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POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

POPULAÇÃO LGBTQIA+: Direitos e Garantias

Administração: Dra. Cinara Maria Moreira Liberal


Belo Horizonte - 2023
POPULAÇÃO LGBTQIA+: Direitos e Garantias

Coordenação Geral
Cinara Maria Moreira Liberal

Subcoordenação Geral
Marcelo Carvalho Ferreira

Coordenação Didático-Pedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani

Coordenação de Recrutamento e Seleção


Alcides Costa

Coordenação Técnica
Luiz Fernando da Silva Leitão

Conteudista:
Isabella Franca Oliveira
Juliana Califf de Matos

Produção do Material:
Polícia Civil de Minas Gerais

Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais

Reprodução Proibida
SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO............................................................................................. 5

2- CONCEITOS INICIAIS ................................................................................ 7

3- GÊNERO ................................................................................................... 10

4- ORIENTAÇÃO SEXUAL ........................................................................... 14

5- CONTEXTO HISTÓRICO .......................................................................... 18

6- CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E TRANSFOBIA .......................... 21

7- DIREITOS CONQUISTADOS NOS ÚLTIMOS ANOS ............................... 25

7.1 Saúde ..................................................................................................................... 25


7.2 Casamento e União Estável ............................................................................. 27
7.3 Nome Social ......................................................................................................... 30
7.3.1 Retificação de Registro Civil ........................................................................... 32
7.4 Uso do Banheiro ................................................................................................. 33
7.5 - Direitos Políticos .............................................................................................. 34
7.6 - Adoção ................................................................................................................ 34
7.7 Lei Maria da Penha ............................................................................................. 37
8- DESAFIOS ENFRENTADOS PELA POPULAÇÃO LGBTQIA+ ............... 39

8.1 Educação: ............................................................................................................. 39


8.2 Trabalho................................................................................................................. 40
8.3 Saúde ..................................................................................................................... 41
8.4 Exploração Sexual .............................................................................................. 42
8.5 Violência ................................................................................................................ 43
8.6 Estupro Corretivo ............................................................................................... 48
9- ATENDIMENTOS E ACOLHIMENTO DA POPULAÇÃO LGBTQIA + ..... 50

10- EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROTEÇÃO ................................... 53

10.1 Âmbito Federal ................................................................................................ 53


10.1.1 Disque Direitos Humanos (Disque 100), LGBT ........................................... 53
10.1.2 Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) ..................................................................................... 55
10.2 Âmbito Estadual – MG................................................................................... 55
10.2.1 Coordenadoria de Promoção de Políticas LGBTI ........................................ 55
Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG)............................................. 56
10.2.2 Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais........................................... 56
10.3 Âmbito Municipal (Belo Horizonte) ............................................................ 56
10.3.1 Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de Racismo, Xenofobia,
LGBT fobia e intolerâncias correlatas DECRIN ........................................................... 56
10.3.2 Centros de Referências da População LGBT .............................................. 57
11- CONCLUSÃO ............................................................................................ 59

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 60
1- INTRODUÇÃO

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma que todo ser
humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos na
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
A Constituição Federal de 1988 prevê que a República Federativa do Brasil
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos fundamentos a
dignidade da pessoa humana. São objetivos fundamentais trazidos na Carta Magna
construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Além disso, prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção
de qualquer natureza.
Apesar das normativas existentes, alguns grupos sociais sofrem
preconceitos e discriminações, tornando-os bastante vulneráveis, como ocorre com
a População LGBTQIA+.
Com o objetivo de proteger a População LGBTQIA+ e garantir a efetivação
de direitos, em 2006, no âmbito internacional, foi elaborado o documento Os
Princípios de Yogyakarta, que reconhece as violações de direitos por motivos de
orientação sexual ou identidade de gênero como violações de direitos humanos.
Observa-se que as pessoas LGBTQIA+ no Brasil sofrem um processo
histórico marcado por exclusão familiar, social, escolar e do mercado de trabalho,
resultando em que sua acentuada subalternização, com a privação de direitos
elementares que a toda população deveriam ser assegurados em um Estado
Constitucional Democrático de Direito.
Desta forma, é necessária a efetivação de políticas públicas afirmativas, com
o reconhecimento político e social de diversas identidades de gênero, com o
objetivo de garantir o acesso a direitos básicos à População LGBTQIA+.
Não há dúvidas que nos últimos anos tivemos várias conquistas
relacionadas aos direitos e garantias das pessoas LGBTQIA+, todavia, ainda há

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muito a ser conquistado, visto que o Brasil é um dos países mais perigosos do
mundo para a população trans, com o maior número de homicídios.
Além disso, a vida de grande parte da População LGBTQIA+ é marcada por
preconceito, discriminação e intolerâncias, que se inicia no ambiente familiar, e
perpassa pelos demais ambientes frequentados, como escola, vizinhança, saúde,
trabalho, dentre outros.
Neste contexto, este curso abordará conceitos básicos relacionados à
População LGBTQIA+ e apresentará direitos e garantias assegurados, permitindo
que os alunos desenvolvam uma visão crítica no contexto das demandas atuais,
desconstruindo preconceitos e identificando mecanismos para garantia e
promoção, bem como sua forma de utilização.

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2- CONCEITOS INICIAIS

O que significa a sigla LGBTQIA+? Como será uma sigla tratada durante
todo o curso, é importante compreender o significado de cada uma das letras.

● L - Lésbica - Mulheres, cis ou trans, que são atraídas afetiva e/ou


sexualmente por outras mulheres cis ou trans.
● G - Gay - Homens, cis ou trans, que são atraídos afetiva e/ou sexualmente
por outros homens cis ou trans.
● B - Bissexual - São homens e mulheres que se relacionam afetiva e
sexualmente com pessoas de ambos os gêneros.
● T - Transexual/Transgênero - Pessoa que se reconhece com gênero
diferente do atribuído ao nascimento. Vale lembrar que o que determina se
uma pessoa é transexual é a identidade, independente da realização de
qualquer processo cirúrgico.
● Q - Queer – O Q (“queer”), em inglês que na tradução significa estranho, foi
acrescido para representar pessoas que não se identificam por padrões
impostos pela sociedade ou não sabem definir o seu gênero

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● I - Intersexo – pessoas cujo desenvolvimento sexual e corporal –
expressado em hormônios, genitais, cromossomos, e/ou outras
características biológicas – não se encaixa ao gênero feminino ou masculino
por ter nascido com os dois órgãos sexuais.
● A - Assexual - São pessoas que não sentem nenhuma atração sexual por
outras pessoas, independente de gênero ou da orientação sexual.
● Sinal + - contempla todas as diversas possibilidades e orientação sexual
e/ou de identidade de gênero que existam.

Já foram utilizadas outras siglas para identificar a População LGBTQIA+,


que evoluíram de forma a representar todas as pessoas.
A primeira sigla a se tornar conhecida foi a GLS: que significa gays, lésbicas
e simpatizantes. Essa sigla logo caiu em desuso pois simpatizante poderia ser
qualquer pessoa que “simpatize’ com o movimento, ainda que sendo
heterossexual, não sendo estes protagonistas do movimento.
Posteriormente, a sigla passou a ser GLBT: que significa gays, lésbicas,
bissexuais e transgêneros.
Em seguida, utilizou-se a sigla LGBT: que significa lésbicas, gays,
bissexuais e travestis, alterada por pressões das mulheres lésbicas, pois
entenderam que sofriam dupla opressão, por ser mulher e em decorrência da
orientação sexual.
Há alguns anos atrás foi acrescido o Q (Queer), o I (Intersexuais) e o A
(Assexuais) além do sinal +, que abriga outras orientações sexuais e identidades
de gênero que existam, fazendo com que todos se sintam representados.
Pelos conceitos acima trazidos, constata-se que há dois pontos
fundamentais em relação à População LGBTQIA+, quais sejam, Identidade de
Gênero e Orientação Sexual, que serão abordados com mais detalhes nos
próximos capítulos.
A imagem a seguir ilustra a diferença entre identidade de gênero, sexo
biológico e orientação sexual.

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Fazendo um breve comparativo com o corpo humano, costumamos dizer
que a identidade de gênero está na cabeça da pessoa, ou seja, é a maneira como
ela se enxerga, isto é, o gênero com o qual ela se sente parte. Já a orientação
sexual indica pelo que a pessoa sente atração, mostra para qual lado sua
sexualidade está “orientada”, seria demonstrada no corpo humano pelo coração. O
sexo biológico, por sua vez, seria as características físicas e cromossômicas, ou
seja, a genitália que a pessoa veio ao mundo.

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3- GÊNERO

Iniciaremos o estudo fazendo uma breve abordagem sobre identidade de


gênero, sem, contudo, querer esgotar o tema considerando a complexidade.
Para melhor compreensão do gênero, é preciso trazer o conceito de sexo
biológico, que é o conjunto de informações cromossômicas, órgãos genitais,
capacidades reprodutivas e características fisiológicas secundárias que distinguem
machos e fêmeas ou intersexuais. Ou seja, diz respeito às características
biológicas que a pessoa tem ao nascer.
É o que existe objetivamente: órgãos, hormônios e cromossomos.

Feminino: vagina, ovários, cromossomos xx

Masculino: pênis, testículos, cromossomos yy

Intersexual: combinação dos dois

Não há gênero no sexo biológico, o que existe é uma expectativa social de


gênero em relação ao corpo/genital.
Após conceituar sexo biológico, serão trazidas informações sobre gênero.
O gênero é aquilo que diferencia as pessoas socialmente, considerando-se
os padrões histórico-culturais atribuídos a homens e mulheres. Nessa perspectiva,
o gênero pode ser construído e desconstruído, sendo entendido aqui como algo
mutável e não limitado.
O gênero, mesmo que tenha sido um termo designado inicialmente para
diferenciar homens e mulheres, refere-se a características que representam a
subjetividade íntima das pessoas: o gênero é como cada um se reconhece, com
base nas referências que recebeu durante a vida.
Este conceito é utilizado para distinguir a dimensão biológica da dimensão
social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana,
mas a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Pressupõe
que os conceitos de homem e de mulher são produtos da realidade social, e não
decorrência da anatomia de seus corpos.

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O Documento Proteção, promoção e reparação dos Direitos das Pessoas
LGBT e de identidade de gênero, traz a seguinte definição:

Por sua vez, o gênero diz respeito às construções sociais do que é ser
homem ou ser mulher, bem como às relações entre os grupos sociais que
preenchem de sentido o que é “masculino” e o que é “feminino”. O
conceito de gênero tem sido amplamente utilizado pelo feminismo como
categoria analítica útil para destacar esses papéis e as possibilidades das
mulheres para além de qualquer determinismo biológico. As críticas
feministas mostraram que gêneros masculino e feminino são construções
sociais assimétricas em que há dominação e desigualdades entre homens
e mulheres. Nesse sentido, o gênero é visto como a roupagem cultural que
se associa à natureza dos corpos. Nas sociedades ocidentais considera-
se, por exemplo, que a feminilidade está associada à delicadeza, à
fragilidade, ao cuidado e à vida doméstica no âmbito privado. A
masculinidade, por outro lado, é construída com referência à força, à
virilidade e à atuação na esfera pública. Essa divisão de estereótipos não
representa apenas uma descrição das relações existentes, mas é um
modo de normatizar os corpos: espera-se que homens e mulheres se
encaixem e se adequem a esses modelos do que é a masculinidade e a
feminilidade.

Já a identidade de gênero é uma experiência interna e individual do gênero


de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento,
incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha,
modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e
outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e
maneirismos (PRINCÍPIOS, 2006).
Identidade de gênero é a percepção que uma pessoa tem de si como sendo
do gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente
de sexo biológico. A identidade de gênero da pessoa não necessariamente está
visível para as demais pessoas. Existem pessoas que não se identificam com
nenhuma dessas definições e outras que se identificam com ambas.
A pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi
atribuído no nascimento é cisgênera. Já quando a identidade de gênero diverge do
gênero que lhe foi atribuído no nascimento pelo seu sexo biológico, o indivíduo é
transgênero.
Importante trazer ainda o conceito de expressão de gênero, que nada mais é
como a pessoa manifesta-se publicamente, incluindo nome, vestimentas,
acessórios, corte de cabelo, comportamentos, formas de falar, características
corporais e da forma como interage com as demais pessoas. Vale mencionar que

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algumas pessoas possuem a mesma expressão de gênero durante a vida toda e
outras podem mudar ao longo do tempo ou com base nas circunstâncias.
Reforça-se que a identidade de gênero não se confunde com a orientação
sexual, que será estudada no próximo capítulo com mais detalhes. As pessoas
transexuais podem ser heterossexuais, lésbicas, gays ou bissexuais, como ocorre
com as pessoas cisgênero, dependendo do gênero que adota e do gênero com
relação ao qual se atrai afetivo-sexualmente.

O que é uma pessoa transexual? Segundo Jaqueline de Jesus: a


transexualidade é uma questão de identidade. Não é uma doença mental, não é
uma perversão sexual, nem é uma doença debilitante ou contagiosa. Não tem nada
a ver capricho”. E continua: “o contrário do que alguns pensam, o que determina a
condição transexual é como as pessoas se identificam, e não um procedimento
cirúrgico. Assim, muitas pessoas que hoje se consideram travestis seriam, em
teoria, transexuais (JESUS, JAQUELINE, 2012).
Segundo Jaqueline de Jesus, 2012: Cada pessoa transexual é tratada de
acordo com o seu gênero: mulheres transexuais adotam nome, aparência e
comportamentos femininos, querem e precisam ser tratadas como quaisquer outras
mulheres. Homens transexuais adotam nome, aparência e comportamentos
masculinos, querem e precisam ser tratados como quaisquer outros homens.

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Em resumo:

O que é homem transexual? Pessoa que deseja ser


reconhecida como homem.
O que é uma mulher transexual? Pessoa que deseja ser
reconhecida como mulher.
O que é uma travesti? O termo travesti engloba pessoas que
têm uma identidade de gênero feminina, mas que não se entendem
como mulheres trans. É uma manifestação tipicamente latina, de
pessoas que tiveram o gênero masculino designado no nascimento,
mas descobriram em si essa força feminina que forma sua
identidade.

Há posicionamento que o conceito de travesti e mulher trans se equivalem.


Durante muito tempo, o termo era considerado pejorativo ou associado à
prostituição. Contudo, atualmente o conceito vem sendo ressignificado e passou a
ter mais peso político. Há pessoas que afirmam com orgulho que são travestis
devido à história do termo.

Atenção!!!

Drag Queen/Drag King são artistas que se vestem, de


maneira estereotipada, conforme gênero masculino ou
feminino, para fins artísticos ou de entretenimento. A
sua personagem não tem relação com sua identidade
de gênero ou orientação sexual.
Desta forma, não se confunde com pessoas
transexuais ou travestis.

O vídeo da CNN, cujo link encontra-se a seguir, traz informações sobre as


diversidades em relação ao gênero e a sexualidade.

Diversidades de gênero e sexualidade


https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/identidade-de-genero-mostra-como-as-
pessoas-se-reconhecem-no-mundo/

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4- ORIENTAÇÃO SEXUAL

Após analisar o gênero, neste capítulo serão trazidas informações sobre


sexualidade e orientação sexual.
A sexualidade pode ser definida como a necessidade de receber e
expressar afeto e contato que proporcionem sensações prazerosas para cada um.
A sexualidade, portanto, não se restringe ao sexo e considera uma múltipla
combinação de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Ela engloba o
toque, o abraço, o gesto, a palavra que transmite prazer etc.
Já a orientação sexual tem relação com o modo que as pessoas se sentem
em relação à afetividade e à sexualidade. Trata-se da atração ou ligação afetiva
que se sente por outra pessoa.
Pessoas que gostam de outras do gênero oposto são chamadas de
heterossexuais ou heteroafetiva. Já quando o interesse é por uma pessoa do
mesmo gênero, a pessoa é denominada como homossexual ou homoafetiva.
Há ainda as pessoas que se sentem atraídas por ambos os gêneros. São os
bissexuais.
Sintetizando:

O que é uma pessoa heterossexual? É aquela que se relaciona


ou deseja se relacionar com pessoa de gênero diferente daquele com
o qual se identifica.
O que é uma pessoa homossexual? É aquela que deseja se
relacionar com pessoas iguais ao gênero que se identifica.
O que é uma pessoa lésbica? É uma mulher cisgênero ou
transexual que se relaciona afetiva ou sexualmente ou deseja se
relacionar com outras mulheres.
O que é um gay? É um homem cisgênero ou transexual que se
relaciona afetiva ou sexualmente ou deseja se relacionar com outros
homens.
O que é um bissexual? É aquela pessoa que deseja se
relacionar com outra pessoa de qualquer gênero.

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Em relação à orientação sexual, existem também os assexuais, que são as
pessoas que não se interessam sexualmente ou de forma afetiva por nenhum
gênero.
Vale mencionar que para os conceitos trazidos, leva-se em conta a
identidade de gênero e não o sexo biológico. Nada impede, claro, que a pessoa
se sinta atraída exclusivamente por pessoas cisgêneras.

Não se deve utilizar o termo


homossexualismo, uma vez o que
sufixo ismo refere-se a doenças.
Em 1993, a após a Classificação
Internacional de Doenças deixar de
considerar as práticas homoafetivas
como doenças, ocorreu a alteração
para o sufixo dade, que significa
vivência ou prática.

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Não se deve utilizar a opção sexual, pois a sexualidade é inerente à
personalidade, ou seja, a pessoa não escolhe, ela é e se reconhece como
heterossexual, homossexual ou bissexual. A pessoa descobre-se ao longo de seu
desenvolvimento e, a partir daí, tem noção de sua atração por um ou mais gêneros.
Conclui-se que a sexualidade e o desejo sexual das pessoas são
direcionados internamente, não sendo uma opção por qual gênero sentirão atração
afetiva e sexual.
O vídeo produzido pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da
UFMG esclarece a razão do termo correto a ser utilizado é Orientação Sexual e
não Opção Sexual.

Opção x orientação sexual

https://www.youtube.com/watch?v=zjUKJIzjU3Q&t=4s

MITOS E VERDADES

A Cartilha Direitos da População LGBT do Ministério Público do Pernambuco


traz alguns mitos e verdades sobre a identidade de gênero e orientação sexual,
conforme quadro a seguir:

MITOS VERDADES

Homossexualidade e bissexualidade Não, a Organização Mundial de Saúde


são doenças. (OMS) não as reconhece como
doenças.

Transexualidade é doença. Não, a Organização Mundial de Saúde


a considera como condição de saúde
para viabilizar o acesso e atendimento
nos serviços.

Homossexualidade, bissexualidade e Não, as pessoas podem reprimir sua


transexualidade são opções. sexualidade em função da família,
religião, cultura, posição social, mas
não mudam. Ter um relacionamento
homossexual e, em outro momento,
heterossexual, pode indicar
bissexualidade

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Os bissexuais são indecisos ou Não, a bissexualidade é inerente à
curiosos pessoa e não deve ser confundida com
promiscuidade ou indecisão.

Homossexualidade é contagiosa. Não. A homossexualidade é expressão


da sexualidade, não sendo
transmissível ou contagiosa.

Homossexuais e bissexuais são Não. A promiscuidade não depende da


promíscuos. orientação afetiva-sexual.

Meninas que brincam com carrinhos e Não. A homossexualidade não


bola e meninos que brincam com depende das influências externas.
bonecas e casinha se tornarão adultos
homossexuais.

Filhos de casal homossexual serão Não, até porque os homossexuais, na


homossexuais. sua maioria, foram criados em famílias
heterossexuais.

As travestis são homens que se vestem Não. As travestis são mulheres e


de mulher devem ser tratadas como tal.

Casais homossexuais de mãos dadas Não. Demonstração de carinho não é


estão ofendendo as demais pessoas. ofensivo nem ilegal.

A liberdade de expressão permite a Não. O direito à dignidade humana


manifestação de ódio, repúdio e deve ser respeitado e está acima da
incitação contra pessoas homossexuais liberdade de expressão. É bom lembrar
e trans. que muitos suicídios e homicídios de
homossexuais são motivados por essas
manifestações de ódio

O ensino sobre diversidade sexual e de Não. A educação sobre diversidade


gênero na escola incentiva a vida sexual e de gênero desconstrói
sexual ou ensina as pessoas a serem preconceitos e combate a violência
LGBT. contra mulheres e LGBTs.

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5- CONTEXTO HISTÓRICO

Neste capítulo serão abordados alguns marcos históricos relacionados à


População LGBTQIA+, sem ter a pretensão de esgotar o tema.
Os primeiros registros históricos de indivíduos homossexuais são datados
de aproximadamente 12000 A.C. Nas civilizações antigas, como na Índia, Egito,
Grécia e América, a homossexualidade era admitida e retratada em pinturas e
cerâmica.
Com o advento do Cristianismo, por volta de 533 D. C. em Roma, foi editada
uma lei que punia com a fogueira e a castração os homossexuais, caminho que se
segue durante as Idades Média e Moderna. Na Idade Média, a Igreja torna-se a
maior perseguidora das pessoas homossexuais.
Em 1533, surgiram as primeiras leis no ocidente proibindo as relações
homossexuais, que tiveram forte influência do movimento cristão da Inquisição. O
Código de Portugal previa até a possibilidade de pena de morte
As leis que proibiam a prática de sodomia (sexo anal), em especial nas
relações homossexuais, passaram a ser editadas em vários países ocidentais.
Diversos países colonizadores, como Inglaterra, Portugal e Espanha, proibiam as
relações homoafetivas, o que também foi introduzido nos países colonizados.

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Na Alemanha, durante o nazismo, as pessoas homossexuais foram punidas,
com muitas mortes. Após a queda do nazismo, os homossexuais condenados
deixaram os campos de concentração mas continuaram a cumprir as penas
previstas.
Já em 1969, no dia 28 de junho, nos Estados Unidos, acontece um dos
principais marcos relacionados à População LGBTQIA+, considerado o marco zero
do movimento LGBT contemporâneo. Na referida data, gays, lésbicas, travestis e
drag queens enfrentam policiais e iniciam uma rebelião, denominada “Revolta de
Stonewall”, que durou uma semana e deu início ao movimento pelos direitos LGBT
nos Estados Unidos e no mundo.
Em razão deste acontecimento é comemorado mundialmente em 28 de
junho, Dia Internacional do Orgulho LGBT.
Vale mencionar que nos dias atuais ainda existem vários países que
criminalizam a homossexualidade e alguns tem a previsão de pena de morte,
conforme a ilustração acima.
De acordo com pesquisas recentes, 73 países criminalizam a
homossexualidade e 13 com pena de morte. Já os países que reconhecem o
casamento entre as pessoas homossexuais são cerca de 47 países.
O movimento LGBTQIA+ no Brasil iniciou com mais força durante a Ditadura
Militar, com publicações em jornais. O Jornal Lampião teve grande relevância,
surgindo no ano de 1978 e tinha um cunho homossexual, denunciando violências
contra a população LGBT.
Em 1981, foi fundado o jornal ChanacomChana por um grupo de lésbicas e
era vendido em um bar, porém foi proibido, ocorrendo uma manifestação que
resultou no fim da proibição da comercialização do ChanacomChana, e deu origem
ao Dia do Orgulho Lésbico em São Paulo.
No ano de 2006, em uma reunião realizada na Indonésia com
representantes de 25 países, foi elaborado o documento “Princípios de
Yogyakarta”, que reconhece as violações de direitos por motivos de orientação
sexual ou identidade de gênero como violações de direitos humanos. É um dos
documentos mais importantes no âmbito internacional relacionado à temática e
encontra-se disponível no material complementar.

19
De acordo com o referido documento, a discriminação com base na
orientação sexual ou na identidade de gênero inclui qualquer distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseada na orientação sexual ou identidade de gênero que
tenha o objetivo ou efeito de anular ou prejudicar a igualdade perante a lei ou
proteção igual da lei, ou ainda o reconhecimento, gozo ou exercício, em base
igualitária, de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais.

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6- CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOFOBIA E TRANSFOBIA

Apesar das constantes lutas e dos movimentos sociais da população


LGBTQIA +, o Congresso Nacional ainda não criou uma legislação que viesse a
criminalizar a homofobia e a transfobia.
Até junho de 2019, quando uma pessoa da população LGBTQIA+ era vítima
de um delito que envolvesse aversão odiosa quanto à sua orientação sexual ou
identidade de gênero, a Autoridade responsável por enquadrar a conduta praticada
aos delitos existentes na legislação vigente seguia o estabelecido no Código Penal
Brasileiro com suas penalidades.

Em 13 de junho de 2019, O STF julgou a ADO 26 (Ação Direta de


Inconstitucionalidade por Omissão) e do MI (Mandado de Injunção) 4733 e
reconheceu a mora do Congresso Nacional em legislar sobre atos atentatórios
sobre direitos fundamentais dos integrantes das comunidades LGBTQIA+
reconhecendo como sendo crime de Racismo (Lei 7716/89) até que se edite a
norma regulamentando sobre o assunto.

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No julgamento a Ministra Carmem Lúcia, iniciou dizendo: “todo preconceito é
violência e causa sofrimento”, e continuou:

Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é


diferente, o negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é
diferente. Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser
o espelho e não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando.
(...)

Nesses termos, estabeleceu que, até que sobrevenha uma lei emanada do
Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização
definidos no artigo 5º, XLI e XLII, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou
supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de
gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em
sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação
típica aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei do Racismo,
constituindo também na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o
qualifica, por configurar motivo torpe.

Neste julgamento, foi feita uma ressalva, com relação à liberdade religiosa.
Ainda hoje, é comum que algumas religiões não tolerem a união homoafetiva e
repudiam severamente esse tipo de conduta. Assim, neste julgado, foi estabelecida
a liberdade religiosa, independe da denominação confessional professada, a cujos
fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e
líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, etc.) é assegurado o direito de
pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro
meio, o seu pensamento de externar suas convicções de acordo com o que se
contiver em seus livros e códigos sagrados.
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Nessa linha, os fiéis e ministros podem ensinar segundo sua orientação
doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os
fatos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou
privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não
configurem discurso de ódio, ou seja, aquelas exteriorizações que incitem a
discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua
orientação sexual ou de identidade de gênero.
A decisão enfatizou que o conceito de racismo projeta-se para além de
aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta de uma construção de
índole histórico e cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e
destinada ao controle ideológico, à denominação política, à subjugação social e à
negação da alteridade da dignidade e da humanidade daqueles que, por
integrarem grupo vulnerável e por não pertencerem ao estamento que detém
posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos
e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico,
expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização,
a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
No mesmo sentido foi a decisão do Mandado de Injunção 4733/DF, proposta
pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e transgêneros (ABGLT).

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS E TRANSGÊNEROS -


ABGLT

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção,


vencido o Ministro Marco Aurélio, que não admitia a via mandamental. Por
maioria, julgou procedente o mandado de injunção para (i) reconhecer a
mora inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, com efeitos
prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a
Lei nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes
resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade
de gênero, nos termos do voto do Relator, vencidos, em menor extensão,
os Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (Presidente) e o Ministro
Marco Aurélio, que julgava inadequada a via mandamental. Plenário,
13.06.2019.

Assim, o plenário decidiu, por maioria de votos, que, até que se edite uma
norma regulamentando a matéria que versa sobre homofobia e transfobia, será
aplicada a Lei 7716/1989 (crimes contra o racismo). Resaltando que, nos cultos
religiosos, dada a liberdade religiosa, essa decisão não alcança nem restringe,
23
desde que não incite discursos de ódio, seja em forma de discriminação ou
preconceito.
Essa criminalização da homofobia/transfobia pelo Supremo Tribunal Federal,
representou uma importante conquista para a Comunidade LGBTQIA+ pois tipificou
uma conduta criminosa envolvendo o gênero e orientação sexual das pessoas com
uma possível punição prevista na Lei 7716/1989. Enquanto isso, aguarda-se uma
legislação por parte do Congresso Nacional.
A Cartilha Direitos da População LGBT do MPPE traz alguns exemplos de
LGBTfobia, que ocorre quando a pessoa:

• Foi proibido/a de entrar e/ou permanecer em algum estabelecimento


público ou privado em razão da sua sexualidade.
• Alguém lhe prestou atendimento seletivo ou diferenciado, não previsto em
Lei.
• Foi retirado/a de algum local por trocar carinho com seu/sua parceiro(a).
• Foi proibido/a de unir-se com seu parceiro(a).
• Algum familiar ou conhecido lhe abusou sexualmente por ser LGBTQIA+.
• Foi perseguida, sofreu assédio moral ou foi demitida do trabalho.
• Sofreu bullying ou foi expulso/a da escola.
• Não recebeu assistência ou atenção adequada em ambientes públicos ou
privados.
• Alguém lhe bateu ou espancou por ser LGBTQIA+.
• Sofreu ameaças de morte por ser LGBTQIA+.
• Teve negado o direito da utilização do banheiro de acordo com o gênero de
identificação.
• Não teve respeitado o direito ao uso do Nome Social.

24
7- DIREITOS CONQUISTADOS NOS ÚLTIMOS ANOS

7.1 Saúde

A Constituição da República de 1988 garante o direito à saúde a todos nos


termos do artigo 196. Entretanto, se até para a população em geral nem sempre o
atendimento prestado é adequado, seja no serviço público seja no privado, imagina
para a população LGBTQIA + que, além dessas dificuldades que já são
encontradas rotineiramente, ainda enfrentam a discriminação e o preconceito das
pessoas?
Em 01 de dezembro de 2011, o Ministério da Saúde editou a Portaria
2836/11 instituindo, no âmbito do Sistema único de Saúde (SUS), a Política
Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(Política Nacional de Saúde Integral LGBT) que, segundo o documento, tem como
objetivo geral de promover à saúde integral da População LGBT, eliminando a
discriminação e o preconceito institucional e contribuindo para a redução das
desigualdades e para a consolidação do SUS como sistema universal, integral e
equitativo.
Dentre alguns dos objetivos da Portaria estão: o de atuar na eliminação do
preconceito e da discriminação da população LGBT nos serviços de saúde, garantir
acesso ao processo transexualizador na rede do SUS, prevenir novos casos de
câncer de próstata entre gays, homens bissexuais, travestis e transexuais e ampliar
acesso ao tratamento e garantir os direitos sexuais e reprodutivos da população
LGBT no âmbito do SUS.
A Portaria foi realizada com base no Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e dos Direitos Humanos de LGBT, da Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) e na 13ª Conferência Nacional
de Saúde (2007).
As cirurgias do processo transexualizador incluem mastectomia (retirada
dos seios), plástica mamária (implante de prótese mamária de silicone), tireoplastia
(redução do pomo de adão para feminilização da voz), histerectomia (retirada do
útero e ovários), as cirurgias de redesignação sexual no órgão genital de ambos os
gêneros e cirurgias complementares.

25
Além disso, o SUS oferece terapia medicamentosa hormonal disponibilizada
mensalmente (estrógeno ou testosterona) e acompanhamento do usuário no
processo com uma equipe multiprofissional nas unidades de saúde e ambulatórios.
Em 2018 a Organização Mundial da Saúde (OMS) removeu da sua
classificação oficial de doenças, a CID-11, o chamado “transtorno de identidade de
gênero”, definição que considerava como doença mental a situação de pessoas
trans - indivíduos que não se identificam com o gênero que lhes foi atribuído no
nascimento.
Na nova edição da CID a transexualidade passa para o capítulo de
“condições relacionadas à saúde sexual” e é classificada como “incongruência de
gênero”.
Menciona-se que a identidade trans não é causada por qualquer condição
psiquiátrica, mas pessoas trans estão sujeitas a maiores taxas de adoecimentos
mentais como resultado de transfobia.
Em junho de 2021, o STF, em decisão monocrática de Gilmar Mendes,
determina adoção de medidas para garantir que pessoas transexuais e travestis
tenham acesso a todos os tipos de tratamento disponíveis no SUS
independentemente de sua identidade de gênero.
A ideia é que qualquer pessoa possa marcar consultas de qualquer
especialidade, inclusive as relacionadas especificamente aos órgãos do aparelho
reprodutor, como obstetrícia, ginecologia e urologia.
A decisão deve-se ao fato de que a alteração da identidade de gênero por
parte das pessoas transexuais pode dificultar o acesso a determinados serviços,
como no seguinte exemplo: um homem trans que ainda conserva órgãos
reprodutores femininos pode engravidar. E engravida. Mas quando essa pessoa
procura um pré-natal no hospital público, por exemplo, encontra uma série de
dificuldades por adotar o nome masculino.
Há ainda uma grande necessidade de capacitar médicos, psicólogos e
demais profissionais da área da saúde para atender a população LGBT, visando
impedir a utilização de instrumentos e técnicas que criem ou mantenham
preconceitos.
Atualmente, depois de mais de 10 anos da vigência da Portaria, o maior
desafio da população LGBTQIA + é vencer o preconceito e a discriminação de

26
alguns gestores e profissionais da saúde. O profissional de saúde tem que se
atentar às particularidades dos pacientes que estão sendo atendidos, atuando com
respeito, ética e profissionalismo.

7.2 Casamento e União Estável

Ao longo dos anos, a comunidade LGBTQIA+ empenhou muitos esforços


visando o reconhecimento do casamento e da União Estável entre pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar, nos mesmos moldes já reconhecidos aos
relacionamentos heterossexuais. Tratava-se de uma demanda por igualdade, por
reconhecimento dos mesmos direitos, com os mesmos nomes e não com
denominações discriminatórias que afastam o conceito de família e que nem
sempre incluem os mesmos direitos garantidos pelo casamento.

O direito ao casamento foi conquistado por casais homossexuais a partir da


atuação do Poder Judiciário. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou
conjuntamente duas ações (ADI 4277/DF e ADPF 132/RJ) e reconheceu esse
direito, proibindo a discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da
dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada
qual deles.

27
Nessa decisão, foi enfatizada a proibição do preconceito por colidir com o
objetivo constitucional de promover o bem de todos e do princípio da dignidade da
pessoa humana, direito à autoestima e o direito à busca da felicidade. A decisão
enfatizou a Constituição da República de 1988 que confere à família, base da
sociedade, especial proteção do Estado e que família não significa casais
heteroafetivos ou pares homoafetivos. Com isso, foi declarada a ilegitimidade de
distinção de tratamento legal dispensada aos casais homossexuais.
Nesse mesmo ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu a
1ª decisão na 2ª Vara de Família e de Sucessões convertendo a União Estável em
Casamento entre um casal homossexual do sexo masculino que se declararam
viver em união estável por 08 (oito) anos, sendo publicado o edital e cumpridas
todas as formalidades legais para habilitação do casamento, exigidas para um
casal heterossexual.
Esse pedido, feito pelo casal, foi instruído com a declaração de duas
testemunhas no sentido de que os requerentes mantêm uma convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. O
Ministério Público não se opôs ao pedido. O Juiz fundamentou sua decisão na
Constituição da República de 1988, que estabelece a promoção de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação e que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza e que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Continuou
enfatizando que a família é a base da sociedade e tem especial proteção do
Estado.
A decisão do Magistrado, que por sinal foi muito acertada, citou a
Constituição da República de 1988 que reconhece a união estável como entidade
familiar, e que a Lei deve facilitar sua conversão em casamento e que os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e
pela mulher.
O Magistrado, em uma visão bem moderna e realista, fundamentou sua
decisão alegando que atualmente, milhares de pessoas do mesmo sexo
compartilham a vida juntos como casados fossem e que a ausência de respaldo
jurídico a tal realidade causou inúmeros prejuízos e injustiças, desde o não
reconhecimento do direito à sucessão, passando pela ausência da presunção legal

28
de esforço comum no patrimônio constituído, até a ausência de direitos sociais,
como a pensão previdenciária por morte.
Outros Tribunais também já manifestaram no sentido de reconhecimento de
direitos de casais homossexuais, inclusive o Tribunal de Justiça de Minas Gerais,
no agravo de Instrumento 1.0024.13.170477-0/0010499310-23.2013.8.13.001,
julgado em 08 de outubro de 2013, possibilitando a inclusão de companheiro
homossexual como dependente para fins previdenciários e que não é necessário
demonstrar a dependência econômica do (a) companheiro (a) que visa sua
inclusão como dependente junto ao IPSEMG.
Diante das lacunas e incertezas na interpretação das decisões judiciais,
notadamente da decisão do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), editou em
maio de 2013, a Resolução n. 175. Essa Resolução proíbe que as Autoridades dos
Cartórios recusem celebrar casamento civil e recusem converter União Estável em
casamento entre casais homossexuais.
Com a Resolução em vigor, os casais homossexuais podem escolher entre
os regimes de casamentos permitidos em lei para casais heterossexuais e a
procurar o Ministério Público ou Juiz Corregedor, caso seu pedido de casamento
ou conversão de União estável em casamento seja negado. Se isso ocorrer, as
autoridades responsáveis pela fiscalização dos Cartórios irão obrigá-lo a realizar o
casamento e, ainda, poderá vir a sofrer sanções de natureza administrativa.
Assim, os requisitos para casamento e conversão de União Estável em
casamento de casais homossexuais serão os mesmos exigidos para os casais
heterossexuais, estabelecendo, nestes termos, um casamento igualitário, sem
preconceitos, alargando os limites da democracia no Brasil.
Percebe-se que mesmo com esse avanço do casamento igualitário e
reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, o casamento homoafetivo ainda
não foi concedido por lei. Em virtude das reiteradas decisões, direitos passaram a
ser deferidos em sede administrativa, como o pagamento do seguro DPVAT,
concessão pelo INSS de pensão por morte e auxílio reclusão, a inclusão do
companheiro como dependente do imposto de renda, dentre outros.
Acreditamos que, em breve, o Congresso Nacional irá regulamentar a
matéria e não existirá mais qualquer dúvida que verse sobre o tema, fazendo

29
prevalecer direitos iguais aos cidadãos brasileiros, sem discriminações ou
preconceitos.

7.3 Nome Social

A legislação vem evoluindo e sendo criada gradativamente e em


conformidade com os novos padrões. É muito triste e constrangedor quando uma
pessoa é chamada por um nome que lhe foi atribuído pelo nascimento, mas que
nunca gostou de ouvi-lo.
Em 2016 foi criado o Decreto 8727/16 que estabelece o uso do nome social
e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no
âmbito da administração pública federal, autárquica e fundacional.
Segundo estabelece o Decreto, nome social é aquele que a pessoa travesti
ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida e identidade de gênero é a
dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona
com as representações de masculinidade e feminilidade e com isso se traduz em
sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no
nascimento.

30
Em 27 de janeiro de 2017 foi criado o Decreto 47.148 em Minas Gerais que
assegura o direito de uso do nome social e o reconhecimento da identidade de
gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública
estadual.
Em 05 de fevereiro de 2018, mais uma conquista foi alcançada. Foi criado o
Decreto Federal 9278/2018 que assegura validade nacional às carteiras de
Identidade e regula sua expedição. Esse Decreto estabeleceu que algumas
informações poderão ser incluídas a pedido do interessado, dentre elas, o nome
social.
O nome social poderá ser incluído mediante requerimento escrito do
interessado com a expressão “nome social”, sem prejuízo da menção ao nome do
registro civil, no verso da Carteira de Identidade, e sem a exigência de
documentação comprobatória. O nome social também poderá ser excluído, se
assim o interessado desejar, mediante requerimento escrito.
No Sistema Único de Saúde, o respeito ao direito ao nome social e a
identidade de gênero do usuário do serviço está assegurado pela Portaria
1820/2009. E a Receita Federal expediu a Instrução Normativa 1718 autorizando a
inclusão do nome social no CPF do (a) contribuinte transexual ou travesti.

31
7.3.1 Retificação de Registro Civil

A requalificação civil é quando a pessoa altera nome e gênero na certidão


de nascimento e, portanto, em todos os outros documentos. Em março de 2018,
uma decisão do STF (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275) passou a garantir
que essa alteração seja feita administrativamente em um cartório de registro de
pessoas naturais, sem a necessidade de ação judicial e sem a necessidade de
cirurgia de redesignação sexual ou apresentação de laudos.
Com a decisão, não é mais necessária qualquer autorização judicial para
que seja realizada a alteração do registro civil ou ainda a comprovação de
realização de procedimentos cirúrgicos ou acompanhamento médico ou
psicológico, sendo necessário apenas o procedimento no cartório de registro civil.
É um grande avanço porque reconhece a autodeterminação de nome e
gênero, independente da genitália, garantindo um direito da personalidade do
sujeito, sem precisar de advogado ou acessar o judiciário em um processo moroso.
Qualquer pessoa travesti ou transexual acima de 18 anos pode solicitar a
alteração, em qualquer cartório de registro civil do território nacional, sem a
presença de advogado ou defensor público. Para menores de 18 anos, a mudança
será possível somente via judicial.
De acordo com a decisão do STF, podem ser alterados somente o nome,
somente o gênero ou ambos. Podem ser alterados também os agnomes indicativos
de gênero (ex: filho, júnior, neto).
O provimento 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça dispõe que:
Art. 2º Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de
todos os atos da vida civil poderá requerer ao ofício do RCPN (Registro
Civil de Pessoas Naturais) a alteração e a averbação do prenome e do
gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida.
§ 1º A alteração referida no caput deste artigo poderá abranger a inclusão
ou a exclusão de agnomes indicativos de gênero ou de descendência.
§ 2º A alteração referida no caput não compreende a alteração dos nomes
de família e não pode ensejar a identidade de prenome com outro membro
da família.
Art. 4º O procedimento será realizado com base na autonomia da pessoa
requerente, que deverá declarar, perante o registrador do RCPN, a
vontade de proceder à adequação da identidade mediante a averbação do
prenome, do gênero ou de ambos.
§ 1º O atendimento do pedido apresentado ao registrador independe de
prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de
redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim
como de apresentação de laudo médico ou psicológico.

32
7.4 Uso do Banheiro

Uma questão que vem sendo discutida com muita polêmica e reações
adversas das mais variadas ordens é a utilização dos banheiros por parte das
pessoas transexuais. Existiria mesmo colisão de direitos por parte da pessoa trans
em utilizar o banheiro do gênero que se identifica com o direito da pessoa que se
identifica com seu sexo biológico de não dividir espaços íntimos com pessoas de
“outro sexo”?
Há quem defenda que as mulheres não estariam seguras compartilhando
banheiros com transexuais já que poderiam ser vítimas de abusos por parte delas e
até mesmo poderia ter homens se passando por transexuais para cometer esses
delitos dentro dos banheiros femininos.
Não há nenhum dado concreto que possa levar à afirmação de que as
mulheres estariam mais vulneráveis compartilhando o banheiro com pessoas trans,
muito pelo contrário, as pessoas transexuais que são cotidianamente humilhadas e
expulsas dos banheiros públicos em uma atitude totalmente preconceituosa por
parte das pessoas. E quanto à invasão do banheiro por homens se passando por
transexuais para cometer delitos, além de não ter nenhum dado concreto que isso
aconteceria, o agressor deverá ser punido com as penas do delito que vier a
cometer.
Existe um projeto de Lei 5008/2000 que proíbe a discriminação de banheiros
públicos de acordo com a identidade de gênero. Isso significa que, se a proposta
for aprovada pelos parlamentares, o uso desses espaços poderá ser feito de
acordo com a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica.
No ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) já é possível a escolha do
banheiro por travestis e transexuais e a utilização do banheiro de acordo com o
gênero com o qual se identificam.
Existe em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso
Extraordinário 845.779, com repercussão geral, que discute a reparação de danos
morais a transexual que teria sido constrangida por empregado de um shopping em
Florianópolis (SC) ao tentar utilizar banheiro feminino. Embora o recurso não tenha
sido finalizado, já existem diversas decisões que concedem o direito da pessoa
transexual de utilizar o banheiro público no qual se sentem confortáveis.

33
Diante do exposto, percebe-se que não existem justificativas plausíveis para
não permitir o direito ao uso do banheiro por parte dos transexuais pautando em
situações totalmente hipotéticas e atentando contra os direitos da igualdade e
dignidade da pessoa humana.

7.5 - Direitos Políticos

As travestis e transexuais têm direito de concorrer a cargos eletivos nas


cotas destinadas ao gênero com o qual se identificam e a usar nome social para se
identificar nas urnas.
Também têm direito a utilizar o nome social no seu título de eleitor, nos
termos da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral n° 23.562. De acordo com a
Resolução, a pessoa travesti ou transexual poderá, por ocasião do alistamento ou
de atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral, se registrar com seu nome
social e respectiva identidade de gênero, sendo certo que o nome social não
poderá ser ridículo ou atentar contra o pudor.
O nome social constará no título de eleitor impresso ou digital bem como no
Cadastro Eleitoral, preservados os dados do registro civil. A Justiça Eleitoral
restringirá a divulgação de nome civil dissonante da identidade de gênero
declarada no alistamento ou na atualização do Cadastro Eleitoral.

7.6 - Adoção

O Estatuto da Criança e Adolescente não faz qualquer distinção entre


adoção por casais homossexuais e heterossexuais e estabelece que podem adotar
maiores de 18 (dezoito) anos, independente do estado civil, desde que não sejam
ascendentes e irmãos do adotando.
O Estatuto permite ainda a adoção conjunta, desde que os adotantes sejam
civilmente casados ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da
família.
Os divorciados e ex-companheiros podem adotar conjuntamente, desde que
acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de

34
convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja
comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não
detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão.
A legislação em vigor visa à proteção integral à Criança e ao Adolescente e
à proteção da vida e da saúde, sem preconceitos, preservando sempre o melhor
interesse deles.
Sendo assim, desde que preservados os direitos da criança e do
adolescente adotado, qualquer pessoa, independente do sexo biológico, orientação
sexual ou identidade de gênero, que preencher os requisitos, poderá adotar, sem
qualquer discriminação ou preconceito.

Em março de 2016, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) regulamentou


por meio do Provimento n° 52, o duplo registro de filhos, inclusive os gerados por
reprodução assistida (fertilização invitro) de pais homossexuais seja do sexo
feminino, seja do sexo masculino.
Com esse Provimento do CNJ em vigor, grandes conquistas foram
alcançadas já que com registro de nascimento e a inclusão de genitores, outros
direitos decorrerão destes, tal como herança, inclusão de dependente em plano de
saúde.
Infelizmente, ainda têm pessoas que acreditam que casais homoafetivos não
seriam capazes de criar seus filhos e que o ambiente do lar não seria propício para
o crescimento e desenvolvimento saudável de uma criança ou adolescente.

35
Diante disso, o maior desafio dos casais homossexuais é enfrentar o
preconceito e a discriminação da sociedade que insiste em manter uma visão
machista e patriarcal e não uma família composta de amor à pessoa e respeito aos
filhos.

36
7.7 Lei Maria da Penha

A Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que protege a mulher vítima de


violência doméstica e familiar, prevê expressamente a proteção da mulher em
união homoafetiva no parágrafo único do artigo 5º:
“ As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação
sexual”.

Para a aplicação da Lei Maria da Penha é necessário que a violência ocorra


no âmbito doméstico, familiar ou em uma relação íntima de afeto, em razão do
gênero.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe
cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral
ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive
as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A violência pode ser psicológica, moral, física, patrimonial ou sexual.

Há diversas decisões judiciais que aplicam a Lei Maria da Penha para coibir
a violência doméstica e familiar contra mulheres transexuais e travestis quando
baseada no gênero, independente de cirurgia de transgenitalização, alteração do
nome ou sexo no documento civil. Inclusive este é o entendimento da sexta turma
do Superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu a aplicação da referida Lei às
mulheres trans, conforme trecho do relator ministro Rogerio Schietti Cruz a seguir:

37
Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres
humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata.
As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se
deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas,
especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra
minorias.

Nestes casos, aplica-se todos os direitos garantidos pela Lei Maria da


Penha, como solicitação de medidas protetivas, encaminhamento a Casas Abrigo,
acompanhamento policial para retirada de pertences, encaminhamento ao hospital,
acompanhamento jurídico, dentre outros.

38
8- DESAFIOS ENFRENTADOS PELA POPULAÇÃO LGBTQIA+

Embora a população LGBTQIA + tenha conquistado muitos direitos ao longo


desses últimos anos, ainda enfrentam muita discriminação nas questões escolares,
no mercado de trabalho, no acesso à saúde, dentro outras.
8.1 Educação:

O movimento LGBTQIA+ apresenta diversas reivindicações no tocante à


educação nas Escolas e a inclusão de conteúdos sobre orientação sexual e
identidade de gênero nos currículos escolares, assim como a formação de
professores voltados para a diversidade. Sabemos que a educação tem potencial
para transformar as pessoas e eliminar todas as formas de discriminação e
preconceito.
Nos estabelecimentos de ensino não é permitido o uso de materiais
didáticos e metodologias que reforcem a homofobia e a discriminação e reforcem o
ódio quanto à orientação sexual das pessoas.
As atividades das escolas referentes a datas comemorativas, como dia das
mães, dia dos pais, precisam ficar atentas quanto à multiplicidade de famílias hoje
existentes, evitando constrangimentos por parte dos alunos filhos de famílias
homoafetivas.
Desse modo, capacitando os professores para uma educação inclusiva e
atuando com responsabilidade, os estabelecimentos de ensino reduzirão a evasão
escolar e garantirão um ambiente livre de prática de bullying por orientação sexual
ou identidade de gênero.
É necessária ainda a efetivação de políticas públicas para diminuir a evasão
escolar das pessoas transexuais.
Devido ao processo de exclusão familiar, social e escolar, como já
mencionado em diversas ocasiões e em pesquisas anteriores, estima-se que 13
anos de idade seja a média em que travestis e mulheres transexuais sejam
expulsas de casa pelos pais (ANTRA, 2017) - e que cerca de 0,02% estão na
universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% o ensino fundamental
(Dados do Projeto Além do Arco-íris/Afro Reggae). Essa situação se deve muito ao
processo de exclusão escolar, gerando uma maior dificuldade de inserção no

39
mercado formal de trabalho e deficiência na qualificação profissional causada pela
exclusão social. (BENEVIDES E NOGUEIRA, 2021)

8.2 Trabalho

O acesso ao mercado de trabalho é assegurado a todos, sendo proibido


inibir o ingresso, proibir a admissão no serviço público ou privado em função da
identidade de gênero ou orientação sexual da pessoa.
Visando garantir a igualdade e maiores oportunidades no mercado de
trabalho, como uma ação afirmativa, o Rio Grande do Sul publicou um edital
adotando o sistema de cotas a pessoas transexuais para ingresso no serviço
público.
É proibido demitir ou estabelecer diferenças salariais em função da
orientação sexual ou identidade de gênero.
Apesar de todas essas proibições, ainda são poucas as pessoas LGBTQIA+
que conseguem romper as barreiras do preconceito e da discriminação da
pessoas.
O preconceito é mais evidente em relação às pessoas transexuais e
travestis. A exclusão familiar e social, a evasão escolar e a falta de qualificação
profissional dificultam o ingresso no mercado de trabalho formal.
Com aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade social e de
miseráveis, a crise econômica, a política e aumento do desemprego, acreditamos
que se mantém atual a estimativa de que apenas 4% da população trans feminina
se encontra em empregos formais, com possibilidade de promoção e progressão
de carreira. Da mesma forma, vemos que apenas 6% estão em atividades
informais e subempregos, mantendo-se aquele que é o dado mais preocupante:
90% da população de travestis e mulheres transexuais utilizam a prostituição como
fonte primária de renda. (BENEVIDES e NOGUEIRA, 2021)
É necessária a efetivação de políticas públicas para incentivar e ampliar a
empregabilidade da população trans, de modo a diminuir a marginalização hoje
existente.

40
O vídeo a seguir traz alguns relatos de pessoas que viveram a transição de
gênero no mercado de trabalho.

Vídeo Mercado de Trabalho Pessoas Trans


https://www.youtube.com/watch?v=T6DBjdSVWvQ

8.3 Saúde

Nas questões envolvendo a saúde, as pessoas LGBTQIA + sofrem por não


ter profissionais de saúde, psicólogos e gestores capacitados e treinados para
oferecerem um serviço de qualidade, respeitando suas particularidades e agindo
com ética profissional.
São proibidas promessas de curas ou de reversão de identidade sexual
quando não solicitadas.
A orientação sexual ou identidade de gênero não podem ser usadas como
critério para a seleção de doadores de sangue, sendo proibido questionar a
orientação sexual de quem se apresenta como doador.
É necessário entender que o cenário de violência a que a população trans é
submetida, somado à exclusão do mercado de trabalho e a demais sofrimentos
relacionados a exclusões em todos os campos da sociedade, acarreta em maiores
taxas de adoecimentos mentais (transtornos mentais comuns, depressão,
ansiedade, ideações e tentativas de suicídio) e maiores adoecimentos em geral
(relacionados a tabagismo, abuso de álcool e de substâncias ilícitas, infecção por
HIV e outras IST, afastamento dos serviços de saúde, uso de hormônios
inadequados, aplicação de silicone industrial, etc.) quando comparados à
população cis.
Estima-se que jovens rejeitados por sua família por serem LGBTQIA+ têm
8,4 vezes mais chances de tentarem suicídio. Dentre adolescentes, lésbicas, gays
e bissexuais têm até cinco vezes mais chances de tirarem a própria vida do que
as/os heterossexuais.
Vale mencionar que pandemia impactou significativamente o acesso das
pessoas trans aos serviços de saúde. Em 2020, o número de atendimentos no

41
processo transexualizador, que é o processo de transição de gênero, no SUS caiu
drasticamente: as cirurgias diminuíram em 70% e a terapia hormonal em 6,5% em
comparação com o ano anterior, segundo dados do DataSus até novembro de
2020.

8.4 Exploração Sexual

A Organização das Nações Unidas define a exploração sexual como


“qualquer tentativa ou abuso efetivo de uma posição de vulnerabilidade, poder
diferencial ou confiança, para propósitos sexuais, incluindo, mas não limitado a
lucros monetários, sociais ou políticos da exploração sexual de outrem”.
Pessoas trans e travestis sofrem formas diversas de discriminação baseada
em gênero, quais seja, a ruptura familiar, exclusão social, exclusão escolar, o que
dificulta enormemente o acesso a oportunidades de qualificação profissional, ao
emprego formal e a sua estabilização financeira.

42
Sem conseguir empregos formais estáveis ou outras formas seguras de
geração de renda, a prostituição não raro se apresenta como a única forma de
subsistência, o que torna essa população mais vulnerável a redes de exploração
sexual.
Estima-se que 90% da população trans no Brasil tem a prostituição como
fonte de renda e única possibilidade de subsistência. Outra informação relevante é
de que 70% dos assassinados foram direcionados àquelas que são profissionais do
sexo, sendo que 55% deles aconteceram nas ruas.

8.5 Violência

43
Estas são algumas manchetes de reportagens que noticiam graves
violências praticadas contra a população LGBTQIA+ em razão da sua orientação
sexual ou identidade de gênero.
Nos casos de violência por motivo de preconceito, discriminação ou
intolerância, observa-se uma crueldade por parte dos agressores, o que assusta a
população em todos os cantos do país.
Apesar dos diversos avanços conquistados ao longo dos anos, a
homotransfobia é uma triste realidade no Brasil e ocorre em diversos espaços: no
espaço público, no âmbito institucional, e principalmente no ambiente familiar e
doméstico.
Há uma dificuldade na constatação dos reais índices de violência contra a
População LGBTQIA+, devido a grande subnotificação destes casos e ainda,
mesmo quando notificados, os registros não são realizados de forma adequada,
com enquadramento das ocorrências na tipificação correta, dificultando a
verificação da real proporção da situação.
A ausência de dados concretos em relação à População LGBTQIA+ e em
relação às violências praticadas contra a mesma é um entrave na formulação de
políticas públicas que visam combater tais violações de direitos.
O Brasil ocupa uma posição nada confortável em relação à LGBTfobia. As
estatísticas apontam que é o país que mais mata pessoas transgêneras e travestis
do mundo.

44
De acordo com o Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e
transexuais brasileiras em 2021, a cada 10 assassinatos de pessoas trans no
mundo, quatro ocorreram no Brasil. E das 140 vítimas de homicídios em 2021, 135
eram travestis/mulheres trans, deixando nítido que a motivação, assim como a
própria escolha da vítima tem relação direta com a identidade de gênero (feminina)
expressa pelas vítimas, que representam 96% dos casos.
A figura abaixo, extraída da Cartilha A Violência LGBTQIA+ no Brasil,
mostra que a exclusão da População LGBTQIA+ inicia na família, no ambiente
doméstico, e posteriormente nos demais ambientes, quais sejam, educação,
trabalho, saúde e, criando um ciclo de exclusão que pode culminar em episódios de
violência mais grave.
Deve-se constar que a violência vivida pela população LGBTQIA+ não é
apenas física, mas também psicológica e caracterizada pelo não acolhimento desta
população em diversos espaços.

45
O Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras
em 2021 traz os elementos comuns nos casos envolvendo os assassinatos que
foram analisados, quais sejam:
● A maior parte das vítimas é jovem, entre 13 e 29 anos;
● A maioria é negra, pobre e reivindica ou expressa o gênero feminino;
● Homens trans e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de
assassinatos/ homicídio violentos;
● Entre as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente;
● Estética e aparência não-normativas são fatores de alto risco;
● Uma pessoa trans que não fez a transição médica e não expressa
sua inconformidade de gênero não confronta a sociedade cis, e não
estará exposta as mesmas violências que as demais;
● Os crimes ocorrem principalmente nas ruas, principalmente em via
pública, ruas desertas e à noite;
● Os casos acontecem com uso excessivo de violência e requintes de
crueldade;

46
● Os suspeitos não costumam ter relação direta, social ou afetiva com a
vítima;
● As práticas policiais e judiciais se caracterizam pela falta de rigor na
investigação, identificação e prisão dos suspeitos;
● É constante a ausência, precariedade e a deficiência de dados,
muitas vezes intencionalmente, usados para ocultar ou manipular a
ideia de uma diminuição dos casos em determinada região;
● Nos poucos casos em que a acusação é conduzida, os crimes,
geralmente, ficam impunes ou os assassinos são soltos, mesmo
tendo confessado, em diversos casos;
● A importância e a gravidade desses crimes tendem a ser minimizados
e explicados pela identidade de gênero, atribuindo-lhes
responsabilidade por suas próprias mortes;
● Há casos dados como "morte por causas naturais", o que prejudica a
implementação de um inquérito adequado para buscar as verdadeiras
causas da morte, destacando, em particular, a falta de inquérito sobre
as ações e envolvimento de forças policiais.
● Não há respeito à identidade de gênero das vítimas que se
encontravam em vulnerabilidade na condução dos casos e elas são
registradas como indivíduos do sexo masculino, o que aumenta a
subnotificação e dificulta a identificação dos casos para fins de
pesquisa;
● Os casos criminais são afetados pelos estigmas e preconceitos
negativos que pesam sobre as travestis e as mulheres trans;
● Cenário de políticas institucionais antitrans favorecem o assassinato;
● Associação de grupos fundamentalistas religiosos e de gênero
incentivam o ódio através de narrativas que impõem medo e estigma
sobre pessoas trans;
● O descrédito de suas vozes os coloca em posições desfavoráveis
como testemunhas e vítimas e, por sua vez, promove seus
agressores.

47
● É comum a palavra dos assassinos ser utilizada para obstruir, ou
enfraquecer o indiciamento ou julgamento por se apresentarem como
“senhores de bem”;
● Travestis e mulheres trans são frequentemente recebidas mais como
suspeitas do que como queixosas ou testemunhas. Isso as
desencoraja de recorrer à Justiça ou às forças policiais,
particularmente no caso de pessoas envolvidas em prostituição. Nos
casos em que os autores fazem parte da força policial, isso também
coloca em risco a vida daqueles que tentam solucionar o crime
(Gilardi, comunicação pessoal, abril de 2016);
● A impunidade favorece o assassinato.

8.6 Estupro Corretivo

Dentre as diversas formas de violência contra a População LGBTQIA+,


neste tópico trataremos do estupro corretivo, que foi incluído no Código Penal em
2018 como causa de aumento de pena de 1/3 a ⅔ nos crimes de estupro. Entende-
se como estupro corretivo quando a violência sexual é praticada para controlar o
comportamento social ou sexual da vítima.
Ocorre quando o autor pratica a violência sexual contra a vítima em razão da
sua orientação sexual ou identidade de gênero, como nos casos em que o homem
estupra a mulher lésbica como uma forma de ensiná-la a gostar de homens, por
exemplo. Também se configura estupro corretivo quando a violência é praticada
para controlar comportamento social da vítima.
Nestes casos, a motivação do delito está relacionada com a inconformidade
do autor com a sexualidade ou comportamento social da vítima. Assim, o autor
pratica a violência sexual contra mulheres lésbicas ou bissexuais ou homens
transexuais como forma de curar sua sexualidade ou identidade de gênero, ou
pratica a violência sexual em razão da vítima ser profissional do sexo, se realizar
com várias pessoas, controle de fidelidade, modo de vestir, dentre outros
comportamentos na sociedade.
De acordo com Rogério Sanches Cunha:

48
Já a majorante do estupro corretivo abrange, em regra, crimes
contramulheres lésbicas, bissexuais e transexuais, no qual o abusador
quer "corrigir" a orientação sexual ou o gênero da vítima. A violação tem
requintes de crueldade e é motivada por ódio e preconceito, justificando a
nova causa de aumento. A violência é usada como um castigo pela
negação da mulher à masculinidade do homem. Uma espécie doentia de
‘cura’ por meio do ato sexual à força. A característica desta forma
criminosa é a pregação do agressor ao violentar a vítima. Os meios de
comunicação indicam casos em que os agressores chegam a incitar a
“penetração corretiva” em grupos das redes sociais e sites na internet (o
que, isoladamente, pode caracterizar o crime do art. 218-C – apologia ou
induzimento à prática do estupro – caso sejam veiculados fotografias ou
registros audiovisuais).

Ressalta-se que não são todos os estupros de mulheres lésbicas que


configuram estupro corretivo, sendo necessário verificar a motivação do autor do
crime, quando é manifestada essa tentativa de reversão da sexualidade da vítima.

49
9- ATENDIMENTOS E ACOLHIMENTO DA POPULAÇÃO LGBTQIA +

Sabemos como as pessoas LGBTQIA + são violentamente discriminadas


todos os dias por familiares, amigos, colegas de trabalho, vendedores de lojas,
supermercados, padarias, farmácias, hospitais, instituições públicas.
Para evitar este tipo de constrangimento e criar um atendimento acolhedor e
humanizado, devemos estar familiarizados com questões quanto à nomenclaturas
e serviços relacionados às pessoas LGBTQIA+.
Durante o atendimento da população LGBTQIA+ tanto por instituições
privadas quanto públicas, inclusive nas Unidades Policiais, o profissional deve
seguir as seguintes recomendações:
● A identificação social da vítima deve ser respeitada. Se feminina e
caracterizada pelo uso de vestimentas e acessórios femininos, o
profissional deve se referir a travestis e mulheres transsexuais com
termos femininos.
● A abordagem deve ser respeitosa, não utilizando quaisquer
comentários ofensivos quanto ao nome informado nem uso de nomes
pejorativos ou piadas que possam constranger a pessoa;
● É necessário perguntar a forma pela qual a pessoa gostaria de ser
chamada. Esse nome, seja ele feminino, masculino ou neutro, deve
ser utilizado durante o atendimento e preenchimento dos documentos
necessários.
● Ainda que o nome das travestis e transexuais não tenha sido alterado
no registro civil, possuem o direito de serem chamadas pelos seus
nomes sociais e de tratamento conforme o gênero que se identificam.
● Deve-se evitar perguntas a respeito da realização ou não de cirurgias
de mudança de sexo.
● Em caso de atendimento nas Unidades Policiais, é importante o
policial deve mostrar interesse na ocorrência, e incentivar a vítima a
proceder com o registro do fato, visando a melhor forma de garantia
dos direitos da pessoa.
● O profissional não deve repetir o nome de registro da pessoa em voz
alta caso seja diferente de seu nome social, devendo constar nos
registros o nome social informado e o nome de registro. Para isso, as
50
instituições devem incluir a opção de indicar nome social nos
sistemas utilizados.
● O profissional deve sempre lembrar de perguntar se a pessoa faz uso
do mesmo nome que consta em sua documentação, ou se prefere ser
chamada(o) por outro nome social ou apelido.
● Evitar usar pronomes e outros termos que indicam gênero binário
quando estiver falando com a pessoa pela primeira vez, quando não
se sabe ainda a sua identidade de gênero;
● Evitar a revitimização e sempre se colocar no lugar da pessoa.
● Estar familiarizada(o) com questões, nomenclaturas e serviços
relacionados às pessoas trans e travestis.
● Garantir uso de pronomes adequados de acordo com o gênero
autorreferido (Sra., Sr., ela, ele, etc.)
● Usar os termos que as pessoas usam para descrever a si mesmas e
a suas(seus) parceiras(os). Por exemplo, se alguém se chamar de
“gay”, não use o termo “trans” ou “travesti”.
● Dê à pessoa a sua total atenção e garanta que reconhece as suas
questões e preocupações de forma positiva e solidária.
● Respeite a pessoa atendida, não trate os outros de forma a
demonstrar superioridade e aja com a cortesia e a naturalidade
que todos merecem.
● Não existe quase nenhuma situação em que seja aceitável utilizar
os termos populares em relação à População LGBTQIA+, em geral
pejorativos, para qualquer pessoa. Retire-os de seu vocabulário.
● Nunca ria, comente, aponte, ou faça piadas ou comentários
preconceituosos, qualquer ação desse tipo é uma enorme falta de
educação.
● Não presuma uma intimidade exagerada num esforço para
mostrar-se não preconceituosa.

A Cartilha Direitos da População LGBT do MPPE traz algumas orientações


que devem ser observadas durante o atendimento de pessoas trans, quais sejam:

51
• Trate a pessoa trans de acordo com o gênero no qual ela se reconhece;
na dúvida, pergunte a forma como ela quer ser tratada.
• Use artigos, adjetivos e pronomes de acordo com o gênero de
identificação da pessoa (ele, ela, o, a).
• Não faça perguntas sobre órgãos genitais, cirurgias e nomes de registro.
Pergunte apenas se for necessário para um atendimento jurídico, de saúde,
socioassistencial etc. ou se for se relacionar sexualmente com a pessoa.
• Escute a pessoa trans sem noções ou ideias preconcebidas. As pessoas
trans são diferentes umas das outras, nem todas são excessivamente femininas ou
masculinas ou querem realizar o tratamento com hormônios e/ou cirurgia etc.
• As pessoas trans podem ser homossexuais, heterossexuais, bissexuais
ou assexuais.
• Pessoas trans são como qualquer outra e não precisam ser tratadas com
estranhamento.
• Escutar, compreender e acolher as pessoas trans, no início ou logo após
a decisão da transição, são ótimas ações para ajudá-las.

É extremamente importante que os serviços públicos e privados capacitem


seus funcionários para melhoria de atenção e acolhimento das pessoas
LGBTQIA+, evitando qualquer manifestação de intolerância, de preconceito e
discriminação sexual.

52
10- EQUIPAMENTOS EXISTENTES NA PROTEÇÃO

Atualmente, existem diversos mecanismos e programas de proteção dos


direitos da população LGBTQIA +. A articulação e a parceria das três esferas do
Governo, (âmbito federal, estadual e municipal) constituem as chamadas redes
proteção.
A cada dia, esta rede de proteção aumenta e novos programas são criados
visando à proteção e a promoção dos direitos das pessoas LGBTQIA+.

Em 2004 foi lançado o programa BSH (Brasil sem Homofobia) visando


promover a cidadania e os direitos humanos das pessoas lésbicas, gays,
bissexuais, travestis e transexuais a partir da equiparação de direitos e do combate
à violência e à discriminação.

O governo realizou no ano de 2008 a primeira Conferência Nacional de


Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais com o objetivo de promover
as diretrizes para a implementação de políticas públicas e o plano nacional de
promoção da cidadania e direitos humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais, bem como avaliar e propor estratégias para fortalecer o
Programa Brasil sem Homofobia.

Neste capítulo, iremos abordar algumas das principais redes de proteção


dos direitos da população LGBTQIA+, no âmbito federal, estadual (existentes no
estado de Minas Gerais) e municipal (existentes na cidade de Belo Horizonte). Não
pretendemos aqui esgotar o tema, apenas elencar alguns dos principais
equipamentos de proteção para apoio e acolhimento da Comunidade LGBTQIA+

10.1 Âmbito Federal


10.1.1 Disque Direitos Humanos (Disque 100), LGBT
O Disque Direitos Humanos, que desde do ano de 2010, recebe denúncias
sobre as violações de direitos humanos sofridas pela população LGBTQIA+
funciona 24 horas por dia, todos os dias, inclusive aos sábados, domingos e
feriados, podendo receber denúncia, inclusive anônima, de qualquer pessoa
através de ligação gratuita de qualquer telefone fixo ou celular. As denúncias ainda
poderão ser recebidas através do aplicativo Proteja Brasil e através da ouvidoria
online.

53
Este serviço está vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos e tem como objetivo receber e encaminhar denúncias para os órgãos
competentes para que assim seja devidamente investigado.

Segundo dados do site do Governo Federal, em 2018 foram registradas


1.685 novas denúncias que resultaram em 2.879 violações. Destas, 70,56% são
referentes à discriminação, seguida por violência psicológica – que consiste em
xingamentos, injúria, hostilização, humilhação, entre outros (com 47,95%) -
violência física (27,48%) e violência institucional (11,51%).
Ainda segundo o site o Governo federal, o perfil quanto aos dados das
vítimas 32% se declaram gays, pessoas trans somam 31%, seguidos de lésbicas
com 9,7%, bissexual com 2,5% e heterossexual com 2%. Os não informados
representam 22%. A maior parte dessas vítimas tem entre 18 e 30 anos (45%), de
31 a 40 anos aparece em 17%, de 41 a 50 anos (8,5%), com 3% de 51 a 60 anos,
12 a 17 anos com 0,6%, 61 anos ou mais 0,3%, sendo 25% as vítimas com faixa
etária não informada.

54
No que se refere à sexualidade da vítima e a cor/raça, brancos foram 29%,
pardos 26%, pretos 11,9%, amarelos 1% e indígenas 0,5%. Os não informados
representam 30,6% do total de vítimas.
Sobre o sexo do suspeito, quase 76% desses são heterossexuais, 8,7% são
gays e bissexuais representam 3%. Os locais de violação com mais índices foram
na rua (32,32%), outros (23,49%) e casa da vítima (20,06%), o que demonstra que
parte das violências ocorrem no âmbito familiar.
Após o registro da denúncia, ela será encaminhada aos órgãos
responsáveis de acordo com a competência de cada um para averiguação e
investigação.

10.1.2 Comissão Especial de Diversidade Sexual do Conselho


Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

O Conselho Federal da OAB criou através da Portaria 016/2011, a Comissão


Especial de Diversidade Sexual destinada a coordenar, discutir e dar
encaminhamento a todas as ações e projetos que versem sobre a garantia de
direitos da Comunidade LGBTQIA+.

10.2 Âmbito Estadual – MG

10.2.1 Coordenadoria de Promoção de Políticas LGBTI

A Coordenadoria de Promoção de Políticas LGBT é uma das


coordenadorias que compõem a estrutura da Secretaria de Estado de
Desenvolvimento Social (SEDESE) do Governo de Minas Gerais.

O órgão tem por objetivo planejar, coordenar, supervisionar, orientar,


articular e avaliar políticas públicas para promoção da cidadania e defesa de
direitos da população LGBT. Dentre as principais atribuições está a de articular
redes de políticas setoriais com órgãos e entidades do poder executivo, legislativo,
judiciário, municípios, Ministério Público e organizações da sociedade civil para
promover e acompanhar a execução e qualificação das políticas, programas,
serviços e ações de promoção dos direitos do público LGBTI.

55
Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG)

O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos


Direitos Humanos e Apoio Comunitário (CAO-DH), em cuja estrutura se insere o
Núcleo Estadual de Gênero, é Órgão auxiliar da Procuradoria-Geral de Justiça
responsável por promover orientação, articulação, integração e intercâmbio entre
as Promotorias de Justiça com atuação na defesa dos Direitos Humanos.
São exemplos da atuação do Ministério Público na defesa dos direitos
humanos: promoção da igualdade racial; proteção dos direitos das pessoas
privadas de liberdade; prevenção e repressão a penas, torturas e outros
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes; prevenção e combate à violência
de gênero; proteção de vítimas, testemunhas e defensores de direitos humanos
ameaçados de morte e preservação dos direitos das pessoas em situação de
especial vulnerabilidade, como aquelas em situação de rua.

10.2.2 - Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais possui a Defensoria


Especializada em Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais (DPDH) que
atua, dentre outras funções, na educação em Direitos Humanos.

10.3 Âmbito Municipal (Belo Horizonte)

10.3.1 Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de


Racismo, Xenofobia, LGBT fobia e intolerâncias correlatas
DECRIN

A Delegacia Especializada em Repreensão aos crimes de Racismo,


Xenofobia, LGBT Fobia e intolerâncias correlatas foi criada pela Polícia Civil do
Estado de Minas Gerias, através da Resolução 8004 de 2018 integrando o
Departamento de Investigação, Orientação e Proteção à família – DEFAM e
pertencendo a Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso e a
Pessoa com Deficiência e vítimas de Intolerância com competência para
investigação criminal quando a motivação decorrer de preconceito, intolerância ou
56
qualquer outro ato de discriminação, excluindo os delitos de homicídio consumado
cuja atribuição será do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à
pessoa.
Atualmente a Delegacia Especializada funciona no prédio da Divisão de
Atendimento à Mulher em Belo Horizonte e recebe todas as vítimas de intolerância,
seja em virtude da orientação sexual, da religião, da raça, cor, etnia.
Nas cidades onde não houver delegacias especializadas, qualquer delegacia
poderá fazer o registro de ocorrência.

10.3.2 Centros de Referências da População LGBT

Criado pela Prefeitura de Belo Horizonte em 2018, o Centro de Referência


da População LGBT tem como principal objetivo contribuir para a defesa e
cidadania das pessoas LGBT através de ações que visem ao enfrentamento da
discriminação por orientação sexual e identidade de gênero.
A orientação para procurar o Centro de Referência da População LGBTQIA+
ocorre nos seguintes casos:

● Para buscar apoio quando for vítima de LGBTfobia;


● Para buscar orientações sobre como ter o gênero e o nome de registro
retificado e garantir que o seu nome social seja respeitado em todos os
lugares;
● Para garantia do direito à saúde integral e hormonização;
● Para ter direito à cultura e ao lazer;
● Quando seus direitos não forem respeitados;
● Para buscar orientações e informações sobre direitos, serviços e assistência
social;
● Para buscar encaminhamentos para cursos profissionalizantes;
● Para inserção e reinserção escolar e no mercado de trabalho;
● Para buscar orientações sobre o direito de constituir família.

O Centro de Referência oferece diversos serviços gratuitos à população


LGBTQIA+, como atendimento psicossocial, acolhimento de vítimas de preconceito

57
e violência, grupos de apoio, atividades culturais e de lazer e espaços para
reuniões de articulação política dos coletivos de gays, lésbicas, bissexuais e
transsexuais.

58
11- CONCLUSÃO

Conforme estudado ao longo deste curso, as diversas lutas da Comunidade


LGTQIA+ trouxeram grandes conquistas, como reconhecimento do casamento e a
união civil, inclusão de companheiro (a) em plano de saúde, alteração do registro
civil, dentre tantos outros aqui mencionados.
Entretanto, a Comunidade LGBTQIA+ ainda enfrenta muitos desafios no
mercado de trabalho, no ambiente escolar, na saúde, sendo submetidos a diversos
tipos de violência de natureza física, psicológica, moral e até mesmo sexual.
Algumas dessas violências geram homicídios, em um sentimento de ódio,
crueldade e covardia de quem os pratica.
Políticas públicas voltadas para a diversidade sexual e de gênero também
têm ganhado força no Brasil.
É válido ressaltar que a maioria desses êxitos vieram por meio de decisões
do Judiciário, e não de novas leis aprovadas pelo Congresso Nacional, o que
demonstra que o Brasil é um país conservador e que ainda precisa avançar para
alcançar outras conquistas.
Assim, os movimentos sociais têm sido um importante mecanismo de
proteção e reparação dos direitos humanos, notadamente dos direitos das
minorias. A crescente rede de proteção tem contribuído para proteger e fortalecer a
Comunidade LGBTQIA+ que tanto luta pelo direito à igualdade, sem preconceitos e
discriminações.

59
REFERÊNCIAS

ALIANÇA NACIONAL LGBTI; GAY LATINO. Manual de Comunicação LGBTI:


Substitua preconceito por informação correta, 2018. Disponível em:
https://www.grupodignidade.org.br/wp- content/uploads/2018/05/manual-
comunicacao-LGBTI.pdf Acesso em: 19 fev. 2022.

BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>. Acesso em: 19
fev. 2022.

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8727.htm>.
Acesso em: 19 fev. 2022.

BRASIL. Decreto Federal 9.278, de 5 de fevereiro de 2018. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/decreto/D9278.htm>.
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BRASIL. Lei 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Disponível em


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm>. Acesso em: 19 fev. 2022.

BRASIL. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em


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BRASIL. Portaria Nº 2.836, de 1º de dezembro de 2011. Disponível em


<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2836_01_12_2011.html>.
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BRASIL. Resolução 23.562 do Tribunal Superior Eleitoral, de 22 de março de 2018.


Disponível em <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2018/resolucao-no-
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2018. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/todas-as-
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Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa.


Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral
de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais / Ministério da Saúde,
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Participativa. Brasília : 1. ed., 1. reimp. Ministério da Saúde, 2013

Direitos Humanos e Cidadania: Proteção, promoção e reparação dos Direitos das


Pessoas LGBT e de identidade de gênero V.07. Laís Godoi Lopes. Belo Horizonte:
Marginália Comunicação, 2016.

60
Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021
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GÊNERO e diversidade na escola: formação de professoras/es em Gênero,


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JESUS, Jaqueline Gomes. ORIENTAÇÕES SOBRE IDENTIDADE DE GÊNERO:


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internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de
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Site do Ministério Público de Minas Gerais - https://www.mpmg.mp.br (acesso em


15/02/2022):
Site da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais -
https://defensoria.mg.def.br/?servicos=direitos-humanos - acesso em 15/02/2022.

A Violência LGBTQIA+ no Brasil | Dezembro de 2020 - Clínica de Políticas de


Diversidade da FGV Direito SP

Protocolo Policial para Enfrentamento da Violência LGBTfóbica no Brasil |


dezembro de 2020 -Clínica de Políticas de Diversidade da FGV Direito SP

PROTOCOLO OPERACIONAL PADRÃO DE ATENDIMENTO HUMANIZADO À


POPULAÇÃO REFUGIADA E MIGRANTE TRANS E TRAVESTI NA CIDADE DE
SÃO PAULO

61

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