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PARASITOLOGIA

CLÍNICA

Paula Engroff
Protozoa: giardíase
e tricomoníase
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Definir os aspectos clínicos da giardíase e da tricomoníase.


„„ Reconhecer e caracterizar as formas parasitárias da Giardia lamblia e
do Trichomonas vaginalis.
„„ Identificar os métodos diagnósticos da giardíase e da tricomoníase.

Introdução
Neste capítulo, você vai aprender sobre os protozoários flagelados:
a Giardia lamblia (intestinal) e o Trichomonas vaginalis. A G. lamblia é res-
ponsável por causar a giardíase, e a sua transmissão é fecal-oral, ou seja,
ocorre por meio da ingestão de cistos do parasita em alimentos ou água
contaminados por fezes. Já o T. vaginalis é o protozoário mais importante
do trato urogenital e infecta principalmente o epitélio escamoso do trato
urogenital. Os seres humanos são o único hospedeiro natural, e essa é
uma doença sexualmente transmissível.

1 Aspectos clínicos da giardíase


e da tricomoníase
Nesta seção, você vai estudar os aspectos clínicos da giardíase e da tricomoní-
ase, verificando os principais sintomas, o período de incubação e a prevalência
na população.
2 Protozoa: giardíase e tricomoníase

Giardíase
A manifestação da giardíase pode ser assintomática em alguns casos. A giar-
díase aguda se desenvolve após um período de incubação do parasita, que pode
ser de 1 a 14 dias, e geralmente dura de 1 a 3 semanas. Os sintomas incluem
náusea, vômito, diarreia, dor abdominal e inchaço, de acordo com o Centers
for Disease Control and Prevention (CDC, 2017a). A diarreia é considerada
como o principal sintoma, com aspecto aquoso e mau cheiro (LEVINSON,
2016). As fezes podem ser gordurosas e com tendência a flutuar (CDC, 2015).
Na giardíase crônica, os sintomas são recorrentes e podem ocorrer má absorção
e enfraquecimento físico, com perda de peso (CDC, 2017a).
Outros sintomas menos comuns incluem coceira na pele, urticária e inchaço
dos olhos e articulações (CDC, 2015). Estudos também têm demostrado a
relação da giardíase com a intolerância à lactose. Essa alteração seria possível
pela alta carga parasitária, que provoca ação irritativa sobre a mucosa intestinal,
levando a uma produção excessiva de muco e a alterações da produção de
enzimas digestivas, o que poderia ocasionar intolerância ao leite e derivados
(SANTANA et al., 2014).

A G. lamblia é o único protozoário patogênico encontrado no duodeno e jejuno de


seres humanos. Por isso, ela também é conhecida como G. duodenalis ou G. intestinalis
(BROOKS et al., 2014).

A maior prevalência de giardíase no Brasil é demostrada em crianças


entre zero e 6 anos, variando de 12,4% a 50%, dependendo do tipo de estudo,
da região e da faixa etária pesquisada (SANTANA et al., 2014). Em crianças,
a giardíase grave pode atrasar o crescimento e o desenvolvimento físico e
mental e causar desnutrição (CDC, 2015).
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O processo patológico da giardíase depende do número de parasitos que colonizam


o intestino, além de fatores inerentes ao hospedeiro. Leia o artigo “Atualidades sobre
a giardíase” e preste bastante atenção nos itens que abordam a patogênese e os
aspectos clínicos (SANTANA et al., 2014).

Tricomoníase
A infecção por T. vaginalis em mulheres é frequentemente sintomática.
A vaginite com secreção purulenta pode ser acompanhada de lesão vulvar e
cervical, com dor abdominal. O período de incubação é de 5 a 28 dias. Nos
homens, a infecção é frequentemente assintomática, mas ocasionalmente
podem ocorrer uretrite, epididimite e prostatite (CDC, 2017b; APHL, 2016).
Cerca de 70% das pessoas infectadas não apresentam sinais ou sintomas.
Quando a tricomoníase causa sintomas, eles podem variar de irritação leve a
inflamação grave (CDC, 2020).
Veja na Figura 1 os sintomas da tricomoníase que podem ocorrer tanto na
mulher como no homem.
Você sabia que a tricomoníase pode aumentar o risco de contrair ou espalhar
outras infecções sexualmente transmissíveis? Isso ocorre devido à inflama-
ção genital causada pelo T. vaginalis, que facilita a infecção pelo HIV ou a
transmissão do vírus para o parceiro sexual (CDC, 2020). Portanto, o uso de
preservativos é a principal forma de prevenção.

Mulheres grávidas com tricomoníase são mais propensas a terem seus bebês pre-
maturamente. Além disso, os bebês de mães infectadas têm maior probabilidade de
terem um baixo peso ao nascer (CDC, 2020).
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Mulheres Homens

– Coceira, ardor, vermelhidão ou


dor nos órgãos genitais.
– Desconforto na micção. – A maioria dos casos é assintomática.
– Alteração no corrimento vaginal – Prurido ou irritação dentro do pênis.
(fino ou aumento de volume), – Queimação após micção
que pode ser claro, branco, amarelado ou ejaculação.
ou esverdeado com um cheiro – Corrimento peniano.
ruim de peixe.
– Desconforto no ato sexual.

Figura 1. Descrição dos sintomas da tricomoníase na mulher e no homem.


Fonte: Adaptada de CDC (2020); Kateryna Kon/Shutterstock.com.

2 Formas parasitárias da Giardia lamblia e


do Trichomonas vaginalis
A G. lamblia apresenta duas formas, a de trofozoíto e de cisto. O trofozoíto
apresenta forma de coração (BROOKS et al., 2014) ou pera, com quatro pares
de flagelos e um disco de sucção responsável pela aderência do parasita à
parede intestinal (LEVINSON, 2016). O trofozoíto mede de 10 a 20 µm de
comprimento, e, em amostras permanentes coradas, dois núcleos grandes
são geralmente visíveis (CDC, 2017a). Observe na Figura 2 um trofozoíto de
G. lamblia corado com iodo. Preste atenção no seu formato e na presença dos
flagelos. Agora observe a Figura 3 e veja os trofozoítos corados por tricômio.
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Figura 2. Trofozoíto de Giardia lamblia corado com iodo.


Fonte: CDC (2017a).

Figura 3. Trofozoítos de Giardia lamblia corados com tricômio.


Fonte: D. Kucharski K. Kucharska/Shutterstock.com.
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O cisto tem forma oval a elipsoidal e possui paredes espessas e resistentes;


ainda, apresenta quatro núcleos na forma madura e dois núcleos na imatura
e mede de 10 a 14 µm de comprimento (BROOKS et al., 2014; CDC, 2017a).
Veja na Figura 4 um cisto de G. lamblia corado com iodo e, na Figura 5, dois
cistos corados por tricrômio.

Figura 4. Cisto de Giardia lamblia corado


com iodo.
Fonte: CDC (2017a).

Figura 5. Cistos de Giardia lamblia corados com tricrômio.


Fonte: CDC (2017a).
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O T. vaginalis apresenta somente a forma de trofozoíto. Este é piriforme


e mede de 7 a 30 µm de comprimento (CDC, 2017b). Ele tem cinco flagelos:
quatro flagelos livres, que surgem a partir de um único caule, e um que forma
uma membrana ondulante (BROOKS et al., 2014). O trofozoíto apresenta um
núcleo grande, que geralmente está localizado na extremidade mais larga e
contém muitos grânulos de cromatina e um pequeno cariótomo. O citoplasma
também contém muitos grânulos, mas estes geralmente não são visíveis em
amostras coradas com Giemsa (CDC, 2017b).
Observe as características morfológicas dos dois trofozoítos de T. vaginalis
que estão facilmente visíveis na Figura 6. Na sequência, veja na Figura 7
outro exemplo de trofozoíto de T. vaginalis. Nesse caso, as características
morfológicas não são totalmente visíveis como na figura anterior, mas repre-
sentam igualmente o mesmo parasita. Esse é um exemplo de que, na análise
microscópica, normalmente não vamos encontrar um exemplar da espécie
em perfeitas condições.

Figura 6. Trofozoítos de Trichomonas vaginalis corados com Giemsa.


Fonte: CDC (2017b).
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Figura 7. Trofozoíto de Trichomonas vaginalis corado com Giemsa.


Fonte: CDC (2017b).

T. vaginalis também podem ser observados no exame de urina, durante a análise


microscópica. Procure o vídeo “Trichomonas Vaginallis na urina”, do canal de Natricio
Almeida no YouTube, e veja como é a sua forma e o seu movimento.

3 Métodos diagnósticos da giardíase


e da tricomoníase
Nesta seção, você vai compreender como ocorre o diagnóstico da giardíase
e da tricomoníase.

Giardíase
A giardíase é diagnosticada pela identificação de cistos ou trofozoítos nas fezes,
por meio do exame direto a fresco ou em técnicas de concentração. Os cistos
são normalmente vistos em preparações a fresco, enquanto os trofozoítos são
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vistos em preparações permanentes coradas (CDC, 2017a). A pesquisa de cistos


é realizada em fezes formadas, por meio do exame direto a fresco ou corado
pelo lugol. Outros métodos também podem ser utilizados, como o método de
Faust e colaboradores ou o de Hoffman, Pons e Janer. A pesquisa de trofozoítos
é realizada em fezes líquidas (diarreicas), por meio do exame direto a fresco
ou corado por lugol, hematoxilina férrica ou mertiolate-iodo-formol (MIF).
Os trofozoítos são pouco resistentes, sendo destruídos no meio externo em
15 minutos; por isso, é conveniente conservar as fezes com o conservante de
Schaudinn ou MIF (SANTANA et al., 2014).
Métodos alternativos para detecção de G. lamblia incluem testes de de-
tecção de antígenos, por imunoensaios enzimáticos, e detecção de parasitas,
por imunofluorescência em amostras de fezes. Ambos os métodos estão dis-
poníveis em kits comerciais. O teste de imunofluorescência direta é realizado
pela marcação de anticorpos fluorescentes, que são adicionados às fezes e
incubados. A visualização deve ser feita em um microscópio fluorescente, que
mostra os cistos de G. lamblia como estruturas ovoides verdes e brilhantes
(CDC, 2017a). Testes para detecção de anticorpos no soro normalmente não
estão disponíveis (LEVINSON, 2016).

Tricomoníase
O método tradicional de diagnóstico para tricomoníase tem sido o exame a
fresco, com visualização microscópica de parasitas móveis de T. vaginalis
em preparações de lâminas de secreções vaginais ou uretrais. Nas mulheres,
o exame deve ser realizado nas secreções vaginais e uretrais. Nos homens,
as secreções uretrais ou prostáticas anteriores devem ser examinadas (CDC,
2017b). O ideal é que as amostras sejam analisadas logo após a sua coleta,
para ver os parasitas móveis (APHL, 2020). Esse é o método mais prático e
rápido de diagnóstico, permitindo tratamento imediato, mas é relativamente
insensível (CDC, 2017b). A sua sensibilidade varia de 36 a 70% e ainda apre-
senta variação, de acordo com o avaliador e com a rapidez com que o teste é
feito e interpretado (APHL, 2020).
A cultura tem sido considerada o padrão-ouro para o diagnóstico de tri-
comoníase, com uma especificidade próxima de 100%; porém, ela não é
amplamente utilizada, e sua sensibilidade pode ser em torno de 70% a 85%
(NATHAN et al., 2015). Outra ressalva é que os resultados não estão dispo-
níveis antes de 3 a 7 dias (CDC, 2017b). O importante nessa técnica é que a
amostra deve ser inoculada assim que possível, dentro de uma hora após a
coleta, para manter a viabilidade do organismo (APHL, 2020).
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Veja na Figura 8 a descrição de outros métodos diagnósticos para


tricomoníase.

Figura 8. Descrição de outros testes diagnósticos para tricomoníase.

Para saber mais sobre o diagnóstico de doenças sexualmente transmissíveis, entre elas,
a tricomoníase, leia o manual “Diagnóstico laboratorial de doenças sexualmente trans-
missíveis, incluindo o vírus da imunodeficiência humana”, publicado pela Organização
Mundial da Saúde, juntamente com o Ministério da Saúde brasileiro (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 2014).

APHL. Advances in Laboratory Detection of Trichomonas Vaginalis (Updated). USA,


2016. Disponível em: https://www.aphl.org/aboutAPHL/publications/Documents/
ID_2016November-Laboratory-Detection-of-Trichomonas-update.pdf. Acesso em:
21 abr. 2020.
BROOKS, G. F. et al. Microbiologia médica de Jawetz, Melnick & Adelberg. 26. ed. Porto
Alegre: AMGH, 2014.
CDC. DPDx: Laboratory Identification of Parasites of Public Health Concern: giardiasis.
USA, 2017a. Disponível em: https://www.cdc.gov/dpdx/giardiasis/index.html. Acesso
em: 21 abr. 2020.
Protozoa: giardíase e tricomoníase 11

CDC. DPDx: Laboratory Identification of Parasites of Public Health Concern: trichomo-


niasis. USA, 2017b. Disponível em: https://www.cdc.gov/dpdx/trichomoniasis/index.
html. Acesso em: 21 abr. 2020.
CDC. Parasites: giardia: illness & symptoms. USA, 2015. Disponível em: https://www.cdc.
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CDC. Trichomoniasis: CDC fact sheet. USA, 2020. Disponível em: https://www.cdc.gov/
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LEVINSON, W. Microbiologia médica e imunologia. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016.
NATHAN, B. et al. Microscopy outperformed in a comparison of five methods for de-
tecting trichomonas vaginalis in symptomatic women. International Journal of STD &
AIDS, v. 26, n. 4, p. 251–256, 2015.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Diagnóstico laboratorial de doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo o vírus da imunodeficiência humana. Genebra: WHO; Brasília,
DF: Ministério da Saúde, 2014. Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/
handle/10665/85343/9789241505840_por.pdf?sequence=7&isAllowed=y. Acesso em:
21 abr. 2020.
SANTANA, L. A. et al. Atualidades sobre giardíase. Jornal Brasileiro de Medicina, v. 102,
n. 1, p. 7–10, 2014. Disponível em: http://files.bvs.br/upload/S/0047-2077/2014/v102n1/
a4019.pdf. Acesso em: 21 abr. 2020.
TRICHOMONAS vaginallis na urina. [S. l.: s. n.], 2018. 1 vídeo (40 seg). Publicado pelo canal
Natricio Almeida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HB7h9liwMBo.
Acesso em: 21 abr. 2020.

Leitura recomendada
SOBEL, J. D.; MITCHELL, C. Trichomoniasis. In: UPTODATE. [S. l.], 2020. Disponível em:
https://www.uptodate.com/contents/trichomoniasis?search=tricomonas%20na%20
gravidez&source=search_result&selectedTitle=1~70&usage_type=default&display_
rank=1. Acesso em: 21 abr. 2020.

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