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Porque volta a interessar a educação diferenciada

A educação diferenciada parecia uma causa perdida face ao avanço da co-educação. Mas
está a alargar-se pouco a pouco desde que em diversos âmbitos - incluindo um sector do
feminismo - surgiu um interesse renovado pelos diferentes estilos de aprendizagem de
rapazes e raparigas. Rosemary Salomone, professora da Universidade St. John, resume o
debate das últimas décadas num recente número da Revista Española de Pedagogía sob o
tema "Desafio da Educação de Mulheres e Homens". Apresentamos uma síntese deste
trabalho, seguida de um resumo de outros incluídos na mesma publicação.

RosemarY Salomone, 8 Novembro 2008

"Na última década, o tema do ensino diferenciado por sexos originou acalorados debates
nos Estados Unidos. O assunto desencadeia apaixonadas controvérsias porque "o ensino
diferenciado por sexos enfrenta-se com o dogma da educação mista e descobre as
fragilidades da neutralidade de género."

A favor e contra

Os defensores do ensino diferenciado alegam que com ele se promove a igualdade de


educação para as jovens, porque melhora o seu rendimento académico em disciplinas em
que elas tendem a atrasar-se (matemática, ciências, tecnologia) e favorece uma maior
participação feminina em profissões tradicionalmente ocupadas pelos homens.

Alguns acreditam que a co-educação reforça os estereótipos sexuais. Outros sustentam que
o ensino misto não tem em conta na medida adequada os diversos estilos de aprendizagem
e as diferentes necessidades emocionais de cada sexo, nem o distinto ritmo com que
rapazes e raparigas desenvolvem as suas aptidões.

Nos Estados Unidos interessa a educação diferenciada, também para fazer face a
problemas específicos de alunos de minorias raciais. Pretende-se assim fomentar a auto-
estima das raparigas, que apresentam elevadas taxas de gravidez precoce. No caso dos
rapazes, em especial dos negros, pretende oferecer-se-lhes um modelo distinto de
masculinidade, para contestar o domínio dos gangs e afastá-los da delinquência e das
drogas.
Com efeito, "no princípio dos anos 90, alguns distritos escolares - entre eles Detroit e Nova
Iorque - começaram a lutar contra esses problemas abrindo centos educativos masculinos,
alguns dos quais foram dotados de um plano de estudos orientado especificamente para os
rapazes afro-americanos. (...) Mais recentemente, cidades como Nova Iorque e Chicago
abriram centros femininos de ensino secundário que procuram reduzir a diferença dos
resultados com os rapazes, em Matemática, Ciências e Tecnologia."

Por sua parte, as opiniões contrárias à educação diferenciada sustentam que serve "uma
política sexista mais ou menos diluída, que nega aos homens e às mulheres as atitudes
interpessoais de que necessitam para relacionar-se uns com os outros" e "não fomenta o
entendimento e o respeito mútuo que colocam as mulheres em igualdade de condições
com os homens."
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No melhor dos casos, vêem no ensino diferenciado um disfarce político para dissimular as
mais insidiosas desigualdades na escola. E, ainda pior, acreditam que perpetua o conceito
de que as raparigas necessitam de um ambiente diferente porque não podem ter o mesmo
rendimento escolar dos rapazes.

Igualdade formal ou substancial

Para esclarecer a polémica, tornava-se necessário responder a questões de fundo


relacionadas com a igualdade e a diferença. "As raparigas e os e os rapazes são de tal modo
diferentes em aspectos relevantes que necessitam de formas diversas de lhes ministrar a
educação? "Essas diferenças entre os sexos são de carácter biológico, e portanto são
inevitáveis, ou resultam de aspectos culturais, e por tanto podem mudar-se?" "O próprio
facto de se sugerir a possibilidade de haver diferenças inatas equivale a insinuar que há
menorização de um sexo face ao outro?" E também tem de pôr-se a questão de saber em
que idades seria adequada a educação diferenciada, e se essas idades e matérias são as
mesmas ou se são diferentes para os rapazes e as raparigas.

Embora não haja acordo sobre essas questões, defensores e opositores da educação
diferenciada coincidem em manter o ideal da igualdade, ainda que a perspectivem de
formas diferentes. Os que se opõem "procuram a igualdade de tratamento e sustentam
que os programas só para rapazes ou só para raparigas violam o princípio de que as pessoas
em situação semelhante devem ser tratadas de maneira semelhante." Defendem que
homens e mulheres têm igual capacidade cognitiva, de modo que não há entre eles e elas
diferenças relevantes para a educação.

"Grande parte desta forma de pensar emana do feminismo dos anos 70", que combatia
assim os estereótipos que inculcavam aos sexos destinos separados: para as mulheres, a
vida familiar e o cuidado do lar; para os homens, o âmbito público: o trabalho, a política e a
vida intelectual.

"As feministas dessa época acreditavam firmemente que para expurgar esses mitos, tinham
de centrar-se no que os homens e as mulheres têm em comum. (...) Para elas, as raparigas e
os rapazes eram essencialmente idênticos em qualquer aspecto que pudesse influir no
rendimento académico. (...) No ensino lutaram para que as escolas fossem neutras quanto
ao género (...) no seu material didáctico, critérios de admissão, objectivos, ambiente e
plano de estudos."

"Na perspectiva contrária insiste-se em que a questão não está na igualdade formal, mas na
substancial": o importante é corrigir as desigualdades. E, segundo dizem, "a separação dos
sexos é necessária, pelo menos em algumas circunstâncias, para promover a igualdade de
oportunidades". Sustentam que procurar a igualdade formal para as raparigas sem atender
às suas particularidades, supõe definir os rapazes como padrão, mas na realidade, entre
rapazes e raparigas, há diferenças relevantes ao nível do ensino, quer de ordem natural,
quer social.
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Como no caso dos programas de apoio a estudantes desfavorecidos, a utilização de


"recursos diferentes, tais como os materiais didácticos, os métodos, os planos de estudo,
etc. produzirá resultados substancialmente iguais em termos académicos e de sucesso
profissional em certas áreas, como a Matemática, a Física e a Tecnologia, tradicionalmente
dominadas pelos rapazes."

Feministas partidárias da educação diferenciada

Parte da inspiração da educação diferenciada provém de estudiosas e escritoras feministas


que, desde os finais do anos 70, começaram a ver as diferenças de sexos com uma nova
perspectiva "A obra definitiva que activou o debate sobre a homogeneidade e a diferença e
deu origem a que o tema interessasse o público internacional foi In a Different Voice (1982),
de Carol Gilligan, traduzida para nove línguas". Muitas mulheres se reconheceram nesse
livro, que defende duas teses principais: que as mulheres, no seu conjunto, diferem dos
homens na sua orientação existencial básica e que muitas das teorias psicológicas
habitualmente consideradas desvalorizam e depreciam o sexo feminino.

Segundo Gilligan, "as mulheres (...) orientam-se para o compromisso, o contacto com
outras pessoas e o cuidado, por isso predominam nas relações humanas". Por seu turno,
"os homens (...) orientam-se para o isolamento e o pensamento abstracto, o que os
predispõe aos ganhos pessoais e a uma concepção instrumental das relações".

As ideias de Gilligan foram muito discutidas entre as feministas. Algumas viam implícitos
nelas velhos estereótipos de género; outras pensaram que as libertavam do predomínio
masculino e permitiam valorizar as suas qualidades próprias.

Esta publicação abriu caminho a estudos posteriores da autora sobre raparigas


adolescentes, que influenciaram decisivamente as políticas e as práticas educativas. Gilligan
sublinhou que a adolescência é uma etapa crucial do desenvolvimento feminino, em que as
raparigas se mostram mais propensas a problemas psicológicos, respondem mais
negativamente às tensões próprias da idade e tendem a valorizar-se menos.

Estes trabalhos deram suporte à ideia de que cada sexo tem a sua forma de perceber a
realidade e o seu próprio itinerário de desenvolvimento, e proporcionaram o
enquadramento teórico para interpretar as diferenças ressaltadas em estudos empíricos.
Em particular, os investigadores começaram a descobrir que a escola mista não conseguia
que as raparigas atingissem o nível dos rapazes em Matemática e Ciências.

A desvantagem muda de sexo

"Governos e centros educativos de todo o mundo responderam com uma proliferação de


programas pensados para aumentar o rendimento académico das alunas, especialmente
em matemática e ciências. Parecia que elas eram as vítimas e provavelmente os rapazes
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eram, em parte, a causa da sua vitimização. Este foi o tema recorrente na investigação
sobre a igualdade do género durante os primeiros anos da década de noventa, e converteu-
se no critério convencional; educadores e pais começaram a pensar nas escolas e turmas de
educação diferenciada como solução". Esta perspectiva desenvolveu-se amplamente em
alguns países, como na Austrália.

"Em princípio dos anos 90, estava claro que as raparigas tinham começado a reduzir as
diferenças de rendimento escolar face aos rapazes". Mantinham certa desvantagem nos
estudos superiores de matemática e ciências, mas na secundária e na universidade havia
mais alunas que frequentavam essas matérias, e nelas tinham melhores notas e acabavam
op curso em maior percentagem que os rapazes.

Então "a opinião pública começou a mudar. Surgiu um novo género de literatura popular
centrada em que o ensino estava a falhar com os rapazes. (...) Dizia-se que eram os rapazes
que estavam a falhar académica e socialmente; que a estrutura e a disciplina da maioria dos
centros educativos não diferenciados - em particular da escola básica - tendia a favorecer as
raparigas, que os professores eram mais sensíveis à voz delas (...) Os rapazes tinham mais
problemas de aprendizagem, reprovavam mais, apresentavam maior taxa de expulsões e
acediam aos cursos superiores em menor proporção".

O natural e o cultural

"Isto levou o debate sobre a homogeneidade e a diferença a uma nova dimensão (...),
produzindo uma reacção contra o suposto sacrifício das raparigas. Voltou a surgir a ideia
implícita de que os rapazes e as raparigas reagem de formas diferentes ao ensino, o que
conduz à inevitável e controversa pergunta: "Porquê?"

Uns defendem que há diferenças inatas entre os sexos, que explicam em parte a
diversidade do rendimento académico. Por exemplo, alguns sustentam que os rapazes
dispõem, em média, de melhor visão espacial, o que lhes dá vantagem na geometria,
enquanto que as raparigas os superam em aptidões verbais, e daí os seus melhores
resultados em línguas e literaturas.

Outros não admitem estas generalizações porque - segundo dizem - as diferenças médias
entre os sexos são pequenas em comparação com as que existem entre indivíduos do
mesmo sexo.

Recentemente, as investigações neurológicas indicaram que a estrutura do cérebro


masculino e feminino diferem ligeiramente, sem que isso seja determinante e pode ser
alterado pela influência do ambiente ou pelo exercício das faculdades.

Na dúvida, pela liberdade

Rosemary Salomone salienta que é muito difícil distinguir o que, nas diferenças entre os
sexos não é atribuível a discriminações (cfr. Aceprensa 70/08, na versão impressa), de
origem biológica, psicológica, social ou cultural. Por isso considera mais promissor observar
as diferenças entre rapazes e raparigas à medida que se desenvolvem, para ajustar os
métodos e os recursos pedagógicos às necessidades detectadas.
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Será, então, que, "a separação nalgum momento da vida escolar é a solução definitiva para
as diferenças de rendimento académico e a escolha de uma profissão?"
"Não é, mas poderia constituir um dos mecanismos para dar a alguns rapazes e raparigas a
igualdade de oportunidades no sentido de uma educação ‘adequada'. Se os rapazes têm
mais energia e não conseguem fixar a atenção durante muito tempo e, além disso,
desenvolvem a sua capacidade verbal a um ritmo mais lento, não é razoável esperar que
prossigam na escola básica ao mesmo ritmo que as raparigas. No mesmo sentido, não é
aceitável demorar a aprendizagem das raparigas enquanto se espera que os rapazes
atinjam nível equiparado. Ao mesmo tempo, as raparigas parecem atrasar-se em relação ao
desenvolvimento das suas aptidões para matemática e informática (...).

"Se estas diferenças são de ordem biológica, ou de ansiedade causada por factores sociais,
ou porque as raparigas são mais lentas nos exercícios de cálculo (...) isso não se sabe com
certeza. No entanto, a experiência mostra que quando se lhes pede que escolham, muitas
raparigas prefeririam o ensino de matemática só para elas durante o ensino básico e o
secundário.
Porque são muitas as questões por resolver, há que prosseguir as investigações para se
poderem comparar os resultados do ensino diferenciado e do ensino misto.

Entretanto, adverte R. Salomone, o perigo é que as posições políticas e ideológicas


implicadas travem a experimentação com "perspectivas alternativas" que abordem as
diferenças sexuais observadas na puberdade e os estilos de aprendizagem entre rapazes e
raparigas.

"Com isto não quero dizer que todos os rapazes e raparigas sejam essencialmente iguais,
sem qualquer diferença dentro de cada sexo, nem sequer que o ensino diferenciado seja
bom para todos. Simplesmente, penso que alguns sairiam beneficiados com os programas
de educação diferenciada, quer em centros específicos, quer em aulas diferenciadas dentro
de uma escola mista. E, para esses estudantes, deveria oferecer-se um ensino diferenciado
como uma opção válida e não apenas limitada às famílias privilegiadas que podem permitir-
se recorrer a escolas não apoiados com fundos públicos".

Rosemary Salomone, Igualdade e Diferença. A questão da equidade de género em educação,


in Revista Española de Pedagogía, ano LXV, nº238, págs. 433-446

Pedagogia adaptada ao sexo

O número citado da Revista Española de Pedagogía inclui outros quatro trabalhos acerca da
educação de rapazes e raparigas. O mais extenso é o de José Antonio Ibañez-Martin,
catedrático da Universidad Complutense (Madrid).
Começa com um estudo jurídico acerca da legitimidade da educação diferenciada, à luz da
jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Os juízes de Estrasburgo
pronunciaram-se favoravelmente, em diferentes ocasiões sobre o direito dos pais a que os
filhos recebam ensino escolar de acordo com as suas convicções filosóficas e religiosas. O
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mesmo seria aplicável às convicções pedagógicas, que no projecto do Tratado de Lisboa,


sâo equiparáveis às dos dois âmbitos referidos.

Sobre a educação diferenciada, o autor destaca as razões que explicam o actual interesse
da questão: a acumulação de provas sobre os diferentes ritmos de desenvolvimento de
cada sexo e a influência de um ambiente social erotizado na escola, que perturba o ensino
aos adolescentes. Com essse enquadramento, o Professor Ibáñez-Martín sintetiza os
benefícios que a educação diferenciada proporciona para as raparigas e para os rapazes ,
segundo os principais estudos publicados.

O psiquiatra Aquilino Polaino-Lorente (Universidade de San Pablo-CEU) aborda o


desenvolvimento da identidade sexual dos rapazes, com abundantes referências a casos
recolhidos da experiência clínica.

Por seu turno, Maria Victoria Gordillo (Universidade Complutense) examina a situação da
educação mista na actualidade e as experiências de educação diferenciada; as suas
conclusões salientam, em especial às vantagens desta opção no que se refere às raparigas.

Por último, uma equipa da Universidade de Sevilha (Manuel Sánchez Franco, Félix Martin
Delicia e Francisco Villarejo Ramos) apresenta uma investigação empírica sobre o uso da
Internet pelos professores, segundo o sexo, e aprecia as principais razões porque as
professoras a utilizam menos que os seus colegas masculinos.

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