Você está na página 1de 3

Sangramento livre: contra absorventes, mulheres adotam técnica

natural para eliminar menstruação

Texto por: Daniella Franco 2019

Abaixo absorventes! Um novo movimento da ginecologia natural, em prol de uma


menstruação sem absorventes, começa a se popularizar e a ganhar adeptas pelo
mundo.
O objetivo é eliminar o fluxo menstrual naturalmente, condicionando o organismo
a reter o sangue para liberá-lo no vaso sanitário.

Depois da tendência do copo coletor, muitas mulheres estão agora recorrendo ao


sangramento livre, chamado de free bleeding, nos Estados Unidos, ou flux instinctif
libre (FIL), na França. O método consiste em condicionar o corpo para reter a
menstruação a tempo de eliminá-la naturalmente. Todo o segredo está no períneo,
músculo da região pélvica, que pode segurar o fluxo temporariamente até o momento de
liberá-lo.

A naturopata francesa Jessica Spina, especializada no corpo feminino, é uma das


precursoras da técnica na França. Praticante há vários anos do fluxo instintivo livre
(FIL), ela também realiza uma pesquisa com um grupo de cerca de 30 mulheres adeptas
à técnica.

Segundo ela, a possibilidade de retenção de sangue é possível graças a pequenas


cavidades no colo do útero. “Quando contraímos a vagina, o sangue que deveria sair
pelo colo do útero, fica nessas pequenas cavidades”, explica.

Entretanto, a especialista lembra que a retenção é possível durante alguns minutos: a


eliminação da menstruação deve ser feita regularmente. “É preciso levar em
consideração que quando o sangue deixa o útero, não é como uma torneira que jorra
sem parar. A saída da menstruação é feita em etapas, gradativamente”, salienta.

Todo o conhecimento obtido com os anos praticando o FIL, Jessica Spina detalha no
livro “Le Flux Instinctif Libre : l’Art de Se Passer de Protection Periodique” (O Fluxo
Instintivo Livre: a Arte de Evitar Absorventes, tradução livre), um guia de como adotar
a técnica. “Transmito essa descoberta que, para mim, foi uma verdadeira revolução
interior. É uma espécie de libertação de algumas crenças de que a mulher não pode
controlar seu corpo. Na verdade, é apenas uma questão de as mulheres se conhecerem,
se estudarem e terem o domínio de seu organismo”, diz.

Apesar de o FIL ainda não ser adotado por um grande número de mulheres na França,
ele vem se popularizando através das redes sociais. A YouTuber Claire relatou sua
experiência de substituir os absorventes pelo fluxo instintivo livre em seu canal Bicar &
Co.

Em entrevista à RFI, ela conta que a técnica foi adquirida há um ano e, pouco a pouco, à
medida em que foi aprendendo a compreender como funcionava o fluxo menstrual. Para
ela, tudo é uma questão de ouvir seu próprio organismo.
“O FIL é algo que aprendi com o tempo. É preciso vários ciclos para se adaptar e a
reconhecer os sinais que o corpo nos envia para sabermos quando devemos ir ao
banheiro. É por isso que chamamos de ‘instintivo’, porque aprendemos a identificar
quando é hora de eliminar a menstruação”, afirma.

A experiência, segundo ela, é vivida de forma diferente por cada mulher. “Algumas vão
saber que é hora de ir ao banheiro sentindo alguma dor no ventre; outras percebem uma
espécie pressão no útero. Eu, por exemplo, não tenho nenhum sinal, mas eu sei quando
a menstruação está descendo: às vezes acordo à noite porque sei que preciso ir ao
banheiro eliminar meu fluxo”, diz.

A terapeuta especializada no corpo da mulher Apolline Compagnon, criadora do site La


Gazette Bio, acredita que o domínio de FIL requer treinamento. “A motivação da
mulher vai ter um papel essencial, assim como um períneo tônico. Penso que a prática
de yoga também pode ajudar a sentir o corpo profundamente, estar mais à vontade com
as sensações”, avalia.

Segundo a especialista, há duas grandes vantagens de adotar a técnica: econômica, para


deixar de comprar absorventes, e ecológica, para evitar o descarte do material utilizado,
raramente reciclável. Em média, uma mulher utiliza cerca de dez absorventes
descartáveis a cada ciclo menstrual; entre 10 mil e 15 mil da puberdade até a
menopausa.

Apolline Compagnon lembra, no entanto, que a mulher pode optar por outros métodos
mais ecológicos: como os absorventes laváveis, a calcinha-absorvente (reutilizável) ou o
copo coletor. A principal questão, para a terapeuta, é a possibilidade de a mulher poder
dominar seu organismo.

“O FIL é um método natural porque não precisa de ‘material exterior’. O que a mulher
deve se perguntar é se deseja controlar a menstruação, quando ela já deve ter um imenso
controle de seu cotidiano. Nada impede que ela utilize diversos métodos: o FIL quando
estiver em casa (ou mesmo à noite) e absorventes ou o copo coletor quando sair”,
recomenda.

Brasileiras praticam “sangramento livre”

No Brasil, o FIL é conhecido como sangramento livre. Segundo a naturóloga Ana


Arruda, especializada em ginecologia natural, o método não é novo, mas vem se
popularizando entre as brasileiras nos últimos tempos.

Ana Arruda também é uma adepta do método que, para ela, vai além das questões
econômicas e ecológicas. “Há momentos, durante a menstruação, que não dá
VONTADE de usar nada, nem mesmo uma calcinha absorvente ou um absorvente de
pano. A gente quer essa liberdade de fluidez, já que passamos muitos anos tendo a nossa
feminilidade, nossa menstruação e nossos corpos dominados. Eu senti essa necessidade
de deixar o sangue descer.”

Apesar de a medicina tradicional ser cética quanto ao método, Ana Arruda acredita que
há muitas vantagens nas técnicas naturais para a eliminação da menstruação, como o
conhecimento do corpo e a valorização da intuição feminina. “Sinto que esse método,
entre outras práticas da ginecologia natural, traz a gente de volta pra esse contato mais
interno e profundo, com nossas vísceras, ventre e útero. Além dessa experiência sobre o
controle sobre nós mesmas, que é algo completamente possível e que a gente perdeu”,
diz.

A naturóloga não acredita que o sangramento livre possa ser prejudicial, como alegam
alguns ginecologistas. “A ideia do sangramento livre não é ficar contraindo para sempre
o útero, mas ter mais ingerência sobre essa musculatura, que vai ajudar inclusive a
fortalecer a região pélvica, e que pode até ajudar a mulher no parto ou ter relações
sexuais mais prazerosas. O objetivo é ter contato com esses movimentos de contração e
expansão do útero e, quando sentir que é necessário, fazer uma pausa, ir até o banheiro e
fazer a eliminação deste sangue”, destaca.

A terapeuta francesa Apolline Compagnon também lembra que qualquer mulher pode
realizar a experiência do FIL: “qualquer que seja sua idade não há nenhum impedimento
para isso”. Mas, segundo ela, é preciso levar em consideração o cotidiano de cada uma.
“Imagino que isso não deva ser prático para uma cirurgiã no meio de uma operação ou
uma taxista…”, pondera.

Mas, para a especialista, não há dúvidas: o FIL ou sangramento livre não é apenas uma
técnica para eliminar a menstruação, mas uma forma de celebrar e assumir uma faceta
da feminilidade. “Antes se falava menos sobre o fluxo menstrual porque era tabu, para
não mencionar ‘sujo’, ocultando o lado natural deste fenômeno. Hoje, é uma maneira de
se reivindicar como mulher.”

Você também pode gostar