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Prefácio
Thomas Kesselring
A democracia é uma forma de governo não muito boa, mas é a menos ruim que
conhecemos. - Quais são as suas características? Em Moçambique a política é
democrática? As sociedades Africanas são, ou não, apropriadas para um
governo democrático? Questões como estas são discutidos neste livro. O que
levou o filósofo Severino Ngoenha a escrevê-lo, foi a profunda preocupação
com os eventos políticos em 2013 e 2014, antes das eleições presidênciais:
faltava pouco, e Moçambique quase escorregou numa nova guerra civil.
Esta obra, então, fala do Moçambique actual. Mas o autor também apresenta um
um estudo sobre as condições que garantem a convivência pacífica entre
diferentes grupos sociais, políticos, étnicos etc. Ele enriquece seus argumentos
com uma grande variedade de amostras que ilustram o funcionamento e o não-
funcionamento da política em outros paises, no passado histórico como no
presente. Esta investigação é iluminadora também para membros de qualquer
sociedade do mundo.
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“(A) nossa democracia é de poucos, e esses poucos são os com mais posse. No
fundo, estaríamos mais perto de uma oligarquia do que de uma democracia”
(33). - “Temos o mau hábito de (...) reduzir a democracia à competição entre os
partidos para a tomada de poder” (98). - “A democracia, em suma, não pode ser
um jogo de elites em detrimento do povo.” (95f.) - “A democracia militarizada
institucionalizou o anormal: violência, fraudes, engano, mentira, a falsidade;
introduziu o medo, o que pode levar até a conflitos étnicos e regionais” (96). -
“No quadro do nosso sistema não temos nenhum contrôle sobre o que faz em
termos de politicas públicas, não há nenhuma discussão sobre o vasto mundo da
ação governativa e do uso dos recursos públicos. (...) Não sabemos o que se faz
com o nosso dinheiro, com os nossos recursos. (...) Como é que se definem as
prioridades num pais em que milhões de crianças não têm pão? ” (100). - “Os
custos do funcionamento da nossa democracia são excessivos para um povo
cuja maioria vive na miséria” (81).
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Apesar de ser um pais jovem, o Moçambique tem a sua própria história, forjada
por vários eventos “locais”, inconfundíveis, como a luta pela independência, a
criação de estruturas de Estado numa época que foi marcada pela rivalidade
tensa entre dois partidos etc. Mesmo que o autor põe o acento nos eventos
“domésticos”, ele de vez em quando chama a atenção para eventos que fogem
este quadro.
Pois, vale a pena insistir no fato de que o Moçambique não é o único pais com
estruturas formalmente democráticos que não funcionam como deveriam. Em
muitos paises da Africa subsaariana, a democracia não funciona. Como se pode
explicar isso? Não raras vezes ouve-se dizer que a ordem democrática é alheia
às tradições africanas. A isso Ngoenha responde, com toda razão, que a
democracia é alheia a todas as culturas, sendo que não é intrínseca a nenhuma
delas em particular. Na cidade antiga de Atenas a democracia também
fracassou, para depois desaparecer da história ocidental por dois mil anos. Mas
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isso não impede que a ordem democrática pode, em princípio, dar certo em
qualquer sociedade do mundo.
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Outro factor, também no nível internacional, que influe na política dos paises
subsaarianos, é a decadência das próprias democracias ocidentais. O politólogo
inglês Colin Crouch, analista brilhante das políticas contemporâneas, chama a
época actual não de “pós-política”, como Severino Ngoenha, mas de "pós-
democracia".2 Com este termo ele se refere ao facto de que, em boa parte do
mundo ocidental, as instituições democráticas já não funcionam mais
corretamente, apesar de continuarem a existir. A democracia é uma planta
sensível cujo cultivo necessita de muito cuidado, e cada geração deve
preocupar-se com as condições adequadas para manter a planta viva.
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3 „Um outro mundo é possível“ é o lema dos Foruns Sociais Mundiais que ocorreram em
paises pobres como eco crítico dos annuais Foruns Económicos Mundiais.
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Não é só porque não há duas sem três, nem sequer porque três é um
número sagrado, a trindade – pai, filho e espírito santo, o que constitui a
essência do cristianismo-, o número das religiões monoteístas. Mas também sim
porque três, quantifica a nossa circunstância, que eu teimo em dar resposta um
pouco tardia, mas oportuna – creio – à ACAFIL .
Na senda de Alain Badiou, três é um número filosoficamente simbólico,
pois que seriam três os momentos de maior dignidade na produção filosófica: o
momento grego, o momento alemão e o momento francês. E este, apesar de
atingir o seu apogeu com o período que vai de Marleau-Ponty a Derrida,
passando por Sartre, Lacan, Foucault, Deleuze, etc., seria também uma espécie
de trindade, dado que foi precedido pelos semi-momentos cartesianos e
iluminista-enciclopédico (Diderot, D´Alembert, Voltaire, Rousseau).
Do ponto de vista africano, depois do Renascimento de Alain Locke e do
Renascent Africa de Azikiwe, estamos, com Thamo Mbeki na tentativa de um
terceiro renascimento; depois da etnofilosofia e da filosofia crítica emerge a
filosofia intercultural.
Quanto a Moçambique; o terceiro congresso correspondeu a uma
mudança radical para a Frelimo e para o país; estamos na terceira república;
tivemos três candidatos nas últimas eleições; temos o terceiro presidente saído
das urnas e três foram as constatações no meu último livro quanto ao que o pais
precisava para a sua boa governação: estabilidade, desenvolvimento económico
e comunhão (cum munnia) material e imaterial.
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Para aqueles que não tenham lido os meus dois livros precedentes, “Os
tempos da filosofia” e a “Interculturalidade, alternativa à governação
biopolítica”, vou situar o seu histórico, que tem neste, talvez, o último esforço.
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“Eis que a noite cai, e a coruja da minerva pode começar a sua ronda: ela
terá que decifrar o enigma antes que renasça o novo dia que nada permite com
certeza, como se pudesse aferrar o futuro”.
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divisões internas, todas as sociedades são ordenadas por um polo que lhes
assegura a sua coesão e a sua permanência no tempo.
Não se pode dizer que o poder seja exterior à sociedade: ele tem uma face
visível, ele aparece no porte de um mestre ou num grupo que o detém ou
simplesmente o exerce, nos apoios de que ele beneficia numa fação mais ou
menos larga, nos meios materiais utilizados para manter a autoridade. Todavia,
o poder não está na sociedade como um órgão qualquer, pois de qualquer
maneira que ele se traduza na realidade, a sua função é instituir; a distância que
ele gera e alimenta com o conjunto social não se pode medir simplesmente em
termos de relação de força (o poder ao qual todos estamos sujeitos); ele é sinal
de um afastamento da sociedade dela própria, de uma transcendência que torna
sensível a sua identidade através da multiplicidade das suas manifestações.
Neste sentido, a filosofia não se pode satisfazer com a separação
estabelecida de um ponto de vista científico, entre a política de um lado (como o
conjunto de atividades e de relações que tocam ao exercício do poder) e, do
outro, a economia, o direito, os costumes, etc. Como também não se pode
satisfazer com a separação entre o domínio público e o domínio privado.
Por mais importante que sejam as questões relativas à maneira como se
define e se exerce a autoridade política, o desdobramento das instituições nas
quais se manifesta, estas questões abrem-se sobre outras, que têm a ver com o
fundamento da representação do poder, sobre o estatuto daquele ou daqueles
que se julgam encarná-lo. São questões que têm a ver com a natureza dos
critérios de legitimação, da competência e levam-nos a buscar as ligações entre
o político e o religioso, ou entre o político e a ética, e de uma maneira mais
geral, entre o político e o meta-político.
A partir do momento em que nos interrogamos desta maneira, não
podemos dissociar a análise política das relações sociais, pois a divisão em
classes e em diferentes agrupamentos permanentes depende da representação
dos actores e da maneira como ela se exprime e se modifica em função de uma
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sufrágio universal, que acabou por aceitar, mas aos direitos sociais e aos direitos
culturais que lhe parecem desfigurar os direitos fundamentais.
Em contrapartida, é necessário que um sistema de valores, incarnados por
instituições adequadas, venha imprimir-se numa cultura e se torne familiar, para
que a democracia evolua, como a história, numa segunda natureza (o que não
pode ser feito sem o respeito da primeira); para que a democracia se mostre
coisa diferente de um simples sistema de instituições a defender; que ela não se
reduza ao pluripartidarismo, às eleições e ao parlamento, mas se transforme em
algo a que cada um se refira ou se possa referir.
Enquanto o pensamento liberal tem como referência a liberdade e procura
construir os modelos a partir das relações entre os indivíduos, sob o postulado
que estes se definem pela sua capacidade de iniciativa; com o pensamento
democrático, afirma-se, ao mesmo tempo, a imagem do indivíduo, a imagem do
povo colectivo, a imagem da humanidade. O pensamento democrático não
autoriza que se confine a relação social à relação inter-individual e, sobretudo,
faz com que o cidadão seja habitado por uma tensão entre a imagem que ele tem
de si próprio, enquanto indivíduo, e a imagem do povo que resvala nas
instituições.
Doutro modo, poderia dizer-se que o liberal é humanista, no sentido que
o indivíduo tem que realizar nele mesmo a sua humanidade, a sua qualidade de
homem, enquanto o democrata é humanista no sentido que a humanidade existe
também na extensão e não somente como atributo de um indivíduo atomizado.
O pensamento democrático não pode aceitar certas modelações
específicas do pensamento liberal, segundo as quais existiria uma boa cultura,
um bom saber, uma justa competição, etc. O pensamento liberal está sempre
tentado a circunscrever no interior da sociedade real a verdadeira sociedade; ele
exclui o que se chama “bárbaros”, homens diminuídos, incultos, os que não
estão à altura, e que, pela mesma razão, não têm o direito de participar nos
debates públicos. O pensamento democrático não pode travar as mudanças: ele
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reconhecimento público por parte dos que as formulam, e isto é muito mais do
que um simples desejo de satisfazer os próprios interesses.
2. A CIBER-INTELECTUALIDADE
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proprietário não só dos jornais com as maiores tiragens do país, como o Corriere
della Sera, mas é também proprietário de um verdadeiro império de canais
privados que dominam a cena mediática da política italiana.
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5 CHARLE, Christophe. Naissance des intellectueles. Paris, les editions de minut, 1990.
6 Cf. RIEFFEL, Rémy. La tribu des clercs: les intellectuels sous la Ve Republique.
Calmmann-Lévy : CNRS Editions, 1993, pp.76
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Não abundam, é claro, entre nós, reuniões destas, mas a esperança é que
aquele encontro tenha sido o primeiro de entre muitos, com uma metodologia
não de simples observação e análise, nem sequer de puro criticismo, mas de
propostas concretas no que se pode e deve melhorar nos vários campos da
sociedade.
Aliás, o que hoje se chama 20/25 começou como simples encontros entre
alguns académicos (Eduardo Sitoi, Filimone Meigos, Elísio Macamo, José
Castiano, Obede Balói, Luís de Brito, Severino Ngoenha) com vista a juntos
exercermos a nossa cidadania, alimentando com ideias e propostas a evolução
da nossa jovem democracia.
A) A Intelectualidade Africana
Matias Dussou 7, antropólogo do Benin, dividiu os intelectuais africanos
em duas categorias: os tradicionais e os modernos. Na ideia de Doussou, os
intelectuais africanos são sábios, mas sobretudo, na tradição dos griots da África
Ocidental, são os conservadores da memória coletiva; poderíamos chamá-los de
historiadores. Hampâte Bá ficou famoso pela sua célebre frase, “quando um
velho morre é como uma biblioteca que se queima”.
O romance Raízes do jornalista e intelectual afro-americano Alex Halley, é
um exemplo soberbo da historiografia tradicional. No esforço de satisfazer um
velho sonho familiar, Halley vai à busca das suas origens, ou se quisermos da
terra natal do antigo escravo Ngunta Nguite que, apesar de todos os dissabores
da escravatura, vendas a diferentes donos, torturas, sofrimentos, mantivera
firme a vontade de transmitir aos descendentes a notícia da sua origem. Com o
passar do tempo, a única coisa que permanecia na memória da nova geração era
o nome.
Quando, na segunda metade do século XX, um século depois do fim da
escravatura, Halley vai à procura das suas origens, mobiliza arquivos,
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até aos internet cafés – mal domesticado, isto é, de natureza a criar confusão, e
sobretudo a agravar a nossa crise de representação e moral!
Não é a técnica que está em causa. O problema é que ela deixou de ser a
“tecné”, prolongamento dos sentidos do homem; deixou de ser um meio, e
transformou-se num fim, o que acarreta consequências morais graves.
B) Filosofia e Comunicação
Nestas intelectualidades múltiplas, existirá uma particularidade da filosofia?
Existirá uma especificidade no âmbito do desdobramento dessas
intelectualidades no campo da comunicação?
Desde Kant, teceu-se uma relação entre a filosofia e a comunicação. A
história desta ligação está também ligada ao contrassenso sobre Kant, de
maneira particular, ao facto de se fazer de uma questão crítica, uma espécie de
imperativo antropológico, confundindo o alargamento do pensamento com a
amplificação do debate.
Mais próximo de nós, Jurgen Habermas, continuador da escola de
Francoforte, propõe-se refundar uma forma de racionalidade crítica e iluminista.
O esforço de Habermas parte do conceito de verdade intersubjetiva e do
projecto de realizar uma ética do discurso ou da comunicação, cujo pressuposto
teórico é a teoria da argumentação retórica. A sua perspectiva inscreve-se num
paradigma transcendental construído sobre o ideal de uma comunicação
ilimitada entre os sujeitos, onde a noção de verdade e da objectividade são
reformuladas no interior da comunicação e das condições da argumentação, e
por esta razão tem que se avaliar o devir e as diferenças existentes entre os
participantes do discurso.
O horizonte do agir comunicativo produz uma mudança de paradigma, uma
vez que se transita da teoria do sujeito à concórdia comunicativa da
intersubjetividade, onde o que domina é a teoria do discurso como condição
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Não será a mídia o espaço hoje mais propício para realizar o ideal iluminista
e democrático da comunicação intersubjetiva?
Os mídias apresentam-se, a priori, como um lugar de discursos múltiplos, de
uma multiplicidade de agentes de enunciação, multiplicidades que se podem
opôr ao discurso solitário de um livro. Em virtude desta multiplicidade, os
mídias seriam o lugar privilegiado de intercâmbio, de discussão, de diálogo,
espaços tangíveis da liberdade do pensamento, da livre circulação de ideias, em
suma, o termómetro para medir a saúde de uma democracia.
Porém, três tipos de reservas podem ser levantadas e levam os filósofos a
desconfiar e a estar distantes dos mídias:
Primeiro, a velha distinção platónica entre duas formas de saber irredutíveis
uma à outra. De uma lado, a epistemé (verdade) e do outro, a doxa (opinião). A
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filosofia seria o discurso justo e verdadeiro sobre as coisas, legitimado pelo seu
rigor e racionalidade. Só ela, enquanto ciência dos conteúdos do real, tem o
poder de conhecer e separar, segundo critérios lógicos e racionais o verdadeiro
do falso, o bem do mal, o justo do injusto. Ao mesmo tempo, só ela teria a
capacidade de distinguir a argumentação útil do conhecimento da argumentação
orientada para o engano e a simples obtenção do sucesso.
Estes dois modelos de pensamento trazem à luz duas diferentes concepções
da linguagem: a primeira vê nela um instrumento de mediação social através do
qual, a comunidade humana articula regras de convivência civil; a segunda
considera-a como um simples meio de ornamentação, subordinado à expressão
ou à comunicação das ideias e dos conceitos.
Alguns filósofos questionam se a mídia não estaria próxima a uma certa
retórica, linguagem privilegiada dos sofistas, se não seria, por natureza, privada
de todo o tipo de conteúdos sociais, políticos e cognoscitivos.
A distinção platónica entre a epistemé e a doxa é deveras importante. A
palavra teoria significa, etimologicamente, ser testemunha, aquele que viu,
assistiu, e porque viu, sabe. Por isso mesmo, o seu testemunho, a sua opinião é
fundado, baseia-se num conhecimento de causa.
Quando se convida alguém, como me aconteceu, a ser comentador sobre
questões globais (emissão da TVM em que participavam os filósofos Alberto
Ferreira e S. Ronguane), a única coisa que podia fazer era simplesmente repetir
aquilo que não testemunhei, que não sei, mas me foi contado ou ouvi de uma
outra pessoa ou fonte: rádios, outras televisões, internet, etc. O pior é que nem
sei se as minhas fontes foram testemunhas do facto que se supõe se comente, se
provém de uma agência fiável ou se é uma construção política. Na verdade, se
tivesse sido convidado a comentar sobre as supostas instalações nucleares de
Saddam Hussein antes da segunda guerra do Golfo, teria talvez, como papagaio,
repetido como fizeram os comentadores, sobre a presença e o perigo que elas,
apesar de não existentes, representavam para a humanidade.
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afirma que a filosofia se descobre solidária de uma escritura 10. Com esta
afirmação, Derrida pretende dizer que a filosofia herda o seu pensamento do
passado, e com base nele constrói – em continuidade amigável ou num dissenso
polémico- as teorias, através de um conjunto de textos, isto é, de tecidos de
palavras que têm tramas constituídas por muitos fios. Referir-se a estes fios
antes das tramas, significa aproximar-se dos textos com respeito pelo seu
caracter compósito, multiforme e nunca unívoco, pondo de lado esquemas
historiográficos pré-estabelecidos e cânones interpretativos rígidos.
3. A PÓS-POLÍTICA
Um dos aspectos mais controversos da etnofilosofia, e sobretudo de Placide
Tempels (A filosofia bantu), foi pretender que os africanos não fossem capazes
de pensar com a própria cabeça. Os africanos seriam desprovidos de todo e
qualquer pensamento individual, limitar-se-iam a ir colher num antigo depósito
comum as suas ideias e valores. Por isso, carecem de ideias individuais e
pensam todos a mesma coisa. Houtondji e Laleye 12 opuseram-se a esta visão do
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A) O Unanimismo Ciber-Intelectual
Se a crítica de Houtondji contra Tempels é justificável e pertinente, a
visão tempelesiana tem a sua aplicação nas nossas ciber-intelectualidades. De
facto, o que pensar, quando se vêem emissões inteiras em que os painelistas se
repetem uns aos outros, até com as mesmas palavras? Como disse o meu colega
do painel, como diz o Dr. Fulano, sincrano ou beltrano, (…); estamos num
unanimismo da doxa, não só contrário à epistemé, mas também ao diálogo, à
contraposição de ideias e por consequência à própria democracia que as
emissões pretendem manifestar.
Trata-se de uma doxa sem doxa, que repete a doxa dos que doxam sem
doxa !
Contudo, a ideologia não é só macuaquismo, mas é também confundir a
liberdade de opinião com um anti-macuaquismo de principio. Há jornais e
canais de televisão em que os mestres e os discípulos da nova religião nunca
têm ou podem ter razão, nunca podem ter uma ideia correta. Isto é também
intelectualmente desonesto. O que torna comum estas duas classes é o conceito
gramesciano de organicidade. Um dos macuaquianamente orgânicos e outros
contra-orgânicos.
A história da filosofia é também a história de relações problemáticas não
só com os conteúdos, mas também com as suas formas; problemáticas quer
dizer polémicas e estratégicas. Há momentos em que a relação com as formas é
uma relação de força, uma política do pensamento, lugar de conflito com outras
formas de saber ou de exposição. A forma, na filosofia, como em outros
saberes, não é extrínseca, ela liga a apresentação com a exposição, ela não
reflete o pensamento, ela é o pensamento sob uma forma.
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Dado que tal publicação já não se articula entre vida pública e privada,
trata-se de uma literatura: escrita que opera indiferentemente a divisão entre a
intimidade e a publicidade. Mas como se trata de uma obra do conselheiro do
príncipe, choca com toda uma tradição de reserva em matéria política.
De facto, trata-se talvez de uma nova configuração das relações entre o
exercício do pensamento e da acção racional e as suas aplicações em formas de
pensamento, mediáticas, poéticas. Mais um passo, e o filósofo, se entra no
jogo, torna-se marioneta; ou pior, joga o jogo do gato e do rato e transforma-se
na figura monárquica do palhaço do rei.
Terá ainda o mundo das representações a necessidade do filósofo? Os
mídia não têm, neles próprios, a capacidade de decisão para reforçar ainda mais
a sua importância?
Numa famosa sentença, Michel Foucault afirmava: “Não me perguntem
quem sou e não me peçam que permaneça o mesmo”. Isso releva de uma moral
do estado civil. Estão aí as bases para reflectir num novo papel do intelectual:
nem funcionário do universal, nem conselheiro técnico, o filósofo tem que
inventar o seu lugar.
O filósofo que se interroga hoje sobre as condições de possibilidade do
seu discurso é obrigado a ver que não vive na cidade ideal que constituía o reino
ou a república das letras. Está condenado a confrontar-se com os eventos, os
acontecimentos, com a história; ele deve reconhecer-se cidadão de um pais (e
mundo) que não esperou por ele para ser o que é. Um país (e mundo) cujo
sentido fica por decifrar.
O filósofo não beneficia de nenhum privilégio. Ele não deve ter nenhuma
nostalgia de um tempo de beatitudes, que aliás, talvez nunca tenha existido. Ele
tem que examinar pacientemente as condições do exercício do pensamento,
exercício que, afinal de contas, é por si mesmo político. Esta identificação das
diferentes maneiras de fazer e dizer conduz-nos ao primeiro gesto filosófico.
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Trata-se, para cada um, de inventar a sua maneira própria e especifica de pensar,
de filosofar, de estar presente na cidade.
A recente campanha eleitoral em Moçambique mostrou que este espectro
da autonomia individual de pensamento e da participação na vida pública já se
vislumbra entre nós. Revelaram-se-nos filósofos analistas (Alberto Ferreira),
filósofos candidatos à legislação suprema do estado (Ronguane), filósofos
membros da sociedade civil (Brazão Mazula). O engajamento com a sorte da
cidade ocupou a todos de maneiras diferentes. Foi neste sentido que, no
congresso da abertura do primeiro doutoramento em filosofia, os participantes
redigiram o manifesto seguinte:
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Por isso mesmo, a democracia olhou para a filosofia com uma certa
suspeição. John Rawls propõe que, em privado, cada um tenha as opiniões
filosóficas que preferir, mas no Estado democrático a vida pública não deve ser
guiada por nenhum dogma religioso nem por nenhuma tese filosófica 14. A
lógica é que o estado democrático prescinde quer da religião quer da filosofia. A
democracia é não filosófica.
Mas para Rawls e Rorty, a filosofia, com a qual a democracia não deve
ter nada que fazer, é definida de maneira restrita: trata-se de uma filosofia que
tende a afirmar a existência de uma natureza humana universal, ou até mesmo
de uma ordem que nos antecede, que questiona sobre a finalidade e sobre o
significado da existência humana. Para Rawls a democracia pode portar-se bem,
mesmo sem este tipo de questões. Ao teórico da democracia basta cingir-se a
algumas ideias intuitivas e fundamentais como a fé na tolerância, a refutação da
escravatura, que estão radicadas nas instituições políticas de uma sociedade
democrática.
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Para a sociedade optar a favor de uma via livre da razão, significa criar
espaços nos quais indivíduos concretos podem participar dela. Não se trata de
um simples espaço teórico, como podem ser as universidades nas quais
exercemos o essencial das nossas atividades de ensino. O espaço da liberdade
intelectual que a sociedade deve pôr à disposição dos seus membros, é algo de
particularmente concreto, tangível, que não se limita a um “não é proibido,
ninguém te controla, não há censura”.
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genérico: respeito. Este respeito tem, em primeiro lugar, a ver com a ordem
social, que resulta da adesão (mesmo se crítica) às instituições, aos seus
representantes e à ordem coletiva. O respeito não pode e não deve ser
confundido com o receio ou com o medo.
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Isto não quer dizer que as dialéticas de outros filósofos com as suas
respectivas sociedades não tenham interesse para nós. Nem sequer que a
filosofia já-feita não tenha nada a nos dizer. Pelo contrário, a filosofia é uma
tradição, e neste sentido o seu passado não nos pode ser indiferente. Ainda mais,
e isso explica a natureza tradicional da filosofia e a importância que ela confere
ao passado e à história; enquanto horizontes longínquos de onde a razão nos
interpela, tanto no passado donde proviemos como no futuro em direção ao qual
estamos orientados.
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humana, numa moral social. Ė algo que é inerente ao homem como animal
social, que vive naturalmente com os seus semelhantes, na busca comum do
justo e do bem.
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dizer que é uma coisa abominável impedir o povo de fazer o que quer. O
próprio Péricles, dirigente supremo da cidade, afirma: “nós praticamos a
liberdade, não só na condução da ordem política.” Aristóteles diz que, na
opinião de Demóstenes, (…) a justiça é uma igualdade e a igualdade é a vontade
soberana da multidão18.
19 Glotz, (G.). Lacité grecque, Paris, éd. Albin Michel, 1968, p. 304.
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Hannah Arendt, a propósito dos negros nos Estados Unidos, eles não são parte
de uma questão social.
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Como diz Lísias, estes cidadãos de nascimento têm como princípio que a
pátria está em todo o lugar onde estão os seus interesses (…), estas pessoas
seriam capazes de trair o bem pública para correr atrás dos seus ganhos
pessoais: aos olhos deles, a cidadania não está na pátria, mas nas suas fortunas23.
Eis a nova ética, eis a única medida da vida social. Mas, quando a riqueza
e os homens ricos são celebrados num estado, vemos diminuir as honras pela
virtude e pelos homens virtuosos.
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Esquines descreve como os Agotitai, com uma alegria cínica, saíam das
assembleias depois de terem recebido envelopes de dinheiro: vocês saem da
assembleia sem terem debatido nada, vocês dividiram-se os restos como depois
de uma refeição à custa do povo.
Foi em seguida, a este tipo de atitudes por parte das classes dirigentes,
que o povo de Atenas entrou numa grande desobediência civil sem precedentes.
Platão justifica esta desobediência com o desenvolvimento crescente das
desigualdades sociais, criadas e sustentadas pelo regime democrático25.
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“Não existe nada de mais insolente que a multidão (…). Fugir da insolência
de um tirano para cair na insolência de uma populaça desenfreada, é algo
que não se pode de nenhuma maneira tolerar. O primeiro se faz alguma coisa,
fá-lo com conhecimento de causa; o segundo nem sequer é capaz desse
conhecimento. Assim, a democracia deve ser combatida e derrubada pois o
povo que é encarregado de dirigi-la não tem nenhum sentido prático”27.
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“Seria melhor para vocês, não receio dizê-lo, ter inimigos mais organizados
em regime democrático, do que ter amigos num regime oligárquico. Pois, se
eles estivessem livres, vocês não teriam dificuldades, se quisessem fazer a paz
com eles; enquanto, sob um regime oligárquico, as amizades não garantem
nada. Não, não é possível que um estado oligárquico tenha simpatia pelo
povo, nem que os que querem mandar tenham simpatia por aqueles que
querem viver na igualdade”29.
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Nós que muitas vezes nos representamos a democracia como uma poção
magica que basta beber para sairmos da pobreza absoluta e passar à
modernidade, deveríamos sempre recordar Atenas, para reconhecer que todo o
tipo de regime, mesmo o democrático, que ignora os valores morais e éticos,
escolhe um caminho de decadência, pois cidade sem ética é garantia da ruina do
Estado.
6. A APARATOCRACIA
A questão parece banal, mas é profunda. De facto, não se vota pela cara
da pessoa, pela sua simpatia, pela sua maior ou menor eloquência; mas vota-se
ou deveria votar-se, pelas ideias, pelos projetos de sociedade que cada candidato
apresenta. Se são as ideias que guiam o mundo, e as ideias (o pensamento) são a
diferença específica da humanidade, como não comparar esta situação que
vivemos nas eleições com a nietzscheana procura do homem no mercado?
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valores, mas com base numa vontade formal de cada uma das partes não
sucumbir diante da duplicação de si.
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Os partidos mais pequenos, sem acesso direto aos meios do Estado, que,
portanto, não auferem de maneira autónoma os seus meios do erário público,
podem fazer depender a própria existência ou sobrevivência de meios externos.
Ora esses meios não são gratuitos; e uma das primeiras consequências é uma
grande dependência do exterior, o que abre as portas a uma maior ingerência,
até mesmo nos programas, nos objetivos e no funcionamento dos próprios
partidos.
Isto não terá nada de extraordinário, pode-se objectar, uma vez que o
próprio Estado fica completamente à mercê de interesses externos e mesmo o
essencial das políticas públicas é traçado por organismos internacionais.
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Terceira questão
Por outro lado, numa democracia de aparatos, que talvez seja mais correto
apelidar de aparatocracia -onde o maior deles é o militar-, é quase inevitável que
a reivindicação de meios leve a conflitos militares. Torna-se quase normal a
disputa em volta da detenção da violência legítima (Max Weber) entre as
diferentes forças, o que aliás é um dos temas centrais das conversações da
Joaquim Chissano. Resulta também normal que forças políticas como o MDM,
que não dispõem de militares, questionem a legitimidade desse fórum.
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Terceira questão
pode ser sempre reformado (iura semper reformanda) o que temos que buscar
sempre é a justiça.
No contexto atual, o risco é que a própria democracia que deveria ser uma
forma social ideologicamente neutra e com o objetivo de limitar os embates
ideológicos, se transforme, ela mesma, numa ideologia. O problema é que a
vontade das populações se exprime nos partidos, e estes deveriam realizar a
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Terceira questão
Então, como é que a nossa pequena e jovem democracia pode evitar a sua
subordinação à aparatocracia? Vimos atrás que as tecnologias e artes da difusão
de informação, que se supõe, favorecerem a participação do maior número nas
decisões, nos levam a um beco sem saída.
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Terceira questão
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Terceira questão
Durante muito tempo, o termo negro foi usado para fazê-lo corresponder
à cor da pele, a uma dita raça. Sabemos, contudo, que o conceito de raça não é
cientificamente defensável. Aliás, ele corresponde a uma categoria zoológica.
Quando foi mobilizado e transferido, abusivamente, para o campo social, pela
escola das formas em Göttingen no século XIX32 e depois retomado por
pensadores franceses como Gobineau, suscitou muitas reações, entre as quais a
de A. Firman33. Este tema constava do primeiro congresso pan-africano de
1900, depois que a França retirou o tema da agenda de debate sobre as raças que
se devia ter realizado durante a exposição universal.
33 Enquanto Goubinou escreveu “As desigualdades das Raças Humanas” (Essai sur
l'inégalité des races humaines, 1855, Paris) , A. Firman respondeu com “ As Igualdades das
Raças Humanas” (Paris, 1885)
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Terceira questão
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Terceira questão
Porém, a justiça declina-se sempre em relação à polis, quer dizer, aos próprios
cidadãos.
A questão seria então saber para que lado deve pender a nossa concepção
de cidadão, conferir-lhe um valor fortemente étnico ou então entendê-la no
sentido de civitas? Não podemos esquecer que, para os romanos, alguém se
torna cidadão de pleno título, com os mesmos direitos (e deveres),
simplesmente porque aceita sujeitar-se às leis comuns. A razão fundamental
desta invocação é que ela junta cidadãos de diferentes origens, mas com
objetivos comuns.
34 Cf. Massimo Cacciari, La Cittá, 2004.
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Terceira questão
Uma das consequências nefastas das lutas entre aparatos é que num pais
como o nosso, com um número de quadros e de recursos humanos muito aquém
do necessário, os muito poucos quadros que temos, não podem ser todos,
devidamente utilizados, pois só são bons os que são úteis à causa dentro do
prisma da confrontação aparatocrática. A lógica da confrontação entre aparatos
reza que quem não está conosco é contra nós, o que comporta uma lógica de
exclusão.
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Terceira questão
escolhas livres e responsáveis para a própria vida, mas também para o bem da
sociedade. Toda a educação que tendesse a uma finalidade diferente seria um
endoutrinamento, seria pré-determinar os indivíduos, não para actuarem como
futuros cidadãos responsáveis, mas sim como indivíduos alinhados numa
determinada ideologia.
O papa Urbano VIII pergunta a Galileu quem lhe garantia que, com a sua
pequena cabeça de homem, podia ele chegar a verdades mais importantes do
que aquelas que foram reveladas? Se Urbano VIII estivesse aqui entre nós,
perguntaria quem és tu para questionar as directrizes do aparato? Brecht, na
famosa peça, Galileu Galilei, põe simplesmente como resposta na boca do
florentino: Eppure se muove (…). A verdade da ciência, do saber, do
conhecimento, que se supõe a universidade ensinar, deve subordinar-se à
teologia e ao dogma dos aparatos.
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Terceira questão
sujeitos todos os cidadãos. Transforma-se, assim, a vida social numa farsa, faz-
se de contas que todos os adjetivos eticamente reprováveis e contrários aos
princípios sobre os quais se devia basear a relação entre indivíduos na
sociedade.
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Terceira questão
o caso, o grande jogador do xadrez (como diria Stefan Zweig) mediático que é
Moiane tornou-se um xadrezista dos aparatos. Moiane votou em consciência?
Então a única coisa que podemos fazer é nos congratularmos com ele e tirar o
chapéu sempre que o virmos passar. Isto significaria que existiriam ainda, na
nossa sociedade, resíduos de moralidade, homens e mulheres que pautam por
valores da honestidade.
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ele se ter dirigido a uma entidade não especificada dizendo: eles, nos países
deles, também tiveram oliquarquias e pobreza…
35 L'Afrique a telle besoin d'un programme d'ajustement culturel?, París 1991.
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Por outro lado, o povo pode ter a percepção que, quer a guerra quer a paz
dependem do bom querer desses aparatos-partidos. Mas, ao mesmo tempo, são
esses mesmos que legislam –quer seja legalmente no parlamento, quer
abusivamente na Joaquim Chissano-, que determinam todos os poderes da
soberania do Estado, que governam, etc. Então, o descrédito e o desencanto,
estendem-se automaticamente a todo o governo e a toda a classe politica.
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36 Le Magazine Littéraire: Marx Les raisons de’une renaissance, nr479, Octobre, 2008.
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Sobretudo, ocorre recordar que Marx nunca foi marxista e que sobretudo,
o fim do marxismo tornou Marx filosoficamente frequentável. O que o faz
frequentável e torna a sua análise actual é que cada vez que o capitalismo
atravessa crises económicas, Marx ganha uma nova juventude.
Perante a distribuição desigual dos níveis de vida pelo país, o eles pode
ganhar ainda outras proporções mais preocupantes. O eles pode tornar-se o eles
do Sul (ou das cidades), do Maputo, da Nação. Não é o que se diz nas
províncias? O centro dos aparatos, das instituições do poder da corrupção (a
nova Roma), o centro da riqueza (a nossa Wall-street), o que justificaria que as
províncias, as periferias se levantassem contra esta nova Atenas. Não é o que
insinua Manuel de Araújo, edil de Quelimane, quando diz que “não nos
libertamos (da ditadura) de Maputo para sermos comandados a partir da Beira”?
Mas até onde pode ir esta vontade de emancipação do Maputo-centrismo?
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Maputo. São romanos que se querem fazer valer dos seus genes atenienses para
tirarem benefícios político-económicos.
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Mas esta dinâmica não se limita aos países do bloco comunista. Vimos
recentemente emergir veleidades de separação na Escócia e ainda com mais
força na Catalunha. O que dizem os catalães? Não queremos continuar a ser
comandados por Madrid; exatamente o que diz Manuel de Araújo, o
zambeziano.
Em África, uma coisa que a OUA conseguiu fazer, com relativo sucesso,
foi manter o respeito pelas fronteiras coloniais. Porém, os conflitos dos aparatos
-políticos e religiosos- levaram à divisão do Sudão, com a bênção ou mesmo
com o patrocínio daquilo que, Deus sabe lá porquê, se continua a chamar de
comunidade internacional.
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Assim, a anomalia da nossa democracia não tem a ver com uma qualquer
incompatibilidade cultural, mas com o facto de não entendermos, que os
modelos democráticos são respostas históricas e culturais que as sociedades se
deram num momento determinado da própria história, a fim de responder à
exigência do viver juntos, quer dizer, aglutinando a universalidade da dimensão
axiológica e as particularidades da dimensão institucional.
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o modelo que temos, que não permite uma participação adequada de todas as
massas no processo.
O facto de estudar, saber, tem que nos preparar para não ignorarmos a
maneira como as outras sociedades resolveram os seus problemas. Mas o ponto
de partida, para a elaboração dos nossos modelos políticos e constitucionais são
os imaginários coletivos das pessoas. Disse imaginários coletivos e não culturas
estáticas- aliás estas só existem em alguns maus livros de antropologia,- porque
nelas participam quer as tradições, quer costumes exógenos que, por razões
históricas (colonialismo ou marxismo) foram incorporados no nosso imaginário
coletivo.
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O que faz com que tenhamos que solevar no nosso seio questões éticas, é
exatamente porque as orientações tradicionais da vida perderam a sua
evidência.
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retórica, jogo de aparências sem nenhum fundamento real. Por outro lado, a
felicidade encerra-se no prazer, na riqueza, nas honras públicas, no poder, na
aparência. A questão, no fundo, é como conciliar uma existência que deveria
ser ao mesmo tempo solitária e solidária.
Até pode parecer que estes sistemas de valores são equivalentes. Todos
têm a sua coerência e equilíbrio; então não se pode julgá-los. Ontem metia-se o
acento sobre a comunidade, mas isso parecia em detrimento das liberdades
individuais. Hoje, o acento está no individuo, desta vez, em detrimento da
comunidade. Dado que vivemos em sociedades historicamente situadas, o juízo
sobre a sociedade de ontem (não roubar, servir o povo, respeito pela
comunidade) e a de hoje (individualismo, corrupção…), as apreciações que
façamos apenas reflectem os valores temporais da sociedade. O bom cidadão de
ontem era aquele que se conformava com a filosofia de então, e o que sabe viver
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Se a questão for posta desta maneira, ela desaparece para deixar lugar a
uma crítica e a uma análise científica da moral. O que se pretenderia então, já
não seriam as instituições e as práticas onde se exprimem o génio, a
originalidade ou o espírito do povo, mas as regras e as interdições impostas a
esse mesmo povo, por aqueles que nelas encontram satisfeitos os seus
interesses. A psicologia, a história e a sociologia analisam assim a função
moral, eliminando a questão ética (ou moral). O problema destas disciplinas não
é saber como é que o individuo deve viver, mas estabelecer os factos e as
correlações entre eles.
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seu próprio bem e ainda menos o bem comum; este conhecimento pertence
exclusivamente às elites, que, por isso, têm os requisitos para se apoderarem do
mando e exercê-lo.
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presidentes dos diversos tribunais sejam eleitos pelos seus pares com base na
competência técnica, integridade e probidade comprovados”
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O mundo neocolonial viu que a Africa não conseguia fazer tudo o que
estava ao seu alcance para garantir de facto a liberdade dos povos.
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Se, por si, a ideia de defesa era legítima, o domínio político acabou
confundindo-se com um único partido que via a sua função numa luta não
terminada. Instaurou-se um regime político de comando militar e uma política
de suspeição, onde os serviços de controlo tinham uma grande preponderância.
Nisto, a boa e legítima organização democrática de massas – os chamados
grupos dinamizadores- que permitiam um debate politico em volta de questões
mais localizadas, em analogia a agora grega- confundiram-se, e em alguns
casos, diluiram-se em práticas demagógicas e denúncias arbitrárias, o que
acabou pondo em causa a sua legitimidade e a sua dimensão democrática.
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Tem que se ver também que o que levou aos conflitos recentes, sob
ponto de vista axiológico, foi o não cumprimento de alguns pontos essenciais
dos acordos de paz de 92. Os comentadores têm falado da questão militar e é
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verdade que ela é importante. Quando digo questão militar, refiro-me ao facto
de a Renamo não ter entregue todas as armas e o Estado não ter integrado todos
os membros da Renamo. Refiro-me à questão da despartidarização do Estado e
dos órgãos eleitorais. Porém, penso que, a nível axiológico, o impecilho está
num outro lugar. O parágrafo sete dos acordos de Roma tinha falado do diálogo
contínuo. Eu escrevi algures que esse tem que ser entendido como um contrato
político, o único legitimado e lícito como forma de participação política.
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43 Cabral, Amilcar, A Arma da Teoria : Unidade e Luta, Lisboa, Seara Nova, 1976, p. 36.
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prometem dinheiro ao futebol. Muito bem, mas donde vem o dinheiro? Como é
que se definem as prioridades num país em que milhões de crianças não têm
pão? Mas é exatamente aqui, que a cidadania, enquanto coordenadora dos
deveres e direitos, deveria ter os seus princípios de verificação. É aqui que
deveríamos mudar a relação de submissão em relação de união; na passagem de
subordinados a cidadãos. Em suma, é aqui que a democracia encontra todo o
seu sentido.
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Existe, contudo, um fio que liga todos estes problemas e que justifica que
sejam tomadas em conjunto: este fio é a necessidade de pensarmos um direito,
uma constituição, uma organização dos poderes públicos em adequação à
situação histórica e social que o país atravessa. Ė preciso não mudar um ou
outro artigo da constituição, para acomodações, adequações cosméticas, mas
pensar o substracto jurídico do nosso viver juntos a partir dos cidadãos, do
lugar e momento histórico em que esses cidadãos se encontram, dos problemas
com que estão confrontados, tendo em conta que essa história é pré-colonial, é
também colonial e pós-colonial; é também o Moçambique actual na sua
conjuntura nacional, regional, continental e mundial.
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Bibliografia
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MICHELS, Robert. (1914) Les Partis politiques: Essai sur les tendances
oligarchiques des démocraties, Paris : Flammarion.
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