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E-BOOK NUTRIÇÃO ESPORTIVA

ESPECIAL

ASKER JEUKENDRUP

POR: PEDRO PERIM, FELIPE MARTICORENA


E FELIPE RIBEIRO
Periodização Nutricional
A resposta adaptativa ao treinamento é consequência de uma combinação de fatores,
como a intensidade, a duração, o tipo e a frequência do exercício, além da distribuição
dos micro e macronutrientes ao longo do dia. Há também diversas adaptações que
ocorrem em outros órgãos, nas quais são importantes para a performance esportiva do
atleta e que são influenciadas pela nutrição, como as alterações observadas no sistema
cardiovascular, no sistema nervoso central e no intestino.

Para otimizar o desempenho esportivo do praticante, respeitando essas interações no


organismo humano, a nutrição deve ser periodizada e adaptada, de modo a que sirva
de apoio aos objetivos do indivíduo, ao seu nível de treinamento e as necessidades
durante a temporada esportiva (Mujika et al., 2014). Para isso, uma prática essencial
no dia a dia do atleta é a periodização nutricional. Segundo Jeukendrup (2017), a
periodização nutricional pode ser definida como uma intervenção nutricional, a partir
do planejamento intencionado e do uso estratégico e mais específico da nutrição, para
melhorar as adaptações consequentes das sessões de exercício físico, a fim de aprimorar
as respostas advindas do treinamento a longo prazo. Os métodos empregados para tal,
podem abranger a manipulação da disponibilidade dos nutrientes antes, durante e após o
treino, ou ainda incluir práticas que preparem mais especificamente outros órgãos, como
o intestino, para as competições (JEUKENDRUP, 2016). Assim, a periodização nutricional
(ou treinamento nutricional) não é restrita somente as adaptações musculares.

Com o objetivo de aplicar as melhores técnicas de manipulação de nutrientes a cada


período de treinamento do esportista, é de extrema valia o conhecimento dos objetivos
do mesmo a curto e a longo termo. Recomenda-se que um treinamento específico seja
acompanhado de um plano alimentar próprio, sendo que para tal finalidade, diferentes
estratégias nutricionais podem ser utilizadas para promover os benefícios esperados, nas
quais alguns desses métodos serão brevemente elucidados no presente capítulo.

1.Training low
Está estratégia consiste na realização do treinamento sob baixa disponibilidade de
carboidratos, no que se refere ao glicogênio muscular, hepático ou da reduzida ingestão
propriamente dita deste macronutriente. Tal metodologia é embasada na crença de que
a baixa disponibilidade do glicogênio muscular estaria relacionada a expressão de genes

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específicos, que seriam capazes de maximizar as adaptações ao treinamento a partir de
alterações no processo de síntese proteica (Pilegaard et al., 2002).

É difundido cientificamente que a expressão gênica aperfeiçoada não é um indicativo


certo de que a síntese protéica necessária realmente ocorrerá. Embora a atividade
transcricional atinja seu pico nas horas seguintes ao treino, como consequência da maior
atividade de moléculas sinalizadoras, como PGC-1 alpha e AMPK durante a realização
do exercício sob restrição de carboidratos, essa atividade retorna a seu patamar inicial
em cerca de 24 horas. Portanto, a manipulação do estoque de glicogênio pode regular
a atividade transcricional, otimizar a síntese protéica e assim aprimorar as respostas ao
treinamento. Segue abaixo um resumo dos principais métodos que abordam a restrição
dos carboidratos.

1.1 Dois treinos ao dia


Estudos realizados em ciclistas, apresentaram que os praticantes treinados duas vezes
no mesmo dia, não conseguiram manter a mesma intensidade de treinamento observada
no grupo que praticou o ciclismo uma vez por dia. Contudo, as adaptações enzimáticas
promovidas no grupo praticante de duas sessões diárias foram ampliadas, principalmente
a atividade de enzimas relacionadas a oxidação lipídica, acarretando na maior capacidade
de utilizar ácidos graxos como fonte de energia (Hulston et al., 2010 ;Yeo et al., 2010).
Porém, no que se refere ao desempenho esportivo, não foi relatada sua melhora, fato
que pode ser explicado pelo curto período intervencional dos estudos.

1.2 Treino em jejum


Tipicamente, uma última refeição é consumida entre às 20-22 horas, o atleta adormece
e realiza a atividade física na manhã seguinte, antes da primeira refeição. Essa estratégia
difere-se da anterior, pois o foco da mesma é a redução da reserva de glicogênio hepático,
afetando minimamente o glicogênio muscular.

Estudos demonstraram que o treinamento em jejum promoveu maiores respostas


adaptativas, quando comparado ao treino pós-prandial. Tais respostas relacionam-se
principalmente a otimização da atividade de enzimas oxidativas, como a Citrato Sintase,
ao maior catabolismo lipídico intramuscular e a regulação aperfeiçoada dos níveis de
glicose sanguínea (Van Proeyen et al., 2011). Porém, quando a performance é a prioridade,

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observa-se a falta de estudos com esse fim e a ausência de indicações mais precisas de
como realizar este tipo de treinamento.

1.3 Adaptações ao treinamento com baixa disponibilidade de


carboidrato exógeno
A suplementação de carboidratos durante o exercício não apresenta somente resultados
benéficos. Seu uso crônico no decorrer da atividade pode limitar as adaptações do
treinamento, como a expressão gênica. A ingestão de glicose pode atenuar a atividade
da AMPK, diminuindo a atuação da Citrato Sintase e assim reduzir o acúmulo de
glicogênio muscular ( HOLMES; KURTH-KRACZEK; WINDER, 1999). A partir desses fatos,
pode ocorrer a supressão da lipólise e a redução dos ácidos graxos no plasma, apesar de
também ser observado na literatura trabalhos, nos quais relatam que a ingestão de glicose
não modificou as adaptações ao treino relacionadas ao substrato energético, a atividade
de enzimas mitocondriais, o conteúdo de glicogênio ou o desempenho esportivo dos
voluntários (Akerstrom et al., 2009).

1.4 Dieta cetogênica


A dieta cetogênica consiste no baixo consumo de glicídios, concomitante a alta
ingestão de lipídios. Segundo estudos realizados por Burke et al. (2000), tal prática por
um período de cinco dias demonstrou a otimização do funcionamento de enzimas
envolvidas na oxidação dos lipídios, mesmo após a repleção das reservas de glicogênio
muscular. Todavia, efeitos positivos no desempenho esportivo dos voluntários não
foram observados. Quando os atletas foram treinados por um período de 7 semanas, o
grupo com alto consumo de carboidratos apresentou melhor resposta ao protocolo de
exercício.

Tais resultados podem ser explicados devido aos carboidratos serem um importante
substrato do exercício de alta intensidade, e para atletas de endurance, dietas com um
teor misto ou high-carb parecem ser mais interessantes.

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1.5 Restrição de carboidratos durante a recuperação
Outro conceito é a restrição da ingestão de glicídios nas primeiras horas pós-exercício.
Essa prática é aplicada com a finalidade de aproveitar a maior expressão de genes,
induzidos pela atividade física nas primeiras horas de recuperação. Mais especificamente,
foi observado a maior atividade do p38 MAPK e essa atividade otimizada vêm sendo
correlacionada a potencialização do coativador transcricional PGC-1 alpha, e assim,
no aprimoramento das adaptações metabólicas ao exercício (Pilegaard et al., 2005).
Porém, outras pesquisas não encontraram diferenças significativas entre os grupos low
e high-carb, no que se refere a expressão gênica nas 24 horas seguintes posteriores
ao treinamento (Jensen et al., 2015). Assim, os efeitos provenientes da restrição de
carboidratos no período posterior ao exercício ainda são incertos.

1.6 Sleep low


Lane et al. (2015) realizou o primeiro protocolo com essa prática, na qual refere-se a
prática do exercício de alta intensidade no período tarde-noite, resultando na atenuação
da disponibilidade de carboidratos, seguida pelo sono do atleta sem a reposição desse
macronutriente. Assim, a “train high-sleep low” demonstrou o funcionamento aprimorado
de diversos marcadores da oxidação lipídica, na manhã seguinte, quando comparou-se
com os voluntários do grupo que se alimentou após o treino. Contudo, esse estudo
não apresentou melhoras em marcadores da biogênese mitocondrial e em aspectos
relacionados à prática deste protocolo a longo prazo.

Outro estudo efetuado em triatletas por 3 semanas consecutivas (Marquet et al., 2016),
foi acrescentado um treino submáximo no período da manhã. Como consequência, os
pesquisadores encontraram um significante efeito na performance dos voluntários e em
seu tempo até a exaustão. Apesar de contar com resultados promissores, essa estratégia
nutricional é escassa de mais estudos para que seja efetivamente aplicada na prática.

2. Training high
Training high refere-se ao treinamento com alta disponibilidade de carboidratos.
Nessa prática, os níveis de glicogênio muscular e hepático estão elevados no início do
exercício e ainda pode ocorrer a suplementação de carboidratos durante a atividade.
Tal estratégia é difundida na literatura a partir de dois conceitos principais: carboidratos

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são importantes para reduzir os sintomas da fadiga e para aperfeiçoar o funcionamento
intestinal (JEUKENDRUP, 2013).

Há diversas evidências que ilustram o alto consumo de carboidratos, associado ao


melhor desempenho durante exercícios de alta intensidade. Conjuntamente, é relatado
o superior processo de recuperação entre as sessões em indivíduos high-carb (Achten
et al., 2004).

3. Training the gut


Os problemas gastrointestinais são uma queixa comum dos praticantes do endurance.
Tal acontecimento pode ser explicado pelo fato de que o intestino não é habituado a
digerir e absorver os alimentos sob estresse, devido a atenuação do fluxo sanguíneo
ao intestino e a desidratação durante a prova (JEUKENDRUP; MOSELEY, 2010). A partir
desse conceito, preparar o intestino para aprimorar o processo digestório e de absorção
intestinal é fundamental.

Uma prática adotada com tal objetivo é a adoção de uma dieta com alto consumo de
carboidratos, a fim de aumentar o número de transportadores na membrana apical do
enterócito e sua atividade, permitindo a melhor absorção e oxidação dos carboidratos
durante o exercício (Cox et al., 2010).

4. Training race nutrition


Consiste no treinamento das práticas dietéticas que serão adotadas no dia da prova,
semanas antes da mesma, com a finalidade de promover as adaptações na absorção de
nutrientes e no esvaziamento gástrico com antecedência (JEUKENDRUP, 2016). Portanto,
a Training race nutrition refere-se a mimetizar da maneira mais perfeita possível, tudo
que o atleta poderá encontrar no decorrer da prova.

5. Treino desidratado
Um conceito estudado por certo tempo, que entende-se no estudo de se o praticante
realizar o treinamento sob hipohidratação, seria capaz de otimizar seu desempenho
quando desidratado durante a competição. Um estudo conduzido por Fleming &
James (2014) analisou que indivíduos recreacionalmente ativos, nos quais realizaram

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seu treinamento desidratados, apresentaram uma menor queda em sua performance
durante situações de hipohidratação, como ao longo de uma prova.

Contudo, dado que esse é o único trabalho investigando tal prática, mais pesquisas são
necessárias.

6. Suplementos que podem otimizar as adaptações crônicas


Há inúmeros suplementos que podem melhorar as adaptações provenientes do
treinamento, nos quais serão sucintamente explicados abaixo.

6.1 Suplementos que melhoram a qualidade do treino


A cafeína, o bicarbonato de sódio, os nitratos e a creatina são os principais representantes
deste grupo, sendo hábeis de aumentar a duração e a intensidade do exercício (Kerksick
et al., 2018).

Para escolher o ideal para o atleta, é essencial analisar a modalidade praticada e as


necessidades da mesma. Por exemplo, o bicarbonato e os nitratos são mais utilizados
em competições de duração entre 1-10 min, já a creatina, em indivíduos que realizam
sprints.

6.2 Suplementos que aumentam a síntese proteica


Tal processo é regido principalmente pelos aminoácidos essenciais. Todavia, aparenta-
se que a Leucina é o mais importante desempenhador do chamado “gatilho metabólico”,
promovido a partir dos aminoácidos e necessário para que a síntese proteica ocorra
(PHILLIPS, 2014).

6.3 Suplementos com o potencial de aumentar a biogênese


mitocondrial
Este é talvez o maior grupo de suplementos, segundo a indústria. Porém, de acordo com
as evidências científicas, é o menor dos grupos. A presente categoria inclui as catequinas,
as epigalocatequinas, o extrato de chá verde, os polifenóis, etc. Há alguns resultados

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promissores em animais, mas quando observados em humanos, tais consequências na
maioria dos casos não foram observadas (Craig et al., 2015).

6.4 Suplementos capazes de reduzir as adaptações ao treinamento


É importante mencionar que também há suplementos que podem prejudicar o
desempenho do atleta, como o alto consumo de antioxidantes (Gomez-Cabrera et al.,
2015), embora mais estudos são necessários para explicar esse conceito.

7. Conclusão
As adaptações provenientes do exercício físico são o resultado da interação entre a
nutrição e o treinamento. A adequada manipulação dos nutrientes pode aperfeiçoar
tais adaptações, sendo as mais comuns no âmbito esportivo, a training high e a training
low, com suas distintas variações de aplicações explicadas neste capítulo. Ainda há
os suplementos alimentares, nos quais também podem ser incluídos na periodização
nutricional do praticante.

Portanto, qual método utilizar depende muito de diversos fatores relacionados ao atleta,
assim sendo fundamental a aplicação prática desses conceitos para que a estratégia mais
adequada para o mesmo seja encontrada (JEUKENDRUP, 2017).

Transportadores de carboidratos
Sabe-se que lipídios e gorduras são as fontes de energia durante o exercício físico, mas
que tudo depende de fatores genéticos, estoques pré exercício e o qual a via energética
predominante no determinado esporte. Estudos a partir de 1920 mostram que o
glicogênio muscular está relacionado com melhor rendimento esportivo e estudos mais
novos sugerem melhora na performance com a ingestão de carboidratos durante o
exercício, sendo este o foco da revisão de Jeukendrup de 2010.

Entender o tempo de oxidação dos monossacarídeos, como frutose, glicose e galactose,


é importante para aplicar na pratica clinica. Pesquisadores encontraram que a galactose,
por exemplo, é oxidada de maneira mais lenta quando comparada glicose, principalmente
pelo fato da necessidade de convertida no fígado antes de ser oxidada no músculo. As
diretrizes do ACSM de 2007 estabelecia que, durante o exercício, o máximo de carboidrato
que poderia ser oxidado era 1g/min.

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Após a ação de enzimas e conseqüente
digestão dos carboidratos, a glicose Transportadores intestinais de carboidratos
e galactose são absorvidas por ERITRÓCITO

um transportador chamado SGT1,


dependente de sódio, localizado na
borda em escova do lúmen intestinal,
enquanto o GLUT5 tem afinidade pela GALACTOSE SGLT1 GLUT2

frutose. Uma ingestão exacerbada de GLICOSE GLICOSE GLICOSE

glicose e galactose pode saturar esses


GLUT5 GLUT2
transportadores e a oxidação dos FRUTOSE FRUTOSE FRUTOSE

carboidratos, mas não afeta a absorção


de frutose, por isso a combinação
de todos os monossacarídeos pode
resultar em uma maior oferta deles na circulação e maior oxidação pelo músculo.

Um estudo de Jeukendrup mostrou que ciclistas que consumiram 1,5g/min, com uma
mistura de glicose:frutose, tiveram uma menor percepção de esforço que aqueles que
consumiram 1,5g/min de pura glicose.

Vale lembrar que a vantagem de utilizar um mix só surgirá quando os transportadores de


glicose estiverem saturados, pois sabe-se que com a ingestão de 0,8g/min esta saturação
pode não acontecer.

Após a absorção da frutose, esta será fosforilada no fígado, aumentando a atividade de


piruvato quinase, o que corrobora para a formação de lactato, permitindo maior síntese
de glicose a partir de não carboidratos, ou seja, gliconeogenese. Portanto, pode-se
pensar que o mix glicose:frutose e o aumento do lactato poderia aumentar a resíntese
de ATP, explicando o aumento de performance dos atletas.

Existem algumas diferenças individuais na oxidação de carboidratos, talvez pela expressão


dos transportadores, o que pode estar relacionado com a dieta. Em modelos animais
existem evidencias de que uma dieta rica em carboidrato aumentou os transportadores
de glicose nos enterócitos após 1-3 dias, mas futuros estudos poderão mostrar o
mecanismo em humanos.

Concluí-se que, diferente das diretrizes antes estabelecidas, a oferta de um mix de


carboidratos intra-exercício pode chegar a 1.75g/min, podendo estar relacionada com
melhora da performance, principalmente em esportes de endurance (>3h).

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