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Disciplina |

Conhecendo a psicopedagogia: conceitos gerais, bases históricas e


fundamentação teórica

DISCIPLINA
TEORIAS E PRÁTICAS DA
PSICOPEDAGOGIA
INSTITUCIONAL

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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional |

Sumário

Sumário
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2
1 Conhecendo a psicopedagogia: conceitos gerais, bases históricas e
fundamentação teórica ---------------------------------------------------------------------------------------- 4
1.1 Áreas da Psicopedagogia --------------------------------------------------------------------------------------- 5
1.2 Sobre a epistemologia convergente ------------------------------------------------------------------------- 8
2 Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos -------------------------- 8
2.1 Fracasso escolar ------------------------------------------------------------------------------------------------- 10
2.2 O currículo -------------------------------------------------------------------------------------------------------- 11
2.3 O planejamento com enfoque psicopedagógica ------------------------------------------------------- 12
2.4 Avaliação de aprendizagem ---------------------------------------------------------------------------------- 13
2.5 Conselho de classe---------------------------------------------------------------------------------------------- 15
2.6 Trabalhando por meio de projetos------------------------------------------------------------------------- 15
2.7 Afetividade e aprendizagem --------------------------------------------------------------------------------- 16
2.8 Reuniões de pais ------------------------------------------------------------------------------------------------ 16
2.9 Formação continuada de profissionais da educação -------------------------------------------------- 17
2.10 Indisciplina na escola ------------------------------------------------------------------------------------------ 18
2.11 Inclusão ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 18
3 A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem 23
3.1 Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no cotidiano escolar 24
3.1.1 Piaget e o desenvolvimento humano -------------------------------------------------------------------------------- 25
3.2 Afetividade e aprendizagem: contribuições da teoria do vínculo de Pichon-Rivière para as
práticas pedagógicas ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 29
4 Grupos operativos e psicodrama educacional ---------------------------------------------- 32
4.1 A aplicação do grupo operativo na escola --------------------------------------------------------------- 34
4.2 O psicodrama na escola --------------------------------------------------------------------------------------- 35
5 A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de
aprendizagem --------------------------------------------------------------------------------------------------- 36
5.1 Construção da ética e da moralidade no cotidiano escolar: uma leitura piagetiana --------- 41
6 A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia ---------------------- 44
6.1 O planejamento escolar como instrumento de prevenção das dificuldades de
aprendizagem---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 46
6.2 Sugestões de formulários ------------------------------------------------------------------------------------- 49

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Sumário

6.3 A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento do aluno e como


parâmetro do replanejamento das práticas pedagógicas ------------------------------------------------------------- 51
7 A psicopedagogia institucional na escola inclusiva --------------------------------------- 55
8 Família e aprendizagem -------------------------------------------------------------------------- 62

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Conhecendo a psicopedagogia: conceitos gerais, bases históricas e


fundamentação teórica

1 Conhecendo a psicopedagogia: conceitos gerais, bases


históricas e fundamentação teórica
Certamente, no decorrer deste curso, você já teve contato com o conceito de
Psicopedagogia e conheceu as suas principais formas de atuação. Mas, para começar
a nossa disciplina, é necessário rever alguns desses conceitos e contextualizar de que
forma as podem colaborar com as práticas pedagógicas no cotidiano escolar.

Comecemos, então, pela Psicopedagogia, no seu sentido amplo. A


Psicopedagogia é uma área de estudo bastante recente, existindo há
aproximadamente 30 anos no Brasil, e tem por objetivo estudar, compreender e
intervir na aprendizagem humana. Ao contrário do que o senso comum imagina, a
Psicopedagogia não se restringe ao estudo das dificuldades e dos distúrbios de
aprendizagem, mas à aprendizagem de um modo geral, seja no seu estado normal ou
patológico. Além disso, todos os seres humanos, em qualquer faixa etária, podem
fazer uso da Psicopedagogia para aprender de forma mais eficaz ou compreender o
seu próprio processo de aprendizagem. Afinal, se estamos suscetíveis ao ato de
aprender desde que nascemos até o fim de nossas vidas, por que, então, a
Psicopedagogia teria um limite de atuação? Ela está presente onde a aprendizagem
acontece, ou seja, em todos os momentos e faixas etárias de nossas vidas.

Assim como a aprendizagem pode estar presente em todos os momentos de


nossa vida, as dificuldades que ela representa também podem surgir em qualquer
nível de ensino. Desta forma, uma pessoa pode ter sido um ótimo aluno, com
excelente rendimento escolar até o final do Ensino Fundamental, e apresentar grandes
dificuldades para aprender no Ensino Médio, ou até mesmo na universidade. Isso
porque, mesmo com as estruturas cognitivas amadurecidas, um determinado assunto
ou área de estudo pode se tornar árduo para a nossa aprendizagem, do ponto de vista
afetivo, e reagimos negando-o.

É provável que o fato de as pessoas restringirem a Psicopedagogia ao tra balho


com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem também esteja relacionado
à sua origem, pois ela surge como uma alternativa de intervenção nas dificuldades de
aprendizagem. Sua origem também é atribuída aos argentinos. No entanto, Bossa
(2000, p. 36) nos alerta que a origem do pensamento argentino acerca da
Psicopedagogia está centrada na literatura francesa e se baseia em autores como
Lacan, Mannoni, Françoise Dolto, Ajuriaguerra, Pichon-Rivière, entre outros.

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A Psicopedagogia tem o seu início, portanto, na Europa, ainda no século XIX,


quando surgiram as preocupações com os problemas de aprendizagem. Contudo,
podemos afirmar que a Argentina tem uma importância considerável na difusão do
pensamento psicopedagógico, especialmente na epistemologia convergente. Seus
principais representantes são Jorge Visca, Alicia Fernandez e Sara Paín. Ainda na
Argentina, a Psicopedagogia tem o seu eixo teórico em três áreas da Psicologia. São
elas: a Psicologia Genética de Jean Piaget, a Psicanálise de Freud e a Psicologia Social
de Pichon-Rivière. Posteriormente, muitas outras teorias contribuíram e enriqueceram
a teoria psicopedagógica, tais como a teoria de Vygotsky, a psicogênese da língua,
tão bem defendida por Ana Teberosky e Emília Ferreiro. No entanto, ressaltamos que
o berço, a gênese, o nascimento da Psicopedagogia acontece, de fato, com essas três
teorias: Psicanálise (Freud), Psicologia Genética (Piaget), Psicologia Social (Pichon-
Rivière) e, é claro, com a herança francesa.

Não podemos deixar também de citar os nossos representantes brasileiros, que


tanto têm contribuído para o desenvolvimento da Psicopedagogia e produzido
trabalhos de qualidade na área, tais como Maria Lúcia Weiss, Aglael Borges, Nadia
Bossa, Beatriz Scoz e Heloísa Padilha, entre outros. É importante também dizer que,
no Brasil, a formação do psicopedagogo se dá por meio de cursos de pós-graduação
lato sensu, enquanto na Argentina o curso é de graduação e teve o seu início na
Universidade de Buenos Aires, há mais de três décadas. No entanto, podemos atuar
em diversos espaços educacionais, não necessariamente com a função de
“psicopedagogo”, mas com um olhar e uma postura psicopedagógica diante da
aprendizagem. Por exemplo, quando compreendemos o ato de aprender como um
processo contínuo e singular, quando entendemos de que maneira os processos
afetivos de um aluno estão interferindo na sua aprendizagem e, ainda, quando
preparamos nossas aulas pensando no desenvolvimento cognitivo de nosso público,
como alguém que prepara uma roupa sob medida.

1.1 Áreas da Psicopedagogia

A Psicopedagogia vem evoluindo e crescendo bastante ao longo dos anos. Hoje,


temos a Psicopedagogia Clínica, de caráter predominantemente curativo. Seu espaço
de trabalho é o consultório, e o atendimento individualizado é a forma mais comum.
A Psicopedagogia Institucional possui caráter predominantemente preventivo, e
normalmente a atuação ocorre com pequenos grupos de alunos, trabalhadores,

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pessoas em geral. A área institucional se divide hoje em três formas de atuação: a


escolar, a empresarial e a hospitalar.

Olhamos em volta e nos perguntamos qual o profissional da escola que poderá


nos ajudar a solucionar os problemas de aprendizagem, o fracasso escolar, a formação
continuada dos professores etc., já que a maioria dos profissionais da escola, quando
busca em sua formação de base um referencial que ajude a solucionar especialmente
os dilemas éticos, nem sempre encontra. A Psicopedagogia não é um elemento
milagroso, mas, sem dúvida, é uma forma diferenciada de compreender a
aprendizagem humana e atuar sobre ela, já que sempre analisará as situações
procurando perceber o sentido cognitivo, afetivo e social de cada questão, bem como
a interseção entre esses elementos.

O atendimento psicopedagógico institucional escolar ocorre normalmente na


escola, em grupos, não necessariamente grupos compostos por alunos da mesma
série ou da mesma idade, já que o objetivo desta atuação é o desenvolvimento de
habilidades e competências, não o de conteúdos. Aprender conteúdos deve ser uma
consequência da intervenção psicopedagógica. E não um objetivo direto deste
trabalho.

A Psicopedagogia Institucional Empresarial ocorre nas empresas, procurando


melhorar o desempenho dos profissionais que nela trabalham e também ajudando as
pessoas a encontrar o seu potencial para desenvolvê-lo, visando o melhor
aproveitamento possível de cada funcionário. Se compreendemos a aprendizagem
humana como um processo contínuo, então é fato que ela também se faz presente
na fase adulta. Se compreendemos ainda que a aprendizagem pode ocorrer em
qualquer lugar, e que nenhum profissional, ao sair do seu curso de formação, está
completo, podemos então conceber o ambiente de trabalho, seja ele qual for, como
um espaço privilegiado de aprendizagem. A Psicopedagogia Institucional Empresarial
pode ainda colaborar com profissionais que apresentem dificuldades de adaptação a
novos cotidianos, a novas funções, já que isso também é aprendizagem humana. Pode,
ainda, colaborar nos processos de seleção junto aos administradores de empresa e
psicólogos empresariais, planejando, em equipe, processos de treinamento que visem
ao desenvolvimento do funcionário e da empresa.

A Psicopedagogia Institucional Hospitalar é pouco conhecida e difundida no


Brasil. Ela tem por objetivo colaborar com o desenvolvimento cognitivo das crianças
e adolescentes que estejam acamadas ou internadas por longos períodos e, por isso,

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afastadas dos bancos escolares. A atuação da Psicopedagogia Institucional Hospitalar


é junto ao leito, e seu principal objetivo é reduzir as defasagens que o afastamento
da escola provocou na criança hospitalizada. Atuamos no sentido de que, no
momento em que o paciente retornar à escola, ele possa acompanhar, da melhor
forma possível, a turma. Essa fatia da Psicopedagogia ainda é pouco conhecida e
praticada no Brasil e quando ocorre, normalmente, é executada por profissionais
voluntários.

Assim que começamos a definir as áreas de atuação da Psicopedagogia, você


percebeu que falamos que a Psicopedagogia Institucional é predominantemente
preventiva e a Psicopedagogia Clínica é predominantemente curativa. Por que será que
utilizamos o termo predominantemente e não exclusivamente? Porque ocorre uma
reciprocidade muito interessante nessas duas modalidades de intervenção
psicopedagógica. No que diz respeito à Psicopedagogia Clínica, um profissional dessa
área é procurado geralmente quando o problema de aprendizagem já existe e é
necessário uma intervenção curativa. No entanto, na medida em que essa intervenção
ocorre e soluciona os problemas que ora se apresentam, tal procedimento evita que
estes se avolumem ou se tornem mais complexos, deixando os alunos ou profissionais
mais refratários às intervenções. Na mesma proporção, quando a Psicopedagogia
Institucional atua, ela pretende, primeiramente, prevenir situações de dificuldades de
aprendizagem e/ou de adaptação ao ambiente escolar ou profissional; mas, uma vez
que o problema de aprendizagem já exista e suas raízes estejam situadas não no
sujeito, mas no ambiente escolar ou profissional, na prática pedagógica dos
professores, nas práticas administrativas ou, ainda, nos vínculos afetivos, a intervenção
curativa grupal deve ocorrer no ambiente institucional.

Durante muito tempo, concebemos os problemas de aprendizagem como


aqueles que tinham como pano de fundo somente o componente biológico.
Desprezamos os componentes afetivos, sociais e culturais que tanto interferem no ato
de aprender. As crianças que não aprendiam eram comumente levadas ao médico,
neurologistas e, na maioria das vezes, eram submetidas a exames neurológicos ou
mesmo medicadas. É claro que uma criança pode de fato precisar de tratamentos
médicos e possuir dificuldades de aprendizagem como uma consequência de alguma
necessidade especial, mas, certamente, não é o caso da maioria. Temos a tendência a
focalizar a causa do não aprender em nossos alunos, mas é necessário refletir também
sobre as nossas práticas pedagógicas e todo o contexto que cerca o nosso educando,
inclusive o familiar e o escolar.

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

1.2 Sobre a epistemologia convergente

A expressão epistemologia foi muito utilizada pelo professor Jorge Visca, na


Argentina. Por definição, o termo epistemologia significa o estudo do conhecimento,
da área, da matéria. A utilização da palavra convergente se justifica pela proposta de
integração, de interdisciplinaridade que a Epistemologia Convergente propõe. Em
outras palavras, para a Psicopedagogia, Epistemologia Convergente significa a
integração de três escolas importantes para a base dos conhecimentos
psicopedagógicos. São elas: a Escola Psicanalítica, a Escola Piagetiana e a Escola da
Psicologia Social, de Pichon-Rivière. Essas três escolas convergem para um único
ponto, e a Psicopedagogia vai se utilizar da interseção deste saber. Todos nós nos
lembramos das aulas de Matemática no início de nossa vida escolar. Nessas aulas,
aprendemos o conceito de interseção e recordamos que ela significa o que há de
comum entre pontos, conjuntos ou áreas.

No nosso caso, ela representará o que há de comum entre essas três teorias.
Você pode imaginar qual seria esse ponto de convergência? A aprendizagem! Cada
qual com o seu enfoque e com a sua forma de perceber o homem e seus processos
internos e externos. Dessa forma, é possível afirmar que a epistemologia convergente
pode significar uma posição teórica, mas também pode representar uma prática
(VISCA, 1987). Ou seja, podemos estudar as contribuições das três escolas e atuar
sobre a aprendizagem dos nossos alunos de forma que os três enfoques teóricos
(afetivo, cognitivo e social) sejam contemplados.

Um professor pode não ser psicopedagogo por formação, mas pode adotar uma
postura psicopedagógica diante da aprendizagem de seus alunos. Você concorda?

No cotidiano escolar, em que momentos você consegue perceber a integração


dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais de seus alunos?

Na sua opinião, por que sofremos a influência do pensamento argentino na


construção do trabalho e da teoria psicopedagógica?

2 Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos


Agora que já sabemos como funciona a atuação da Psicopedagogia Institucional,
vamos nos deter na atuação psicopedagógica institucional escolar e verificar de que

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

maneira a Psicopedagogia, como teoria e prática, pode colaborar para o


aperfeiçoamento de todos os profissionais da educação no cotidiano da escola.

Se eu pedisse para você enumerar agora todos os assuntos do cotidiano da


escola que se configuram em desafios para os educadores de um modo geral, quais
seriam esses assuntos? Vamos ficar longas horas conversando sobre eles, não é
mesmo? Os desafios são proporcionais à complexidade do espaço escolar, pois a
nossa maneira de dar aulas, a forma como elaboramos o nosso planejamento, a nossa
avaliação, a forma como conversamos com um aluno que cometeu um ato de
indisciplina, entre outras atividades, traduzem a nossa forma de ver o mundo e, o mais
importante, a nossa concepção de Educação.

Todos nós, professores, já estudamos as tendências pedagógicas da educação


brasileira e sabemos que, em cada período da história, o professor, o aluno e a direção
da escola se comportam de uma maneira diferente. Da mesma forma, os métodos de
ensino, os conteúdos que ensinamos não são os mesmos. Isso acontece porque a
Educação está inserida num contexto muito mais amplo que é a sociedade e, é claro,
ao mesmo tempo em que sofre influências desta, também ratifica ou colabora para a
transformação de algumas práticas sociais. Em suma, para cada tempo, novos
desafios. Podemos concluir, então, que a prática psicopedagógica deve, obviamente,
apoiar-se em bases teóricas sólidas, mas deve também adotar um pensamento
dialético e contextualizado, sob pena de se transformar em algo obsoleto para a
Educação.

Voltemos aos desafios presentes no ambiente escolar. São eles:

✓ fracasso escolar;
✓ currículo;
✓ planejamento com enfoque psicopedagógico; a avaliação da aprendizagem;
✓ conselho de classe; trabalho com projetos;
✓ afetividade e aprendizagem;
✓ reuniões de pais;
✓ formação continuada de profissionais da educação; indisciplina na escola;
✓ inclusão.

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

2.1 Fracasso escolar

Eis um problema nacional. Por que tantas crianças e jovens não conseguem
aprender? Especialmente no período da alfabetização, o problema do fracasso escolar
tem tirado o sono dos professores. Ao analisar a questão, procuramos as causas no
próprio aluno, muitas vezes atribuindo os seus resultados à falta de interesse, à
ausência de investimentos na aprendizagem e até mesmo à existência de alguma
deficiência que impede a aprendizagem de transcorrer normalmente. É comum
também que o problema seja atribuído ao contexto familiar, às condições sociais do
aluno e, ainda, à privação cultural. Todos esses fatores podem representar,
certamente, causas para o não aprender. Ou, ainda, o fracasso escolar pode ter origem
num conjunto de causas anteriormente apresentadas que se entrelaçam. No entanto,
é preciso ter cuidado para não “responsabilizar” o aluno pelo seu fracasso escolar, pois
nem sempre o problema está localizado no próprio sujeito. Recomenda-se que o
professor também reflita sobre a sua prática pedagógica, especialmente sobre as
atividades repetitivas e sobre as experiências de aprendizagem que são oferecidas,
que nem sempre respeitam a individualidade dos alunos. Todos nós, crianças ou
adultos, temos os nossos modelos próprios de aprendizagem e, dessa maneira, a
aprendizagem torna-se um processo muito singular.

Não se trata de buscar culpados para o fracasso escolar, nem de responsabilizar


os professores, mas buscar alternativas que estão ao nosso alcance para solucionar o
problema. Afinal, podemos trabalhar em conjunto com as famílias de nossos alunos,
mas não podemos promover grandes alterações dentro desse contexto, podemos
oferecer oportunidades de enriquecimento cultural na escola, mas não solucionar os
problemas sociais e de privação cultural de nossos alunos. Então, a questão é: como
podemos fazer com que o nosso aluno aprenda, apesar das adversidades? É nosso
papel de educador buscar alternativas, e muitas delas são possíveis de serem
realizadas dentro da escola.

Aprender algo requer interesse pelo objeto; numa linguagem psicopedagógica,


requer desejo. É preciso que a escola faça sentido na vida do aluno e que ele não
pense que alguns nasceram para estudar e outros não, caindo nas armadilhas do
sistema capitalista e neoliberal. Mas nós só conseguimos desejar aquilo que possui
algum significado para nós. Aí entra o papel do professor na hora de eleger as
oportunidades de aprendizagens significativas. Procurar mostrar para os alunos o
sentido da educação e seus benefícios, bem como a necessidade de investimentos a
longo prazo, também produz efeitos interessantes e, é claro, é bom evitar os discursos

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

preconceituosos como “estudar para vencer na vida”, “estudar para ser alguém”. O
mestre Paulo Freire pode nos ajudar a organizar um discurso de convencimento
respeitoso e dialético sobre a importância do ato de estudar.

Para a Psicopedagogia, cada um de nós aprende de uma forma diferente e o


professor, na maioria das vezes, trabalha com números médios ou grandes de alunos.
Assim, é impossível promover atividades individualizadas o tempo inteiro. Então, uma
das soluções seria oferecer o maior número possível de atividades diferenciadas para
um mesmo conteúdo, dando oportunidade para as diferenças dos modelos de
aprendizagem operarem. Também não podemos nos satisfazer se parte da turma
aprende e parte não. Se alguns alunos não acompanham a turma, não devemos
esperar pelos períodos oficiais de recuperação para fazer algo. É necessário pensar de
que maneira podemos utilizar a epistemologia convergente, ou seja, a integração de
áreas do conhecimento para oferecer oportunidades diferenciadas de aprendizagem
para os alunos com dificuldades. O trabalho diversificado ainda é uma boa alternativa
para que o professor tenha condições de dar maior atenção aos grupos de alunos
com dificuldades.

2.2 O currículo

Seja qual for a escola, seja qual for a sociedade, uma coisa é certa: há um currículo
definido para ser ensinado e que serve à sociedade no qual ele está inserido. Ou seja,
a escola “presta serviços” à sociedade educando os seus cidadãos e entregando-os à
sociedade para servi-la. Em contrapartida, a sociedade “diz” para a escola o que ela
precisa ensinar aos seus cidadãos. Portanto, no momento da organização do currículo
escolar, devemos nos perguntar o que precisamos ensinar aos nossos alunos de
acordo com a nossa cultura. Isso nos faz concluir que nenhum currículo é neutro, ao
contrário, está permeado de fatores sociais, políticos e econômicos.

Organizar um currículo é tarefa de toda a escola e não só do professor, e não é


apenas o componente sociopolítico que deve interferir na organização do currículo.
Os componentes afetivos, cognitivos e biológicos também devem ser levados em
conta na sua construção. É necessário que a escola fundamente o seu trabalho
teoricamente e que construa um currículo adequado às condições afetivas, cognitivas
e biológicas de cada grupo de alunos, pois, se ele for complexo demais para
determinado nível de desenvolvimento, certamente estaremos “fabricando

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dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar, mas se for aquém das


possibilidades do aluno, estamos impedindo que ele se desenvolva”.

2.3 O planejamento com enfoque psicopedagógica

O planejamento é uma das atividades mais privilegiadas do cotidiano escolar,


pois ele representa um momento de reflexão sobre o que vamos ensinar, sobre os
conteúdos que precisam ser fixados, revisados, ou, ainda, ensinados de uma outra
forma. Conhecemos vários níveis de planejamento que se traduzem em planos, pois
o planejamento é a atitude de planejar, e o plano é a atividade.

Normalmente, ao executarmos um planejamento, traçamos objetivos, estratégias


ou procedimentos, recursos didáticos e avaliação. Em todos os níveis de planejamento,
podemos encontrar essa estrutura básica. Outros aspectos podem ser acrescentados,
tais como o tempo, o número de horas, os recursos de incentivação, os tipos de
exercícios que serão aplicados etc. No entanto, os primeiros itens não podem faltar,
pois representam o eixo de nossa ação pedagógica.

O papel da Psicopedagogia no planejamento escolar é refletir sobre as ações


pedagógicas e suas interferências no processo de aprendizagem do aluno. No
momento de formular os objetivos, devemos ter cuidado para que eles não se
resumam à execução de atividades, já que devem promover um crescimento cognitivo
de nossos alunos e construir competências e habilidades de utilização permanente
nas suas vidas. É claro que nenhum objetivo geral (aqueles que são traçados para
alcance a longo prazo) poderá ser alcançado em um dia de aula, mas, se o professor
compreende o conhecimento como um processo de construção, ele terá em mente
que nenhuma atividade tem um fim em si mesma, pois ela existe para funcionar como
instrumento que leva ao alcance dos objetivos e para “provocar” a cognição dos
nossos alunos.

Quanto às estratégias (ou procedimentos), é importante refletir sobre qual a


melhor forma de ensinar, ou melhor, a melhor forma de construir cada conhecimento
junto aos nossos alunos. Já falamos que os modelos de aprendizagem são diferentes
e que cada aluno tem o seu, e que, portanto, variar nas estratégias é fundamental,
pois, dessa forma, as chances de atingir as diferenças individuais são maiores.

A aprendizagem ocorre com mais facilidade quando sentimos prazer no ato de


aprender e quando o conteúdo possui significado simbólico ou prático para nós. É aí

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que entra a criatividade do professor para organizar experiências de aprendizagem


significativas, vibrantes, que envolvam os educandos. A experimentação também é
uma ótima alternativa. Quando os alunos praticam, pesquisam ou experimentam, as
chances de compreender as bases teóricas do conhecimento são maiores. Partir da
prática para a teoria facilita a compreensão e evita a memorização sem compreensão.
Por exemplo, ao ensinarmos uma fórmula de Física ou Matemática, podemos procurar
fazer demonstrações práticas e deduções até chegarmos à fórmula em si.

Uma queixa muito comum das escolas, em geral, é a falta de materiais e recursos
técnicos para o desenvolvimento das aulas. É certo que os recursos ajudam bastante,
especialmente na facilitação do dia a dia, colaborando para que a turma fique mais
motivada, mas, para a Psicopedagogia, que valoriza muito o componente afetivo para
a aprendizagem, os únicos “recursos” que não podem faltar são o desejo de aprender
e o desejo de ensinar. Com materiais simples e com muita criatividade, professores e
alunos podem construir mecanismos de grande utilidade para a aprendizagem.

A avaliação contida no planejamento pode sugerir o final do processo, não é


mesmo? Pode ser que de fato o seja, se quisermos, com esta avaliação, apenas saber
se o que foi ensinado foi realmente aprendido. Mas a avaliação pode significar
também o início do ciclo docente (planejamento, execução e avaliação), já que
partiremos dela para planejar a aula seguinte. A avaliação nos dirá o que foi aprendido,
o que precisa ser revisado, o que precisa ser fixado etc. Além disso, sonda a
aprendizagem do aluno, mas também o que o professor ensina.

É importante que fique claro que, ao avaliar, o professor não deve prestar atenção
somente no aluno e sim na aprendizagem. Para isso, ele não precisa necessariamente
fazer uso de testes e provas. Atividades de sala de aula, como trabalhos em grupo,
exercícios, projetos e a observação do professor, podem dizer muito sobre a
aprendizagem dos alunos.

2.4 Avaliação de aprendizagem

Vamos tratar, agora, de um dos assuntos mais polêmicos da educação: a


avaliação. Historicamente, a avaliação tem sido usada por muitos educadores como
instrumento de poder sobre o aluno, incentivando uma relação mercantilista com o
saber. Ou seja, o aluno aprende a estudar para tirar o número de pontos que precisa
para ser aprovado. O sentido da aprendizagem é o de troca pelos pontos, ou melhor,
a nota é o salário pago pelo tempo dedicado ao estudo. Alguns alunos chegam a

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estudar para tirar somente os pontos necessários para a aprovação, deixando a ideia
do estudo para o desenvolvimento intelectual e pessoal completamente de lado.

Entendemos que a forma de avaliação que o professor escolhe é uma


consequência de toda a sua prática pedagógica; portanto, se nas aulas há um
incentivo à “decoreba” e à apreensão de ideias soltas, descontextualizadas, a avaliação
não pode ser diferente.

Pensemos, também, no absurdo que representa a utilização de médias para


calcular a nota do aluno. Quando um aluno tira uma nota baixa e depois melhora o
seu rendimento, a sua nota anterior é somada à nota mais alta e é feita a média
aritmética entre elas. Ou seja, mesmo melhorando, o aluno sempre será punido pelo
seu rendimento anterior. Ou, ainda, somamos e tiramos médias de resultados de áreas
do conhecimento completamente diferentes. Isso seria justo? Por outro lado, se a
escola esconde dos alunos a realidade das provas, o mundo mostrará, pois o
estudante encontrará provas para ingressar na universidade (afinal, o vestibular ainda
é uma realidade na nossa sociedade) e encontrará também os processos seletivos para
ingressar no mercado de trabalho, ou para continuar sua carreira acadêmica, entre
outros momentos. Logo, se a escola também tem como função preparar o aluno para
a vida, não tem o direito de lhe negar a realidade. No entanto, podemos trabalhar
com a avaliação humanizada, que é a proposta da Psicopedagogia.

Vamos tratar de alguns princípios da avaliação humanizada. Se exercemos o


magistério em uma sociedade que quantifica o conhecimento e o traduz em notas,
não podemos nos contentar em aprovar um aluno que tirou média 5. Pense no
absurdo que representa aprovar um aluno que aprendeu 50% do que ensinamos em
sala. Ao compararmos o trabalho do professor com o de um médico, verificamos que
nenhum médico se dá por satisfeito se o seu paciente estiver 50% curado, não é
mesmo? Restaos lutar para “aumentar” esse percentual de aprendizagem dos alunos.
Como? Oferecendo-lhes oportunidades de refazer a avaliação até que eles
demonstrem que alcançaram um rendimento melhor porque suas dúvidas foram
sanadas.

A oferta de oportunidades diferenciadas de avaliação e não somente a utilização


de testes e provas também pode contribuir e estimular a aprendizagem. Além disso,
é importante que, ao formularmos essas situações de avaliação, procuremos sempre
baseá-las em situações concretas, presentes de fato no cotidiano. Tornar o aluno
personagem da questão.

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

Não podemos também abrir mão da autoavaliação. Afinal, desenvolver a


consciência crítica dos nossos alunos também é nosso dever, e a autoavaliação é um
excelente recurso para o desenvolvimento da autoconsciência. A autoavaliação pode
ser feita desde a Educação Infantil, com utilização de desenhos e legendas.

A utilização da avaliação qualitativa também é bem-vinda. Listar habilidades e


comportamentos que desejamos trabalhar em nossos alunos e que, por causa da sua
carga subjetiva não podem ser quantificadas, mas podem ser apreciadas e qualificadas
pelo professor, podem dizer ao aluno coisas que as notas não conseguem dizer.

2.5 Conselho de classe

O conselho de classe é um momento de muita importância para a comunidade


escolar e, infelizmente, é desperdiçado por muitos educadores. Há desperdício
quando se transforma num momento de lamentações e de críticas improdutivas aos
alunos. O conselho de classe deve ser visto como uma oportunidade (rara muitas
vezes) de reunir professores de diferentes áreas para conhecer melhor os alunos,
promover a integração do trabalho pedagógico e, acima de tudo, planejar alternativas
de intervenções psicopedagógicas para os alunos que estão com dificuldades para
aprender. Como vimos nos itens anteriores, planejamento e avaliação são elementos
indissociáveis e o conselho de classe é um momento de avaliação. É uma
oportunidade de ação coletiva dos profissionais da escola não só para os problemas
de aprendizagem como também para os problemas de indisciplina, administrativos e
operacionais da escola. Contudo, não devemos permitir que o burocrático sufoque o
pedagógico.

2.6 Trabalhando por meio de projetos

Muitos autores já trataram da importância de se trabalhar com projetos. Dewey


já tratava do assunto e, dada a sua pertinência, o tema continua atual. A maior
vantagem de trabalhar com projetos, segundo a maioria dos autores, é a possibilidade
de integrar as diferentes áreas do conhecimento, bem como promover a integração
entre os alunos e a autonomia intelectual. Além disso, os educandos aprendem a
pesquisar, estratégia pouco utilizada na escola ou utilizada de forma equivocada, pois
a maioria das pesquisas escolares param na fase da coleta de dados. Os projetos
devem surgir de um problema real e, portanto, devem ter seus temas originados de

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

debates com os alunos. Não cabe ao professor criar os temas de projetos, sob pena
de não oferecer sentido aos alunos. Ao eleger o tema, o professor direciona o grupo
para a investigação, primeira fase da pesquisa, posteriormente para a formulação dos
assuntos aprendidos e, na última fase, temos a apresentação, e, portanto, a avaliação
do trabalho.

2.7 Afetividade e aprendizagem

PichonRivière, na Teoria do Vínculo, ressalta a importância deste para a


aprendizagem. Todos temos exemplos, em nossa história de aprendizagem, de
professores que, com sua afetividade, fizeram com que gostássemos de suas
disciplinas e até tivéssemos facilidade de aprender por causa deles. Mas também
tivemos a experiência contrária: professores que desprezavam a afetividade e
dificultavam bastante o nosso aprender. Não é à toa que temos preferências por
algumas disciplinas e temos aversão a outras, como também não é à toa que
escolhemos a profissão de educador. Diga-se de passagem, se fizemos esta escolha
profissional, segundo a Psicopedagogia, é porque o nosso vínculo com a
aprendizagem foi muito mais positivo do que negativo.

Quando um aluno apresenta dificuldades para aprender, segundo a


Psicopedagogia, uma das primeiras tarefas do educador é o resgate da autoestima do
educando, pois ninguém consegue aprender se não conseguir investir no ato de
aprender, e ninguém consegue investir na própria aprendizagem se não tiver o desejo
de aprender e acreditar nas suas possibilidades. Então, cabe ao professor oferecer aos
seus alunos oportunidades de acerto, experiências positivas que os conduzam ao
desejo de continuar aprendendo para continuar acertando. São raríssimos os casos de
alunos que recebem o fracasso escolar como um desafio a ser superado, afinal, isso
exige uma maturidade que a criança não possui. Será necessário que o professor
presenteie o aluno com um recurso valioso e que nada custa: o elogio. Elogiar é
altamente reforçador do sucesso.

2.8 Reuniões de pais

A sociedade mudou, assim como os nossos pais e alunos também mudaram. O


número de mulheres no mercado de trabalho, em algumas regiões do Brasil, muitas
vezes, é superior ao número de homens, sendo que muitas delas mantêm suas famílias

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sozinhas. Em suma, a família mudou bastante ao longo dos anos e isso nos faz pensar
que as relações entre a escola e a família não podem ser as mesmas.

É comum ouvirmos queixas, por parte das escolas, sobre a pouca participação
dos pais na vida escolar dos filhos, inclusive que nas reuniões de pais a frequência é
baixíssima, e também é frequente ouvir dos pais que a escola possui alguma falha e
que gostariam de ser mais ouvidos pelos professores e equipe técnica. Refletir sobre
esses desencontros é necessário para o bem da aprendizagem de nossos alunos.
Alguns procedimentos muito simples podem ajudar no progresso dessas relações. Por
exemplo, as reuniões podem variar de dia e horário, a fim de concentrar o maior
número possível de pais. Ou, ainda, mantermos um horário fixo, depois de ter
levantado a disponibilidade dos pais. As reuniões devem ser breves e respeitar o
horário marcado. Além disso, é bom que tratemos dos assuntos coletivos, e os
individuais devem ser agendados para uma conversa em particular.

Quando se tem uma visão psicopedagógica, enxergamos os pais de nossos


alunos como seres também em processo de aprendizagem e, por isso, em alguns
momentos da reunião, cabem “prescrições”, sugestões de como os pais podem agir
em casa para conduzir os estudos de seus filhos, sem, com isso, tornarem-se
professores particulares dos filhos. Muitos pais afirmam textualmente, especialmente
quando o problema é o comportamento, que não sabem o que fazer com seus filhos.
Devemos acreditar nesse “não saber” e colaborar com eles, oferecendo-lhes leituras,
pequenos vídeos, estudos de caso, algumas atividades práticas, enfim, tornar a nossa
reunião o mais produtiva possível.

É importante, também, que as reuniões tenham momentos informativos e


momentos formativos, isto é, de construção de saberes. Além disso, é bom que os
pais possam ver algumas atividades que foram desenvolvidas pelos seus filhos e que
saibam onde eles tiveram maior facilidade ou dificuldade, bem como informar como
serão os próximos meses de aula e de que maneira eles podem participar.

Se permitirmos que os pais de nossos alunos falem, vamos aprender com eles e
descobrir talentos que podem ser úteis para a escola.

2.9 Formação continuada de profissionais da educação

Phillipe Perrenoud nos orienta que uma das competências do professor deve ser
gerir a própria formação. Como profissionais da educação e da aprendizagem,

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sabemos que a nossa formação é um processo contínuo, sem fim. Participar das
oportunidades de formação continuada oferecidas pelo nosso local de trabalho, bem
como participar autonomamente de outros, é uma forma de aprimorar o nosso
trabalho.

As leituras de livros e periódicos diversos também são ótimos recursos, pois


colaboram para que o professor passe de leitor para autor de conhecimentos e, por
que não, um professor-pesquisador. Pedro Demo afirma que o professor que nunca
foi pesquisador também nunca foi professor, pois ele torna-se um mero repetidor de
informações, no lugar de produzir conhecimento.

2.10 Indisciplina na escola

Talvez um dos grandes desafios de nossos tempos seja a construção dos limites
e da ética dentro da escola.

Temos notícias de que muitos professores, competentes em sua área, possuem


dificuldades para desenvolver o seu trabalho em função do comportamento de seus
alunos. A Psicopedagogia entende que esse comportamento pode ser um problema
relativo de aprendizagem, com bases na afetividade do sujeito e na sua relação com
o ato de aprender, e que, portanto, essa relação pode ser construída (ou reconstruída)
por meio do vínculo afetivo entre professor e aluno. No entanto, a construção da ética
na escola não pode ser uma atitude isolada do professor, e sim projeto de toda a
escola. É bom que o professor também reveja o seu procedimento, pois, se
analisarmos o cotidiano de nossa escola, alguns alunos com problemas de indisciplina
não agem de forma inadequada com todos os professores, mas com alguns. Isso nos
faz pensar que o problema também pode não estar no aluno nem no professor, mas
na relação que os une, que é o conhecimento.

2.11 Inclusão

Inclusão é um tema bastante amplo, pois ela não se restringe aos portadores de
necessidades especiais. Os excluídos nesse grande Brasil são muitos e as exclusões
vão desde questões raciais e étnicas até os problemas de desemprego. O fracasso
escolar também merece uma análise sobre inclusão, pois, na verdade, esses alunos
“não estão na escola”.

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Durante muito tempo, esses alunos estiveram fora da escola, recebendo uma
educação segregada. Os professores, por sua vez, não recebiam, em seus cursos de
formação, uma qualificação adequada para trabalhar com os portadores de
necessidades especiais. No entanto, a inclusão se faz hoje uma realidade presente na
maioria das escolas e, preparados ou não, esses professores estão recebendo os
alunos especiais.

É preciso sair do modelo de integração em direção ao modelo da inclusão, pois,


enquanto a integração significa a abertura da vaga para o portador de necessidades
especiais, mas não a adaptação da organização da escola para recebê-lo, a inclusão
só é inclusão porque faz uma série de adaptações, de grande e pequeno porte, para
melhor receber o aluno e promover a aprendizagem.

Só podemos considerar um aluno de fato incluído quando ele está


experimentando situações de aprendizagem, além da socialização. A socialização
simplesmente não garante a inclusão de fato.

Para promover a inclusão, é necessário, ainda, trabalhar junto à escola, à família


e ao próprio sujeito. A família funciona como uma coautora da inclusão, pois poderá
ser como um elemento reforçador das aprendizagens realizadas na escola, além de
prestar informações importantíssimas para os profissionais que cuidam e atendem seu
filho. A formação continuada do professor para melhor prepará-lo para o atendimento
aos alunos especiais também é muito necessária, pois o educador precisa
compreender os caminhos da aprendizagem de seu aluno especial ou, em outras
palavras, o percurso psicopedagógico que ele faz, para melhor intervir.

Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica. Nesse


capítulo, enfocaremos o objeto de estudo da Psicopedagogia e, certamente, o
principal objetivo dos educadores: a aprendizagem. Como estudamos anteriormente,
a Psicopedagogia busca o aperfeiçoamento das relações com a aprendizagem, bem
como a melhor qualidade possível na construção da aprendizagem de alunos e
educadores (WEISS, 2000). Mas, afinal, o que é aprendizagem? Como se processa?
Muitos autores se preocuparam com o tema. Para Alicia Fernandez, por exemplo, todo
sujeito tem a sua modalidade de aprendizagem e os seus meios para construir o
próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito pessoal para se dirigir e
construir o saber. Para a autora, esse processo inicia-se desde o nascimento e
constitui-se em molde ou esquema, sendo fruto do nosso inconsciente simbólico. O
desejo de aprender reside no inconsciente (BOSSA, 2000) e, é claro, é fruto da história
de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao

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longo da vida. Para Sara Paín, a aprendizagem é resultado da articulação de fatores


internos e externos do próprio sujeito, do organismo (substrato biológico), do desejo
de aprender, das estruturas cognitivas e do comportamento em geral. Todos esses
aspectos convergem para um mesmo objetivo que é o ato de aprender. Para esta
autora, a aprendizagem possui algumas funções contraditórias. São elas: a função
socializadora, a função repressora e a função transformadora.

Vejamos como essas funções se definem:

a) Função socializadora: a educação leva o sujeito a experimentar a vida em


comunidade e faz ensaios de participação social no ambiente escolar. A escola
trabalha dentro de um projeto social de homem e atua para que este seja o
mais integrado possível no seu ambiente. Para viver em sociedade, é necessário
que o homem faça uso do conhecimento produzido pela sua cultura.
b) Função repressiva: na visão da autora, a aprendizagem possui essa função, já
que o professor trabalha com limites claros e a escola é um espaço permeado
de limites (o uso de uniformes, horários, programação de tarefas pedagógicas
etc.). Além disso, não há espaço para a expressão plena do desejo de aprender
porque, na maioria das vezes, as atividades são coletivas e um sujeito representa
o limite do outro.
c) Função transformadora: eis aqui o elemento de dicotomia das funções da
aprendizagem, pois, ao mesmo tempo em que ela possui a função da
manutenção da cultura (função socializadora) e de delimitar o sujeito (função
repressora), a aprendizagem tem a função de libertar o homem a partir do
conhecimento e, por consequência, transformar a sociedade. Para Sara Paín, o
não-aprender pode representar um sintoma e não um problema, pois, por meio
dele, o professor pode ter contato com a modalidade de aprendizagem do
aluno.

Para Jorge Visca, a aprendizagem representa uma construção intrapsíquica,


considerando os componentes genéticos e as diferenças nascidas da evolução da
espécie, resultantes das pré-condições biológicas, das condições energético-
estruturais (condições afetivas) e das circunstâncias do meio. É a compreensão da
aprendizagem por meio da epistemologia convergente, ou seja, todos os aspectos do
ser humano convergindo para um único ponto, que é a aprendizagem. Jorge Visca
considera que, na Psicologia Evolutiva, encontramos as explanações behaviorista,
piagetiana, psicanalítica etc., que não abordam a aprendizagem de maneira específica
e nem o seu processo evolutivo. Acrescenta que o esquema evolutivo da

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

aprendizagem postula: 1) a existência de quatro níveis de aprendizagem:


protoaprendizagem, deuteroaprendizagem, aprendizagem assistemática e
aprendizagem sistemática; 2) que a aprendizagem se dá em função de aspectos
energéticos e estruturais e pela tematização dos esquemas de ação; 3) que o processo
geral e as aprendizagens particulares respondem a princípios estruturais
construtivistas e interacionais (Visca, 1987, p. 75).

Vamos entender o que significa cada termo e abordagem. Comecemos pelos


níveis de aprendizagem.

a) Protoaprendizagem – representa as primeiras aprendizagens que acontecem


nas relações afetivas da criança com sua mãe. O mundo externo da criança se
reduz à mãe ou ao adulto que a substitui.
b) Deuteroaprendizagem – trata-se da concepção de mundo e de vida que se
adquire por meio da convivência com a família. c) Aprendizagem assistemática
– esta se dá pela interação da criança com uma comunidade maior que a família,
como, por exemplo, o seu bairro.
c) Aprendizagem sistemática – é aquela que ocorre pela interação com as
instituições educativas que transmitem conhecimentos, atitudes e habilidades
que a sociedade estima. É interessante comentar como Jorge Visca relaciona
essas etapas da aprendizagem. Para o autor, desde que nascemos, inicia-se um
processo de aparecimento e estabilização de condutas que permitem definir
quatro níveis consecutivos de aprendizagem (são as já citadas:
protoaprendizagem, deuteroaprendizagem etc.).

Vejamos que o autor utiliza a palavra “consecutivos”, o que significa que cada
nível de aprendizagem ocorre após o outro, mas não elimina o anterior. Se a
protoaprendizagem consiste na aprendizagem dos vínculos e se dá, principalmente,
com a mãe ou com a pessoa que a substitui, ela está baseada nos seus substratos
biológicos, e a aprendizagem se dá em forma de condicionamento, a partir dos
estímulos biológicos. Quando a criança avança para o segundo nível, que é a
deuteroaprendizagem, para Jorge Visa, é como se a placenta tivesse sofrido uma
terceira mudança e ampliação. A primeira seria na ocasião do nascimento, a segunda
na ocasião da protoaprendizagem e a terceira na deuteroaprendizagem. Nesse
segundo nível de aprendizagem, a criança tem contato com as estruturas de
conhecimento e com a cultura do grupo em que vive. É o que Visca vai chamar de
axiologia do grupo. O mesmo substrato biológico que servia à protoaprendizagem
servirá à deuteroaprendizagem. A protoaprendizagem modificava o substrato

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Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos

biológico e a deuteroaprendizagem modificará a protoaprendizagem. A


aprendizagem assistemática, terceiro nível de aprendizagem, vai se efetuar pela
interação da criança que atingiu a deuteroaprendizagem com a comunidade restrita
(bairro, vizinhança, comércio local etc.), enquanto a aprendizagem sistemática
ocorrerá nas instituições oficiais, eleitas pela sociedade para este fim e, obviamente,
sofrerá influência de todos os níveis de aprendizagem anteriores.

Fonte: VISCA, J. Clínica Psicopedagógica – Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artmed, 1987, p. 79.

Como citamos bastante, a participação do substrato biológico na composição da


aprendizagem humana, é bom esclarecer que ele não é o único componente. Pelo
enfoque dado à importância das interações, seja com a mãe, seja com a comunidade,
é fato que o aspecto social, bem como a sua amplitude, favorece a aprendizagem.
Além disso, para Visca, os aspectos estruturais e energéticos têm considerável
implicação no processo. O termo energético diz respeito ao que nós, brasileiros,
costumamos denominar de afetividade. Os argentinos preferem a utilização do termo
energético. Dessa forma, se uma criança possui um bom vínculo com o objeto de
aprendizagem, o investimento pode ser maior e o resultado muito favorável. Por outro
lado, se o vínculo é inadequado, pode comprometer a aprendizagem. Mas existe uma
terceira possibilidade: quando o vínculo é inadequado, afeta um determinado objeto,

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

mas não afeta o núcleo essencial da aprendizagem, possibilitando que ela ainda se
desenvolva.

É muito importante que tenha claro como a aprendizagem se processa e como o


conhecimento se constrói, para que a sua forma de ensinar seja respeitosa e eficaz,
do ponto de vista psicopedagógico. O conhecimento não é cópia nem apropriação de
algo que está fora de nós, mas uma construção (SOLÉ, 1998). Cabe ao professor, com
visão psicopedagógica, ser um investigador dos processos de aprendizagem dos seus
alunos. Para Fonseca (1995), a aprendizagem é o comportamento mais importante
dos animais superiores e significa uma resposta modificada, estável, durável,
interiorizada e consolidada no cérebro do indivíduo. Isso nos faz pensar sobre as
confusões tão comuns entre aprendizagem e memória.

Na escola tradicional, a memorização de informações era sinônimo de


aprendizagem e o uso do conhecimento era pouco importante. Era valorizado, por
exemplo, que o aluno soubesse o nome de todos os rios e afluentes da Bacia
Amazônica, mas não se considerava se ele tinha adquirido uma noção espacial real e,
ainda, uma visão crítica da utilização do meio ambiente. A visão psicopedagógica da
aprendizagem concebe o conteúdo como instrumento para construir conhecimento,
mas o conteúdo não pode ter um fim em si mesmo, principalmente porque ele é
mutante. Portanto, interessa-nos que o aluno se aproprie dos conteúdos para
construir estruturas mentais cada vez mais sofisticadas e aprenda a lidar e a buscar
novos conhecimentos.

Para aprender, é necessário que exista uma relação integrada entre o indivíduo e
o seu meio, pois o produto aprendizagem é fruto de uma relação de condições
externas e condições internas, por meio de um processo sensório-neuropsicológico
(FONSECA, 1995). Ainda para este autor, a aprendizagem envolve complexos
processos neurológicos, reações químicas, atividades bioelétricas, arranjos
moleculares das células nervosas, eficiências sinápticas, redes interneuronais,
metabolismo protéico etc.

3 A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades


de aprendizagem
Pretendemos agora abordar as dificuldades de aprendizagem, a fim de melhor
compreendê-las e poder intervir adequadamente na sala de aula. Alunos que não

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

aprendem são sempre um desafio para nós, professores, não é mesmo? Para aquele
que possui estas dificuldades, a situação não é menos difícil. Não conseguir
acompanhar o seu grupo destrói a autoestima e deixa o aluno à margem de um
processo que deveria ser plenamente integrador. As causas do não-aprender podem
ser diversas.

Para Maria Lúcia Weiss, a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito


como um ser global, composto pelos aspectos orgânico, cognitivo, afetivo, social e
pedagógico. Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da
dificuldade de aprendizagem. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica
do sujeito; portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada
ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas
cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do
pensamento do sujeito. Por exemplo, uma criança pode estar no estágio pré-
operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório-
concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com
o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não conseguir
estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social refere-se à
relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. E,
portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação
ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma
como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos,
a forma de ministrar a aula etc.

Para esta autora, a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio.


Podemos dizer também que é a constante interação de todos os aspectos
apresentados. Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não-
funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um dos aspectos apresentados
ou, ainda, de uma relação inadequada entre eles. Uma rede de aspectos não-
satisfatória para a aprendizagem. Da mesma forma que os aspectos relacionados
podem justificar a dificuldade de aprendizagem, eles podem também servir de
parâmetro para a organização de uma prática pedagógica eficaz e preventiva.

3.1 Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no


cotidiano escolar

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

3.1.1 Piaget e o desenvolvimento humano

Jean Piaget destaca-se ainda atualmente devido à grande contribuição de seus


estudos para o entendimento do desenvolvimento humano. Entenderemos aqui como
desenvolvimento humano o desenvolvimento mental e o crescimento orgânico.

Piaget demonstrou que a criança tem uma forma própria de ver o mundo e
entender o que a cerca, e que, em cada faixa etária ou etapa de desenvolvimento, a
concepção de mundo sofre alterações. Existem alguns fatores que interferem
diretamente no desenvolvimento humano, como, por exemplo: a hereditariedade – o
potencial humano também é estabelecido pela sua carga genética. Hoje sabemos que
a hereditariedade influencia, mas não limita esse potencial. O crescimento orgânico
também é um outro fator e diz respeito ao desenvolvimento físico da criança e o
domínio do ambiente que ela passa a ter a partir do crescimento. A maturação
neurofisiológica garante o desenvolvimento neurológico, e a sofisticação dos
comportamentos e o meio influenciam na estimulação ambiental. É importante que,
ao estudar a inteligência humana e a construção do pensamento, não esqueçamos
que o homem é formado por diversos aspectos, como o físico-motor, o intelectual, o
afetivo e o social.

Piaget divide o desenvolvimento humano em períodos e estabelece uma faixa


etária para cada um deles. É fato que as faixas etárias aqui apresentadas não são
rígidas, mas servem de referência para os educadores.

Período sensório-motor (0 a 2 anos). Como o nome já diz, a criança conquista


o mundo por meio das sensações e das percepções. A inteligência, nessa fase, é prática
e se manifesta por intermédio dos movimentos. Não há diferença entre o eu e o
mundo, e o desenvolvimento muscular garante um domínio maior sobre o ambiente.

Período pré-operatório (2 a 7 anos). O aparecimento da linguagem é a marca


deste período e, por meio dela, a criança consegue expressar o seu mundo interior. O
pensamento evolui por causa do aparecimento da linguagem e a realidade é
transformada para atender às necessidades da criança. Necessidades do mundo
simbólico. Nessa fase, a maturação neurofisiológica se completa e a criança adquire a
coordenação motora. Há um grande interesse por atividades diversificadas e surgem
os primeiros sentimentos morais.

Período das operações concretas (7 a 12 anos). Neste período, a criança


abandona o egocentrismo e será capaz de cooperar com os outros, desenvolver
trabalhos em grupo e, ao mesmo tempo, adquirir autonomia para o trabalho

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

individual. As operações mentais se tornam mais sofisticadas e a criança é capaz de


estruturar um planejamento para alcançar seus objetivos, tanto no plano físico como
no plano mental. Surge a relação entre causa e efeito e a noção de número já pode
ser construída. O sentimento de grupo e a capacidade de cooperação tornam-se
fortes e facilitadores do trabalho em sala de aula. Período das operações formais. A
principal característica é a mudança do pensamento concreto para o pensamento
abstrato, sendo possível realizar operações somente no plano mental. Nesta fase, por
exemplo, o aluno já é capaz de compreender o conjunto Z dos números inteiros e
realizar operações com números negativos, pois já existe a possibilidade de um
número ser menor que zero. Do ponto de vista social, o adolescente interioriza as
normas sociais, primeiramente rejeitando-as para, posteriormente, ocorrer uma
adaptação a elas. É uma fase de muita reflexão sobre os conceitos sociais e o desejo
de transformação. Afetivamente, o adolescente vive conflitos indispensáveis à sua
constituição adulta.

Vygotsky nos trouxe propostas teóricas inovadoras sobre o pensamento e a


linguagem. Um conceito importante na sua obra é o fato de as origens das formas
superiores de comportamento, como a memória, a atenção e o pensamento, para esse
autor, serem construídas nas relações sociais e não dentro do próprio sujeito. Esse
homem que se constitui por meio das relações sociais não é um simples receptor de
informações, mas um sujeito participante de sua história que interage com os seus
pares.

As propostas de Vygotsky foram elaboradas ao lado de Luria e Leontiev, e o


desenvolvimento da criança compreendido por Luria é composto por três aspectos
importantes. O aspecto instrumental refere-se à natureza mediadora das funções
psicológicas complexas. Isso significa que não só respondemos aos estímulos do
ambiente, mas modificamos esses estímulos e os transformamos em instrumentos
para o nosso comportamento. Por exemplo, mudar um objeto de lugar dentro de casa
para lembrar de levar um material importante para o trabalho no dia seguinte. O
objeto que foi mudado de lugar estabelece uma mediação entre o estímulo, que é o
próprio objeto, e o nosso comportamento. O aspecto cultural significa o conjunto de
códigos que a sociedade cria para a solução de tarefas do cotidiano, e cada tarefa traz
dentro de si uma série de subtarefas. Por exemplo, para tomar café, é necessário antes
escovar os dentes. Para escovar os dentes, é necessário segurar a escova numa certa
posição, colocar o creme dental etc. A linguagem é um dos códigos criados pela
sociedade e indispensável para a humanidade. O aspecto histórico é utilizado para
dominar o ambiente social e representa uma mistura do histórico com o cultural, pois

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

todos os meios que o homem usa para o domínio do ambiente foram construídos
pela civilização.

Os estudos de Vygotsky se concentraram, principalmente, na linguagem e no


pensamento. Para o autor, a fala possui um desenvolvimento progressivo, pois
inicialmente a criança mistura a fala com as suas ações, e o objeto, o brinquedo, por
exemplo, é quem orienta a conversa. Posteriormente, ela utiliza a fala para se
comunicar com os adultos e demonstrar o que está fazendo ou querendo. Somente
mais tarde é que a fala deixa de ser um instrumento do comportamento e adquire um
sentido amplo. A linguagem é, portanto, um meio de construção da cultura e toda ela
representa um sistema de signos. Para Vygotsky, todo o desenvolvimento ocorre no
plano das interações e, por isso, desde bem cedinho, quando a criança balbucia, este
ato toca o adulto, que devolve com outro ato, seja um carinho, uma palavra, que por
sua vez realimenta e enriquece o repertório da criança. Para Piaget, a linguagem
também passa por fases. Quando a criança se encontra no período sensório-motor,
por exemplo, ela se utiliza do monólogo e da ecolalia. No período operatório-
concreto, ela transita entre o monólogo coletivo e a adaptação da informação que
recebe de acordo com o seu mundo simbólico. Neste período, já existe um diálogo
estruturado e, no período das operações formais, os diálogos adquirem formas de
discussões, muitas vezes ideológicas, já que na adolescência há uma grande
preocupação com temas como a justiça e a igualdade social.

Um conceito muito importante da teoria de Vygotsky é o de zona proximal. A


zona proximal dos nossos alunos não pode ser medida, pois representa o
desenvolvimento que ainda está por vir. Além disso, cada ser humano possui uma
zona proximal diferente, pois cada informação, cada contato com a realidade e,
portanto, cada aprendizagem, altera a nossa zona proximal. Isso significa que o
professor pode se posicionar perante o aluno considerando que o desenvolvimento
ainda não aconteceu ou que a aprendizagem ainda está por vir. Enquanto Piaget
trabalhou com o desenvolvimento retrospectivo, ou seja, o desenvolvimento que já
ocorreu, Vygotsky considera o desenvolvimento prospectivo, que é o
desenvolvimento que ainda está por vir. Para Piaget, os estágios de desenvolvimento
do pensamento existem em qualquer cultura, mais ou menos na mesma época, e o
que determina o limite de aprendizagem das crianças é a capacidade das estruturas
mentais. Para Vygotsky, o cérebro humano possui uma característica muito
importante que é a plasticidade cerebral. Significa que as capacidades de
aprendizagem podem ser ampliadas, pois o cérebro é plástico e essa capacidade está
ligada ao nível de interação social das crianças com o meio. A concepção de

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A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem

plasticidade foi muito importante para o trabalho que Vygotsky desenvolveu com
crianças portadoras de deficiência e seu trabalho influenciou muito na atual
compreensão de que todos são capazes de aprender. O surgimento da fala representa
para Piaget o resultado de uma maturação biológica e das estruturas cognitivas, sendo
um movimento do interior do sujeito para o mundo exterior. Para Vygotsky, o
surgimento da fala representa que a criança se apropriou de mais um aspecto do
mundo exterior e o levou para dentro de si, num constante processo de interação.

Em suma, enquanto Piaget enfatiza a maturação, as experiências concretas e a


equilibração, Vygotsky enfatiza o aspecto interacionista, pois é por meio da interação
social que os planos mentais superiores são construídos. Operacionalização das
teorias de Piaget e Vygotsky no ambiente escolar. Acreditamos que nenhuma teoria
substitui inteiramente outra, pois o trabalho do professor é sempre interdisciplinar e
pode buscar fundamentação teórica em diversas concepções, ainda que estas
pareçam antagônicas em alguns momentos. Dessa forma, a teoria de Piaget pode
enriquecer o trabalho do professor na medida em que traz concepções interessantes
sobre o processo de aprendizagem, especialmente quando nos apresenta o conceito
de assimilação e equilibração para a efetivação da aprendizagem.

As características de cada estágio de desenvolvimento, especialmente como as


estruturas cognitivas se apresentam em cada um deles, também podem colaborar
para a construção de um planejamento mais adequado à compreensão infantil,
principalmente no que diz respeito à seleção de conteúdos. Piaget considera o
desenvolvimento retrospectivo e, portanto, a postura do professor é em relação ao
que o aluno já sabe, ao que ele já aprendeu. Trata-se de uma postura de avaliação.
Avaliar é fundamental para o caminhar do processo pedagógico, mas é importante
que a avaliação não seja utilizada para rotular o aluno ou para fechar ideias em si
mesmas. Por exemplo, um professor chega à conclusão de que o aluno não consegue
aprender determinados conceitos porque ele se encontra no estágio pré-operatório
quando os conteúdos exigem que ele esteja no período operatório-concreto. Sim,
descobrimos isso, mas o que faremos com essa informação? Se o professor vai utilizá-
la para promover alternativas de estimulação da aprendizagem, então a avaliação e o
posterior enquadramento do aluno no estágio pré-operatório foi válido. Caso
contrário, cairemos na crença da espontaneidade do desenvolvimento.

Vygotsky valoriza bastante a prática docente e seus estudos são voltados para a
atuação do professor em sala de aula. Ele esclarece que, se temos 20 alunos em sala,
temos, então, 20 zonas proximais diferentes, pois cada aluno chega à sala de aula com
uma história diferente e com um repertório diferente, e a cada informação que o

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professor fornece, a cada proposta de novas experiências, essa zona proximal se altera,
formando um novo repertório. Logo, o professor não possui nenhum tipo de controle
sobre a zona proximal de seus alunos. O desenvolvimento, para Vygotsky, é
prospectivo, por isso, o “não-saber” não existe para este autor. Existe o “ainda não-
saber”, pois o desenvolvimento sempre ainda está por vir. Nesse caso, cada aluno tem
o seu tempo e o seu ritmo, o que contraria bastante o nosso sistema de educação por
meio da organização de turmas, o tempo de um ano letivo que estipulamos para a
aprendizagem do conteúdo da série etc.

Vygotsky não acredita na espontaneidade. Para ele, a intervenção pedagógica é


provocadora do desenvolvimento, e se um dos princípios de sua teoria é o
interacionismo, a aprendizagem não pode ocorrer de dentro para fora e sim de fora
para dentro. O trabalho em grupo é uma prática valorizada pelo autor, dada a força
da interação social na sua teoria. Por meio das trocas, o aluno interioriza conceitos e
aprende, apropriando-se do mundo. O conteúdo possui um papel importante, pois,
para Vygotsky, a aprendizagem se dá pela mediação entre o homem e o mundo, logo,
o conteúdo é o mediador entre o eu e o mundo. A partir do princípio da zona proximal
do desenvolvimento, entendemos que avaliação/padronização seria a melhor
alternativa dentro dessa teoria, pois cada aluno tem o seu ritmo próprio de
desenvolvimento. No entanto, o nosso sistema de educação nem sempre permite a
ausência total de padronizações e o nosso curso pretende, dentre outras coisas,
aproximar as teorias da realidade do professor. Dessa forma, podemos sugerir a vocês
que procurem variar na forma de avaliar os alunos e que construam instrumentos
individuais e coletivos de verificar a aprendizagem.

3.2 Afetividade e aprendizagem: contribuições da teoria do vínculo de


Pichon-Rivière para as práticas pedagógicas

O modelo de aprendizagem concebido por Pichon-Rivière é composto por três


configurações: a pré-tarefa, a tarefa e o projeto. A pré-tarefa é caracterizada pelo
medo do novo. Esse medo pode ser da indiscriminação, o medo do não-saber, que
Pichon-Rivière denomina de ansiedade confusional, ou, ainda, a ansiedade
esquizoparanóide, que é o medo do ataque, e a ansiedade depressiva, que representa
o medo de perder o que já se sabe e trocar pelo que não se sabe. A segunda
configuração é a tarefa, mas, ao contrário do que possa sugerir, tarefa para Pichon-

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Rivière não significa trabalho, a tarefa é um processo interno, que vai do manifesto ao
latente. O projeto é a mudança de atitude para a aprendizagem.

Pichon-Rivière também elaborou a “teoria dos três D”. O que seria? Depositante,
depositado e depositário. Esta teoria acredita na interação depositante/depositário
por meio do depositado. O depositante é o cliente, no nosso caso, o aluno; o
depositado é o capital que, para nós, representa o conteúdo, o conhecimento; e o
depositário é o professor. A teoria de Pichon-Rivière nos faz concluir que a
aprendizagem acontece por meio de um processo de interação entre aluno, professor
e o conteúdo, e que esta relação é permeada de afetividade e conflitos.

Para Pichon-Rivière, a cultura do aluno influencia bastante, na medida em que


pode funcionar como elemento de resistência para o aprender. É como se o aluno
entrasse em conflito e pensasse que, aprendendo, deixará de pertencer a uma
determinada cultura e comunidade, pois estará se distanciando dos seus iguais. Muito
embora os termos citados sejam novos para muitos professores, na prática, a maioria
de nós já experimentou essas situações, sem saber como elas se denominavam, seja
na experiência de professor ou de aluno. Quem nunca teve medo de aprender? Ou,
ainda, quem nunca sentiu ansiedade diante de um novo conteúdo, ou diante de uma
avaliação?

Pichon-Rivière, durante o tratamento de pacientes psicóticos, por meio da


técnica analítica, percebeu que há objetos internos que se articulam em um mundo já
construído, por meio de um processo de internalização. A partir da indagação
analítica, Pichon-Rivière ampliou o conceito de relação de objeto, que mais tarde veio
a denominar de vínculo. É quando das relações intrassubjetivas, ou estruturas
vinculares internalizadas, articuladas em um mundo interno, que a aprendizagem
acontece para o autor. Para a Psicologia Social, nenhuma obra pode ser compreendida
fora da complexidade das relações sociais, e toda obra cultural é a expressão do social
em forma de sensibilidade e interpretação. Portanto, para este autor, nenhum
conhecimento se constrói de forma singular, pois é resultado de uma produção social.

Os estudos de Pichon-Rivière iniciam-se na Psicanálise e culminam na Psicologia


Social. A aprendizagem para Pichon-Rivière é uma rede de contradições, por tudo que
é heterogêneo. No grupo operativo, técnica criada pelo autor, o sujeito deve ser o
autor de sua aprendizagem, por meio da apropriação da realidade e de sua identidade
construída historicamente e, por isso, ao mesmo tempo em que a aprendizagem é um
fenômeno psicológico, é também social. A técnica do grupo é justificada por ser uma

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experiência social e um sistema de relações que pretende atender às demandas dos


seus participantes.

Pichon-Rivière também possui um conceito muito importante para


compreendermos a aprendizagem: o ECRO – Esquema Conceitual Referencial e
Operativo, que representa a orientação para o ato de aprender, as experiências e a
afetividade do aluno, ou do sujeito como um todo. Portanto, ele é único e não há um
ECRO igual ao outro. Para que essa aprendizagem se configure, é necessário que haja
o vínculo, que se define como a estrutura de complexidade que inclui um sujeito, um
objeto e a relação que ocorre entre ambos. O vínculo pode se tornar patológico
quando o sujeito perde suas relações com a realidade, que é o caso de doenças como
a esquizofrenia.

A teoria de Pichon-Rivière foi muito utilizada no campo da doença mental, mas


é interessante que o professor também se aproprie desse conhecimento para
compreender, por exemplo, como ocorrem as relações familiares do aluno, as suas
relações com o colega de classe, o tipo de vínculo que ele consegue estabelecer na
sala de aula, com o professor e com os colegas. Para esse estudioso, a família é o
grande suporte da sociedade e é a partir dela que a criança se socializa. O grupo é o
limite que estabelece as tendências afetivas, estéticas etc. O corpo biológico funciona
como uma dimensão da mente, na qual estão situados os objetos internos, mas não
há uma divisão entre as dimensões do homem, pois a única dimensão é a humana. O
corpo biológico é o que vai ensinar à criança o limite do mundo.

A Psicologia Social também contribuiu bastante para a Didática e, nesse caso,


tem a função principal de modificar a atitude do sujeito. Para este modelo de didática,
a aprendizagem é a apropriação instrumental da realidade, para transformá-la. E,
assim, o processo ensino–aprendizagem e professor–aluno formam uma única
unidade. Um dado importante para nós, professores, é considerar que os nossos
alunos, ou melhor, todos os seres humanos que estiverem frequentando um grupo,
estarão desempenhando papéis grupais.

Pichon-Rivière ressalta que a técnica do grupo operativo só pode ser aprendida


por meio da experiência pessoal, da mesma forma que, para ser professor, é preciso
ter sido aluno, e a tarefa deste grupo é aprender um assunto, utilizando como técnica
de aprendizagem a interação com todos os componentes. As contribuições de Pichon-
Rivière nos fazem refletir sobre a importância do grupo para a aprendizagem e faz cair
por terra um modelo antigo de ensino no qual o aluno recebe passivamente o
conteúdo. Nessa proposta, o aluno torna-se autor do seu próprio conhecimento e o

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Grupos operativos e psicodrama educacional

que é mais importante: o professor não é o único a ensinar, pois os componentes do


grupo desempenham papéis, e esses papéis não são fixos.

Se observarmos as turmas que já passaram por nós, vamos perceber que, em


cada uma, havia o aluno que fazia o papel do engraçado, o aluno que era o modelo
de intelectual, o indisciplinado, não é mesmo? Os anos passam, as turmas mudam,
mas os papéis permanecem. É como se o grupo precisasse de determinadas funções
para viver. Porém, nem sempre utilizamos o potencial do grupo como convém. Vale a
pena sair do plano individual e investir num trabalho de grupo que construa um
conhecimento de fato socializado. A teoria de Pichon-Rivière, especialmente o grupo
operativo, foi criada para aplicação na área da saúde mental, mas, pela força da
didática que nela existe e pela proposta educativa, tem sido adaptada pela educação
e utilizada como técnica para favorecer a aprendizagem, trazer conflitos à tona e,
principalmente, transformar alunos em sujeitos do seu próprio conhecimento.

Mas, afinal, o que é um grupo? Para a Psicologia Social, é um conjunto de pessoas


ligadas por uma mesma representação interna, e que precisam resolver um problema,
uma tarefa. Há dois tipos de grupos: o primário (a família) e os secundários (que são
todos os outros). Dessa forma, um conjunto de alunos pode estar na mesma sala de
aula e não constituir um grupo, como podem também seus elementos disputarem os
papéis grupais, como o de líder, por exemplo. Com uma visão renovada de conteúdo,
entendemos que a matéria a ser ensinada não se resume somente aos estudos da
Língua Portuguesa ou da Matemática, mas questões sobre ética, indisciplina, dilemas,
podem fazer parte das aulas dos nossos alunos, a fim de se promover uma construção
moral mais sólida. Nesse caso, o grupo operativo pode ser um grande aliado do
professor na construção da moralidade, mas também da afetividade.

Vimos que Pichon-Rivière apresenta a aprendizagem como um fenômeno


psicológico e ao mesmo tempo social. Pois bem, podemos dizer que, à medida que
seus componentes interagem, há também a construção de um vínculo afetivo entre
os componentes, num processo de transferência e contratransferência. Da mesma
maneira, cada componente pode agir da mesma forma com a figura do professor e o
vínculo afetivo positivo se tornar um grande aliado.

4 Grupos operativos e psicodrama educacional


O grupo operativo e o psicodrama são recursos pouco usados na educação, mas
a aplicação dessas técnicas pode trazer muitos benefícios para a aprendizagem,

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Grupos operativos e psicodrama educacional

principalmente se estivermos atentos à base teórica da Psicopedagogia, que é a


convergência dos aspectos sociais, cognitivos e afetivos.

Vejamos, primeiramente, a proposta do grupo operativo, bem como a sua


aplicabilidade na educação. De acordo com Saidon (1982), o conceito de grupo
operativo apresentado por Pichon-Rivière é: “O grupo operativo se caracteriza por
estar centrado, de forma explícita, em uma tarefa que pode ser o aprendizado, a cura
(no caso da psicoterapia), o diagnóstico de dificuldades etc. Sob essa tarefa, existe
outra subjacente à primeira, que aponta para a ruptura das estereotipias que
dificultam o aprendizado e a comunicação.

”O grupo operativo é uma técnica formulada com base na Teoria do Vínculo,


também de Pichon-Rivière. Hoje, é bastante utilizada em empresas por
psicopedagogos e psicólogos, para acompanhar o desenvolvimento dos profissionais
na execução de uma tarefa e na compreensão das relações interpessoais. A utilização
da técnica em empresas e a pouca utilização na educação não significa que a técnica
seja imprópria para o segundo caso, mas existe sim, na verdade, a falta da cultura da
proposta entre os educadores. Para Bock (2002), o grupo operativo possui grupos
abstratos enquanto se desenvolve, e assim se classificam:

1. Categoria de produção – há uma harmonia entre a satisfação das


necessidades do grupo e as produções grupais. Ou seja, o grupo produz
aquilo que realmente precisa produzir e o trabalho se concretiza
2. Categoria de dominação – os grupos reproduzem as desigualdades
sociais e as relações de domínio uns sobre os outros. Não há uma boa
distribuição de liderança.
3. Categoria grupo-sujeito – os grupos com menor resistência à autocrítica
e com capacidade de mudança.
4. Categoria grupo-sujeitados – grupos que se submetem às normas
institucionais e apresentam grande resistência às mudanças. Para o grupo
operativo, os aspectos divergentes, como homogeneidade e
heterogeneidade, o múltiplo e o singular, podem integrar-se formando
uma unidade, pois o grupo operativo opera com a lógica dialética e não
com a lógica formal. Há uma música do cantor Lulu Santos que serve para
ilustrar como a lógica dialética, apesar da presença dos opostos, conduz à
ideia de unidade integradora: “Não existiria som, se não fosse o silêncio.
Não haveria luz, se não fosse a escuridão. A vida é mesmo assim…”

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Grupos operativos e psicodrama educacional

Com essa concepção, é possível concluir que o aprender e o não-aprender fazem


parte da mesma unidade e que, portanto, uma criança pode oscilar entre esses dois
processos, da mesma forma que o professor pode procurar compreender os caminhos
da aprendizagem dessa criança e atingir o seu não-aprender pelas potencialidades e
não pelas dificuldades. O não-aprender pode ter a sua causa centrada na identidade
social.

Pichon-Rivière descobriu isso trabalhando com imigrantes, quando constatou


que os problemas que seus pacientes possuíam tinham como causa a transculturação
e a perda dos vínculos internos. Muitas vezes, a cultura do aluno diverge da cultura
da escola e do professor e, embora a criança não tenha mudado de país, há um
rompimento com os seus vínculos originários, que são os de sua família. Nesse caso,
é necessário que a família “autorize a criança a aprender”, caso contrário, ela pode se
considerar um “estrangeiro” na escola. Não é essa a leitura que muitas crianças fazem
da escola? “Isso aqui não é para mim”, “não nasci para isso”, “não é o meu mundo”.

4.1 A aplicação do grupo operativo na escola

Na escola, o grupo operativo pode ser aplicado no sentido de cada um recuperar


o próprio saber por intermédio da experiência do outro. O professor lança um
problema para ser discutido e, com a interação, os alunos operam sobre ele. O
propósito é sair da independência para a autonomia, isto é, ser independente é estar
trabalhando sozinho, e ser autônomo é ser um indivíduo com identidade própria, mas
que opera em grupo. O processo grupal também constrói a aprendizagem social e sai
do pensamento lógico formal para o pensamento dialético. Todos são protagonistas
e todos são autores de sua aprendizagem. Rompe-se a ideia de que há alguém que
ensina e outro que aprende, pois as atividades e as funções no grupo operativo são
rotativas. A didática do grupo operativo baseia-se no ECRO (Esquema Conceitual
Referencial e Operativo) que é único em cada sujeito, e tem caráter interdisciplinar e
grupal. Parte do princípio de que cada aluno/paciente tem uma história diferente e
um esquema referencial operativo também diferente. A técnica exige, ainda, que os
papéis grupais se alternem entre os sujeitos.

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Grupos operativos e psicodrama educacional

4.2 O psicodrama na escola

A prática do psicodrama é alicerçada na concepção de homem, caracterizada no


respeito à liberdade e ao potencial de criatividade que os vínculos afetivos tendem a
catalisar (KAUFMAN e GONÇALVES, 1988). Consiste na encenação dramática feita
pelas próprias crianças, na qual os temas também são escolhidos por elas, assim como
os papéis que representarão e a distribuição dos mesmos. Dessa forma, acredita-se
que a criança se apropria com mais facilidade da realidade e do conteúdo dos temas,
além de expressar os seus sentimentos em relação aos fatos. Ao desempenhar um
papel aparentemente estranho, a criança pode compreender as características e a
relatividade de cada papel na sociedade.

Ainda para os autores Kaufman e Gonçalves (1988), para a teoria psicodramática,


o conceito de saúde mental baseia-se na capacidade de jogar e inverter papéis. O
recurso do psicodrama pode ser utilizado para compreender a razão do não-
aprender, como também par a compreender o que ensinante e aprendente sentem
na relação de aprendizagem. Quer dizer que, durante uma cena dramática, o professor
pode sugerir a um aluno ou a um grupo que dramatizem uma situação de sala de
aula, invertendo os papéis, ou seja, ele deve ocupar o lugar de um aluno e vice-versa,
para que ambos possam ver, por meio da representação do outro, como costumam
agir frente ao problema, o que têm feito para resolvê-lo e o que têm deixado de fazer.
As técnicas sugeridas por esses autores são:

a) Entrevista: há uma colocação direta para a criança de perguntas sobre uma


situação específica.
b) Diálogo: é caracterizado pela fala e pela réplica, entre terapeuta e criança.
c) Intervenção coloquial: chama-se a atenção sobre qualquer coisa importante
que a criança fala no momento do diálogo.
d) Duplo: ocorre por intermédio do corpo e das palavras. O ensinante/terapeuta
expressa os sentimentos que o protagonista não está conseguindo expressar.
O ensinante funciona como uma consciência auxiliar.
e) Inversão de papéis: é utilizada quando há o desejo de que o protagonista sinta
a repercussão de sua conduta sob uma outra pessoa. A vivência desses papéis
é anunciada pelo condutor do trabalho.
f) Interpolação de resistência: surge uma personagem inesperada na relação e
o protagonista se vê diante de uma nova situação.
g) Solilóquio: há uma exposição de experiências reais e os sentimentos e
pensamentos saem do oculto para a cena.

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

h) Utilização de fantoches: a criança utiliza bonecos e fantoches para dramatizar


e escolhe o que quer que o terapeuta utilize. A técnica do fantoche é a mais
próxima da realidade escolar e seus efeitos são mais benéficos do que se possa
imaginar. Devido ao imaginário infantil e à semelhança desse recurso com os
desenhos animados a que normalmente a criança assiste, o protagonista tem a
possibilidade de viver papéis e de resolver muitas questões internas. Muitas
vezes, as crianças vivenciam o psicodrama por meio de fantoches
espontaneamente, em casa, utilizando também bonecos no lugar dos
fantoches. Quando elas decidem “brincar” de escolinha, nós sabemos muito
bem o que acontece. As crianças representam seus professores, o vínculo que
eles estabelecem com os alunos, como tratam os alunos que se destacam e
como tratam aqueles que possuem dificuldades. Ou seja, por meio do
simbólico, as crianças nos dizem o que precisam e nos apontam caminhos muito
interessantes para a nossa intervenção.

Para Gonçalves (1988), o relacionamento com crianças exige disposição para


brincar e para compreender o sentido da brincadeira. O psicodrama é, como outras,
uma técnica na qual a criança tem a oportunidade de se expressar e de se relacionar
por meio da brincadeira e do jogo. Para esta autora, Moreno, o criador do psicodrama,
gostava de se referir aos primórdios de sua inspiração, lembrando sua convivência
com grupos de crianças nos jardins de Viena (1912), quando lhes contava histórias
criadas de improviso e observava sua participação. Sempre valorizou o papel do faz-
de-conta para a construção da personalidade.

5 A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como


problemas reativos de aprendizagem
A escola contemporânea tem se defrontado com diversos dilemas éticos, tais
como o roubo, o uso de drogas, a vida sexual precoce, a gravidez na adolescência, a
permissão ou não do namoro na escola etc. Nós, profissionais de educação, olhamos
para trás, buscando em nossa formação teorias que nos ajudem a compreender e
intervir nas situações éticas, porém nem sempre encontramos. A sociedade mudou
bastante no que diz respeito aos valores morais e os problemas na escola são cada
vez mais inéditos.

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

O fato é que cada escola acaba resolvendo os seus conflitos éticos, um a um,
adotando o critério “cada caso é um caso”, muitas vezes contrariando ou em
consonância com a própria concepção de homem e de educação. Os conflitos e
dilemas éticos são muitos, vamos nos deter na indisciplina na escola.

A indisciplina na escola tem tirado o sono de muitos dirigentes de instituições


educadoras e também de pais. Mas, para intervir, é preciso compreendê-la e, antes de
tudo, defini-la. Para a Psicopedagogia, a indisciplina é a contradição entre a atividade
proposta e o comportamento do aluno. Isso quer dizer que o silêncio absoluto na sala
de aula também pode representar um ato de indisciplina. Depende da atividade que
foi proposta. Para ficar mais claro, vejamos este exemplo: um professor solicita à turma
que faça a leitura de um texto em silêncio; depois, que participe ativamente de um
debate e, posteriormente, cante em conjunto com o professor uma música
relacionada ao tema da aula. Suponhamos que dois alunos resolvem ficar no cantinho
da sala, ainda na primeira etapa da atividade proposta, lendo um livro em silêncio e
se neguem a participar das demais atividades. Muito embora não estejam
incomodando seus colegas, pois estão em silêncio, esses alunos estão em situação de
indisciplina, visto que o comportamento deles não condiz com a atividade proposta.
Por esse exemplo, você já deve ter percebido que a Psicopedagogia encara o
problema da indisciplina como um problema de relação com a matéria ou com o
espaço escolar. Não só de problemas de aprendizagem vive a Psicopedagogia, mas
de tudo que se relaciona à aprendizagem.

A partir do conceito de indisciplina que foi aqui exposto, vamos agora tratar de
como a criança recebe as regras e a autoridade do adulto e do ambiente social durante
o seu desenvolvimento. Até por volta dos dois anos de idade, a criança está na fase
da anomia, que significa ausência total de regras. Significa que nessa fase ela não é
capaz de discernir o certo do errado e a aquisição das regras virá pela formação dos
hábitos. A rotina de horários e atividades será um ótimo recurso para a apreensão da
disciplina e das regras sociais. No entanto, a criança não é capaz, ainda, de
compreender o sentido semântico das expressões verbais e o que demarca se ela está
errando ou acertando é a expressão facial do adulto e o tom de voz utilizado. Isso
ocorre porque as crianças, no período da anomia, não são capazes de compreender
as regras e, por isso, sorriem quando um adulto pede para não mexer na tomada
elétrica, por exemplo, e continuam colocando o dedinho. Também é comum encontrar
crianças de turmas de maternal resolvendo seus problemas com outras crianças na

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

“base da mordida”. É o sensório falando mais alto e o corpo precisa “participar” das
decisões, já que a cognição não está preparada para isso.

Depois de dois anos de idade começa o período da heteronomia moral, quando


o ser humano passa a compreender a presença das regras, mas não é capaz de utilizá-
las com autonomia e, portanto, necessita do adulto para conduzi-lo. A heteronomia
aparece, inclusive, nas atividades do dia a dia, como, por exemplo, quando a criança
espera que alguém mande lavar-se ou que entregue a refeição ou, ainda, que avise
que está no horário de fazer o dever de casa etc. A heteronomia também vai se
caracterizar pelo cumprimento das regras a partir da presença da autoridade. A
autoridade é quem controla o respeito pela lei, pois as regras ainda não foram
absorvidas pelo indivíduo. É o exemplo de um motorista que só respeita as leis de
trânsito se houver a presença de um guarda nas avenidas, caso contrário, ele
desrespeita, muito embora seja consciente de todas elas.

Depois de 11 anos de idade, a criança pode ou não adquirir a autonomia moral,


já que, segundo Piaget, uma parcela muito pequena da sociedade atinge essa fase de
desenvolvimento. A autonomia moral se caracteriza pela compreensão e
cumprimento das regras, pela consciência da necessidade e da importância delas e
não pela punição que pode ocorrer, como no caso da heteronomia. A presença ou
ausência de um guarda de trânsito é indiferente para o cumprimento das regras,
porque já foram interiorizadas pelo sujeito. Os alunos que apresentam dificuldades na
área disciplinar encontram-se na heteronomia moral e, às vezes, nem mesmo a
presença de uma autoridade leva-os ao cumprimento das regras, mas os problemas
de disciplina não precisam ficar sem solução. A exclusão do aluno da instituição pode
ser o último recurso se nós, educadores, fizermos da disciplina uma proposta
pedagógica. A construção de limites éticos deve fazer parte dos nossos projetos.

Para Piaget (1977), o desenvolvimento moral ocorre em consonância com o


desenvolvimento intelectual; portanto, considerando os estágios cognitivos descritos
por este autor, temos uma boa noção do que as crianças e adolescentes são capazes
de compreender e do que não são. Também nos alerta sobre a importância da
intervenção do adulto, já que a infração tem que ser por ele pontuada. A criança que
comete infrações e não tem nenhum retorno por parte do adulto interpreta que não
existe alguém que a proteja, que zele pelo seu bem-estar, o que, do ponto de vista
psicanalítico, significa amor.

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aprendizagem

Ainda para Piaget (1977), a forma como o adulto vai demarcar os limites e corrigir
as infrações cometidas pelas crianças pode levar o sujeito à autonomia moral ou à
heteronomia moral. Vejamos como isso ocorre. Existem duas formas de sanções
disciplinares: a sanção expiatória e a sanção por reciprocidade. Na sanção expiatória,
não há nenhuma relação entre o comportamento do adulto e a atitude da criança. É
o famoso castigo e uma punição aleatória; por exemplo, quem briga com o irmão não
merece doce-de-leite de sobremesa. Não há relação entre a atitude de brigar e o
objeto doce-de-leite. Na sanção por reciprocidade, busca-se uma coerência entre a
infração e a atitude do adulto e, principalmente, deve haver a possibilidade de a
criança reparar o erro que cometeu. Em suma, a sanção expiatória leva à heteronomia
moral, enquanto a sanção por reciprocidade conduz à autonomia moral.

O fato é que, muitas vezes, a heteronomia moral já existe e os problemas


disciplinares batem à nossa porta. Então, pensemos um pouco no que a
Psicopedagogia nos recomenda. Precisamos continuar compreendendo a indisciplina
como um problema de relação com a escola, que é um espaço de aprendizagem, e
com a própria aprendizagem do sujeito. É necessário que o professor verifique o
sentido que esses objetos têm para o aluno para que possa intervir. A maioria dos
alunos com problemas de indisciplina fica com a imagem muito desgastada na escola
e a relação com a equipe pedagógica nem sempre é positiva. Recomenda-se investir
na autoestima desses alunos para que construam vínculos afetivos adequados e
passem a acreditar na própria mudança.

A reconstrução da disciplina exige da escola um projeto pedagógico. Não é um


trabalho somente do professor. Além disso, é preciso verificar de que maneira a família
pode participar desse processo, sendo necessário envolvê-la na busca pelo bom
comportamento do filho. Faz-se necessário, também, que a escola tenha seus limites
e códigos de conduta bastante claros, deixando evidentes, também, as suas formas
de sanção, ou seja, como trata cada situação de indisciplina. É relevante, por exemplo,
diferenciar as sanções por gravidade e por situação. Vamos refletir, ainda, sobre a
possibilidade de a criança apresentar situações de indisciplina como um problema
reativo de aprendizagem ou ao ambiente escolar. Isso significa que ela pode não estar
conseguindo resolver algum problema, não sabendo como expressar-se e a forma
escolhida pelo seu inconsciente é a indisciplina. Nesse caso, essa reação surge como
um sintoma e não como um problema em si. Cabe aos educadores criar mecanismos
para fazer o aluno expressar a razão de seu comportamento. A razão do problema
pode estar ainda no contexto familiar. Nesse caso, havendo uma mudança brusca de

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

comportamento, é necessário que a família seja convidada para oferecer dados e


receber ajuda dentro dos limites e possibilidades da escola. Não podemos esquecer
das causas orgânicas. Na adolescência, por exemplo, as mudanças no corpo provocam
grandes alterações de humor, tom de voz, desejo de onipotência etc. que alteram
bastante o comportamento de nossos alunos. Além disso, um aluno pode parecer
indisciplinado, mal-educado, mas na verdade ser portador de hiperatividade ou algo
similar. O contrário também pode ocorrer: muitos alunos indisciplinados podem ser
confundidos com hiperativos. Lembramos que esse exemplo foi usado aqui somente
para ilustrar, já que o estudo da hiperatividade merece mais colocações. A seguir,
preparamos um quadro-resumo sobre o desenvolvimento moral do indivíduo e de
todos os processos que constituem a heteronomia e a autonomia moral.

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

5.1 Construção da ética e da moralidade no cotidiano escolar: uma leitura


piagetiana

A escola é, sem dúvida, um espaço de múltiplas aprendizagens. Com uma


proposta inicial de promover aprendizagens sistemáticas e transmissão de cultura,
transmite também valores e forma o indivíduo do ponto de vista afetivo e social. No
aspecto social, encontramos um “conteúdo” de muita importância, que é a construção
da moralidade do sujeito. É certo que não só a escola possui essa tarefa, pois a criança
receberá muitas influências da família, da comunidade em que vive, enfim, o contexto
social possui um peso significativo na apreensão de valores e regras.

Para Bock (2000), a escola cumpre o papel de preparar as crianças para viverem
no mundo do adulto, trabalhando e assimilando a cultura, as regras sociais, os
conhecimentos básicos, os valores morais coletivos, os comportamentos considerados
adequados pela sociedade, estabelecendo uma mediação entre a criança e a
sociedade. É bom lembrar que esta é uma tarefa muito complexa, pois a escola não
trabalha com um valor padrão, mas com um conjunto deles, já que cada criança e
adolescente traz de casa um conjunto de valores construídos dentro do grupo familiar.

No período entre 4 e 7 anos, a criança passa pelo estágio egocêntrico e não


importa se ela conhece ou não as regras sociais. Ela não leva em consideração o ponto
de vista de outras pessoas e concentra-se somente no seu. O egocentrismo afeta não

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem

só a linguagem, como também o comportamento moral. Creio que todos nós


lembramos que certo dia achamos que a lua estava nos seguindo e que ela andava na
medida em que nós andávamos. Esse é um exemplo do pensamento egocêntrico
infantil. A criança julga que o mundo gira em torno dela, o que nada tem a ver com o
egoísmo. As coisas existem porque a criança existe, nessa fase. É comum, também, as
crianças pensarem o mesmo sobre a existência de seus professores e da escola. No
final de semana, como ela não vai à escola, é como se todos os profissionais
“adormecem” e aguardassem o seu retorno na segunda-feira. Nessa fase, as crianças
podem estar brincando em grupo, mas as brincadeiras são individuais.

A partir dos 7 anos, inicia o estágio da cooperação incipiente, que não significa
o trabalho para um mesmo fim, e sim o fato de o jogo adquirir uma característica mais
social. A competição também aparece nessa fase. A linguagem socializada surge e a
criança começa a levar em consideração o ponto de vista do ouvinte.

Aos 11, 12 anos, surge o último estágio do comportamento moral, que é a


cooperação genuína. Nessa fase, há o completo domínio das regras. Existe uma regra
comum e dentro da regra é que se tenta vencer o adversário. As regras têm tanta
importância nessa fase que discutir sobre elas pode ter mais significado que o jogo
em si. Portanto, o comportamento moral ocorre em três estágios: estágio egocêntrico,
cooperação incipiente e cooperação genuína.

Estágio da moralidade heterogênea ou da restrição


Entre 4 e 10 anos de idade, aproximadamente, a moralidade da restrição
apresenta duas fases. Na primeira, a criança acredita que alguma autoridade tenha
criado as regras e só a partir daí é que se pode utilizá-las para brincar. É a fase
absolutista. As regras servem para controlar o comportamento do parceiro e foram
criadas por alguém de prestígio, mas elas não servem para “proteger os direitos” de
cada parceiro, pois ela ainda se encontra no estágio do egocentrismo. Na segunda
parte desse estágio, há a moralidade de restrição. A criança já conhece as regras e
recusa-se a mudá-las. O prestígio de quem ensina transfere-se para as regras e as
torna sagradas e imutáveis.

Estágio da moralidade autônoma ou de cooperação

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A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de


aprendizagem
A concepção de regras começa por volta de 10 anos e a criança começa a
desacreditar da sua inviolabilidade, reconhecendo que podem ser alteradas. A criança
participa da elaboração das regras e se sente na obrigação de respeitá-las. O meio
social é que promove a passagem da moralidade absolutista para a moralidade
flexível. Para Piaget, ao seguir as regras e refletir sobre elas, a criança adquire a noção
de moralidade e pode reformular, além de compreender que elas controlam as
relações interpessoais.

Desenvolvimento do julgamento moral

Piaget estudou, ainda, como as crianças julgavam moralmente os conflitos éticos.


Para isso, ele utilizou-se de pequenas histórias que envolviam temas como culpa,
castigo, mentira e entrevistou várias crianças para chegar à formulação de sua teoria.
O autor descobriu que, entre 4 e 7 anos, a criança julga a culpa, por exemplo, levando
em consideração a quantidade e o tamanho. Por exemplo, quem quebrou 15 xícaras
é sempre mais culpado do quem quebrou 4, independentemente de como ocorreu o
episódio, se de maneira acidental ou proposital. A partir dos 8 anos, a criança começa
a levar em consideração o quesito intenção. Portanto, quem fez algo propositalmente
é culpado e quem praticou um ato acidentalmente, não.

O realismo moral se justifica pelo reconhecimento de que os pais merecem


respeito porque são pessoas de prestígio e também porque existe o egocentrismo, ou
seja, se o outro não existe, também não existe a intenção de enganá-lo. É importante
que o professor construa regras com seus alunos e que saiba o que eles são capazes
de compreender e o que não são, a partir da fase ou estágio em que se encontram.
De toda sorte, a construção de valores deve fazer parte do currículo não como um
conteúdo a ser ensinado, ou como tarefa de uma disciplina específica, como
aconteceu no passado com a Educação Moral e Cívica e como acontece ainda hoje
com a religião na escola, mas como uma proposta pedagógica da escola. Uma boa
alternativa é levar sempre os conflitos éticos que surgirem na sala a julgamento do
grupo para facilitar a apreensão das regras.

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

6 A construção do currículo na escola segundo a


psicopedagogia
E se fizermos uma ponte com as profissões que também são valorizadas pela
mesma sociedade, vamos verificar que elas se concentram na área biomédica,
tecnológica e algumas da área humana. Ou seja, se um filho adolescente comunica à
família o seu desejo de ser médico, advogado ou engenheiro, o fato é comemorado,
mas se este mesmo jovem expõe o desejo de ser músico, a família certamente
demonstrará preocupações com o seu futuro. Logo, não é à toa que as disciplinas
recebem a carga horária na estrutura do currículo, não é mesmo? De certa forma, a
sociedade “diz” para a escola o tipo de cidadão que ela deve formar. Isso explica
também o papel de reprodução das desigualdades sociais que algumas escolas
desempenham.

Zabala (1999) faz uma diferenciação entre os métodos globalizadores e os


enfoques que trabalham diferentes relações entre os conteúdos. Nos primeiros, os
conteúdos de ensino não se apresentam nem se organizam a partir de uma estrutura
disciplinar, mas a partir de um tema ou problema, por meio do qual os conteúdos são
estudados. O referencial organizador do trabalho pedagógico é o aluno e suas
necessidades educativas. Os conteúdos estão condicionados aos objetivos de
formação do aluno. Os segundos se caracterizam pelo tipo de relação que se
estabelece entre as disciplinas; não se referem a uma metodologia concreta, mas a
uma determinada maneira de organizar e representar os conteúdos, a partir das
disciplinas. A prioridade básica são as matérias e sua aprendizagem.

Zabala observa que as relações entre as disciplinas constituem um problema


essencialmente epistemológico, quer dizer, uma concentração de preocupações com
a construção do conhecimento, e, como consequência, uma questão escolar. Este
autor apresenta quatro tipos diferentes de relações entre as disciplinas que têm
aplicação no campo do ensino. São elas:

• Multidisciplinaridade – os conteúdos escolares se apresentam como matérias


independentes, como um somatório de disciplinas, sem relações entre si.
• Pluridisciplinaridade – a organização dos conteúdos expressa a existência de
relações entre disciplinas com alguma afinidade, como, por exemplo, Ciências
Biológicas, Química e Física. Interdisciplinaridade – é a interação de duas ou
mais disciplinas de áreas diferentes, implicando uma troca de conhecimentos
de uma disciplina à outra, gerando um corpo disciplinar.

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

• Transdisciplinaridade – é o grau máximo de relações entre as disciplinas, a


busca de uma integração global dentro de um sistema, objetivando a unidade
do conhecimento.

É fato que não podemos continuar trabalhando com alunos utilizando a porta da
escola como limite isolante do mundo. A realidade vivida e sentida garante
aprendizagens significativas. Muitos conteúdos se tornam amorfos porque estão
desconectados da realidade, e as aulas tornam-se enfadonhas, intermináveis, gerando
o baixo rendimento. Há necessidade de refletir sobre o conhecimento, questionando
o acúmulo de conteúdo que de pouco valerá na vida dos nossos alunos.
Principalmente porque o desenvolvimento tecnológico atual é de ordem tão variada
que fica impossível atuar com a velocidade necessária para produzir e acumular tanto
conhecimento. Isso também não é necessário. O conhecimento deve ser construído
para a produção de competências e para a construção da autonomia intelectual,
objetivo maior da Psicopedagogia.

Mas como elaborar um currículo compatível com a prática pedagógica e a


realidade da escola? Antes de tudo, é necessário que a escola defina alguns conceitos,
por exemplo, o conceito de educação, o seu conceito de sociedade, de valores, de
homem e, principalmente, o homem que deseja formar. A partir dessas concepções é
que o currículo pode ser estruturado. O passo seguinte é realizar um diagnóstico da
comunidade na qual a escola está inserida. Isso é fundamental. Se você fosse um
alfaiate, como procederia para costurar um terno para um freguês? Tenho certeza que
você providenciaria conhecer as medidas do freguês para costurar um terno de fato
sob medida, não é mesmo? Pois se não procurarmos conhecer muito bem a realidade
local, corremos o risco de elaborar um currículo incompatível com as necessidades
dessa comunidade, ou mesmo de elaborar um currículo obsoleto. Posteriormente, a
equipe deve se reunir mais uma vez para cuidar da elaboração de um currículo, que é
algo que deve ser feito em equipe, pois, se ninguém educa sozinho, e na sala de aula
os alunos recebem influências das relações de toda a escola, no momento de elaborar
um currículo, essa unidade deve permanecer.

Durante a elaboração, a equipe deve considerar os parâmetros nacionais, pois as


diferenças devem ser respeitadas. Considerando esta unidade, a equipe da escola
pode começar a estabelecer o que é importante saber na sociedade em que vivemos
e, principalmente, na comunidade onde a escola está inserida. Aí temos mais uma
gama de desafios. Muitas escolas se ressentem da falsa liberdade que possuem para
elaborar seus currículos. Classificam essa liberdade como falsa porque afirmam que

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

são reféns do vestibular e de outros mecanismos de acesso e, portanto, a liberdade


não existe. É necessário ensinar o que os concursos ditam.

Temos mais um desafio: para a Psicopedagogia, já vimos, a escola possui uma


função socializadora, uma repressora e outra transformadora. A socialização
representa a transmissão de uma cultura vigente às novas gerações, e isso é tarefa da
escola e, portanto, do currículo. A função repressora diz respeito aos limites
estabelecidos e a função transformadora, à quebra de paradigmas e à mudança das
desigualdades sociais. Dessa maneira, a escola tem como função, por meio do
currículo, transmitir e transformar, funções completamente dicotômicas, não é
mesmo? É um desafio e vencê-lo é necessário.

Construir um currículo, equilibrando todas essas dimensões, é nossa tarefa. A


Psicopedagogia contempla os aspectos cognitivos, sociais e afetivos na compreensão
dos processos de aprendizagem. Se desejamos organizar um currículo com princípios
psicopedagógicos, este deve também considerar os mesmos aspectos na sua
organização, de maneira integrada.

6.1 O planejamento escolar como instrumento de prevenção das


dificuldades de aprendizagem

Vamos começar fazendo uma importante diferenciação entre plano e


planejamento. Planejamento é atitude, é a reflexão em si, enquanto plano é
documento, o resultado da atitude de planejar.

Existem vários tipos de planos, por exemplo, o plano de matéria, resumindo o


conteúdo de uma disciplina específica que será ensinada durante um ano letivo. O
plano de curso ou plano anual, composto pelo conteúdo de todas as disciplinas no
período de um ano letivo, destinado a uma série específica. O plano bimestral, que
apresenta o conteúdo de um bimestre, o plano mensal que organiza o que o professor
trabalhará com seus alunos durante o período de um mês e, ainda, o plano semanal e
o plano de aula, que é a menor unidade e talvez a mais importante. É aula a aula que
vamos construindo o conhecimento junto aos nossos alunos e cada passo deve ser
planejado com um olhar para o passado e outro para o futuro. Isso quer dizer que
uma aula deve ser planejada com base na aula anterior e com vistas à aula seguinte,
de modo que todas formem um grande elo. Mas o eixo de nossa discussão não é o
plano em si, ou seja, os documentos. Isso você já aprendeu a fazer durante a sua
formação docente. O que nos interessa agora é a atitude, ou seja, o planejamento.

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

Planejar é uma das atividades docentes mais importantes, porque faz com que o
professor reflita sobre a sua prática diária, sobre os objetivos que deseja alcançar e
sobre a forma como pretende alcançá-los. É a forma mais eficiente, junto à avaliação,
é claro, que o professor possui de controlar a aprendizagem de seus alunos e garantir
a forma de intervenção mais adequada para cada momento. Portanto, se o
planejamento é uma forma de controlar a aprendizagem, bem como promovê-la, o
professor pode trabalhar na esfera da prevenção das dificuldades de aprendizagem,
planejando de maneira a respeitar as características do seu público e também as
necessidades que este apresenta. Planejar um conteúdo além das possibilidades do
aluno pode impedir que ele aprenda, já que o que estamos oferecendo está além de
suas possibilidades cognitivas. Trabalhar aquém dessas possibilidades não
proporciona aprendizagem e desenvolvimento, haja vista que as experiências de
aprendizagem não incitam nenhum movimento intelectual.

Atualmente, trabalhamos com o conceito de plasticidade cerebral da teoria de


Vygotsky. Para este autor, o cérebro é “plástico”, pois tem a capacidade de se
desenvolver, mas, para que isso ocorra, é necessário que haja intervenção pedagógica,
quer dizer, o espontaneísmo não existe para Vygotsky e a intervenção do professor
tem um importante papel para a aprendizagem.

É comum justificarmos as deficiências de aprendizagem por meio da imaturidade


das crianças, da falta de acompanhamento dos pais. Neste caso, mais uma vez, é
necessário repetir que a causa do não-aprender pode estar localizada em alguns
desses fatores, sem dúvida, mas é muito importante uma revisão das práticas
pedagógicas. Para Libâneo (1994), há fatores hereditários que determinam diferentes
tipos de inteligência, mas a maioria das crianças é intelectualmente capaz.

Além disso, a influência do meio pode facilitar ou dificultar o desenvolvimento


da inteligência. A maturidade, segundo este autor, não depende só do aluno, pois o
professor tem um papel importante, na medida em que o desenvolvimento das
capacidades mentais pode ser estimulado justamente pelos conhecimentos e
experiências sociais, pelas condições ambientais e pelo processo educativo
organizado. Libâneo nos orienta também para as deficiências na organização do
ensino que decorrem dos objetivos e programas muito extensos ou simplificados
demais, inadequação à idade, ao nível de assimilação e à falta de relação. Ou, ainda,
há professores que priorizam uma área de conhecimento em detrimento de outra. Há
quem considere o pensamento lógico-matemático a base essencial para qualquer
aprendizagem, há outros que privilegiam a construção da lectoescrita como
superação do fracasso escolar e outros, ainda, que acreditam que o mais importante

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

é contemplar a identidade, a autonomia e a criatividade. Seja qual for o enfoque do


professor, este deve estar em consonância com a proposta da escola e com o processo
didático.

Ao planejar, é preciso que o professor acompanhe e avalie os seus alunos de


modo a resgatar aqueles que possuem dificuldades e que considere o vínculo desses
alunos com o ato de aprender. Considerando que uma das bases teóricas da
Psicopedagogia é a Psicologia Genética de Piaget, é necessário que o ensinante
também considere em seus alunos a relação entre a construção de esquemas de
conservação e a elaboração de algumas estruturas lógico-matemáticas. Assim, deve-
se priorizar uma metodologia específica para a aprendizagem, especialmente dos
conteúdos da área de Matemática, bem como compreender em qual estágio de
desenvolvimento cognitivo a criança se encontra: sensório-motor, pré-operatório,
operatório concreto ou operações formais.

O planejamento fundamentado na Psicopedagogia deverá considerar a


aprendizagem que se faz necessária num momento específico, a reparação daquela
que ainda não aconteceu e deve alcançar ainda a dimensão preventiva, não só na sala
de aula como em nível institucional. Mamede (1983), citando Luria, considera que
competências como a escrita, leitura e cálculo intencionais são patrimônios exclusivos
da espécie humana, provida de um nível superior de funcionamento mental dedicado
ao processamento de tais informações complexas, quer dizer, o funcionamento
cortical. O homem destaca-se dentre os animais, na medida em que avança para além
dos automatismos, pela capacidade de elaboração, transformação e simbolização dos
dados recebidos e programação de respostas diferenciadas, observadas em atividades
motoras e mentais revestidas de intencionalidade. Isso significa que a intervenção do
professor, devidamente planejada, tem muito poder na ação pedagógica e na
construção da aprendizagem, haja vista que a interação social é a grande provocadora
da elaboração de estruturas mentais superiores.

O componente afetivo também não pode ser esquecido. Para Mamede (1993), o
momento em que a criança entra em contato com o mundo é considerado um marco
inicial na construção do conhecimento e inseparável da afetividade. Esta assume o
papel de comportamento energético que age na relação do sujeito com o objeto,
enquanto que o aspecto cognitivo é caracterizado por suas estruturas hierárquicas. A
organização do planejamento de maneira interdisciplinar também é um recurso
facilitador da aprendizagem. A construção do conhecimento é interdisciplinar, pois as
informações interagem e se agrupam, formando novos conhecimentos, novas leituras
de mundo. Piaget considera a aprendizagem não como cada criança relaciona os

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

conceitos de cada matéria, mas como ela relaciona o conhecimento geral, amplo, no
qual o mais específico estaria inserido como composição do conhecimento maior.
Logo, conhecimento não é um agrupamento de particularidades, mas uma estrutura
organizada e resultado das trocas com o mundo exterior.

A concepção de aprendizagem e de construção de conhecimento de Piaget nos


remete à necessidade de o professor elaborar aprendizagens significativas e não-
estanques. Os conteúdos não podem ter um fim em si mesmos, mas devem estar a
serviço da construção das estruturas cognitivas mais sofisticadas.

6.2 Sugestões de formulários

Na sequência, você encontrará sugestões de formulários para a coleta de dados


que ajudarão na organização de um planejamento mais adequado e mais funcional
para a aprendizagem.

Análise individualizada dos alunos

O professor pode preencher a ficha sugerida apenas para os alunos que


apresentam dificuldades, a fim de melhor organizar as aprendizagens seguintes.

Nome:

Idade:

Série:

Condições de aprendizagem nas áreas:

Lógico-matemática

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Lecto-escrita

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Vínculo com a aprendizagem

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Identidade, autonomia e criatividade

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Sugestão de ficha de planejamento com enfoque psicopedagógica

Escola:

Objetivos

Conteúdo/assunto

Dúvidas e dificuldades da aula anterior que precisam ser sanadas antes da


apresentação do novo conteúdo

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Estratégias/procedimentos:

Na dimensão cognitiva

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Na dimensão afetiva

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Na dimensão social

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Oportunidades de desenvolvimento da identidade, autonomia e criatividade

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

Atividades individuais e em grupo

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Recursos didáticos

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Avaliação

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

Oportunidades de recuperação da aprendizagem

_____________________________________________________________________________________
_________________________________________________

6.3 A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento


do aluno e como parâmetro do replanejamento das práticas
pedagógicas

Estudamos anteriormente que planejamento e avaliação são atividades


indissociáveis, pois, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a avaliação não é
o final do processo do ciclo docente, mas pode representar o recomeço, já que
devemos partir dela para planejar as nossas aulas. As avaliações dizem o que devemos
fixar, revisar e a matéria nova que deve ser lançada. Queremos, conduzir os
participantes desse curso a novas reflexões sobre a avaliação. Você já parou para
refletir o quanto os processos de avaliação da aprendizagem são excludentes? Sim,
excludentes. A avaliação separa o saber do não-saber, o aprovado do não-aprovado,
o aluno “fraco” do aluno “forte”.

Vamos iniciar nossas reflexões analisando as diferentes formas de avaliação que


encontramos na sociedade. Atualmente, temos o Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), o vestibular, o Exame Nacional de Cursos (ENC – Provão, exame utilizado para
avaliar as universidades brasileiras a partir do rendimento dos alunos) e o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) que avalia amostras de alunos da
4.ª e da 8.ª séries do Ensino Fundamental e da 3.ª série do Ensino Médio, de todos os
Estados brasileiros. Há muita polêmica sobre todos os sistemas de avaliação,

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

especialmente no que diz respeito à padronização de modelos, já que o país possui


uma diversidade muito grande de propostas pedagógicas e de objetivos de ensino.
Além disso, sabemos que muitas escolas enfrentam inúmeras dificuldades para
desenvolver o seu trabalho, como, por exemplo, as escolas rurais, que nem sempre
gozam da possibilidade de contar com professores profissionalizados, além da
dificuldade de acesso ao espaço físico. A maioria dos profissionais que atuam nessa
realidade são professores leigos, que exercem com grande empenho o seu trabalho.
Então, cabem aqui algumas perguntas: qual é a melhor escola? O que é uma boa
escola? O que os instrumentos de avaliação externa entendem por qualidade de
ensino? Qual é o padrão desejado por eles? Há autores, por exemplo, que consideram
esses instrumentos como prática de dominação do Estado sobre a educação, já que
estabelecem a competitividade e a concorrência, e incentivam que as práticas
pedagógicas se alimentem de eficiência e produtividade, tal qual uma empresa, na
qual existem metas preestabelecidas a serem atingidas.

A outra polêmica é a da transferência de responsabilidade. Sabemos a quantas


anda a Educação no Brasil e que esta esfera necessita bastante de investimento do
governo. Investir na educação é investir na sociedade do futuro; além disso, é dever
do Estado. Com os resultados das avaliações externas, segundo alguns autores, o
governo transfere a responsabilidade dos insucessos para cada instituição de ensino,
além de sugerir à população que cobre destas os resultados. A partir dos resultados
das avaliações, também é discutido o conceito de qualidade de ensino e submetido
ao controle da população, oferecendo a esta a possibilidade de escolha “consciente”
das instituições que melhor preparam para o trabalho ou para o vestibular. Não
precisamos nem comentar o que algumas instituições fazem com os resultados para
transformá-los em marketing, de seriedade duvidosa.

Os exemplos citados dizem respeito às avaliações externas, mas, e nós


professores? O que fazemos com a avaliação em sala? Será que dentro de nossas salas
de aula sofremos influências dessas concepções de avaliação? Certamente, pois
nenhuma prática pedagógica é neutra. Muitas vezes, responsabilizamos os nossos
alunos pelo próprio fracasso, reproduzindo o que acontece na sociedade, sem
questionar as nossas práticas pedagógicas e repensá-las. Toda vez que repensamos a
nossa prática, negamos a educação reprodutora de desigualdades sociais e, de fato,
democratizamos o ensino.

Falamos hoje em inclusão e sempre nos referimos aos alunos portadores de


necessidades especiais, mas será que somente eles necessitam ser incluídos? Com
toda certeza, não. Existem muitos alunos na sala de aula brasileira que passam anos

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

sem aprender, e ficam à margem do processo. São os excluídos na “pseudo-inclusão”.


A avaliação da aprendizagem tem muito a ver com a exclusão, na medida em que
utilizamos a avaliação como instrumento de dominação. Não só a dominação no
sentido de verificar a aprendizagem de um conteúdo eleito pela cultura dominante,
como também a apresentação da avaliação como instrumento de poder do professor
para assegurar o silêncio, a ordem e o cumprimento de tarefas. Se o aluno não se
comporta como deve, seus pontos são tirados e muitas vezes o professor mexe no
aspecto mais delicado da questão, segundo a Psicopedagogia: o vínculo do
aprendente com o seu processo de aprendizagem.

Para a Psicopedagogia, o conteúdo é um ponto de vínculo entre professor e


aluno e ambos se encontram porque existe um conhecimento a ser construído sobre
esse conteúdo. Logo, o professor não deve utilizar o conteúdo como forma de
punição. Atitudes como descontar pontos da nota por atividades não realizadas ou
pedir que os alunos copiem infinitas vezes uma frase como forma de castigo apenas
produzem vínculos negativos com a aprendizagem. O ser humano só consegue
investir espontaneamente no que lhe oferece prazer e resultados positivos, logo, a
aprendizagem deve ser um processo prazeroso. A Psicopedagogia propõe um novo
olhar sobre o erro na aprendizagem. A escola valoriza muito o acerto e rejeita o erro,
trata-o como pecado que deve ser corrigido. Será mesmo? Na verdade, o erro é um
grande aliado do professor, pois ele indica como o aluno está pensando, quais são as
suas dúvidas e o que precisa ser revisto ou reforçado. É uma trilha para alcançarmos
o raciocínio da criança, como se ela estivesse nos dando pistas do que está precisando
que façamos por ela.

Cabe aqui ressaltar que, ao elaborar instrumentos de avaliação, o professor deve


rever os objetivos de ensino que foram descritos no planejamento e a correção desses
instrumentos deve contemplar os objetivos para que o processo seja justo. Por
exemplo, quando um professor aplica um teste de ortografia, o seu objetivo é verificar
o domínio da escrita que seus alunos possuem; logo, os erros na grafia das palavras
devem ser assinalados e mensurados. Mas, se os erros de grafia aparecem em uma
prova de História e tal objetivo não foi descrito anteriormente, cabe ao professor
assinalar esses erros, mas não diminuir os pontos do aluno por essa razão. Os objetivos
nos dizem o que devemos considerar na avaliação. A partir dessa visão de avaliação,
é hora de pensarmos na estrutura de nossas aulas e na nossa forma de planejar.

O planejamento não é uma mera burocracia ou um documento que deve ser


engavetado. Alguns profissionais justificam a falta do planejamento em sua prática
pela larga experiência profissional que possuem, mas eles correm o risco de estar

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A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia

cometendo os mesmos erros por longos anos. O planejamento é um instrumento de


reflexão do professor e uma forma de acompanhar o processo de aprendizagem de
seus alunos de maneira científica. Se o professor acredita na importância de sua
intervenção para a promoção da aprendizagem e nega o espontaneísmo do
conhecimento no aluno, ele tem no planejamento um documento do processo dessa
construção. Planejar é uma atitude que se materializa em instrumentos escritos. Ao
definir objetivos, o professor determina onde ele deseja que seus alunos cheguem e
em que prazo objetiva que seus alunos alcancem as metas. Além disso, estrutura os
conteúdos de maneira lógica, para que cada assunto ensinado tenha uma ligação com
o anterior e com o posterior, formando uma corrente que leve a aprendizagens
significativas, isto é, que façam sentido e sejam funcionais. Ao definir os
procedimentos, o professor estabelece os caminhos que ele utilizará para alcançar os
objetivos traçados e eis a chave da questão do ciclo docente, pois a forma como os
conteúdos são apresentados para que o conhecimento seja construído faz muita
diferença na qualidade da aprendizagem.

É importante diversificar os procedimentos de aula e refletir sobre o que cabe


para cada assunto em termos de procedimentos de ensino. É impossível, por exemplo,
que o aluno tenha o domínio da resolução de expressões numéricas sem praticar e
que o faça somente com a leitura de exemplos do livro-texto. Da mesma forma, não
faz sentido que algumas aprendizagens se deem por conta da imaginação de nossos
alunos. Imaginar como é a Floresta Amazônica, imaginar as mudanças de estado da
água. Há sempre um vídeo, um cartaz que pode ser mostrado e uma experiência que
pode ser realizada em sala, mesmo quando a escola não possui laboratório, desde
que preservemos as condições de segurança, é claro. O que o aluno experimenta ou
visualiza é muito mais fácil para memorizar, para despertar o desejo de aprender e,
portanto, estimular a aprendizagem. Pensemos, também, no ensino por habilidades e
nas atividades escolares como pequenos blocos que formarão, juntas, uma grande
estrutura de conhecimento no futuro. As experiências de aprendizagem não devem
ter um fim em si mesmas, mas devem abrir portas para a construção de habilidades e
competências que serão úteis no futuro para os alunos. É certo que nenhum de nós
domina que futuro será esse, e, quando um currículo termina de ser elaborado ou
reestruturado, ele já está defasado.

Afinal, quando estruturamos um currículo ou planejamos uma aula, pensamos no


que poderá ser útil ao aluno num futuro bastante distante, mas quando esse futuro
chega, a sociedade não é mais a mesma e as necessidades dos indivíduos muito
menos. Um bom exemplo para a nossa impotência para controlar o conhecimento

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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional |

A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

necessário ao progresso é a internet. As pessoas que fizeram o Ensino Fundamental


há vinte anos não ouviram falar nela na escola e hoje fazem uso desse instrumento no
trabalho, para estudar e para se comunicar. Portanto, pensar em habilidades significa
pensar em comportamentos cognitivos, sociais, afetivos e psicomotores, que são
necessários aos indivíduos para aprender. Os conteúdos são meros instrumentos para
aprender a aprender e desenvolver as estruturas mentais superiores a partir da
interação social.

A Psicopedagogia se ocupa da compreensão do processo de aprendizagem do


indivíduo e do seu grupo, considerando todos os aspectos que nela influenciam, tais
como a escola, a família e a sociedade, buscando a interação dos aspectos cognitivos,
sociais e afetivos do indivíduo. É nessa ótica que a avaliação e o planejamento de
ensino devem ser estruturados. Quando planejamos, pensamos inevitavelmente no
desenvolvimento que está por vir e consideramos as nossas ações do presente e do
passado, e, para intervir e promover a aprendizagem de maneira democrática, isto é,
de forma que todos tenham acesso a ela, é preciso avaliar–planejar–avaliar, analisando
a totalidade da prática pedagógica.

7 A psicopedagogia institucional na escola inclusiva


Vamos abordar um dos temas mais polêmicos da contemporaneidade: a
inclusão. Durante muito tempo, só se dirigiam para a Educação Especial, área
responsável pela educação de pessoas portadoras de necessidades educacionais
especiais, aqueles profissionais ou estudantes que se interessavam pelo tema, pois os
alunos especiais não frequentariam as classes regulares, logo, não havia porque
estudar sobre o assunto. O tempo passou, e as coisas mudaram muito. Alguns
documentos surgiram para modificar a realidade educacional. O primeiro documento
importante na mudança do cenário da exclusão foi a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, datada de 1948. Embora não seja um documento específico da Educação
Especial, colaborou bastante para a formulação de novas reflexões sobre a inclusão,
como veremos a seguir.

O objetivo da Educação Especial é o de reduzir os obstáculos que impedem o


indivíduo de desempenhar atividades e participar plenamente da sociedade
(NILSSON, 2003). Os estudos mais contemporâneos em Educação Especial apontam
para a educação inclusiva e, sem dúvida, tanto do ponto de vista legal quanto dos
princípios educacionais, temos muitas razões para pensar desta forma. As práticas

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

inclusivas representam uma evolução de nossas ideias acerca da Educação Especial.


Muito se tem falado sobre o processo de inclusão, e quase sempre com a conotação
de que inclusão e integração escolar seriam sinônimos. Na verdade, a integração
insere o sujeito na escola, esperando uma adaptação deste ao ambiente escolar já
estruturado, enquanto que a inclusão escolar implica redimensionamento de
estruturas físicas da escola, de atitudes e percepções dos educadores, adaptações
curriculares, dentre outros.

A inclusão, num sentido mais amplo, significa o direito ao exercício da cidadania,


sendo a inclusão escolar apenas uma pequena parcela do processo que precisamos
percorrer. A cidadania do portador de necessidades especiais é um caminho recente
e que evolui timidamente, pois toma corpo somente na década de 90, com o
movimento de “Educação para todos”, apesar de ter início em forma de diretrizes
políticas, pelo menos desde 1948, quando da aprovação da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (SANTOS, 2001). A Declaração Universal dos Direitos Humanos
representa, sem dúvida, um grande marco no processo de inclusão social da pessoa
portadora de necessidades especiais. Ainda que não seja um documento
especificamente destinado à Educação Especial, favorece indiretamente o movimento
de inclusão social do portador de necessidades educativas especiais, pois propõe a
igualdade entre os homens e o direito à educação a todos os indivíduos. A inclusão
educacional trata do direito à educação comum a todas as pessoas, sendo que esse
direito deve ser exercido, sempre que possível, junto às demais pessoas nas escolas
regulares.

As tendências mais recentes dos sistemas de ensino são: integração/inclusão do


aluno com necessidades especiais, preferencialmente no sistema regular de ensino e,
se isso não for possível em função do educando, realizar o atendimento em classes e
escolas especializadas; ampliação do regulamento das escolas especiais para
prestarem apoio e orientação aos programas de integração, além do atendimento
específico; melhoria da qualificação dos professores do ensino fundamental para essa
clientela; expansão da oferta dos cursos de formação/especialização pelas
universidades e escolas normais.

Promover a inclusão significa, sobretudo, uma mudança de postura e de olhar


acerca da deficiência. Implica quebra de paradigmas, em reformulação do nosso
sistema de ensino para a conquista de uma educação de qualidade, na qual o acesso,
o atendimento adequado e a permanência sejam garantidos a todos os alunos,
independentemente de suas diferenças e necessidades. A concepção da Educação
Especial como serviço segrega e cria dois sistemas separados de educação: o regular

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

e o especial, eliminando todas as vantagens que a convivência com a diversidade pode


nos oferecer.

Historicamente, encontramos a existência de dois sistemas de ensino: o regular


e o especial, haja vista o tratamento dado aos portadores de necessidades especiais
em seu processo educativo. A denúncia da existência de alunos segregados em classes
inclusivas é muito frequente. Para algumas instituições, o fato de receber o aluno
especial e matriculá-lo representa uma forma de inclusão, quando de fato não pode
funcionar dessa forma. Para haver inclusão, é necessário que haja aprendizagem, e
isso traz a necessidade de rever os nossos conceitos sobre currículo. Este não pode se
resumir às experiências acadêmicas, mas ampliar-se para todas as experiências que
favoreçam o desenvolvimento dos alunos, normais ou especiais. Sendo assim, as
atividades de vida diária podem se constituir em currículo e, em alguns casos, talvez
sejam “os conteúdos” que serão ensinados. A questão que podemos e devemos
levantar é se a escola representa para a criança especial um espaço significativo de
aprendizagem e, sendo a resposta positiva, podemos então afirmar que
desenvolvemos práticas inclusivas.

Ao tocar no aspecto das práticas inclusivas, é necessário comentar a importância


que a formação do professor que atuará nas classes inclusivas tem no sucesso da
inclusão. Até recentemente, somente os professores que possuíam um interesse pela
Educação Especial é que se dirigiam para a formação específica e depois, obviamente,
faziam escolhas profissionais ou não, que envolviam a Educação Especial. Infelizmente,
a demanda da inclusão chega às escolas antes da preparação do professor e a solução
tem sido a capacitação do profissional em serviço, por meio dos programas de
formação continuada. As práticas pedagógicas eficazes e apropriadas às deficiências
são imprescindíveis para a evolução dos alunos, e isso o professor só consegue
planejar e desenvolver quando recebe o referencial teórico e a assessoria pedagógica
adequados. Para Bueno (1999), é necessário capacitar dois tipos de professores:
professores do ensino regular com formação básica, incluindo formação para lidar
com a diversidade, e professores especializados, que trabalhariam como equipe de
atendimento e apoio.

“Se por um lado, a educação inclusiva exige que o professor do ensino regular
adquira formação para fazer frente a uma população que possui características
peculiares, por outro, exige que o professor de educação especial amplie suas
perspectivas, tradicionalmente centradas nessas características” (BUENO, 1999, p.
162). A prática pedagógica é um elemento-chave na transformação da escola,
estendendo essa possibilidade de transformação à sociedade. Em função do tema da

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

diversidade, as práticas pedagógicas têm caminhado no sentido da pedagogia das


diferenças (MENDES, 2002).

Ilustraremos aqui a concepção de inclusão no seu sentido amplo, por meio da


Declaração de Salamanca: “Inclusão e participação são essenciais à dignidade humana
e ao gozo e exercício dos direitos humanos. No campo da educação, tal se reflete no
desenvolvimento de estratégias que procuram proporcionar uma equalização genuína
de oportunidades. A experiência em muitos países demonstra que a integração de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais é mais eficazmente
alcançada em escolas inclusivas que servem a todas as crianças de uma comunidade”
(Declaração de Salamanca, 1994, p. 61).

Em 1990, em Jomtien, na Tailândia, aconteceu a Conferência Mundial de


Educação para Todos, que renovou o direito à educação para todos,
independentemente das diferenças individuais. Em 1993, nas Normas das Nações
Unidas sobre igualdade de oportunidades, é enfatizada a responsabilidade do Estado
na Educação das pessoas com deficiências, como parte integrante do sistema
educativo. Mas é na Declaração de Salamanca, em 1994, que encontramos o
movimento de inclusão do portador de necessidades especiais tomando corpo e
provocando discussões importantes. Esta Declaração propõe que governos e
organizações sejam guiados pelo espírito de suas propostas e recomendações e que,
desta forma, cada criança possa ter a oportunidade de conseguir e manter um nível
aceitável de aprendizagem. Propõe, ainda, que os sistemas educativos implementados
possuam a devida diversidade, a fim de que cada criança ou jovem tenha acesso às
escolas regulares.

Historicamente, a fundação de instituições e de escolas que possam atender os


portadores de necessidades especiais tem sido realizada por meio de movimentos
isolados, seja pelos familiares ou pelos próprios portadores de deficiência. Observa-
se uma certa ausência de políticas públicas eficazes, que possam garantir um real
movimento de inclusão social. Em contrapartida, a defesa dos direitos dos portadores
de necessidades especiais tem sido vista em movimentos isolados, promovidos por
pequenos grupos, e, somente depois, integrados às políticas sociais (MAZZOTA, 2001).
Paralelamente ao movimento de inclusão, procurou-se identificar a capacidade de
aprendizagem acadêmica das crianças portadoras de necessidades especiais, assim
como o processo grupal ou individual de adaptação a um meio social mais natural, a
escola, por exemplo.

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

Na história da Educação Especial, é possível observar dificuldades por parte dos


professores e das equipes pedagógicas e administrativas, não só com relação à
aceitação e à forma da compreensão dos fenômenos de comportamentos manifestos
pelas crianças especiais, como também na falta de infraestrutura material e de pessoal
qualificado para uma orientação e supervisão adequadas. A necessidade de recursos
humanos devidamente capacitados para atuar em classes inclusivas implica não só o
conhecimento sobre as especificidades da deficiência com a qual se vai trabalhar, mas
também uma reflexão crítica acerca do sentido da educação e de suas finalidades.

Nunes, Ferreira e Mendes (2003), ao analisarem um conjunto de cinquenta e nove


teses e dissertações defendidas em várias universidades, constataram a questão dos
recursos humanos como um dos pontos centrais para a integração ou inclusão escolar.
Bueno (1999, citado por Amaral, 2003), defende que nada justifica o fim da Educação
Especial, como se o nosso sistema de ensino estivesse totalmente preparado para
receber crianças com necessidades especiais. De fato, não há como incluir crianças
especiais no ensino regular, sem apoio especializado que ofereça aos professores
dessas classes orientação e assistência na perspectiva da qualificação do trabalho
pedagógico ali envolvido.

Lima e Ramos (2003) consideram necessárias as pesquisas que tratem da


definição do perfil profissiográfico do educador especial, pois é essencial que o aluno
com necessidades especiais seja acompanhado, no seu processo ensino–
aprendizagem, por professores devidamente preparados, tanto no aspecto
pedagógico quanto no aspecto psicológico/emocional. Para Martins (2003, p. 23), a
educação destinada às pessoas com deficiência foi realizada, tradicionalmente, de
forma separada daquela dirigida aos alunos considerados normais formaram-se,
então, dois sistemas separados: o regular e o especial, envolvendo pressupostos
político-educacionais específicos, formas de administração e pessoal técnico-
pedagógicos.

Educando todos os alunos juntos, as pessoas com deficiência têm oportunidade


de preparar-se para a vida na comunidade, os professores melhoram suas habilidades
profissionais e a sociedade toma a decisão consciente de funcionar de acordo com o
valor social de igualdade para todas as pessoas, com os consequentes resultados de
melhoria da paz social. Para conseguir o ensino inclusivo, os professores regulares e
especiais, bem como os recursos, devem aliar-se em esforço unificado e consistente
(KARAGIANNIS, STAINBACK e STAINBACK,1999).

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

A educação nacional é inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de


solidariedade humana, tendo por finalidade o pleno desenvolvimento do educando,
seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, o que nos
remete à reflexão sobre a falta de oportunidades de a pessoa com necessidades
especiais exercer a sua cidadania A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 203,
estabelece que: “A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social”. Mais adiante, acrescenta:
“(...) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção
de sua integração comunitária”. É importante esclarecer que a referência a esse artigo
se justifica para enfatizar a responsabilidade do Estado no que diz respeito à
assistência ao indivíduo que necessita, longe de desejar sugerir uma prática
assistencialista, tão presente na história de nossas práticas educativas. O artigo 208 da
mesma Constituição ressalta que o “dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de, dentre outros (...) atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

A forma como a Educação Especial está expressa nas Leis de Diretrizes e Bases
formuladas ao longo dos anos traduz o tratamento dado a ela pela sociedade e
interfere na distribuição de verbas, na divisão de recursos e, especialmente, nas ações
educativas. Se a Educação Especial fará do sistema geral de educação ou se estará à
margem deste, deve fazer parte das definições das diretrizes da Educação Especial. A
Lei de Diretrizes e Bases 9.394/96, que atualmente estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, normatiza a Educação Especial por meio dos artigos abaixo
relacionados:

Art. 4.º, III – atendimento educacional especializado aos portadores de


deficiência será feito preferencialmente na rede regular de ensino.

Art. 58 – entende-se por Educação Especial, para os efeitos desta lei, a


modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para portadores de necessidades especiais.

É preciso ter claro que, para a conquista do processo de inclusão de qualidade,


algumas reformulações no sistema educacional se fazem necessárias. Seriam elas:
adaptações curriculares, metodológicas e dos recursos tecnológicos, a racionalização
da terminalidade do ensino para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para
a conclusão do Ensino Fundamental, em virtude das necessidades especiais, a
especialização dos professores e a preparação para o trabalho, visando à efetivação

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A psicopedagogia institucional na escola inclusiva

da cidadania do portador de necessidades especiais. A escola, por sua vez, para


promover a inclusão, deve eliminar barreiras que vão além das arquitetônicas, mas
principalmente as atitudinais.

São necessárias algumas adaptações de grande e pequeno porte, tais como a


adaptação curricular, a adaptação do sistema de avaliação da aprendizagem, de
materiais e equipamentos, a preparação dos recursos humanos e a preparação dos
alunos e pais de alunos que receberão o portador de necessidades especiais. Sem as
devidas adaptações, um processo de inclusão pode ser mais segregador que a
exclusão declarada, pois entendemos que a inclusão não pode se restringir à
convivência social, mas deve zelar pela aprendizagem da criança com necessidades
especiais. Portanto, foi a partir da década de 70 que se intensificaram as discussões
sobre a educação desta população e, a partir da década de 80, iniciaram-se as
experiências mais sistematizadas com o objetivo de integrar estas pessoas ao sistema
regular de ensino.

A década de 90 foi crucial na expansão das discussões no avanço da


sistematização dos experimentos, inclusive com pessoas portadoras de necessidades
especiais mais comprometidas e na busca de alternativas mais eficazes para atingir os
objetivos propostos por dois eventos significativos: a Conferência Mundial sobre
Educação para Todos, em Jomtiem, Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial sobre
Educação Especial, em Salamanca, Espanha, em 1994. Destaca-se, também, a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, que ressalta a prioridade de mudança de paradigmas
políticos, sociais e culturais acerca dos que têm sido historicamente segregados pela
sociedade.

Mas a inclusão não se faz somente por meio do aluno e da escola. A família tem
um papel muito importante neste processo. Os sentimentos da família sobre a
deficiência de seus filhos são cíclicos e podem transitar entre a aceitação e a negação,
especialmente nas mudanças de fases da criança. Por exemplo, quando o filho entra
na adolescência, é comum os pais o compararem com os demais jovens e, na maioria
das vezes, o resultado dessa comparação é negativo, considerando sempre o que ele
não é capaz de fazer e, muitas vezes, desconsiderando o quanto já evoluiu. A família
pode colaborar de maneira muito especial para o desenvolvimento da criança
portadora de autismo na escola, principalmente fornecendo aos profissionais
informações sobre as formas de comunicação da criança. Havendo pelo menos uma
forma de comunicação utilizada pela criança, outras podem ser desenvolvidas
(PETEERS, 1998). “A família se constitui, portanto, no fator determinante para a

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Família e aprendizagem

detonação e manutenção ou, ao contrário, para o impedimento do processo de


integração” (GLAT, 2003, p. 46).

A escola também pode colaborar dando sugestões aos familiares de como eles
podem agir em casa, de maneira que se tornem coautores do processo de inclusão
de seus filhos. Muitas vezes, as estratégias educacionais que são desenvolvidas em
sala de aula não têm uma continuidade dentro de casa. É comum, por exemplo, a
escola não permitir o uso de fraldas e incentivar que a criança utilize o banheiro
quando necessário, mas, em casa, o uso das fraldas continuar existindo. Muitos são os
desafios da inclusão escolar, mas este é um movimento irreversível, e cabe aos
profissionais de educação a busca de instrumentalização para atuar em escolas
inclusivas. Existe uma área da Psicopedagogia especializada na atuação com crianças
portadoras de necessidades especiais. Chama-se Psicopedagogia Diferencial, quer
dizer, o estudo da aprendizagem em suas diferentes formas de ocorrer. Vale a pena
conhecer!

8 Família e aprendizagem
O mundo mudou bastante neste século e, com ele, a família. Qual o conceito de
família no mundo contemporâneo? Você saberia explicar, por exemplo, qual o grau
de parentesco da nova mulher do pai de seu aluno com a criança? Se você pensou em
madrasta, errou! É correto usar a palavra madrasta quando a mãe da criança é falecida.
Já consegue se lembrar de algum termo para denominar esse grau de parentesco?
Não tente. Ele não existe! A família mudou tanto, tanto, que a Língua Portuguesa não
acompanhou essas mudanças. Na Língua Inglesa, encontramos os termos stepmother,
stepfather, mas, na Língua Portuguesa, eles não existem.

Diante de tantas alterações, a educação não poderia deixar de receber as


influências dessa importante instituição social que é a família. Revisitando a nossa
sociedade, vamos encontrar diferentes modelos de família: avós que exercem sozinhas
a função de mãe, pais desempregados desempenhando papéis maternos enquanto
suas esposas trabalham e sustentam a família e, ainda, mulheres que desempenham
sozinhas a tarefa de manter uma casa e educar os filhos. Curiosamente, essas
modificações na família estão presentes em todas as classes sociais, e, de uma forma
ou de outra, tais interferências vão surgir no contexto da escola. É na família que a
criança tem contato com as primeiras aprendizagens, as denominadas
protoaprendizagens.

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Família e aprendizagem

Para Jorge Visca, é nesse berço que ela também construirá seus valores. Desde o
ingresso da criança na escola, é necessário que a família “autorize” a ida de seu filho
para esse novo espaço, caso contrário, a criança terá dificuldades de adaptação desde
a sua entrada. É comum assistirmos a cenas no portão de escolas de Educação Infantil
de choros e birras por parte de crianças muito pequenas, e, quando as crianças entram
na escola, sem ao menos olhar para trás, são os pais que choram no portão. Sentem-
se abandonados pelos filhos e enciumados quando estes começam a demonstrar
carinho por seus professores. Muitas vezes, esses sentimentos não estão no plano de
nossa consciência, mas eles surgem nas relações e são demonstrados em algumas
atitudes. A participação dos pais na vida escolar dos filhos é fundamental para a
aprendizagem, e participar não significa estar todos os dias na escola ou ensinar o
dever de casa. Pais analfabetos podem participar da vida escolar dos filhos
organizando formas para que eles tenham momentos de estudos diários em casa e
conversando sobre a sua dificuldade com os professores.

A importância que cada família dá à escola e ao ato de estudar também


influenciará bastante no comportamento das crianças frente ao estudo. Uma família
pode desejar que seu filho se recupere de uma nota baixa, mas decide viajar nas
vésperas das provas da criança, alegando que ela pode levar os livros para estudar
durante a viagem. Sem querer, esta família está dizendo ao seu filho que existem
coisas muito mais importantes que a escola, e pior, que estudar pode ser feito de
qualquer forma, em qualquer lugar. Sabemos que não deve ser assim, pois o ato de
estudar, por ser uma atividade artificial, inventada pelo homem, exige esforço pessoal
e disciplina para se transformar verdadeiramente em hábito. Por meio de suas
atitudes, uma família pode dizer ao seu filho se estudar é algo importante ou não.

Uma criança também pode desejar não aprender (de maneira inconsciente, é
claro), para continuar fazendo parte de sua família. Ou seja, vamos imaginar que esta
criança possui pais e irmãos mais velhos analfabetos e ela, somente ela, teve a
oportunidade de ir à escola. Essa criança pode “decidir” não aprender por fidelidade
à família, pois, se aprender, ficará tão diferente de seu grupo que deixará de pertencer
a ele. Assim, opta-se pelo fracasso. Curioso, não? Mas esse fato é bem mais frequente
do que se imagina no ambiente escolar.

A criança também pode apresentar alguma dificuldade de aprendizagem em


virtude de um problema em seu contexto familiar e, nesse caso, a dificuldade na escola
é apenas um sintoma de um problema maior. Na verdade, o paciente que precisa ser
cuidado nesse caso é a família, e a criança é apenas o ser eleito para denunciar o
problema que nela existe. Ou, ainda, uma criança pode apresentar dificuldades na

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Família e aprendizagem

escola porque dessa forma ela mantém a mãe ao seu lado para ajudar nos deveres de
casa. Seja qual for o problema, ficaríamos durante muito tempo listando todos eles.

É certo que nem a escola nem a família podem prescindir uma da outra. Ambas
são coautoras no processo de aprendizagem das crianças e jovens e possuem papéis
muito específicos. É comum ouvirmos de educadores que a família moderna tem
depositado muito de seus papéis na escola e deixado de cumprir com suas funções,
acreditando que a escola poderá suprir todas as lacunas. Mas é importante perguntar
até que ponto a escola também não aceitou essas funções e deixou de estabelecer
limites claros de atuação. Uma não pode executar o papel da outra, mas devem, sim,
serem complementares na ação de um único objetivo, que é a aprendizagem de seus
filhos e alunos.

Durante o planejamento pedagógico ou durante a elaboração do projeto


político-pedagógico, a escola pode definir o que ela deseja dos familiares e os níveis
de participação deles. Não faz sentido pedir a colaboração dos pais somente nas
festividades, quando a principal razão dessa relação é a educação dos alunos. Ter a
família como parceira do processo educativo de nossos alunos facilita o trabalho da
escola e amplia a capacidade de participação dos pais na vida escolar dos filhos.
Muitos pais se queixam que são chamados apenas para ajudar a resolver problemas
e dificilmente para receber elogios, e todos nós sabemos o poder reforçador de um
elogio. Então, vale a pena experimentar. A criança sente grande prazer em ampliar os
seus vínculos com a escola quando percebe que seus pais são valorizados pelo
contexto escolar. Uma boa sugestão para isso é convidar os pais para fazer “palestras”
para a turma de seus filhos sobre o seu trabalho, a sua profissão e a sua experiência
de vida. Há sempre uma avó que pode ensinar às nossas turmas a fazer pães
deliciosos, contar histórias do tempo antigo e ajudar os professores a ampliar o afeto
de seus alunos pela aprendizagem.

Para Rappaport (1982), o desenvolvimento cognitivo depende da estimulação


propiciada pelo ambiente. A criança precisa ser exposta a um grande número de
situações para desenvolver seus esquemas conceituais, e o ambiente familiar é
indispensável a esse desenvolvimento. A escola pode ajudar a família a ter essa
consciência e a promover um ambiente estimulador.

Algumas escolas têm desenvolvido uma atividade denominada “escola de pais”.


Trata-se de um encontro semanal para conversar sobre temas inerentes à educação
dos filhos. Educar um filho é uma das tarefas mais difíceis, pois os pais aprendem no
processo, no decorrer do desenvolvimento dos filhos e o encontro com outros pais

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que estejam vivenciando a mesma situação pode ajudar os componentes do grupo a


encontrar soluções para diversos problemas, além de reconhecer que existem muitos
pais na mesma condição de dúvida, de conflito etc. Nessa ótica, acreditamos que as
reuniões de pais podem assumir uma característica diferente da usual na maioria das
escolas. Pode se tornar um momento de real participação dos pais na vida dos filhos,
além de tomar ciência das notas.

Além disso, é importante que a escola incentive os pais a construir uma relação
mais saudável com a aprendizagem de seus filhos. Na adolescência, quando os filhos
não se sentem apoiados pelos pais nas suas dificuldades escolares, é comum
esconderem provas e resultados insatisfatórios. Esse comportamento é um sintoma
de uma relação familiar que precisa ser reconstruída. Da mesma forma, pais que se
surpreendem com a reprovação dos filhos denunciam a falta de participação na vida
deles. Afinal, ninguém reprova repentinamente. Quanto mais os filhos crescem, mais
os pais se afastam da escola e, muitas vezes, isso acontece a pedido dos filhos. Quando
os filhos estão na Educação Infantil, há uma proximidade muito grande dos pais com
os professores e a existência de estreitos laços afetivos. Ao ingressar no Ensino
Fundamental, especialmente no período da alfabetização, os filhos ainda podem
contar com a presença dos pais na escola, mas quando chega a adolescência e com
ela o desejo de romper limites e de conquistar a liberdade, é normal que os filhos não
se sintam à vontade ao serem levados até a porta da escola ou de encontrar seus
familiares no pátio. Perante os colegas, parece que o adolescente ainda é um bebê,
ideia essa que é enfaticamente rejeitada.

No entanto, respeitar esse desejo dos filhos adolescentes não significa que os
pais devam se afastar da vida escolar de seus filhos. Afinal, eles pensam já ter
condições de se cuidar de maneira independente, mas todos nós sabemos que é
apenas fruto do sentimento fantasioso de onipotência da adolescência. Como a
Psicopedagogia é uma teoria e uma prática que se ocupa da aprendizagem humana
em qualquer faixa etária, entendemos que ela pode ajudar os profissionais da
educação a perceber os pais como seres em processo de aprendizagem, assim como
seus filhos, cabendo à escola o gerenciamento dessa aprendizagem acerca de como
gerir a vida escolar de seus filhos.

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