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Universidade Federal da Bahia

Discente: Mariana Giulia Chaves Prates e Felipe Claudino

Turma 05 - Direito Tributário 1; Docente Harrison Leite.

Questão 1: A Constituição Federal de 1988 empregou “tipos” ao estabelecer


as normas de repartição de competências tributárias? Com respaldo no
entendimento de Humberto Ávila, indique, de forma fundamentada, se essa
posição doutrinária adequa-se ao significado das regras constitucionais que
limitam o poder de tributar.

Resposta:

A Constituição Federal de 1988 não empregou tipos ao estabelecer as normas de


repartição de competências tributárias, ela empregou conceitos. No entanto, para
que entendamos o emprego constitucional de conceitos e não de tipos, no que
tange às normas de repartição de competências tributárias, é preciso que tenhamos
conhecimento das definições de ambos, assim como também, das definições de
enunciados descritivos e prescritivos, que serão feitas, na presente questão, com
base na obra do autor Humberto Ávila: “Competências Tributárias” de 2018. Além
disso, na presente questão também será abordado que a posição doutrinária que
melhor se adequa ao significado das regras constitucionais que limitam o poder de
tributar, é aquela que as define como regras prescritivas (isto é, que dirigem o
comportamento do ente federado, estabelecendo, através de mecanismos formais,
como ele deve agir para que o exercício da competência incumbida a ele, seja
válida); que possuem eficácia comportamental direta e indireta, que são abstratas,
heterônomas e coativas.

Conceito, para o autor Humberto Ávila (2018), é definido pelo “significado de um


termo ou de uma classe de termos sinônimos”, que se delineia a partir da definição
também, de propriedades suficientes e necessárias para a sua verificação. Ou seja,
um conceito se verifica na medida em que, a partir das suas propriedades
necessárias, ele se revela e somente o faz, com a existência das mesmas; e, a
partir das suas propriedades suficientes, ele se confirma. Para o autor, as
propriedades do conceito são, com isso, exaustivas, rígidas e limitadas. Por outro
lado, o tipo, para Humberto, retrata “características habituais que costumam
comumente ocorrer, devendo ser analisadas em conjunto.” Em outras palavras, tipo
seria um enunciado descritivo, detentor de propriedades existentes para sua
verificação mas não necessárias para a mesma, uma vez que, ainda para Ávila,
mesmo quando não se possui a presença de todas as propriedades típicas, pode-se
verificar a existência do tipo. Os tipos, para esse autor, não possuem propriedades
exaustivas e, as mesmas são passíveis de mutação (o que não implica na
necessidade de modificação do termo no qual está contido o tipo, apenas por
ocasião da mutabilidade a qual se sujeitou o seu significado). Para o autor, as
propriedades típicas são “fluidas, ilimitadas e exemplificativas”.

Os enunciados descritivos (aos quais os tipos fazem parte), são aqueles que
possuem a função de apresentar informações diversas sobre o mundo ao qual
fazemos parte, podendo ser falsos ou verdadeiros. Eles não possuem a intenção de
guiar o comportamento do indivíduo ao qual se destinam, nem mudar o
comportamento deste indivíduo, por causa dele. Eles limitam-se a informar ao
destinatário como as coisas estão, são ou têm sido. Para Humberto Ávila, por essa
razão, os enunciados descritivos “comportam um significado cognoscitivo em
sentido estrito, não normativo: seu destinatário limita-se a acreditar ou não em seu
conteúdo, sem ser instado a mudar de comportamento com base nele ou por causa
dele.” Por outro lado, os enunciados prescritivos, possuem a função de dirigir,
instruir, modificar ou influenciar a conduta do indivíduo ao qual ele se destina, por
essa razão, não podem, como os enunciados descritivos, ser considerados
verdadeiros e nem falsos. É o caso das normas jurídicas. Um exemplo disso é o
artigo 129 do Código Penal, que versa sobre lesão corporal e prevê que a ofensa à
integridade corporal ou saúde de outrem gera pena de detenção de três meses a
um ano ou o artigo 138, também do Código Penal, e que versa sobre calúnia,
explicitando em seu cáput que caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato
definido como crime gera pena de detenção de seis meses a dois anos. Com isso, é
possível concluir que as normas jurídicas não possuem função descritiva, elas
atuam individual ou coletivamente com outras na função de determinar como as
coisas devem ser feitas. Para Humberto então, “daí dizer-se que uma norma jurídica
possui caráter prescritivo, podendo este ser exteriorizado de múltiplas formas e em
variados graus.”

Mas então, qual a relação entre normas que, no entendimento de Ávila, constituem “
o significado de um enunciado com função prescritiva, reconstruído por meio da
interpretação de enunciados contidos nas fontes” e dentro das quais enquadram-se
aquelas de repartição tributária e conceitos; e porque as normas de repartição de
competência tributária não são consideradas normas típicas (que exprimem tipos)?
Bem, para que um conceito seja assim o considerado, é necessário que a partir da
sua definição também, exista propriedades suficientes e necessárias para a sua
verificação. Necessárias, porque o conceito só se revela com a existência dessas
propriedades e não o faz sem a existência das mesmas, e, suficientes porque a
partir dessas propriedades, ele se confirma.
As normas, dado o seu caráter prescritivo, e, dentro do ponto de vista conteudista,
se manifestam de duas maneiras: abstratamente ou concretamente. Abstratamente,
quando seu enunciado prescritivo é direcionado a fatos futuros ou a uma classe de
fatos. Quando isso acontece, o sentido do seu enunciado prescritivo pode ser
descrito como uma regra hipotético-condicional. Nesse caso e para o autor
Humberto Ávila, isso acontece porque o sentido do enunciado prescritivo “descreve
ou refere uma classe de ações, que passa a ser condicionante necessária da sua
aplicação, e estabelece uma classe de consequências, aplicável somente caso o
fato se enquadre na classe de ações descrita ou referida pela hipótese (“se,
então”).” Ou seja, as normas que manifestam o seu conteúdo abstratamente, se
relacionam e se adequam à definição de conceito porque, na medida em que
possuem o sentido do seu enunciado prescritivo referente a uma classe de ações
que passa a ser condicionante necessária para a aplicação daquelas determinadas
normas e uma vez que estabelece uma classe de consequências, aplicável somente
caso o fato se enquadre na classe de ações descrita ; revelam seu alinhamento à
definição de conceito, que possui propriedades necessárias com somente as quais
existe e não o faz sem a existência das mesmas; e, possui propriedades
suficientes, porque, somente a partir delas, ele se confirma.

As normas que se manifestam concretamente, o fazem quando o enunciado


prescritivo se relaciona a fatos singulares ou passados. Quando isso acontece, para
Ávila: “ qualifica-se o sentido da prescrição como um provimento concreto, pois se
direciona a uma situação específica e estabelece uma consequência determinada.
(“já que, então”)”. Em outras palavras, as suas propriedade necessárias são aquelas
às quais estão contidos os fatos singulares ou passados, sem os quais se torna
inválida a existência dessas normas; e suas propriedades suficientes são aquelas
em que estão abarcadas as consequências determinadas, após o direcionamento
do sentido da norma a uma situação específica; com as quais, a partir delas, a
norma se confirma.

As normas de repartição de competências tributárias, para o autor Humberto Ávila,


são descritas como normas que, dentro do ponto de vista conteudista, se
manifestam abstratamente. Isso acontece, porque as mesmas se direcionam a uma
classe de fatos e a fatos futuros. Nas palavras do autor, as normas de repartição de
competências tributárias se direcionam a “uma classe de fatos, porque se referem a
instâncias ou exemplos de casos, sem aludir a casos singulares; a fatos futuros,
porque referem a fatos ou situações que podem em tese ocorrer, mas que ainda
não ocorreram concretamente.” Devido a isso, podem ser descritas como normas
detentoras de regras hipotético-condicionais, principalmente porque se dirigem a
uma classe de ações e estabelecem uma classe de consequências. Como exemplo
disso, temos o artigo 145 da Constituição Federal que faculta à União, Estados, ao
Distrito Federal e Municípios, o dever de instituir tributos. Ao delinear que somente
esses entes possuem poder de tributar, implicitamente há a proibição de que esse
poder de tributar seja exercido relativamente a outras hipóteses. Logo, temos então
estabelecida a relação hipotético-condicional: o artigo 145 versa sobre fatos que
deverão ocorrer (os tributos, que por ocasião de sua instituição, o devem ser
instituídos apenas pela União e entes federados previstos no carta constitucional) e
as consequências (implícitas) dessa norma de caráter prescritivo: caso não haja a
instituição dos tributos pelos entes regulados pela CF/88, e sim por outros diversos,
estes tributos não serão válidos. Ou ainda, as consequências orientadas para a
confirmação de validade dos tributos instituídos no Brasil, apenas se estes forem
instituídos pelos entes regulados na Constituição. Com isso, observa-se mais uma
vez a adequação da norma jurídica à definição de conceito e, mais precisamente,
nesse caso, a adequação de uma norma de repartição tributária à essa definição.
Na medida em que há a delimitação de quais entes detém poder de instituição de
tributos, há a constatação da propriedade suficiente para que o conceito dessa
norma prescritiva, se verifique; e, uma vez que apenas esses entes possuem poder
de instituição de tributos, não podendo os tributos serem instituídos por nenhum
outro orgão ou entidade, há a constatação da propriedade necessária para que essa
norma prescritiva se suporte; na medida em que, o conceito dessa norma descritiva
só abarca os entes delimitados por ela e apenas eles podem verificar a sua
existência.

Quando partimos para a segunda parte do enunciado da primeira questão, há a


indagação acerca de qual posição doutrinária que melhor se adequa ao significado
das regras constitucionais que limitam o poder de tributar e se essa posição seria
voltada aos “tipos”. Para o autor Humberto Ávila, a posição doutrinária que melhor
se adequa às regras constitucionais que limitam o poder de tributar, é aquela que as
define como normas prescritivas, conceituais, que possuem eficácia
comportamental direta e indireta e que são abstratas, heterônomas e coativas.
Ainda para Humberto, a posição doutrinária dos “tipos”, não se adequa às regras
constitucionais que limitam o poder de tributar e em cada uma das definições
propostas pelo autor Humberto para a significação das regras de competência que
limitam o poder de tributar (normas prescritivas, conceituais, abstratas, heterônimas
e coativas) ele também apresenta as justificativas para a incompatibilidade entre
elas e os “tipos”.

As regras constitucionais que limitam o poder de tributar, seriam prescritivas,


porque, para Humberto, além de serem produto da interpretação de “enunciados
contidos em uma fonte normativa bastante específica e hierarquicamente superior -
a Constituição Federal de 1988”; sua função seria o direcionamento do
comportamento do agente ao qual ela se destina, na medida em que, fixa os limites
para o exercício legítimo da competência de qual seja o ente federado, delineado
por ela e responsável pela instituição de determinada espécie de tributo. Para o
autor Humberto Ávila, as regras constitucionais que limitam o poder de tributar são
incompatíveis com o significativo de tipo neste ponto, pois, ao passo que a função
dessas regras de competência se constitui no direcionamento do comportamento do
ente federado, por meio do que, nas palavras do autor seria “uma autorização
formal cumulada com uma proibição material” para que esse ente possa exercer de
maneira válida a sua competência, os tipos ( ou as normas nas quais estão
contidos), apenas ocupam-se com a descrição de elementos típicos, sem guiar
vinculativamente a conduta dos entes federados.

Segundo o autor Humberto Ávila, as regras constitucionais que limitam o poder de


tributar possuem eficácia direta e indireta no comportamento do destinatário, uma
vez que atuam diretamente no comportamento dos entes aos quais se dirigem,
indicando quem pode exercer legitimamente determinada competência (entes
federados) e todos os procedimentos que devem ser realizados para o exercício
dessa competência, assim como também estabelecem nas palavras de Humberto:
“critérios materiais de validade, como a previsão, expressa ou logicamente
implicada, de aspectos das hipóteses de incidência e das consequências (fatos
geradores, bases de cálculo, sujeitos ativos e passivos)”; e, indiretamente, no
comportamento desses entes, na medida em que, ao instituir apenas determinadas
hipóteses às quais o entes delineados por essas regras de competência, podem
tributar; há a proibição implícita desse poder de tributação exercido no tocante a
outras hipóteses, que não as já previstas nestas regras, por parte destes entes.
Neste aspecto também (eficácia comportamental direta e indireta), os tipos são
incompatíveis com as regras constitucionais que limitam o poder de tributar, visto
que , enquanto essas regras possuem o objetivo de dirigir/guiar o comportamento
do ente federado do que tange ao poder de tributar; os tipos possuem caráter
apenas descritivo e limitam-se a descrever, exemplificativamente, aquilo que
tipicamente acontece (como as coisas são ou estão), sem guiar ou dirigir nenhum
comportamento. Assim, conclui-se que eles possuem caráter cognoscitivo, ao
passo que as regras de competência que limitam o poder de tributar, dado o seu
caráter prescritivo, possuem caráter normativo.

As regras constitucionais que limitam o poder de tributar, ainda para Humberto,


seriam heterônomas e coativas. Heterônomas porque, segundo o autor, o poder
constituinte, ou seja a autoridade que compõe a fonte que será reconstruída, não
coincide com o ente federado que é o destinatário. Nesses casos, a Constituição
Federal impõe ao ente federado uma prescrição que se não for observada será
aplicada de maneira coativa, por parte do poder judiciário e principalmente, pelo
STF. As regras constitucionais que limitam o poder de tributar seriam coativas, pois,
para o autor, uma vez que haja a não observância da proibição ou comando inscrito
nelas, e invocação das faculdades nela previstas, isso implicaria na invalidade
formal do ato normativo ou material da norma como consequência. Os tipos mais
uma vez, também são incompatíveis com esses dois pontos ( regras constitucionais
que limitam o poder de tributar sendo heterônomas e coativas), visto que os tipos,
dado o seu caráter descritivo, nas palavras do autor Ávila “permitem, implicitamente,
que seu destinatário possa autorregular-se” e ainda acrescenta “os tipos,
precisamente por envolverem a mera descrição de características típicas que
costumam tipicamente ocorrer e podem (mas não precisam necessariamente)
existir, não fixam parâmetros vinculantes que possam deixar de ser observados.”

Por fim, mas não menos importante, as regras constitucionais que limitam o poder
de tributar, para Humberto Ávila, dentro do ponto de vista conteudista, se
expressam de maneira abstrata. Isso acontece, porque as mesmas se direcionam a
uma classe de fatos e a fatos futuros. Nas palavras do autor, as normas de
repartição de competências tributárias se direcionam a “uma classe de fatos, porque
se referem a instâncias ou exemplos de casos, sem aludir a casos singulares; a
fatos futuros, porque referem a fatos ou situações que podem em tese ocorrer, mas
que ainda não ocorreram concretamente.” Devido a isso, podem ser descritas como
normas detentoras de regras hipotético-condicionais, principalmente porque se
dirigem a uma classe de ações e estabelecem uma classe de consequências.
Nesse último ponto ( regras constitucionais que limitam o poder de tributar se
manifestando de maneira abstrata), são incompatíveis com os tipos, pois estes
últimos, limitando-se ao seu caráter descritivo, para Ávila “ não podem ser
igualmente formulados como regras hipotético-condicionais.”

Referências:

Ávila, H. Competências Tributárias. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

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