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intencionalidade-em-fotografias-feitas-pelo-celular

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 278, 01 de Dezembro | 2014

Prática Pedagógica

Técnica e intencionalidade
em fotografias feitas pelo
celular
A teoria aliada à tecnologia portátil leva a moçada a refletir
sobre linguagem fotográfica
Paula Peres
Maggi Krause

Alex conseguiu captar o momento certo e fotografar as crianças pulando no rio


Os segredos escondidos na paisagem foram o foco do registro que Fernando
produziu

O ninho de pássaros chamou a atenção de Adriano, que retratou a riqueza do


ambiente

Os telefones celulares estão presentes em praticamente todas as salas de aula,


ao alcance dos alunos. Em vez de disputar a atenção dos jovens com os
aparelhos, o professor José Luiz Tavares da Silva resolveu aproveitá-los para
elaborar um projeto de fotografia com sua turma do 8º ano da EMEF Professora
Antonia Rosa, em São João da Ponta, a 130 quilômetros de Belém. Ele começou
conversando com a classe sobre as diferentes funções das imagens: registro
histórico, resgate da memória sentimental ou recurso profissional em diversas
áreas. Mas o docente queria explorar com a moçada o potencial criativo dessa
linguagem artística. "Minha ideia era que eles entendessem que a fotografia
conta uma história, é a valorização de um momento. Ela é um texto, só que
visual", defende.

Com base em informações do livro História e Cinema: Educação para as Mídias,


de Renato Mocellin (88 págs., Editora do Brasil, tel. 0800-770-1055, 30,90 reais),
Tavares da Silva conversou com os jovens sobre aspectos técnicos como o ISO e a
diferença entre o obturador e o diafragma. Enquanto o diafragma controla a
quantidade de luz que passa pela lente, o obturador define o tempo de exposição
a ela. Também falou sobre a importância do enquadramento e mostrou
ilustrações que explicavam a espiral de ouro ou regra dos terços. Funciona assim:
marca-se a foto com duas linhas paralelas verticais e duas horizontais, dividindo a
imagem em nove retângulos. "A intersecção das linhas revela os chamados
pontos áureos, que, se bem observados quando se registra a imagem, garantem
que a composição fique mais equilibrada", explica Wagner Souza e Silva,
professor de fotografia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo (USP). A classe analisou imagens demarcadas com as linhas e notou
que a localização das figuras principais da imagem correspondia aos pontos
áureos.

Depois do primeiro contato com a arte da fotografia, os estudantes avaliaram


com o professor as particularidades e os recursos das diferentes câmeras de
celular. "Vimos que o zoom digital pode alterar a qualidade da imagem e que
algumas câmeras já mostram na tela as linhas da espiral de ouro. Mas esses
recursos são limitados se comparados aos da máquina fotográfica", explicou.
Souza e Silva aponta mais diferenças entre os aparelhos portáteis e os
tradicionais que podem ser trabalhadas durante a prática: "Com o celular, é difícil
focalizar em um objeto específico e deixar os outros menos nítidos, a não ser que
você esteja muito próximo dele. Quando elegemos uma área para aplicar um
efeito de nitidez, burlamos a característica das câmeras de celulares de deixar
tudo muito em foco".

Tavares da Silva levou para a sala de aula os computadores portáteis disponíveis


na escola com acesso à internet. A turma pesquisou sites com informações sobre
a história da fotografia mundial, além de ver registros de grandes fotógrafos, tudo
para refletir sobre essa linguagem. Alguns conteúdos interessantes podem ser
encontrados no site do Instituto Moreira Salles, na Enciclopédia do Itaú Cultural e
na linha do tempo produzida por NOVA ESCOLA.

Antes de sair pela cidade, o professor conduziu com os alunos uma reflexão sobre
problemas ambientais da cidade de São João da Ponta, como a extração de
caranguejo fora de época, as queimadas para a agricultura e a presença de lixo
no mangue e no rio. O docente passou o vídeo A Carta do Ano de 2070, sobre um
futuro sem sustentabilidade. "É interessante notar que o educador aborda
temáticas transversais do currículo - a ecologia, a sustentabilidade e a
preservação do meio ambiente - e trabalha com a fotografia", aponta Umbelina
Barreto, professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS).

Em seguida, Tavares da Silva pediu que a turma pensasse na cidade e registrasse


lugares que gostaria de ver preservados. A garotada foi dividida em grupos de
cinco e saiu a campo. "Curiosamente, sem que eu tivesse falado nada, todos
escolheram retratar o Rio Mocajuba e seu entorno", conta o educador. Cada
estudante deveria fazer pelo menos uma imagem. Quem não tivesse celular
poderia usar o do colega. Adriano Cordovil Duarte, 15 anos, fotografou um ninho
de pássaros na beira da água. "O rio é um local que gostaria de ver preservado e
achei que a imagem mostrava essa vida."

Prática e análise da produção

Diferentes olhares surgiram: alguns registraram a relação da comunidade com o


local, outros regiões com poluição ou a natureza ao redor. O professor
acompanhou algumas saídas a campo. "Percebi que, quando estavam sozinhos,
os grupos ficavam presos em registrar o momento. Ao acompanhá-los, houve
mais intervenções e uma preocupação maior com a produção", lembra. De
acordo com Souza e Silva, o professor deve tomar cuidado para não impor
padrões. "Os estudantes precisam ser livres para experimentar e a presença do
docente é interessante para expandir as possibilidades, mas não pode delimitá-
las", defende ele.

Depois de receber as fotografias dos alunos, Tavares da Silva usou o próprio


notebook, levado à sala de aula, para mostrar à turma o que foi produzido. O
professor provocava o debate com perguntas: "Qual foi sua intenção com esse
registro? Que mensagem você gostaria de passar?". Em grupo, os alunos
observarm se, de fato, os objetivos do autor foram alcançados e compartilharam
o que sentiram. Alex Nascimento Almeida, 16 anos, conta que registrou crianças
pulando no rio. "A luz estava boa, a posição das pessoas também e peguei o salto
no ar. A foto ficou espontânea, pois elas estavam se divertindo e isso é
transmitido pelo movimento." O colega Fernando Rodrigues Silva, 15 anos, teve o
cuidado de preparar uma cena com personagens. "Quis mostrar com a foto que
há na paisagem coisas que a gente não vê."

Estudantes e professor analisaram enquadramento, intensidade da luz e foco.


"Pedi que apontassem o foco da imagem e o que ele representava para o
conjunto. Conversamos sobre fotografias em que o branco estava ‘estourado’ -
termo utilizado para dizer que uma área clara emite tanta luz que atrapalha a
visão de outras formas - e nos questionamos como aqueles registros poderiam
ser melhorados", explica.

O processo de sair a campo para fazer os registros, voltar para a sala de aula e
debater sobre o que foi produzido levou cerca de 15 dias. Nesse período, os
jovens tiveram a oportunidade de refazer os registros, caso quisessem. Para
finalizar o trabalho, Tavares da Silva organizou uma mostra. Cada grupo foi
convidado a escolher apenas uma foto, o que levou a sala a uma discussão para
chegar a um consenso. "A escolha de uma imagem tem sempre uma relação
subjetiva. É importante definir os parâmetros de classificação para essa tomada
de decisão. Isso pode ser trabalhado com o próprio grupo", diz Umbelina.

Entusiasmado com os resultados do trabalho, o professor resolveu continuar


explorando as possibilidades das câmeras de celulares da turma, estimulando a
produção de curtas-metragens. Já que a fotografia é a base do cinema, não foi
difícil ampliar as informações sobre enquadramento e luminosidade e aplicá-las
às imagens em movimento. Dessa vez, os grupos foram em busca de lendas
típicas contadas pelos mais velhos da comunidade, depois escreveram roteiros e
saíram a campo para gravar, utilizando com propriedade e desenvoltura os
recursos do celular.

1 Conhecer a fotografia Converse com a turma sobre as diferentes funções


desse tipo de registro e os aspectos técnicos que envolvem a produção de fotos.
Fale também sobre as câmeras, enfatizando o uso de celulares.

2 Refletir sobre problemas Proponha uma discussão sobre temas relevantes à


cidade em que vivem e o papel da fotografia no registro dessas questões.

3 Sair a campo e produzir Divida a turma em grupos e convide todos a retratar


com o celular lugares que gostariam de ver preservados. Acompanhe os alunos
nessa tarefa.

4 Analisar as fotografias Peça que os grupos apresentem seus registros e avalie


com a moçada a intenção de cada foto, as questões técnicas e a mensagem que
ela passa. Se quiser, organize uma mostra.

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