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Resumo –

A redução do tecido adiposo e o aumento da massa magra são objetivos frequentes em


programas de exercícios voltados para a saúde e a estética. Nesse contexto, ao postular a
necessidade de um déficit energético para perda de peso e um excedente calórico para
hipertrofia muscular, desenvolveu-se a ideia de que não seria possível que ambos os
fenômenos existissem simultaneamente. Ao contrário, o termo "Recomposição
Corporal" (BR) emerge na literatura, fenômeno em que a perda de peso e a hipertrofia
muscular ocorrem ao mesmo tempo. A BR já foi observada utilizando diferentes
técnicas de análise da composição corporal, desde métodos duplamente indiretos até a
ressonância magnética, e em diferentes grupos populacionais, a saber: adolescentes,
adultos sedentários ou fisicamente ativos, idosos e pessoas com excesso de peso, além
de praticantes de esportes, incluindo musculação. A BR ocorre com ajuste nutricional
preciso, com consumo proteico acima da ingestão diária recomendada (0,8 g/kg), em
intervalos entre 2,4 e 3,4 g/kg de massa corporal/dia. Diferentes tipos de exercícios
podem levar ao BR, desde o treinamento de força, passando pelo treinamento em
circuito de alta intensidade, treinamento intervalado de alta intensidade e até mesmo
treinamento simultâneo – na maioria das vezes com uma alta frequência semanal.

INTRODUÇÃO
Sugere-se que a perda de peso e a redução de gordura resultem de diversos mecanismos
que passam por (i) restrição energética, com ajuste dos hábitos alimentares, e/ou (ii)
aumento do gasto energético, com a inclusão ou aumento de atividades físicas, o que
promoveria déficit calórico. Além disso, entende-se que a perda de peso é um fenômeno
crônico, complexo e multifatorial e que eventos agudos, como aumento da lipólise ou
oxidação lipídica, não contribuem necessariamente para a redução da gordura
subcutânea ou visceral1. Além da perda de peso, muitos praticantes de exercício físico
também visam a hipertrofia muscular, uma vez que a estética é um dos principais
motivos para a adesão e manutenção do exercício físico nas academias. O estímulo para
o aumento do tecido muscular decorre de extensos sinais bioquímicos decorrentes de
estresses mecânicos e metabólicos2. Assim como no processo de perda de peso, nem
sempre respostas agudas, como aumento da síntese proteica miofibrilar3 ou maior
atividade eletromiográfica em um determinado grupo muscular4, explicarão os efeitos
crônicos, neste caso, a hipertrofia muscular. As formas mais comuns de induzir a
hipertrofia muscular envolvem a prática de exercícios físicos, especialmente o
treinamento de força3,4. Complementarmente, além dos estímulos com exercícios
físicos, alguns estudos destacam a necessidade de um excedente calórico, embora esse
aspecto não seja consensual5. Considerando que a necessidade de um déficit calórico
para perda de peso e um excedente para hipertrofia muscular é reconhecida,
desenvolveu-se a ideia de que não seria possível que ambos os fenômenos existissem
simultaneamente – como ocorreria o "metabolicantagonismo". No entanto, nos últimos
anos, um novo termo surgiu no ambiente técnico-científico que modifica esse
entendimento: "Recomposição Corporal" (BR), que se refere ao fenômeno em que há
diminuição da gordura corporal e aumento da massa muscular ao mesmo tempo6. O
primeiro artigo que menciona o BR foi publicado em 2020, intitulado "Recomposição
corporal: indivíduos treinados podem construir músculos e perder gordura ao mesmo
tempo?" 6. Embora estudos anteriores já tivessem verificado a possibilidade de
ocorrência de BR, apenas investigações mais recentes têm discutido esse desfecho com
mais clareza em diferentes cenários, desde situações relacionadas ao treinamento
esportivo, como no caso do preparo pré-competitivo em fisiculturistas6 até intervenções
voltadas à prática de exercícios físicos para a saúde7. Para mensurar o BR, as
intervenções têm utilizado diferentes técnicas de análise da composição corporal.
Considera-se que o processo de escolha da técnica envolve aspectos como
disponibilidade durante a pesquisa, competência técnica, erro técnico de medição,
exposição a agentes nocivos (como radiação), complexidade (como biópsia muscular) e
imprecisão na medição dos tecidos corporais. De qualquer forma, os estudos realizados
até o momento observaram BR utilizando diversas técnicas: desde a estimação com
ultrassonografia8, passando pela bioimpedância elétrica tetrapolar9, a absorciometria de
raios X de dupla energia (DXA)6, a pletismografia por deslocamento de ar (BodPod)10,
biópsias musculares11 e até mesmo a ressonância magnética12. Nesse contexto, alguns
estudos determinaram a composição corporal utilizando um modelo de quatro
compartimentos8 e indicaram coeficientes de variação de 1,2% para o BodPod, 1,9%
para a bioimpedância elétrica e 0,8% para DEXA para medidas repetidas nos dias
subsequentes5. Outro aspecto é sobre quais grupos populacionais podem se beneficiar
da BR. No início, é comum que dois grupos se destaquem. O primeiro é composto por
pessoas que ao iniciar ou fazer uso regular de esteroides anabolizantes androgênicos6,
uma vez que seria mais fácil ganhar massa muscular e diminuir a gordura corporal com
a administração de testosterona exógena. Neste sentido, um estudo clínico randomizado
com 50 adultos militares não obesos (Placebo = 26 e Testosterona = 24) em restrição
calórica de 45% em relação à linha de base (2432 kcal) realizou 3 sessões de exercícios
aeróbicos por dia adicionados a uma sessão de exercícios de calistenia a cada 3-4 dias,
concluiu que 28 dias de administração de 200 mg de enantato de testosterona por
semana proporcionaram um aumento de 2,5 kg na massa magra (exclusivamente no
grupo experimental) e uma redução próxima a 4,5 kg em gordura corporal em ambos os
grupos11. O segundo grupo é composto por pessoas com alto percentual de gordura
corporal que são expostas à restrição calórica mais exercício físico. Esse pensamento é
sustentado pela grande quantidade de gordura, que seria mais facilmente reduzida
quando comparada a outro grupo com menores percentuais8. No entanto, é importante
ressaltar que a BR já foi observada em adolescentes13 e idosos9, em indivíduos
sedentários de ambos os sexos13 a esportistas de diferentes modalidades10, incluindo
fisiculturistas6,14. Ou seja, não há restrições de idade, sexo ou status de treinamento
para observar a BR. Em termos gerais, o processo BR envolve três contextos distintos:
(1) aumento da massa muscular com a manutenção da gordura corporal, (2) redução da
gordura corporal com a manutenção da massa muscular e (3) aumento da massa
muscular com a redução da gordura corporal. Evidentemente, as situações 1 e 2 são
mais recorrentes e conhecidas; no entanto, deve-se notar que o terceiro contexto
também é possível6. Nesse sentido, a mudança no estilo de vida precisa considerar dois
ajustes: uma mudança na estrutura alimentar e o exercício físico. Como a BR pode ser
induzida? Embora muitas investigações para promover a perda de peso recorram ao
déficit energético induzido pela restrição calórica, essa prática precisa ser aplicada com
atenção profissional, principalmente para mitigar ou evitar o ciclo do peso e a perda de
massa magra5. De modo geral, há a necessidade de articular os ajustes nutricionais com
a realização simultânea de exercícios físicos. Do ponto de vista nutricional, tão
relevante quanto a restrição calórica ou o excesso (respectivamente para perda de peso e
hipertrofia muscular), um dos pontos centrais da BR é o aumento da ingestão de
proteínas. Nesse sentido, uma revisão sistemática com metanálise identificou que a
ingestão proteica acima da ingestão diária recomendada de 0,8 g/kg parece ser relevante
para a manutenção e, principalmente, o aumento da massa muscular durante a restrição
calórica2. Vários estudos originais testaram diferentes quantidades e, aparentemente,
valores entre 2,4 g/kg8 e 3,4 g/kg por dia10 parecem promover os melhores resultados.
Em relação aos tipos de exercícios físicos, muitas possibilidades são identificadas para
fornecer BR. Existem intervenções que aplicam exclusivamente o treinamento de força,
especialmente o treinamento de resistência. Em um estudo clássico, Antonio et al.10
recrutaram 43 pessoas treinadas de ambos os sexos, que foram aleatoriamente alocadas
em dois grupos (Normal:Ingestão de até 2,3 g/kg/dia de proteína ou Alta Proteína:
ingestão de 3,4 g/kg/dia) e expostas a 8 semanas de treinamento resistido, com cinco
sessões por semana em um modelo com rotinas divididas1 (Sessão A: tórax, ombro e
tríceps, Sessão B: quadris e pernas, Sessão C: costas e bíceps). Na intervenção, foram
realizadas três séries por exercício (tórax: 3 exercícios, ombros: 3 exercícios, tríceps:2
exercícios, costas: 4 exercícios, bíceps: 3 exercícios e membros inferiores: 5 exercícios)
e a cada três treinos houve mudanças nas faixas de repetições, que foram 15 repetições,
12 a 10 repetições, 8 a 5 repetições. Ao final dos 2 meses de treinamento, 1
Nomenclatura geralmente adotada por praticantes e profissionais da área de
musculação.
Os grupos Normal e Alta Proteína reduziram 0,3 kg e 1,6 kg de gordura (com diferenças
significativas entre momentos e entre os grupos) e aumentaram 1,5 e 1,9 kg de massa
livre de gordura (p<0,05 entre momentos)10.Outra estratégia que é eficaz na indução da
BR é constituída por treinamento em circuito de alta intensidade. Em um dos estudos,
mulheres obesas (47% de gordura corporal) foram expostas a 10 meses de intervenção
progressivamente organizada, com 3 sessões por semana, e tiveram 94% de adesão. As
sessões das primeiras 7 semanas duraram 23 minutos, com uma relação esforço:pausa
de 1:2 (frequência cardíaca (FC) média de 72±7,9% da FC máxima, concentração de
lactato de 8,99±1,09 mmol), e entre as semanas 21 e 40 atingiram 41 minutos, com uma
relação esforço:pausa de 2:1 (frequência cardíaca (FC) média de 87,5±4,7% da FC
máxima (FCmáx), concentração de lactato de 11,99 ±1,4 mmol). Além de um aumento
de 10% no metabolismo em repouso (1.451±145,4 para 1.597±160,9 kcal), houve
reduções de 5,9% no peso e 16,6% na gordura corporal, com um aumento simultâneo de
3,8% na massa livre de gordura7. O treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT)
também se tornou uma estratégia válida para induzir a BR, tanto em conjunto com a
musculação14 quanto realizada isoladamente15. Em um estudo clássico com homens
obesos e inativos (24,7±4,8 anos e Índice de Massa Corporal = 28,4±0,5), os efeitos de
um treinamento repetido de sprints (RST) com uma intervenção de 12 semanas
(3x/semana, 20 min/sessão). Os participantes foram expostos ao RST atingindo
progressivamente sprints de 60 x 8 segundos com carga correspondente à de 80-90% da
FCmáx e cadência de 120 a 130 rotações por minuto (rpm) interceptadas por
recuperações de 12 segundos com igual resistência a 20-30 rpm. Ao final dos três meses
de treinamento, houve redução de 13% na oxidação de carboidratos e aumento de 13%
na oxidação de gordura em repouso (melhorando a flexibilidade metabólica),
diminuição do quociente respiratório (Pré=0,85±0,01; Pós = 0,83±0,01; p<0,05), além
de um aumento de 2,2% na massa livre de gordura, bem como uma redução de 3,7% na
circunferência da cintura e uma redução de 6,7% na massa adiposa15. Há também
intervenções com treinamento simultâneo em várias combinações. Em obesos
fisicamente ativos, Longland et al.8 aplicaram 4 semanas de exercícios, com 6 sessões
por semana (duas de musculação, duas de HIIT, uma de pliometria e outra de exercício
contínuo moderado). Foram registados aumentos de 1,2 kg na massa magra e uma
redução de 4,8 kg na massa gorda, ambos estatisticamente significativos. Com
fisiculturistas, oito semanas de treinamento concomitante (musculação e HIIT, 4x/sem)
associadas à ingestão de 2,5 g/kg/dia de proteína promoveram um aumento da massa
livre de gordura (+2,1 kg) e diminuição da gordura corporal (-1,1 kg), mesmo com um
excedente calórico14.
COMENTÁRIOS FINAIS

Como consideração final, salienta-se que a Recomposição Corporal é um termo que tem
surgido na literatura científica nas áreas de Medicina do Esporte e Educação Física e
merece atenção, ao mesmo tempo em que se enfatiza que esse fenômeno não é recente.
Em oposição ao que usualmente postula, estudos indicam a possibilidade de redução da
gordura corporal no excedente energético7,14 e da hipertrofia muscular na restrição
calórica5,8, além da ocorrência simultânea de ambos os fenômenos. Por fim, ressalta-se
que a recomposição corporal pode ocorrer em diferentes grupos e com diferentes tipos
de exercícios - especialmente quando associada a ajustes nutricionais que envolvem
aumento da ingestão de proteínas.

CUMPRIMENTO DE NORMAS ÉTICASFunding


Esta pesquisa não recebeu nenhuma bolsa específica de agências de fomento nos setores
público, comercial ou sem fins lucrativos.

Aprovação ética

Esta pesquisa está de acordo com os padrões estabelecidos pela Declaração de


Helsinque Declaração de conflito de interesses
Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Contribuições do Autor
Concebeu e desenhou o manuscrito: FBDV. Redação do artigo: FBDV.

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