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Introdução
O presente trabalho versa sobre o tema: A Escola de Chicago (Friedman). Trata-se de uma
doutrina neoliberal do Professor Milton Friedman (1912-2006) que ficou conhecida como
a Escola de Chicago. A obra principal da sua doutrina tem o título de Capitalismo e
Liberdade, publicada originalmente em 1962 e constitui o objecto no nosso estudo.
Com o seu livro Capitalism and Freedom, Friedman pretende examinar como tema
principal o papel do capitalismo competitivo como um sistema de liberdade económica e
condição necessária à liberdade política. Seu tema secundário é o papel que o governo deve
desempenhar numa sociedade dedicada à liberdade e contando principalmente com o
mercado para organizar sua actividade económica.
Como qualquer doutrina, o neoliberalismo surge como resultado de uma oposição. Neste
caso, Friedman, nos Estados Unidos da América, combatia a chamada política de New
Deal(novo acordo) do Presidente F.D.Roosevelt. Essa política de New Deal visava o
controlo sobre bancos e instituições financeiras e económicas;construção de obras de infra-
estrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor;concessão de
subsídios e crédito agrícola a pequenos produtores familiares;criação de Previdência
Social, que estipulou um salário mínimo, além de garantias a idosos, desempregados e
inválidos;incentivo à criação de sindicatos para aumentar o poder de negociação dos
trabalhadores e facilitar a defesa dos novos direitos instituídos.No sector industrial, a
principal medida foi a redução da jornada do trabalho.
Quanto à estrutura, o trabalho está disposto da seguinte maneira: o primeiro ponto trata do
postulado do homem livre num país, o segundo debruça-se sobre as metamorfoses
conceptuais do liberalismo nos Estados Unidos, o terceiro fala das relação entre liberdade
económica e liberdade política, o quarto discute as críticas de Friedman a certas políticas
de intervenção governamental, o quinto debate sobre as limitações do governo numa
sociedade livre à moda Friedmaniana, o sexto desenvolve sobre opapel do governo numa
sociedade livre, seguindo-se a conclusão e a bibliografia.
1. O Postulado do Homem Livre num País
Logo na introdução da sua obra Capitalism and Freedom, Friedman analisa o postulado do
homem livre dentro de um país. Para tal, há duas perguntas fundamentais que um homem
livre pode fazer dentro da sua pátria e que Friedman rejeita a priori.
Por um lado, Friedman diz que o homem livre não perguntará o que sua pátria pode fazer
por ele,pois se trata de umafrase paternalista, a qual implica que o governo seja o protector
e, o cidadão, o tutelado. Ele refuta esta visão que contraria a crença do homem livre em sua
própria responsabilidade com relação a seu próprio destino.
Por outro lado, este homem livre não perguntará o que pode fazer por sua pátria, pois se
trata de uma frase organicista, a qual implica que o governo seja o senhor ou a deidade, e o
cidadão, o servo ou o adorador. Isso não é aceitável em Friedman porque, para o homem
livre, a pátria é o conjunto de indivíduos que a compõem, e não algo acima e além deles.
Friedman analisa a questão da liberdade de forma mais profunda porque ela é para ele
como uma planta rara e delicada porque está sempre ameaçada. Friedman observa que a
história confirmaque a grande ameaça à liberdade está constituída pela concentração do
poder.
Assim sendo, reconhecendo que o governo é também uma ameaça à liberdade, Friedman
levanta a seguinte questão: Como é que o homem se pode beneficiar das vantagens de ter
um governo e, ao mesmo tempo, evitar a ameaça à liberdade? Para responder a esta
questão, Friedman responde através de dois princípios da constituição norte-americana: o
primeiroprincípio diz queo objectivo do governo deve ser limitado. Aqui,a principal função
do governo deve ser a de proteger a liberdade contra os inimigos externos e contra seus
próprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforçar os contractos privados epromover
mercados competitivos.
O segundo princípio afirma que o poder do governo deve ser distribuído. Friedman
comenta dizendo que, seo governo deve exercer poder, é melhor que seja a nível de um
território de conde do que no Estado e, acrescenta declarando que é melhor no Estado do
que em Washington. Em justificação a esta posição, Friedman defende que se ele não
gostar do que a sua comunidade faz em termos de organização escolar ou habitacional,
pode se mudar para outra dentro do mesmo Estado.Mais ainda, se não gostar do que faz o
seu Estado, pode-se mudarpara outro. Porém, o mesmo não ocorreria se não gostasse do
que Washington impõe, pois teria poucas alternativas em encontrar uma semelhante
organização em outra nação.
Assim sendo, para garantir uma liberdade nos moldes friedmanianos é necessário evitar o
fortalecimento do Governo Federal, embora Friedman reconheça que a real dificuldade de
se efectivar esse desejo está na centralização dos proponentes da legislação. Contudo, de
uma coisa Friedman está convicto: “O poder para fazer coisas certas é também poder para
fazer coisas erradas; os que controlam o poder hoje podem nãoser os mesmos de amanhã;
e, ainda mais importante, o que um indivíduo considera bom pode ser considerado mau por
outro” (Ibd., p. 2)
Além disso, Friedman acredita que, sem a defesa da liberdade, o governo substituirá
progresso por estagnação e colocará a mediocridade uniforme em lugar da variedade
essencial para a experimentação que pode trazer os atrasados do amanhã por cima da
média de hoje.
2. Metamorfoses Conceptuais do Liberalismo nos Estados Unidos
O movimento intelectual do século XVIII e princípios do século XIX, que tomou o nome
de liberalismo enfatizava a liberdade como o objectivo último e o indivíduo como a
entidade principal da sociedade.
No primeiro capítulo da sua obra Capitalismo e Liberdade, Friedman defende a tese de que
é ilusório pensar que política e economia constituem territórios separados, apresentando
pouquíssimas inter-relações; que a liberdade individual é um problema político e o bem-
estar material, um problema económico; e que qualquer tipo de organização política pode
ser combinado com qualquer tipo de organização económica.
Ao invés disso, Friedman advoga que existe uma relação íntima entre economia e política;
que somente determinadas combinações de organizações económicas e políticas são
possíveis; e que, em particular, uma sociedade socialista não pode também ser
democrática, no sentido de garantir a liberdade individual.
Entretanto, para se definir com clareza as conexões lógicas entre liberdade económica e
liberdade política, Friedmanelege o mercado como sendo um componente directo da
liberdade e relaciona de forma indirecta entre organização do mercado e liberdade política.
A consequência desta relação coloca o esquema da organização económicacomo sendo o
ideal para uma sociedade livre.
Assim, Friedman conclui que, o objectivo mais importante dos liberais é deixar os
problemas éticos a cargo do próprio indivíduo. Ou seja, há, por um lado, valores relevantes
para o indivíduo no exercício de sua liberdade, que constituem o território da filosofia e da
ética individual, sem cair no absolutismo de Thomas Hobbes, segundo o qual “um homem
livre é aqueleque, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é
impedido de fazer o que temvontade de fazer” (HOBBES, 2008: 73). Por outro lado, há
valores que são relevantes para as relações interpessoais, que constituem o contexto em
que estabelece prioridade à liberdade.
Thomas Hobbes não tem dúvida de que a liberdade deve supor-se na democracia porque,
segundo ele, é geralmente reconhecido que ninguém é livre em qualquer outra forma de
governo (HOBBES, 2008: 75). Hobbes afirma que quando alguém transfere seu direito, ou
a ele renuncia, fá-lo em consideração a outro direito que reciprocamente lhe foi transferido,
ou a qualquer outro bem que daí espera.
Aqui, Friedmanaponta especificamente as áreas que não podem ser tratadas em termos de
mercado ou que só podem sê-lo a um tão alto custo que o uso dos canais políticos se torna
mais conveniente.
Para Friedman, o primeiro papel do governo é ser legislador e árbitro, pois uma boa
sociedade exige que seus membros concordem com as condições gerais que presidam as
relações entre eles. Para tal, é necessário dispor de condições para que se possa garantir o
cumprimento das regras comumente aceites. Tal como num bom jogo se exige que os
jogadores aceitem tanto as regras quanto o árbitro encarregado de interpretá-lase de aplicá-
las.
E, quando as liberdades dos homens entram em conflito, deve-se limitar a liberdade de uns
para preservar a liberdade de outros. É aqui onde o governodeve entrar como árbitro para
encontrar a forma de resolver os conflitos entre as liberdades dos diversos indivíduos, bem
ainda, manter a lei e a ordem de modo a evitar a coerção de um indivíduo por outro;
arbitrar a execução de contractos voluntariamente estabelecidos; definir o significado de
direitos de propriedade, bem como a sua interpretação e a sua execução e, por último,
fornecer a estrutura monetária
Outro papel que Friedman atribui ao governo tem a ver com o seu envolvimento em
actividades para evitar monopólio que implica a ausência de alternativas e que inibe a
liberdade efectiva da troca. No que diz respeito ao monopólio Friedman adverte que, o
mesmo se origina através de apoio do governo ou de acordos conspiratórios, embora possa
também surgir por ser tecnicamente eficiente e haver um só produtor ou uma só empresa.
Como solução, Friedman diz que é preciso evitar o favorecimento de monopólios pelo
governo ou estimular a aplicação de regras como as que, nos Estados Unidos fazem parte
de leis antitruste (incluem leis que limitam a concorrência e o Código do Consumidor).
Para além de monopólios, o governo deve evitar os efeitos laterais. O exemplo óbvio que
Friedman aponta é a poluição de um rio. Segundo ele, o homem que polui um rio está
forçando os outros a trocarem água boa por água má. Porém, os outros indivíduos não
podem fazer a troca por um preço, porque a água já está poluída. Neste caso o governo
deve intervir porque ninguém pode conseguir agir individualmente.
No que se refere ao paternalismo, Friedman é totalmente contra, razão pela qual afirma que
a liberdade é um objectivo válido apenas para os indivíduos responsáveis. Friedman exclui
a liberdade em crianças e insanos (insensatos ou dementes). Apesar disso, Friedman
reconhece que o paternalismo é inevitável para os irresponsáveis: por um lado, embora se
pretenda evitar que os insanos desfrutem de liberdade, por outro lado, não se pode permitir
que sejam eliminados. Por esta razão, Friedman não encontra outra alternativa, senão que
sejam cuidados pelo governo.
Quanto às crianças Friedman acha que esse é o caso mais difícil porque, apesar de serem
irresponsáveis, elas são indivíduos responsáveis em potência, e quem acredita em liberdade
acreditaria em proteger seus direitos últimos.
O que mais preocupa Friedman no paternalismo é a ideia de que alguns podem decidir por
outros, embora ele reconheça que não seja possível evitar o uso de algumas medidas
paternalistas para os casos de insanos e crianças acima mencionados.
Friedman propõe um governo com uma série de limitações nas suas funções à luz de um
conjunto de actividades, que eram desenvolvidas pelos Governos Federal e Estadual nos
Estados Unidos e pelos órgãos equivalentes em outros países do hemisfério ocidental.
A partir do capítulo III até ao capítulo XII, Friedman faz uma análise detalhada de algumas
dasactividades referidas no quarto ponto deste trabalho. Nesses capítulos, Friedman
pretende demonstrar o papel que o liberal atribui ao governo. Contudo, ele reprova
algumas das actividades desempenhadas pelo Governo dos Estados Unidos e que não
podem ser validamente justificadas em termos dos princípios acima apresentados. Essas
actividades reprovadas pelo liberal à moda friedmanianasão:
5.Salários mínimos legais ou preços máximos legais, como o máximo legal de zero na taxa
de juros que pode ser paga para depósitos por bancos comerciais ou as taxas máximas
legalmente estabelecidas que podem ser nagas nos depósitos de poupança e depósitos a
prazo.
6.Regulação detalhada de indústrias, como a regulação de transporte Dela Interstate
Commerce Commission. O fato tinha alguma justificação em termos de monopólio técnico
quando inicialmente introduzido para estradas de ferro; não tem nenhuma agora para
qualquer tipo de transporte. Outro exemplo é aregulamentação-detalhe da actividade
bancária.
7.Um exemplo semelhante, mas que merece menção especial devido ã sua censura
implícita e violação de palavra, é o controlo do rádio e televisão pela Federal
CommunicationsCommission.
11.A convocação de homens para serviço militar em tempo de paz. A prática apropriada ao
mercado livre seria a organização de uma força militar voluntária, ou seja, empregar
homens para servir. Não há justificação para que não se pague o preço necessário à
obtenção do número conveniente de homens. A organização actual é injusta e arbitrária,
interfere seriamente com a liberdade dos jovens para planejar suas vidas e é,
provavelmente, mais cara do que a alternativa do mercado. (O treinamento militar
universal, a fim de criar uma reserva para o tempo de guerra, é um problema diferente e
pode ser justificado em termos liberais.)
14.A cobrança pública do pedágio nas estradas, comentada acima. Essa lista está longe de
ser completa. (FRIEDMAN, 1962:18s).
Todos esses itens devem merecer abstenção por parte do Governo Federal, na forma do
liberalismo que Friedman pretende advogar. Contudo, Friedman adverte que não há
nenhuma fórmula que nos ensine onde parar de modo a se alcançar a liberdade que se
pretende. Por isso, ele aconselha que é necessário ter em conta o julgamento falível dos
homens, colocar a fé de que os consensos se alcançam por homens imperfeitos e
preconceituososatravés de discussão e do ensaio e erro.
Entretanto, embora Friedman reconheça que o Federal Reserve Banks demonstrou ter a
capacidade de atender enormes demandas de dinheiro durante uma crise do sistema
monetário, ele parafraseia Clemenceau dizendo que dinheiro é coisa importante demais
para ser deixado aos banqueiros centrais.
O único meio já sugerido e que parece promissor é tentar estabelecer um governo de lei,
em vez de um governo de homens, por meio da legislação de normas para a direcção da
política monetária, a qual teria o efeito de permitir ao público exercer o controlo da política
monetária por meio das autoridades políticas e, ao mesmo tempo, evitaria que a política
monetária fosse vítima dos caprichos das autoridades políticas (Ibd., p. 27).
Neste sentido, está em causa a relação entre as diversas moedas nacionais tendo em vista
os termos e condições sob os quais os indivíduos podem converter as suas moedas com as
estrangeiras.Em resumo, para se resolver o problema, Friedman propõe umsistema de taxas
de câmbio livremente flutuantes, determinadas no mercado por transacções privadas sem a
intervenção governamental, onde o preço do ouro deixe de ser fixado pelos Estados
Unidos, evitar a especulação cambial e liquidar estoques de ouro do governo de modo
progressivo.
Depois, surgiu a política de que, “quando os investimentos privados declinam por qualquer
razão, os investimentos do governo devem aumentar para manter estáveis os investimentos
totais; por outro lado, quando os investimentos privados aumentam, os do governo devem
baixar.”(Ibd., p. 39).
Friedman rebata dizendo que, o grande prejuízo dessa política de equilíbrio não consistiu
apenas em ser incapaz de combater a retracção, nem de ter introduzido uma inclinação
inflacionária, mas sobretudo em ter estimulado a expansão contínua das actividades
governamentais em nível federal e impedindo uma redução da carga de taxas federais.
A proposta de solução de Friedman sobre o problema da política fiscal consiste no
seguinte:
Friedman diz que essa intervenção governamental no campo da educação tem efeitos
laterais (imposição de custos a outros indivíduos sem compensação) e paternalismo. Por
isso que, as actividades do governo estão em grande parte limitadas à instrução em
detrimento da educação que é o papel de interesse do governo.
O principal problema que Friedman levanta é o seguinte: “como impedir que o plano se
torne um futebol político e acabe por passar de um projecto autofinanciador para um
instrumento, de subvenção da educação profissional” (Ibd., p. 56).
Ele levanta esse problema porque, embora as escolas públicas sejam necessárias à educação
como uma força unificadora, o que se verifica é que, as escolas privadas tendem a
exacerbar as diferenças de classe pois, com a liberdade de escolha de escolas, os pais de
uma certa classe podem reunir-se e impedira integração de crianças de outras classes
sociais limitando, assim, o convívio dessas crianças emdiferentes ambientes.
Embora o governo tenha nacionalizado as escolas para impor padrões mínimos às escolas
particulares de modo a garantir a estabilidade social, com o crescimento das áreas urbana e
suburbana, a situação mudou drasticamente e sistema actual de educação, já não iguala as
oportunidades e, até pode estar fazendo o contrário. Por esta razão, Friedman propõe como
solução a desnacionalização da educação pois, as melhores escolas públicas estão situadas
nos bairros ou quarteirões de renda alta o que dificulta o acesso dos alunos que moram em
outros bairros distantes.
Além desses pontos acima descriminados sobre os quais Friedmancritica certas políticas de
intervenção governamental, nos capítulos subsequentes, ele trata do capitalismo e
discriminação, do monopólio e a responsabilidade social do capital e do trabalho, do
licenciamento ocupacional, da distribuição da renda, das medidas para o bem-estar social e
do problema da pobreza. Embora também relevantes, não serão analisados neste trabalho
por questões metodológicas.
Conclusão
Friedman posiciona-se como um liberal revolucionário que quer ver o governo a abdicar de
alguns poderes em favor das liberdades individuais. Isto é, o governo deve ser o
instrumento por meio do qual os indivíduos possam exercer a sua liberdade.
Para o efeito, e em defesa da liberdade, Friedman defende, por um lado, que o objectivo do
governo deve ser limitado, protegendo a liberdade contra os inimigos tanto internos como
externos, preservar a lei e a ordem; reforçar os contractos privados e promover mercados
competitivos. Por outro lado, o poder do governo deve ser distribuído. Ou seja, promover a
descentralização do poder.
Um outro aspecto que Friedman analisa, é a relação existente entre a economia e a política.
Para ele, essas duas áreas têm uma relação estreita diferentemente daqueles que as
considera totalmente distintas. Friedman acrescenta afirmando que liberdade económica
não só constitui um fim em si própria, como também constitui um instrumento
indispensável para a obtenção da liberdade política.
Assim, tal como ficou patente acima, o governo deve intervir apenas para legislar e
determinar as regras do jogo como árbitro de um jogo cuja função é interpretar e pôr em
vigor as regras estabelecidas. Enquanto isso, Friedman encarrega os problemas éticos ao
próprio indivíduo, concretamente, os valores relevantes para o exercício de sua liberdade
(que constituem o assunto da filosofia e da ética individual) e osvalores que são relevantes
para as relações interpessoais (que constituem o contexto sociocultural).
Foi também referenciado que, compete também ao governo encontrar formas de resolver
os conflitos entre as liberdades dos diversos indivíduos, bem ainda, manter a lei e a ordem
de modo a evitar a coerção de um indivíduo por outro.
Entretanto, partindo da experiência dos Estados Unidos, há uma série de actividades que o
governo realiza e que Friedman, é totalmente contra, nomeadamente o favorecimento de
monopólios e o paternalismo. Neste último aspecto, Friedman tolera apenas em relação às
crianças e aos insanos (insensatos ou dementes). Só a estes, Friedman reconhece-lhes o
paternalismo porque os considera irresponsáveis.
Em suma, o liberal à moda friedmaniana não é aquele que espera que a sua pátria, através
do governo faça algo por ele, e nem que ele sozinho faça algo por sua pátria. Friedman
quer que os anseios de cada indivíduo sejam congregados por meio do governo para
alcançarem em conjunto os seus propósitos e objectivos. Ou seja, nem o privado deve agir
de forma isolada, sob pena de não respeitar as liberdades dos outros, e nem o governo deve
tomar o papel do privado ou do indivíduo sob pena de cair no paternalismo.
Bibliografia
INTRODUÇÃO
Oprincipal objectivo da criação do Banco Mundial e do FMI foi ode sustentar a ordem
económica e financeira mundial depois da II Guerra Mundial. Os países
consignatáriosacreditavam que tal estrutura era necessária para evitar uma repetição das
políticas económicas desastrosas que contribuíram para a Grande Depressão da década de
1930, onde os países, tentaram assegurar as suas economias em crise, aumentando as
barreiras ao comércio exterior, desvalorizando suas moedas para competir uns contra os
outros no mercado de exportação, e restringir a liberdade dos seus cidadãos para segurar a
taxa do câmbio.
Por isso, surgem oBanco Mundial e o FMI que, apesar de serem organismos que trabalham
de modo complementar e terem sido criados juntos, há alguns traços significativos que os
diferenciam, tanto a nível de estatutos, como de programas. Nos estatutos, por exemplo,
tem sido costume que a presidência do Banco Mundial e do FMI seja dividida entre os
Estados Unidos da América e a Europa respectivamente.
A nível dos programas o Banco Mundial tem por objectivo dar alta prioridade ao
desenvolvimento social e humano sustentável, fortalecer a gestão económica, colocar uma
ênfase na inclusão governativa e fortalecer as instituições. Além disso, o Banco Mundial
ajuda a construir consensosno seio da comunidade internacionalem torno da ideia de que
os países em desenvolvimento devem assumir a liderança na criação de suas estratégias
próprias para a redução da pobreza. Compete também ao Banco Mundial ajudar os países a
implementar os Objectivos do Milénio (ODM) que as Nações Unidas (ONU) e a
comunidade internacional procuram alcançar até 2015.
Em última análise, o FMI tem como objectivos garantir a estabilidade da taxa de câmbio e
um sistema aberto de pagamentos internacionais; facilitar o crescimento do comércio
internacional, promovendo, assim, a criação de empregos, o crescimento económico e a
redução da pobreza; e emprestar fundos aos países, quando necessário, de forma
temporária e sob salvaguardas adequadas, para ajudá-los a lidar com problemas de balança
de pagamentos. (cf. INTERNATION MONETARY FUND, 2014)
Neste capítulo será feito o estudo sobre o Banco Mundial em termos da sua composição
interna. A sua dimensão mundial exige desta instituição financeira uma maior intervenção
para resolver, de forma definitiva, os problemas que grassam muitos povos. Por isso, é
importante conhecer a sua estrutura funcional e as suas estratégias face aos seus clientes.
O Banco Mundial propriamente dito divide o seu trabalho entre o Banco Internacional para
Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), que auxilia na renda média a países pobres
dignos de crédito, e a Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), que se
concentra exclusivamente nos países mais pobres do mundo. As duas instituições
pertencem ao Banco Mundial e nelas ele se divide.
Trabalhando, tanto através do BIRD, assim como da AID, o Banco usa os seus recursos
financeiros, pessoalhábil, e uma extensa base de conhecimento para ajudar cada país rumo
ao desenvolvimento e alcançar um crescimento económico estável, sustentável e
equitativo. O BIRD ea AID compartilham a mesma equipe e a mesma sede. Além disso,
apresentam relatóriosà mesma administração, e usam as mesmas normas quanto à
avaliação de projectos.(Cf. WORLDBANK, 2007:11).
Na sua obra Guide to the World Bank, o Banco Mundial ressalva que, em contacto com
todos os seus clientes, enfatiza a necessidade deinvestir nas pessoas, nomeadamente
através de saúde e educação básicas; ter o foco no desenvolvimento social,
governaçãoinclusiva, e construção deinstituições como elementos-chave da redução da
pobreza; ter a capacidade de fortalecimento dos governos para prestar serviços de
qualidade de forma eficientee transparente; proteger o meio ambiente; apoiar e incentivar o
desenvolvimento de empresas privadas, promover reformas para criar um ambiente
macroeconómico estável que é propício ao investimento e planearactividades de longo
prazo.
Além do Banco Mundial, existe o chamado Grupo Banco Mundial. Este último organismo
é composto por cinco instituições integrando o BIRD e a AID (constituintes do Banco
Mundial acima mencionados). A lista fica completa com instituições como a Corporação
Financeira internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
(AMGI) e o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
(CIADI).
Tal como foi dito acima, o Banco Mundial propriamente dito, trabalha com o BIRD e a
IDA, razão pela qual, estas duas instituições merecerão uma análise especial.
Na sua obra Guide to the World Bank, o Banco Mundial anota que O Banco Internacional
de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) é a instituição original do Banco Mundial,
fundada em 1944 e constitui a fonte dos empréstimos para os quais o Grupo do Banco é
mais conhecido.
Nessa mesma obra, revela-se que, quando as pessoas falam de Banco Mundial querem
referir-se principalmente ao BIRD. Este tem a maior associação de países, a missão mais
ampla, eo maiornúmero de funcionários no Grupo do Banco, tanto na sede como nos
escritórios em todo o mundo.
Assim, na génese da sua criação, a primeira tarefa do BIRD era (de) ajudar a Europa a
recuperar dos efeitos da II Guerra Mundial. Hoje BIRD desempenha um papel importante
na redução da pobreza, fornecendo empréstimos, garantias e serviços analíticos e
consultivosaos países com renda média e países mais pobrescom renda baixa. Além disso,
o BIRD fornece a esses países clientes com acesso ao capital em termos de volumes
maiores, com prazos mais longos, e de uma forma mais sustentável.
Além disso, o BIRD cria um clima de investimento favorável para catalisar o fornecimento
de capital privado e fornece apoio financeiro (sob a forma de subsídios disponibilizados a
partir de receita líquida do BIRD) em áreas que são fundamentais para o bem-estar das
pessoas pobres em todos os países.(Cf. WORLDBANK, 2007:12/3)
2005
1.1.2 A Associação Internacional de Desenvolvimento
Porém, para incutir à IDA a disciplina de um banco, estes países concordaram que a IDA
devia ser parte do Banco Mundial, tendo começado a operar em 1960.Desde então, a “IDA
ajuda os países mais pobres do mundo a reduzir a pobreza, fornecendo créditos e
subvenções. “Os créditos são empréstimos a juro zero com um período de carência de 10
anos antes do reembolso do capital; começa com os vencimentos de 20, 35, ou 40 anos.”
(WORLDBANK, 2007:17).
Essa forma de dar créditos é conhecida como empréstimos concessionários (sob condições
favoráveis). Os créditos da AID têm a finalidade de construir o capital humano, as políticas
de governação, instituições e infra-estrutura física que esses países precisam,de forma
urgente,para atingir crescimentosustentável.
A IDA também tem a finalidade demelhorar o acesso à educação primária, saúde básica,
água potável e seu abastecimento e saneamento,elevando o nível económico e a
produtividade das pessoas.
Quanto ao financiamento, os fundos daIDA vêm das contribuições dos governos de Alta
Renda dos países membros, os quais se reúnem a cada três anos para reconstituir os fundos
da IDA. Outros fundos adicionais vêm de reembolsos de empréstimos anteriores da AID e
da renda líquida do BIRD.
Assim, desde 1960 atém 2006, a AID emprestou 170.000 milhões dólares para 108 países,
com uma média de crescimento anual de cerca de 9,1 biliões de dólares Norte-americanos.
Porém, Cristiano Amaral GarbogginiGiorgi assegura que o Banco Mundial tem exigido
reformaseconómicas profundas, que implicam redução das funções do Estado, um novo
modelo de acumulação, abertura de mercado, privatização e inserção aberta e competitiva
no mercadomundial.
O mesmo autor acrescenta que, étambém facto que essesorganismos têm insistido que um
dos pontos-chavepara esta inserção aberta e competitiva é areforma dos sistemas
educacionais da região.
Na sua obra Guide to theWorldBank, o Banco Mundial reconhece que, “nos últimos anos,
o executivo de directores ressaltou a pertinência destas prioridades, tendoreafirmado a
necessidade de selectividade no trabalho do Grupo Banco Mundial, e chamadopara uma
maior colaboração com os parceiros de desenvolvimento.” (WORLDBANK, 2007:49)
Porém, as estratégias do Banco Mundial revelam-se sempre opacas. Segundo Silva etall, a
partir dos meados da década de 1950 até o início dos anos 1970, o perfil de 70%
dosprogramas de empréstimo do Banco Mundial era voltado às políticas de
industrialização dospaíses do Terceiro Mundo, visando sua inserção, ainda que
subordinada, no sistemacomercial internacional. “A tese central que regia essa orientação
era a de que a pobrezadesapareceria como consequência do crescimento económico desses
países.” (SILVA etall, 2004:8). Porém, esse facto não aconteceu.
Além disso, o Banco Mundial recorre a técnicas demensuração da pobreza que visam
definir as carências através dos indicadores que incluem a alimentação, saúde, educação e
habitação. Assim, na óptica de Elsa Sousa Kraychete, esse nível de carências define as
políticas orientadas para cada grupo específico, cujo objectivo é diferenciar o modo de
aplicação da modalidade de financiamento entre os países.
Assim, os mais pobres são atendidos por políticas de carácter compensatório e os demais
por políticas orientadas pelo mercado. “Enquanto as políticascompensatórias devem agir
em favor do fortalecimento das capacidades individuais, com opropósito de fortalecer os
indivíduos, (…) as políticas orientadas para o grupo dos pobres, sustentam-senos valores
expressos no empreendedorismo competitivo” (KRAYCHETE, 2005:22).
CAPÍTULO II – O FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL
Neste capítulo, será feito o estudo da constituição do Fundo Monetário Internacional.
Tratando-se de uma instituição financeira cuja intervenção possui metas a curto prazo,
precisa dotar-se de políticas que encorajem os diferentes países pobres e suas instituições a
encontrarem solução para a sua crise orçamental e financeira. Por isso, interessam aspectos
tais como a constituição interna do FMI, o modo como lida com as Crises e empréstimos, e
a sua política cambial.
De acordo com o seu relatório anual de 2013, o FMI afirma que todos os países membros
do FMI são representados em seu Conselho Executivo, que discutem as consequências
nacionais, regionais e globais de políticas económicas de cada membro. Este relatório
anual abrange as actividades da Direcção Executiva,da gestão do FMI e do pessoal durante
o exercício de 01 de Maio de 2012, até 30 de Abril de 2013.
A sede do FMI está em Washington e tem também escritórios em todo o mundo. Os corpos
técnicos do FMI e do Banco Mundial trabalham em estreita colaboraçãosobre questões de
assistência e políticas do país que são relevantes para ambos. Actualmente, o FMI é
dirigido pela francesa Christine Lagarde como Directora-gerente. Ela é a Ex Ministra de
Finanças da Françaquesubstituiu o também francês Dominique Strauss-Kahn, afastado do
cargo por causa de escândalo sexual.
O FMI faz a avaliação sobre a situação política eeconómica geral de um país e fornece
dados ao Banco Mundial para avaliação deprojectos de desenvolvimento ou reformas. Da
mesma forma, “osconselhos doBanco Mundial sobre reformas estruturais e sectoriais são
levados em conta pelo FMI em sua assessoria política.”(INTERNATIONAL MONETARY
FUND, 2013:42).
Desde a sua criação, o GAB foi activado 10 vezes. A proposta de solicitaçãodo GAB pode
ser feita, sóquando uma proposta para o estabelecimento de um período de activação sob o
NAB não é aceito pelos participantes do NAB. Isto é, o GAB funciona apenas para
créditos já concedidos. Para quem entra no sistema pela primeira vez, deve ser por meio do
NAB.
2.1.2 Novo Acordo para o Empréstimo
Uma vez activado,o NAB pode fornecer até 366.500.000.000 SDR(EUA $553.000
milhões dólares)em recursos suplementares.O NABrevisto entrou em vigor em Março de
2011, e foiactivado pela primeira vez em Abrildo mesmo ano. Desde de então, oNAB foi
activado duas vezes.
Auditoria externa é feita por três membros seleccionados pelo Conselho Executivo e
nomeados pelo Director-Geral. Os Membros trabalham durante três anos com base em
termos independentes do FMI. “Eles são escolhidos entre diferentes países membros e
devem possuir aexperiência e qualificações necessárias para realizar a supervisão da
auditoria anual. Normalmente, os membros da EAC tem uma experiência significativa em
empresas internacionais de contabilidade pública, o sector público, ou academia.”
(INTERNATIONALMONETARYFUND, 2013:59).
O folheto do FMI sobre as condições de empréstimo em caso de passar uma crise começa
por dizer o seguinte: “As crises económicas e financeiras podem assumir muitas formas. O
FMI ajuda os países atingidos por crises, proporcionando-lhes apoio financeiro para criar
espaço para respirar, pois implementa políticas correctivas para restaurar a estabilidade
económica e crescimento, e também por fornecer financiamento de precaução para evitar
crises.” (INTERNATIONMONETARYFUND, 2013:1)
Assim, o empréstimo pode ser solicitado quando um país membro enfrenta uma situação
excepcional que ameaça a sua estabilidade financeira. Quando isso ocorre,torna-se
necessário dar uma resposta rápida não só para conter os danos ao país, mas também ao
sistema monetário internacional em geral.
Os empréstimos do FMI têm por objectivo dar aos países espaço para respirar de modo a
implementar políticas de ajuste e reformas que permitirão restaurar as condições para um
crescimento forte e sustentável. O dinheiro emprestado do FMI deve também ser aplicado
para criar emprego e investir em áreas sociais.
As políticas do FMI variam dependendo das circunstâncias de cada país. Se, por exemplo,
um país enfrenta uma queda brusca no preço das exportações, pode simplesmente precisar
de ajuda financeira para aliviar a dor de ajuste pararecuperaros preços. Porém, um outro
país pode sofrer uma crise que o leva à perda de confiança dos investidores. Assim, para
resolver os problemas, poderá talvez precisar de taxas de juros muito baixos. Neste último
exemplo,ocorre porque o défice orçamental e a dívida crescem muito rápido, ou
entãoporque o sistema bancário é ineficiente ou mal regulado.
Para responder à crescente onda de crises, o FMI reforçou a sua capacidade de prevenir
crises introduzindo as chamadas Linha Flexível de Créditos (FCL) e a Linha de Precaução
e de Liquidez (PLL).
Essas medidas vêm incrementar as políticas dos dois sectores constituintes do FMI, o
Acordo General para o Empréstimo – GAB e o Novo Acordopara o Empréstimo – NAB,
onde a elegibilidade segue critérios muitos mais rígidos e, consequentemente, morosos. É
preciso, porém reconhecer que, o acto de emprestar dinheiro requer acordos e
compromissos.
O objectivodo FMI na política cambial é manter uma taxa de câmbio competitiva. Essa
premissa não implica necessariamente que a sobrevalorização deva ser corrigida pela
depreciação da moeda. Há duas possibilidades para corrigir sobrevalorização da taxa de
câmbios. Por um lado, ela pode ser reduzida pela depreciação da moeda e por outro lado,
pela redução de preços. (Cf. INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2001:572).
Por vezes, o FMI recomenda taxas de câmbio flutuantes, no contexto de suas actividades
de vigilância. Contudo, alguns países que pedem empréstimo ao FMInão conseguem
atingir a estabilidade da taxa de câmbio em um regime de taxa flutuante porque, muitas
vezes, falta-lhes a solidez institucional e política macroeconómica que é uma força
necessária para a estabilidade da moeda.
CAPÍTULO III – CRÍTICAAO BANCO MUNDIAL E AO FMI
As críticas aqui apresentadas são resultantes das vozes externas que querem ver o FMI
agindo dentro de uma política que salvaguarde os interesses socioculturais dos povos e não
aqueles meramente políticos que podem atropelar os valores morais das sociedades.
A crítica mais dura vem de Éric Toussaint, Presidente do Comité para a Anulação da
Dívida do Terceiro Mundo (CADTM). Ele é conhecido como um crítico do Banco
Mundial e do FMI. Toussaint escreveu um artigo intitulado FMI e Banco Mundial: a hora
do balanço(2013). Nele, coloca 30 críticas a estes dois organismos, das quais serão
destacadas as mais sugestivas.
Outra crítica pesada de Toussaint dirigida ao Banco Mundial e do FMIfaz notar que, apesar
de terem detectado desvios em grande escala, o BM e o FMI mantiveram ou mesmo
aumentaram a concessão de empréstimos a regimes corruptos e ditatoriais, aliados das
potências ocidentais (ver o caso emblemático do Congo-Zaire de Mobutu após o relatório
Blumenthal em 1982).
Além disso, Toussaint denuncia que o Banco Mundial e o FMI sabotaram as experiências
democráticas e progressistas de Jacobo Arbenz na Guatemala e de Mohammad
Mossadeghno Irão entre 1953 e 1954. Esta acção ocorreu também para João Goulart no
Brasil, no início dos anos sessenta, para os sandinistas (partidários da Frente Sandinista de
Libertação Nacional) na Nicarágua na década de oitenta, e para Salvador Allende no Chile,
entre 1970 e 1973, entre outras sabotagens.
A outra crítica de Toussaint ainda mais pertinente e penosa faz saber que o Banco Mundial
e o FMI exigiram aos países que alcançaram a independência, em finais dos anos
cinquenta, inícios dos anos sessenta, que pagassem as dívidas odiosas contraídas pelas
antigas potências coloniais para os colonizarem. O exemplo que Toussaint traz foi o caso
da dívida colonial contraída pela Bélgica junto do Banco Mundial com o objectivo de
completar a colonização do Congo na década de cinquenta. Toussaint recorda que esse tipo
de transferências, de dívidas coloniais, é proibido pelo direito internacional.
A denúncia ainda mais flagrante apresentada por Toussaint é a de que, nos anos sessenta, o
Banco Mundial e o FMI apoiaram financeiramente países como a África do Sul e o
apartheid, e Portugal que mantinha sob o seu jugo as colónias em África e no Pacífico,
numa altura em que ambos os países eram objecto de um boicote financeiro internacional
imposto pela ONU.
De uma forma geral, Toussaint constata que, o Banco Mundial e o FMI promoveram a
liberalização das trocas comerciais que reforçou os poderosos e marginalizou os mais
frágeis. A maioria dos pequenos e médios produtores dos países em desenvolvimento não
tinha uma estrutura capaz de resistir à concorrência das grandes empresas, quer do Norte
quer do Sul.
Toussaint critica também o uso uniforme de modelos quando a crise atingiu a União
Europeia, onde o FMI surgiu, na primeira linha, a impor aos povos grego, português,
irlandês, cipriota, entre outros, políticas que já tinham sido impostas aos povos dos países
em desenvolvimento da Europa Central e da Europa de Leste, nos anos noventa.
A crítica da filósofa Marilena Chauí deixa ainda qualquer um de boca aberta. Segundo ela
os países mais fortes do bloco capitalista criaram outras medidas para controlar suas
"colónias", como o Banco Mundial para o Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário
Internacional (FMI), os quais fizeram enormes empréstimos financeiros para investir em
serviços sociais de seus interesses e em empresas estatais. (cf. CHAUÍ apud FERRAZ,
2004).
Ainda Chauí prossegue afirmando que, com requintados serviços de espionagem e uma
fortíssima força bélica, esses países ofereciam apoio e inteligência militar para reprimir
revoltas populares e revoluções, o que estimulou a proliferação de ditaduras e regimes
autoritários.
CONCLUSÃO
Durante o trabalho ficou patente que tanto o Banco Mundial assim como o FMI são duas
instituições financeiras voltadas para sustentar a ordem económica e financeira mundial
depois da II Guerra Mundial. Contudo, apesar de terem sido criados juntos e em mesmas
circunstâncias, o Banco Mundial e o FMI têm diferenças evidentes quanto à aplicação das
suas políticas.
Além disso, o Banco Mundial tem objectivos macroeconómicos a longo prazo enquanto o
FMI persegue objectivos macroeconómicos de curto prazo resultantes das políticas fiscais,
monetária e cambial.
Quanto à sua composição interna, também percebeu-se que, as duas instituições têm
estruturas internas específicas. O Banco Mundial, por um lado, é composto por duas
instituições dentro dela que são o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD) que auxilia na renda média a países pobres dignos de crédito, e a
Associação Internacional de Desenvolvimento (IDA), que se concentra exclusivamente em
países mais pobres do mundo.
Tanto o BIRD assim como a AID têm pessoalhábil, recursos financeirose uma base de
conhecimento para ajudar cada país a alcançar o desenvolvimento e o crescimento
económico estável, sustentável e equitativo.Estas duas instituições compartilham a mesma
equipe e têm a mesma sede em Washington, nos Estados Unidos da América. Os seus
relatórios são apresentados tambémà mesma administração, e usam as mesmas normas
quanto à avaliação de projectos.
Em suma, o Banco Mundial trabalha com os seus parceiros para alcançarem oequilíbrio
orçamental, a abertura comercial, a liberalização financeira, a desregulamentação do
mercado doméstico, a privatização das empresas e serviços públicos, a reforma tributária, a
reforma previdenciária, com incentivo a formas de previdência privada e a flexibilização
da legislaçãotrabalhista.
Por outro lado, o FMI é também constituído pordois organismos de linhas de crédito, o
General Arrangements to Borrow (Acordo General para o Empréstimo) – GAB criado em
1962 e o New Arrangements to Borrow (Novo Acordopara o Empréstimo) – NAB criado
em 1998. Enquanto o GAB permite ao FMI emprestar quantidades especificadas demoedas
de 11 economias avançadas ou seus bancos centrais, o NAB é um conjunto de acordos de
crédito entre o FMI e 38 países membros e 84 instituições, incluindo um número de
economias de mercados emergentes.
Em suma, o GAB funciona apenas para créditos já concedidos e o NAB é usado para quem
entra no sistema pela primeira vez. Além disso, o FMI tem a missão de ajudar os países
atingidos através de apoio financeiro para implementar políticas correctivas de modo a
restaurar a estabilidade e o crescimentoeconómica. O FMI também fornece financiamento
de precaução para evitar crises.
Pode-se recordar uma das críticas de Toussaint que afirma que, o Banco Mundial e o FMI
esmagaram a soberania dos Estados, violando flagrantemente o direito dos povos à
autodeterminação, devido às condições que impuseram.
Isso significa que o Banco Mundial e o FMI podem estar a remar em direcção oposta aos
seus objectivos: empobrecendo cada vez mais as populações ao invés do prometido
desenvolvimento, aumentando as desigualdades no lugar da promessa de desenvolvimento
equitativo e favorecendo os credores e investidores estrangeiros, ao invés de beneficiar os
cidadãos nacionais.
WORLD BANK.Guide to the World Bank.2nd ed. The International Bank for
Reconstruction and Development / The World Bank, Washington, 2007.
O Liberalismo na Perspectiva Amartya Sen
Introdução
Em jeito de conclusão apresentarei uma síntese em volta dos assuntos por mim reflectidos
e tidos como os mais importantes dentro desta abordagem e, por isso, merecedores de uma
especial atenção.
Sem escreveu mais de 30 obras, traduzidas em mais de 10 línguas nos últimos 40 anos e,
entre elas, destacam-se as seguintes:Sobre a Desigualdade económica (1979),Pobres e
Fome: Um ensaio sobre direito e privação (1981),Bem-estar, Justiça e Mercado (1997)
Sobre a Ética e a Economia (1999), Desenvolvimento como Liberdade (2000),O Nível de
Vida (2001), O Valor da Democracia (2006), As Pessoas em Primeiro Lugar (2010) e A
ideia da Justiça (2011).
(a) Teve como iniciadores, a nível político, o filósofo inglês John Locke.O liberalismo
político deu seu primeiro passo com a revolução francesa e americana e,teve na aceitação
dos direitos humanos, o seu primeiro acto de fé na política. Durante o séc. XIX até à I
Guerra Mundial, o liberalismo transformou-se numa ideologia da burguesia e só depois da
guerra ressurgiu como uma forma política dominante, com os seguintes princípios:
liberdade individual, valorização do progresso, antropocentrismo universalista,
multiculturalismo, constitucionalismo/legalismo, pluri-partidarismo. A ideia do
consentimento (surgida com as teorias contratualistas) constitui um axioma político
fundamental no liberalismo político e, o contrato representa a forma paradigmática por
meio da qual os indivíduos racionais e livres devem relacionar-se e lidar uns com os
outros.
“para indicar os chamados direitos individuais, ou seja, a liberdade que cada um tem de
não ser tolhido no exercício de suas faculdades ou de seus direitos, excepto nos casos em
que a lei o determina; são as liberdades sociais básicas cujo gozo o cidadão tem o
“direito” de ver assegurado por tribunais ou órgãos administrativas; Sen, às vezes as
denomina “liberdades processuais” (proceduralliberties), para lembrar o quanto essa
abordagem enfatiza os procedimentos que possibilitam a liberdade. Esse é o tipo de
liberdade que o liberalismo preconiza como um fim em si, independentemente das
consequências que ela possa acarretar” (Ibid.: 82).
Concebe ainda a liberdade como uma condição para o bem-estar individual e social, que
inclui a capacidade de saber ler, fazer cálculos aritméticos básicos, participação política,
liberdade de expressão, evitar privações como a fome, a subnutrição, a morbidez evitável,
a morte prematura, etc. e, por isso, afirma que,
Quanto à questão da liberdade económica e liberdade política, Sen é de opinião de que “há
fortes indícios de que as liberdades económicas e políticas se reforçam mutuamente, em
vez de serem contrárias umas às outras (como às vezes se pensa)” (Ibid.: 10). Sublinha que,
as “capacidades individuais dependem crucialmente, entre outras coisas, de disposições
económicas, sociais e políticas” (Ibid.: 77) e,são as liberdades económica e políticaque
tornam as disposições e as oportunidades sociais mais apropriadas e eficazesna
contribuição “para uma participação mais efectiva em actividades económicas e políticas”
(Ibid.: 59) e,ainda, “o que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por
oportunidades económicas, liberdades políticas, poderes sociais e por condições
habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de
iniciativas” (SEN, 2010:18).
Estas liberdades fundamentais são distintas entre si, porém, inter-relacionadas e ligadas
umas às outras, pois, entre elas, existe uma união forte e uma relação estreita, quepermite
com que actuem complementando-se mutuamente, de modo que “a privação de liberdade
económica pode gerar a privação de liberdade social, assim como a privação de liberdade
social ou política pode, da mesma forma, gerar a privação de liberdade económica” (Ibid.:
10), daí a sua importância conjunta.
A economia básica deve optar sempre por operar em prol do desenvolvimento de mercado
livre em geral e da livre procura em particular e, privilegiar a livre iniciativa e a livre
concorrência, com o intuito de superar o foço da relativa dicotomia liberal entre a esfera
pública e a esfera privada, enquanto realidade social que afasta os indivíduos da liberdade e
dos demais direitos fundamentais,visto que “o sistema de mercado pode impulsionar o
crescimento económico rápido e a expansão dos padrões de vida”(SEN, 2010: 42).
Contudo, sobre este aspecto, Sen adverte que, pelo facto deàs vezes, os mercados poderem
ser contraproducentes, as oportunidades de transacção não devem ocorrerde forma
arbitrária, mas com a presença de controlo do mercado financeiro, por meio de
mecanismos sérios. Alerta também que,
“o papel desempenhado pelos mercados tem de depender não só do que eles podem fazer,
mas também do que lhes é permitido fazer. Existem muitas pessoas cujos interesses são
bem atendidos por um funcionamento desimpedido do mercado, porém também há grupos
cujos interesses estabelecidos podem ser prejudicados por esse funcionamento. Se estes
últimos forem politicamente mais poderosos e influentes, podem então tentar fazer com que
os mercados não recebam um espaço adequado na economia. (…) podem impor um
sacrifício significativo à população, mas um grupo de “industriais” organizado e
politicamente influente pode assegurar-se de que seus lucros estejam bem protegidos”
(Ibid.: 161-2).
A liberdade política amplamente concebida diz respeito aos direitos civis básicos, que
“ se referem às oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar e
com base em que princípios, além de incluir a possibilidade de fiscalizar e criticar as
autoridades, de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura, de ter a
liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos etc. Incluem os direitos políticos
associados às democracias no sentido mais abrangente (abarcando oportunidades de
diálogo político, discussão e crítica, bem como direito de voto e selecção participativa de
legisladores e executivos)” (SEN, 2010: 58-59)
e“com efeito um dos argumentos mais poderosos em favor da liberdade política reside
precisamente na oportunidade que ela dá aos cidadãos de debater sobre valores na escolha
das prioridades e de participar da selecção desses valores”(Ibid.: 48).
Sob o ponto de vista de Sen, a ética tem a tarefa de direccionar a economia para fins sócio
humanizadores. Sen constatou que “a importância da abordagem ética diminui
substancialmente com a evolução da economia moderna”, a chamada “economia positiva”
(SEN, 1999: 23) o que provocou um substancial empobrecimento na economia moderna.
Para Sen o facto “de a economia ter-se distanciado da ética empobreceu a economia do
bem-estar e também enfraqueceu a base de boa parte da economia descritiva e preditiva”
(Ibid.: 94). A economia moderna e contemporânea, ao dissociar a ética da economia
arruinou e enfraqueceu as análises económicas, ao ignorar que o estudo da economia desde
Aristóteles, até estudos realizados por John Stuart Mill e Adam Smith, não se interessaram
apenas com a busca da riqueza, mas tiveram em conta fortes considerações com questões
éticas, relacionados com a pergunta “como devemos viver?”, os fins humanos, a vida
colectiva, os direitos fundamentais, a economia de “bem-estar” e os objectivos mais
básicos capazes de garantir a vida boa que com razão as pessoas valorizam.
Foi este distanciamento gradativo entre a economia e a ética, o que levou à alteração do
comportamento real das sociedades e consequentemente da conduta do ser humano, das
concepções de bem-estar social e de felicidade, por isso, o objectivo primordial de Sen é
resgatar a relação perdida entre Ética e Economia e,eliminar a cisão existente entre ambas,
porque embora a economia tenha como preocupação básica a busca de riqueza, ela deve
relacionar-se e deixar-se orientar pela ética, pois,
“As questões económicas não são apenas questões de praticidade e eficiência, mas
também de moralidade e justiça. As questões éticas não são apenas de valor e intenções
generosas, mas também de lógica fria e exequibilidade. Se a economia desligada da ética é
cega, a ética desligada da economia é vazia. O surpreendente não é que a teoria
económica e a reflexão ética voltem a caminhar juntas, mas que tenham permanecido
divorciadas e incomunicáveis entre si por tanto tempo”.
A ética combinada com a economia pode gerar benefícios mútuos, seja para o
funcionamento eficiente da própria economia, seus instrumentos, mecanismos, estratégias
e utilidades, assim como para a mobilização e enfâse de todos os aspectos relevantes que
dizem respeito a outros tipos de bens sociais essenciais à vida humana.
Sen retoma Aristóteles, na Política, para quem o estado tem como finalidade última, “a
promoção comum de uma boa qualidade de vida” (SEN, 1999: 19) para todos os cidadãos
e, vale-se desta para afirmar que “o Estado e a sociedade têm papéis amplos no
fortalecimento e na protecção das capacidades humanas” (SEN, 2010: 77). O Estado está
na qualidade de motor do bem-estar social, a partir do desenvolvimento e garantia da
estabilidade económica, portanto, é necessário que exista uma dose de responsabilidade do
Estado para com os seus cidadãos, daí que, o governo deve tomar como base de suas
acções o consentimento das pessoas que o legitimam.
Considerações Finais
O liberalismo surge como um movimento e uma força transformadora que aposta na
concretização do desenvolvimento humano e social a partir de uma política e uma
economia orientadas pela liberdade, enquanto meio adequado para a promoção da
efectividade dos direitos básicos de todos os homens, construção de um regime de bem-
estar e, de uma sociedade livre, tolerante, justa e solidária. Ao priorizar o intercâmbio, a
integração e a consolidação de mercados, por meio do livre comércio, circulação de bens e
produtos, transacções e concorrência, assume uma liderança progressista a nível social, à
medida que rompe as barreiras entre economias, de modo que não haja mais espaço para
mercados fechados, mas que a maior parte da população participe directamente do
processo de expansão económica e política rumo ao bem-estar individual e colectivo.
Em torno do liberalismo há um conflito que não deve ser ignorado: ele reside entre a
subtileza da liberdade política e a esmagadora brutalidade das necessidades económicas,
isto é, entre as liberdades políticas e o desempenho económico, por isso, em todos os
processos de desenvolvimento humano, há que ter em conta o impacto da democracia e das
liberdades políticas sobre a vida, as capacidades dos cidadãos e o crescimento económico.
Bibliografia
0. Introdução
Segundo ROSAS (2009), Nozick postula uma alternativa assente em direitos individuais de
propriedade que funcionam como um entrave moral a todas as formas de distributivismo.
O pensamento de Nozick consiste numa defesa explícita de um Estado mínimo que não
procura corrigir as desigualdades sociais.
Segundo BRAGA (Cf. 2009: 3), o substrato do pensamento libertário está centrado na
dignidade de cada ser humano, que não pode ser restringida em nome de nenhuma
necessidade colectiva. Essa dignidade, segundo ARNSPERGER e VAN PARIJS apud
BRAGA (Cf. Ibid: 2), reside no exercício soberano da liberdade de escolha no âmbito de
um sistema coerente de direitos. O libertarismo pretende, assim, articular de maneira
consequente uma ideia cujo atractivo, hoje, não se submete em nada ao ideal utilitarista de
uma sociedade feliz: uma sociedade justa é uma sociedade livre.
Não obstante, e segundo VAN PARIJS apud BRAGA (Ibid.: 3), há três restrições, apenas,
sobre esse direito de propriedade de si: 1) Apesar de cada um ter o direito de se destruir,
não tem o direito de se vender como escravo. Para os libertários, o ideal de uma sociedade
livre é incompatível com a presença de pessoas dominadas por outras de forma
irreversível. 2) O paternalismo não é tido como inconveniente quando se trata de crianças.
Pais, ou não, têm o direito de restringir a liberdade de crianças somente na medida em que
eles contribuem para colocá-las em situação de exercer elas próprias sua liberdade. 3) Uma
sociedade livre não pode ser uma sociedade em que assassinos, violadores e pedófilos
circulam pelas cidades, maltratando as pessoas com toda impunidade.
Outro aspecto que se torna claro na teoria libertária é que devemos ter plena propriedade
de nós mesmos, e que nosso corpo é constituído de moléculas alheias a ele. Já que não
podemos sobreviver sem uma superfície sobre a qual nos apoiar, e nem podemos
sobreviver sem respirar um ar do qual não somos proprietários. Por isso, pode-se concluir
que a teoria libertária não pode ter a pretensão de oferecer uma caracterização de uma
sociedade justa sem acrescentar ao princípio de propriedade de si princípios que rejam a
propriedade dos objectos exteriores.
-Princípio da Propriedade de Si: todo indivíduo mentalmente capaz tem direito absoluto a
dispor de sua pessoa, inclusive dos talentos que recebeu e cultivou, contanto que não
utilize esse direito para renunciar à própria liberdade.
Fica, então, suficientemente claro que a Teoria Libertária não se compadece com os
utilitaristas - pensemos, justamente, em BENTHAM ou em MILL – que perseguiram o
ideal do maior bem-estar para o maior número de pessoas; concepção tal que no fim, de
facto, comportava a submissão do indivíduo à sociedade. Nem com o neocontratualismo de
John RAWLS que defende as desigualdades económicas e sociais como justas enquanto só
e apenas só sejam vantajosas para todos e, sobremaneira, para os mais desfavorecidos, pois
isso significa instrumentalizar umas pessoas (as favorecidas) em benefício de outras (as
desfavorecidas) (Cf. REALE e ANTISERI, 2006: 237-238).
Nozick sempre fora seduzido pela tradição libertarista americana, especialmente através da
obra e do pensamento de Ayn RAND. Esta autora fazia assentar a defesa do libertarismo
num egoísmo ético de base biológica. Segundo RAND, é o próprio “direito à vida” dos
organismos racionais que leva a uma ideia de liberdade como não interferência de carácter
absoluto e, daí, ao Estado mínimo como aquele tipo de Estado que melhor assegura essa
liberdade de carácter negativo. Mantendo embora o ideário libertarista de Rand, NOZICK
considera que o seu biologismo não fornece uma base sólida para a defesa do Estado
Mínimo e que este necessita de uma justificação diferenciada (Cf. ROSAS, 2009).
Para NOZICK (1991: 18), “A questão fundamental da filosofia política, que precede
qualquer outra sobre como o Estado deve ser organizado, é se ele deve ou não realmente
existir. Por que não termos a anarquia?”. E como libertarista, NOZICK enfrenta esse
problema logo na primeira parte de Anarquia, Estado e Utopia, argumentando preferir um
Estado mínimo à anarquia, a partir do estado de natureza de John Locke para salvaguardar
os direitos dos indivíduos.
Essa afirmação de Nozick revela que, para ele, os indivíduos são tão valiosos que devem
ser respeitados e nenhum argumento pode refutar isso. Essa dignidade do homem é tal que
ele não pode aceitar que nenhum de seus direitos seja violado. Temos aqui o homem como
fim em si mesmo à maneira kantiana.
Mas, a ser assim, a questão a colocar a Nozick é se, de facto, o Estado tem alguma
pertinência na organização social ou, neste contexto, o ideal é a anarquia.
NOZICK (Cf. 1991: 20) é contrário aos anarquistas por estes entenderem que ficaríamos
muito melhor vivendo sem a presença de um Estado; o Estado é sempre inferior à anarquia,
pois ele viola os direitos morais dos cidadãos. Nozick pergunta: se o Estado não existisse,
seria necessário inventá-lo? Por que então temos o Estado e não a anarquia?
E recorrendo de novo ao estado de natureza de Locke, Nozick vai dizer que, sem Estado
algum, não existiria nenhuma segurança num ambiente em que cada indivíduo é dono de si
próprio (e não propriedade de outrem), com o direito à vida, à liberdade de fazer o que
quiser consigo mesmo, com o seu corpo e com os seus talentos pessoais, com o direito aos
haveres ou à propriedade no sentido mais estrito, na medida em que ela (propriedade)
esteja de acordo com a justiça. Pois, apesar de que
Para ultrapassar essa insegurança, a solução encontrada por Locke era a celebração de um
contrato social que permitia legitimar as instituições do Estado civil. Mas contrariamente
ao contrato social lockiano, Nozick pensa que, partindo do estado de natureza formado por
indivíduos proprietários de si mesmos, haveria um deslizamento natural para algo diferente
e que, através de um mecanismo de “mão invisível”, daria lugar ao Estado civil. Mas
como?
A resposta é que NOZICK (Cf. Idem: 27-39) supõe um Estado de Natureza (à maneira
lockiana) no qual as pessoas formam agências para protegerem a si próprias. Nesse Estado,
diz Nozick, um indivíduo pode pessoalmente exigir respeito aos seus direitos e outros
indivíduos podem juntar-se a ele em busca desse ideal. Um grupo de pessoas pode aliar-se
a um indivíduo com o objectivo de impedir um ataque ou perseguir um agressor, por
exemplo. Grupos de indivíduos podem, assim, formar associações de protecção mútua.
Dessa forma, quando há várias agências em um mesmo espaço geográfico, é possível que
ocorra luta entre elas pela hegemonia do poder. A solução natural vista por Nozick é que
uma delas se torne a dominante e se imponha ante as demais. Assim, nasce o Estado como
um monopólio do poder.
Alguns inconvenientes, porém, surgem nesse Estado de Natureza, como, por exemplo, os
homens não poderem julgar em causa própria. Diante disso, vão exigir uma punição
superior aos danos sofridos. Haverá, então, retaliações sem fim e não haverá como pôr fim
a tais conflitos. Portanto, o Estado surge como um resultado não desejado, mas inevitável,
de processos de tipo “mão invisível”. Vale dizer que das associações ou agências de
protecção dos direitos morais que os próprios indivíduos promovem passa-se, seguindo
uma motivação egoísta e racional, às “agências de protecção dominante” e ao Estado
mínimo.
Assim, diz NOZICK (Ibid: 29), “só o Estado tem poderes para impor uma decisão contra a
vontade de uma das partes. O Estado não permite que alguém mais faça cumprir as
decisões de outro sistema”. Quando ocorre conflito entre os indivíduos e estes não
encontram solução para o problema, os envolvidos desejando que suas alegações sejam
resolvidas recorrerão ao sistema judiciário do Estado como único meio imparcial capaz de
resolver contendas.
Pelo que, na interpretação de BRAGA (2009: 8), o Estado deve garantir que ninguém
interfira nos direitos básicos de cada cidadão, tais como a vida e a propriedade. E ainda ele
não tem a obrigação de fornecer nada aos indivíduos para que possam levar adiante seus
planos de vida. Para Nozick, se você for forçado, seja pelo Estado, seja por alguém, a
contribuir para o bem-estar de terceiros, seus direitos estarão sendo violados.
Se a teoria de Rawls, segundo Nozick, for levada às últimas consequências, o Estado teria
a obrigação de exigir dos cidadãos que transplantassem órgãos do corpo para aqueles que
estão em situação desfavorável. Por exemplo, o indivíduo que possui dois olhos bons deve
transferir um deles para que um cego possa ver. Aquele que não tem problemas renais deve
abrir mão de um rim para que o outro tenha uma vida melhor. Dar uma perna a quem não
tem nenhuma corroboraria com a auto-estima do beneficiado, e assim por diante.
Assim, considera VITA (2007: 35), para Nozick, nem “a teoria de Rawls – e o liberalismo
igualitário de modo geral – faz justiça à distinção entre as pessoas. O liberalismo
igualitário, como o utilitarismo, não levam os direitos individuais a sério”.
Conclusão
BRAGA, Raphael Brasileiro. “Robert nozick e sua teoria política: uma alternativa viável à
proposta de john rawls?”. PUCRS, 2009. Baixado no dia 8 de Junho de
2014, Disponível online em: revistaselectronicas.pucrs.br.
Introdução
Para analisar o libertarismo nas visões de Nozik e de Friedman, vou usar o método
hermenêutico, isto é, a partir da leitura dos livros: Anarquia, Estado e Utopia (2009) de
Robert Nozik e Liberdade de escolher (2012) do casal Friedman, tento interpretar como
surge o libertarismo (neo-liberalismo), para além de conpreender os desafios e as
perspectivas que o povo moçambicano pode ter diante do libertarismo tanto fundamental,
assim como instrumental.
Para alcançar o meu objectivo, divido o trabalho em três partes: i) O libralismo, onde
primeiro explico o significado do conceito “liberalismo”; depois mostro a sua origem em
termos históricos e, por fim, analiso o desenvolvimento do liberalismo, tanto no campo
económico, como na área política; ii) o libertarismo, que nesta parte,começo igualmente
por apresentar o significado do termo “libertarismo”, em segundo plano, mostro as
contribuições de Nozik (libertarismo fundamental) e de Friedman (libertarismo
instrumental) e; iii) indico os desafios e as perspectivas do povo moçambicano diante do
libertarismo com a pretensão de perceber como pode-se garantir a prosperidade e a vida
digna por um lado e, por outro lado, como promover o desenvolvimento social, económico
e político para se ter uma vida aceitavel e justa entre os moçambicanos.
I. O LIBERALISMO
Nesta secção primeiro vou explicar o que deve-se entender por liberalismo, depois analiso
a sua origem histórica e, por fim, apresento como que o liberalismo se desenvolveu, quer
em termos económicos, assim como em termos políticos.
1. Conceito do liberalismo
O que é liberalismo?
O liberalismo não tem uma significação específica, pois a sua concepção varia da área da
sua aplicação, ou seja, varia conforme se aplique na esfera política, ou ao domínio
económico (Durozoi e Roussel, 2003, p. 236). Ora vejamos:
- No campo político, o liberalismo constitui uma doutrina que, na perspectiva de Locke,
Montesqueiu e Rousseau, elogia a tolerância, preconiza o respeito pela liberdade individual
– especialmente a liberdade de pensamento – e pretende protegê-la limitando os poderes do
Estado (graças a separação dos poderes e a promoção da vontade individual e colectiva na
formação do Estado) e;
- No domínio económico, o liberalismo tal como foi defendido por Adam Smith, Robert
Malthus, John S. Mill, David Ricardo, etc., é uma concepção que recusa a intervenção do
Estado na actividade económica (o Estado só defende a iniciativa privada) e afirma a
existência de leis naturais capazes de assegurarem o equilíbrio entre a oferta e a procura,
com a condição de serem respeitadas a concorrência e a propriedade privada dos meios de
produção.
2. A origem do liberalismo
Para o casal Friedman (Milton e Rose) o liberalismo surge a partir da fuga que os europeus
fizeram da tirania (Europa) para a liberdade (América do Norte). Isto quer dizer que há
uma certa altura em que existia uma tirania na Europa como consequência da combinação
do poder económico e o poder político nas mesmas pessoas (a nobreza). Para os homens
simples, restava-lhes a possibilidade de procurar a liberdade política e a prosperidade
noutros lugares como foi o caso da América do Norte. Quando lá chegaram, não
encontraram as “ruas pavimentadas de ouro”, mas só a liberdade política e que com o
trabalho, conseguiram prosperar economicamente. (Friedman, 2012, p. 21)
Para Lukamba e Barracho, John Locke constitui o ideólogo do liberalismo, por ter sido o
primeiro a reconhecer a libertade como um dos direitos naturais de qualquer ser humano
(Lukamba e Barracho, 2012, p. 163)
Como pode-se notar, tanto no primeiro caso, como no segundo, a base do liberalismo é a
ideia da liberdade que foi pensada de forma diferente ao longo do tempo, isto é, desde os
gregos até aos nossos dias (Mora, 1991, pp. 235-240), como pode-se ver:
Apesar de em termos sistemáticos, John Locke ter sido o ideólogo do liberalismo no século
XVII, é preciso considerar a contribuição dos humanistas, sobretudo Pico de Mirandola,
que no seu Discurso sobre a Dignidade do Homem começa a mostrar que o homem é um
ser digno de qualidades admiráveis e pode realizar-se e construir a sua perfeição aqui na
terra, em vez de ser visto simplesmente como peregrino, à espera da felicidade ou auto-
realização no Céu. (Mirandola, 2011, p. 57). É preciso perceber que o pensamento de Pico
de Mirandola foi desenvolvido em plena Época Medieval que se considerava o homem
como um ser pecador e passageiro para o Paraíso ou Inferno. A sua vida consistia em
cumprir os planos divinos. Este pensamento de Mirandola foi retomado e desenvolvido por
Descartes, Locke e até Kant quando compreenderam que o homem tem a sua dignidade
(livre e igual ao nascer) e é um fim e não um meio a ser usado para fins alheios à sua vida.
John Locke (1632-1704), pensador inglês constitui uma referência para o liberalismo por
duas razões: a primeira, diz respeito à noção de liberdade que ele discute nas suas obras
políticas: Dois Tratados Sobre o Governo (1689) e Carta Sobre a Tolerância (1690) e a
segunda, que tem relação com a primeira é de que a liberdade política que ele desenvolveu
ter influenciado as três grandes revoluções liberais modernas, a saber: a Revolução Inglesa
(1688-1689), a Revolução Americana (1775-1783) e a Revolução Francesa (1789).
Na obra Dois Tratados sobre o Governo composta por duas partes, onde na primeira,
Locke critica o direito divino dos reis, pois acumulavam nas suas mãos os dois poderes
(político e económico), tornando-se deste modo, tiranos em relação aos seus súbtitos (o
povo) e, na segunda, defende a sua teoria do Estado liberal e da propriedade privada
(Lukamba e Barracho, 2012, p. 163).
Ora, a obra Dois Tratados Sobre o Governo onde Locke defende a ideia segundo a qual os
homens nascem livres e iguais, constitui uma resposta clara ao pensamento de Robert
Filmer em torno do poder divino dos reis, ou seja, todo o poder absoluto existia quer pela
tradição, quer pelo direito divino dos reis. Portanto, segundo esta concepção de Filmer,
nenhum homem nasce livre e todos os homens são desiguais. Locke fundamenta jurídico-
politicamente a sua reflexão, procurando responder á pergunta: quais são a origem e os
limites da autoridade política legítima? Ou por outras palavras, porque as pessoas devem
obedecer aos governantes e que circunstâncias justificam às pessoas a se oporem aos
governantes? Para Locke o poder político deve ser limitado nos seus poderes e só existe
por consentimento (acordo) dos governados, na medida em que todos os homens nascem
livres e iguais (idem, p. 164).
O tipo de Estado defendido por Locke é um Estado liberal (diferente do Estado absolutista
de Hobbes). Um Estado que está ao serviço do cidadão, uma vez que este Estado surge a
partir da vontade do cidadão.
A ideia da limitação de poderes por parte do governo defendida por John Locke, foi
desenvolvida por seu discípulo Montesquieu, fazendo alguns ajustes à realidade francesa.
Para além de ter defendido a divisão e separação dos poderes políticos para regular a
relação entre estes poderes, Montesquieu também, propõe outras classificações dos
governos: despótico, monárquico e republicano, este sem o soberano em sua frente, o que
influenciou a Cosntituição Americana, onde o povo passou a ser uma nação.
Em termos constitucionais, Montesquieu defende que o legislador deve ter em conta as
especificidades de cada sociedade (religião, cultura, clima, etc) por forma a criar leis
exequíveis à boa convivência social.
Como pensador, Rousseau foi contra a monarquia absoluta (que não dá espaço para as
liberdades individuais), contra a Igreja Católica (que defende os dogmas) e contra a
aristocracia feudal (que defende o poder hereditário dos reis ou governantes) ao defender a
liberdade que se concilia com a obediência às leis e o bom governo.
Ora, a liberdade que Rousseau propõe, constitui o cerne da democracia, porque todos os
membros da sociedade participam voluntariamente na adopção de leis benéficas para
todos, estas leis uma vez adoptadas devem ser aceites e respeitadas por todos, do contrário,
estes membros estariam a trair a sua própria liberdade (Rousseau, 2000, p. 18). Assim, o
contrato social é, pois um acto voluntário, só que a partir do momento que é celebrado, não
pode ser violado. É por essa razão que Rousseau diz: “o homem é livre e senhor da sua
própria vontade e não pode ser governado por quem quer que seja, sem o seu próprio
consentimento” (ibdem).
É preciso perceber que Rousseau é puro fruto do espírito iluminista (uso da razão) que
procura resolver o problema da legitimidade do poder do Estado fundado no contrato
social. Ora, começando por esclarecer o conceito de soberania, Rousseau considera o povo
como titular inalienável da soberania. Assim, o Estado torna-se legítimo perante o acordo
de todo o povo – a vontade geral.
Para salvaguardar a conviência justa, Rousseau defende a teoria dos direitos individuais
naturais e originários, com a concepção de que não é o rei que está acima da lei, mas sim a
lei que está acima de todos (o rei e os súbditos). Nesta ordem de ideias, o bom governo é
aquele onde o Estado é regido pela vontade geral e a lei, constitui a coisa de todos
(república).
Rousseau morre nas vésperas da Revolução Francesa (11 anos antes). A partir da
Revolução Francesa (1789) e, sobretudo durante o século XIX, os pensadores políticos
ficaram divididos em quatro tendências na visão de Gaetano Mosca (1855-1941), citado
por Lukamba e Barracho, p. 181. As quatro tendências são:
A base das quatro dendências são os três princípios fundamentais da Revolução Francesa:
igualdade, liberdade e fraternidade (solidariedade), pois a igualdade não era ainda já um
dado adquirido, na medida em que a riqueza até então estava nas mãos da nobreza,
transferiu-se mais tarde para a burguesia (a nova classe). Por isso, muitos pensadores que
reflectiram sobre a problemática da organização da sociedade política, centraram-se na
questão da igualdade.
Em última análise, o liberalismo como doutrina que defende a liberdade teve o seu início
no século XVII com a Revolução Inglesa que marcou de forma considerável a Ciência
Política. Assim, o liberalismo foi uma luta contra as tendências despóticas de Jaime I e de
Carlos I; exprimiu-se primeiramente atravês da Petição do Direito de 1628, do jurista Sir
Edward Coke. A obra de John Locke – Dois Tratados do Governo - foi ao encontro
daquela petição. As três grandes revoluções dos séculos XVII e XVIII (inglesa, americana
e francesa) estavam baseadas no direito natural (vida, liberdade e igualdade). Com
Montesquieu, dá-se o primado do liberalismo aristocrático – o poder fica limitado por leis
fundamentais do bem público e da liberdade privada, com a garantia da liberdade
(Lukamba e Barracho, 2012, p. 191).
3. O desenvolvimento do liberalismo
a) Liberalismo económico
Esta corrente foi desenvolvida por Adam Smith (1723-1790) no seu livro A Riqueza das
Nações (1776) ao defender as ideias relativas à distribuição, ao rendimento e ao comércio
(Lukamba e Barracho, 2012, pp. 182-187).
Também, Smith defende uma activa função económica e social por parte do Estado. Para
ele, o papel do Estado é insubstituível na defesa, na justiça, na educação e na saúde.
A riqueza duma nação resulta do trabalho de todas as classes da nação (social, económica,
política, etc.), ou seja, a riqueza anual da nação é o produto de um trabalho comum onde
todos cooperam.
Depois de ter mostrado as contibuições do liberalismo económico, que dum lado promoveu
a prosperidade e, doutro, aumentou os conflitos sociais, resta-me a possibilitade de discutir
a outra forma do liberalismo – o liberalismo político.
b) O liberalismo político
Com o enfraquecimento da filosofia moralista de Kant, começa a impor-se uma ideologia
sensualista, que abriu uma era de transição entre os diferentes tipos de liberalismo, época
da qual, por exemplo, o fisiólogo e filósofo francês Pierre Jean Cabanis (1757-1808) e a
romancista francesa Anne Louisa Germaine, mais conhecida por Madame de Stael (1766-
1817), foram os representantes.
Foi com o pensador e político francês e amigo da Madame de Stael, Henri- Benjamim
Constant (1767-1830) que nasce o liberalismo político puro. Constant foi activista e
deputado que escreveu uma obra Sobre a Liberdade dos Antigos Comparada com a dos
Modernos (1819).
No âmbito político do liberalismo, uma contribuição notória foi dada por John Rawls.
John Rawls (1921-2002), filósofo norte americano e escreveu as seguintes obras de cariz
político: Uma Teoria de Justiça (1971), A Justiça Como Equidade (2001) como correção
da primeira obra, O Liberalismo Político (1993) e O Direito dos Povos (1999).
Rawls começa a abordar sistematicamente no seu livro Uma Teoria de Justiça, corrigida na
obra Justiça como Equidade. Nestes livros ele analisa a justiça e os direitos individuais a
ela associados (civis, políticos, sociais e económicos) que funcionam como uma espécie de
trunfo, não são negociáveis em função de quaisquer consequências. Em outras palavras,
com o liberalismo igualitário Rawls procura conjugar a prioridade das liberdades básicas,
civis e políticas, com a relevância da igualdade de oportunidades e da função distribuitiva
do Estado.
O liberalismo igualitário de Rawls tem como base a justiça numa sociedade onde todos os
cidadãos cooperam para o bem-estar de todos. Para tal, a cooperação social os cidadãos são
dotados de racionalidade e de razoabilidade. A racionalidade permite aos cidadãos fazerem
a selecção de concepções do bem e dos meios adequados para realizar na sua vida.
Portanto, a racionalidade é a base do exercício de liberdade de cada um. Por sua vez, a sua
razoabilidade permite que cada cidadão esteja disposto a chegar a termos de entendimento
com os outros, tornando possível a vida social. Neste sentido, a razoabilidade permite a
emergência de um sentido de justiça em cada um. Em última análise, os cidadãos dotados
de racionalidade e razoabilidade, têm as condições para exercer a sua liberdade numa
sociedade justa, ou bem ordenada (Rawls, 2001, p. 122).
Para evitar conflitos entre os cidadãos divido à distribuição dos benefícios e encargos que
decorrem da convivência (associação), Rawls propõe uma justiça que funciona com dois
princípios: de igualdades e como uma sociedade de cooperantes iguais, os bens primários
devem ser distribuídos por igual, formulando em termos genéricos a justiça seria: “Todos
os valores sociais – liberdade e oportunidades, rendimentos e riqueza, e as bases sociais do
respeito próprio – devem ser distribuídos igualmente, salvo se uma distribuição desigual de
alguns desses bens, ou de todos eles redunde em benefífio de todos” (Rawls, 2001, p. 69).
Estes dois princípios tornam-se exequíveis atravês dum contrato social que se baseia no
vêu de ignorância, isto é, ninguém sabe o seu lugar e a condição social na sociedade onde
vive. A escolha de justiça será imparcial, ou benéfícas à todos.
Como se pode depreender, o liberalismo é uma doutrina que defende a liberdade quer em
termos sociais e políticos, quer em termos económicos. Mas depois surge a nova forma o
liberalismo – neoliberalismo – o libertarismo que discuto no passo seguinte.
II. O LIBERTARISMO
1. Libertarismo fundamental
O pensamento de Nozick é uma crítica à ideia de justiça como igualdade, defendida por
John Rawls. Para fundamentar como que a justiça igualitária contribui negativamente para
a liberdade individual, Nozick apresenta o argumento de Wilt Chamberlain (jogador
talentoso e popular de NBA do final dos anos 70). Portanto, enquanto Rawls defende uma
justiça igualitária, Nozick é da proposta duma justiça por titularidade (Nozick, 2009, pp.
204-209).
Para debater a teoria de justiça distribuitiva equitativa (de Rawls) e a sua justiça por
titularidade, Nozick supõe que Chamberlain assine um contrato anual onde em cada jogo
realizado em “casa” cada espectador ao comprar o bilhete de entrada ao campo, deposite
25 céntimos de dolar numa caixa preparada para Chamberlain. Assim, cada espetador fica
empolgado por ver Chamberlain a jogar. Imaginando que em toda a época (ano) um milhão
de espetadores assistiriam os jogos de Chamberlain em “casa” e, assim, ele arrecadaria
mais 250 mil dólares que qualquer outro jogador da equipa. Ja que tanto o depósito de 25
céntimos para cada bilhete, como o assitir os jogos foram actos totalmente voluntários,
quem poderá reclamar de injustiça de extorção pelo facto de Chamberlair ter mais dinheiro
que os outros? Será que Chamberlain tem o dever de repartir com os outros que têm pouco,
como sugere Rawls com o seu princípio de diferença? Em princípio não houve injustiça,
pois a origem de dinheiro de Chamberlain é totalmente justa por obedecer os princípios de
titularidade. Portanto, com este exemplo de Chamberlain, Nozick quis demonstrar que
nenhum princípio de justiça deve padronizar a distribuição dos bens (rendimento), pois
perturba a própria liberdade.
Como pode-se ver, para Nozick a justiça por título justo não exige critérios igualitários,
nos quais uma dada distibuição tem de se acomodar para ser tida como justa, mas somente
algumas regras procesuais (acordos) referentes ao modo como a propriedade se pode
constituir ou transferir, regras essas que quando são respeitadas, tornam justo o resultado
final (a posse).
Para ser mais claro, enquanto para Rawls a distribuição dos bens primários (direitos,
liberdades, renda e posse) deve ser equitativa e no caso de existirem diferenças económicas
entre os cidadãos, os menos favorecidos (os pobres) devem receber mais de modo que
todos tenham condições de uma vida digna (Rawls, 2001, pp. 149-157), para Nozick, as
regras processuais da teoria do justo título são três: i- princípio de apropriação original, que
especifica como é que um indivíduo torna-se proprietário de um bem (uma pessoa
apropria-se de um recurso desde que não deteriore a vida dos outros); ii- um princípio de
transferência, que estabelece a forma de uma pessoa tornar-se proprietária de um recurso
mediante um acordo com o seu antigo proprietário e; iii- um princípio de rectificação que
regula as violações dos dois princípios anteriores (Nozick, 2009, pp. 192-193).
Ora, com a teoria de titularidade na distribuição dos bens, Nozick pretende criticar as
teorias teleológicas (utilitarista e igualirarista) que estabelecem princípios em função dos
fins a serem alcançados na distribuição dos bens. Teorias essas que são adoptadas pelo
Estado ou por instituições filantrópicas, sem ter em conta a história de como os bens foram
conseguidos pelas pessoas. Como consequência destas teorias finalistas (teleológicas), o
Estado ou as instituições obrigam aos mais favorecidos (ricos) a partilharem com os menos
favorecidos (pobres) na sociedade, o que é injusto na visão de Nozick.
Sob o ponto de vista libertarista, Nozick defronta-se com a questão de saber se o Estado é
ou não justificável na vida dos cidadãos. Se respondesse afirmativamente, Nozick estaria
do lado do Estado providencialista ou abrangente e se for negativa, ele estaria do lado de
anarqistas. Mas, Nozick inspirando-se do estado de natureza de John Locke com todas as
suas consequeências positivas e negativas (Nozick, 2009, pp. 31-45), propõe o Estado
ultramínimo, um acordo entre o Estado e o cidadão, para a proteção deste:
“O Estado ultramínimo mantém o monopólio do uso da força, excepto a necessária à
autodefesa imediata, e exsclui assim, a retaliação da transgressão e a exigência de
compensação privadas (ou agenciais), mas fornece protecção e serviços de execução
apenas àqueles que compram a sua proteção. As pessoas que não compram um contrato de
proteção ao monopólio não são protegidas” (Nozick, 2009, p. 57).
Assim, Nozick reconhece que a pessoa é proprietária de si mesma, pode fazer o que bem
entender com o seu corpo, a sua vida, os seus talentos, os seus sentimento e os seus
haveres. Mas, a pessoa precisa do Estado para garantir o direito à vida, a liberdade de fazer
o que bem quiser com sigo mesmo, com o seu corpo e os seus talentos e de proteger os
seus haveres. É nesta ordem de ideias, que na última parte do livro, no capítulo de Utopia,
Nozick procura influenciar todos os que desejam viver numa sociedade livre, onde o
Estado tem pouca interveção na vida dos cidadãos (Idem, pp. 353-393).
2. Libertarismo instrumental
No seu livro conjunto com a sua esposa Rose Friedman, Liberdade para escolher (1990), o
casal defende a maior liberdade para os mercados e uma interveção mínima do Estado
(Estado mínimo).
O pensamento do casal Friedman é uma reação crítica à economia mista (dirigismo estatal
e a liberalização do mercado) defendida pelo John Maynard Keynes, após a II Guerra
Mundial. O ponto de oposição entre o pensamento de Friedman e o de Keynes é a
promoção da eficiência económica, que em termos macroeconómica são quatro indicadores
fundamentais: emprego, inflacção, crescimento económico e a balança de pagamentos (
Friedman, 2012, p. 51). Ora, a eficiência económica avalia-se pelo desempenho positivo
dos indicadores de crescimento económico; pela baixa de desemprego (ou alto índice de
emprego); pela estabilidade dos preços e pelo equilíbrio na balança de pagamentos
(exportação e importação).
Para demonstrar a ideia da pouca intervenção do Estado na vida das pessoas (Estado
mínimo), Friedman dá o exemplo de Hong Kong, colónia britânica onde o mercado era
livre e o Estado limitado, que permitiu grande prosperidade (Idem, p. 58). Com este
exemplo, a intencão de Friedman é de argumentar a combinação entre a liberdade política e
a liberdade económica como condição necessária para a prosperidade de qualquer nação.
Ora, a liberdade política que se vive nos Estados Unidos de América resultou da
Revolução Americana (1775-1778) que conduziu a sua independência em 1776. O facto
marcante para a liberdade política norte americana foi a elaboração da Constituição por
Jefferson que resultou de dois documentos: Declaração de Direito da Virgínia em 1776 e a
Declaração dos Direitos dos Estados Unidos em 1791 (Idem, p. 25).
Este argumento de Hayek é compreensível com referência aos indicadores de mercado (os
preços e os salários) que os indivíduos têm à sua disposição para tomarem as suas decisões
económicas. Estes indicadores funcionam como sinais que permitem aos agentes
económicos ajustar o seu comportamento de acorde com o maior ou menor sucesso dos
seus esforços. Como indicadores, a sua função específica não é recompensar o mérito dos
esforços individuais, mas pôr em evidência a sua utilidade.
Em termos morais ou éticos, o libertarismo autoriza a cada pessoa a fazer o que bem
entender com o seu corpo, seus talentos e sentimentos, desde que essa acção não ponha em
casa à outra pessoa. Como consequência disto, a moral antiga, baseada em consensos ou
em referências socialmente aceites, fica fora do modus vivendi de qualquer pessoa. Isto
obriga às sociedades actuais a inventarem novos códigos de conduta para uma conviênca
harmoniosa.
Esta dupla questão remete aos desafios e às perspectivas do povo moçambicano diante do
libertarismo que procuro desenvolver neste capítulo de forma separada, primeiro abordo os
desafios e, por fim apresento as perspectivas.
Desde que Moçambique alcançou a independência política em 1975, surge outra batalha a
travar para o desenvolvimento económico, ou por outras palavras, garantir a prosperidade
que todo o povo precisa.
Outro desafio consiste em garantir a a coexistência pacífica entre os moçambicanos diante
da igualdade em direitos e em deveres como a Constituição preconiza:
“Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos
mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de
nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais ou opção
política” (Artigo 35 da Cosntituição da República de Moçambique).
Para o primeiro desafio, quero evidenciar a ideia de que a independência que o país
conquistou com a luta armada durante os dez anos (1964-1974), não seja a condição
suficiente para o bem-estar de todos nós os moçambicanos. A independência política que
temos, deve ser acompanhada pelo desenvolvimento económico, para que sejamos
verdadeiramente sujeitos da nossa vida social e política. Se não lutarmos para o nosso
próprio desenvolvimento económico, os conflitos sociais serão sempre frequentes, pois
continuaremos a ver as desigualdades (uns não sabem quanto dinheiro têm nas suas contas
e outros não sabem o que comer quando acordam), situação esta que vai se reflectir na
exclusão social de uns e a promoção da dignidade de outros; continuaremos a cumprir as
agendas de outros países ou instituições financeiras (Banco Mundial, Fundo Monetário
Internacional, Banco para o Desenvolvimento Africano, etc.).
Diante deste duplo desafio – pobreza e desarmonia social –, que perspectivas podemos ter
em vista ao nosso desenvolvimento como um povo? Esta é a questão que procuro
responder no próximo ponto.
2. Perspectivas de desenvolvimento
Em termos económicos, o país está a crescer, pois o índice de dependência externa está a
baixar (hoje estamos abaixo de 30% e há 10 anos estavamos acima dos 50%). O
crecimento económico que precisamos que conduz a nossa autonomia financeira
(económica) e consequentemente política depende da cooperação (contribuição voluntária
de todos nós moçambicanos), isto é, cada um fazer bem o seu trabalho. Isto implica uma
série de ideias: um crescimento da cultura de trabalho e de honestidade, de poupança nas
despesas públicas, constução de infraestruturas, investimento no capital humano atravês da
educação, melhoria dos cuidados sanitários, investimento nas áreas de produção para
diminuir a taxa de desemprego.
BIBLIOGRAFIA
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Lua de Papel, Portugal, 2012.
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Palmerim, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1991.
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Autonomia do Direito, 2ª ed., Instituto Peaget, Lisboa, 2011.
NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia, trad. de Vitor Guerreiro, Edições 70,
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RAWLS, John. A Justiça como Equidade, Erin Kelly (Org.), trad. de Claudia Berliner,
Martins Fonte, São Paulo, 2003.
____________. O Direito dos Povos, trad. de Luis Carlos Borges, Martins Fontes, São
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ROSAS, João Cardoso (Org.). Manual de Filosofia Política, Edções Almedina, Coimbra,
2008.
Entretanto, será necessário distinguir entre o Liberalismo Clássico (ou, segundo Ngoenha,
primeiro liberalismo) e o Neoliberalismo (ou, também de acordo com o mesmo autor,
segundo liberalismo). O liberalismo clássico, também chamado por liberalismo tradicional
ou ainda por liberalismo do mercado (liberalismo do laissez-faire), para além de defender
os direitos naturais, entre os quais as liberdades individuais e a sua protecção pelo Estado,
a igualdade perante a lei, o direito de propriedade, defende sobremaneira a limitação
constitucional da interferência do Estado no mercado e as restrições fiscais ao governo.
O utilitarismo foi fundado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832), mas
desenvolvido e aprofundado nas suas formulações clássicas por um outro filósofo inglês de
nome John Stuart Mill (1806-1873). Entretanto, as suas teses remontam aos filósofos
irlandês Francis Hutcheson (1694-1746) e inglês David Hume (1711-1776).
Com efeito, Kesselring (2009: 92) admite que em sua origem, o utilitarismo retrocede até
ao filósofo Francis Hutcheson. Tugendhat (2009: 322) vai mais longe ao afirmar que o
princípio do utilitarismo surgiu pela primeira vez em F. Hutcheson, num ensaio publicado
em 1725 com o título Na inquiry concerning the original of our ideas of virtue or moral
good. Hutchesonentendia que a melhor conduta seria aquela que proporcionasse a maior
felicidade para o maior número. Hume perseguiria este raciocínio em dois ensaios morais
surgidos nos anos de 1738 e 1751, com os títulos A treatise of human nature e Enquiry
concerning the principles of morals, respectivamente. A tese de Hume é a de que o valor
moral das virtudes gerais está no facto de serem úteis tanto para nós mesmos como para os
outros, e as virtudes que são úteis para os outros têm por base a participação do bem-estar
dos outros.
De acordo com Bentham, governando em nós em tudo o que fazemos e em tudo o que
pensamos, é somente a estes dois senhores que compete indicar o que se deve fazer e
determinar o que realmente se fará, pois ao trono deles está ligada, por um lado, a norma
que distingue o recto do errado, e, por outro, a cadeia das causas e dos efeitos. Bentham
explica que o princípio da utilidade reconhece tal sujeição a ponto de a considerar
fundamento do sistema que tem por objecto construir, através da razão e da lei, o edifício
da felicidade.
Do exposto acima, pode depreender-se que a regra moral benthamiana consiste em se agir
de modos a produzir maior benefício, vantagem, prazer, bem ou felicidade (para ele todos
estes termos se reduzem à mesma coisa) e, consequentemente, a evitar o dano, a
desvantagem, a dor, o mal ou a infelicidade da parte cujo interesse esteja em causa. Ora,
esta parte pode ser tanto o indivíduo como a comunidade. Mas como a expressão “interesse
da comunidade” é a mais comum por ocorrer na terminologia e fraseologia moral,
Bentham prefere conferir-lhe significado exacto. Como ele mesmo o afirma2,
1
Por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer acção, Segundo a
tendência que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo: ou, o que é a
mesma coisa em outros termos, segundo a tendência a promover ou a comprometer a referida felicidade.
Digo qualquer acção, com o que tenciono dizer que isto vale não somente para qualquer acção de um
indivíduo particular, mas também de qualquer acto ou medida de governo (tradução nossa).
2
A comunidade constitui um corpo fictício, composto de pessoas individuais que se consideram como
constituindo os seus membros. Qual é, neste caso, o interesse da comunidade? – a soma dos interesses dos
diversos membros que integram a referida comunidade. É inútil falar do interesse da comunidade, se não se
compreender qual é o interesse do indivíduo (também tradução nossa).
“The community is a fictitious body, composed of the individual persons
who are considered as constituting as it were its members. The interest of
the community then is, what is it? – the sum of the interest of the several
members who compose it. It is in vain to talk of the interest of the
community, without understanding what is the interest of the individual”
(ibidem, 15).
Com a citação acima, nota-se a grande importância que Bentham atribui ao indivíduo
particular, pois a sociedade (comunidade) só é compreensível em função das pessoas
concretas que a compõem e de cuja felicidade dá sentido à felicidade da sociedade.
Portanto, se autores como Hegel e Bentham não podem ser classificados de liberais “sem
nenhuma outra precisão”, como afirma Ngoenha em Intercultura, alternativa à
governação biopolítica? (2014: 53-54), então, a classificação de Bentham como liberal
pode ser indicada com alguma exactidão através da importância que ele deposita no
indivíduo particular, como se verá mais adiante. Para Bentham, uma coisa promove ou
favorece o interesse de um indivíduo se ela tende a aumentar a soma total dos seus
prazeres, ou seja, a diminuir a soma total das suas dores. De igual modo, uma acção
governamental estará em conformidade com o princípio da utilidade se a sua tendência de
aumentar a felicidade da comunidade for maior que a tendência de diminuí-la.
Tendo estudado direito, Bentham pensava que o princípio da utilidade era um guia não só
para as pessoas comuns tomarem as suas decisões, mas também para os legisladores
basearem as suas medidas políticas. Para ele, a finalidade das leis é o mesma da moral (daí,
o título da sua obra): promover o bem-estar de todos os cidadãos. Acreditava ele que se a
lei servia a esse intento, então ela não deveria limitar a liberdade dos cidadãos para além do
necessário. Estas preocupações de Bentham podem ser encontradas particularmente no
capítulo XXVII, por sinal o ultimo – Of the limits of penal branch of jurisprudence [Dos
limites do ramo penal da jurisprudência] (2000: 224-238) – da sua obra ora em referência.
Na sua obra Utilitarismo, John Stuart Mill tomou o princípio da utilidade de Bentham,
ampliando-o sob diversos aspectos. O princípio fundamental da moral e fonte de todos os
deveres morais é, paraele, o princípio de utilidade, que ele equipara ao princípio da maior
felicidade, como já o fizera Bentham. Para Mill,
Em Sobre o Liberalismo, Mill opõe-se, tal como Bentham, a leis que regularizam condutas
que que não prejudicam os outros, uma vez que estas diminuem, no lugar de aumentarem,
a felicidade. Nas próprias palavras de Mill, pode-se ler que
Com o que foi até aqui exposto, Jeremy Bentham e John Stuart Mill se inscreveram nos
anais do pensamento do liberalismo político clássico. Entretanto, como muitos outros
teóricos da época, empenhados em promover reformas político-sociais, não foram
consequentes com os seus próprios ideais em relação aos povos não europeus. Não apenas
sustentaram teorias que negavam a esses povos as mesmas liberdades que defendiam em
suas obras, como também, na prática, apoiaram e exerceram políticas atrozes que
legitimavam a compra e venda ou a perseguição e aniquilamento do “outro”, o não
europeu. John StuarMill, na mesma obra em que enaltece, defende e fundamenta as
liberdades individuais como absolutas e ilimitadas, afirma a dado momento:
“Talvez não seja necessário dizer que esta doutrina se aplica apenas a
seres humanos cujas faculdades já atingiram a maturidade. (…) O
despotismo é um modo legítimo de governo para lidar com bárbaros, desde
que tenha por objectivo o seu aperfeiçoamento, sendo osmeios justificados
pelo facto de esse objectivo ter sido atingido. A liberdade, como princípio,
não tem qualquer aplicação aos estados de coisas anteriores à altura em
que a humanidade se tornou susceptível de aperfeiçoamento através da
expressão livre e igualitária. Até essa altura, os homens estavam limitados
à obediência implícita a um Akbar ou Carlos Magno, se tivessem a sorte de
o encontrar” (ibidem: 17).
Só o ocidente e o homem ocidental iluminado, se não fosse por Deus, fosse pela razão,
estava em condições do usufruto das liberdades. Todos os outros mereciam ser sujeitos a
actos contrários à liberdade, ou seja, ao despotismo, à escravatura ou ao extermínio.
2. O cálculo hedonista
“Pleasures and pains are the instruments he has to work with: it behaves
him therefore to understand their force, which is again, in other words, their
value.
Se, à primeira vista, a tese de John Stuart Mill pode parecer a mesma de Bentham,
portanto, “[o] credo que aceita a utilidade, ou o princípio da maior felicidade como
fundamento da moralidade”, na verdade, vem em seguida uma tese que modifica
profundamente a de Bentham, trata-se da tese da diferença qualitativa, para além da
quantitativa, entre os prazeres. Com efeito, de acordo com o hedonismo de Bentham, o
3
Os prazeres e as dores constituem os instrumentos com os quais se deve trabalhar: por este motivo convém
que compreenda a força dos mesmos, ou seja, por outras palavras, o seu valor. Para uma pessoa considerada
em si mesma, o valor de um prazer ou de uma dor, considerado em si mesmo, será maior ou menor, segundo
as quarto circunstâncias que se seguem: (1) A sua intensidade. (2) A sua duração. (3) A sua certeza ou
incerteza. (4) A sua proximidade no tempo ou a sua longinquidade. Essas são as características que devem
ser consideradas na avaliação de um prazer ou de uma dor, cada qual considerado em si mesmo. Entretanto,
quando o valor de um prazer ou de uma dor for considerado com o propósito de avaliar a tendência de
qualquer acto pelo qual o prazer ou a dor são produzidos, é necessário tomar em consideração outras duas
circunstâncias que são: (5) A sua fecundidade, vale dizer, a probabildade que o prazer ou a dor têm de serem
seguidos por sensações da mesma espécie, isto é, de prazer, quando se tratar de um prazer, e de dor, tratando-
se de uma dor. (6) A sua pureza, ou seja, a probabilidade que o prazer e a dor têm de não serem seguidos por
sensações do tipo contrário, isto é, de dores no caso de um prazer, e de prazeres, tratando-se de de uma dor.
valor dos prazeres depende, fundamentalmente, de dois factores: a sua intensidade e a sua
duração. Os melhores prazeres e as piores dores são os mais intensos e prolongados. Deste
modo, Bentham tem uma visão puramente quantitativa do bem-estar. Mill, contrariamente
a Bentham, defende que para além da intensidade e da duração tem de se atender à
qualidade dos prazeres. Admite
“que alguns tipos de prazer são mais desejáveis e valorosos do que outros.
Seria absurdo supor que, enquanto que na avaliação de todas as outras
coisas se considera tanto a qualidade como a quantidade, a avaliação dos
prazeres dependesse apenas da quantidade” (Mill, 2005: 49).
Para se maximizar o próprio bem-estar, deve-se dar uma forte preferência aos prazeres
superiores, recusando-se a trocá-los por uma quantidade idêntica ou mesmo maior de
prazeres inferiores, assim Mill.Em termos gerais, Mill identifica os prazeres inferiores com
os prazeres corporais e considera superiores aqueles prazeres que resultam do exercício das
faculdades humanas intelectuais. Mill chega mesmo a afirmar:
Mas este critério de Mill é, de certo modo, duvidoso, porque se se admite que existem
homens bárbaros sobre os quais o despotismo é legítimo pelo facto das suas faculdades não
terem ainda atingido maturidade, então, restringe-se arbitrariamente a um pequeno grupo o
número de pessoas dignas dos prazeres superiores, ou seja, intelectuais.
Obras básicas:
Obras secundárias:
Ao palmilhar a rota do liberalismo que nos leva ao segundo liberalismo, Ngoenha não usa
meramente os meios históricos com os quais ele procuraria encontar fronteiras epocais que
demarcariam de forma ideal ou realmente histórica cada um desses momentos (também
seria muito difícil encontrar essas fronteiras), mas opta fundamentalmente por meios
tipológicos com os quais procura contradições internas nos próprios sistemas de
pensamento e prática liberal e neoliberal – é aqui onde se encontra o grande interesse, mas,
sobretudo, a grande particularidade desta abordagemngoenhiana.
Na verdade, parece que os mentores do liberalismo se esqueceram (ou talvez isso não lhes
conviesse) de levar as suas teorias liberais às consequências práticas nas esferas
geográficas extra-europeias, nas quais eles legitimavam paradoxalmente, portanto com as
mesmas teorias, a legalidade do ilegal, na violação dos direitos individuais que eles
mesmos advogavam e fundamentavam com argumentos político-filosóficos e jurídicos e
com o recurso à ideologia prevalecente. Isto é o que dá título à segundaparte da obra que
apresento: Os paradoxos do liberalismo.
Com efeito, ao admitirem que existiam homens bárbaros sobre os quais o despotismo era
legítimo pelo facto das suas faculdades não terem ainda atingido maturidade, então,
restringia-se arbitrariamente a um pequeno grupo o número de pessoas dignas aos direitos
políticos e cívicos, por um lado, e ao bem-estar económico, por outro. Empenhados em
conceber princípios que promovessem reformas político-sociais e económicas, ao mesmo
tempo, não apenas sustentaram teorias que não só negavam a esses povos as mesmas
liberdades que defendiam em suas obras, como também, na prática, apoiavam e exerciam
políticas atrozes de compra e venda ou de perseguição e aniquilamento do “outro”, o não
europeu. Só o ocidente e o homem ocidental iluminado, se não fosse por Deus, fosse pela
razão, estava em condições do usufruto das liberdades. Todos os outros mereciam ser
sujeitos a actos contrários à liberdade, ou seja, àarbitrariedade, à escravatura e/ou ao
extermínio.
A pedra angular liberal da separação entre o politico e o económico não conseguiu resolver
o problema das crises económicas e políticas, da violência e das diferenças sociais e
económicas. Os teóricos do segundo liberalismo ou neoliberalismo procuram fundir, na
acepção de Ngoenha, o económico e o político. Ao fazê-lo, fazem-no colocando em
paralelo a globalização e a governação biopolítica. Aentrada de Moçambique na nova fase
da globalização não pode ser entendida sem as metamorfoses da actual “economia-
mundo”, é assim que diz Ngoenha. Nela o indivíduo é interpretado como capital-humano e
empreendedor, já que a força motora “da globalização real” é a economia, o que torna
difícil imaginar uma alternativa, daí que para Ngoenha a ideia de desenvolvimento
sustentável seja insustentável, pois ”as perspectivas de uma economia solidária são
ilusórias”, por serem “simples avatares da mundialização capitalista” (p. 95).
Por sua vez, a biopolítica, que por sinal éo título da terceira parte do livro ora em
apresentação, consiste, nos próprios termos ngoenhianos, “no controlo das vidas dos
indivíduos, em detrimento das mediações políticas” (idem). A biopolítica, revestida pela
terminologia da dita boa governação, é concebida de acordo com o modelo da
administração de uma empresa, o que levanta um novo paradoxo: é que a empresa orienta-
se pela rentabilidade; o Estado, pelo bem-estar dos seus cidadãos, o que pode levar a
gestão política a adoptar medidas que para a gestão empresarial podem ser um desperdício
– aqui Ngoenha lança um olhar pelos nossos feriados e tolerâncias de ponto como exemplo
deste contraste. A pretensão do político completamente fagocitadopelo económico, ou seja,
subordinado à economia, é ocupar o espaço no sentido comum e transformar-se num
discurso hegemónico.
Que alternativas para o neoliberalismo que alarga ainda mais o fosso entre pobres e ricos e
multiplica crises e conflitos? Com esta colocação Ngoenhanos conduz à quarta parte da sua
obra: Interculturalidade, alternativa credível ao pós-liberalismo? Para Ngoenha, uma das
respostas mais significativas ao problema do neoliberalismo é a necessidade de um diálogo
entre o Norte e o Sul. Esta resposta vem na esteira de um novo espaço epistémico que se
chama Intercultura e que se estende à Europa, à América do Norte, à América Latina, à
Ásia e à África. É neste debate que Moçambique participa com a sua entrada no mundo
neoliberal e biopolítico, questionando-se, com a (re)introdução da Filosofia em
Moçambique e com aquela provocação do ACAFIL (Academia Filosófica do Seminário
Interdiocesano Santo Agostinho) sobre o real sentido dos meandros em que se adentrava e
sobre o papel que se reservava à Filosofia em Moçambique face aos novos desafios. Esta
obra que agora apresento responde a questão que Ngoenha considera mais actual, urgente e
pertinente, a questão que dá título à primeira parte do livro, a saber: Qual Tipo de
Governação para Moçambique?
Mais uma vez, Ngoenha não se preocupa com uma cronologia histórica do debate
filosófico em África que ajude a responder ao problema, mas com uma leitura do debate
filosófico interno da própria filosofia africana, trazendo à luz as ideias, as contradições
conceptuais que só enriquece a própria filosofia e a contribuição da filosofia em
Moçambique neste debate. Na óptica de Ngoenha, Moçambique,com as suas recentes
produções filosóficas, ao mesmo tempo que tem o mérito de alargar o espaço linguístico-
epistemológico do debate africano, afasta-se, da clivagem linguístico-epistemológica que
caracterizou o debate filosófico africano entre as áreas francófonas e anglófonas, que afinal
é a oposição entre a tradição racionalista francesa e a tradição empirista inglesa que a
filosofia africana herdou.Nos seus programas de ensino e cursos, nas suas reflexões e
debates, trabalhos de licenciatura, dissertações de mestrado e teses de doutoramento,
Moçambique enveredou por uma retirada das fronteirasmetodológicas, temáticas,
linguísticas, permitindo assim que o debate sejamais abrangente. Ademais, alargou o
espaço da investigação historiográfica, quer para as filosofias de libertação e intercultural
sul-americanas, quer para o pensamento literário, sociológico, estético, historiográfico e
politico. Afinal, o que elimina as distâncias relativas no tempo e no espaço, nas línguas,
nas linguagens e no gosto filosófico entre os autores africanos é a proximidade dos temas
discutidos e cujo foco se condensa na liberdade, tema aliás privilegiado por
Ngoenhadevidoaos circunstancialismos históricos. Este facto chama a atenção dos
filósofos ou dos pensadores sociais para a relação entre o saber e a sociedade. Mas a escola
moçambicana de filosofia, esta que emerge, deve saber não se confundir com o politico,
não se ocupando, portanto, das tarefas deste, mas mantendo, sim, a tarefa continua da
crítica e da clarificação ideológica.
Respondendo, já na quinta e última parte do seu livro, à questão sobre o tipo de governação
para Moçambique, Ngoenha não o faz com um catálogo do tipo de um tratado sobre o que
deveria ser tal governação, mas na forma de um questionamento sobre o que os
moçambicanos precisam. As suas respostas nos remetem à estabilidade, ao
desenvolvimento e à comunhão.
Intercultura, Alternativa a Governação Biopolítica?. Severino E. Ngoenha. Maputo: Publifix:
2014. 230 pp.
Intercultura, Alternativa a Governação Biopolítica?É uma obra que propõe uma mudança de
paradigma na prática democrática contemporânea em Moçambique, do clássico dogma liberal para
uma abordagem flexível e inclusiva chamada intercultura.A obra retorna a uma questão que foi
colocada ao autor nos finais da década de 90 por estudantes seminaristas Católicos. Nessa altura
questionava-se os tipo de governação e o papel da filosofia que Moçambique precisava para o seu
bom funcionamento num regime democrático.Insatisfeito com a resposta verbal que dera aos
seminaristas nesse encontro, Ngoenha escreve Tempos da Filosofia (2004). Mas, igualmente ele
nota que a questão colocada ganha cada vez mais importância com o tempo e o evoluir
sociopolítico e económico do pais. A presente obra (embora exotérica no sentido em que qualquer
cidadão preocupado com assuntos sociais se identifica os temas tratados) encontra uma audiência
específica nos estudantes de Filosofia em particular e nos académicos no geral.
Ngoenha, no que concerne ao papel do filósofo moçambicano, argumenta que este não pode
consistir numa simples exegese de um passado que exalte um retorno impossívelalguma
essência.Da mesma forma,não se pode contentar (o filósofo)com o as articulações transcendentes
do pensamento ocidental mas, inspirá-o a envolver-se num questionamentoda sua posição num
paisonde, todas a catástrofes humanitárias, todos os fracassos do desenvolvimento de todas as
pilhagens coloniais e neocoloniais, de miséria, de doenças, de guerras endémicas, de urbanização
selvagem, pilhagem de recursos, corrupções galopantes, de governações inaptas, de estados
fracassados..., em resumo: de um lugar onde todos os obscurantismos, o inverso da medalha do
desenvolvimento que o ocidente se da. Há uma exortação clara para o filósofoconcentrar-se naquilo
que melhor sabe fazer: explorar e consolidar a tradição filosófica existente para desvendar e
desmistificar com rigor as questões sociais ocultas por pseudo problemas de origem ideológica.
Ngoenha considera que o filósofonão deve comprometer a sua autonomia analítica por causa da
condição da falta. Ele tem a tarefa difícil de manter-se num autónomo pensador que não se deve
deixar simular pela ilusão de poder político.Preservar a autonomia psicológica faz com que o
Filosofia Africana, desde a sua génese (como uma (id)entidade mestiça situada entre os escombros
da modernidade e pós-modernidade embora ela não seja nenhum dos dois), viva sob uma constante
incerteza onde a sua própria existência aparece como um problema. Trata-se de uma Filosofia em
constante perigo de morte, portanto uma Filosofia que deve viver perigosamente.
Usando o arsenal da histórica das ideias, dos conceitos políticos paradigmáticosapartados dos
últimos dois mil anos e numa viagem espácio-temporal vertiginosa, o autorlocaliza Moçambique e
inequivocamente avança a sua proposta, que será uma alternativa aoatual paradigma liberal
dominante.Trata-se de uma sugestão quenãoé apenas para a política moçambicana mas também
Africana. Face a queda do murro de Berlim que culminou com o colapso do comunismo soviético,
parecenãohaver outra forma de governação senão democracia liberalonde o político esta
subordinado ao económico de tal modo que os indivíduos eleitos a para ocupar cargos políticos
procuram oportunidades para fazerem negócios em beneficio próprio. Esta democracia liberalizada
é caracterizada por uma tendência à objectificaçåo dos indivíduos, ou seja naquilo que Foucault
denomina debiopolítica.