Você está na página 1de 2

Estado Novo : Testemunho

O Estado Novo vigorou em Portugal entre 1933 terminando com a Revolução de vinte
e cinco de abril de 1974. Por detrás dos números e factos, habitam histórias de
pobreza e violência, medo e opressão, mas também de resiliência e resistência.

Hoje trago o testemunho de Teresa Soares, nome fictício de uma das muitas mulheres
que testemunharam na primeira pessoa a implantação do Estado Novo revelando a
sua face da ditadura, desde a resistência antifascista e a perseguição pela PIDE, a
opressão da pobreza e a desigualdade social.

“O que pode definir o Estado Novo é a pobreza a todos os níveis”. É assim que Teresa
Soares define a ditadura portuguesa, e prossegue: “Há um aspeto essencial que é a
opressão das ideias e dos comportamentos e, por outro lado, um modo de vida. Os
meios para as pessoas subsistirem e viverem eram muito escassos”.

Realça ainda que “A História passou a ser contada de uma forma muito tímida. Os
relatos são sempre muito tímidos no que respeita ao Estado Novo, no que respeita às
prisões, ao silenciamento das pessoas. E por outro lado, sempre que se travessa uma
crise económica vão-se buscar os mitos do bem-estar e da riqueza do tempo de Salazar
e isso é mentira”, conta e reitera: “É um mito que interessa a alguns. Mas as pessoas
se vivem mal hoje, antes viviam muito pior. Havia uma miséria coletiva muito grande.”

Teresa não frequentou a escola se tivesse ido às aulas, teria sido certamente uma
criança cuja pobreza era ativamente escondida. Só viria a aprender a ler aos trinta
anos: “Não tive tempo de ir à escola, mas tive tempo de ir à catequese.” Diziam-lhe
“Escola? Escola é ir trabalhar, trabalhar é que faz falta!” e assim fez forçosamente,
para ajudar a mãe a sustentar os dois irmãos. Começou a trabalhar em 1952, aos dez
anos. Foi com o primeiro salário desse emprego, como empregada doméstica, que
pagou o primeiro par de sapatos. Até então, havia andado sempre descalça.

Questionada sobre como é que era o seu quotidiano durante o período do Estado
Novo respondeu que era passado sobretudo com os seus irmãos mais novos, de quem
tomava conta, enquanto os pais trabalhavam arduamente na agricultura. Realça ainda
que : “A vida dos campos - sem eletricidade, água canalizada, esgotos, e sem máquinas
não era nada fácil . O ritmo de vida era marcado pelo Sol, a terra era cultivada pela
força braçal e dos animais.A minha mãe, uma dona de casa , também trabalhava nos
campos semeava o linho, cultivava-o, colhia-o, tecia-o e com ele fazia camisas que os
filhos levavam orgulhosos à missa.”

Fomenta ainda que a alimentação não era tão abundante, pelo menos quanto às
proteínas animais, como hoje. Um porco morto e salgado em Dezembro tinha que
durar para todo o ano, complementado por umas sardinhas e bacalhau; fruta só a que
se apanhava das árvores sazonalmente.

Teresa explica ainda que: “Quando estás no Alentejo, nunca sais para lado
nenhum, quando tudo à tua volta acontece da mesma maneira, tu vês as coisas como
uma inevitabilidade. É um ciclo que se vai perpetuando. É a realidade da tua avó, da
tua mãe, é quase o estado natural das coisas.” E prossegue: “O que há depois é uma
faísca. Mesmo em meios rurais, onde as pessoas tinham menos politização, de repente
há um «click» muito visceral, de se chegar a um momento limite em que tem de se
reagir.” Por fim, arremata: “A repressão e a violência jogaram muito contra o regime.
Os atropelos eram tão grandes, a desigualdade era tão gritante, que depois se foram
criando revolucionários, em todas as classes sociais”.

Você também pode gostar