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Excertos de Zizek.

ZIZEK, Slavoj. Multiculturalismo ou a lógica a lógica cultural do capitalismo


multinacional. In: DUNKER, Christian; PRADO, José (Orgs.). Zizek crítico: política e
psicanálise na era do multiculturalismo. São Paulo: Hacker, 2005. p. 11-45.

Relação entre capitalismo global, colonização e o projeto multiculturalista – como o


capitalismo se apropria do multiculturalismo.

“E, é claro, a forma ideal de ideologia deste capitalismo global é o multiculturalismo, a


atitude que, a partir de uma posição global vazia, trata cada cultura local da maneira
como o colonizador trata o povo colonizado - como ‘nativos’ cujos costumes devem ser
cuidadosamente estudados e ‘respeitados’. Ou seja, a relação entre o colonialismo
imperialista tradicional e a auto colonização capitalista global é exatamente a mesma
que a relação entre o imperialismo cultural ocidental e o multiculturalismo: assim como
o capitalismo global implica o paradoxo da colonização sem a metrópole do Estado-
nação colonizador, o multiculturalismo implica uma distância e/ou respeito eurocêntrico
condescendente pelas culturas locais, sem raízes em alguma cultura particular própria.
Em outras palavras, o multiculturalismo é uma forma repudiada, invertida e auto
referencial de racismo, um ‘racismo com distanciamento’ – ‘respeita’ a identidade do
Outro, concebendo o Outro como uma comunidade ‘autêntica" e autocontida em relação
à qual ele, o multiculturalista, mantém uma distância possibilitada por sua posição
universal privilegiada. O multiculturalismo é um racismo que esvazia sua própria
posição de todo conteúdo positivo (o multiculturalista não é um racista direto, não opõe
ao Outro os valores particulares de sua própria cultura), mas mantém sua posição como
o ponto vazio da universalidade, privilegiado, a partir do qual se pode apreciar (e
depreciar) apropriadamente as outras culturas particulares – o respeito do
multiculturalista pela especificidade do Outro é a forma mesma como afirma sua própria
superioridade” (ZIZEK, 2005, p. 32-33).
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Crítica às “cadeias de equivalências” de Laclau e Mouffe (de algum modo antecipada


por Freire) – como o multiculturalismo abandona uma posição revolucionária.

“As ‘exceções’ de hoje – sem-teto, habitantes de guetos, desempregados crônicos – são


o sintoma do sistema universal do capitalismo tardio que nos lembra, de forma
crescente e permanente, qual é a lógica imanente do capitalismo tardio: a própria utopia
capitalista é a de que, tomando-se as medidas certas (para os liberais progressistas, ação
afirmativa ou discriminação positiva; para os conservadores, uma volta à
autossuficiência e aos valores da família), essa ‘exceção’ poderia ser – pelo menos em
longo prazo e em princípio eliminada. E também estamos diante de uma utopia
homóloga na noção de ‘coalizão arco-íris’, na ideia de que, em algum momento futuro
utópico, todas as lutas ‘progressistas’ – pelos direitos de gays e lésbicas, das minorias
étnicas e religiosas, a luta ecológica, feminista, etc – estarão unidas na ‘cadeia de
equivalências’ comum? Uma vez mais, a necessidade do fracasso é estrutural: o
problema não é simplesmente que, devido à complexidade empírica da situação, nunca
haverá uma união de todas as lutas ‘progressistas’ particulares, que sempre ocorrerão
cadeias de equivalências ‘erradas’ – por exemplo, o encadeamento da luta pela
identidade étnica afro-americana à ideologia patriarcal e homofóbica; trata-se, ao
contrário, de que as emergências dos encadeamentos ‘errados’ estão alicerçadas no
próprio princípio estruturante da política ‘progressista’ atual de criação de ‘cadeias de
equivalências’: o próprio âmbito da multidão de lutas particulares, com seus
deslocamentos e condensações em constante mutação, é sustentado pela ‘repressão’ do
papel chave da luta econômica – a política de esquerda em relação às ‘cadeias de
equivalências’ entre a pluralidade de lutas é estritamente correlativa ao abandono tácito
da análise do capitalismo como sistema econômico global e à aceitação das relações
econômicas capitalistas como marco inquestionável” (ZIZEK, 2005, p. 36).
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Posição de Peter McLaren, citada por hooks, que eu gostaria de contrapor às análises de
Zizek.

“A diversidade que se constitui de algum modo como uma harmônica colagem de


esferas culturais benignas é uma modalidade conservadora e liberal de
multiculturalismo que, a meu ver, merece ser jogada fora. Quando tentamos transformar
a cultura num espaço imperturbado de harmonia e concordância, onde as relações
sociais existem dentro da forma cultural de um acordo ininterrupto, endossamos um tipo
de amnésia social onde esquecemos que todo conhecimento é forjado em histórias que
se desenrolam no campo dos antagonismos sociais” (MCLAREN, apud hooks, 2013,
p. 47).

Ideia: numa concepção de democracia radical que não coíba, mas que realce os conflitos
e antagonismos sociais, o processo de mudança torna-se ininterrupto, podendo sim
promover amplas transformações sociais.

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