa breve citação do ìtan merece comentários. É
reconhecido o fato de que os preceitos de iniciação para Ìfá exigem uma grande dedicação, aptidão,
coragem e força de vontade. É possível que tais virtudes sejam necessárias para que o consulente consiga a
posição de destaque expressa no ìtan. Citações sobre Ìfá, por mais breves, tornam necessárias consultas
sobre um eventual destino de sacerdócio para o consulente.

"Ele deveria oferecer algo por seus parentes e amigos". Essa foi a orientação recebida por Àfïnjá
pelum babalawo. As mesmas pessoas que foram tratadas com respeito e consideração, posteriormente
aclamaram Àfïnjá como o novo rei. Esse fato talvez signifique que as conquistas almejadas estejam
intimamente ligadas ao tratamento dispensado a parentes e amigos; além de supor que a amizade deva ter
um lugar especial na vida do consulente. Parece haver uma necessidade de bons relacionamentos e
contatos, como se a opinião pública possuísse considerável influência sobre as conquistas que o consulente
possa vir a ter. Um outro ponto a se considerar sobre essa passagem do ìtan é a generosidade, pois foi tal
virtude a verdadeira causa do sucesso de Àfïnjá, sendo então possível que atitudes generosas venham a
trazer futuros benefícios ao consulente.

“Quem será o novo rei? Disseram, ‘Àfînjá!’”. A ascensão social obtida por Àfînjá evidencia
que esse é um Odù de conquistas, que certamente trará ao consulente os principais benefícios da realeza;
isso se o mesmo entender e praticar cada um dos preceitos sugeridos por Ejìlà Ñëböra nesse caminho.

Ëbö

Vinte e quatro búzios


Dois galos
Duas galinhas
Dois pombos
A roupa que estiver vestindo.

Comentários sobre o ëbö

591
a) Esse é o único caminho de Ejìlà em que animais fêmeas são oferecidos. Coincidentemente ou
não, as atitudes de Ñàngó não são provocantes ou bélicas; são benevolentes e plácidas. Animais fêmeas
veiculam muito melhor um àñë condizente com essa realidade.

b) A presença de roupas no ëbö sugere a necessidade de alteração de conduta, que visem tornar
as atitudes e pensamentos propícios para a obtenção das bênçãos prometidas no ìtan.

c) A finalidade desse ëbö é a obtenção das consideráveis bênçãos que caracterizam a realeza,
como prosperidade, prestígio, popularidade, etc.

592
Ejìlà Ñëböra 8

Bàtá (o tambor) e Ñàngó eram amigos desde a infância. Numa certa ocasião, Ñàngó consultou Ìfá,
desejoso de saber o que poderia ser feito para que ele enriquecesse. Ìfá mostrou Ejìlà Ñëböra, e o babalawo
disse a Ñàngó que um amigo o faria um homem rico. Para atingir tal propósito, foi prescrita a Ñàngó uma
determinada oferenda, que continha entre outras coisas doze porretes e um tambor Bàtá. Dos doze
porretes, um babalawo devolveu um a Ñàngó. Depois lhe foi dito que deveria ir para uma nova cidade.
Quando lá chegasse, Bàtá iria a frente, anunciando a chegada de Ñàngó. Isso seria o suficiente para que
Ñàngó atingisse a riqueza. Após a realização do ëbö, Ñàngó e Bàtá partiram para a nova cidade. Assim que
puseram os pés lá, Bàtá começou a anunciar a chegada de Ñàngó, assim como Ìfá havia determinado. Ele
dizia “Ewégbèmí, comer é um assunto importante. Olúbámbí, comer é um assunto importante. Venham
todos e tragam búzios, roupas e galinhas a Ñàngó”. Fascinadas pela voz de Bàtá, as pessoas começaram a
seguir suas orientações, trazendo diversas oferendas a Ñàngó. Em pouco tempo eles receberam inúmeras
oferendas, e dessa forma Ñàngó tornou-se rico, assim como Ìfá havia determinado.

"Bàtá e Ñàngó eram amigos desde a infância. O babalawo disse, ‘Um amigo é que fará de você
um homem rico’". A amizade é o principal fator de benefícios nesse caminho de Ejìlà. As passagens do
ìtan sugerem que será através da amizade que o consulente conseguirá as melhores oportunidades para
prosperar em sua vida. Devido a tão importante fato, o natural é que o consulente tenha uma conduta que
vise aumentar e manter o rol de seus amigos, além de fortificar as amizades já existentes.

"Quer comamos ou bebamos, esse é um assunto vital. É por isso que Ñàngó não anda sem
dinheiro". Além dessa importante informação de caráter litúrgico, essa passagem sugere previdência em
relação a eventuais dificuldades materiais. É óbvio que esse caminho de Ejìlà evoca abundância e
prosperidade, mas até que essas bênçãos se manifestem, seriam prudentes atitudes e comportamentos que
não fossem contra a necessidade de previdência.

“Disseram que ele deveria oferecer um tambor Bàtá como ëbö”. Como já foi visto, a amizade
será o principal fator que favorecerá a prosperidade quando Ejìlà Ñëböra se manifestar nesse caminho. Mas
essa passagem sugere a idéia que para o amigo em questão, será necessária uma certa dose de
autosacrifício. Esse fato deve auxiliar o consulente a ter uma idéia bem nítida de quem seriam os amigos
realmente dispostos a tal sacrifício. Também precisa ser salientado o fato de que além de se permitir ser
oferecido em ëbö, Bàtá trabalhou ativamente pela prosperidade de seu amigo. Definitivamente será
importante a definição sobre quem seria o amigo que favorecerá a prosperidade dessa pessoa, pois amigos
desse quilate não são comuns, infelizmente.

“Depois que fizeram o ëbö, Ñàngó e Bàtá partiram”. Como o ìtan mostra, a prosperidade
chegou para Ñàngó numa outra cidade. Sempre que esse fato é explícito nos caminhos de um Odù,
obviamente deve-se considerar a hipótese de mudança de cidade, ou de atividades profissionais em outra
região. Além dessa consideração literal, também seria prudente estar aberto à possibilidade de toda e

593
qualquer situação onde a idéia do novo esteja presente. Novos projetos, novos investimentos, novas
tentativas; tudo isso deverá ser considerado, mas é óbvio que a palavra final será do próprio Ìfá.

“Disseram que Bàtá deveria cumprimentar as pessoas”. Se Bàtá não tivesse sido extremamente
polido e cortês com as pessoas da nova cidade, certamente não conseguiria convencê-las a auxiliar Ñàngó.
Esse fato evidencia a importância da diplomacia e da educação, pois esses detalhes serão importantes para
o aumento das chances de prosperidade nesse Odù.

"Òrìñà fala sobre uma bênção de riquezas, de filhos e de vida longa". Como toda a estrutura do
ìtan evidencia, esse caminho de Ejìlà Ñëböra pode ser visto como um excelente presságio. As mais diversas
bênçãos e realizações poderão se manifestar na vida do consulente, desde que haja um claro entendimento
sobre todas as questões trazidas por Ìfá.

Ëbö

Quarenta e oito búzios


Dois galos
Dois pombos
Doze porretes
Um tambor Bàtá

Cometários sobre o ëbö

a) Em alguns outros ìtan onde há a presença de Ñàngó, porretes entram na composição do ëbö. É
muito provável que esses mesmos porretes sejam uma forma de representação do machado de Ñàngó, ou
até de um determinado cajado existente no culto desse Ëböra. Mas o que precisa ser destacado e que em
tais mitos, geralmente é com esses porretes, além de pedras, que Ñàngó enfrenta e vence seus inimigos. É
possível que nesse caso a presença dos mesmos seja apenas uma forma de evidenciar o caráter
conquistador e bélico de Ñàngó; mas embora não haja nenhuma citação textual no ìtan, seria prudente
considerar a hipótese de adversários, que de alguma forma impeçam ou dificultem a manifestação das
bênçãos inerentes a esse Odù.

b) Apesar de não ser uma oferenda comum, o ìtan diz que tal tambor é necessário no ëbö.
Certamente é mais um símbolo da importância que a amizade possui nesse caminho de Odù.

c) Esse ëbö visa a manifestação de prosperidade, prestígio e popularidade, numa realidade


semelhante à narrada no ìtan.

594
Ìká

Considerações gerais

A partir desse Odù, tudo aquilo que até então poderia ser considerado como “normal” perde
totalmente sua aplicabilidade. Ìká, Òtúrúpîn, Îfùnkànràn e Ìrëtû são Odù que na versão de Salàkï abordam
assuntos definitivamente incomuns à vida humana. Em Cuba não é dado ao sacerdote de Òrìñà o direito de
interpretação desses Odù, sendo que cabe a um babalawo essa árdua tarefa. Coincidentemente ou não, são
esses exatamente os Odù que receberam de Salàkï um restrito número de caminhos. Por uma questão de
prudência será importante que o awolòrìñà reconheça que a manifestação desses Odù representa
momentos de perigo para o consulente, e até para ele mesmo. Seguir à risca as orientações trazidas por Ìfá
será vital para que haja sucesso nas complexas questões que passarão a ser tratadas a partir desse
momento.

595
Na versão de Salàkï, Ìká possuiu apenas dois caminhos, o que torna menos complicado
compreender esse Odù em seus aspectos gerais. Entre todos os assuntos abordados em Ìká, o que é mais
evidente é a presença de Ñîpînná (Öbalúàiyé). Graças a esse fato, fica impossível desassociar esse Odù das
principais características desse Ëböra, da mesma forma que não é possível fazer o mesmo processo em
relação a Ñàngó e Ejìlà SËböra.
Nos caminhos de Ìká, Olúàiyé está presente, causando e curando doenças. É por essa razão que
doenças são a principal mensagem trazida por esse Odù. As doenças que aparecem nos ìtan são em geral
infecções, em razão do elemento febre, constantemente citado nos caminhos desse Odù. Mas a prudência
manda que se tome todo o cuidado com quaisquer tipos de moléstias, pois se acompanhadas por Ìká,
qualquer enfermidade passa a ser potencialmente letal.
Uma das particularidades das doenças que podem aparecer sob a influência de Ìká, é o fato de
possivelmente essas terem suas causas em atitudes espiritualmente equivocadas do passado. Tal
possibilidade existe devido ao fato de inicialmente as doenças geradas por Olúàiyé nos mitos serem devido
ao comportamento egoísta dos personagens dos ìtan. Ou seja, se doenças estiverem presentes quando Ìká
aparecer, possivelmente seja uma conseqüência de atitudes pretéritas do consulente, contrárias ao que
geralmente se entende por espiritualidade. Sob esse aspecto Ìká evidencia ser um Odù de considerável teor
cármico (o termo "cármico" será usado na falta de um termo similar em português ou ioruba).
Apesar das possibilidades abordas acima, não se pode esquecer que os personagens dos ìtan
conseguem se livrar das doenças através de oferendas, e também do reconhecimento de suas atitudes
equivocadas. Esse fato evidencia que apesar de potencialmente letais, as doenças que aparecerem sob Ìká
poderão ser curadas, se forem observados os conselhos trazidos por Ìfá, principalmente no que diz respeito
às obrigações rituais e a postura comportamental.
Doenças talvez sejam o único assunto de Ìká que pode ser considerado "não comportamental",
pois a maioria das demais informações trazidas por esse Odù parece estar relacionada ao comportamento
humano. Dentre todas essas informações, as que mais merecem destaque é a generosidade e o desapego.
Nos dois caminhos de Ìká são claras as citações que afirmam que o consulente deverá agir generosamente,
sempre dividindo aquilo que possuiu e mostrando um considerável desapego por suas posses. Devido a
esses fatores, não será surpresa se houver uma atmosfera de apego e egoísmo quando Ìká aparecer. É bom
ter em mente que as doenças e sofrimentos que aparecem nos caminhos desse Odù estão intimamente
relacionadas a castigos impostos por Òrìñà àqueles que teimam em manter uma conduta desprovida de
generosidade e gratidão.
Como já foi dito, será muito difícil desassociar o arquétipo de Olúàiyé do Odù Ìká, visto que esse
Ëböra aparece com grande força durante toda a extensão dos ìtan. Sob esse ponto de vista, a vingança
pode ser considerada uma das principais mensagens trazidas por esse Odù. Mas é preciso que fique bem
claro que o Odù não aconselha tal atitude, apenas pode-se esperar por estados mentais propensos à
vingança quando Ìká aparecer. Um pormenor muito importante nessa questão é que a "vingança" em si é
perpetrada por Olúàiyé, e tal fato é um indício de que as dificuldades que recaírem sobre o consulente
estarão intimamente relacionadas às conseqüências de suas atitudes pretéritas. Essa característica faz de Ìká
um típico Odù de "cobranças de Òrìñà", usando o termo comumente utilizado no Candomblé.
Um outro aspecto importante de Ìká que deve ser considerado é a possibilidade da restauração da
saúde necessitar de iniciação para ser completa. Se tal possibilidade for confirmada por Ìfá, ficará evidente
que Òrìñà terá participação direta no bem estar físico do consulente, sendo então muito provável que se

596
houver negligências em relação às obrigações litúrgicas, possivelmente as debilidades físicas tenderão a se
manifestarem novamente. Também se deve considerar a possibilidade da iniciação auxiliar o indivíduo a
desenvolver características comportamentais que são importantes para uma vida equilibrada sob a
influência de Ìká, em especial desapego material, generosidade e devoção espiritual.
Em um dos caminhos de Ìká, existe a informação de que Ölïrun é a Causa Suprema dos benefícios
que chegam à humanidade, sendo os Ìrúnmîlû os executores dos insondáveis desígnios do Altíssimo. Essa
informação está em perfeita harmonia com o pensamento ocultista, e é mais um indício de que as antigas
filosofias possuem uma raiz em comum. Sob outro aspecto, a presença de Ölïrun, mesmo que seja numa
breve citação, evidencia considerável espiritualidade. Especificamente em Ìká, a espiritualidade pode ser
sintetizada pela compreensão da natureza transcendente e imanente de Olódúmarè, pelo desenvolvimento
da generosidade, pelo desapego aos bens terrenos e pelo respeitoso culto a Òrìñà.
Apesar de todos os elementos que fazem de Ìká um Odù potencialmente perigoso, é importante
salientar que em seus dois caminhos os personagens atingem os objetivos levados a Ìfá. Isso evidencia que
a atmosfera de perigo inerente a esse Odù não inviabiliza o sucesso, e tal característica faz com que a
prosperidade seja uma de suas características. É óbvio que essa mesma prosperidade, caracterizada pela
ascensão de Olúàiyé ao trono, não se compara à intensidade dos demais assuntos abordados, mas é
suficientemente forte para deixar de ser considerada.
As opções de ëbö em Ìká são muito específicas, devido ao reduzido número de caminhos desse
Odù. Talvez fosse muito mais prudente fazer o ëbö prescrito do que montar um “presente” de
características genéricas, visto que o número de elementos usados nos ëbö para Ìká é consideravelmente
reduzido em relação a outros Odù.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Olúàiyé*
b) Îñun

597
* O nome original da divindade da varíola é fator de discussão há muito tempo. Nos Candomblés do Brasil não há a tradição do uso do
nome Ñîpînná. Muito pelo contrário, acredita-se que a simples menção desse nome favorece a manifestação dos aspectos mais
terríveis dessa divindade. A finalidade dessa obra não é gerar polêmica sem necessidade; por isso sempre que possível o termo
Ñîpînná será substituído por um outro, mais comumente usado nas comunidades religiosas de nosso país.

Ìká 1

Em tempos imemoriais existiu um reino onde Olúàiyé era um membro importante da sociedade.
Era um reino próspero, onde as pessoas dividiam todos os lucros obtidos com a lavoura, em guerras ou
heranças. Mas apesar disso, nunca davam a Olúàiyé a parte que lhe cabia. Desgostoso com essa situação ele
consultou um babalawo, que lhe aconselhou fazer uma oferenda à base de folhas, moscas e fogo, pois
assim seria possível reparar essa injustiça. Olúàiyé fez a oferenda prescrita, e bastava ele sacudir seu corpo
para surgir pústulas na pele das pessoas que geraram sua revolta. Desesperadas as pessoas correram a
consultar Ìfá, e lhes foi dito que para reverter tal calamidade, seria necessário dar algo a Olúàiyé, além de
pedir que ele lhes ajudasse. As pessoas seguiram a orientação do babalawo, dando a Olúàiyé a parte que
lhe cabia na repartição de todos os bens pertencentes ao reino. Também fizeram de Olúàiyé o novo rei,
chamando-o de Kábíyèsi (majestade) sempre que ele surgia. Dessa forma Olúàiyé conseguiu fazer seu nome
nesse mundo, a ponto de tornar-se rico e importante.

"Ìfá diz que é devido às nossas vidas que consultamos os búzios". Como fica claro nessa
passagem, há grandes riscos de morte quando esse Odù aparece. Muito provavelmente tais perigos estarão
relacionados a doenças, mas a prudência manda que se considere qualquer tipo de perigo,
independentemente de estarem ou não relacionado a doenças; como acidentes, brigas, perdas e
principalmente feitiços.

"Sempre que dividiam uma herança, não lembravam de Ñîpînná". É preciso estar atento às
verdadeiras causas dos males que assolaram os personagens, pois não foi primariamente o caráter
vingativo de Olúàiyé, e sim o egoísmo e apego material que são nítidos no ìtan. Se os personagens tivessem
repartido suas posses com Olúàiyé, muito provavelmente não lhes aconteceria nenhum mal. Apesar da
principal mensagem trazida por Ìká nesse caminho ser doenças e feitiços, é possível extrair informações de
caráter espiritual, pois se trata de um claro aviso sobre a necessidade de alteração de conduta e
desenvolvimento da generosidade. Sob outro ponto de vista, é evidente que questões judiciais (quer sejam
heranças ou não) possam estar presentes quando Ìká aparecer nesse caminho, assim como uma evidente
possibilidade de perdas.

"E fizeram um ògùn para Ñîpînná. Quando ele se balançava, pústulas apareciam na pela das
pessoas". Foi através desse preparo mágico que Olúàiyé trouxe a varíola às pessoas. Esse fato sugere a

598
possibilidade de feitiços, doenças ou qualquer outro tipo de má influência nesse caminho de Ìká. A
possibilidade de atitudes que caracterizem vingança também deverá ser considerada.

"Essa é a razão das crianças com marcas pedirem para Ñîpînná ajudá-las quando aparecem
pústulas em seus corpos". Segundo algumas fontes, determinadas características físicas determinam qual
divindade deverá ser cultuada por uma pessoa. Por exemplo: albinos e corcundas cultuam Òñàlá, pernetas
cultuam Îsànyìn, etc. Essa passagem dá a entender que pessoas que possuam marcas na pele semelhantes a
feridas deveriam cultuar Olúàiyé. A breve citação sobre crianças abre a possibilidade de haver algum
problema com eventuais filhos do consulente. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"Consultaram Ìfá para Ñîpînná; no dia em que ele ia fazer Ilà (marcas tribais)". A citação sobre
marcas tribais, correspondentes aos Gbûrû do Lûsû Òrìñà, pode ser uma alusão à necessidade de iniciação.
Se tal possibilidade possuir fundamento, ficará evidente que o definitivo processo de cura (ou reversão da
negatividade em geral) só se completará através da iniciação.

"Ñîpînná fez um nome para si no àiyé; ele tornou-se rei". O ìtan diz que as pessoas começaram a
cultuar Olúàiyé para que esse os livrasse das doenças. Foi um comportamento vingativo (embora justo) que
tornou possível o reconhecimento e a riqueza de Olúàiyé. Similarmente pode-se esperar por
comportamentos idênticos quando Ìká aparecer nesse caminho. Talvez seja necessária dureza para
enfrentar situações injustas inerentes a esse Odù. A coroação de Olúàiyé evidencia que esse Odù favorece
ascensão social e o sucesso, nas mais diferentes formas de expressão. Se Ìfá mostrar que os aspectos
negativos desse Odù superam os positivos, também deverá ser considerada a possibilidade de extorsão.

"Ìfá diz que bênçãos de filhos, dinheiro e vida longa são o que ele profetiza". Essas típicas
passagens de bênçãos evidenciam que a situação tende a se normalizar de forma satisfatória, se forem
tomados todos os cuidados que Ìfá mostrar. Também é uma evidência de toda a positividade que poderá se
manifestar quando Ìká aparece nesse caminho.

Ëbö

Sessenta e seis búzios


Uma cabra
Um òkété
Tudo o que estiver no corpo
Duzentas folhas
Duzentas moscas
Fogo

Comentários sobre o ëbö

599
a) A grande quantidade de búzios evidencia que o consulente deve pagar bem por esse ëbö. Essa
informação ganha ainda mais força graças ao fato de ter faltado generosidade aos personagens do ìtan. A
idéia é que ao pagar pelo ëbö, possa ter início um processo que culminará em prosperidade e futuras
atitudes generosas por parte do consulente, ou de quaisquer outras pessoas envolvidas nas questões
expostas no ìtan.

b) No ìtan aparece: "A cabra que for imolada, nós retiraremos todas suas vísceras, e as serviremos
aos Anciões". Apesar de não haver confirmação por parte de Salàkï, é possível que por Àgbàlagbà (Anciões)
possa-se entender "ancestrais". De qualquer forma, serão necessárias consultas específicas sobre o destino
das vísceras da cabra. Também não há nenhuma citação sobre de que forma as vísceras devem ser
oferecidas (cruas ou cozidas); caberá então ao awolòrìñà definir todos esses pormenores. Um detalhe que
talvez possa ser considerado é que no Brasil é muito conhecido o fato de Olúàiyé estar diretamente
relacionado a determinadas classes de ara îrun. Isso pode ser mais um indício de que as vísceras da cabra
deverão realmente ser ofertadas à coletividade dos ancestrais do consulente. Mas como já foi dito, serão
necessárias consultas preliminares antes de qualquer definição a esse respeito. A oferenda da cabra e do
òkété também pode ser uma forma do consulente se proteger do àñë que caracteriza a segunda parte da
oferenda, como já será visto.

c) A presença de roedores em ëbö geralmente denuncia algum tipo de negatividade. A simples


observação do ìtan evidencia que tal simbologia tem fundamento. No ìtan também aparece: "Essa pessoa
deverá oferecer um òkété, e colocar bastante dendê, para depois oferecê-lo a todos os Anciões". É muito
provável que o animal correspondente ao òkété africano deverá ser imolado como parte integrante do ëbö,
mas depois terá o mesmo destino das vísceras da cabra, como já foi visto acima. A presença de azeite de
dendê certamente visa atenuar a negatividade inerente a esse caminho de Ìká. Mas roedores também
representam abundância sobre a terra, o que caracteriza a real possibilidade de reversão do quadro de
negatividades, principalmente se for considerado o fato de que não apenas Olúàiyé recebe a parte que lhe
cabe na partilha, como é coroado o novo rei.

d) Por "tudo o que estiver no corpo", pode-se entender roupas, jóias, etc. A idéia parece ser de
livrar-se de qualquer objeto que tenha estado em contado com o corpo e que possivelmente carregue
algum resquício da negatividade (doença ou feitiço) que está impregnada ao consulente. Sob outro
aspecto, não deixa de ser um lembrete sobre desapego, que faltou às pessoas que constantemente lesavam
Olúàiyé em seus direitos.

e) As folhas, moscas e o fogo foram ofertados pelo próprio Olúàiyé, para que as pessoas
começassem a dar a ele o que lhe era de direito. As folhas evidenciam os problemas de saúde que podem
ser esperados quando há a presença desse caminho de Ìká, tendo em vista que era com elas que se fazia os
ògùn que poderiam salvar a vida de uma pessoa. As moscas são uma alusão às feridas purulentas causadas
pela varíola. É dito que as moscas voavam em volta de tais feridas. O fogo representa a febre, uma das
principais características do descontentamento de Îbalúaiyé (Baba Ìgbóná). Essa oferenda feita por Olúàiyé
agiu como um feitiço, e graças a tão importante particular, são grandes as chances de ocorrerem feitiços
quando Ìká estiver presente nesse caminho.

600
601
Ìká 2

Nos primórdios da criação, Olomi Gbígbóná (Senhor das águas quentes) e Olomi Tútù (Senhora
das águas frias) resolveram consultar Ìfá, desejosos de conseguir uma vida agradável no àiyé. O babalawo
jogou para ambos, e Ìká foi o que ele viu. Foi aconselhado aos consulentes que fizessem oferendas. O ëbö
de Olomi Gbígbóná era composto por água quente; enquanto o ëbö de Olomi Tútù era composto por água
fria. Depois que fizeram suas oferendas, ambos vieram do îrun para o àiyé. Assim que aqui chegaram, Olomi
Gbígbóná pegou os filhos das pessoas, e os emergiu em água quente. Os pais das crianças ficaram
desesperados, pois seus filhos passaram a apresentar um quadro febril que não cedia. Depois disso,
apareceu Olomi Tútù, dizendo que as crianças deveriam ser emersas em água fria. As pessoas seguiram seu
conselho, e em pouco tempo a febre baixou. Olomi Gbígbóna é aquele que chamamos Olúàiyé, e Olomi
Tútù é aquela que chamamos Îñun.Em sinal de gratidão, as pessoas passaram a cultuar essas duas
divindades.

"Ìfá diz que é por sua vida que essa pessoa consulta os búzios". O ìtan deixa claro que perigos
estarão presentes quando Ìká se manifesta. Nesse caminho. Como uma óbvia característica desse Odù, a
principal forma de perigo são doenças, representadas pela febre das crianças do ìtan. Muito provavelmente
os infortúnios inerentes a esse Odù possuem um fundo espiritual, como será visto mais à frente.

"Ìfá diz que todas as coisas que essa pessoa possuiu, devem ser divididas ao meio, se não quiser
perder tudo. Ìfá diz que ela tem em sua casa, num ëbö, devem ser divididas ao meio". Como já foi dito, a
aparição de Ìká no àtë invariavelmente representa perigos, que nesse caso são doenças e perdas. Mas é
preciso destacar que além de enfermidades e perdas, generosidade e desapego também são mensagens
trazidas por Ìká nesse caminho de Odù. E possível que essa incomum informação trazida por Òrìñà tenha
relação com o fato de juntos, Îñun e Olúàiyé terem trabalhado para conduzir o povo do ìtan à
espiritualidade. Mas independentemente de ser esse ou não o motivo para a divisão dos bens, o fato é que
caridade, desapego e renúncia deverão estar presentes quando esse Odù se manifestar, pois especulações
sobre o porquê de tal recado poderiam mostrar-se improfícuas.

“Eles disseram, ‘O que podemos fazer para que nossa vida seja boa?”. A questão levada por
Îñun e Olúàiyé a Ìfá evidencia que preocupações materiais estarão presentes quando Ìká se manifestar nesse
caminho. O sucesso dessas divindades, representado pelo fato de elas começarem a ser cultuadas,
evidencia as reais chances de se atingir uma existência equilibrada, apesar dos consideráveis aspectos
negativos desse Odù. É óbvio que para tal, será necessária uma profunda compreensão dos complexos
assuntos aqui abordados.

602
“Então Ñîpînná pegou algumas crianças, e as mergulhou na água quente”. Não há nada
explícito no ìtan que confirme, mas as atitudes de Olúàiyé e Îñun podem, sob certos pontos de vista, serem
consideradas como um ardil. Ambos se serviram de suas principais características (quentura e frescor) para
atingir seus objetivos. Considerando-se o fato de que esse Odù aconselha a dividir o que se tem, é muito
provável que agindo com um outro alguém, seja possível conseguir melhores chances de atingir objetivos
pessoais. Esse assunto é por demais complexo, para não dizer polêmico, mas se Ìfá assim o confirmar, é
possível que o ditado “O fim justifica os meios” se aplique a esse caso. É óbvio que isso não é uma
autorização para práticas ilícitas ou desonestas, mas é prudente considerar a hipótese do consulente estar
numa complicadíssima situação em sua existência, onde atitudes semelhantes às das divindades do ìtan
sejam necessárias, para evitar um mal maior. Dentro dessa hipótese, o fim que justificou o meio é
representado pelo pela atitude devocional das pessoas, que apesar dos caminhos tortuosos, passaram a
desenvolver particularidades elevadas da alma, que ainda precisam da religião para despertar, se
desenvolver e conduzir o homem à santidade, que é seu destino. Apesar de todas as possibilidades
interpretativas, é óbvio que o literal não deve ser menosprezado, e isso significa que são consideráveis as
chances de crianças, especialmente eventuais filhos do consulente, apresentarem quadros de enfermidades.

“Îñun emergiu as crianças nas águas frias. Disseram, ‘Oh! Foi Ölïrun que fez isso’”. Sob
certos aspectos pode-se considerar que Olúàiyé é o fator de dor desse Odù, enquanto Îñun é o alívio da
mesma. Mas a dor gerada por Olúàiyé certamente visa o amadurecimento espiritual, simbolizado pela
gratidão que posteriormente as pessoas demonstraram a esses Ëböra. Analisando todos esses fatos, pode-
se esperar por momentos de considerável sofrimento na vida do consulente, que terminarão assim que esse
voltar seus olhos para a espiritualidade, representada aqui pela Santíssima citação de um dos nomes do
Amado. Também é preciso salientar que apesar da participação de Òrìñà, é dito que Ölïrun é a causa da cura
das crianças. Esse fato evidencia que há entre os iorubas a noção de que Ölïrun é a causa última de todos os
benefícios, sendo os Òrìñà uma das várias classes de seres espirituais que nos trazem as bênçãos Dele. Um
outro ponto a ser destacado nessa passagem é que geralmente citações sobre Ölïrun exprimem e
favorecem profunda espiritualidade.

"Foi assim que começaram a servir a esses dois no àiyé". A atitude devocional das pessoas em
relação a Îñun e Olúàiyé é um forte indício sobre a necessidade de iniciação. Se Ìfá confirmar essa
importante informação, ficará evidente que além de representar profunda gratidão, a iniciação poderá ser
vista como continuidade do processo de cura, e num plano mais metafísico, de espiritualização. Se o
consulente já for uma pessoa iniciada, ficará evidente a necessidade de estreitamento de laços em relação a
Òrìñà. Em razão de tudo o que foi explanado, é desnecessário dizer que tais observações podem aplicar-se
também aos filhos do consulente, se Ìfá assim o confirmar.

Ëbö

Uma cabra
Água quente

603
Água fria

Comentários sobre o ëbö

a) Cabras representam a abundância da vida. Sua utilização nessa oferenda a Ìká é óbvia, em razão
dos perigos representados por doenças.

b) As águas necessárias a essa oferenda aludem ao ëbö oferecido por Îñun e Olúàiyé. É preciso
salientar que essa mesma oferenda foi recomenda a ambos "para que suas vidas fossem boas". Esse fato
evidencia que apesar dos aspectos negativos desse Odù, também serão possíveis realizações positivas,
principalmente se for considerado o fato de “Água” representar abundância e riqueza material. É óbvio
que a manifestação da positividade que representará “uma vida agradável” dependerá do claro
entendimento sobre todas as questões já abordadas.

c) Como um preceito complementar, já foi dito que esse Odù exige renúncia por parte do
consulente, simbolizada pela necessidade de doar metade de seus pertences. Os detalhes sobre a doação
em questão poderão ser definidos em comum acordo por awolòrìñà e pelo próprio consulente, mas o
importante é ter em mente que sem o cumprimento desse preceito, por mais incomum que o mesmo possa
parecer, não será prudente esperar pelas bênçãos desse Odù. Muito pelo contrário, o normal será que a
negatividade do mesmo (“perder tudo”) se estabeleça na vida do incauto consulente que não seguir as
orientações aqui expostas. A realização do ëbö, sem o seguimento desse preceito, representará ritualismo
vazio, visto que não favorecerá em nada a espiritualidade do consulente. Somente através de auto-exame
será possível entender os reais motivos de Òrìñà em exigir tão acerbo ato de renúncia.

Òtúrúpîn

Considerações gerais

Todo Odù traz consigo uma mensagem mais contundente, destacando-o nesse aspecto em
relação aos demais. No caso de Òtúrúpîn, o destaque será aqui chamado de transtornos de amizade.
A única razão para usar essa expressão, ao invés de simplesmente inimizade, é o fato de existir em
um dos caminhos de Òtúrúpîn um clima de amizade, mas que infelizmente não se sustenta e acaba se
transformando numa funesta inimizade. Ou seja, existindo a influência de Òtúrúpîn numa situação, a
tendência é que as amizades do consulente estejam em crise, para não dizer em risco. Esse assunto
merecerá toda a atenção devida, pois a inimizade nesse Odù resulta em morte e evidente prejuízo para uma
das partes. Todas essas características de Òtúrúpîn evidenciam que, apesar de outros Odù falarem de

604
inimigos ou crises de relacionamento, em nenhum outro momento isso é tão poderoso e negativo do que
quando Òtúrúpîn se manifesta. Se assim o é, desnecessário é dizer que todos os esforços possíveis deverão
ser mobilizados para impedir que toda a negatividade inerente a esse Odù se manifeste na vida do
consulente; e se isso já não for possível, para que pelo menos as conseqüências não sejam tão ruins.
Além dos transtornos de amizade, um outro assunto que aparece nos dois caminhos de Òtúrúpîn
é a negligência em relação às oferendas prescritas. Como já foi demonstrada várias vezes no decorrer dessa
obra, essas negligências caracterizam erros de discernimento e falta de sabedoria, e invariavelmente
conduzem a consideráveis sofrimentos. Especificamente nesse caso, os personagens envolvidos na questão
acreditaram que as oferendas prescritas eram completamente sem sentido; que a situação proposta por Ìfá
era ridícula, algo que jamais poderia acontecer. Sob certos pontos de vista esse quadro mental pode
caracterizar vaidade intelectual, pois mesmo que não se tenha consciência disso, é como se o consulente
acreditasse ser mais sábio do que a vetusta tradição oracular iorubana. Esse tipo de vaidade intelectual é
muito mais perniciosa do que a simples vaidade física, simplesmente porque suas conseqüências costumam
ser bem piores. É bom ter em mente que os dois personagens que não fizeram as oferendas prescritas
simplesmente morreram. Graças a esses fatos fica evidente a necessidade de desenvolver sabedoria quando
Òtúrúpîn aparece. A negligência em relação às oferendas também abre a possibilidade de ocorrerem
problemas com Èñù, pois esse é conhecido por cobrar (às vezes duramente) aqueles que consultam Ìfá, mas
não seguem as orientações do mesmo. O importante é que fique claro ao consulente que numa eventual
descrença em relação ao que Ìfá mostrar, não há razões para acreditar que sua sorte será diferente dos
personagens em questão.
Mas nem só de negatividade vive Òtúrpupîn. Nos dois caminhos aqui analisados há citações sobre
bênçãos, além de uma evidente possibilidade de se atingir uma situação social satisfatória. É óbvio que em
função das demais características desse Odù, não será fácil atingir as citadas bênçãos; mas nada que
esforço, sabedoria, retidão comportamental e boa vontade não possam resolver. Ou seja, apesar de todos
os elementos potencialmente negativos já abordados, Òtúrúpîn também nos fala de bênçãos e uma latente
felicidade, mas que certamente necessitarão de retidão comportamental ( Egún) e de sabedoria (Îrúnmìlà)
para se manifestarem.
Òtúrúpîn também é um Odù de desafios, sejam esses objetivos ou subjetivos. Tais desafios são
imensos, e só serão vencidos com muito custo e algum sofrimento. É um Odù para auto-afirmação, onde o
indivíduo deve traçar as normas e prioridades de sua vida. A reflexão introspectiva poderá ser de grande
valia, pois a solução estará na obstinação e na certeza de que os objetivos valem a pena. Entrar em contato
com os aspectos mais negativos da própria personalidade também poderá ser útil em tais momentos, pois
será preciso conhecer esses aspectos da personalidade para compreendê-los e transcendê-los.
Por tratar-se de um Odù com pequena quantidade de caminhos (na versão de Salàkï), não parece
apropriado tratar em “Considerações Gerais” dos demais assuntos abordados por Òtúrúpîn, assim como
de citar uma “Oferenda presente”. O mais correto talvez seja considerar que todas as demais informações
por ele trazidas devam ser analisadas sob a óptica do caminho que as traz. Um assunto que talvez mereça
exceção diz respeito à citação de Òkè Ìpînrí. Apesar de só aparecer em um caminho, provavelmente ela
pode se aplicar à integralidade desse Odù. É provável que para lidar com a negatividade já abordada, assim
como para atrair as bênçãos citadas, o ideal seria a devoção a Òrìñà, que em alguns casos pode levar até a
iniciação. Sendo um devoto certamente o consulente teria um considerável respaldo espiritual; uma fonte

605
de proteção e inspiração, que por sua vez favoreceria a manifestação da sabedoria, algo assaz necessário
quando esse Odù se manifesta.
As divindades citadas por Salàkï são:

a) Egún
b) Èñù
c) Îsànyìn
d) Îrúnmìlà

606
Òtúrúpîn 1

Àgùnfön era amigo de Egún Ëlýrù (uma espécie de Egún que carrega um fardo sobre a cabeça).
Numa determinada ocasião, esses dois amigos resolveram consultar Ìfá. Quando o babalawo jogou,
Òtúrúpîn foi o que ele viu. Dessa forma foi dito aos dois amigos que eles deveriam oferecer um ëbö, para
um que um não desejasse matar o outro. Àgùnfön achou um absurdo as palavras do babalawo, e se negou
peremptoriamente a fazer a oferenda prescrita. Èñù ficou sabendo da decisão dos amigos, e ainda os
aconselhou a fazer a oferenda, mas ambos mantiveram-se resolutos em não fazê-la. Chegou a época do
ano em que Egún Ëlýrù fazia sua aparição pública, e como de costume, seu amigo Àgùnfön sairia à sua
frente. Tudo estava correndo normalmente, até que os Onilù (tocadores de atabaque) começaram a beber
vinho de palma em abundância. Depois disso, em meio ao frenético ritmo dos atabaques, eles começaram a
dizer a Egún que esse deveria se comportar de forma diferente ao que estava acostumado; que deveria
cortar a cabeça de seu amigo. A repetição do ritmo dos tambores, juntamente com as palavras dos Onilù,
começaram a entrar na cabeça de Egún, que no ápice da festa deixou se levar pela situação, e com a espada
que levava em suas mãos decapitou o amigo. Èñù dançava e regozijava com a desgraça que havia se
abatido sobre os incautos amigos.

"Isso é quando Ìfá diz que dois amigos devem oferecer um ëbö, para que um não mate o
outro". Analisando a estrutura do ìtan é fácil perceber que devido a influência desse Odù, trata-se de um
momento onde as amizades correm perigo. Mesmo que o trágico desfecho do ìtan não ocorra, a lógica
sugere que se não forem tomados os devidos cuidados, dificilmente a amizade em questão sobreviverá à
crise que sobre ela se abaterá. Por mais que seja difícil aceitar a gravidade das conseqüências expressas no
Odù, a prudência manda considerar toda negatividade inerente a esse Odù, e isso faz desse caminho de
Òtúrúpîn um perigoso presságio.

"Essas pessoas não sabem o que estão dizendo. Meu amigo matar-me?" A incredulidade de
Àgùnfön pode muito bem representar a possível reação do consulente. Mas Ìfá não erra, e apesar das
probabilidades serem contrárias, o risco de um amigo prejudicar o outro existe e deve ser considerado.

607
Quanto a esse detalhe, é importante notar que nem Egún nem Àgùnfön desejaram se tornar inimigos, mas a
desgraça aconteceu em virtude de influências externas, como será visto mais adiante.

"Èñù disse: Vocês não ofereceram o ëbö". É comum a aparição de Èñù em situações em que o
personagem recusa-se a fazer a oferenda prescrita. Tal recusa pode caracterizar ignorância espiritual,
orgulho, falta de afinidade com a religião de Òrìñà ou simplesmente inconseqüência. O fato é que várias e
dolorosas surpresas esperarão aquele que a princípio não acredita na negatividade desse Odù.

“Àgùnfön dançava, enquanto os Onilù tomavam vinho de palma”. Não há nada no ìtan que
afirme, mas essa passagem abre a possibilidade, mesmo que remota, de álcool ou substâncias
entorpecentes em geral possuírem alguma relação com os malefícios inerentes a esse Odù. Como já foi dito,
não há nada literal que expresse tal pensamento, mas numa situação tão negativa seria prudente considerar
tal hipótese.

"Os tambores diziam: Corte fora a cabeça dele. Egún decapitou Àgùnfön". Incitado pelos
tambores, Egún matou seu amigo. Da mesma forma, deve-se estar atento à possibilidade de terceiras
influências para o prejuízo da amizade, quer seja através de maledicência, ciúmes, calúnia ou até feitiços.
Sob outro ponto de vista, ser decapitado simboliza a perda de Orí, ou seja, perder o rumo e o discernimento
para agir. O fato de Àgùnfön não ter feito a oferenda prescrita (o que geralmente caracteriza falta de
discernimento) abre essa possibilidade de interpretação. É possível que o consulente não esteja em
harmonia com sua realidade espiritual e seu destino pessoal. Também é preciso salientar que de forma
geral, Egún (e a ancestralidade como um todo) está diretamente associado à ética comportamental do
indivíduo ou de uma comunidade. Sua presença no ìtan, como um elemento que causa dor, pode ser um
indício de que o atual comportamento do consulente não esteja em sintonia com a retidão representada
pelos ancestrais. Ainda no campo das suposições, é provável que a ação exercida pelos atabaques sobre
Egún possa ser considerada como uma espécie de feitiço. Nesse caso, ficaria ainda mais evidente a
influência externa sobre a amizade em questão. É óbvio que todas essas questões, em virtude da gravidade
de seus conteúdos, deverão ser confirmadas por Ìfá.

“Èñù dançava e regozijava. Òrìñà fala de uma bênção de dinheiro, de filhos e de vida longa”.
Como já foi visto outras vezes, Èñù representa todas as bênçãos e sofrimentos que o ser humano faz por
merecer. Sua atitude de regozijo nesse caso evidencia que de fato erros de caráter espiritual foram
cometidos. Considerando tal fato, seria prudente que o consulente procurasse reavaliar suas atitudes e
pensamentos, para que tristezas semelhantes às do ìtan não se manifestem em sua vida. As bênçãos
prometidas por Òrìñà evidenciam toda a positividade reservada àquele que, em face de todas essas
informações, agir com prudência e sabedoria, quer seja fazendo a oferenda prescrita, ou agindo de forma
diametralmente oposta aos personagens do ìtan.

Ëbö

Uma espada

608
Comentários sobre o ëbö

a) A ausência de búzios sugere que não se deve cobrar para fazer esse ëbö. A oferenda é
essencialmente simbólica, servindo apenas como um lembrete à possibilidade de lutas e discórdias nas
amizades do consulente. Um fato que merece consideração é que a espada a ser oferecida por Egún era um
de suas ferramentas de mão, apresentadas ao povo no momento das aparições públicas. Sob certas
condições, essa oferenda poderá simbolizar renúncia. Essa virtude por sua vez, poderá favorecer a não
existência dos males e sofrimentos inerentes a esse caminho de Òtúrúpîn.

Òtúrúpîn 2

609
Houve ume época que Îsànyìn e Îrúnmìlà prestavam seus serviços a um poderoso rei; um tratando
de doenças, outro vaticinando. Numa determinada ocasião, Îrúnmìlà deixou escapar que ele era mais
poderoso que qualquer ògùn. Îñànyìn ficou sabendo e não gostou nada da história, indo tirar satisfação
com Îrúnmìlà. O adivinho não retirou o que disse, e a inimizade entre os dois apareceu. Disposto a
desmascarar Îrúnmìlà, Îsànyìn o desafiou a ficar, assim como ele, um grande período de tempo enterrado. O
mais poderoso certamente sobreviveria, e assim todos conheceriam a real força de adivinhos e curandeiros.
Îrúnmìlà aceitou o desafio, mas assim que ficou sozinho, foi consultar Ìfá. O Òkè Ìpînrí de Îrúnmìlà mostrou
Òtúrúpîn, e os adivinhos disseram que a viagem que ele estava prestes a fazer, era uma viagem sem volta.
Para que tudo corresse bem, uma grande oferenda foi prescrita a Îrúnmìlà, que a fez corretamente, sem
esquecer nenhum item. Também foi dito que no local onde ocorreria a disputa, os devotos de Îrúnmìlà
deveriam oferecer inhame a seu Òkè Ìpînrí, isso diariamente, pela manhã e ao anoitecer, até que Îrúnmìlà
voltasse. Entre todos os elementos da complexa oferenda existiam duas cabras, dois caranguejos e dois
òkété. Os adivinhos ficaram com cada um desses animais, devolvendo o outro a Îrúnmlà. A cabra ele deveria
oferecer a seu Òkè Ìpînrí, enquanto o caranguejo e o òkété seriam úteis com o tempo. Então chegou o dia
em que Îrúnmìlà e Îsànyìn seriam enterrados nos buracos. Antes que Îrúnmìlà entrasse, os adivinhos lhe
recomendaram esconder o caranguejo e o òkété em suas roupas. Quando os dois já estavam enterrados, os
animais abandonaram as roupas de Îrúnmìlà. O caranguejo cavou até encontrar água, enquanto o òkété
abriu caminho até o local onde os devotos de Îrúnmìlà foram incumbidos de fazer oferendas diárias.
Îrúnmìlà bebia da água que caranguejo havia encontrado, e òkété lhe trazia comida todos os dias. Assim se
passaram trezentos e vinte dias, que foi o prazo estipulado para o desenterro dos dois. Naquela época, os
agogôs pertenciam aos devotos de Îsànyìn. Tocando esse instrumento eles chamaram por seu senhor, que
não respondeu. Os devotos de Îrúnmìlà possuíam o tambor aràn. Eles tocaram o instrumento sagrado, e
Îrúnmìlà respondeu. Pegaram uma enxada para desenterrar Îsànyìn, mas as únicas coisas que encontraram
foram varas de ferro, tecido, jarros e potes. Os devotos de Îsànyìn choravam desconsoladamente.
Compadecido Îrúnmìlà pediu para que não chorassem, pois ele os ensinaria a evocar o senhor das folhas.
Ele pediu que trouxessem vários elementos, entre eles um ñýrû, que à partir daquele momento seria usado
para invocar Îsànyìn. O agogô que era usado para Îsànyìn ficou pertencendo a Îrúnmìlà, que passou a ser
chamado de “A jý jù ògùn”, Aquele que é mais poderoso que ògùn (infusão de folhas).`É por isso que se
diz que ëbö é mais poderoso que ògùn.

“Îsànyìn e Îrúnmìlà trabalhavam para o rei. Îsànyìn disse, ‘Quem é aquela pessoa negra, que
me desafia dizendo que é tão forte quanto ógún?’ Eles partiram, mas a inimizade entre eles
continuou”. Como o ìtan evidencia, Îsànyìn e Îrúnmìlà trabalhavam para um poderoso rei. Baseando-se na
essência do ìtan, é óbvio que disputas estarão presentes quando Òtúrúpîn se manifestar nesse caminho; e
considerando-se as atividades dos personagens, muito provavelmente tais disputas se estenderão aos
aspectos profissionais da vida do consulente. O que precisa ser salientado é que não se trata de uma
disputa sadia, pois a animosidade é explícita no ìtan.

“Îsànyìn disse, ‘Se você acha que sou mentiroso, vamos nos enterrar no chão por trezentos e
vinte dias, a partir de hoje’”. Essa passagem evidencia com clareza até que ponto as disputas podem
chegar sob a influência desse Odù. Como já foi dito, à primeira vista é óbvio que tais disputas estejam
relacionadas a questões profissionais, mas a atitude de Îsànyìn evidencia as reais chances da questão

610
tornar-se pessoal. Mais uma vez é importante apontar para a considerável animosidade inerente a esse
caminho de Òtúrúpîn.

“Îrúnmìlà levou as mãos à cabeça e foi aos adivinhos. Seu Òkè Ìpînrí não mostrou sete, não
mostrou quatorze. Òtúrúpîn foi o que ele mostrou”. Vários são os mitos em que Îrúnmìlà evidencia sua
sabedoria. Especificamente nesse caso, tal sabedoria é caracterizada por sua atitude em consultar Ìfá.
Seguindo essa linha de raciocínio fica evidente que se o consulente procurar orientação espiritual,
certamente terá melhores chances de ter sucesso em tão complexa situação. Mas é importante que fique
claro que só ouvir o que Ìfá diz, sem fazer o que ele manda, certamente não exprime a sabedoria muitas
vezes representada por Îrúnmìlà.

"Essa é uma viagem sem retorno, mas você irá e retornará". Certamente não seria uma atitude
honesta não deixar claro ao consulente que uma fase de considerável sofrimento se estabelecerá em sua
vida. Mesmo tendo saindo vitorioso, Îrúnmìlà sofreu consideravelmente durante o longo período em que
ficou confinado. É importante salientar que o sucesso de Îrúnmìlà favoreceu consideravelmente sua fama;
algo que para um adivinho é fundamental. Todos esses fatos mostram que dores e dificuldades
provavelmente não poderão ser evitadas, mas com astúcia e sabedoria haverá êxito, cujas conseqüências
acompanharão o consulente até o final de seus dias.

“O adivinho disse, ‘Todos os dias arreie comida três vezes ao dia a seu Òkè Ìpînrí, até que
você volte’”. Na grande maioria dos casos a citação sobre Òkè Ìpînrí é um indício de que o consulente é
ou deveria ser iniciado. É evidente que o grande desafio que se estabelecerá em sua vida só será vencido
através de considerável auxílio espiritual, caracterizado pelas oferendas em questão. Todos esses fatos
evidenciam o quanto a ancestralidade, os Òrìñà e principalmente Olódúmarè serão importantes a partir do
momento que Òtúrúpîn se manifesta nesse caminho.

"E eles foram enterrados". É interessante o fato de Îrúnmìlà e Îsànyìn terem sido enterrados. Entre
os iniciados da antiguidade, existiam ritos de ascensão hierárquica sacerdotal em que o iniciando era
enterrado ou crucificado, simbolizando assim sua morte para o profano e seu renascimento para o sagrado.
Acompanhado esses ritos surgiam estados mentais especiais, que por sua vez favoreciam a recepção de
informações secretas sobre a realidade do espírito e da natureza material. É bom ter em mente que a
disputa não era apenas entre Îrúnmìlà e Îsànyìn; mas também entre as atividades religiosas simbolizadas
pelos dois, ou seja, o uso de ëbö ou de folhas. Todos esses fatos sugerem que o consulente esteja num
momento crucial de sua existência, onde o sucesso ou o fracasso dependerá principalmente da importância
que for dada à sua espiritualidade e ancestralidade, representada no ìtan pelas oferendas a Òkè Ìpînrí. É
importante que fique claro que Îrúnmìlà triunfou, e que o consulente pode ter a mesma sorte, se agir de
forma sábia e prudente como o grande Oluwo. Analisando sob outro ponto de vista, além da óbvia
atmosfera funesta, o confinamento de Îsànyìn e Îrúnmìlà pode representar prisão ou algo semelhante.
Seriam prudentes consultas nesse sentido.

"A pele do tomate não permite que seus intestinos sejam vistos. O caranguejo cavou até
conseguir água. O òkété ia até o local onde os devotos arreavam oferendas ao Òkè Ìpînrí de Îrúnmìlà, e

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trazia comida". Os meios usados por Îrúnmìlà para sobreviver durante os trezentos e vinte dias mostram a
importância da astúcia na situação. Por outro lado, podem também representar engodos ou
desonestidades. O fato é que alguma informação está sendo ou deverá ser cuidadosamente guardada,
como se fosse um trunfo. Essa possibilidade diz respeito ao comportamento de Îrúnmìlà para vencer a
disputa. Caberá ao awolòrìñà definir qual entre essas possibilidades interpretativas encaixa-se melhor à
realidade do consulente. O auxílio que Îrúnmìlà recebeu de seus devotos e dos animais evidencia a
importância do auxílio de outrem durante esse perigoso período. Se Ìfá confirmar essa última possibilidade
interpretativa, caberá ao próprio consulente descobrir quem seriam as pessoas que melhor se encaixariam à
realidade expressa no ìtan.

“Îsànyìn disse, ‘ëbö? Que ëbö?’ Ele não fez nenhuma oferenda. Quando abriram o buraco, a
terra o havia comido”. Sempre que um personagem de ìtan recusa-se a fazer as oferendas prescritas
invariavelmente depara-se com o sofrimento. O caso de Îsànyìn não foi uma exceção à regra. Como já foi
salientado, será preciso um considerável devotamento espiritual para atravessar as dificuldades expressas
por esse Odù; e a atitude de Îsànyìn em nada se harmoniza com esse fato. Acreditar que sozinho será
possível vencer a grande batalha que se aproxima, poderá ser considerado como um ato de considerável
ignorância espiritual, cuja conseqüência pode ser desastrosa, para não dizer funesta. Pois a morte de Îsànyìn
torna necessárias consultas sobre uma possível influência de Ìkú na situação.

"Îrúnmìlà disse, ‘Não chorem. Vão e tragam um ñýrû, um cajado e dois pássaros". Îrúnmìlà não
tripudia sobre o sofrimento dos devotos de Îsànyìn. Pelo contrário, ele lhes ensina como fazer para invocar o
deus das folhas, que já havia voltado ao îrun. Esse fato mostra a grandeza de espírito e a natureza
conciliadora de Îrúnmìlà; atitudes louváveis que deverão fazer parte da situação assim que possível.
Analisando por outro prisma, a atitude de Îrúnmìlà não deixa de ser uma artimanha inteligente, pois dessa
forma ele conseguiu atrair para si o respeito e admiração dos devotos de seu desafeto. Tal fato mostra a
força da diplomacia e até da política na situação, além de significar a necessidade de trabalhar em pró dos
bons relacionamentos.

Ëbö

Oitenta e quatro búzios


Duas cabras
Dois òkété
Dois caranguejos
Duas galinhas
Dois pombos
Dois tecidos brancos
Inhame

Comentários sobre o ëbö

612
a) Segundo o ìtan, o oficiante do rito deverá reter para si uma das cabras, um dos òkété, um dos
caranguejos e um dos tecidos. A cabra restante o consulente deverá oferecer a seu Òkè Ìpînrí. O preá e o
caranguejo restantes não deverão ser imolados, pois o mesmo não ocorre no ìtan, sendo esses animais os
principais auxiliadores de ÎrúnmIlà. Não há nenhuma citação especial sobre os outros animais, o que dá a
entender que sua utilização será normal. Não é dito o que o adivinho do ìtan faz com os animais e o tecido
que reteve para si; mas considerando-se a negatividade desse Odù, é muito provável que uma oferenda à
parte tenha sido realizada, no intuito do oficiante não atrair para si nenhuma espécie de prejuízo espiritual.
É óbvio que serão necessárias consultas nesse sentido, mas a princípio essa parece ser a possibilidade mais
lógica, principalmente se for considerado o fato de que tanto roedores como caranguejos são animais que
representam consideráveis formas de negatividade, como doenças, feitiços, inveja e outras mais.

b) Ainda conforme o ìtan, o tecido que o oficiante do rito não reter para si, deverá ser usado pelo
consulente, pois o mesmo ocorreu no ìtan com Îrúnmìlà. Sempre que tecidos fazem parte de uma oferenda,
há chances da ancestralidade ou descendência do consulente ter alguma relação com a situação. A
ancestralidade já está representada pelas citações de Òkè Ìpînrí, restando então consultas sobre os
descendentes em questão.

c) O inhame foi a oferenda feita ao Òkè Ìpînrí de Îrúnmìlà por seus devotos, até que ele
“retornasse de sua viagem”. Isso evidencia que o inhame em questão deverá ser oferecido ao Òkè Ìpînrí
do consulente. Considerando-se as duas oferendas prescritas para esse fim (a cabra e o inhame) será menos
difícil para o awolòrìñà descobrir importantes detalhes da espiritualidade do consulente, simbolizados pelo
complexo e abrangente termo “Òkè Ìpînrí”.

d) A finalidade dessa complexa oferenda é conseguir vitória, numa situação aparentemente sem
saída, principalmente se a morte ou a perdição estiver envolvida.

Òfúnkànràn

Primeiramete parece importante deixar claro que o nome Òfúnkànràn refere-se a um Odù
específico de Ìfá, que nasce da união de Òfún com Îkànràn. Não há como conhecer as razões que levaram
Sàlàkî a usar essa denominação, que aparentemente e por analogia refere-se ao Odù Òtùrà.
Òfúnkànràn não traz nenhum ìtan, e isso é o que o distingue da maioria dos outros Odù. Ele narra
uma complexa oferenda, cuja cor dos animais e a distribuição de búzios evidenciam quais os vínculos e as

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principais particularidades desse Odù. O autor achou por bem disponibilizar a narrativa na íntegra, devido
seu peculiar conteúdo.
A tradição oracular lucumi, que uma abordagem desapaixonada certamente mostrará como uma
das mais coerentes, ensina que até o décimo terceiro Odù (Ìká), o zelador de Òrìñà tem condições técnicas
de resolver as questões que aparecerem. Daí em diante, apenas um babalawo poderá dar a devida
assistência. No Sistema Salàkï as histórias vão até o décimo quarto Odù, pois os restantes não abordam
necessariamente uma narrativa com princípio, meio e fim. Não há nenhuma indicação dos porquês das
oferendas a serem realizadas, mas apenas as conseqüências das realizações litúrgicas; sempre positivas.
Essa interessante proximidade entre a obra aqui exposta e as tradições afro-cubanas pode até ser
coincidência, mas as chances de não ser são maiores. Também é importante salientar que a partir do
décimo segundo Odù (Ejìlà Ñëböra), todas as demais “caídas” dos búzios são consideradas raras,
portanto carecem de cuidados especiais. As divindades que zelam pela prática oracular poderiam trazer as
mesmas informações por caminhos mais “normais”; se assim não o fizeram, certamente têm seus
motivos, que a lógica aponta como merecedores de acurada observância.
Mesmo não trazendo uma história completa, Òfúnkànràn é um Odù extremamente complexo, que
evidencia a necessidade de um culto familiar a uma divindade, muito provavelmente um Òrìñà Funfun. O
culto a essa divindade, se prestado dentro dos parâmetros expostos por esse Odù, certamente redundará
em consideráveis benefícios ao consulente. Os detalhes desse culto envolvem elementos importantes,
principalmente da ancestralidade do consulente. A observação de cada um dos pormenores certamente
não será fácil, mas o conjunto de tais cuidados será a garantia de sucesso, saúde e prosperidade, como
convém a uma tradição cultural e religiosa que visa o bem estar holístico do indivíduo.
Se o conteúdo ancestral de Òfúnkànràn é considerável, então também o será a observância das
questões comportamentais e éticas, pois na cultura nagô-ioruba, os ancestrais são vistos como guardiões
de tais preceitos, punindo ou beneficiando seus descendentes, em virtude do comportamento dos mesmos.
É importante que fique claro que mesmo havendo a observância adequada em relação às questões
litúrgicas abordadas por Òfúnkànràn, a ausência do comportamento ético-espiritual certamente
inviabilizará a manifestação das bênçãos inerentes a esse Odù. Desassociar liturgia de comportamento é um
grande erro, que infelizmente ocorre entre a grande parte dos devotos de Òrìñà.
Tão importante quanto as questões ancestrais em Òfúnkànràn, é a consciência de que essa
mesma ancestralidade se manifesta pelos “caminhos dos Funfun”. Há um mito que explica claramente a
relação de Olófin com o poder ancestral feminino (Ìyá Odù) e masculino (Egún); logo não há nenhuma
surpresa em relação à tamanha ancestralidade numa situação “regida” por divindades brancas. O mais
importante é observar que a influência dessas divindades poderá ser um fator de auxílio para a manutenção
do comportamento ético-espiritual já citado. Também são muitos os mitos que mostram a ligação dos
Òrìñà Funfun com a espiritualidade, sabedoria, serenidade e bondade; e se esses têm em Òfúnkànràn uma
participação tão ativa quanto a ancestralidade, certamente poderão “derramar” sobre a vida do
consulente todas essas características benéficas de sua natureza; desde que o mesmo mantenha os devidos
canais abertos através da prática litúrgica, conduta espiritual e religiosidade como um todo.
Os últimos Odù citados por Salàkï possuem características que o distinguem de todos os outros.
Em função dessa importante particularidade, tomou-se a decisão de mostrá-los quase na íntegra, com a
esperança de que tal medida favorecerá uma melhor compreensão, além de colocar o leitor num contato

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mais direto com os complexos assuntos que Òfúnkànràn nos traz. Os principais trechos da narrativa de
Òfúnkànràn serão analisados abaixo, com seus respectivos comentários.

Òfúnkànràn

Se quando jogarmos aparecer quinze búzios,


A pessoa para quem aparece quinze búzios,
Nós diremos que ela deverá pegar quinze Ìgbín,
Deverá pegar uma galinha branca,
Deverá pegar um pombo branco.
Esse pombo branco nós imolaremos,
E faremos uma festa se a pessoa cultuar Òrìñà em sua casa.
Òrìñà diz que uma cabra branca deverá ser oferecida,
À divindade da pessoa que vem pedir orientação.
Quinze ìgbín deverão ser oferecidos a esse Òrìñà,
Juntamente com um tecido branco.
A roupa que ela estiver usando, deverá ser enterrada.
Um tecido branco, um tecido tingido de claro,
E um tecido colorido; tudo isso ela oferecerá como ëbö.
Ela pegará algumas coisas de sua casa.
Dos trinta búzios que ela pagará em seu ëbö,
Quatorze búzios ela dará de presente a alguém.
Dos dezesseis búzios que restarem,
Ela pegará oito e os dará a seu Olòñà.
Dos oito búzios que restarem,
Aos seus ancestrais maternos,
Ou a qualquer outro ancestral poderoso,
Ela lhes dará dois búzios.
Três búzios ela dará aos seus ancestrais femininos paternos.
Dois búzios ela dará aos seus ancestrais masculinos paternos.
O restante deverá ser dado ao adivinho.
Por que o adivinho só ficará com essa pequena parte?
Quem consultar para essa pessoa,
Não deverá ficar com mais do que o já foi mostrado,
Para que a expiação não fique com ele.
Essa pessoa oferecerá uma cabra branca ao Òrìñà de sua casa,
Juntamente com quinze ìgbín e quinze obì.
Oferecerá comida e bebida,
Para que as coisas sejam boas para ela,
Para que as coisas não estraguem,
Para que tudo seja bom para ela.

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Se essa pessoa puder fazer isso,
Òrìñà será aquele que a tornará boa.

Comentários

“Esse pombo branco nós imolaremos, e faremos uma festa se a pessoa cultuar Òrìñà em sua
casa”. Antes dessa citação há a enumeração da oferenda a ser feita quando Òfúnkànràn aparece. O
importante a ser salientado aqui é o elemento “casa”. Muito provavelmente trata-se de um caso onde é
necessário o culto familiar a um determinado Òrìñà, independentemente das divindades pessoais de cada
membro da família. O dia a dia nas casas de Candomblé mostra que é relativamente comum membros de
uma mesma família terem algum Òrìñà que “fala” para quase todos. Nesses casos, sob a orientação de Ìfá,
é possível institucionalizar o culto do Òrìñà em questão, para o bem de toda a família. Também é
importantíssimo salientar o clima festivo em que o ìtan é narrado. Trata-se de uma grande confraternização
religiosa, cujos resultados certamente se manifestarão na vida de todos os membros da linhagem.

“Dos trinta búzios que ela pagará por seu ëbö, oferecerá quatorze a alguém”. Como já foi dito,
a distribuição dos búzios revelará parte dos segredos e características de Òfúnkànràn. Os búzios
representam o pagamento do consulente ao oficiante do rito. Tal pagamento é parte importantíssima das
oferendas aos Odù, e só não devem ser feitos em raríssimas exceções. O ìtan simplesmente se refere a
“alguém”, dando a entender que provavelmente o destino dos quatorze búzios (ou quase metade do
valor a ser pago pelo consulente) é a caridade. Esse importante detalhe vem a confirmar a aura de
espiritualidade inerente a Òfúnkànràn, principalmente se for considerada a influência dos Òrìñà Funfun na
questão.

“Dos dezesseis búzios que restarem, ela pegará oito e oferecerá a seu babalÒrìñà”.
Praticamente um quarto do valor a ser pago pelo ëbö deverá ser oferecido ao zelador do consulente. Essa
generosa quantia provavelmente será usada para o reforço de àñë do sacerdote em questão. Essa é a única
citação do gênero feita por Salàkï no decorrer de mais de duzentas histórias. Analisando sob esse prisma,
pode ser uma evidência que a força da religiosidade possuiu em Òfúnkànràn, pois em linhas gerais é isso o
que o sacerdote representa. Mas para que Ìfá aconselhe tal prática, é porque o consulente trata-se de um
iniciado, ou pelo menos deveria ser. Apesar de teoricamente impossível, se Òfúnkànràn apresentar-se para
alguém que ainda não levou os fundamentos da iniciação, será uma evidência cabal sobre a necessidade do
indivíduo em tornar-se devoto de Òrìñà.

“Dos oito búzios que restarem, ela oferecerá dois aos seus ancestrais maternos. Oferecerá
mais dois aos ancestrais maternos de seu pai, e oferecerá três aos ancestrais paternos de seu pai”. Essa é
a passagem que caracteriza de forma definitiva a grande força da ancestralidade em Òfúnkànràn. Com os
valores citados, certamente oferendas deverão ser feitas aos ancestrais em questão, o que carecerá de
consideráveis conhecimentos e cuidados por parte do zelador, ficando assim justificado o pagamento que
lhe deve ser destinado. Sendo a sociedade iorubana patriarcal, é natural que uma parte maior dos búzios

616
sejam destinadas aos ancestrais paternos. Mas por outro lado, essa pequena supremacia pode estar
relacionada à presença dos Òrìñà Funfun na questão, pois os mitos os colocam como divindades
representantes do poder masculino na natureza. Como já foi salientada anteriormente, essa grande
influência ancestral evoca a necessidade de um comportamento ético-espiritual irrepreensível por parte do
consulente. Seus ancestrais certamente favorecerão a manifestação de consideráveis bênçãos em sua vida,
desde que diariamente o mesmo se faça digno.

“O restante deverá ser dado ao adivinho. Por que o adivinho só ficará com essa pequena
parte? Quem consultar para essa pessoa, não deverá ficar com mais do que o já foi mostrado, para que a
expiação não fique com ele”. A prática oracular é vista como uma ocupação profissional. São necessários
anos de estudos e memorizações, por isso não é de bom tom deixar de considerar o trabalho inestimável
prestado pelos awolòrìñà e babalawo. Aqui Òfúnkànràn nos ensina o que pode acontecer com o adivinho
que cobra exorbitâncias por seus serviços. É mais um recado de caráter espiritual, que justifica profunda
reflexão.

“Para que as coisas sejam boas para ela; para que as coisas não estraguem; para que tudo seja
bom para ela. Se essa pessoa puder fazer isso, Òrìñà será aquele que torná-la-á boa”. Essas são as
bênçãos prometidas por Òfúnkànràn àqueles que conseguirem se adequar à profunda realidade espiritual
aqui traçada. A breve citação sobre estragos abre a possibilidade de algumas dificuldades estarem
presentes na vida do consulente. Mas apesar disso, é importante que fique claro a ação que Òrìñà terá na
vida da pessoa a quem aparece esse Odù, se todos os preceitos forem seguidos a contento.

Ëbö

Trinta búzios
Uma cabra branca
Quinze ìgbín
Quinze obì
Uma galinha branca
Um pombo branco
Um tecido branco
Um tecido tingido com cores claras
Um tecido colorido
A roupa que estiver vestindo
Utensílios da própria casa
Comidas e bebidas

Comentários sobre o ëbö

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a) Segundo o ìtan, os animais devem ser oferecidos à divindade familiar, na casa do consulente. A
natureza dessa oferenda é o principal indício de que a divindade em questão seja um Òrìñà Funfun. Se Ìfá
confirmar essa análise (que à primeira vista parece óbvia), caberá ao awolòrìñà definir qual entre as várias
divindades criadoras corresponde à ancestralidade do consulente.

b) obì é uma oferenda comum quando os Funfun estão presentes. Além disso, representa
necessidade e potencial de sabedoria.

c) Oferendas de tecidos geralmente estão relacionadas aos ancestrais e a filhos. Como já foi visto,
tanto um como o outro possui considerável importância em Òfúnkànràn, o que explica satisfatoriamente a
necessidade de tecidos nesse ëbö.

d) Oferendas de roupas geralmente simbolizam a necessidade de alteração de conduta, de forma


a adaptar-se harmoniosamente às informações trazidas por Ìfá. Ainda segundo o ìtan, essa roupa deverá ser
enterrada. Tal preceito reforça a importância da ancestralidade nesse Odù, além representar o desejo de se
livrar de qualquer negatividade que possa estar presente. Também representa uma espécie de “Oferenda
substituta”, no qual é oferecido um elemento simbólico à Terra, para que essa não encurte por alguma
razão a vida do indivíduo nesse plano de existência.
e) Os utensílios em questão evidenciam que toda a casa do consulente está envolvida com a
problemática exposta no ìtan. Por "casa" deve-se entender o conjunto de pessoas que formam uma
determinada família. É evidente que se o consulente seguir as orientações de Òfúnkànràn haverá
repercussão direta (e positiva) em todos os membros de sua linhagem.

f) Não há nenhuma indicação sobre quais seriam as comidas e bebidas necessárias a essa
oferenda. É importante salientar que essas oferendas deverão ser realizadas num clima de festa,
evidenciando a confraternização entre o consulente, seus familiares, seus ancestrais e o Òrìñà guardião de
sua linhagem. Considerando todos esses fatores, o ideal é que as comidas em questão estejam em sintonia
com a festa necessária, além de serem preparadas nos “caminhos” dos Òrìñà Funfun.

618
Ìrëtû

Considerações Gerais

Assim como Òfúnkànràn, Ìrëtû é um Odù que na versão de Salàkï não traz uma história
propriamente dita, mas sim uma narrativa que descreve uma complexa oferenda. Mas tal oferenda é
completamente diferente da oferecida a Òfúnkànràn, embora seus objetivos não sejam assim tão díspares.
A manifestação de Ìrëtû pressupõe a existência de um momento em que as coisas “se estragam”, para
usar o termo usado no próprio ìtan. A oferenda em questão, assim como a observância dos complexos
preceitos que ela envolve, visa pôr termo a esse período, favorecendo o início de uma fase de bênçãos na
vida do consulente.
A tradição oracular lucumi, que uma abordagem desapaixonada certamente mostrará como uma
das mais coerentes, ensina que até o décimo terceiro Odù (Ìká), o zelador de Òrìñà tem condições técnicas
de resolver as questões que aparecerem. Daí em diante, apenas um babalawo poderá dar a devida
assistência. No Sistema Salàkï as histórias vão até o décimo quarto Odù, pois os restantes não abordam
necessariamente uma narrativa com princípio, meio e fim. Não há nenhuma indicação dos porquês das
oferendas a serem realizadas, mas apenas as conseqüências das realizações litúrgicas; sempre positivas.
Essa interessante proximidade entre a obra aqui exposta e as tradições afro-cubanas pode até ser
coincidência, mas as chances de não ser são maiores. Também é importante salientar que a partir do
décimo segundo Odù (Ejìlà Ñëböra), todas as demais “caídas” dos búzios são consideradas raras,
portanto carecem de cuidados especiais. As divindades que zelam pela prática oracular poderiam trazer as
mesmas informações por caminhos mais “normais”; se assim não o fizeram, certamente têm seus
motivos, que a lógica aponta como merecedores de acurada observância.
Ainda numa comparação com Òfúnkànràn, Ìrëtû também evidencia parte de seus segredos
quando determina a divisão entre os valores simbolizados pelos búzios. Nesse momento ficam evidentes os
vínculos que devem ser criados ou fortalecidos, com uma clara preocupação familiar, pois todos os
membros da família do consulente recebem algum valor.
Mas as semelhanças com Òfúnkànràn terminam exatamente no momento em que é citada a cor
dos animais a serem imolados; preta. O texto diz que tais animais devem ser oferecidos a “Òrìñà”, e como
já foi visto em outras ocasiões, o uso dessa palavra para designar apenas um ser geralmente refere-se a
Òñàlá. Mas não há nenhum relato escrito ou tradição oral que em algum momento fale de oferendas pretas
aos Òrìñà Funfun. Isso caracterizaria um erro litúrgico que iria de encontro ao profundo simbolismo dessa
classe de seres espirituais. Um grande impasse lógico nasce com as informações trazidas por Ìrëtû, e a única
forma de conciliar tais informações com as tradições e simbolismos do Candomblé (pelo menos na limitada
visão do autor) atende pelo nome de Ìyá Odù.
Essa Ìyàmi certamente se encaixa no rol das divindades mais estudadas atualmente, se bem que
não haja um completo consenso entre os estudiosos do assunto. O fato é que por mais que se possa ter
opiniões diferentes sobre essa divindade, que em si guarda profundos segredos, certamente será difícil
desassociá-la do simbolismo evocado pela cor preta. Os mitos contam que foi Ìyá Odù (por muitos

619
chamada Oduduwà, Oduà ou simplesmente Odù) que recebeu de Ölïrun a missão de criar o àiyé, depois
que Olófin falhou nesse intento. É exatamente graças a ligação de Ìyá Odù com a criação que muitos
estudiosos a classificam como uma divindade criadora, embora sejam grìtantes as diferenças entre ela e os
demais Òrìñà Funfun, conhecidos como genitores primordiais.
Tendo participado ativamente da criação desse plano de existência, natural que Ìyá Odù
represente um dos principais símbolos de ancestralidade. Todo ser que aqui vive, independente de ser
homem ou mulher, tem em Ìyá Odù uma ancestral mítica. Num plano simbólico ela representa a Matéria;
não da forma que percebemos através de nossos limitados sentidos, mas a Matéria em si, primordial, sob
alguns aspectos até não diferenciada. Nesse estado a Matéria é perigosa, pois toda combinação lhe é
possível, tornando-a veículo de vida ou destruição. Coincidentemente os mitos colocam Ìyá Odù como
extremamente poderosa, e facilmente irritável. O contato com ela deve ser mínimo, pois as chances dela
sentir-se ofendida são enormes; e as conseqüências de tal ofensa seriam desastrosas para o incauto
ofensor. Sendo Ìyá Odù um dos principais elementos ancestrais de qualquer indivíduo, natural seria sua
presença (mesmo que velada) nos caminhos de um Odù como Ìrëtû, que tem na ancestralidade uma de
suas mais fortes características. Essa mesma ancestralidade é representada pelas oferendas a serem
realizadas aos ancestrais maternos e paternos do consulente. Uma parte do valor dos búzios deve ser
diretamente direcionada para esse fim, como será visto mais à frente.
Seria ingenuidade não contar com comentários críticos em razão da maneira como a narrativa de
Ìrëtû é abordada nessa obra. Mas ao longo dos sete anos em que essas páginas foram preparadas,
nenhuma outra informação pareceu adequar-se melhor às complexas informações trazidas por esse Odù.
Se o leitor não concordar com a velada participação de Ìyá Odù em Ìrëtû, deverá usar as próprias técnicas de
leitura de oráculo para tentar definir qual é o Òrìñà que receberá cabra, galinha e pombo preto por
oferenda; ainda mais considerando que a cabra em questão deverá ser preparada com muito azeite de
dendê.
Mas Ìrëtû é mais do que a polêmica sobre suas oferendas. Merece ser destacado o fato de que
textualmente é dito que será Òrìñà que auxiliará o consulente, para que tenha termo um período de
dificuldades, e se inicie uma época totalmente diferente. A maneira como isso se dará será vista a seguir,
quando as principais partes da narrativa de Ìrëtû forem analisadas em suas minudências.
Por se tratar de um Odù com características ímpares no sistema de divinação por búzios, optou-se
pela apresentação total da narrativa trazida por Ìrëtû. Trata-se de uma tentativa de deixar o leitor à par da
complexidade desse Odù e de mostrar ao mesmo como foi difícil para autor escrever sobre o tema.
Comentários serão feitos sempre que preciso.

620
Ìrûtë

Se quando consultamos aparece dezesseis búzios,


A pessoa deverá pegar dezesseis ìgbín,
Deverá conseguir uma galinha preta,
Deverá conseguir um pombo preto,
Deverá conseguir uma cabra preta.
Esses dezesseis ìgbín, ela oferecerá a Òrìñà.
A cabra preta, ela oferecerá a Òrìñà.
A galinha preta e o pombo preto,
Ela oferecerá a Òrìñà.
Para que as coisas possam ser boas para ela.
Ela deverá oferecer trinta e dois búzios como pagamento.
Desses trinta e dois búzios,

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Aquele que consultar para ela,
Deverá tomar para si doze búzios,
E depois deverá oferecer a seu Olòñà.
A pessoa pegará seis búzios,
E os dará a seu pai, se ele estiver vivo.
Ela pegará 4,6 búzios*,
E dará à sua mãe, se ela estiver viva.
Dará aos seus anciões 2,2 búzios *
Se o pai que a gerou não estiver no àiyé,
Se ela não tiver outro atuando como pai,
É assim que ela deverá proceder.
Aquele que consulta para essa pessoa,
Não deve ficar com mais de seis dos trinta e dois búzios,
Para fazer oferendas a seu Òrìñà.
Um tecido preto, um tecido vermelho,
Um tecido tingido e um tecido branco;
São esses tecidos que a pessoa deverá oferecer,
Para que as coisas que haviam estragado,
Possam ser boas novamente.
Òrìñà é aquele que permitirá que as coisas sejam boas novamente.
Essa pessoa deverá conseguir bastante azeite de dendê,
Preparará comidas e as servirá no tempo,
Os órgãos internos da cabra,
Ela cozinhará com sementes de melão.
Não colocará pimenta. Não colocará sal.
Ela carregará tudo isso, à meia-noite, no tempo,
Oferecerá aos seus Anciões,
E eles acertarão as coisas.
Um òkété pertence aos Anciões.
Ela fará tudo isso no primeiro dia.
A pessoa para quem aparece esse Odù,
Ela pegará os Ìgbín e os oferecerá a Òrìñà.
Ela oferecerá a galinha a Òrìñà,
Por que seus olhos viram dezesseis búzios.

*Deve-se levar em conta o valor monetário dos búzios, não a quantidade em si. Daí a fragmentação decimal.

622
Comentários

“Se quando consultamos aparecer dezesseis búzios, essa pessoa deverá pegar dezesseis ìgbín;
uma galinha preta; um pombo preto e uma cabra preta. Esses dezesseis ìgbín, ela oferecerá a Òrìñà. A
cabra preta, ela oferecerá a Òrìñà. A galinha preta e o pombo preto, ela oferecerá a Òrìñà”. Essa é a
passagem de Ìrëtû que gera toda a discussão já citada. Como já foi dito, não há nenhum relato de um Òrìñà
que receba oferendas dessa natureza. Mesmo que não se considere o termo “ Òrìñà” como uma
divindade criadora, e sim em seus aspectos genéricos, que engloba uma complexa teogonia, formada
inclusive pelas divindades “filhas”, tecnicamente designadas como Ëböra. Se tal possibilidade for
considerada, ainda assim não será muito fácil associar a oferenda prescrita a esse hipotético Ëböra, pois
pelo menos no Brasil, poucos ousariam fazer oferenda semelhante a qualquer divindade que não fosse
Ìyàmi. Ainda resta a opção de Îrúnmìlà, que para muitos receberia sem problemas as oferendas prescritas
por Ìrëtû. Mas é preciso considerar que ao longo de mais de duzentos ìtan, em vários são indicadas
oferendas ao deus da divinação, e em nenhuma circunstância com tamanho mistério. À primeira vista
parece sem propósito esse cuidado por parte de Salàkï, se de fato as oferendas em questão forem
destinadas a Îrúnmìlà. Mas essa é uma possibilidade técnica, que em nenhum momento ganhou posição de
destaque na mente ou no coração do autor. A imparcialidade obriga a citação da mesma, embora o bom
senso indique a opção de Ìyá Odù como muito mais lógica, até pelo fato de no sistema Ìfá, Ìrëtû ser um Odù
de considerável influência das Ëlëiyë, sendo Ìyá Odù a principal entre essas. Resta a consolação de saber que
num eventual impasse, a definição última será do próprio Ìfá, que se manuseado com conhecimento e
pureza de alma, certamente indicará a melhor interpretação para os mistérios trazidos por Ìrëtû.

“A pessoa deverá oferecer trinta e dois búzios como pagamento. Deverá tomar doze búzios, e
oferecer a seu Olòñà”. Aqui está mais um elemento de diferenciação em relação a Ìrëtû e Òfúnkànràn. O
texto mostra valores decimais, o que evidencia que a divisão deve ser feita tendo por base o valor que o
consulente pagar pela oferenda, e não a simbólica quantidade de búzios. O fato de que parte do valor deve
ser direcionada ao Zelador de Òrìñà do consulente mostra que, ao menos em teoria, o mesmo deve ser
iniciado a Òrìñà, ou pelo menos deveria ser.

“A pessoa pegará seis búzios, e os dará a seu pai, se ele estiver vivo. Ela pegará 4,6 búzios, e
dará à sua mãe, se ela estiver viva”. Certamente esse detalhe de Ìrëtû deverá favorecer as relações
familiares. Oferecer esses valores aos seus genitores pode ser visto como uma forma de consideração.
Também é possível que se trate de um indício sobre a necessidade de prestar auxílio aos pais. Em muitas
culturas acredita-se que a bênção dos pais é fundamental para a felicidade dos filhos. Não há nada que
afirme que seja essa a razão desse preceito sugerido por Ìrëtû, mas não há como negar que a observância
desse detalhe repercutirá de forma positiva na vida do consulente.

“Dará aos seus anciões 2,2 búzios. Se o pai que a gerou não estiver no àiyé; se ela não tiver
outro atuando como pai, é assim que ela deverá proceder”. Mais uma vez o termo “Ancião” será
entendido aqui como “ancestrais”. Sob esse ponto de vista, Ìrëtû revela um considerável teor de
ancestralidade; e segundo essa linha de pensamento, a retidão ética e comportamental passa a ser
imprescindível para que as bênçãos trazidas por esse Odù possam de fato se manifestar.

623
“Aquele que consulta para essa pessoa, não deve ficar com mais de seis dos trinta e dois
búzios, para fazer oferendas a seu Òrìñà”. Os preceitos necessários a esse Odù, assim como a presença
ancestral (e provavelmente de Ìyá Odù), fazem de Ìrëtû um Odù que carece de cuidados em sua
“manipulação”. A passagem do ìtan evidencia que o oficiante do rito deverá fortalecer seu àñë pessoal
através de oferendas a seu Òrìñà. Essa é uma prática comum em algumas casas tradicionais de Candomblé,
e sob a influência de Ìrëtû, tal prática é simplesmente vital.

“Um tecido preto; um tecido vermelho, um tecido tingido e um tecido branco. São esses
tecidos que a pessoa deverá oferecer, para que as coisas que haviam estragado, possam ser boas
novamente”. Certamente o atual momento do consulente é caracterizado por acontecimentos que, em
seu conjunto, gerem a idéia de bàjý, estragado. É óbvio que serão necessárias consultas nesse sentido, mas
esse fato pode ser visto como mais um indício (embora velado) da presença de Ìyàmi na questão, pois vários
são os mitos que falam do poder dessas divindades de causar e reverter situações com essas características.
O importante é ter em mente que tal situação será revertida, se os preceitos e a conduta sugeridos por Ìrëtû
forem corretamente seguidos. Também precisa ser salientado o fato de que tecidos representam
ancestralidade ou descendência na maioria dos casos em que estão presentes. A própria essência de Ìrëtû
evidencia que tal simbolismo encaixa-se com perfeição à realidade desse Odù.

“Òrìñà é aquele que permitirá que as coisas sejam boas novamente”. Uma das
particularidades de Ìrëtû que deve ficar muito clara é o fato da presença de Òrìñà ser vital para a resolução
satisfatória das questões tratadas por esse Odù. Analisando dessa forma, o ideal é que o consulente seja
iniciado, ou pelo menos deseje ser. Considerando que Ìrëtû é um Odù que abrange sua influência à família,
também seria interessante checar se algum familiar do consulente também precise de iniciação. No caso de
consulente já iniciado, ficará evidente a necessidade do fortalecimento do àñë pessoal, através de atividades
litúrgicas e devocionais a Òrìñà.

“Essa pessoa deverá conseguir bastante azeite de dendê. Preparará as comidas e as servirá no
tempo. Os órgãos internos da cabra, ela cozinhará com sementes de melão. Não colocará pimenta. Não
colocará sal. Ela carregará tudo isso, à meia-noite, no tempo, oferecerá aos seus Anciões, e eles acertarão
as coisas”. Apesar da necessidade de culto a Òrìñà, essa passagem evidencia a grande importância dos
ancestrais para a resolução dos problemas que levaram o consulente a Ìfá. Mas uma vez é importante
salientar que oferendas aos ancestrais, sem a preocupação com a conduta pessoal, simplesmente não
fazem sentido. Certamente o consulente terá melhores chances de êxito se considerar a importância de uma
conduta ética-espiritual. A breve citação sobre o horário em que essa oferenda deverá ser realizada é mais
um indício sobre uma provável influência de Ìyàmi na questão. Seriam prudentes consultas nesse sentido.

“Ela oferecerá a galinha a Òrìñà, por que seus olhos viram dezesseis búzios”. Em um de seus
caminhos, Òfún nos ensina que não se deve fitar a face de Ìyá Odù. Ela mesma diz que seu principal tabu é
ser observada pelas pessoas. Somente observando esse tabu Îrúnmìlà conseguiu desposá-la. É como se
pelo fato do consulente ter visto Ìrëtû, ele tivesse infringido uma das principais normas do culto a essa
poderosíssima divindade, sendo então necessárias as oferendas que favorecerão a harmonização

624
necessária. O awolòrìñà também “viu” Ìrëtû, talvez essa seja a principal razão da necessidade de
oferendas a seu Òrìñà, e conseqüente fortalecimento do àñë pessoal. Mas uma vez é importante salientar
que a ausência de citações textuais a esse respeito pode gerar dúvidas; mas são vários os indícios que
apontam para a presença do àñë de Ìyá Odù em Ìrëtû.

Ëbö

Trinta e dois búzios


Dezesseis ìgbín
Uma cabra preta
Uma galinha preta
Um pombo preto
Um òkété
Um tecido branco
Um tecido tingido (claro)
Um tecido vermelho
Um tecido preto

Comentários sobre o ëbö

a) O valor referente à consulta e à oferenda deve ser dividido entre o awolòrìñà, os pais e os
ancestrais do consulente, seguindo para tal os critérios expostos pelo ìtan.

b) Cabras evocam vida e abundância. O grande àñë movimentado por esse animal certamente
será decisivo para a reversão do quadro de dificuldades.

c) É evidente que existe uma considerável negatividade a ser aplacada quando Ìrëtû se manifesta.
Nesse caso, o àñë dos caramujos certamente aplacará os infortúnios, pois veicula considerável
tranqüilidade. Ainda em relação a Ìyá Odù, um outro mito ensina que foi lhe oferecendo ìgbín que Olófin
conseguiu apaziguá-la, e posteriormente conseguiu o segredo sobre as roupas de Egún.

d) Segundo o ìtan, o òkété pertence aos Àgba do consulente, e deve fazer parte do grande erù a
ser preparado. A presença de roedores em oferendas evidencia a negatividade inerente a questão, assim
como a possibilidade de reversão da mesma, pois esses animais também representam abundância sobre a
terra.

e) Tecidos são comuns em oferendas relacionadas aos ancestrais e aos filhos. A influência dos
ancestrais já foi abordada, sendo então necessárias consultas a respeito do envolvimento dos filhos nas
questões expostas no ìtan.

625
f) Azeite de dendê geralmente é utilizado em ëbö quando há uma negatividade considerável a ser
aplacada. Sua presença também é imprescindível nos famosos “ëbö Àjý”, o que torna necessário
consultas sobre uma possível presença de feitiços. A cada momento Ìrëtû dá novos sinais de uma possível
influência de Ìyàmi na questão.

Òpirà

626
Òpirà é o nome dado por Salàkï quando todos os búzios caem com a face para baixo. Para muitas
pessoas tal caída dos búzios é considerada nula, mas segundo a narrativa de Òpirà, há sérios e importantes
assuntos a serem considerados quando essa raríssima possibilidade ocorre.
Merecem destaque algumas características de Òpirà que o distingue completamente dos outros
Odù. Mesmo incorrendo no risco de cometer um grande erro, é preciso salientar que não é possível definir
se Òpirà seria mais um Odù, ou simplesmente uma possibilidade matemática a ser considerada no sistema
de divinação por búzios. Toda a literatura e tradição oral falam de dezesseis búzios. No sistema Ìfá acontece
o mesmo, mas um importante detalhe merece destaque, Îñýtùrà.
Essa importante figura do sistema Ìfá nasce da interação entre as divindades criadoras e Îñun, num
momento de grave crise, onde são enormes as chances de ocorrer o término da vida nesse plano de
existência. As mensagens trazidas por Òpirà também evidenciam que o aparecimento dessa caída
caracterizará um momento de grande crise, em que são enormes as chances do consulente ser sepultado
precocemente. Morte precoce, aliás, é a principal mensagem trazida por Òpirà. O surgimento dessa caída
no àtë será um indício fortíssimo de que tal sorte está destinada ao consulente, se o mesmo não seguir à
risca os preceitos necessários para evitá-la.
Mas além dessa negatividade, há uma breve mais importante citação em Òpirà que indica a
possibilidade de bênçãos também estarem presentes. O que é muito coerente, pois nada nesse plano de
existência é absolutamente bom ou ruim.
Por tratar-se de uma possibilidade extraordinária o texto de Òpìra será transcrito na íntegra.
Comentários serão feitos a seguir, na esperança de tentar deixar menos obscuros e complexos os segredos
dessa caída de búzios.

Òpirà

Se todos os búzios caírem com a face para baixo,


Isso é Òpirà.
A pessoa para quem isso aparece,
Um tecido preto é o ëbö que ela oferecerá à terra.
Para que ela não seja sepultada.
Será aberto um buraco no chão;
O tecido preto, e a cabra que ela oferecerá em seu nome,
Esses é que serão enterrados.
A cabeça da cabra é que será enterrada,
Para que essa pessoa não seja sepultada.
Esses são os preceitos que deverão ser seguidos.
Isso é o que os adivinhos chamam “Ësû kan ölà” (os pés tocam a riqueza).

627
Comentários sobre Òpirà

“Se todos os búzios caírem com a face para baixo, isso é Òpirà”. Aqui há uma importante
informação de caráter litúrgico. Segundo o grande Salàkï, o critério a ser observado na posição dos búzios é
a direção em que sua “face” se mostra, e não necessariamente se ele está “aberto ou fechado”. Um
detalhe que pode classificar Òpirà como um “não Odù” é que as clássicas citações de Àgbàlagbà que
Salàkï usa em respeito aos demais Odù, nesse caso não foram citadas. Esse detalhe carece de reflexões.

“Para que essa pessoa não seja enterrada”. Aqui está a citação que sintetiza o principal perigo
representado por Òpirà, a morte precoce. O ìtan não explica quais são os motivos que levaram o consulente
a essa perigosa situação, portanto o awolòrìñà deverá considerar qualquer possibilidade, como dívidas do
passado, inimigos, feitiços, cobranças espirituais, etc. Nesse ponto se fazem necessários alguns
esclarecimentos que não estão textualmente reproduzidos por Òpirà, mas são frutos da rica tradição oral
que caracteriza nossa religião. Algumas pessoas que conhecem o sistema oracular aqui exposto defendem a
idéia de que quando Òpirà aparece, é como se fosse necessário reforçar um pacto existente entre a Terra e
todo o ser que sobre ela habita. A Terra proverá a vida e o sustento do indivíduo, que no momento
oportuno deverá devolver a ela seu ara (corpo físico), para que o processo de fecundação se perpetue. Por
alguma razão que se traduz num mistério, a manifestação de Òpirà é um indício de que sem o
fortalecimento do pacto, já não será possível ao indivíduo continuar existindo entre os aràiyé, o que na
prática significaria sua morte. Há também quem defenda a idéia de quando uma morte ocorre após a
aparição de Òpirà, o corpo em questão não deve ser enterrado, e sim cremado. Até onde se sabe, essa é a
única exceção quanto a esse particular das exéquias iorubanas.

“Será aberto um buraco no chão; o tecido preto, e a cabra que ela oferecerá em seu nome,
esses é que serão enterrados”. O ìtan diz que a cabeça da cabra será sepultada no lugar da pessoa, como
se o consulente passasse para o animal sua essência, fazendo assim com que a Terra recebesse aquilo que
deseja, e conseqüentemente conseguindo terminar seus dias saudavelmente sobre esse solo. A aparição de
Òpirà revela que a terra precisa “comer”. Sem a devolução do àñë não fica caracterizada a troca do
mesmo, o que acaba por gerar a estagnação de todo um sistema cósmico, que por sua vez levaria a morte

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ao indivíduo e a tudo o que existe. Sob certo ponto de vista, esse pensamento é mais um fator de
semelhança entre Òpirà e Îñýtùrà; e se Ìfá confirmar essa similaridade, é muito provável que Èñù esteja
diretamente ligado a essa grave situação. A simbiose Èñù-Îñýtùrà já foi estudada e defendida por autores
mais sábios, tornando desnecessários maior prolongamentos a esse respeito. O importante é ter em mente
que o preceito indicado caracteriza uma Oferenda-substituta. A Terra comerá, e cabe ao consulente tomar
todo o cuidado para que seu próprio veículo físico não seja o alimento requisitado.

“Isso é o que os adivinhos chamam ‘Ësû kan ölà’” (os pés tocam a riqueza)”. Como já foi
visto, a Oferenda-substituta visa a manutenção da vida individualizada por parte do consulente. Se ele
permanece vivo, tem chances de desenvolver-se e progredir; e segundo essa citação de Òpirà, até de atingir
prosperidade em sua vida. Devido à gravidade da situação é importante que haja o devido esclarecimento
por parte do awolòrìñà; e nesse processo de esclarecimento, também será importante que essa
particularidade positiva de Òpirà seja salientada, para que estados mentais destrutivos não ganhem força
na consciência do consulente.

Ëbö

Uma cabra
Um tecido preto

Comentários sobre o ëbö

a) Cabras evocam a abundância da vida. Sua presença nesse ëbö fica totalmente explicada perante
tal explanação.

b) A presença de tecidos em oferendas geralmente está associada à ancestralidade ou progênie.


Seriam prudentes consultas nesse sentido.

c) Todo procedimento para a execução do ritual está satisfatoriamente explanado no ìtan. As


eventuais dúvidas deverão ser tratadas diretamente com Ìfá.

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