Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
“What people learn in and through text and talk, and through the process of
texturing as we might put it (making text and talk within making meaning), is
not merely (new) ways of texturing, but also new ways of acting, relating,
being, and intervening in the material world, which are not purely semiotic in
character.” (FAIRCLOUGH, 2004, p. 231)
1
(1996), ao associar a aprendizagem com a transformação social, “learning as social
transformation is important to realizing a vision of democratic education” (p.13).
Com a intenção de redimensionar as contribuições da obra freiriana,
principalmente no que se refere ao desvelamento do discurso dos grupos dominantes,
para a construção de cidadãos críticos e de uma sociedade justa, exploraremos,
primeiramente, algumas das ideias centrais da ACD. Para, em seguida, retomar as
formulações de van Dijk (2010) sobre abuso de poder, controle, dominação e acesso e
de Fairclough (2001) sobre discurso e mudança social, resguardando as especificidades
das abordagens propostas por estes dois autores para o estudo do discurso e traçando um
diálogo com os pressupostos centrais da pedagogia do oprimido.
A relação entre linguagem, discurso e sociedade tem sido focada por diferentes
abordagens de análise do discurso, sejam elas linguisticamente orientadas ou não.
Fairclough (2001), como forma de contextualizar os estudos na área e de estabelecer as
bases para a sua Teoria Social do Discurso, descreve algumas abordagens que agregam
a análise linguística a uma visão social do discurso e divide-as em não-críticas e críticas,
destacando como o diferencial destas últimas com relação às primeiras a preocupação
com as questões de ideologia e de poder que informam a produção do discurso e
também a relação deste com a construção das identidades e das relações sociais e dos
sistemas de conhecimentos e crenças. No entanto, mesmo nas correntes críticas, as
relações entre linguagem, discurso, poder e ideologia são tomadas de modo estanque,
sendo realçados os processos de reprodução e manutenção das relações de poder.
A ACD, que se desenvolve a partir da década de 80, sem, contudo, consistir em
um campo de estudos homogêneo, ou em uma disciplina ou escola dentro do âmbito dos
estudos do discurso, propõe, através da obra de diferentes autores, como Fairclough
(2001, 2004), van Dijk (2010), Wodak (2001), Rogers (2004), dentre outros, novas
possibilidades de investigação discursiva. A nova abordagem proposta pelos analistas
críticos do discurso não representa uma ruptura com as correntes anteriores, mas difere
delas por adotar um posicionamento político-epistêmico na investigação das relações
entre linguagem e poder e de preocupação com questões como desigualdade e injustiça
social, discriminação e dominação. Meyer (2001, p.15) destaca que na ACD os limites
entre a pesquisa científica social e a discussão política são algumas vezes ultrapassados,
buscando-se explicitar as relações de poder geralmente implícitas e obter resultados
com relevância prática para os grupos dominados.
Van Dijk (2010) sugere a denominação Estudos Críticos do Discurso (ECD) e
aponta como principal razão para esta renomeação o fato de que tais Estudos não são
um método de análise, mas sim se utilizam de métodos que sejam relevantes para os
objetivos da pesquisa. Por não definir-se como um método, o que se destaca no âmbito
desses estudos é uma atitude “crítica”. Para especificar mais claramente essa atitude são
propostos alguns critérios: a) estudar as relações de dominação a partir da perspectiva
dos dominados; b) recorrer às experiências dos grupos dominados para analisar o
discurso dominante; c) poder mostrar que as práticas discursivas dos grupos dominantes
são “ilegítimas”; e d) poder formular alternativas conciliáveis com os interesses dos
grupos dominados.
Fica evidente, então, que os estudiosos críticos do discurso ao se voltarem para
as relações entre linguagem e sociedade, estruturas sociais e estruturas discursivas,
adotam uma postura reflexiva sobre seu papel na sociedade e advogam explicitamente
2
em favor dos grupos que sofrem discriminação e injustiça social. A forma de construção
do conhecimento distancia-se da ideia de neutralidade que permeia o paradigma
científico moderno e parece aproximar-se do paradigma emergente descrito por Santos
(2004, p. 60): “de um conhecimento prudente para uma vida decente”. Logo, uma das
questões presente nos estudos da ACD é como se posicionar diante das relações de
poder a partir do próprio fazer científico. Como resumem as palavras de Wodak (2001,
p. 09): “Basically, ‘critical’ is to be understood as having distance to the data,
embedding the data in the social, taking a political stance explicitly, and a focus on self-
reflection as scholars doing research”.
A ACD preocupa-se não só em investigar como as estruturas discursivas são
influenciadas pelas estruturas de poder da sociedade ao mesmo tempo em que as
mantêm e reproduzem, mas também como tais relações constituem-se e transformam-se
a partir das práticas discursivas. Além disso, é importante para esta perspectiva estudar
as relações entre forma e função da linguagem, tomando os contextos de uso e o
funcionamento da fala e da escrita como fundamentais para a compreensão dos
discursos. Assume-se a ideia de que “all discourses are historical and can therefore only
be understood with reference to their context” (MEYER, 2001, p.15), daí que se
constitua como uma perspectiva multidisciplinar, buscando uma análise ampla dos
problemas sociais e relacionando-os com aspetos culturais, históricos, políticos.
3
5) Ensinar exige a percepção de que a educação é uma forma de intervenção no
mundo, uma forma de ação.
“pessoas não são livres para falar ou escrever quando, onde, para quem, sobre
o que ou como elas querem, mas são parcial ou totalmente controladas pelos
outros poderosos, tais como o Estado, a polícia, a mídia ou uma empresa
interessada na supressão da liberdade da fala e da escrita (tipicamente
crítica). Ou, ao contrário, elas têm que falar ou escrever como são mandadas
a falar ou escrever” (p.18).
1
Aqui é preciso esclarecer que a concepção de Freire de ideologia pauta-se em uma perspectiva marxista
de ideologia como forma de dominação, “ocultação da verdade”.
4
‘formam’” (p. 44). Suas formas de ser e comportar-se refletem, em momentos e de
modos diversos, as estruturas de dominação, fazendo com que assumam posturas
fatalistas diante da situação de opressão, de “autodesvalia”, vendo a si mesmos como
incapazes, ou então com que aspirem ao modelo de vida do opressor.
O elemento mediador na relação opressor-oprimido seria a prescrição, ou seja, a
imposição da consciência, da ideologia dos opressores a consciência dos oprimidos,
nesse processo os oprimidos introjetariam a consciência dos opressores, transformando-
se em “hospedeiros” desta. Essa visão estabelece uma simples relação causal entre o
social, o ideológico e o discursivo.
Contudo, é preciso considerar, como ressalta van Dijk (2010), a existência de um
complexo processo sociocognitivo em que as estruturas sociais são vivenciadas,
interpretadas, representadas pelos membros da sociedade em sua interação cotidiana e
que essas representações, os modelos mentais ou outras representações cognitivas dos
participantes, construídos intersubjetivamente, é que irão influenciar as práticas sociais
e discursivas das pessoas. O próprio conceito de ideologia que baseia sua obra
distancia-se da concepção marxista tradicional que identifica a ideologia dominante de
um período com a da classe dominante que é incorporada pelos grupos dominados como
uma “falsa consciência”, sendo, assim, naturalizada. O autor caracteriza a ideologia, ou
as ideologias, como sendo uma forma de cognição social que está ligada aos interesses
dos grupos e permeia o conhecimento, as opiniões, os preconceitos. As ideologias são
formadas e transformadas em sua maioria através das práticas comunicativas e
discursivas e influenciam as nossas práticas sociais e as estruturas sociais em seu
processo de formação e transformação.
Voltando ao problema do controle discursivo, salientamos que este não remete
apenas à fala e à escrita, mas também aos contextos, relacionando-se a questões de
acesso ao discurso e aos eventos comunicativos. Os grupos que têm acesso preferencial
ou detém o controle sobre o discurso público constituem uma elite simbólica, que ao
gerenciarem os grandes meios de produção discursiva, gerenciam também as mentes das
massas. A noção de poder simbólico vai além da posse de bens materiais, mas pode
associar-se a outras formas de poder: como o político, o econômico, entre outros.
Porém, nem todos os casos de poder devem ser objeto de estudo da ACD, mas
apenas aqueles casos em que é exercido em benefício dos que o detêm e em detrimento
dos interesses daqueles que não o possuem, gerando desigualdade e injustiça social, ou
seja, os casos de abuso de poder, de dominação de grupos sobre outros. A dominação
discursiva, especificamente, apresenta como consequências negativas a manipulação, a
doutrinação e a desinformação. Isso implica que existem formas legítimas e ilegítimas
de poder, sendo tal legitimidade definida historicamente e culturalmente.
O abuso de poder confere certos privilégios para aqueles que integram os grupos
dominantes. Esses grupos controlam os discursos e suas formas de produção, definindo
quem pode falar ou escrever o que, para quem, em determinados contextos, como
caminho para a manutenção de tais privilégios, como caminho para a manutenção do
5
controle social. Assim, “quanto menos poderosa for uma pessoa, menor o seu acesso às
várias formas de escrita e fala” (VAN DIJK, 2010, p.44).
Voltando-nos para a questão da alfabetização, a negação deste acesso a
determinados grupos evidencia-se nos dados do censo 2010, divulgado em novembro de
2011 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e que aponta que 14
milhões de brasileiros com 15 anos ou mais são analfabetos, o que representa 9,6% da
população. Esta condição de exclusão perpetua-se dentro de várias famílias, sendo fato
comum entre avós, pais e filhos, mesmo quando estes frequentam a escola:
“Na apertada e quase espinhosa casa de Rosilda Pereira da Silva, 42, não
saber ler é sina que passa de geração em geração. (...) Dos três filhos que
ainda moram com ela, Paloma, 14, Lenilson, 11, e Franciele, 8, só o do meio
já sabe ler e escrever.”2
2
Fonte: Jornal do Commercio, 27 de novembro de 2011.
6
como uma imposição. É preciso que a própria opressão e suas causas sejam alvo da
reflexão dos oprimidos que, desta forma, se engajarão na luta pela sua libertação e pela
transformação social como sujeitos ativos e críticos.
Ao tratar das origens e dos motivos que envolvem as mudanças das práticas
discursivas, Fairclough (2001) destaca que estas repousam na problematização, por
parte dos produtores e dos interpretes, das convenções discursivas já naturalizadas. As
contradições, que são as bases para a problematização, colocam os sujeitos diante de
“dilemas” que serão resolvidos através de reconstruções e adaptações das convenções
existentes. As condições sociais mais amplas de tais problematizações, contradições e
dilemas são as lutas em grupos, instituições e na sociedade como um todo. Ao agir de
forma criativa e inovadora diante dos dilemas, as pessoas contribuem não só para
mudanças nos eventos discursivos, mas também para a reestruturação das ordens de
discurso.
Freire propõe que o desvelamento e a desnaturalização dos discursos dominantes
se dê, na educação de adultos, a partir de atividades que envolvam “temas geradores”.
Como já foi dito anteriormente, na educação dialógica, o diálogo não figura apenas no
momento de encontro entre educadores e educandos, mas está no momento mesmo em
que o educador pergunta-se sobre qual será o conteúdo do diálogo (sobre o conteúdo
programático da educação). Para chegar a esse conteúdo, o educador deve incidir,
juntamente com os educandos, sobre a realidade a ser transformada, procurando
perceber suas contradições. Tal atitude coaduna-se com o princípio da ACD de que as
relações de poder devem ser estudadas a partir da perspectiva e dos interesses dos
grupos dominados e de que as experiências dos membros desses grupos devem levadas
em conta.
Em sua relação com o mundo, que é mediada pela linguagem, o homem constrói
visões e pontos de vista impregnados de anseios, dúvidas e esperanças e nos quais estão
implícitos temas significativos que constituirão o conteúdo programático da educação
de adultos. Portanto,
“aí é apenas produtivo e útil à nação o borracho que vem voltando para casa,
depois do trabalho, em que ganha pouco, preocupado com a família, a cujas
necessidades não pode atender. É o único trabalhador. É um trabalhador
decente como nós, que também somos borrachos.”
Conclusão
9
significado, mas como práxis libertadora que leva os homens à pronuncia de sua própria
palavra que é também pronuncia do mundo.
Acreditamos também que a abordagem de Análise Crítica do Discurso pode
trazer grandes contribuições para a educação, seja na formação crítica de futuros
profissionais ou na formação geral dos cidadãos para que possam analisar de forma
consciente os discursos públicos (VAN DIJK, 2010).
Por fim, concordamos Rogers (2004b) quando afirma que ACD tem um
importante papel para as questões educacionais, pois permite compreender o processo
de aprendizagem de forma mais complexa; e colabora para a construção de uma visão
crítica por parte dos pesquisadores e demais participantes durante o processo de
pesquisa, e para a transformação social que emerge desta criticidade.
Referências Bibliográficas
MEYER, Michael. 2001. Between theory, method, and politics: positioning of the
approaches to CDA. In: MEYER, Michael; WODAK, Ruth. (Orgs.). 2001. Critical
Discourse Analysis. London, Thousand Oaks, New Delhi: SAGE Publications, pp. 14-
31.
WODAK, Ruth. 2001. What CDA is about: a summary of its history, important
concepts and its developments. In: MEYER, Michael; WODAK, Ruth. (Orgs.). 2001.
Critical Discourse Analysis. London, Thousand Oaks, New Delhi: SAGE Publications,
pp. 1-13.
10