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Resumo texto A teoria da democracia revisada, capítulo 8: Uma teoria da

democracia como processo decisório


8.1: A natureza das decisões políticas
- Gostaria de começar imediatamente distinguindo entre quatro tipos de
decisão: (a) individual; (b) grupal; (c) coletiva e (d) coletivizada.
- As decisões individuais são tomadas por cada indivíduo isoladamente,
independente de sua decisão se referir a si próprio ou ao mundo exterior. As
decisões grupais implicam que as decisões são tomadas por um grupo
concreto.
- As decisões coletivas não são passíveis de uma definição; em geral são
consideradas decisões tomadas por “muitos”. As decisões coletivas
pressupõem um grande organismo que não atua e não pode atuar devido a seu
tamanho.
- Depois temos as decisões coletivizadas. Pode-se dizer que as decisões
coletivas e coletivizadas compartilham a propriedade de não serem, em
qualquer sentido significativo, decisões individuais.
- Decisões individuais, grupais e coletivas referem-se todas a um sujeito, a
quem toma as decisões. As decisões coletivizadas são, ao invés, decisões que
se aplicam e são impostas a uma coletividade independentemente de serem
tomadas por uma pessoa, por algumas, ou pela maioria.
- A noção de decisões coletivizadas permite, em primeiro lugar, afirmar que a
política consiste em decisões coletivizadas.
- Portanto, no nível macro, pode-se dizer que as políticas consistem, em última
instância, em decisões (decisões tomadas) que se encontram fora da
competência de cada indivíduo como tal e são tomadas por alguém para
outrem.
- Naturalmente, embora todas as decisões de natureza política sejam decisões
coletivizadas, a recíproca não é verdadeira: nem todas as decisões
coletivizadas são políticas.
- A diferença entre o poder político, o poder econômico é mais uma diferença
de hierarquia. Isso significa que as decisões coletivizadas são políticas no
sentido de serem (a) soberanas; (b) inescapáveis; e (c) sancionáveis.
Soberanas no sentido de poderem se sobrepor a qualquer outro poder;
inescapáveis, como diz Hirschman, porque se estendem até as fronteiras que
definem territorialmente a cidadania; e sancionáveis no sentido de serem
sustentadas pelo monopólio legal da força.
- Porque deveríamos gostar de decisões tomadas por nós (em nosso lugar) por
outros, principalmente quando – como no caso da política – podem chegar a
afetar a vida e a liberdade?
- Num estado de natureza hipotético, todas as decisões são individuais. Por
outro lado, toda coletividade organizada submete-se a regras de coletivização
ao menos no sentido de aceitar as decisões coletivizadas – sendo essa a
condição de sua organização. Mas os âmbitos respectivos do indivíduo e das
decisões coletivizadas variam enormemente nas sociedades contemporâneas,
e até sob as mesmas condições tecnológicas e ambientais.
- Dizem muitas vezes que estamos enfrentando duas ideologias – a
individualista e a coletivista.
- A chamada ideologia do individualismo cede amplamente à coletivização
sempre que a utilidade ou necessidade desta última é razoavelmente
demonstrada.
- A recíproca não é verdadeira. A ideologia da coletivização não cede, pois
entende as decisões privadas ou individuais como males intrínsecos.
- As razões dadas para as decisões coletivizadas antes deixadas a critérios do
indivíduo em geral se relacionam a imperativos tecnológicos e aos serviços e
necessidades de bens coletivos das sociedades contemporâneas. Mas, em
muitos casos, é uma questão aberta se os benefícios de coletivizar uma dada
área de decisões são contrabalanceados a longo prazo e em termos de efeitos
cumulativos, pelos custos.
Riscos externos e custos decisórios:
- As questões colocadas acima podem ser resolvidas com dois instrumentos
analíticos muito simples: (a) os custos decisórios; e (b) os riscos resultantes de
decisões coletivizadas.

- Em primeiro lugar, os custos decisórios são, a meu ver, custos intragrupo;


referem-se apenas a quem decide. Inversamente, os riscos externos são riscos
extra grupo; referem-se apenas à coletividade para quem as decisões são
tomadas.
- Em segundo lugar, os custos internos são custos apenas de tempo, energia e
coisas do gênero.
- Em terceiro lugar, quando digo riscos externos é determinável e, em geral, é
determinado.
- O argumento completo é, então, que (a) as decisões coletivizadas envolvem
riscos externos; que (b) os riscos externos podem não resultar em prejuízo;
mas que (c) o problema é exatamente aumentar a probabilidade de “resultados
satisfatórios” e minimizar a probabilidade de “resultados danosos”. Essa é a
razão para enfatizar mão apenas o fator incerteza, mas também o elemento de
perigo envolvido.
- Mas a questão de importância fundamental é que uma coletividade pode não
ser beneficiada. Por isso a coletividade que recebe as decisões que não foram
tomadas por ela está sempre exposta a um risco.
- O axioma 2 implica que os riscos externos só se efetivam quando uma área
de decisão é coletivizada. Isso significa que, quando uma decisão é tomada
pelo mesmo grupo ou coletividade à qual se aplica, não há risco externo
envolvido.
- Não se pode dizer, portanto, que estavam expostos a um risco externo.
- Aconteça o que acontecer – em termos de perdas e ganhos – dentro do grupo
que realmente participa de uma decisão não tem nenhuma importância se, ao
coletivizar uma área de decisão, com isso criamos (a) um órgão decisório; e (b)
um grupo externo exposto ao risco, que assim se define porque não pode
decidir por si mesmo.
- Voltando aos custos internos, isto é, aos custos decisórios, o axioma 1
pressupõe que só as decisões grupais (ou coletivas) envolvem custos de
tomada de decisão.
- O ditador pode muito bem ter, ao decidir sozinho, elevados custos
psicológicos; mas eles não têm importância para o problema em pauta. A
primeira questão é, portanto, que as decisões só têm custos com mais de um
tomador de decisões. Em segundo lugar, é preciso enfatizar que os custos em
questão são procedimentais.
- Em síntese, o órgão que toma as decisões tem “custos”, embora a
coletividade que as recebe enfrente “riscos”. Os custos são apenas internos e
procedimentais; os riscos são apenas externos e relacionados a prejuízos.
- Em termos práticos, quanto maior o número, tanto maiores os custos de
tomada de decisão. Assim, o custo das decisões é uma função do tamanho do
órgão decisório.
- Desde que cada participante tenha voz independente, o número de pessoas
que toma decisões está em relação direta com os custos das decisões –
aumentam juntos.
- Um órgão decisório é aumentado para permitir uma proteção maior a
terceiros, isto é, para reduzir os riscos externos.
- O número de pessoas que toma decisões está em relação inversa com os
riscos externos – à medida que o órgão decisório cresce, os riscos externos
diminuem.
- Supondo, em nome da simplicidade, uma coletividade de 100 pessoas, o
primeiro caso é que 1 pessoa decide (coletiviza as decisões) por 99. Nessas
circunstâncias, os riscos externos são os maiores possíveis; ou máximos,
enquanto os custos decisórios são zero. Segundo caso: as decisões são
tomadas por 10 pessoas. É claro que os custos decisórios aumentam. Será
que os riscos externos diminuem?

- Sim e não. Sim, no sentido trivial de que vão afetar 90 pessoas ao invés de
99. Mas não podemos dizer com certeza que é provável que as 90 pessoas
enfrentem riscos menores.
- Portanto, temos um problema aqui. Terceiro caso: todas as 100 pessoas
decidem para si mesmas. É evidente que os riscos externos serão zero,
embora os custos decisórios estejam no seu máximo.
- Na medida em que os custos decisórios e os riscos externos estão
inversamente relacionados, ou covariam negativamente, e ambos são
concebidos como funções monotônicas, há pouco a dizer em favor da
coletivização de áreas de decisão.
- A solução é, obviamente, reduzir os riscos externos muito mais rapidamente
que o aumento dos custos decisórios, e antes do ponto em que estes começam
a aumentar com rapidez – como mostra o gráfico.
- O gráfico mostra que, para termos uma solução, a curva dos riscos externos
deve cair rapidamente e cruzar a curva dos custos decisórios antes desta
última começar a subir rapidamente.
- Um equilíbrio ótimo que indica não apenas quando é conveniente coletivizar
uma área de decisão, mas também como fazê-lo de forma adequada.
- Duas variáveis suplementares vêm em nosso socorro e devem ser
introduzidas agora.

- A primeira variável interveniente é básica para a questão da redução dos


riscos externos. A segunda variável interveniente, ao contrário, refere-se
principalmente, mas não exclusivamente, aos custos decisórios.
- A primeira variável interveniente pressupõe – por causa da expressão “órgão
decisório” – que as decisões em pauta são decisões grupais ou coletivas.
- Há muitos tipos de dirigente único. Pode ser (a) a mesma pessoa por um
tempo indefinido (o monarca, o líder de uma igreja, o ditador) ou (b) qualquer
pessoa durante um tempo definido (isto é, uma pessoa diferente em pontos
próximos no tempo).
- Os riscos externos variam à medida que varia o método de nomeação, isto é,
dependem do fato da “pessoa única”.
- Com o monarca absoluto ou ditador, os riscos externos são extremamente
elevados, principalmente em termos de riscos de opressão.
- O dirigente da Igreja Católica desfruta igualmente de um cargo vitalício; mas o
fato de ser eleito implica que ele é “selecionado”. Só por esse motivo, os riscos
externos ficam, com toda a probabilidade, fortemente reduzidos. Se a eleição
de um dirigente absoluto e vitalício implica um risco cada vez maior, isso se
deve à longevidade. Apesar disso, a diferença entre um dirigente único eleito e
não-eleito afeta o fator de risco de forma significativa. Por fim, um dirigente
único escolhido pela sorte para um período curto não precisa ser temido a nível
dos riscos de opressão.
- Assim, o método de criação dos tomadores de decisão é central para o
cálculo dos riscos externos, independente do fato de ser apenas um ou muitos.
- A segunda variável interveniente- as regras da tomada de decisão – refere-se
essencialmente, como disse, aos custos de decidir. Ao decidir as regras que
governam as decisões, o ponto de partida é a regra da unanimidade.
- Essa é a única regra de tomada de decisão que atribui o mesmo peso a cada
participante da decisão. Mas nem sempre é assim.
- O poder de veto, não se segue necessariamente que seja um poder igual;
- Por outro lado, pode-se argumentar que a unanimidade envolve não apenas
um tipo de poder igual, mas também um tipo de poder excessivo, o poder de
chantagem. Deixando de um lado as sutilezas, é claro que a regra de
unanimidade funciona, ou pode funcionar, apenas no âmbito de pequenos
grupos.
- As regras da maioria entram em cena sempre que o princípio da unanimidade
se mostra impraticável. Segundo as regras da maioria, uma dada proporção da
coletividade ou do órgão decisório não tem peso nenhum, mas aumentam as
probabilidades de resolução, de se chegar a uma decisão.
- Existem pelo menos três magnitudes abrangidas, muitas vezes de maneira
confusa: (a) maiorias qualificadas (frequentemente uma maioria de dois terços);
(b) maioria simples ou absoluta (50.01%); maioria relativa, ou pluralidade, isto
é, a maior minoria (uma maioria inferior a 50%).
- Assim, maioria absoluta, maioria relativa e pluralidade são facilmente
confundidas.
- Em que bases os critérios majoritários são escolhidos? É claro que, na
medida em que passamos de uma maioria qualificada para uma maioria
simples e, em última instância para qualquer maioria (pluralidade), os custos
decisórios diminuem. Quando se requer uma maioria qualificada, é difícil
chegar a uma decisão, e muitas delas são bloqueadas.
- Se a redução dos custos de tomada de decisão fosse o único critério, sempre
recorreríamos às pluralidades.
- O critério ulterior é a redução dos riscos externos¿ Esse é o motivo pelo qual
as revisões constitucionais em geral requerem maiorias qualificadas e que as
decisões importantes requerem uma maioria absoluta (do universo).
- Temos de chegar a um equilíbrio entre a conveniência e a segurança.
- O ponto controvertido é o argumento de que o princípio da unanimidade e as
maiorias qualificadas requerem que a maior parte obtenha o apoio de uma
parte menor e com isso chega a estabelecer (embora numa medida diferente)
uma “regra da minoria”. Mas esse argumento não convence por dois motivos.
Em primeiro lugar, não está claro por que deveria confinar-se à unanimidade e
às maiorias qualificadas, pois as pluralidades também envolvem o
estabelecimento, num sentido muito mais preciso de uma regra da minoria.
- Portanto, a objeção à regra da minoria leva, da maneira como está formulada,
à conclusão de que o princípio da maioria só é “real” sob o critério da maioria
absoluta.
- Está simplesmente errado equiparar qualquer maioria que não seja uma
maioria absoluta a uma regra da minoria.
- As minorias em pauta não têm o poder de decidir.
- Em síntese, dispomos agora de três variáveis: (a) o número de pessoas que
tomam decisões; (b) a forma de selecioná-las; e (c) as regras da tomada de
decisão. É preciso lembrar também que o problema é minimizar os riscos
externos em relação aos custos da tomada de decisão.
- Segundo a análise do autor, o problema é passível de soluções por dois
motivos.
- O primeiro é que os riscos externos não são tanto uma função do número de
participantes de uma decisão, mas basicamente uma função do método de
formação do grupo que decide.
- As técnicas representativas de transmissão controlada do poder, não há
nenhuma outra técnica conhecida para lidar com os riscos externos.
- A coletividade só é protegida com a entrada de todos os seus membros no
órgão decisório. Isso pode ser feito com cem pessoas, mas, com o aumento do
número de participantes do grupo, logo se torna impraticável.
- As considerações acima implicam que o problema de minimizar os riscos
externos sem obstruir o processo de tomada de decisão é melhor resolvido
pela maneira de constituir o órgão decisório que pela maneira segundo a qual
este toma decisões.
- Em consequência, a chave é a representação: pois apenas a redução drástica
do universo dos representantes para um pequeno grupo de representantes
permite uma redução importante dos ricos externos (de opressão) sem agravar
os custos decisórios.
Resultados e contextos decisórios:
- A questão agora é: como se decide com que resultados¿ Para abranger essa
área nova e mais extensa, é preciso introduzir novos elementos no quadro:
- Tipo de resultado;
- Contexto decisório;
- Intensidade da preferência.
- O tipo de resultado deve ser reduzido à sua formulação mais abstrata, qual
seja, se em geral é vantajoso numa modalidade de soma positiva, ou não-
vantajoso (para todos) numa modalidade de soma zero.
- Em qualquer dos casos, quando um jogo é de soma zero, a alternativa é
simplesmente ganhar ou perder. Inversamente, diz-se que um jogo tem soma
positiva quando todos os jogadores podem ganhar.
- Deve-se compreender que as políticas de soma positiva não precisam ser
cooperativas e podem muito bem resultar de uma mistura de cooperação e
conflito.
- O contexto decisório pode ser dicotomizado em descontínuo ou contínuo. O
contexto é descontínuo quando nos deparamos com questões distintas,
separadas.
- Um grupo que atua dessa maneira é geralmente identificado como um comitê.
- A questão imediata é que um contexto decisório é contínuo quando uma
corrente de questões é tratada de maneira interligada, isto é, quando as
questões não são tratadas em separado.
- Os contextos descontínuos são impostos pelas circunstâncias.
Intensidade da preferência e o princípio da maioria:
- O fator intensidade leva-nos a considerar o fato de que toda a questão
desperta um grau diferente de afeto, de envolvimento ou desinteresse.
- Para superar os impasses, o que é preferido por um número maior deve
prevalecer sobre a preferência do número menor. Essa regra ignora o fato
dessas preferências terem uma intensidade diferente.
- O autor gostaria apenas de explicar por que o princípio da maioria nunca é
aceito de forma integral.

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