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Trabalho de Conclusão de Curso – Engenharia Química – UNESC (2022) 1

Influência da concentração de sais na isomerização dos α-ácidos do lúpulo


Hallertau Magnum

Melissa Longen Panatto1 Alexandre Gonçalves Dal Bó2 Emerson Colonetti3

Resumo: A indústria cervejeira vem crescendo no amostra 02 (150 ppm) e a amostra 03 (300 ppm).
Brasil, principalmente nos últimos anos, em especial as Parâmetros como taxa de evaporação de água, o teor de
microcervejarias e cervejeiros caseiros. Sucessivamente sólidos solúveis (°B) e a densidade não foram afetados
a isso, vem crescendo a exigência pela melhor qualidade pela adição dos sais, obtendo-se valores próximos para
das cervejas consumidas. O lúpulo há muito tempo é todas as amostras. Obteve-se o BU final para a amostra
utilizado no processo de fabricação de cerveja, por 01 de 27,70, a amostra 02 de 26,80 e a amostra 03 de
conferir amargor e notas aromáticas, essencial para 26,28, sendo estas variações correlacionadas a variação
muitos estilos de cervejas. O principal interesse de pH.
industrial recai sobre as flores femininas, ricas em
lupulina. A comercialização é realizada na forma de Palavras-chave: Lúpulo. Cerveja. Cloreto de cálcio.
cones secos, em pellets e como extrato. Os principais Sulfato de cálcio. BU. α-ácidos.
constituintes da lupulina são as resinas macias, onde se
encontram os α-ácidos, β-ácidos e as resinas duras. Os  1mell.longen@gmail.com

α-ácidos são compostos por cincos substâncias  2abalbo@unesc.net

 3emersonc@unesc.net
humulonas semelhantes, e insolúveis em água, não
contribuindo significativamente para o sabor da cerveja,
1 Introdução
sendo necessária sua isomerização que ocorre durante a
fervura a temperaturas maiores ou iguais a 100 ºC,
O lúpulo, planta classificada como Humulus
sintetizando os seus isômeros solúveis em água,
lupulus, é de difícil cultivo e típica de regiões frias, é
responsáveis pelo amargor. Alguns fatores podem
dióica, possuindo flores masculinas e femininas em
influenciar na isomerização destes compostos, como por
plantas diferentes (VENTURI FILHO, 2005). O
exemplo o pH, a adição de sais cálcio e magnésio, com
principal interesse comercial está na fabricação de
íons sulfato e cloreto que se dissolvem no mosto antes
cerveja, por conferir amargor e aroma diversificado. Nos
da fervura. Assim, nos experimentos realizados neste
demais processos é utilizado, “por sua ação
trabalho, foram avaliados a influência da adição dos sais
bacteriostática e qualidades conservantes” (FARAG;
cloreto de cálcio (CaCl2) e sulfato de cálcio (CaSO4)
WESSJOHANN, 2012).
sobre o BU (Bittering Units) obtido em função do
Os compostos de maior importância são
tempo, pelo método EBC 9.8. Um mosto cervejeiro foi
encontrados na inflorescência de plantas femininas do
preparado com 10 % em massa de extrato de malte
lúpulo em forma de cone. Nesses cones são produzidas
Pilsen “Dry Brew” e 0,3 g de lúpulo “Hallertau
resinas que são peculiares ao lúpulo e que não são
Magnum” em pellets (14,30% de α-ácidos) em água
encontradas em nenhuma outra espécie de plantas
deionizada. Observou-se que a variação na concentração
(SPÓSITO et al., 2019).
de sais influência o pH logo após a adição, porém a
A flor do lúpulo, em formato de cone
variação de pH devido à fervura foi semelhante para as
representado na Figura 1, são agrupadas em cachos ou
três amostras de mosto, a amostra 01 (Branco), a
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umbelas que possuem uma vértebra que apresenta várias proteínas, ceras, esteroides, entre outros (DURELLO;
dobras sobre as quais se fixam os pares de brácteas e SILVA; JR, 2019). Na Tabela 1, estão descritos os
bractéolas (VENTURI FILHO, 2010). As glândulas de principais constituintes da lupulina.
lupulina, caracterizadas por sua cor amarelada, são
“ricas em resinas e óleos essenciais utilizados para obter Tabela 1 - Composição da lupulina
aroma e amargor em cervejas” (SPÓSITO et al., 2019). Constituinte % (m/m)
Resinas totais 15 – 30
Figura 1 - Corte transversal das flores fêmeas de lúpulo Óleos essenciais 0,5 – 3
Proteínas 15
α-ácidos 3 – 15
β-ácidos 3-6
Polifenóis (taninos) 4
Pectinas 2
Aminoácidos 0,1
Ceras e esteroides Traços – 25
Cinzas 8
Umidade 10
Fonte: PAULO (2010). Celulose 43
Fonte: ALMAGUER et al (2014); ALMEIDA (2019).
Após a colheita, a flor do lúpulo passa pelo
processo de secagem, melhorando sua conservação e É de ressaltar que as técnicas de cultivos, o local
transporte. Durante a secagem ocorrem transformações e variedade do lúpulo, além de outros fatores após a
físico-químicas nas flores, entre as principais, sua colheita, alteram a concentração desses constituístes.
descoloração e perda de textura, como também a perda A química do lúpulo é dividida em dois grupos,
de parte de compostos voláteis, principalmente de óleos considerando a sua solubilidade em diferentes solventes:
essenciais (SPIES, 2018). Todo o processo é as resinas macias, onde se encontram os α-ácidos (3-
rigorosamente controlado para garantir equilíbrio na 15%) e β-ácidos (3-7%) e as resinas duras (SPÓSITO et
redução da umidade e controle da qualidade. al., 2019).
A comercialização da planta ocorre de três As resinas macias são responsáveis por conferir
formas: “in natura” (cones secos), em pellets ou como o amargor da cerveja, devido a presença dos ácidos
extrato. Atualmente, o lúpulo “in natura” quase não é amargos do lúpulo, “uma mistura de α-ácidos e β-ácidos
utilizado, visto que é facilmente oxidado sem as (humulonas e lupulonas, respectivamente) que podem
condições ideais de armazenamento. Os dois últimos, corresponder de 5-21% da massa total do lúpulo em base
por serem produtos mais concentrados em alfa ácidos, seca” (DURELLO; SILVA; JR, 2019).
exigem menos espaço no armazenamento, são mais Os α-ácidos são compostos por cinco substâncias
estáveis e facilmente manipulados na indústria de humulonas semelhantes: a humulona (35-70%), a
cerveja (LIMA; BORZANI; SCHMIDELL; cohumulona (20–55%), a adhumulona (10-15%), a
AQUARONE, 2001). prehumulona (1-10%) e a poshumulona (1-3%)
A composição química da lupulina é complexa e (SANTOS, 2020). A estrutura química dos principais α-
apresenta compostos metabólicos secundários como, ácidos do lúpulo é apresentada na Figura 2.
por exemplo, resinas totais, polifenóis, óleos essenciais,
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Figura 2 - Estruturas químicas dos principais α-ácidos do lúpulo

Fonte: DURELLO; SILVA; JR (2019).

Segundo Nascimento (2021), como são Existe alguma melhora na isomerização entre 45
insolúveis em água, os α-ácidos não contribuem a 90 minutos (cerca de 5%), mas apenas uma pequena
significativamente para as propriedades da cerveja, melhora no resto do tempo (<1%) (PALMER, 2006).
sendo necessária sua isomerização, durante o processo Os três principais compostos dos α-ácidos ao
de fervura que ocorre em temperaturas ≥ 100 ºC, isomerizarem, formam dois estereoisômeros cada,
produzindo seus isômeros solúveis em água. gerando seis novas espécies químicas, conforme
No processo cervejeiro, os lúpulos acima de 10% ilustrado na Figura 3. A isomerização pode ser
de α-ácidos, são adicionados normalmente no início da favorecida pelo pH alto face a adição de cálcio e
fervura do mosto, permanecendo durante 45 a 90 magnésio, dissolvidos no mosto antes da fervura
minutos, convertendo para iso-α-ácidos, devido a (LILANDOMA, 2012).
“contração do anel aromático aumentando a
solubilidade no mosto” (ALMEIDA, 2019).

Figura 3 - Representação química da etapa de isomerização dos α-ácidos do lúpulo

Fonte: JASKULA et al (2008) apud NASCIMENTO (2021)

O pH do mosto sofre influência das propriedades cálcio e magnésio reagem com o malte, influenciando o
da água utilizada, o tipo de mosto e alguma acidificação pH no processo de fabricação cervejeiro (PRIEST;
(JORGE, 2004). A adição dos sais cloreto e sulfato de STEWART, 2006).
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No mosto onde o pH é menor, a isomerização das concentração. Constata-se que os efeitos de sabor destes
substâncias amargas do lúpulo é inferior e íons são contrários (PRIEST; STEWART, 2006)
consequentemente o rendimento também será baixo. O Desta forma, a utilização é o fator de maior
pH se eleva, diminui a atividade enzimática, as amilases importância ao descrever a eficiência da isomerização
atuam menos sobrando mais dextrinas, menos proteólise dos α-ácidos em função do tempo. A isomerização de α-
e substâncias amargas (JORGE, 2004 apud ácidos em iso-α-ácidos, durante a fervura do mosto
MONTERIO, 2001). Durante a fervura ocorre uma apresenta baixo rendimento, raramente superiores a 30%
redução do pH entre 0,20 a 0,25 (BARREIRO, 2016). (KEUKELEIRE, 1998). A utilização é influenciada pelo
Cada estilo de cerveja apresenta uma composição vigor da fervura, pela densidade do mosto, pelo tempo
química de minerais na água. Em alguns casos é de fervura e vários outros fatores (PALMER, 2006),
necessário a correção de cálcio, bicarbonato, magnésio, incluindo a variação do pH (MALOWICKI;
ferro e sódio, adequando a água para a produção do SHELLHAMMER, 2005).
estilo de cerveja. O tempo de fervura é um dos fatores de maior
A água ideal para fabricação de cerveja pode-se importância para a isomerização das humulonas,
caracterizada por: pH entre 6,5 e 7,0 (TOZZETO, 2017 conforme apresentado na Figura 4. Quanto maior o
apud AQUARONE et al, 1983), a cerveja Pilsen tem tempo de fervura, até um dado limite, maior a taxa de
água bem leve, com cálcio, magnésio e sulfato inferior isomerização (DURELLO; SILVA; JR, 2019). Segundo
a 10 mg/L, e bicarbonato superior a 10-20 mg/L Durello (2019), a taxa de utilização do lúpulo é
(RIBEIRO et al., 2018). calculada pela multiplicação do Fator Bigness e o Fator
-
Os íons cloreto (Cl ) conferem doçura ao sabor tempo de fervura, conforme Equações 1 e 2:
da cerveja, podendo ser intensificado pelo aumento da
sua concentração de 100 a 500 ppm. Já os íons sulfato Fator Bigness = 1,65 x 0,000125 (Densidade – 1) (1)
2−
(SO4 ), conferem secura e adstringência à cerveja,
aumentando o amargor, conforme o aumento da sua Fator tempo de fervura = (1- e (-0,04 x tempo min))/4,15 (2)

Figura 4 - Taxa de utilização do α-ácidos em função do tempo de fervura do mosto

Fonte: DURELLO; SILVA; JR


(2019).
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A importância no conhecimento da eficiência de O amargor das amostras é expresso em unidades


conversão dos α-ácidos em iso-α-ácidos, é devido ao de amargor (BU), conforme calculado pela Equação 3
amargor necessário em cada estilo de cerveja. O (EBC, 2004):
amargor da cerveja é expresso em BU (Bittering Units –
Unidade de Amargor), por definição 1 BU equivale a 1 Amargor (BU) = 50 x A275 (3)
mg de α-ácido por litro de cerveja.
Desta forma, para se conhecer o BU é utilizada a onde A275 é a absorbância em comprimento de onda 275
técnica de extração dos iso-α-ácidos em iso-octano nm e BU é a unidade de medida de amargor.
(2,2,4-trimetilpentano) com as amostras acidificadas e A cerveja IPA (India Pale Ale) tem em média de
medidas no espectrofotômetro com comprimento de 40 a 70 IBU e uma American Light Lager de 8 a 12 IBU,
onda de 275 nm (SILVA; FARIA, 2008). sendo, portanto, a IPA bem mais lupulada que a
A absorbância a 275 nm é a soma de todas as American Light Lager (GUIMARÃES, 2020). Na
espécies extraídas da cerveja que absorvem luz UV, e Figura 5 é ilustrada a escala de IBU por estilo de cerveja.
menores contribuições de espécies que não contribuem
para a amargura, como polifenóis podem aparecer no
resultado final (CHRISTENSEN; LADEFOGED;
NØRGAARD, 2005).

Figura 5 - Escala de IBU por estilo de cerveja


10 20 25 30 40 60 100

American Blonde Irish Red American American India Double


Light Ale Ale Stout Pale Ale Pale Ale India
Lager Pale Ale

Fonte: TJBC (2020).

Neste contexto, o objetivo geral do trabalho foi agitada por 10 min no agitador magnético, até sua
analisar e quantificar em laboratório, a isomerização dos completa homogeneização.
α-ácidos em iso-α-ácidos em BU do lúpulo Hallertau Em seguida, o mosto foi filtrado a vácuo,
Magnum em pellets, com 14,30% de α-ácidos, variando utilizando papel filtro em faixa preta com retenção
a concentração de sais cloreto de cálcio (CaCl2) e nominal de 20-25 micra. Para estudo a concentração de
sulfato de cálcio (CaSO4), na relação 1:1 (m/m), com cálcio foi variada em 150 ppm e 300 ppm, usando os sais
um mosto cervejeiro preparado a 10% em massa com cloreto de cálcio (CaCl2) com 96% de pureza da Êxodo
extrato de malte Pilsen “Dry Brew”. Científica e sulfato de cálcio (CaSO4) com 100% de
pureza da marca Synth, na relação de 1:1 (m/m). Um
2 Materiais e Métodos mosto branco, sem a adição de sais foi produzido para
comparação.
O mosto cervejeiro foi preparado com água Antes da fervura, foram medidas as propriedades
deionizada produzida no laboratório, utilizou-se 100 g/L físico-químicas do mosto, o pH com pHmetro de
do extrato de malte Pilsen “Dry Brew” e a mistura bancada da marca Quimis e modelo Q400AS, o teor de
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sólidos solúveis com refratômetro manual da marca As amostras foram analisadas por
Quimis e modelo Q107.1 e a densidade foi calculada Espectroscopia de UV-vis, com um espectrofotômetro
através da Equação 4, multiplicando o teor de sólidos da marca BEL PHOTONICS, no comprimento de onda
solúveis (°B) por 4 e somando-se com valor da de 275 nm, contra uma referência de iso-octano (C8H18)
densidade da água em g/mL. puro da marca Merck, conforme metodologia European
Brewing Convention EBC 9.8. Cada amostra analisada,
ρ = (°B x 4) + 1000 (4) foram duas vezes quantificadas e a partir das suas
medidas experimentais, obteve-se os resultados finais
Na fervura 1 L do mosto foi utilizado e aquecido pela média aritmética. O processo analítico
no agitador magnético com aquecimento, conforme desenvolvido está apresentado no Fluxograma 1.
Figura 6, até a temperatura de ebulição. As temperaturas
de ebulição dos mostos, nas amostras 01 (Branco), 02 Fluxograma 1 - Processo de fabricação do mosto
(150 ppm) e 03 (300 ppm), respectivamente, foi de 100 cervejeiro
ºC, 100,5 ºC e 100 ºC. Em seguida, foi adicionado
respectivamente, 0,3007, 0,3004 e 0,3019 gramas (g) do Preparo do mosto
Adição dos sais
cervejeiro
lúpulo “Hallertau Magnum” em pellets da cooperativa
Barth-Haas, produzido em fevereiro de 2021, com
validade para fevereiro de 2024 e 14,30% de α-ácidos
Propriedades fisico-
fervido por 90 minutos. Após, adicionado o lúpulo, Fervura
quimicas
foram coletados 20 mL de amostra a cada 10 minutos e
levadas ao refrigerador para inativar a reação de
transformação dos iso-α-ácidos.
Adição do lúpulo Coleta das amostras

Figura 6 - Fervura do mosto cervejeiro no agitador


magnético com aquecimento
Análise em
Resfriamento das
Espectroscopia de
amostras
UV-vis
Fonte: Autores (2022).

Foram sucessivamente pipetados em erlenmeyer


10 mL da amostra, 1 mL de ácido clorídrico 6 M (HCl)
e 20 mL de iso-octano (C8H18), em seguida as amostras
foram levadas ao agitador magnético por 5 minutos. O
iso-octano (C8H18) foi separado da emulsão formada e
as amostras foram centrifugadas em tubos de ensaio por
15 minutos a 2000 rpm.
A fração sobrenadante do iso-octano (C8H18), foi
coletada dos tubos com auxílio da pipeta de pasteur e
analisadas no espectrofotômetro UV-vis, em uma cubeta
de quartzo de caminho óptico de 10 mm. As medidas de

Fonte: Autores (2022). absorbância registradas, foram utilizadas para o cálculo


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da concentração de iso-α-ácidos extraída da amostra sais alterou o pH inicial logo ao ser adicionado no início,
pelo iso-octano, encontrando assim o BU do mosto ao e que quanto maior a adição de sais menor o pH inicial.
longo do tempo de fervura. Os valores de pH inicial e final junto do desvio
padrão para cada amostra estão apresentados na Tabela
2.
3 Resultados e Discussões

Tabela 2 - Valores de pH inicial e final em comparação


Os íons presentes na água cervejeira, são
com o mosto branco
oriundos de sais que se dissociam durante as etapas do
Amostra pH Inicial pH Final
processo cervejeiro, ou que já estão presentes na água
01 5,67 ± 0,34 5,41 ± 0,33
utilizada. A adição dos sais ocorre durante o preparo do
02 5,31 ± 0,06 5,04 ± 0,02
mosto, impactando no pH, na qualidade e no sabor final
da cerveja.
03 5,22 ± 0,02 4,97 ± 0,07

Conforme Priest e Stewart (2006), os íons Cl- e Fonte: Autores (2022).

SO4-2 apresentam efeitos opostos no corpo palato da


cerveja e muitas vezes independem dos cátions Conforme literatura Huang, Tippmann e Becker

acompanhantes, sendo mantidos em razão proporcional (2013), aumentando o valor do pH da mistura, aumenta

de equilíbrio, com o desígnio do preparo da cerveja. De a degradação dos alfa-ácidos em iso-alfa-ácidos.

acordo com Priest e Stewart (2006), a concentração do Contudo, em um mosto onde o pH é baixo, a

cátion Ca2+ tem influência no pH do mosto, reagindo isomerização das substâncias amargas do lúpulo é

com os componentes do malte, além de estimular nas reduzida, e consequentemente a taxa de utilização é

atividades enzimáticas de transformação do amido do menor.

malte em açúcares fermentescíveis e pode ser Foi observado por Jaskula et al (2010) apud

adicionado na forma de CaCl2 ou CaSO4. Barreiro (2016), que o rendimento de isomerização dos

Com a adição dos sais cloreto de cálcio e sulfato α-ácidos, ocorre na primeira etapa da reação de

de cálcio, é possível constatar a variação no pH inicial isomerização, onde forma-se um ânion, sendo

nas amostras, 02 e 03, se comparado com a amostra 01. favorecida pelo pH mais elevado. O rendimento de

Decorrendo da adição dos íons Ca2+, interagindo e conversão dos α-ácidos em iso-α-ácidos deve ser

reduzindo o pH, ou seja, quanto maior a concentração de conhecido, a fim de atingir os níveis de amargor

íons Ca2+, menor será o pH do mosto. Conforme descrito desejados.

por Barreiro (2016), ao final da fervura o pH dos mostos A taxa de utilização foi calculada através da

pode ser reduzido entre 0,20 a 0,25, ocasionado pela multiplicação entre o fator de Bigness e fator tempo de

adição do lúpulo e da floculação das proteínas. A fervura, conforme Equações 1 e 2, já descritas. De

variação de pH das amostras, 01 (Branco), 02 (150 ppm) acordo com literatura descrita por Keukeleire (1998), a

e 03 (300 ppm), respectivamente, foi de 0,26, 0,27 e taxa de utilização tende a não ultrapassar os 30%. A taxa

0,25. A oscilação de valores foi semelhante para as três de utilização em % para cada amostra no tempo de 90

amostras, apresentando-se próximo da faixa minutos, em razão de apresentar uma maior taxa de

especificada por Barreiro (2016) e evidenciando que a isomerização, é mostrado na Tabela 3. Os valores

diferença na concentração de sais não influenciou nos encontrados apresentam uma variação de 0,12% do

valores de pH na fervura. Observou-se que a adição de maior para o menor. A amostra 01 (Branco) apresentou
a maior taxa de utilização e a amostra 03 (300 ppm),
mostrou a menor taxa. Com isso, todos ficaram abaixo
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dos 30% proposto por Keukeleire (1998). Ao final da Tabela 4 - Variação de densidade e volume em
fervura é pressuposto que o BU final da amostra 01 comparação com a amostra 01
(Branco), terá maior amargor que as demais. O pH e a Amostra ρ Inicial ρ Final Volume
taxa de utilização mostraram ser propriedades (g/mL) (g/mL) Final (mL)
diretamente proporcionais. 01 1,0340 1,0445 630
02 1,0340 1,0450 625
Tabela 3 - Taxa de utilização em comparação com a 03 1,0330 1,0455 630
amostra 01 Fonte: Autores (2022).
Amostra Taxa de utilização (%)
Conforme Ribeiro et al (2018), o mosto é
01 25,93
mantido em fervura até atingir a concentração desejada
02 25,81
de açúcar para o início da fermentação, durante 60-90
03 25,69
minutos, permitindo a evaporação máxima de até 10%
Fonte: Autores (2022).
do volume inicial. Com o valor do volume final medido,
após os 90 minutos de fervura, foi quantificado a taxa de
Apesar da temperatura de ebulição não ser
perda da água, fazendo uma relação diretamente
apresentada nas Equações 1 e 2, no cálculo da taxa de
proporcional do volume de inicial com o volume final.
utilização, essa variável tem importância para
A taxa de perda da água encontrado para a amostra 01
compreensão da cinética de isomerização e da taxa de
(Branco), 02 (150 ppm) e 03 (300 ppm),
perda de água, onde este último é também influenciado
respectivamente, foi de 37 %, 37,5 % e 37 %.
pela potência e vigor de aquecimento. Conforme
Ultrapassando em 27% a evaporação máxima descrita
literatura Huang, Tippmann e Becker (2013), com o
por literatura.
aumento da temperatura a velocidade da reação
Os dados apresentados ao decorrer deste artigo,
aumenta.
foram valorosos para determinar a unidade de amargor
Na etapa de fervura ocorre grande perda de água,
dos mostos, ao longo dos 90 minutos de fervura. A curva
resultando na diminuição do volume do mosto e no
de BU em função do tempo de fervura em minutos de
aumento da densidade. De acordo com Durello (2019),
cada amostra é apresentada no Gráfico 1.
a densidade é um fator importante, quanto maior for a
densidade, menor será a taxa de utilização e
consequentemente, espera-se que menor será o amargor
da cerveja. A densidade apresentada em cada mosto,
mostrou uma pequena flutuação de valores, em razão do
preparo do mosto com extrato de malte, no qual o teor
de sólidos dissolvidos inicial das amostras, 01 (Branco),
02 (150 ppm) e 03 (300 ppm), respectivamente, foi de
8,6 °B, 8,6 °B e 8,4 °B. Desse modo, a densidade foi
calculada, conforme Equação 4, já descrita.
Na Tabela 4 estão apresentados os dados iniciais
e finais da densidade das amostras em g/mL e o volume
final para cada amostra, sendo o volume inicial de 1000
mL para cada.
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Gráfico 1 - Curva Linear de Unidade de amargor em BU versus Tempo em minutos comparando com a amostra 01
(Branco)

Fonte: Autores (2022).

Na curva da amostra 01 (Branco) o BU inicial foi apontasse o maior valor de BU final. Assim, como na
de 19,75, a curva é crescente até o final de fervura, onde amostra 03 (300 ppm), obtivesse o menor BU final.
o BU obtido foi de 27,70. No ponto em 70 minutos Algumas inconstâncias foram observadas, nos
ocorreu uma pequena flutuação de BU, devido a valores de BU, em razão da emulsão formada pela
formação de emulsão, após a agitação da amostra que interação da amostra com os reagentes, durante a
foi de 25,50, visto que, o BU encontrado no ponto em agitação da mesma.
60 minutos foi de 25,55. Na curva da amostra 02 (150
ppm), o BU inicial foi maior que na amostra 01, 4 Conclusões
atingindo 20,90. Porém, no BU final, o valor obtido foi
menor que na amostra 01, atingindo 26,80. Na amostra A partir, dos resultados obtidos, observou-se que
03 (300 ppm), o BU inicial também foi maior que na a variação na concentração de sais, acarretou na variação
amostra 01, marcando 20,48. Já o BU final encontrado, do pH inicial dos mostos preparados. A variação de pH,
foi menor, obtendo 26,28. devido à fervura foi semelhante para as três amostras de
A principal influência na variação da mosto, evidenciando que a diferença na concentração de
concentração de sais cloreto de cálcio e sulfato de cálcio, sais, não influenciou nos valores de pH durante o
ocorreu na variação do pH inicial do mosto cervejeiro. processo de fervura.
De acordo com os valores de pH obtidos durante a A maior taxa de utilização de α-ácidos obtida, foi
experimentação, era previsto que a amostra 01 (Branco), para a amostra 01 (Branco) com 25,93% e a menor taxa
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foi da amostra 03 (300 ppm) com 25,69%. Esses fatores, http://hdl.handle.net/10400.22/11153>. Acesso em: 25
abr. 2022.
resultaram para a amostra 01 (Branco), o maior BU final
se comparado com os demais, e para a amostra 03 (300 CHRISTENSEN, J.; LADEFOGED, A. M.;
ppm) o menor BU final. Estes resultados, estão de NØRGAARD, L. Rapid determination of bitterness
in beer using fluorescence spectroscopy and
acordo com literatura, quanto maior o pH, maior será sua chemometrics. Journal of The Institut of Brewing, v.
influência na isomerização dos α-ácidos, provocando o 111, n. 1, p. 3-10, 2005. Disponível em:
<https://doi.org/10.1002/j.20500416.2005.tb00642.x>.
aumento na taxa de utilização. Acesso em: 29 abr. 2022.
A taxa de evaporação de água, foi semelhante
DURELLO, Renato da Silva; SILVA, Lucas M;
para todas as amostras, com pequenas variações dentro JUNIOR, Stanislau Bogusz. Química do
das condições experimentais. O teor de sólidos solúveis Lúpulo. Química Nova, São Paulo, v. 42, n. 8, p. 900-
919, 2019. Disponível em: <
(°B) e a densidade não foram afetados pela adição dos http://dx.doi.org/10.21577/0100-4042.20170412 >.
sais, obtendo-se valores próximos, com pequenas Acesso em: 10 mar. 2022.
oscilações, provocadas por erro de leitura na escala do
EBC, European Brewery Convention Analytica. 9.8
refratômetro. Bitterness in Beer. Alemanha, 2004.
Deste modo, sugere-se realizar estudos com
FARAG, M. A.; WESSJOHANN, L. A. Cytotoxic
outras condições dos sais cloreto de cálcio e sulfato de effect of commercial Humulus lupulus L. (hop)
cálcio, alternando a relação mássica de 1:1 (m/m) para preparations - In comparison to its metabolomic
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Insumos cervejeiros, a Cervejaria The Nose Mustache e
ao LAPPA, pelo apoio financeiro e infraestrutura para HUANG, Yarong; TIPPMANN, Johannes; BECKER,
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