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PONTES

Entre o Comércio e o
Desenvolvimento
Outubro 2007
Vol. 3 No. 5
Sustentável

1 As coalizões e a construção
de consenso na OMC As coalizões e a construção de consenso na OMC
4 Rodada Doha: a colisão
esperada
Mayur Patel*
6 A construção de um As coalizões formadas por países em desenvolvimento (PEDs) são hoje parte integrante do
sistema multilateral de processo de construção de consenso na OMC. É importante atentar para as implicações das
comércio favorável ao mudanças trazidas por elas para os debates sobre transparência, participação e reforma insti-
desenvolvimento tucional.
8 A serviço do desenvol-
vimento: as negociações A preocupação com a representação dos PEDs sempre A prática de negociar por meio de coalizões não é
sobre o comércio de esteve presente nos debates sobre o sistema multila- novidade nas negociações comerciais, mas a prolifera-
serviços na OMC teral de comércio. Em 1999, o dramático fracasso da ção e institucionalização sem precedentes dos atuais
Conferência Ministerial de Seattle reconheceu a mar- agrupamentos chamam atenção. São claramente visí-
10 Plano de ação da OMS ginalização dos PEDs nas principais deliberações como veis a formação e coordenação de várias coalizões, em
incentiva pesquisas para um dos desafios políticos centrais enfrentados pela especial o G-20, o G-33, o grupo de Países de Menor
doenças negligenciadas OMC. Organizações Não Governamentais (ONGs), Desenvolvimento Relativo (PMDRs), o Grupo de Esta-
11 Acordos comerciais com estudiosos e Membros da OMC apresentaram diversas dos da África, Caribe e Pacífico (ACP, sigla em inglês),
a UE: oportunidade ou propostas de reformas que buscavam maior trans- o Grupo Africano, o Grupo de Economias Pequenas e
armadilha para PEDs e parência e inclusão na Organização. O debate ainda Vulneráveis (EPVs), o Mercado Comum e Comunidade
PMDRs? não levou a qualquer mudança institucional formal, do Caribe (CARICOM, sigla em inglês) e o Grupo de
mas as atuais práticas de negociação e construção de Cairns, que se reúnem regularmente para determinar
13 A Secretaria do Mercosul
consenso têm sido gradualmente alteradas. Neste con- e defender posições comuns. As diferenças entre os
no contexto de reforma
texto, a mudança mais significativa foi o surgimento tipos de grupos informais existentes na OMC foram
institucional do bloco
de coalizões entre os PEDs e a inclusão destas como enumeradas no último número do Pontes Bimestral
15 China e Mercosul: plataformas de representação conjunta na OMC. (v. 3, n. 4, agosto). Como seqüência daquela análise,
perspectivas para o
comércio bilateral
18 Propriedade Intelectual nos
Tratados de Livre Comércio VOCÊ SABIA?
dos EUA: uma mudança de
Que o Banco Mundial realizou um estudo sobre os diferentes requerimentos para exportação e importação de bens?
política?
A tabela abaixo apresenta os indicadores regionais para exportação e importação de bens e inclui:
20 Arbitragem investidor- • o número de documentos necessários;
Estado e regulamentação • o tempo necessário para cumprimento de todas as obrigações; e
ambiental: a experiência
• o custo associado a tais procedimentos por container.
mexicana
22 O Mercado Internacional Documentos Tempo de Custo de expor- Documentos Tempo de Custo de impor-
de Etanol: que papel cabe ao Região necessários à exportação tação (US$ por necessários à importação tação (US$ por
Brasil? exportação (dias) container) importação (dias) container)
Ásia do Leste &
6,9 24,5 885,3 7,5 25,8 1.014,5
Pacífico
Europa do Leste
7,0 29,3 1.393,4 8,3 30,8 1.551,4
& Ásia Central
América Latina
7,0 22,2 1.107,5 7,6 25,8 1.228,4
& Caribe
Oriente Médio &
7,1 24,8 992,2 8,0 28,7 1.128,9
África do Norte
OCDE 4,5 9,8 905.0 5,0 10,4 986,1
Sul da Ásia 8,6 32,5 1.179,9 9,1 32,1 1.417,9
África Subsaa-
8,1 35,6 1.660,1 9,0 43,7 1.985,9
riana

Fonte: Trading Across Borders. Banco Mundial, 2007

PONTES está disponível on-line em: http://www.ictsd.org/monthly/pontes e http://www.edesp.edu.br/


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Espaço aberto

o presente artigo examina até que ponto o cional, principalmente devido à expansão

PONTES surgimento das coalizões contribuiu para


a transparência e inclusão no processo de
comercial da China. Houve poucas mudan-
ças, porém, no poder material de outros
tomada de decisões da OMC. grupos de PEDs, em especial dos grupos
Entre o Comércio e o Africano, ACP e PMDRs. Mas apesar da
Desenvolvimento Sustentável Acesso ao processo de estagnação, essas coalizões também logra-
ram maior acesso institucional.
tomada de decisões
PONTES tem por fim reforçar a capacidade
dos agentes na área de comércio Conforme as coalizões de PEDs torna- O cenário atual sugere que as mudanças na
internacional e desenvolvimento ram-se mais organizadas, o padrão infor- construção de consenso na OMC também
sustentável, por meio da disponibilização mal de construção do consenso na OMC podem ser explicadas pelo processo de nego-
de informações e análises relevantes para também foi sendo gradualmente alterado. ciação das próprias coalizões. Explica-se. Para
uma reflexão mais aprofundada sobre No passado, a sistemática de negociações tirar maior proveito do fato de estarem repre-
estes temas. É também um instrumento do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas sentadas na Sala Verde, as coalizões passaram
de comunicação e de geração de idéias
(GATT, sigla em inglês) excluía os PEDs a celebrar reuniões internas, nas quais os
que pretende influenciar todos aqueles
envolvidos nos processos de formulação dos processos da Sala Verde – reuniões nas coordenadores prestam contas das discussões
de políticas públicas e de estratégias para quais os negociadores finalizam os compro- ocorridas nas consultas fechadas. Esta disse-
as negociações internacionais. missos que são posteriormente submetidos minação de informações contribuiu para o
à aprovação de todos os Membros. Mesmo aumento da transparência interna das nego-
PONTES foi publicado pelo Centro nos primórdios da OMC, os PEDs que che- ciações, especialmente diante do fato de que
gavam à Sala Verde eram convidados indivi- os documentos das reuniões informais não
Internacional para o Comércio e o De-
dualmente, e nunca como representantes de são arquivados. Portanto, ao contrário das
senvolvimento Sustentável (ICTSD) e grupos mais amplos. Recentemente, entre- reuniões oficiais, o andamento das reuniões
pela Escola de Direito de São Paulo da tanto, tornou-se costumeira a presença fechadas somente pode ser acompanhado se
Fundação Getulio Vargas (DireitoGV). de alguns PEDs nos círculos de consultas houver a efetiva presença das delegações nas
internas, desta vez em sua capacidade ex discussões ou por meio do estabelecimento
Comitê Editorial officio de coordenadores de coalizões. de uma linha de comunicação.
Maximiliano Chab
A inclusão das coalizões no processo de As mudanças no processo de tomada de
Michelle Ratton Sanchez
tomada de decisões na OMC teve início decisões na OMC também podem ser
durante o processo de preparação para a explicadas por outros fatores. Os próprios
Editora Conferência Ministerial de Doha, em 2001, Estados Membros e a Secretaria da OMC
Mônica Steffen Guise Rosina e tornou-se, desde então, cada vez mais já incorporam as coalizões dos PEDs nas
Adriana Verdier institucionalizada. Durante a Conferência principais atividades relacionadas ao
de Hong Kong, o processo da Sala Verde, processo de tomada de decisões, além de
então chamado Grupo Consultivo do considerá-las instrumentos úteis para a
Equipe
Presidente, funcionava como um sistema administração da complexidade das nego-
Cecília Kaneto Oliverio “pseudo-parlamentar”, no qual alguns coor- ciações multilaterais. De fato, recorrer às
Manuela Trindade Viana denadores representavam diferentes países coalizões tornou-se uma via mais fácil para
agrupados em “circunscrições eleitorais”. a construção de consenso, fortalecimento
ISSN: 1813-4378
Neste ponto, o Grupo Africano (represen- da legitimidade dos resultados alcançados
tado pelo Egito), o ACP/G-90 (Ilhas Maurí- e satisfação do desejo dos PEDs de serem
cio), os PMDRs (Zâmbia), o G-20 (Brasil) e o incluídos nas discussões.
ICTSD
G-33 (Indonésia) foram todos participantes
Diretor executivo: Ricardo Meléndez-Ortiz
ativos nas consultas fechadas. Não há dúvidas de que, por meio das coa-
7, chemin de Balexert
lizões, os PEDs, garantem acesso indireto
1219, Genebra, Suíça
Mas o que explica estas mudanças graduais a um processo de tomada de decisões que,
pontes@ictsd.ch
nos padrões do processo de tomada de deci- até pouco tempo, era exclusivo e restritivo.
www.ictsd.org sões? Uma interpretação possível é que o Esta forma de representação, entretanto,
DireitoGV número cada vez maior de PEDs na OMC gera novos e importantes desafios, princi-
Diretor Geral: Ary Oswaldo Mattos Filho e o crescimento econômico dos mercados palmente quanto à prestação de contas e à
Rua Rocha, 233 - 8° andar - Bela Vista emergentes alteraram o equilíbrio material dinâmica interna das coalizões.
01330-000, São Paulo- SP, Brasil de poder nas negociações. De fato, a acessão
pontes@fgvsp.br de PEDs ao GATT/OMC aumentou: no Representação conjunta
www.edesp.edu.br início da Rodada Uruguai, em 1986, apenas
63 PEDs eram Membros do GATT. Já no Historicamente, a coerência de inúmeras
As opiniões expressadas nos artigos assinados lançamento da Rodada Doha, em 2001, este coalizões de PEDs tem sido enfraquecida
em PONTES são exclusivamente dos autores e número subiu para 144. por divergências entre seus Membros.
não refletem necessariamente as opiniões do Até mesmo a presença de fortes interes-
ICTSD, da DireitoGV ou das instituições por Nos últimos 15 anos também houve um ses comuns pode não ser suficiente para
eles representadas.
crescimento significativo da participação assegurar uma representação conjunta.
do G-20 e do G-33 no mercado interna- Em um sistema que permite que um país

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Espaço aberto

negocie em nome de um grupo de países, de consenso voltaram-se para as discussões veis e dos PEDs obterem respostas positivas
o ponto crítico é saber se os Estados são entre o G-6 (União Européia (UE), Estados à defesa de posições comuns. Neste sentido,
capazes de regulamentar o comporta- Unidos da América (EUA), Japão, Austrália, as coalizões enfrentam alguns desafios orga-
mento dos coordenadores dos grupos, Índia e Brasil) e o G-4 (UE, EUA, Índia e Bra- nizacionais e substantivos que precisam ser
de modo a evitar que seu mandato seja sil), o que consequentemente excluiu a vasta discutidos para torná-las mais sustentáveis
esvaziado ou distorcido. maioria dos PEDs e suas coalizões. como plataformas de negociação.

Em coalizões nas quais o cargo de coorde- Implicações de uma reforma Em primeiro lugar, as pressões e as restri-
nador é rotativo, os Membros podem punir ções de tempo das várias negociações – que
os líderes por meio de deposições. Em coa- institucional e horizontes por vezes correm em paralelo – enfra-
lizões nas quais o posto de coordenação é futuros quecem o feedback entre coordenadores
fixo, entretanto, esta fórmula não funciona. e demais Membros dos grupos. Para que
Um modo de solucionar o problema é moni- Outro questionamento importante que as coalizões tenham uma representação
torar o comportamento dos coordenadores se coloca neste contexto é: as mudanças conjunta significativa, elas precisam dis-
quando outros Membros da mesma coali- no processo de construção de consenso – por de tempo suficiente para harmonizar
zão também estiverem presentes na Sala em especial o surgimento das coalizões posições, especialmente durante períodos
Verde, seja em sua capacidade individual de PEDs – compensam a falta de reforma de deliberações intensas.
ou como “Amigos do Presidente”. formal das negociações na OMC?
Em segundo lugar, a responsabilidade pela
Nos dois tipos de coalizão, é comum que É certo que, para os Estados Membros e a coordenação das coalizões é, freqüente-
a delegação coordenadora (fixa ou não) Secretaria da OMC, as coalizões represen- mente, um grande fardo para delegações
forneça assistência técnica e autoridade tam uma via mais fácil para a administra- com recursos limitados. Como conseqü-
política aos outros Membros. Esta prática, ção das pressões do processo de tomada de ência, a coordenação de alguns grupos –
entretanto, pode inibir alguns Membros a decisões. As coalizões também garantem como é o caso do ACP, PMDRs e o Grupo
desafiar a autoridade de seus coordenado- um sentimento geral de representação por Africano – tende a restringir-se a um
res. O dilema levanta importantes ques- parte de todos os Membros. De fato, traba- pequeno número de Membros. Recursos
tionamentos sobre preço que alguns países lhar com as coalizões pode ser mais fácil do financeiros e materiais adicionais deve-
pagam para fazer parte de um contexto de que lidar com propostas de reestruturação riam ser alocados para apoiar o cargo de
acordos de representação conjunta. Muitas formal da Sala Verde. A maneira pela qual coordenador e, assim, permitir que mais
vezes é preciso abrir mão de interesses e as coalizões foram inseridas no processo PEDs assumam posições de liderança em
posicionamentos nacionais para que se de construção do consenso permite flexi- seus respectivos grupos.
chegue a um denominador comum. bilidade – os Membros continuam livres
para determinar as características de suas Por fim, a capacidade das coalizões de esta-
Transparência e Participação coalizões e as alianças podem mudar em belecer posições detalhadas e fazer pressão
resposta a viradas nas negociações. Por é freqüentemente prejudicada pela falta de
Apesar do surgimento das coalizões ter outro lado, tentativas de introduzir agru- experiência e recursos das delegações de
aumentado o acesso, ainda que indireto, pamentos de países mais formais, como muitos PEDs e PMDRs. Por esta razão, as
e a capacidade de fazer pressão dos países aqueles existentes no Fundo Monetário coalizões devem buscar mais programas
mais fracos, é preciso questionar até que Internacional (FMI), correm o risco de de assistência técnica e tornar as redes de
ponto a inclusão dos agrupamentos de enfraquecer esta característica. informações e análises disponíveis. Tam-
PEDs no processo de construção de con- bém é preciso incentivar a capacitação
senso na OMC consegue solucionar os Apesar das coalizões existentes na OMC das secretarias regionais que apóiam os
problemas de transparência e participação constituírem grupos surgidos de acordo agrupamentos de PEDs.
da Organização. com a agenda comercial de Doha, o pro-
cesso de formação das coalizões não é Em suma, apesar do surgimento das coa-
Alguns especialistas encaram a crescente necessariamente imutável ou inimitável. lizões ter contribuído para o aumento
abertura do processo de tomada de decisões São várias as possibilidades: (i) alianças da participação dos PEDs na OMC, o
como uma mudança benéfica à inclusão dos regionais podem unificar-se ainda mais; debate sobre sua efetividade e inclusão
PEDs. Analistas mais céticos, porém, ale- (ii) coalizões de blocos regionais podem nas negociações continua – e deve con-
gam que a representação das coalizões nas dissolver-se conforme as negociações pro- tinuar. Reformar a OMC envolve tratar
reuniões da Sala Verde não passa de uma gridem; e (iii) novos grupos de aproximação tanto da agenda comercial substantiva – o
tentativa de legitimar institucionalmente podem surgir conforme a agenda comercial crescente fardo regulatório dos acordos e a
a tomada de decisões. A resposta talvez mude de foco. Já que as características espe- questão do empreendimento único (single
encontra-se no equilíbrio entre estes dois cíficas dos agrupamentos podem mudar, undertaking) – como das novas presenças
posicionamentos. não há razão para presumir que as coalizões na Sala Verde.
deixarão de ser uma forma de estruturar a
A proliferação de representes das coalizões participação dos PEDs na OMC. *Mayur Patel é Project Associate do Global
na Sala Verde contribui para alguns – mas Trade Governance Project, University of
não todos – aspectos da transparência no A viabilidade das coalizões como o princi- Oxford.
processo de tomada de decisões da OMC. De pal meio de administrar as complexidades Original publicado em inglês em Bridges
fato, desde a conclusão do Pacote de Julho, das negociações multilaterais depende dos Monthly Review Ano 11, No. 5, ago. 2007.
em 2004, as preocupações com a construção processos internos das mesmas serem durá- Tradução e adaptação pela equipe Pontes.

3 Outubro 2007 - PONTES


OMC em foco

Rodada Doha: a colisão esperada

O desacordo referente às diferentes percepções de países em desenvolvimento (PEDs) e países desenvolvidos no que
se refere às questões que possibilitariam um resultado equilibrado para a Rodada Doha tem atrasado a conclusão das
negociações desde a apresentação do texto sobre NAMA por Don Stephenson em julho passado.

A seriedade da cisão tornou-se evidente propostas no texto de NAMA como um Resta, portanto, ainda incerto se as modali-
nas reações de países desenvolvidos à nova ponto de partida para as negociações de tari- dades revisadas para NAMA serão apresenta-
proposta de mais de 60 PEDs para mudan- fas industriais. Peter Allgeier ainda afirmou das no final de outubro e começo de novem-
ças no esboço de texto para modalidades que os EUA aceitam o fato de a agricultura bro, conforme esperado anteriormente.
de acesso a mercado de bens não agrícolas ser um tema central na Rodada Doha, mas
(NAMA, sigla em inglês). A proposta foi alertou para o fato de que tratar NAMA ou Flexibilidade em agricultura
apresentada na reunião de outubro do Con- serviços como “simples assuntos a serem por parte dos EUA pode não
selho Geral da OMC por uma coalizão de calculados depois das questões agrícolas
Membros que inclui o grupo NAMA-11, seria uma fórmula para o fracasso”.
ser suficiente
o grupo ACP (África, Caribe e Pacífico), Os impasses inesperados em NAMA preju-
as Economias Pequenas e Vulneráveis e No mesmo sentido, o porta-voz da repre- dicaram o otimismo inicial proporcionado
o Grupo Africano e, foi endossada pela sentante de comércio dos EUA, Sean pelo anúncio dos EUA, em 19 de setembro
China e pelo grupo de países de menor Spicer, afirmou que a intransigência de último, de que estariam dispostos a nego-
desenvolvimento relativo (PMDRs). PEDs em NAMA poderia “assinalar o ciar cortes em seus subsídios domésticos
fim da Rodada Doha”. O Embaixador da da ordem de US$13 a US$16,4 bilhões,
Tais Membros declararam que progressos União Européia, Eckart Guth, reforçou as conforme sugerido no texto de Falconer
significativos em agricultura são “cruciais manifestações dos EUA. de julho passado.
para o estabelecimento de um regime de
comércio global igualitário e justo e para a Essa tinha sido uma notícia que, apesar de
obtenção de um resultado equilibrado nesta ...as modalidades bem-vinda, já era esperada. Em primeiro
Rodada.” Declararam ainda que as modali- lugar porque informalmente representan-
dades de NAMA “devem ser “reconstruídas de NAMA “devem tes do EUA já tinham mencionado o valor
e levar a um resultado comparável àquele ser “reconstruídas de US$17 bilhões – e US$16,4 bilhões
atingido em agricultura”, consistente com esta muito próximo deste valor. Em
o princípio de menos do que a reciprocidade e levar a um segundo lugar, o consentimento dos EUA
completa (less than full reciprocity) nos com- é imprescindível para que outros Membros
promissos dos PEDs para reduções de tarifas
resultado comparável da OMC avancem nas negociações para
industriais. Os proponentes argumentaram àquele atingido em acesso a mercado de produtos agrícolas,
que os países desenvolvidos deveriam fazer industriais e serviços. No entanto, o
cortes mais profundos em termos de percen-
agricultura”... secretário de agricultura dos EUA, Chuck
tual em relação aos cortes dos PEDs. Conner, destacou a especial importância
Delegados de PEDs, por sua vez, negaram as atribuída pelos EUA à abertura de mercado
Desde a publicação de seu esboço, o texto acusações de que suas demandas em acesso pelos PEDs mais avançados.
sobre NAMA de julho foi considerado por a mercado de bens industriais estavam
um grande número de PEDs como desequi- atrasando o progresso nas discussões. Um Estima-se que não por coincidência, os
librado, ao apresentar um nível de ambição dos diplomatas afirmou que, ao invés de EUA finalmente apresentaram à OMC
muito maior do que aquele proposto para arruinar a Rodada, a proposta tem por obje- suas notificações sobre subsídios agrícolas
as modalidades de agricultura. tivo um “comprometimento construtivo” ao comitê sobre agricultura, no último
condizente com o mandato negociador 4 de outubro – isso não acontecia desde
Reações fortes de ambos os para NAMA. O ministro Roberto Azevedo, 2001. O documento relata que, entre 2002
diretor do Departamento Econômico do e 2005, os recursos classificados como
lados Itamaraty, afirmou que os pedidos para os caixa amarela destinados aos agricultores
Enquanto o Embaixador argentino, Alberto PEDs aceitarem as modalidades de NAMA estadunidenses variaram entre US$6,9 e
Dumont, afirmou que os cortes tarifários em de forma a “pegar ou largar” são “injustos, US$12,9 bilhões, em princípio bem abaixo
NAMA propostos pelo presidente das nego- desarrazoados e irracionais”, em particular do limite atual para subsídios distorcivos
ciações, Don Stephenson, estavam “fora de se se considerar que EUA, União Européia ao comércio (OTDS, sigla em inglês), que
questão” para a maioria dos Membros da e outros países desenvolvidos estão “esco- é de US$19,1 bilhões.
OMC, o Embaixador dos Estados Unidos da lhendo” as provisões do texto de agricultura
América (EUA), Peter Allgeier, argumentou que lhes agradam mais. Azevedo, por fim, O principal negociador agrícola dos EUA,
que, se os Membros forem negociar a libera- declarou: “com o nível de incerteza e ambi- Joe Glauber, afirmou, entretanto, que os
lização agrícola com base no texto apresen- güidade que temos em agricultura hoje, é números do relatório demonstram que a
tado em julho, também deverão aceitar as impossível dizer se poderemos aceitar o que oferta estadunidense de outubro de 2005
faixas de acesso a mercado e flexibilidades está no texto de NAMA.” para redução do limite da caixa amarela

PONTES - Outubro 2007 4


OMC em foco

de subsídios para US$7,6 bilhões afetaria Dois assuntos sobressaíram-se ao longo


despesas efetivas. Isso porque, nos ultimos das discussões. O primeiro deles refere-se
anos, esses pagamentos teriam excedido
o montante de US$7,6 bilhões em 3 dos
à possibilidade ou não de PEDs imporem,
temporariamente e no caso de importações
Agenda Multilateral
4 anos mais relatados (2002-2005), assim
como em 7 dos 8 últimos anos passados.
massivas ou queda significativas de preços,
medidas de salvaguarda mais altas do que OMC*
Joe Glauber também argumentou que até seus níveis de tarifas consolidadas. De
mesmo um teto de US$16,4 bilhões para o um lado, os que apóiam as SSMs insistem
total de OTDs produziria cortes efetivos no fato de essa medida ser necessária 22.10.07 Reunião do Órgão de
nos subsídios domésticos, dado que o nível para garantir sua efetividade; de outro, Solução de Controvérsias
de OTDS nos EUA foi mais alto do que isso grandes produtores argumentam que o
em 5 dos 8 últimos anos. Parceiros comer- aumento das tarifas acima dos níveis 23-24.10.07
ciais dos EUA estimam que o nível atual consolidados significaria um retrocesso Reunião do Conselho TRIPs
de OTDS estaduni- em relação ao que já
dense é de cerca de foi conquistado em
24.20.07
US$11 bilhões. matéria de liberali-
As discussões do zação comercial. Reunião do Comitê de Salvaguardas
De outro lado, Mem-
bros do G-20 indica- mês de setembro O segundo assunto 06.11.07 Reunião do Comitê sobre
ram que, para que abordaram uma série diz respeito à expan- Comércio e Desenvolvimento
haja efetivo avanço são de quotas para
nas negociações, os de tópicos, mas não produtos sensíveis. 07-08.11.07
EUA devem aceitar trataram dos níveis Os Membros podem
Sessão Especial do Comitê sobre
um novo teto para designar uma certa
seu OTDS próximo de subsídios nem de porcentagem de Barreiras Técnicas ao Comércio
aos números mais cortes tarifários. suas linhas tarifárias
baixos da faixa pro- como “sensíveis” 12.11.07 Reunião do Comitê sobre
posta por Falconer. (Falconer sugeriu Comércio de Serviços Financeiros
Países desenvolvi- entre 4 e 6% para
dos e PEDs afirmaram que o real impacto PEDs e entre 5 e 8% para países desen- 14.11.07 Reunião do Comitê sobre
do anúncio feito pelos EUA só poderá ser volvidos). Para esses produtos, os cortes
avaliado quando houver maior clareza tarifários serão menores que aqueles Comércio e Desenvolvimento
quanto aos reais números, bem como requeridos pela fórmula geral. O maior
quanto às concessões que os EUA exigirão acesso a mercado, entretanto, deverá 16.11.07 Reunião do Conselho de
em troca destes cortes. ser viabilizado pela expansão de quotas. Comércio em Serviços
Espera-se que o aumento nos volumes
Salvaguardas e quotas no intra-quota proporcione maiores ganhos 19.11.07
centro das negociações em acesso a mercado em relação às
Reunião do Órgão de Solução de
reduções tarifárias, pois o valor inicial
agrícolas consolidado para produtos sensíveis é Controvérsias
O primeiro ciclo de negociações agrícolas extremamente alto.
– desde a apresentação do esboço de moda- Nona Rodada de Consultas
lidades em julho passado – durou cerca Para a grande frustração de vários PMDRs, sobre Aspectos de Assistência ao
de três semanas e foi concluído em 28 de não houve progresso em relação a cortes
Desenvolvimento do Algodão
setembro. O presidente das negociações, mais rápidos e profundos nos subsídios de
Crawford Falconer, afirmou que apesar algodão, conforme o mandato da declara-
de ainda existirem grandes diferenças ção ministerial de Hong Kong. Os EUA
20-21.11.07
entre os Membros, o clima das conversas são o principal foco desta discussão, mas Reunião do Conselho Geral
“evoluiu”: os Membros agora negociam o Embaixador estadunidense na OMC,
com seriedade. Peter Allgeier, afirmou que os EUA não 21-22.11.07 Reunião do Comitê
pretendem propor nada de novo até sabe- sobre Agricultura
As discussões do mês de setembro abor- rem como será o novo pacote agrícola.
daram uma série de tópicos, mas não 23.11.07 Reunião do Conselho para
trataram dos níveis de subsídios nem de Um novo ciclo de negociações agrícolas
cortes tarifários. Por outro lado, os Mem- teve, então, início no dia 8 de outubro.
Comércio de Bens
bros tentaram preencher as lacunas no Crawford Falconer fi cou de apresentar
esboço do texto de julho, em especial no uma versão revisada do texto sobre moda- 29-30.11.07
que tange à designação e ao tratamento lidades até o final deste mês. Reunião do Comitê sobre Acordos
de produtos especais e sensíveis, medidas Regionais de Comércio
de salvaguarda especial (SSMs, sigla em Original publicado em inglês em Bridges
inglês), algodão, produtos tropicais e ero- Monthly Review Ano 11, No. 6, out. 2007. * Todas as reuniões ocorrerão em Genebra, Suíça
são de preferências. Tradução e adaptação pela equipe Pontes.

5 Outubro 2007 - PONTES


OMC em foco

A construção de um sistema multilateral de comércio favorável


ao desenvolvimento
Nagesh Kumar*
Apesar de parceiros comerciais mais fracos quando comparados às grandes potências industriais, os países em de-
senvolvimento desempenham importante papel no sistema multilateral de comércio. O desafio enfrentado por eles
é fazer com que as normas deste sistema funcionem de modo a atender a suas necessidades.

O processo de elaboração de normas na Para compensar os PEDs seria necessá- para produtos agrícolas, qualquer melhoria
OMC tem sido tradicionalmente con- rio conceder mais assistência técnica e em acesso a mercados requer significativos
duzido pelos países industrializados. Ao financiamento, tanto para a realização de cortes nas taxas consolidadas. Além disso,
determinarem a agenda das negociações pesquisas internacionais quanto para o os picos tarifários aplicados a produtos agrí-
multilaterais de comércio, os países desen- desenvolvimento de empresas locais. A colas deveriam estar sujeitos a limites que
volvidos (PDs) têm logrado neutralizar Rodada Doha seria favorável ao desenvolvi- não ultrapassassem o dobro da tarifa média.
as genuínas preocupações de países em mento se as obrigações contidas no Acordo No caso dos PDs, produtos sensíveis não
desenvolvimento (PEDs) e reduzir o espaço sobre Direitos de Propriedade Intelectual deveriam ultrapassar 1%. Diante das impli-
para implementação de políticas em prol relacionados ao Comércio (TRIPS, sigla cações da agricultura para a pobreza e para
do desenvolvimento. Este artigo apresenta em inglês) e no Acordo sobre Medidas de o desenvolvimento dos PEDs, esses países
propostas para a construção de um sistema Investimentos Relacionadas ao Comércio deveriam designar um número apropriado
multilateral de comércio mais sustentável (TRIMS, sigla em inglês) fossem flexibiliza- de produtos como “produtos especiais”,
e favorável ao desenvolvimento. das de modo a garantir efetiva transferência desobrigados dos compromissos de redução.
de tecnologia para PEDs. Dispor de um efetivo Mecanismo Especial
Necessidade de reformas de Salvaguardas aplicável a todos os produ-
Negociações em áreas tos também pode ser-lhes favorável.
sistêmicas
Para alcançar o consenso, é comum que
específicas Entende-se, ainda, que os PEDs deveriam
alguns Membros da OMC forcem países Acordo sobre agricultura. ser livres para fazer uso de medidas de
mais desfavorecidos a aceitar suas posições A Rodada Doha seria favorável ao desen- defesa comercial, como medidas com-
por meio de táticas agressivas ou até mesmo volvimento se possibilitasse o estabeleci- pensatórias para produtos agrícolas sub-
coercitivas. Para evitar esta realidade, enten- mento, dentro de um prazo acordado, de sidiados. Por fim, o acordo da OMC sobre
de-se que a OMC deveria, primeiramente, tarifas ad valorem como o principal instru- Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS,
adotar um sistema mais democrático e mento de proteção dos produtos agrícolas. sigla em inglês) deveria ser revisado para
participativo no processo de tomada de deci- A redução de tais tarifas poderia equiparar que se chegasse a uma aplicação universal
sões, baseado no voto secreto e na decisão o comércio em agricultura ao comércio de dos padrões de segurança alimentar desen-
por maioria. Em segundo lugar, as minutas bens industriais. Este objetivo geral deveria volvidos pela Comissão do Codex.
dos textos ministeriais deveriam trazer as estar vinculado aos objetivos de segurança
propostas feitas por todos os Membros e alimentar, à segurança dos meios de sub- Acesso a mercados não agrícolas.
não apenas aquelas oriundas dos PDs. Em sistência, ao desenvolvimento e à extensão Doha seria mais favorável ao desenvolvi-
terceiro lugar, as maratonas de negociação da economia agrícola nos diversos PEDs, mento se tratasse dos picos tarifários em
que se prolongam noite adentro deveriam ser com especial atenção às necessidades dos PDs. Também seria essencial que PEDs
evitadas sempre que possível, na medida em países de menor desenvolvimento relativo tivessem flexibilidades que permitissem
que desfavorecem os países que não dispõem (PMDRs) e dos pequenos agricultores. o desenvolvimento de suas indústrias, a
de uma grande delegação de negociadores. Ainda, para que fossem significativas, as criação de empregos e o combate à pobreza
reduções de subsídios internos deveriam e à fome. Esta abordagem nivelaria os picos
Fortalecimento do ser aplicadas aos níveis existentes de apoio tarifários de PDs aplicados aos produtos
Tratamento Especial e e não aos níveis consolidados na OMC. Os que PEDs e PMDRs têm interesse em
tetos dos subsídios deveriam ser estabele- exportar. Ademais, as modalidades de redu-
Diferenciado (TED) cidos para cada produto individualmente ção tarifária deveriam garantir o princípio
As disposições relativas ao TED deveriam considerado e ter como base critérios da não-reciprocidade no que tange ao acesso
ter como objetivo central o fortalecimento comuns, como porcentagem ou produção. a mercado de PEDs.
do espaço para políticas de desenvolvi- Os subsídios da caixa verde – como é o caso
mento. O TED deveria ter uma abordagem do apoio direto à renda, do seguro contra Uma solução seria determinar a extensão
mais ampla, que reconhecesse os interesses diminuição de renda e dos investimentos da redução para PDs e PEDs e buscar uma
fundamentais dos PEDs, tais como: comér- – deveriam ser permitidos somente para fórmula com base, em tarifas médias como
cio justo, capacitação, regras equilibradas agricultores individuais que tenham renda coeficiente de aplicação. Os PEDs deveriam
e boa governança na OMC. Ajuda e assis- inferior a um valor pré-determinado. identificar um número apropriado de linhas
tência técnica, por outro lado, deveriam ser tarifárias consideradas sensíveis, para evi-
fornecidas incondicionalmente e não em Devido à grande margem existente entre tar os cortes resultantes da fórmula. Da
substituição ao TED. as tarifas consolidadas e aquelas aplicadas mesma forma, a redução tarifária setorial

PONTES - Outubro 2007 6


OMC em foco

deveria ter como foco produtos cuja expor- Entendimento sobre Solução de um grupo de consultoria que elaborasse uma
tação interesse aos PEDs. Controvérsias (ESC). série de propostas para tornar o processo de
tomada de decisões no sistema comercial
Diante da crescente evidência de que as A atual estrutura do sistema de solução de mais eqüitativo e transparente.
flexibilidades contidas nos acordos SPS controvérsias da OMC coloca os PEDs em
e sobre Barreiras Técnicas ao Comércio desvantagem. Atualmente, o período entre Os PEDs assumiram compromissos con-
(TBT, sigla em inglês) têm sido utiliza- o início de uma disputa e sua solução final sideráveis em diferentes acordos da OMC.
das para fins protecionistas, os PEDs pode levar até três anos. Este lapso temporal Freqüentemente, porém, eles não possuem
deveriam revisar ambos acordos a fim de é muito longo para os PEDs, pois, quando a capacidade e os recursos para implementá-
obter uma aplicação universal de normas estes são demandantes, é difícil protege- los. Além disso, a proliferação de barreiras
internacionais, como os padrões Codex. rem-se dos efeitos adversos das medidas não tarifárias na forma de exigências em
Os Membros da OMC poderiam adotar tomadas contra eles. Para corrigir esta matéria ambiental e segurança sanitária
padrões mais elevados apenas se houvesse situação, emendas apropriadas poderiam por parte de PDs tem afetado uma porção
um compromisso legal que compensasse ser feitas às disposições sobre os prazos dos razoável das exportações oriundas de PEDs.
financeiramente os PEDs afetados. artigos 4, 5, 6 e 12 do ESC. A assistência técnica prometida nos acordos
SPS e TBT demonstrou ser, muitas vezes, ina-
Comércio de serviços. Os PEDs que dependem de um número dequada e inoportuna. Dessa forma, os PEDs
Em matéria de serviços, a Rodada Doha deve- limitado de produtos e de mercados de deveriam criar um fundo de investimentos
ria concentrar-se na inibição das tendências exportação sofrem graves perdas comer- para auxiliar o cumprimento de suas obriga-
protecionistas do Modo 1 e os PDs deveriam ciais durante o período de análise de uma ções perante a OMC. PDs e órgãos multilate-
fazer ofertas substancialmente melhores disputa. Os danos não se limitam às expor- rais interessados na promoção de um sistema
no Modo 4. Uma liberalização expressiva tações perdidas: os PEDs podem perder mundial de comércio mais justo também
do movimento de pessoas físicas poderia permanentemente seu espaço no mercado deveriam contribuir financeiramente.
melhorar significativamente o balanço para competidores e produtos substitutos.
desenvolvimentista da Rodada Doha. Para corrigir esta situação, o artigo 22 Promoção do comércio e de
(Compensação e Suspensão de Concessões)
Facilitação ao comércio. do ESC deveria ser reformado de modo a
investimentos Sul-Sul
É necessário frear urgentemente a tendên- prever compensações pelas perdas sofridas Uma abordagem mais ampla e detalhada
cia de alguns PDs de expandir o alcance das por um PED durante a pendência de uma sobre a liberalização comercial entre os
negociações atuais para além do que já se disputa contra um PD. países do Sul poderia promover ainda mais
encontra disposto. As eventuais disposições os interesses econômicos dos PEDs. Para
sobre TED em facilitação ao comércio pre- Por fim, é preciso garantir que os custos alcançar este objetivo, as negociações em
cisam ter um alcance maior que a concessão associados ao processo de solução de con- curso da terceira rodada do Sistema Geral de
dos tradicionais períodos de transição para trovérsias não representem barreiras ao Preferências Comerciais (SGPC) entre PEDs
a implementação dos compromissos. Para sistema. Por terem recursos limitados, são deveriam focar-se em listas negativas. Os
permitir troca de experiências entre países poucos os PED que podem adotar medi- PEDs poderiam oferecer concessões gerais
vizinhos, a Rodada Doha deveria incentivar das de retaliação contra um PD, mesmo uns aos outros, com exceção de uma pequena
a cooperação regional em facilitação ao quando são autorizados a fazê-lo pelo Órgão lista que excluiria produtos sensíveis.
comércio – especialmente entre PEDs – por de Solução de Controvérsias (OSC). Isto
meio da atuação de organizações regionais restringe seriamente a implementação das Um resultado bem sucedido das negociações
como observadores nas negociações. decisões do OSC. A Rodada Doha deveria, do SGPC depende não apenas do alcance
portanto, fortalecer e ampliar a cobertura das concessões tarifárias, mas também da
TRIPS e biodiversidade. do artigo 27.2 do ESC de modo a garantir ampla participação dos membros do G-77
Os PEDs têm relutado em aceitar os assistência legal adequada aos PEDs. e da China. No momento, dos 44 países
mecanismos de consentimento prévio e que ratificaram o acordo SGPC, apenas 25
informado (PIC, sigla em inglês) e de acesso Um impulso renovado à participam da terceira rodada de negociações
e compartilhamento de benefícios (ABS, e somente 13 países declararam os produ-
sigla em inglês). Por esta razão, é impor-
cooperação Sul-Sul tos que lhes interessa exportar. O SGPC
tante que a OMC desenvolva uma resposta Uma maior cooperação econômica entre também poderia englobar e ligar diferentes
estratégica que englobe tanto os mecanis- os PEDs pode contribuir muito para o acordos regionais de comércio entre os PEDs
mos internacionais quanto as iniciativas aumento do poder de barganha dos PEDs e promover a troca de concessões comerciais
nacionais. O espírito da Convenção sobre e PMDRs nas negociações multilaterais. de maneira recíproca. Além disso, o SGPC
Diversidade Biológica poderia, ser incorpo- Dado que o processo de tomada de decisões poderia englobar o comércio de serviços,
rado ao Acordo TRIPS e a acordos bilaterais nas negociações comerciais multilaterais é vez que trata-se atualmente do setor mais
que versam sobre a matéria. A Rodada Doha altamente assimétrico, não inclusivo e não dinâmico em várias economias do Sul.
deveria limitar as concessões de patentes transparente, os PEDs deveriam apoiar–se
demasiadamente amplas e deveria, ainda, em seus interesses comuns. A criação de *Nagesh Kumar é Diretor Geral do Research
buscar consenso quanto à determinação coalizões temáticas como o G-20, o G-33 and Information System for Developing
de uma moratória que impedisse maior e o G-90 é exemplo disto. Countries (RIS), em Nova Delhi, India.
fortalecimento dos regimes de direitos de Original publicado em inglês em Bridges
propriedade intelectual nos âmbitos mul- Como primeiro passo em direção a esta Monthly Review Ano 11, No. 5, ago. 2007.
tilateral, regional e bilateral. cooperação, os PEDs poderiam estabelecer Tradução e adaptação pela equipe Pontes.

7 Outubro 2007 - PONTES


OMC em foco

A serviço do desenvolvimento: as negociações sobre o


comércio de serviços na OMC
Gustavo Ferreira Ribeiro*
Fazer do comércio de serviços a “moeda-de-troca” para barganhas em agricultura é uma estratégia que menospreza
inúmeros benefícios decorrentes da relação entre serviços e desenvolvimento. Os países em desenvolvimento
(PEDs) que ainda não consideraram esta relação devem trabalhar por uma política de negociação em comércio de
serviços consistente com seus interesses de longo prazo.

A serviço do virtualmente – o que viabiliza seu forneci- inglês) foi assinado, ainda não estava claro
desenvolvimento mento além-fronteiras. Certos PEDs, por como tal conjunto de regras seria imple-
exemplo, têm implementado plataformas mentado, nem mesmo quais seriam os
Na Organização Mundial do Comércio de exportação de serviços. O caso mais evi- setores abrangidos pelo GATS. Foi somente
(OMC), alguns PEDs têm recorrido à estra- dente é a “indústria de serviços” da Índia, em 1998 que uma lista indicativa dos
tégia de negociação do setor de serviços que abrange telemarketing, tecnologia de setores compreendidos foi concluída6, mas
como “moeda de troca” por outros inte- informação e serviços médicos. Com isso, pairavam dúvidas quanto à aplicação das
resses, em especial na área agrícola1. Esta há uma grande chance de que uma pessoa cláusulas de tratamento nacional (TN) e de
estratégia deve ser questionada quanto a que sofra um acidente no fim de semana nação mais favorecida (NMF) - arts. XVII e
seus riscos e conseqüências. em Nova York tenha alguns de seus exa- II do GATS, respectivamente - ao comércio
mes analisados por um médico na Índia. de serviços. Esta incerteza, aliada a fortes
De forma geral, serviços traduzem a noção Isso porque, nos hospitais estadunidenses, reações da sociedade civil, que “acusavam
de atividades intangíveis. Uma descrição torna-se cada vez mais caro manter um o GATS de privatizar todo e qualquer setor
irônica da revista The Economist sugeriu médico de plantão para certas especialida- público”, parece ter contribuído para que
que serviços “são qualquer coisa vendida des durante o fim de semana3. a liberalização de serviços passasse a ser
que não cai em seus pés”2. Esses inúmeros discutida com a máxima cautela7.
serviços estão presentes no nosso dia-a- Estudos recentes reforçam a hipótese da
dia sem que possamos nos dar conta de relação direta entre serviços e desenvolvi- Em 2001, como parte da Rodada Doha,
sua importância. Por exemplo, quando mento. A contribuição dos serviços para a foi proposta uma dinâmica de negociação
acendemos a luz de manhã (serviços de geração de riqueza, criação de emprego e conhecida como “peça-e-ofereça” (request-
energia); servimo-nos de algum tipo de receita em exportação vem crescendo sig- and-offer) 8. Nessa dinâmica, para cada
transporte (serviços de transporte) para ir ao nificativamente nas últimas duas décadas. um dos setores negociáveis ou para cada
trabalho ou à escola (serviços de educação); De acordo com a Conferência das Nações modalidade de prestação de serviços, os
passamos no banco (serviços financeiros); Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento negociadores barganhariam acesso ao
discutimos um futuro projeto com um (UNCTAD, sigla em inglês), de 1990 a 2005, mercado de serviços de e para as suas
engenheiro (serviços de engenharia); tele- a contribuição do setor de serviços no Pro- respectivas contra-partes9.
fonamos (serviços de telecomunicação); duto Interno Bruto dos países aumentou de
vamos ao cinema (serviços recreacionais) 65% para 72% nos países desenvolvidos e Ao final de 2003, o número de compro-
ou viajamos (serviços de turismo). de 45% para 52%, nos PEDs. Isso faz com missos de liberalização assumidos pelos
que, hoje, 70% dos empregos em um país Membros era bastante heterogêneo. Os
Esta pequena passagem ilustra de uma desenvolvido seja proveniente do setor de países de menor desenvolvimento relativo
maneira simples a intrínseca relação entre serviços, ao passo que esse índice é de 35% liberalizaram – em diversos graus – uma
serviços e desenvolvimento. Se tomarmos nos PEDs4. Tais índices são mais alguns média de 19 sub-setores, enquanto os
o último em sentido econômico, há certa indicativos da importância de negociações demais PEDs liberalizaram 50 e os países
obviedade nesta relação. A baixa qualidade estratégicas em comércio de serviços. desenvolvidos, 10910. Diferenças no desen-
de serviços como telecomunicação, trans- volvimento econômico dos Membros, na
porte, financeiro, profissional (contabili- Uma breve digressão sobre orientação da política pública ou mesmo
dade, advocacia, engenharia, etc) afeta a questões institucionais foram os fatores
expansão de uma economia, pois serviços
as negociações na OMC elencados como justificativas no quadro
proporcionam suporte e eficiência à pro- As negociações sobre o comércio interna- diversificado de compromissos. Entre
dução de bens. Da mesma forma, a falta cional de serviços iniciaram-se em meados 2004 e 2006, entretanto, a tendência de
de acesso a serviços de educação e saúde da década de 1970 e relacionavam-se ao que novos compromissos em serviços
inibem a participação efetiva de grande interesse de empresas prestadoras de ser- fosse contingente à obtenção de resultados
parcela da população na economia. viços em ter acesso, principalmente, aos positivos nas negociações em agricultura
mercados de serviços dos PEDs5. começou a ficar mais clara. No início de
Além desta contribuição interna do setor, 2006, 22 demandas coletivas para 16 seto-
o atual progresso tecnológico permite que Em 1994, quando o Acordo Geral sobre res foram realizadas11. Japão, Estados Uni-
uma ampla gama de serviços seja prestada o Comércio de Serviços (GATS, sigla em dos da América e as Comunidades Euro-

PONTES - Outubro 2007 8


OMC em foco

6
péias (CE) foram os principais demandan- cios imediatos para os PEDs exportadores Há uma lista de doze grandes setores de
serviços, que se desdobram em cerca de
tes em serviços. Ao analisar quais foram agrícolas. Argumenta-se apenas que o setor
160 subsetores.
os Membros mais demandados, quase de serviços é extremamente relevante em
7
não se encontram referências aos países economias desenvolvidas. Fazer do setor Atualmente, é notório, e compreendido pelos
desenvolvidos. Já entre os PEDs, Filipinas, de serviços somente um setor de escambo Membros, que o GATS proporciona grande
flexibilidade quanto ao nível de liberaliza-
Indonésia e Tailândia destacam-se entre com agricultura é subestimar sua relação
ção adotado. Por exemplo, a cláusula de TN
os asiáticos; Brasil e Argentina entre os com o desenvolvimento. funciona por meio de uma “lista positiva”: a
latino-americanos; África do Sul e Egito obrigação de outorgar “tratamento não menos
entre os africanos12. Há, portanto, um longo caminho a seguir. favorável do que aquele [dispensado] a seus
Para que os PEDs passem a ser demandan- próprios serviços e prestadores de serviços
Com a suspensão geral das negociações tes em serviços, a formação de interesses similares” só surge quando um Membro
da Rodada de Doha em julho de 2006, em de exportação em serviços deve ser criada. expressamente adota compromissos de liber-
alização. Uma vez assumido um compromisso
torno de divergências sobre agricultura, as Por outro lado, como destinatários da
em sua lista, o nível de TN ainda depende das
negociações de serviços perderam fôlego e “exportação” de serviços, a análise de ris- “condições e qualificações [na lista de compro-
foram retomadas apenas no início de 2007. cos e benefícios enseja uma sintonia fina missos] indicadas”. GATS, art. XVII(1).
Em fevereiro deste ano, duas semanas de entre os quadros dos órgãos reguladores e o 8
O documento especificava a seguinte
negociações informais foram conduzidas das relações exteriores. É necessário deter-
dinâmica de negociações: até 30 de junho de
na OMC, embora mais focadas em regras minar em quais setores existem benefícios 2002, os Membros deveriam apresentar as suas
do que em acesso a mercado. de liberalização e, se são adotados com- demandas (request); até 31 de março de 2003,
promissos de liberalização, definir quais os Membros deveriam apresentar os setores e
Na reunião de Postdam, em junho seguinte, aspectos regulatórios internos (relevantes) modalidades que pretendiam liberalizar (offer).
mais uma vez divergências em torno da devem ser preservados. Cf. OMC. “Guidelines and Procedures for the
eliminação de subsídios e apoio interno à Negotiations on Trade in Services” (29 Mar.
2001). S/L/93, p. 2.
agricultura estagnaram qualquer progresso * Gustavo Ribeiro (gribeiro@indiana.edu) é
9
nas negociações sobre serviços. Até agora, advogado, doutorando na Indiana University O art. I, 2 do GATS define 4 modos (ou
permanece uma situação de paralisação das Bloomington (programa Capes-Fulbright). modalidades) de prestação de serviços: 1.
negociações para o comércio de serviços. Fez estágio de pesquisa na ONU (NY, 2006) “Transfronteiriço”: do território de um Mem-
e OMC (Genebra, 2007). bro ao território de qualquer outro Membro;
2. “Consumo realizado no exterior”: no
Um olhar prospectivo: 1
Entre os PEDs destacam-se Brasil e Argenti- território de um Membro aos consumidores
sempre “serviçais”? na, responsáveis, respectivamente, por 4,1% e de serviços de qualquer outro Membro; 3.
2,3% da exportação mundial de produtos agrí- “Presença comercial”: pelo prestador de
Uma das premissas essenciais para que colas em 2005, estimada em US$ 852 bilhões. serviços de um Membro, por intermédio da
uma parte faça valer seus interesses nos Cf. OMC. International Trade Statistics 2006. presença comercial, no território de qualquer
resultados de uma negociação é que se Genebra: 2006, p. 114 (Table IV.8 Leading outro Membro; e, 4. “Presença de pessoas
exporters and importers of agricultural prod- físicas”: pelo prestador de serviços de um
tenha definido seus objetivos e priorida-
ucts). Disponível em: http://www.wto.org/ Membro, por intermédio da presença de pes-
des. Resultados positivos dificilmente english/res_e/statis_e/its2006_e/its06_toc_e. soas naturais de um Membro no território de
decorrem do acaso. htm (Setembro de 2007). qualquer outro Membro.
10
2
“Anything sold in trade that could not be OMC. “Annual Report”. 2003, p. 25. Di-
Diferentemente dos maiores exportadores
dropped on your feet”. Esta passagem da sponível em: http://www.wto.org/english/
de serviços do mundo13, que possuem inte- revista The Economist é encontrada em in- res_e/reser_e/annual_report_e.htm. Acesso
resse direto nas negociações, a estratégia úmeras fontes eletrônicas e livros, mas sem em: set. 2007.
em serviços dos PEDs, em geral, é menos referência à edição original da revista. Parece 11
Requisições coletivas ou plurilaterais sig-
clara. Como demandantes, o número de que a frase vem sendo repetida na literatura
nificam que vários Membros requisitaram
pedidos feitos pelos PEDs em 2006 foi baixo e é anterior a 1997, ano a partir do qual seria
a liberalização do mesmo setor ou a mesma
e, exceto por algumas demandas pontuais possível pesquisar e encontrar a fonte primária
modalidade de prestação de serviços para
eletronicamente.
em alguns sub-setores, a maior parte deles outro Membro.
3
concentrou-se na modalidade 4 do GATS Palestra do Prof. Pierre Sauvé (WTI), por 12
Veja-se ICTSD. Plurilateral Services Ne-
(movimento de pessoas físicas prestado- ocasião da Academia do Comércio Interna-
gotiations set to start on 27 March, V. 10,
ras de serviços). Em tempos de restrições cional (Academy of International Trade Law),
N. 10. Genebra (22 Mar. 2006). Disponível
realizada em Macau, julho de 2007.
imigratórias e “guerra ao terrorismo”, é em: http://www.ictsd.org/weekly/06-03-22/
pouco provável – ou irreal – supor que esta 4
Assume-se que estes fatores (geração de story2.htm. Acesso em: set. 2007. Deve-se
modalidade alcance maiores concessões por riqueza, criação de empregos e receita em observar que nas requisições por modalidade
parte dos países desenvolvidos. Por outro exportação) são variáveis importantes para de prestação, na qual o foco é a modalidade
o conceito de desenvolvimento (embora não de serviço, 15 PEDs focaram na modalidade
lado, é razoável esperar que as demandas
únicas). Cf. UNCTAD. “Trade in Services and “4” que envolve a eliminação de restrições
sobre os PEDs sejam intensificadas. Development Implications”. Genebra: 2 Feb. aos prestadores de serviços.
2007. TD/B/COM.1/85, para. 4. 13
Não se propõe nem se procura estabelecer, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha
5
ARAMINTA MERCADANTE. “Acordo Ger- e Japão respondem por aproximadamente
neste artigo, que serviços são de alguma
al sobre o Comércio de Serviços”. CASELLA 40% das exportações mundiais de serviços
forma mais importantes que o comércio de & MERCADANTE (Coords.). “Guerra comer- comerciais, estimada em US$ 1,1 trilhões em
bens ou o comércio agrícola. A liberalização cial ou integração mundial pelo comércio?”, 2005. Cf. OMC. International Trade Statistics.
da agricultura traz, sem dúvidas, benefí- São Paulo: LTR, 1998. p. 413-459. Genebra, 2006 (Tabela IV-93).

9 Outubro 2007 - PONTES


Outros temas multilaterais

Plano de ação da OMS incentiva pesquisas para doenças


negligenciadas

A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um plano de ação e estratégia globais para promover inovação no
campo dos tratamentos de doenças que afetam de modo desproporcional os países em desenvolvimento (PEDs) e de
menor desenvolvimento relativo (PMDRs), as chamadas doenças negligenciadas.

O documento foi compilado pelo secre- as disposições TRIPS-plus existentes em requisito “atividade inventiva”, em clara
tariado da OMS com base em um texto acordos comerciais bilaterais. Neste sen- alusão a patentes outorgadas que não são,
desenvolvido, em dezembro passado, pelo tido, o novo documento apresentado pela necessariamente, inovadoras. Outra suges-
Grupo de Trabalho Intergovernamental OMS apresenta uma linguagem mais suave, tão ignorada foi a apresentada pelo Egito,
em Saúde Pública, Inovação e Propriedade ainda que a mudança seja sutil. Assim, para que se criassem diretrizes em matéria
Intelectual (IGWG, sigla em inglês), bem a frase “assegurar que acordos bilaterais de transferência de tecnologia.
como em sugestões apresentadas por 22 de comércio não incorporem disposições
países e grupos regionais. A estratégia da TRIPS-plus” foi trocada por “promover O conselheiro Guilherme Patriota, da Mis-
OMS busca “fornecer um acordo-quadro acordos bilaterais de comércio que não são brasileira em Genebra, Suíça, chamou
que incentive a criação de uma base de pes- incluam proteções TRIPS-plus”. atenção para dois elementos positivos
quisa e desenvolvimento (P&D) necessária contidos no texto: (i) o uso das flexibilida-
ao combate das doenças negligenciadas”. Conforme evidenciado em diversas pro- des contidas na Declaração de Doha sobre
Apesar de o documento ter sido criticado postas apresentadas pelos Membros, o o Acordo TRIPS e Saúde Pública, e; (ii) o
por ser “vago” e não apresentar um “foco plano de ação pede maior colaboração incentivo a novos modelos de inovação.
preciso”, diversos atores referiram-se a ele entre a OMS, a Organização Mundial do
como um “bom ponto de partida”. Comércio (OMC) e a Organização Mun- O texto também sugere que haja maiores
dial da Propriedade Intelectual (OMPI) discussões sobre os seguintes temas: grupos
Detalhes do plano de ação na educação e capacitação dos países em de patentes (patent pools), um possível
gerência da propriedade intelectual. A tratado sobre pesquisa médica e desen-
O plano de ação revisado tem como base os OMPI e a OMC afirmam que fornecem volvimento, compromissos de mercado e
seguintes objetivos: priorizar e promover assistência técnica à OMS sempre que parcerias público-privadas. O documento
P&D; construir e melhorar capacidades solicitadas. Fontes indicam, entretanto, relaciona, ainda, questões comerciais ao
inovadoras; promover transferência de que a implementação de propostas que tema acesso a medicamentos, o que inclui
tecnologia (TT); capacitar países a gerenciar delegam maiores tarefas a estas Organiza- o apoio à produção de versões genéricas de
propriedade intelectual; promover maior ções podem requerer reflexão futura, pois medicamentos essenciais, a remoção de
acesso; assegurar mecanismos de finan- ambas instituições possuem mandatos e impostos sobre produtos de saúde e o uso
ciamento sustentáveis; e criar sistemas de estruturas financeiras próprios. de melhores práticas de fabricação.
monitoramento.
O texto revisado incorpora a proposta bra- Ellen‘t Hoen, da ONG Médicos Sem
O plano de ação não altera as propostas sileira de avaliar o impacto da regulamen- Fronteiras, afirmou que o documento não
contidas no texto anterior, mas reorganiza tação referente à exclusividade de dados. apresentava um direcionamento claro e
e simplifica grande parte do texto, além Ademais, o novo texto ressalta a importân- também não alocava responsabilidades.
de incorporar diversas – mas não todas cia da disseminação de boas práticas como Ela acrescentou, entretanto, que era
– novas sugestões feitas pelos Membros. forma de incentivar os países a aplicar as encorajador verificar que o plano de ação
O novo texto também apresenta o plano flexibilidades contidas no TRIPs. da OMS não teve medo de apresentar
de ação em formato de tabela e, assim, novas propostas.
vincula ações especificas a atores, prazos O texto não modifica o tópico intitulado
e indicadores de progresso. “gerência da propriedade intelectual,” Diversas delegações recusaram-se a fazer
apesar dos EUA terem chamado o tema de comentários sobre o texto, já que as nego-
O documento propõe, ainda, que os Mem- “obscuro” e do Brasil ter criticado o texto ciações sobre o mesmo devem começar em
bros enfoquem 14 doenças específicas, por “assumir, erroneamente, que os proble- breve. A próxima reunião do IGWG acon-
entre elas: diabetes, doenças cardiovascu- mas enfrentados pelos PEDs restringem-se tece de 5 a 10 de novembro. Em princípio,
lares, câncer, AIDS, tuberculose, doença de a questões administrativas.” o texto final do plano de ação deve ficar
chagas, dengue, malária e leishmniasis. pronto a tempo de ser adotado na reunião da
No que diz respeito a algumas sugestões Assembléia Mundial de Saúde, que ocorre
Alguns países – entre eles, os Estados Uni- mais detalhadas, o documento foi omisso. em maio de 2008.
dos da América (EUA) e a Austrália – ques- A sugestão apresentada pelo sudeste asiá-
tionaram a inclusão, no texto da OMS, de tico não foi contemplada. A região pediu Tradução e adaptação de artigo originalmente
tópicos que tradicionalmente são discuti- que houvesse menção à necessidade de publicado em Bridges Monthly Review, ano
dos em outros fóruns internacionais, como uma “interpretação mais operacional” do 11, No. 5, ago. 2007.

PONTES - Outubro 2007 10


Análises Regionais

Acordos comerciais com a UE: oportunidade ou armadilha


para PEDs e PMDRs?

Este é mais um artigo que complementa a série “Acordos Bilaterais de Comércio”1. O foco desta análise são os
acordos comerciais – bilaterais e regionais – celebrados pela União Européia, bem como os acordos que atualmente
encontram-se em negociação.

A União Européia (UE) – bloco composto por e México . Há também acordos que não gramas de redução tarifária e regras sobre
27 Estados – é hoje a principal protagonista obrigam a uma redução tarifária, mas diversos outros temas relacionados ao
do comércio internacional ao responder por estabelecem objetivos comuns que visam comércio, como propriedade intelectual,
18,1% do comércio mundial de bens e por a uma futura liberalização comercial entre meio ambiente, política, direitos huma-
26,4% do comércio de serviços2. O bloco as partes, como os acordos de cooperação nos e democracia. Os acordos celebrados
também é responsável pelo incremento do celebrados com Argentina, Brasil, Irã e paralelamente com os países membros
número de acordos comerciais bilaterais Rússia , entre outros. Além dos acordos desses blocos, por sua vez, são menos
celebrados nos últimos anos. Alguns espe- que já estão em vigor, são muitas as nego- ambiciosos e, em regra, apenas destacam
cialistas sugerem que esse fenômeno está ciações em andamento, dentre as quais: o desejo das partes de cooperar para tal
relacionado às dificuldades de negociação Comunidade Andina de Nações (CAN), liberalização comercial e servem como
no âmbito multilateral da OMC, ao passo Mercosul, Japão e Coréia . tentativa de unificar o posicionamento dos
que outros sugerem que esta é apenas uma países membros de um bloco no processo
estratégia complementar de negociações A política de bilateralização comercial de negociação intra-regional.
que garante uma regulamentação mais da UE é representada pela negociação e
severa do comércio internacional3. celebração de acordos de associação. Estes UE-ACP
acordos vão além dos tradicionais acordos Desde setembro de 2002, 76 países do
Nos âmbitos regional e bilateral, a política de livre comércio, como os celebrados grupo da África, Caribe e Pacífico (Grupo
comercial da UE tem sido caracterizada, pelos Estados Unidos da América (EUA). ACP) negociam com a UE acordos de asso-
pelo fortalecimento das relações com Isso porque, além do viés comercial, os ciação econômica (EPAs, sigla em inglês
países vizinhos – que, freqüentemente, acordos carregam pilares de aproximação do para Economic Partnership Agreement)5.
estão em processo de acessão ao bloco – e diálogo político e da cooperação econômica, Em uma primeira fase, as negociações
pelo estabelecimento de uma nova geração tecnológica e científica. Dessa forma, em foram feitas individual e simultanea-
de acordos de associação com países do tese, representariam melhor as preocupa- mente com cada um dos países do grupo.
Mediterrâneo, com os quais a reciprocidade ções com o desenvolvimento dos PEDs e A partir de outubro de 2003, iniciaram-se
no livre comércio é introduzida progressi- PMDRs, na medida em que dispõem sobre negociações com cada uma das seis regiões
vamente. Nas últimas décadas, também questões de democracia, direitos humanos distintas nas quais se dividem esses países
foram celebrados acordos baseados na não- e meio ambiente, por exemplo. – África Ocidental, África Central, África
reciprocidade com países em desenvolvi- Meridional, Comunidade para o Desenvol-
mento (PEDs) e de menor desenvolvimento Negociações bloco a bloco vimento da África Austral (SADC, sigla em
relativo (PMDRs). inglês), Caribe e Pacífico6. A UE pretende
A UE possui uma atuação significativa na celebrar e colocar estes acordos em vigor
A UE possui uma vasta rede de relações negociação e celebração de acordos comer- até 20087. A dificuldade reside no fato
comerciais bilaterais, tanto com países ciais com outros blocos regionais. O objetivo de a UE exigir que todas as preferências
individualmente considerados quanto com dessas negociações é, em regra, a celebração concedidas por esses países a quaisquer
outros blocos. O principal objetivo desta de um acordo de associação ou a criação de outros parceiros comerciais sejam automa-
política é aumentar a rede de relações áreas de livre comércio entre as regiões. Ao ticamente outorgadas aos europeus. Isso
comerciais do bloco por meio de acordos mesmo tempo, a UE também celebra acor- não tem sido bem visto pelos países ACP
preferenciais de comércio. dos-quadro de cooperação individualmente e tende a travar as negociações8.
com os países membros dos outros blocos
O desenvolvimento dessas relações já levou regionais, ainda que o objetivo final seja a UE-CAN
à celebração de acordos comerciais que negociação única com os blocos. As negociações comerciais entre UE e
prevêem, ao menos, cronogramas de desgra- CAN para a celebração de um acordo de
vação tarifária e, portanto, podem ser con- No passado, a UE já celebrou acordos de associação entre os blocos iniciaram-se
siderados acordos preferenciais. Os acordos associação individualmente com os países, em meados de setembro deste ano (ver
celebrados pela UE geralmente envolvem mas agora ambiciona negociar com todos Pontes Quinzenal, v. 2, n. 12, 24 set.
compromissos em outros temas relaciona- em bloco, como ocorre nas negociações 2007). Os resultados da primeira rodada de
dos ao comércio: propriedade intelectual, com os países do Mediterrâneo. negociações estabeleceram os pilares para
meio ambiente, compras governamentais, a celebração do acordo, cuja assinatura
regras etc. É o caso dos acordos celebrados, Em geral, as negociações com os blocos deverá ocorrer em dois anos. Apesar do
por exemplo, com Egito, Líbano, Chile são mais abrangentes e englobam crono- clima de sucesso pós primeira rodada, ainda

11 Outubro 2007 - PONTES


Análises Regionais

não há consenso entre os países andinos intenção é a acessão desses países ao bloco, tar às negociações multilaterais12. Para que
quanto aos benefícios da liberalização é natural que os acordos celebrados sejam acordos regionais e bilaterais contribuam,
comercial com a UE, assim como não há mais amplos que os demais. efetivamente, para o desenvolvimento de
uma posição comum dos quatro países PEDs e PMDRs, é preciso que eles estejam
sobre as ofertas e demandas que devem PEDs e PMDRs: o que atentos a todas as conseqüências advindas
ser apresentadas pelo bloco. das negociações com os países e blocos
esperar da UE? desenvolvidos. E conhecer os interesses que
UE-Mercosul permeiam o jogo das negociações interna-
As negociações para a celebração de um Recentemente, a Conferência das Nações cionais será essencial neste processo.
acordo de associação entre UE e Mercosul Unidas para o Comércio e o Desenvolvi-
1
iniciaram-se em 2000 e, desde então, já mento (UNCTAD, sigla em inglês) publi- Ver Pontes Bimestral, v. 2, n. 3 (acordos
foram realizadas 16 rodadas de discussão. cou seu relatório anual sobre comércio comerciais dos EUA); v. 2, n. 4 (Mercosul); v.
3, n. 3 (Chile); e v. 3, n. 4 (México).
Os capítulos sobre cooperação e diálogo e desenvolvimento. O documento foca 2
Dados da Diretoria Geral para o Comércio
político já estavam quase concluídos 9, suas preocupações no incremento de da Comissão Européia. Disponíveis em:
quando as negociações comerciais travaram acordos bilaterais verificados nas últi- <http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2006/
em 2004. Desde então não foram ofereci- mas décadas (ver Pontes Quinzenal, v. september/tradoc_122532.xls>. Acesso em:
das novas propostas de negociações, mas 2, n. 12, 24 set. 2007). 25 set. 2007.
3
espera-se que as tratativas sejam retomadas Ver Pontes Bimestral, v. 2, n. 4, agosto-
ainda neste ano. Os números da UNCTAD mostram que setembro de 2006.
4
os acordos bilaterais celebrados nos J. Jordana e A. C. Bianculli, Trade policy in
the European Union, in M. Jank, “Políticas
O impasse nas negociações UE-Mercosul últimos 20 anos envolvem países desen-
Comerciais Comparadas - Desempenho e
deveu-se especialmente a uma oferta insufi- volvidos e PEDs. O documento relata o Modelos Organizacionais (Argentina, Bra-
ciente apresentada pela UE10, após três anos otimismo de PEDs e PMDRs ao acreditar sil, Chile, Estados Unidos, México e União
de negociações. Foram poucas ofertas para que a celebração de acordos bilaterais com Européia)”, ICONE/FIPE/DFID. São Paulo:
quotas agrícolas em contraposição à alta países desenvolvidos pode garantir amplo Editora Singular, 2007, p. 381. Disponível
em: <http://www.iconebrasil.com.br/ar-
demanda por produtos industriais e servi- acesso aos mercados desenvolvidos, o quivos/Outros%20documentos/Livro%20
ços pela UE. Exigências sobre regras que que, consequentemente, atrairia mais DFID/Cap%206%20-%20UE.pdf>. Acesso
vão além do previsto na OMC também não investimentos externos. em 03 out. 2007.
são bem vistas pelo Mercosul, que acredita 5
O grupo ACP é formado por 78 países. No
que essas questões devem ser mantidas no Na prática, porém, as preferências de acesso entanto, apenas 76 negociam EPAs com a
âmbito multilateral. Ademais, o Mercosul a mercado prometidas aos PEDs acabam UE. Os acordos com Cuba e África do Sul são
negociados separadamente.
deseja discutir prioritariamente o acesso ao cerceadas por outras exigências por parte 6
Dados do sítio eletrônico da Diretoria Geral
mercado europeu. dos países desenvolvidos. A dificuldade de
para o Comércio da Comissão Européia. Di-
acesso ao mercado europeu ocorre, prin- sponíveis em: <http://ec.europa.eu/trade/
Ásia cipalmente, devido à rigidez com que são issues/bilateral/regions/acp/index_en.htm>.
Na Ásia, a UE negocia a criação de uma tratadas as regras de origem impostas aos Acesso em: 28 set. 2007.
7
área de livre comércio com a Associação de produtos que podem entrar no bloco com Esta é a previsão disponível no sítio eletrôni-
Nações do Sudeste Asiático (ASEAN, sigla preferências tarifárias. Essas exigências são co da Diretoria Geral para o Comércio da
Comissão Européia. Disponível em: <http://
em inglês). O bloco europeu ainda nego- anexadas a todos os acordos comerciais
ec.europa.eu/trade/issues/bilateral/regions/
cia acordos de livre comércio com Japão, assinados pela UE11. A não conformidade acp/nepa_en.htm>. Acesso em: 03 out. 2007.
Coréia, China e Índia, individualmente. com as regras de origem impede os produtos 8
Servicio Informativo del SELA, “Acuerdos co-
As negociações para a celebração destes de entrarem no mercado europeu, ainda merciales con países pobres inquietan a la UE”,
tratados tiveram início neste ano, mas a que o país exportador tenha assinado um 17 set. 2007. Disponível em: <http://www.
UE já sinaliza que eles são prioridade para acordo comercial com a UE que lhe conceda sela.org/sela/prensa.asp?step=3&id=11302>.
Acesso em: 03 out. 2007.
os próximos anos. preferências tarifárias. Poucos produtos
9
conseguem atender a todos os requisitos Informações do sítio eletrônico da Dire-
Outros grupos toria Geral para o Comércio da Comissão
exigidos pelo bloco e, assim, o acesso ao Européia. Disponível em: <http://ec.europa.
A UE possui frentes de negociações comer- mercado permanece restrito. Além disso, eu/trade/issues/bilateral/regions/mercosur/
ciais com outros blocos, como é o caso dos exigências em matéria sanitária e fitossa- index_en.htm>. Acesso em: 03 out. 2007.
países do Mediterrâneo, da América Cen- nitária também dificultam a entrada dos 10
M. Valliant. How to rescue the trade
tral, da Ásia Central, da região do Golfo, produtos estrangeiros no mercado europeu. agreement between the EU and MER-
COSUR. Chaire Mercosur – Sciences Po.
da região dos Bálcãs e da região sul do Cáu- Por fim, exigências de maior abertura no
Disponível em: <http://chairemercosur.sci-
caso. Por fim, existe uma política de maior setor de serviços, investimentos, compras ences-po.fr/fichiers/Publications/commerce/
aproximação com os países candidatos a governamentais e regras também dificul- articles/2007/vaillant-chairemercosur2007.
integrar o bloco europeu. São eles: Turquia, tam a celebração de tratados mais vanta- pdf>. Acesso em: 03 out. 2007.
Croácia e Antiga República Iugoslava da josos para PEDs. 11
Valor Econômico. 14 set. 2007. “Maior
Macedônia, com os quais a UE assinou acesso do Mercosul ao mercado europeu
exige pressão sobre governos”. Disponível
acordos de associação e estabilização. Estes Estima-se que a política de celebração de
em: <http://www.mre.gov.br/portugues/
são acordos mais complexos, pois além de acordos bilaterais pela UE deva continuar, noticiario/nacional/selecao_detalhe3.
tratarem de diálogo político, liberalização independentemente da eventual conclusão asp?ID_RESENHA=375188>. Acesso em:
comercial e cooperação, também envolvem da Rodada Doha na OMC. O bloco acredita 28 set. 2007.
questões de harmonização legislativa. Se a que esta política é necessária e complemen- 12
Idem nota 4, p. 386.

PONTES - Outubro 2007 12


Análises Regionais

A Secretaria do Mercosul no contexto de reforma


institucional do bloco
Este artigo apresenta a estrutura da Secretaria do Mercosul, um balanço de suas atividades e uma breve análise dos
principais obstáculos às tentativas de reforma institucional deste órgão. Com isso, espera-se oferecer instrumentos
para uma avaliação do papel da Secretaria no processo de integração regional – tema ainda pouco explorado pelo
debate público na região.

Como toda organização internacional, regional. Trata-se de um órgão consultivo A rotatividade do cargo obedece a ordem
o Mercosul conta com um Secretariado, – sem capacidade de decisão – da mesma alfabética dos Estados Membros do bloco.
atualmente denominado Secretaria do forma que a Comissão Parlamentaria Con- Designado pelo CMC, o Diretor da SM tende
Mercosul (SM). As competências para junta e o Fórum Consultivo Econômico e a ser a figura mais política dessa instituição
cada Secretariado são, em geral, designadas Social. Inicialmente denominada Secretaria técnica. A partir da Resolução GMC 01/03,
no acordo internacional que o constitui, Administrativa, sua criação ocupou pou- a SM também passou a contar com um coor-
e a forma de funcionamento e o grau de cas linhas do Tratado de Assunção, que denador, responsável pelo auxílio ao Diretor
organização deste órgão variam muito designava a ela funções essencialmente em suas funções. O coordenador deve ser um
de organização para organização. Muitas administrativas e de arquivamento1. funcionário técnico dos setores de Norma-
dessas variáveis orientam-se pelo grau de tiva e Documentação ou do Setor de Admi-
confiança política depositado pelos países O Protocolo de Ouro Preto (POP) agregou nistração e Apoio e é indicado, após consulta
membros da organização e também pelos mais uma atribuição à Secretaria: guardiã aos Estados Membros, pelo Diretor.
recursos financeiros dotados à organiza- da memória e do acervo normativo da estru-
ção internacional. Os Secretariados têm tura institucional do bloco (art. 32). Com O SAT consistiu na principal inovação
um papel fundamental para os Estados, isso, a Secretaria Administrativa passou a neste processo de reforma da SM, indicado
na medida em que são o principal ponto cuidar do arquivo oficial, da publicação e como “coração das mudanças e ponto
de coordenação das atividades conjuntas. difusão de normas, da edição do Boletim central neste processo” pelo então Diretor
Além disso, cada vez mais os Secretariados Oficial do Mercosul, da logística das reuni- Reginaldo Arcuri2. De acordo com o Anexo
têm-se tornado pontos focais para a relação ões, do registro das listas de árbitros, da rea- I da Decisão CMC 30/02, a competência do
com organizações da sociedade civil (em lização das tarefas solicitadas pelo Conselho SAT era “prestar assessoramento e apoio
especial para o acesso a informações). do Mercado Comum (CMC), pelo Grupo técnico aos demais órgãos do Mercosul,
Mercado Comum (GMC) e pela Comissão com o objetivo de contribuir para a con-
No caso do Mercosul, o trabalho da Secre- de Comércio do Mercosul (CCM). formação de um espaço de reflexão comum
taria ainda tem pouca visibilidade pública. sobre o desenvolvimento e consolidação do
Localizada em um prédio histórico na Dez anos após a criação da Secretaria processo de integração”. As competências
cidade de Montevidéu, o Edifício Mercosul, Administrativa e no contexto dos projetos do SAT seriam, então: a) fornecer apoio téc-
a SM é responsável pela logística das reuni- de Relançamento do Mercosul (2000) e de nico aos órgãos do Mercosul; b) acompanhar
ões, pelo acervo institucional da estrutura Fortalecimento Institucional do bloco (a e avaliar o desenvolvimento do processo
normativa do Mercosul e por toda docu- partir de 2001), a Decisão CMC 30/02 rede- de integração (e.g. identificar eventuais
mentação do bloco regional. A Secretaria finiu o seu papel. A partir desse momento, lacunas e necessidades do processo de
ainda elabora informes anuais e semestrais Secretaria Administrativa foi transformada integração, com a finalidade de propor, sob
e estudos técnicos que têm como objetivo em uma Secretaria Técnica, com a criação uma perspectiva regional, linhas de ação
sugerir avanços no processo de integra- do Setor de Assessoria Técnica (SAT), aos órgãos decisórios do Mercosul), em
ção. Em janeiro deste ano, o Conselho do e essa passou a assumir a denominação Relatórios Semestrais; c) elaborar estudos
Mercado Comum aprovou as novas regras Secretaria do Mercosul. De acordo com a de interesse para o processo de integração
sobre a estrutura e o funcionamento da SM Decisão, o GMC poderá, quando entender do Mercosul; e d) controlar a consistência
(Decisão CMC 07/07). necessário, propor ao CMC um protocolo jurídica (CCJ) dos atos e normas emanados
que modifique o POP para contemplar tais dos órgãos decisórios do bloco (e.g. exami-
Este artigo pretende elucidar a evolução transformações da Secretaria – o que ainda nar a adequação dos projetos de normas ao
da estrutura da SM, o histórico de suas não ocorreu até o momento. conjunto normativo do Mercosul).
atividades e contextualizá-la nos projetos
de reforma institucional do bloco. A Resolução GMC 01/03 foi então que Após a publicação da Decisão CMC 30/02,
consolidou as mudanças na SM. O número foi realizado, em 2003, um concurso público
Constituição da Secretaria e de funcionários da Secretaria ficou deter- para recrutamento dos quatro consultores
minado em 26. Cabe destacar que o preen- técnicos para o período de 3 anos3. Dentre
reformas para ampliação de chimento de todos os cargos da Secretaria quatrocentos candidatos, os quatro selecio-
suas atribuições hoje ocorre por meio de concurso público, à nados eram especialistas na área de integra-
exceção do Diretor, autoridade máxima da ção regional, dois com formação em direito
A Secretaria tem sua origem no Tratado de hierarquia da SM (art. 33 do POP). O CMC e outros dois, em economia (Decisão CMC
Assunção (1991), o que permite classificá-la realiza as eleições para esse cargo a cada 13/03). Os membros do corpo técnico deve-
como o primeiro órgão permanente do bloco dois anos, sendo proibida a sua reeleição. riam expressar-se independentemente de sua

13 Outubro 2007 - PONTES


Análises Regionais

nacionalidade e buscar uma visão comum do renda aduaneira; relação entre os processos petência reformada da SM foi referente ao
Mercosul, acima dos interesses nacionais. de liberalização no Mercosul e na ALADI. CCJ que passou a se restringir a projetos de
Esses temas envolveram consultas entre normas (e não quaisquer normas do bloco).
A Decisão CMC 30/02 conferiu, assim, à os órgãos, pesquisas temáticas, relatórios e Ambas as alterações encontram-se consa-
Secretaria do Mercosul a possibilidade de estudos técnicos. Os resultados de alguns gradas na recente Decisão CMC 07/07.
consagrar-se como um lócus voltado para deles foram publicados como documentos
a reflexão crítica sobre o aprofundamento técnicos, disponíveis para consulta pública Perspectivas futuras
institucional do bloco, com competência no sítio do Mercosul. Observa-se que muitos
para identificar as carências e lacunas do desses estudos, assim como a construção da
para a SM
processo de integração e sugerir cursos de base de dados econômicos, foram resultados No processo de fortalecimento institu-
ação necessários. de parcerias realizadas entre a SM e o Banco cional do Mercosul, pode-se observar que
Interamericano de Desenvolvimento (BID). alguns avanços podem ser observados na
Atividades da Secretaria estruturação da SM e de seus trabalhos,
Fontes alertam que a redação da Resolução mas também alguns retrocessos marcam
Dado o caráter reservado dos trabalhos GMC 01/03 e sua interpretação durante a esse seu breve histórico da ampliação de
realizados no âmbito da SM, torna-se difícil execução dos trabalhos em 2003 e início seu papel nos últimos 5 anos.
qualquer avaliação do conteúdo das ativida- de 2004 foram os fatores que permitiram à
des executadas pela Secretaria, mesmo após SM uma atuação mais incisiva. Reformas Como fatores inegavelmente positivos, é
a sua reestruturação. Uma única exceção posteriores parecem ter limitado esse exer- importante destacar, a regulamentação mais
que pode ser apontada é o Primer Informe cício no âmbito da Secretaria. clara dos papéis e funções dos funcionários
Semestral (julho de 2004), no qual foram da SM, bem como a tentativa de sua profis-
apresentadas propostas relativas ao reforço A revisão das reformas a sionalização, com concursos públicos. Além
institucional do Mercosul . disso, dentre os trabalhos desenvolvidos,
partir de 2004 a produção de documentos técnicos sobre
O Informe de Atividades da SM, publicado A partir de 2004, em especial logo após a temas relevantes para o processo de integra-
anualmente, aponta sinteticamente o tipo publicação do Informe Semestral da SM em ção regional (e sua publicação), a reforma do
de atividade desempenhado por cada um julho daquele ano, novas normativas foram sítio na Internet e sistematização das infor-
dos seus setores e concentra-se mais em aprovadas no âmbito do bloco, no sentido mações disponibilizadas via Internet e no
temas administrativos e orçamentários da de alterar a dinâmica de trabalho da SM. estabelecimento físico da SM foram inova-
Secretaria. Observa-se nos relatórios publi- ções importantes, mas que ainda demandam
cados até o momento uma preocupação Primeiramente, os trabalhos da Secretaria um aprimoramento significativo.
com a organização interna da SM, inclusive foram essencialmente centralizados no
na parte de informática e arquivamento, Diretor, que passou a supervisionar todas as Restam ainda alguns pontos sensíveis na
com a adoção de novos programas de com- atividades e controlar o fluxo de consultas atual estrutura da SM. Primeiramente, des-
putador e organização da base virtual e de quaisquer outros órgãos à SM (Resolução taca-se a falta de estabilidade institucional,
física dos arquivos do Mercosul. No tocante GMC 16/04). Outra limitação no tocante a dado que as reformas recentes não foram
ao SAT, observa-se que, dentre as funções a consultas de outros órgãos à Secretaria foi consagradas em tratado. Isso pode dificul-
ele designadas, o mapeamento quantitativo o estabelecimento da necessidade de con- tar a permanência dos trabalhos na SM e,
evidencia o seguinte: senso entre todos Estados Partes em cada sobretudo a sua profissionalização (dada a
órgão interessado para a solicitação da con- precariedade do vinculo dos funcionários).
Conforme indicações do Informe anual da sulta (Resolução GMC 16/04). O Informe Em segundo lugar, é importante verificar
SM, o primeiro período de atividades do SAT anual de 2004 registra que após a edição de o grau de intervenção ainda garantido aos
(2003-2006) contou com o cumprimento tal Resolução não foram mais realizadas Estados nos seus trabalhos . Isso se deve
das várias atividades designadas ao setor. consultas por outros órgãos à SM. Não há não apenas à estrutura institucional, mas
Destacam-se alguns temas predominantes dado disponível para 2005, mas, para 2006, também ao histórico recente e vulnerável
nessas atividades: livre circulação de mão- consta apenas uma consulta. da SM que prejudica uma prática mais autô-
de-obra e direitos dos trabalhadores no Mer- noma de seus trabalhos. Isso, em última
cosul; aplicação e efetividade do direito do Além disso, passou-se ao GMC a competên- instância, afeta o papel central atribuído
Mercosul; assimetria entre os Estados partes cia de controle sobre a publicação de todos os à SM para reflexão acerca dos temas mais
e política de convergência estrutural; TEC e relatórios produzidos pela SM. Outra com- controversos do Mercosul.
1
Cf. artigo 15 do Tratado de Assunção: “O
Atividade/ Ano 2003 2004 2005 2006 Grupo Mercado Comum contará com uma
Apoio Consultas -* 2 N/D 1 Secretaria Administrativa cujas principais
técnico Docs trabalho 24 N/D 22 funções consistirão na guarda de documentos
e comunicações de atividades do mesmo. Terá
a outros Pesquisas temáticas 10 N/D 7 sua sede na cidade de Montevidéu”.
órgãos Rel. Técnicos - 14 N/D 17 2
Cf. Informe de Atividades 2003 – Secretaria
Rel. semestrais 2 N/D 1 do Mercosul, p. 6.
Estudos técnicos - 4 [10 previstos] 7 3
Cf. Información para la prensa n. 34/2003, 4 de
CCJ 45* 29 N/D 3 março de 2003, do Ministério de Relações Exte-
Outras atividades Sim Sim N/D Sim riores da Argentina. Disponível <http://www.
mrecic.gov.ar>. Acesso em: 28 set. 2007.
*Os dados estão registrados conjuntamente no Relatório, que indica a maioria referente a CCJ.

PONTES - Outubro 2007 14


Análises Regionais

China e Mercosul: perspectivas para o comércio bilateral


Welber Barral*
Nicolás Perrone**
Nos últimos anos, países que antes não ocupavam um lugar preponderante nas agendas, o alcançaram a partir de
seus papéis de ‘global players’ na economia mundial. Esse é o caso da China para a América Latina e, especialmente,
para o Mercosul. A despeito das relações econômicas incrementarem-se desde os princípios da década de 90, somente
no ano de 2000 é que começaram a ter um grande dinamismo, acentuado após o ingresso da China na Organização
Mundial do Comércio (OMC) no final de 2001. Este artigo tem o escopo de analisar as relações econômicas entre a
China e o Mercosul, ponderar seus antecedentes e considerar o cenário atual.

Até o derradeiro final da Guerra Fria, não de 1990 por meio de uma série de reformas de importações. Representava cerca de US$
se pode cogitar a existência de uma rela- comerciais que incluíram significativas redu- 400 milhões, número que cairia para US$
ção fluída entre os países do Mercosul e ções das barreiras alfandegárias chinesas5. 100 milhões e se manteria neste nível até
a China, mesmo quando o vínculo com 1991. As exportações flutuariam por volta
países asiáticos constituía um tema de de US$ 500 milhões durante todo o período.
agenda para o Brasil1. A Argentina, entre-
... o mercado Completado o ano de 1985, o comércio com
tanto, registra contatos comerciais com a chinês adquiriu a China significava 3% tanto das exporta-
China desde 1953, quando a necessidade ções, como das importações. Em 1991, esta
de esquivar carências de oferta interna
uma considerável participação se reduzia a 1%9.
de cereais e grãos instiga contatos ‘não importância para os
oficiais’ entre as partes. Entre os anos de 1993 e 1998, as relações
principais membros sino-brasileiras aumentaram consideravel-
Em 1972, a Argentina estabeleceu for- do Mercosul e mente: as exportações chegaram à cerca
malmente relações diplomáticas com a de um bilhão de dólares, enquanto as
China. O mesmo fez o Brasil em 1974. Em passou a constituir importações cresceram em ritmo maior,
ambos os casos, a conformidade em temas o quarto destino concretizando igual soma em 199510.
comerciais estava presente e um claro
exemplo é a oposição ao protecionismo das exportações Finalmente, entre 1999 e 2003, o comércio
exercido pelos países desenvolvidos2. Cabe argentinas e entre os preditos países daria um salto
apontar que, naquela data, o único país do exponencial, conforme os mesmos padrões
bloco que não possuía uma ligação direta o terceiro das da Argentina. No caso brasileiro, suas expor-
com Pequim era o Paraguai, em virtude do brasileiras. tações com a China cresceram 525% neste
reconhecimento a Taiwan. período, em comparação com 52% com o
resto do mundo. Desta forma, o Brasil trans-
A relação sino-brasileira tem conotações As exportações argentinas para a China formou-se no principal parceiro comercial da
próprias quando comparada à latino-ameri- representavam, em 1980, 2,34% das China na esfera da América Latina11.
cana. No plano político, o Brasil foi qualifi- vendas totais do país, cifra que em 1990
cado pelo ministro chinês Zhu Rongji, como constituía 1,95%, e em 2002, 2,98%. O Como se pode notar, o mercado chinês
“sócio estratégico” e no plano econômico, salto quantitativo é verificado nos últimos adquiriu uma considerável importância para
como um “espaço estratégico”. A Argentina, seis anos e os valores alcançados foram de os principais membros do Mercosul e passou
por sua vez, apresenta maior fragilidade 7,58% e 7,94% nos anos de 2004 e 2005, a constituir o quarto destino das exportações
em seus vínculos com a China, pois não respectivamente6. Entre 2000 e 2003, a argentinas e o terceiro das brasileiras.
usufrui de um patamar comercial sólido, Argentina foi o país que mais aumentou
nem ostenta uma participação relevante suas exportações à China, com um surpre- A situação dos parceiros menores do Merco-
no âmbito geoestratégico3. Apesar disso, endente crescimento de 123%7. sul é substancialmente diferente. Ainda que
atualmente a Argentina ocupa, na América o Uruguai mantivesse relações diplomáti-
Latina, o terceiro lugar em exportações para Quanto às importações, também se veri- cas com a China, suas exportações em 2005
a China, depois de Brasil e México, e é o fica um considerável crescimento. Entre alcançaram somente US$ 119 milhões, ao
país cujo comércio com a China apresentou as décadas de 1980 e 1990, as importações passo que suas importações somaram US$
maior crescimento entre 2002 e 20034. representavam a inexpressiva cifra de 242 milhões no mesmo período. O Para-
0,30% do total nacional. Em 2000, esse per- guai, por sua vez, totalizou exportações
Em termos estritamente comerciais, após centual multiplica-se para 4,56% e atinge de US$ 69 milhões e importações de US$
a abertura da economia chinesa e a redu- 6,23% e 7,80% nos anos de 2004 e 20058. 716 milhões, segundo a Associação Latino-
ção dos controles sobre suas exportações e Americana de Integração.
importações, o comércio exterior do Brasil O caso brasileiro é bastante similar. A
e da Argentina manteve um ritmo de cresci- relação comercial brasileira com a China, No que se refere à composição do comércio
mento sustentado, que se acelerou na década por volta de 1985, envolvia um baixo nível entre todos os países analisados e a China,

15 Outubro 2007 - PONTES


Análises Regionais

existem semelhanças tanto nas exporta- Não obstante, estes modelos de concen- Da mesma forma, existem na estrutura tari-
ções como nas importações. Como no caso tração agravaram-se nos últimos anos no fária chinesa importantes picos que, embora
do Brasil, 55,5% dos embarques à China caso argentino, de maneira que os setores mais significativos no setor de manufaturas,
entre 2001 e 2003 representavam produtos metalúrgico e têxtil, que participaram são também relevantes no setor de agroali-
básicos: o dobro da participação dessas com 15% e 14% cada um, em 1996, passa- mentos e praticamente nulos ou escassos
mercadorias no comércio global brasileiro. ram em 2004 e 2006 a representar apenas em minerais e combustíveis18.
Em contrapartida, 20,1% figuravam produ- 2% e 1%, respectivamente15. A mesma
tos semi-manufaturados, em comparação queda é identifi cada no caso do Chile Conforme assinalado anteriormente, uma
com 14,7% do comércio global. Como e da Venezuela, com a diferença de que parte substancial das exportações do bloco
corolário deste fato, as exportações de estes países, cujas exportações também se para a China são matérias-primas de cará-
manufaturas, que significavam 55,1% do concentram em poucos setores, exportam ter alimentício e, em forma mais ampla,
comércio brasileiro, somavam 24,1% dos principalmente minerais, sobretudo o pode-se afirmar que toda a América do Sul
produtos enviados à China12. cobre, no caso chileno, e hidrocarbone- exporta algum tipo de matéria-prima, seja
tos, essencialmente o petróleo, no vene- mineral ou agroalimentícia. Também se
Os embarques brasileiros, ademais, zuelano. De outro lado, a importância enfatizou que esta tendência não é nova,
concentram-se em oito setores, desta- representada na China pela região, em uma vez que historicamente a inserção da
cando-se o agropecuário e o de extração termos comerciais, não é preponderante. região como parceiro comercial da China
de minérios, que contabilizam 47% do A América Latina está longe de ser um foi de provedor destes produtos.
total. É interessante mencionar que esta destino importante de suas exportações.
concentração, longe de ser fato atual, era O México ocupa o vigésimo lugar, com Uma análise profunda do padrão de comér-
a regra das exportações do País dirigidas à 0,9% dos embarques chineses, seguido cio brasileiro aponta que a participação
China desde 198513. do Brasil, no posto vigésimo sexto, com de bens elaborados dentre os exportados
0,5%, segundo dados de 2002. Os valores para a Ásia é relativamente baixa quando
A situação argentina registra níveis de do Mercosul somados para o mesmo perí- se examina a participação de outros desti-
concentração maiores, uma vez que três odo apenas superou 0,6%16. nos, enquadrando-se a China como caso
produtos somavam 84% das exportações extremo deste padrão19. No caso argentino,
para a China em 2006: grãos de soja (41%), No que se refere a barreiras tarifárias, a esta tendência é mais proeminente. Cerca
óleo de petróleo não processado (25%) e média de impostos ad valorem consoli- de 72% das exportações são agroalimentos
óleo de soja (18%). As manufaturas de dados na China é de 9,8%. Para produtos com baixo ou nenhum grau de elaboração,
origem industrial representaram apenas agrícolas é de 14,9% e de 9% para produ- número muito acima dos 49% da parti-
4% do total, com uma diminuição de 20% tos não-agrícolas. Os mais altos concen- cipação desempenhada pelos produtos
comparativamente ao ano anterior. Entre tram-se em calçados, alimentos, bebidas primários (excluindo os combustíveis) e
2003 e 2006, os agroalimentos represen- e tabaco. Os impostos para animais vivos manufaturas de origem agrícola na pauta
taram 72% do total de embarques. Esta (seção I do sistema harmonizado) alcan- exportadora global20.
tendência é histórica e foi a condição de çam 12,4%, enquanto que produtos do
abastecedor de cereais que permitiu à reino vegetal (seção II) alcançam 13,7%. Também existem agroalimentos sem elabo-
Argentina manter um fluxo de exporta- Gorduras e azeites (seção III) chegam à ração para os quais a China ainda mantém
ções elevado14. média de 13%17. tarifas (morango: 30%, ameixa: 25%, trigo e

PONTES - Outubro 2007 16


Análises Regionais

arroz: 65%, açúcar: 50%), mesmo que nos três o que afetou em termos relativos seus
*Pesquisador (CNPq).
últimos casos existam quotas pactuadas de embarques de bens de baixa tecnologia
**Pesquisador do CEIDIE e Professor da
tarifas ao redor de 10%21. Em conseqüência, (têxteis e produtos de aço), enquanto que,
Universidade de Buenos Aires.
ambos os países têm enfrentado dificuldades em valores absolutos, os mais castigados
para o ingresso de produtos alimentícios ela- foram os produtos de média tecnologia.
borados, em virtude de distintas políticas de Conforme o mesmo estudo26, a similitude 1
ALTEMANI DE OLIVEIRA, H. China- Brasil:
governo chinesas: maiores tributos, conces- na composição das exportações da China e Perspectivas de cooperación Sur-Sur. Revista
são de subsídios e medidas fitossanitárias22. do Brasil tem diminuído, principalmente Nueva Sociedad, n. 203, 2006, p. 140.
2
Nesse sentido, nenhum país do bloco obteve para os Estados Unidos da América (EUA), Altemani, Op. Cit. p. 141.
3
algum tipo de aprimoramento em sua pauta no período que vai de 1992 até 2001. GUTIÉRREZ BERMEDO, H. Balance y
perspectivas de las relaciones de China con
exportadora à China23.
la Argentina, Brasil y Chile. In CESARIN, S.,
MONETA. C. (comp.) China: perspectivas del
Neste marco, a inserção do Mercosul na ... o principal desafio presente, desafíos del futuro. Buenos Aires:
economia chinesa tem sido até agora como Universidad Nacional de Tres de Febrero,
provedor de matérias-primas. O bloco abas- para o Mercosul é 2002. p. 130.
4
CORNEJO, R. América Latina ante el cre-
tece o gigante asiático de produtos que, em manter e melhorar cimiento económico de China. VI Reunión
seguida, são elaborados e exportados a ter-
ceiros destinos ou consumidos localmente. sua inserção no de la Red de Estudios de América Latina y
el Caribe sobre Asia-Pacífico (REDELAP),
Por outro lado, a explicação para este furor mercado chinês e, ao octubre de 2003. p. 19.
exportador dos países da região dirigido 5
CENTRO DE ECONOMÍA INTERNA-
à China advém do crescimento chinês, mesmo tempo, manter CIONAL (CEI), Base de datos estadístico.
Disponível em: http://www.cei.mrecic.gov.ar/
além de certa complementaridade entre as a competitividade home.htm. p. 14 e RIBEIRO, F. e POURCHET,
economias, e não de uma política ativa do
H. Perfil do Comércio Brasil-China. Revista
Mercosul para acessar este mercado. Isto se de seus produtos Brasileira de Comércio Exterior, n. 79, ano
observa do fato de que as importações chi- industriais... XVIII, abril/junio de 2004. p. 14.
nesas registraram seu maior incremento em 6
Elaboração própria com base nos dados do
setores nos quais o Brasil e a Argentina pos- CEI.
suem maiores vantagens competitivas24. Estas referências reforçam a percepção de 7
Cornejo. Op. Cit. p. 19.
que a preocupação imediata do Mercosul 8
Elaboração própria com base nos dados do
A partir desta análise, pode-se afirmar que em respeito a China, como competidor, não CEI.
o comércio bilateral entre o Mercosul e a está em terceiros mercados, e sim no mer- 9
Ribeiro ; Pourchet. Op. Cit. p. 14.
China está baseado em vantagens compara- cado local. Os setores industriais do bloco, 10
Ribeiro ; Pourchet. Op. Cit. p. 15.
tivas, e que – com exceções muito significa- neste sentido, podem sofrer fortes impactos 11
SHIXUE, J. Una mirada china a las rela-
tivas, como é o caso da Embraer – pratica- negativos a partir de importações chinesas ciones con América Latina. Revista Nueva
mente não existe comércio intra-industrial. de baixo custo, que cada vez mais têm Sociedad, n.° 203, 2006. p. 70.
12
De maneira diversa ocorre em outros países maior valor agregado tecnológico e cum- Ribeiro; Pourchet. Op. Cit. p. 17.
13
asiáticos em desenvolvimento, o que for- prem melhores padrões de qualidade27. Ribeiro; Pourchet. Op. Cit. p. 32.
talece certo critério de especialização e 14
Gutiérrez Bermejo. Op. Cit. p. 130.
divisão de trabalho em nível global. Entretanto, o comércio com a China não 15
CEI, 2007, p. 4.
só apresenta as mesmas deficiências que o 16
IADB. The Emergence of China: Opportuni-
Sem dúvida, o principal desafio para o Mer- padrão global de comércio da região, mas ties and Challenges for Latin America and the
cosul é manter e melhorar sua inserção no também as apresenta em níveis agravados. Caribbean. March, 2005. p. 57.
17
mercado chinês e, ao mesmo tempo, manter a Sem discutir os efeitos em largo prazo da CEI, 2007, p. 17.
18
competitividade de seus produtos industriais, especialização no comércio dos recursos CEI, 2007, p. 17.
conseguindo eventualmente elevar o valor naturais, pode-se concluir que uma estra- 19
Ribeiro, Pourchet. Op. Cit. p. 18-19.
agregado na composição de suas exportações tégia de industrialização do bloco não se vê 20
CEI, 2007, p. 4.
para aquele país. No caso do Brasil e Argen- beneficiada pela erupção da China. 21
CEI, 2007, p. 8-10.
tina, a ameaça de produtos industriais chine- 22
Gutiérrez Bermejo. Op. Cit. p. 131; IADB.
ses é um perigo perene, que se manteve em No momento em que este trabalho é con- Op. Cit. p. 193; CEI, 2007, p. 16.
segundo plano pelo inacreditável aumento cluído, surge uma interessante contenda 23
Ribeiro, Pourchet. Op. Cit. p. 21.
das exportações para aquele país. comercial entre China e Argentina, fruto 24
IADB. Op. Cit. p. 53.
das barreiras que este último país aplicou a 25
IADB. Op. Cit. p. 184.
Na prática, a concorrência com produtos certos produtos chineses de origem indus- 26
IADB. Op. Cit. p. 188.
chineses ocorre fronteiras adentro no trial. Como resultado, em 28 de agosto de 27
MESQUITA MOREIRA, M. Fear of China:
Mercosul, segundo índices de similitude 2007, o governo chinês impôs represálias Is there a future for manufacturing in Latin
de exportações. De acordo com o BID25, sobre os embarques argentinos de soja com America? Working Paper N° 33, LAEBA,
somente 2% dos embarques argentinos base em razões fitossanitárias, como o fizera dezember, 2004. p. 16 y 20.
poderiam ser substituídos pela concor- meses antes com os EUA28. Será interessante 28
ÁMBITO FINANCIERO. Preocupante:
rência chinesa. A situação do Brasil, no acompanhar o desenrolar desse caso para China ya frenó 3 barcos con soja argentina,
entanto, é mais contundente. Na última testemunhar até que ponto o poder relativo 28 ago. 2007.
década, este país perdeu 4% das suas da China sobre a região deve fazer temer seu
exportações para a concorrência chinesa, peso nas negociações bilaterais.

17 Outubro 2007 - PONTES


Análises Regionais

Propriedade Intelectual nos Tratados de Livre Comércio dos


EUA: uma mudança de política?
Pedro Roffe*
David Vivas Eugui**
Tradicionalmente, os EUA têm buscado firmar tratados de livre comércio que, entre outras disposições, ampliam
os níveis mínimos de proteção à propriedade intelectual estabelecidos pelo Acordo TRIPs da OMC. Recentemente,
entretanto, verifica-se um abrandamento nesse posicionamento, principalmente no que tange às disposições relativas
a patentes e à saúde pública. É o caso dos recentes tratados firmados pelos EUA com Colômbia, Panamá e Peru.

Imediatamente após a finalização das ao enaltecer a propriedade intelectual às TLCs firmados com Austrália, Marrocos e
negociações da Rodada Uruguai e da pos- custas da saúde pública. A carta afirmava, Cingapura, entre outros. As modificações
terior adoção do Acordo sobre Aspectos ainda, que os TLCs estadunidenses eram realizadas no caso da Colômbia, Panamá e
dos Direitos de Propriedade Intelectual responsáveis pela falta de acesso a medi- Peru são resultado de um acordo bipartite
relacionados ao Comércio (Acordo TRIPs, camentos que salvam vidas. assinado em 10 de maio de 2007 entre o
sigla em inglês), os Estados Unidos da Congresso e o governo dos EUA para a
América (EUA) buscaram, de forma sis- Recentemente, os EUA modificaram os ratificação destes últimos tratados.
temática, novos compromissos na área TLCs firmados com Colômbia, Panamá e
de Propriedade Intelectual (PI) com uma Peru. Uma análise desses acordos permite Além de tratar do tema “acesso a medica-
série de parceiros comerciais. O Tratado a verificação de uma expressiva mudança mentos”, o acordo altera o texto dos TLCs
de Livre Comércio da América do Norte de atitude por parte dos EUA, pois as novas sobre padrões de trabalho, meio-ambiente
(NAFTA, sigla em inglês) foi o primeiro a disposições flexibilizam, efetivamente, e aquecimento global. Especificamente em
ultrapassar os padrões mínimos de prote- várias normas de PI relativas a patentes. relação ao acesso a medicamentos, cinco
ção estabelecidos no TRIPs. Este artigo analisa os principias elementos aspectos foram modificados nos TLCs, a
destes novos tratados e questiona seus saber: (i) exclusividade de dados de prova;
Tratados desta natureza são conhecidos impactos sobre demais países, nos quais (ii) extensão da patente; (iii) vinculação
como TRIPs plus, ao passo que estabe- as versões anteriores e mais restritivas de entre a aprovação de um medicamentos e
lecem padrões de proteção que vão além TLCs já se encontram em vigor. o estado de sua patente; (iv) saúde pública;
daqueles determinados pelo Acordo da e (v) desenvolvimento econômico.
OMC. De 1994 até hoje, mais de quinze
tratados de livre comércio (TLCs) TRIPs ...os EUA modificaram Exclusividade de dados
plus foram firmados ou encontram-se em os TLCs firmados com
negociação no mundo todo. Estes tratados A proteção da exclusividade de dados por
foram objeto de inúmeras análises acadê- Colômbia, Panamá “pelo menos cinco anos” não foi regula-
micas e geraram severas críticas por parte mentada pelo Acordo TRIPs e constitui
da sociedade civil.
e Peru. Uma análise um aspecto controverso das disposições
desses acordos TRIPs plus incluídas em TLCs negociados
Uma das principias críticas aos TLCs TRIPs pelos EUA. A controvérsia diz respeito,
plus é que eles restringem flexibilidades
permite a verificação principalmente, aos obstáculos regulatórios
permitidas pelo Acordo TRIPs. O setor de uma expressiva adicionais que os produtos genéricos teriam
de saúde pública é o mais visivelmente que superar antes de poder chegar ao mer-
afetado, já que muitos TLCs marginalizam
mudança de atitude cado. Dados de prova são as informações
a Declaração Ministerial de Doha sobre o por parte dos EUA... fornecidas às autoridades nacionais como
Acordo TRIPs e Saúde Pública de 2001. condição para a aprovação e comerciali-
Esta declaração reforçou a legitimidades das zação de um produto farmacêutico, o que
flexibilidades contidas no TRIPs e o direito Propriedade Intelectual e inclui informações relacionadas à segu-
dos Membros da OMC de protegerem a Saúde nos tratados firmados rança e à eficácia do produto. Os cinco anos
saúde pública e promover o acesso de toda de exclusividade desses dados agregam-se
a população a medicamentos. entre EUA e Colômbia, ao período de exclusividade temporária já
Panamá e Peru concedido por uma patente.
Em 12 de março deste ano, doze congres-
sistas estadunidenses enviaram uma carta Os capítulos originais sobre PI dos TLCs No caso do Peru, as mudanças introduzi-
ao Representante Comercial dos EUA na firmados pelos EUA com Colômbia, das nos TLCs dispõem que a proteção dos
qual reconheciam que a grande maioria Panamá e Peru incluíam disposições con- dados de prova não divulgados deve ocorrer
dos TLCs firmados pelos EUA limitavam vencionais já negociadas por aquele país durante “um período razoável de tempo”.
as flexibilidades previstas no Acordo com o Chile e com o CAFTA-DR. Em mui- O texto do tratado esclarece que, para este
TRIPs e colocavam em risco um impor- tos casos, estas disposições reproduziam os propósito, um período razoável de tempo
tante equilíbrio entre inovação e acesso, abrangentes capítulos de PI presentes em normalmente significa cinco anos, uma

PONTES - Outubro 2007 18


Análises
OMCRegionais
em foco

vez considerados a natureza dos dados e entretanto, que as partes devem esforçar-se da Declaração de Doha sobre o Acordo
os esforços e gastos empreendidos para a para processar os pedidos de aprovação e TRIPs e Saúde Pública. Diferentemente
produção deles. O TLC dispõe, entretanto, comercialização prontamente. dos TLCs anteriores, os textos modificados
que as partes podem implementar proce- estabelecem: (i) o compromisso das partes
dimentos mais expeditos de aprovação, Vinculação da aprovação dos com a Declaração, especialmente no que
com base em estudos de bioequivalência tange às disposições sobre exclusividade
ou biodisponibilidade. medicamentos ao estado da de dados de prova; e (ii) o reconhecimento
patente das exceções estabelecidas pela OMC para
O texto modificado é, efetivamente, mais implementação da Declaração.
flexível em comparação a suas versões ori- Outra disposição muito controversa dos
ginais, nas quais não havia relação entre a TLCs existentes é a obrigação das Partes Tais mudanças colocam a Declaração de
proteção de cinco anos com a qualidade dos de não conceder a aprovação de comercia- Doha, a Decisão do Conselho Geral de 30
dados e os investimentos econômicos reali- lização a nenhuma terceira parte antes do de agosto de 2003 e as futuras modificações
zados para produzi-los. Diferentemente do vencimento do prazo da patente e sem o do Acordo TRIPs no mesmo nível de outras
CAFTA-DR, por exemplo, o texto modifi- consentimento ou aprovação do titular da disposições dos TLCs, o que possibilita
cado permite a implementação criativa e mesma. Os recentes TLCs firmados com interpretações favoráveis à saúde pública
equilibrada das normas nacionais. Peru, Colômbia e Panamá eliminaram tal nas demais seções dos TLCs.
vinculação. Mais especificamente, a autori-
Outra mudança importante diz respeito a dade sanitária não está obrigada a retardar a Desenvolvimento econômico
prazos. O texto modificado estabelece que aprovação de um medicamento genérico até
quando informações sobre novas entidades que seja possível certificar que nenhuma Os TLCs modificados contaram com a adi-
químicas estiverem vinculadas à aprovação patente será infringida. ção de uma disposição inovadora. Ela prevê
de comercialização nos EUA, o país pode uma revisão periódica da implementação
outorgar aprovação e o período razoável de e operacionalização do capítulo sobre PI
uso exclusivo terá início quando o medi- Os TLCs modificados e oferece às partes a oportunidade de dar
camento for aprovado pela primeira vez esclarecem uma série início a novas negociações. No contexto
nos EUA. Esse novo mecanismo incentiva dessas revisões, os Estados poderão propor
a rápida aprovação para comercialização de aspectos confusos modificações de quaisquer disposições do
e garante um período de proteção que contidos em tratados tratado em prol da melhoria de seus níveis
tem início quando da primeira aprovação de desenvolvimento econômico.
do medicamento. Resultado disto é um anteriores e permitem
tempo mais curto de proteção efetiva. Essa a implementação Conclusões
importante alteração soluciona um dos
problemas da versão original do TLC, que inovadora de suas Os recentes acontecimentos mostram uma
previa um período de prioridade de cinco disposições. interessante mudança de políticas relaciona-
anos, dentro do qual o inovador poderia das a PI nos TLCs firmados pelos EUA. As
reclamar exclusividade em outros Estados críticas apresentadas contra aspectos espe-
Membros do tratado. No CAFTA-DR, o As disposições dos tratados estabelecem, cíficos dos TLCs, particularmente aqueles
direito de prioridade podia estender o perí- entretanto, que os Estados devem pro- relacionados à redução das flexibilidades do
odo de proteção a até dez anos. porcionar os procedimentos e recursos Acordo TRIPs, foram divulgadas por meio de
(processos judiciais ou administrativos, uma série de pronunciamentos formulados
Extensão do prazo de incluídas as ordens judiciais ou medidas por ONGs e por trabalhos de pesquisa acadê-
provisionais equivalentes e efetivas) neces- mica. Seus resultados foram tangíveis.
vigência da patente sários ao julgamento de qualquer infração
Na versão modificada do TLC com o Peru, as à validade de uma patente que possa surgir Os TLCs modificados esclarecem uma
partes podem aumentar o prazo de vigência a partir de um processo de aprovação de série de aspectos confusos contidos em
da patente de um produto farmacêutico comercialização. Os TLCs advogam, ainda, tratados anteriores e permitem a imple-
de modo a compensar atrasos excessivos pela transparência destes processos. Neste mentação inovadora de suas disposições.
durante o processo de outorga da patente ou sentido, os Estados devem viabilizar um Outro aspecto bastante positivo é o fato
de aprovação da comercialização do produto. procedimento administrativo e judicial das flexibilidades serem evidenciadas, e não
TLCs anteriormente negociados com Peru, rápido e outorgar compensações efetivas. mascaradas, pela primeira vez.
Marrocos, Chile e CAFTA-DR determina- Em outras palavras, os TLCs modificados
vam a obrigatoriedade desta extensão. equilibram os direitos dos titulares das Uma lição pode ser aprendida em relação à
patentes com os interesses da indústria de posição negociadora relativamente débil dos
No novo TLC firmado com o Peru, as Partes medicamentos genéricos. países em desenvolvimento que negociam
podem criar meios para compensar os atrasos com parceiros comerciais mais poderosos.
excessivos na expedição administrativa de Declarações sobre saúde No caso dos TLCs firmados com Colômbia
uma patente para um produto farmacêutico. e Peru, competentes e experientes negocia-
Essa disposição não obrigatória não se aplica
pública dores não conseguiram, sozinhos, obter os
aos casos de atraso na outorga de patentes A maioria dos TLCs negociados recente- resultados esperados. Isso só foi possível
em geral. TLCs anteriores não faziam esta mente pelos EUA trouxeram em seu bojo com a intervenção dos legisladores estadu-
distinção. O texto do tratado ressalta, um posicionamento sobre o parágrafo 6 nidenses, que chegaram à conclusão de que

19 Outubro 2007 - PONTES


Análises regonais

os tratados eram desequilibrados, conforme


demonstrado anteriormente. Arbitragem investidor-Estado e
Outra lição é que, em áreas complexas como regulamentação ambiental:
PI, os países em desenvolvimento precisam
estar melhor preparados. Em negociações
multilaterais nas quais muitos temas
a experiência mexicana
encontram-se em jogo, um time mais pre- Luis Alberto González García*
parado pode conquistar acordos mais equi-
librados. As negociações de livre comércio Completam-se neste ano dez anos desde a primeira arbitragem investidor-
são guiadas por razões políticas e mercanti- Estado do México. Até meados de 2007, 13 demandas contra o país foram
listas simplistas, que não necessariamente
submetidas a esse tipo de arbitragem internacional. Entre três condenações
levam em conta fatores econômicos mais
amplos. Esta tem sido a regra para a área
mexicanas, duas envolveram regulamentação ambiental. Formalmente, o
de PI, amplamente dominada por setores cumprimento dos laudos coloca fim às disputas, mas outros problemas ainda
industriais influentes. Este novo momento carecem de solução.
possibilita que os direitos dos consumidores
e dos usuários comecem a ser considerados No início dos anos 90, o México alinhou-se os 13 casos submetidos – em sua maioria
no desenho global das normas de PI. à tendência internacional e procurou tor- promovidos por investidores estadunidenses
nar-se um destino atrativo para investimen- com base no capítulo 11 do NAFTA – 9 foram
É importante ressaltar que a mudança não tos estrangeiros. Para tanto, o país precisou solucionados. O balanço geral no caso mexi-
se limita unicamente a temas relacionados criar uma política de fomento ao investi- cano é positivo: seis vitórias do México con-
à saúde pública e PI. Ela também alcança mento que garantisse certeza e segurança tra três vitórias parciais dos investidores.
disposições ambientais e compromissos jurídica aos investidores nacionais e estran-
adicionais em matéria de padrões traba- geiros. Passos importantes neste sentido O aumento das reclamações internacionais
lhistas. As reações provocadas por essas foram as assinaturas do Tratado de Livre apresentadas sob a égide dos APPRIS tem,
mudanças são, em sua maioria, prelimi- Comércio da América do Norte (NAFTA, no entanto, gerado forte crítica em relação
nares e confusas (tanto positivas quanto sigla em inglês) e de acordos bilaterais de ao mecanismo de solução de controvérsias
negativas) e certamente exigirão esforços investimentos (ou Acordos de Promoção previsto, especialmente no que tange ao
de ajuste e implementação por parte dos e Proteção Recíproca de Investimentos – ICSID4. Muitas destas críticas questionam:
países em desenvolvimento. Isto mostra, APPRIs), os quais regulamentam padrões i) se os APPRIS efetivamente fomentam os
uma vez mais, que nada no mundo do de proteção para investimentos realizados fluxos de investimento; ii) se a linguagem
comércio é gratuito. por investidores de um Estado Parte no ambígua de certas disposições contidas nos
território de outro Estado Parte. Para tornar APPRIS permite que haja abuso do sistema
Por fim, outras questões importantes efetiva a proteção, os APPRIS prevêem um de arbitragem; e iii) se a possibilidade de
permanecem abertas. Qual é o impacto mecanismo de solução de controvérsias enfrentar uma arbitragem internacional
dos TLCs modificados sobre terceiros? que permite que os investidores tenham de altíssimo custo inibe o Estados a regu-
Poderiam outros países beneficiar-se dos acesso direto à arbitragem internacional em lamentar certos setores, especialmente no
acordos firmados pelos EUA com Peru, caso de suspeita de violação às obrigações que tange à proteção da saúde e do meio-
Colômbia e Panamá? Aplicam-se as dispo- previstas nestes acordos. ambiente. No caso do México, atenta-se
sições da nação mais favorecida do GATT para o fato de, em dois dos três casos nos
ou do TRIPs? Poderia a administração dos De acordo com dados da Conferência das quais o governo mexicano foi condenado,
EUA exigir dos países do CAFTA-DR obri- Nações Unidas para o Comércio e Desen- a disputa ter envolvido o tema do meio-
gações mais sólidas na área de saúde em volvimento (UNCTAD, sigla em inglês), ambiente. O presente artigo analisa, então,
relação àquelas recentemente acordadas até 2005 foram assinados mais de 2.400 estes dois casos, as conclusões dos tribunais
com Colômbia, Peru e Panamá graças à APPRIS1. Os números da UNCTAD tam- sobre a atuação das autoridades e as conse-
influência do Congresso estadunidense? bém indicam o incremento de recursos ao qüências do cumprimento dos laudos.
Os países podem ser inseridos na Lista sistema de arbitragem investidor-Estado: de
Negra dos EUA (Priority Watch List) pelo 1987 – data da primeira arbitragem de um Metalclad Corporation vs.
não-cumprimento de obrigações quando APPRIs perante o Centro Internacional para
a vinculação deixa de existir em tratados a Solução de Controvérsias sobre Investi-
México
posteriores? mentos (ICSID, na sigla em inglês) – a 1998, O caso envolveu a administração de um con-
foram registradas somente 14 arbitragens; finamento de resíduos tóxicos localizado no
* Senior fellow do Centro Internacional para enquanto que, de 1998 a novembro de 2005, Município de Guadalcázar, San Luis Potosí
o Comércio e Desenvolvimento Sustentável este número subiu para 219. (SLP), por parte da empresa estadunidense
(ICTSD). Metalclad Corporation. Sua subsidiária era a
Tanto no caso do NAFTA como de alguns empresa mexicana Coterin. Perante o tribu-
** Gerente do Programa de Propriedade Int-
países da América Latina, o número de recla- nal arbitral, a empresa alegou que o governo
electual e Tecnologia da mesma instituição.
mações só tem crescido nos últimos anos2. de SLP e a prefeitura de Guadalcázar haviam
Original publicado em inglês em Bridges A Argentina ocupa hoje o primeiro lugar impedido a operação de confinamento,
Monthly Review Ano 11, No. 5, Ago. 2007. como Estado demandado e o México ocupa cuja estrutura havia sido construída pela
Tradução e adaptação pela equipe Pontes. o segundo lugar3. No caso do México, dentre empresa, e demandou aproximadamente

PONTES - Outubro 2007 20


Análises
OMC Regionais
em foco

US$ 90 milhões mais juros como indeniza- manteve, entretanto, a decisão do tribunal ções com o investidor estrangeiro, para que
ção por parte do governo mexicano. arbitral de que o decreto que declarou a região este possa planejar suas atividades e ajustar
na qual se localizava o confinamento como suas condutas”. O tribunal considerou, nes-
É importante ressaltar que foram grandes reserva ecológica constituía uma expropria- ses termos, a atitude do INE incongruente,
os atritos entre, de um lado, o governo ção indireta dos investimentos da empresa contraditória e pouco transparente, de
federal e, de outro, o estado de SLP, a Metalclad. forma que impossibilitou que a empresa
prefeitura de Guadalcázar e organizações remediasse a situação a tempo.
não-governamentais (ONGs). O governo Tecmed S.A. vs. México
federal autorizou a construção e a operação O laudo também concluiu que a ação levada
do confinamento, e os demais opunham-se Este foi o primeiro caso contra o México a cabo pelo INE configurou expropriação,
à operação da empresa. O município de com base em um APPRI. A controvérsia de acordo com os termos do APPRI. Para
Guadalcázar situa-se em uma zona rural e envolveu os investimentos feitos pela o tribunal, a denegação do processo de
semi-desértica e conta com escassa infra- empresa espanhola Tacmed, por meio renovação pelo México prejudicou de modo
estrutura. Após o despejo de mais de 20 mil de sua subsidiária Cytrar, na aquisição e irreversível o valor econômico e comercial
toneladas de resíduos tóxicos no terreno em operação de um confinamento de resíduos direta e indiretamente associado à operação
questão por parte da empresa5, a prefeitura tóxicos na cidade de Hermosillo, Sonora. e a atividade do confinamento. O tribunal
negou, por duas vezes, autorização para o Após a aquisição do confinamento por também considerou que não houve propor-
confinamento, com base em argumentos parte da empresa, em 1996 – operação esta cionalidade entre as infrações cometidas e a
ambientais. A prefeitura também questio- licitada pela Prefeitura de Hermosillo – sanção imposta, uma vez que, do seu ponto-
nou judicialmente o governo federal por o então Instituto Nacional de Ecologia de-vista, tais infrações não comprometiam
ter permitido a operação. Posteriormente, (INE) concedeu autorização de operação a integridade do meio-ambiente nem o
o governo do estado de SLP emitiu um à empresa, na qual as antigas condições equilíbrio ecológico e a saúde da população,
decreto que declarava a região na qual se de gerenciamento do confinamento foram conforme alegado pelo México.
encontrava o confinamento como uma alteradas. Entre 1996 e 1998, a empresa
reserva ecológica. operou com base em autorizações temporá- Por fim, o laudo tratou da questão dos
rias, todas com vigência anual. No primeiro danos. O tribunal concordou quanto aos
O tribunal arbitral emitiu seu laudo em ano (1996-1997), estipulou-se que a autori- parâmetros utilizados pelo México para
agosto de 2000. Nele, determinou-se que, zação seria prorrogável e no segundo ano determinar o montante da indenização e
por meio dos atos do estado de SLP e da (1997-1998), que esta seria renovável pelo outorgou à empresa a importância de US$
prefeitura de Guadalcázar, o México havia mesmo período. Em novembro de 1998, 5,533 milhões. Por sua vez, a empresa foi
violado suas obrigações perante o NAFTA, entretanto, o INE decidiu não renovar a obrigada a transmitir a propriedade do
por não ter concedido tratamento justo autorização que permitia o funcionamento confinamento ao governo mexicano após
e eqüitativo ao investimento da empresa do confinamento e ordenou que o mesmo o pagamento.
Metalcad e por ter adotado medidas equi- fosse fechado definitivamente.
valentes a uma expropriação. O tribunal Reflexões remanescentes
sustentou que: i) os funcionários federais A empresa levou, então, a questão ao
induziram a empresa a acreditar que tribunal arbitral e demandou do governo O México, até hoje, cumpriu todos os
uma permissão de construção não seria mexicano uma indenização por perdas e laudos definitivos emitidos. No caso
necessária; ii) diante da falta de clareza danos, incluídos dano moral e juros, com Metalclad, o governo federal e a empresa
das autoridades ambientais a respeito da um valor superior a US$ 75 milhões. Em assinaram um convênio no qual o país
necessidade de uma permissão de cons- maio de 2003, o tribunal internacional obrigava-se a pagar à Coterin a indenização
trução, o México foi incapaz de garantir emitiu seu laudo. O tribunal sustentou de US$16 milhões. Também foi assinado
transparência; e iii) a negação do pedido que, ao decidir não renovar a autoriza- um contrato que transmitia ao governo
por parte da prefeitura somente poderia ção, o governo mexicano havia violado federal a propriedade do confinamento.
ocorrer em casos relativos à construção as obrigações do APPRI firmado com a No caso Tecmed, o governo federal e a
física ou a defeitos no local e que, portanto, Espanha no que tange ao tratamento justo empresa também assinaram um convênio
a negação por motivos ambientais fugia do e eqüitativo que deveria ter sido concedido de cumprimento do laudo. O governo efe-
escopo das atribuições municipais, sendo, ao investimento da empresa ao longo da tuou o pagamento com juros e a empresa
assim, imprópria. O tribunal ordenou que operação de confinamento. transferiu a propriedade do confinamento
o México pagasse uma indenização de mais ao governo mexicano.
de US$16 milhões à Metalclad e que esta A violação apontada pelo tribunal às obri-
última transferisse a propriedade do imóvel gações de tratamento justo e eqüitativo é O cumprimento dos laudos, entretanto,
ao governo mexicano. resultado de um elevado padrão de trata- gerou problemas para o México. O governo
mento. O APPRI em questão determina que federal é hoje proprietário de dois confi-
O México impugnou o laudo perante a um Estado deve conceder ao investimento namentos de resíduos tóxicos localizados
Suprema Corte de Justiça da província de estrangeiro um “tratamento que não des- em regiões nas quais a população é forte-
Colúmbia Britânica, no Canadá. A Corte virtue as expectativas básicas em razão das mente contrária a eles. O saneamento é
canadense concluiu que o tribunal havia quais o investidor estrangeiro decidiu rea- altamente custoso e os governos locais não
abusado de suas prerrogativas e desconsi- lizar seu investimento”. O texto do acordo estão preparados para levar a cabo funções
derou o laudo no que tange às violações de ainda estabelece que o Estado receptor do empresariais, já que não contam com os
tratamento justo e eqüitativo e à expropria- investimento seja “coerente, desprovido de recursos humanos e financeiros neces-
ção por parte do governo mexicano. A Corte ambigüidades e transparente em suas rela- sários à operação desse tipo de negócios.

21 Outubro 2007 - PONTES


Brasil

Ademais, dada a natureza dos confinamen-


tos, ainda que fechados eles geram altos
O Mercado Internacional de Etanol: que
custos de manutenção e um perigo latente
para a população. Até a elaboração deste
papel cabe ao Brasil?
artigo, a autoridade ambiental competente
tem mantido os dois confinamentos fecha- Arnaldo Walter*
dos. Apenas um confinamento de resíduos
tóxicos encontra-se em operação no país (sob Há grande interesse em todo mundo quanto ao uso em larga escala de biocom-
administração privada), o que é insuficiente, bustíveis e, no presente, o etanol é considerado a melhor alternativa. Como o
dadas as necessidades das indústrias produ- mercado internacional de etanol está em fase inicial, muitas barreiras ainda
toras de resíduos no país. devem ser vencidas. A melhor estratégia para o Brasil, segundo maior produ-
tor mundial e aquele com os menores custos de produção, possivelmente seja
Além disso, é preciso analisar qual foi a
efetiva influência dos casos Metalclad e fomentar a produção em outros países e defender a produção efetivamente
Tecmed no comportamento das autoridades sustentável de combustíveis.
mexicanas. Será que é possível compatibi-
lizar a promoção de investimentos no setor O mercado para automotivo. Esse consumo de etanol em
e a normativa ambiental que regulamenta transportes é equivalente a aproximada-
o tratamento de resíduos tóxicos no país?
biocombustíveis e etanol mente 2% do consumo mundial de gasolina
É certo que o México aprendeu com ambas Recentemente, em todo o mundo, muito – números mais significativos são encontra-
as experiências. Hoje em dia, as autoridades tem-se falado a respeito do aumento da dos apenas no Brasil (mais do que 30%) e nos
federais e locais estão mais conscientes produção e do consumo de biocombustí- EUA (pouco mais do que 3%). Também há
acerca das conseqüências que podem decor- veis. Três principais forças motoras podem grande interesse quanto ao biodiesel, mas
rer de suas ações. As autoridades passaram ser identificadas para tanto: (i) a questão seu consumo em transportes em 2005 foi
a entender que qualquer ato contra um ambiental, associada sobretudo à necessi- de apenas 3,8 bilhões de litros, equivalente
investidor estrangeiro pode ser analisada dade de redução das emissões dos gases de a 0,2% do consumo de diesel. Neste caso
por um tribunal internacional; que suas efeito estufa (GEE); (ii) a segurança de supri- a Alemanha apresenta-se como líder, ao
ações podem originar uma responsabili- mento energético, em função da elevação concentrar mais de 50% da produção e do
dade internacional ao Estado mexicano; e dos preços internacionais do petróleo e da consumo mundial de biodiesel.
que, caso condenado, o Estado deverá pagar grande dependência de petróleo importado –
uma indenização e, na seqüência, exigir da em especial por parte dos Estados Unidos da Contudo, muitos países definiram metas de
autoridade local responsável pela situação América (EUA), do Japão e de vários países consumo de biocombustíveis em sistemas de
o custo correspondente. da União Européia transportes. Na UE,
(UE); e (iii) questões a meta para 2005 era
Por fim, em relação à arbitragem, é preciso sociais e econômi- Três principais forças 2% (em base energé-
atentar para o fato de que, ao determinarem cas, associadas à tica), apesar de, na
a transferência de propriedade (em especial necessidade de cria- motoras podem ser média, o consumo
em relação a resíduos tóxicos), os tribunais ção de empregos e à identificadas: (i) a de biocombustíveis
internacionais devem considerar todos os melhoria ou manu- – mais biodiesel
efeitos colaterais adversos dela derivados. tenção das condi- questão ambiental... do que etanol – ter
Nos casos analisados, os custos de sanea- ções de vida no meio (ii) a segurança sido inferior a 1%.
mento dos confinamentos, ilegais ou não, rural. O peso desses A meta para 2010
deveriam ser de responsabilidade exclusiva elementos varia em de suprimento é 5,75%, enquanto
do investidor. Caso contrário, longe de resol- cada país ou região. energético... e (iii) a meta divulgada
ver a disputa, os tribunais internacionais Na UE, por exemplo, no início de 2007
acabam por impor um ônus excessivo ao o argumento mais questões sociais e (válida para 2020) é
Estado, que vai além do pagamento indeni- freqüente está rela- econômicas... de 10%. No caso da
zatório previsto pelo laudo arbitral. cionado à necessi- UE, as metas podem
dade de redução das ser alcançadas tanto
*Luis Alberto González García é Diretor da emissões de GEE; nos EUA, o aumento da com etanol quanto com biodiesel e, ao
Consultoria Jurídica de Negociações da Secre- segurança de suprimento energético. Em menos no curto prazo, o consumo de bio-
taria de Economia do México e representante ambos os casos, entretanto, a preservação diesel deve ser mais importante.
do México em arbitragens investidor-Estado. dos interesses dos agricultores domésticos é
Original publicado em espanhol em Puentes uma questão igualmente fundamental. Nos EUA, em meados de 2005, foi definida
Entre el Comercio y el Desarollo Sostenible a meta de que o consumo de biocombus-
Vol. VIII No. 4, set. 2007. Tradução e adapta- Alguns números evidenciam o atual quadro tíveis em transportes – nesse caso, sobre-
ção pela equipe Pontes. do consumo de biocombustíveis no mundo. tudo etanol – deveria ser equivalente a
Quanto ao etanol, dados de 2006 apontam 28,4 bilhões de litros em 2012. No início
1
UNCTAD. Investor State Disputes Arising que a produção mundial de etanol foi da de 2007, entretanto, o governo dos EUA
from Investment Treaties: A Review 2005. ordem de 51 bilhões de litros. Estima-se definiu uma meta muito mais ambiciosa: a
UNCTAD Series on International Investment que, desse total, entre 39 e 40 bilhões de redução do consumo projetado de derivados
Policies for Development. United Nations
litros foram consumidos como combustível de petróleo, para 2017, em 20%. Para tanto,

PONTES - Outubro 2007 22


OMC emBrasil
foco

o consumo estimado de biocombustíveis de produção no Brasil. Na UE, a produção dade de combustíveis de segunda geração
é superior a 132 bilhões de litros naquele de etanol se dá sobretudo a partir de cereais antes de 2017; restam dúvidas a respeito.
ano (35 bilhões de galões). Nos primeiros (como o trigo) e da beterraba. Das rotas em desenvolvimento, aquela que
seis meses de 2007, o consumo de etanol é baseada na gaseificação da biomassa – e
nos EUA cresceu 34% em relação a igual O foco de vários críticos à alternativa dos que permite a produção de óleo diesel de
período de 2006 e, já em 2007, o consumo de biocombustíveis (etanol, em particular) está alta qualidade, metanol e gasolina sintética,
etanol deve chegar próximo de 28 bilhões de justamente no fato de que a produção nos por exemplo – está, aparentemente, mais
litros. Desde 2006, os EUA são os maiores EUA, na UE e também na China (terceiro próxima de alcançar o estágio comercial em
produtores mundiais de etanol e abrirão maior produtor mundial, tendo o milho relação à rota baseada na hidrólise da celu-
muita vantagem nos próximos anos. como principal matéria prima) ocorre com lose (a qual permite a produção de etanol).
insumos que têm uso alimentar. Assim,
O Japão, por outro lado, pode ser um con- com o aumento da produção de etanol Por outro lado, se as rotas acima mencio-
sumidor importante de biocombustíveis, haverá inevitavelmente pressão sobre a nadas alcançarem o estágio comercial em
sobretudo por não ter condições de ser oferta e os preços de alimentos. Em tese 2020, por hipótese, dificilmente os custos
um país produtor, ao menos com base nas o problema não existe no Brasil, uma vez de produção e o balanço das emissões de
tecnologias convencionais. Por razões de que há grande disponibilidade de terra e a GEE seriam melhores do que os resultados
segurança de suprimento energético e para produção se dá a partir de cana, com even- hoje alcançados no Brasil com a produção
que possam ser reduzidas as emissões de tuais impactos sobre os preços do açúcar, de etanol a partir da cana. Ficam, portanto,
GEE (para o cumprimento das metas do mas não sobre os preços de alimentos de duas perguntas óbvias: por que tais países
Protocolo de Quioto), considera-se o uso primeira necessidade. consumidores não compram o etanol
de misturas etanol-gasolina ou a adição necessário de países como o Brasil, ao invés
de ETBE (um aditivo produzido a partir de de produzi-lo com altos custos e com bene-
etanol) à gasolina. Desde 2005, o E3 (mis- fícios ambientais reduzidos; e, em função
tura de 3% de etanol à gasolina, em base das vantagens comparativas, com que o
volumétrica) é utilizado em algumas regiões O Japão, por outro Brasil precisa se preocupar.
do Japão, apesar de não obrigatório. Uma lado, pode ser
alternativa seria tornar compulsório o uso A resposta à primeira pergunta está asso-
de E3 em todo o país, com perspectivas de um consumidor ciada às principais forças motoras ao uso
se chegar a E10 em 2010. Há resistências da importante de de etanol, que incluem preocupações com
indústria petrolífera, entretanto, que prefere segurança de suprimento energético e a
o uso de ETBE ao uso de etanol. Além disso, biocombustíveis, preservação de interesses da agricultura em
receia-se do diminuto número de países que sobretudo por não ter países desenvolvidos. Assim, mesmo mais
poderiam exportar etanol ao Japão. Para cara e com benefícios reduzidos quanto à
atender à eventual meta de 10% de etanol condições de ser um redução das emissões de GEE, a produção
na gasolina em 2010, estima-se que o Japão nos EUA e na UE continuará a existir e
precisaria importar mais do que 6 bilhões
país produtor... crescerá muito nos próximos anos. Nos
de litros por ano. EUA, a capacidade instalada chegará a quase
48 bilhões de litros, no final de 2008 – isso
O comércio internacional sob A produção em larga escala de etanol a mais do que dobra a capacidade de produção
partir de milho e cereais não é a solução já existente. A previsão do Departamento
a ótica dos grandes mercados definitiva, EUA e UE reconhecem tal fato. de Agricultura dos EUA (USDA, sigla em
A produção de etanol nos EUA ocorre quase Por essa razão, há um enorme esforço para inglês) é que a produção de etanol a partir
totalmente a partir de milho, e os custos de viabilizar a produção dos chamados bio- de milho chegue a 57 bilhões de litros em
produção são, em média, duas vezes maiores combustíveis de segunda geração, a partir 2012-2013 – volume próximo da máxima
do que os custos de produção no Brasil, a de biomassa celulósica (tais como madeira, capacidade de produção a partir de milho
partir de cana de açúcar. Mais do que os altos gramíneas, resíduos, etc). A produção de – 64 bilhões de litros, segundo estudo da
custos, para se produzir uma unidade de madeira, por exemplo, tem custo muito Agência Internacional de Energia.
energia na forma de etanol, são consumidos menor ao da produção de milho e trigo
cerca de 0,8 unidades de energia fóssil. Inclu- e pode ser feita em solos de qualidade Já no caso da UE, a capacidade de produção
sive alguns críticos, como o cientista David inferior. Ademais, seria possível produzir de etanol combustível chegará a 5 bilhões
Pimentel, da Universidade de Cornell, nos combustíveis líquidos na UE a partir de de litros em meados de 2008, quando o
EUA, afirmam que o consumo de energia madeira importada do Brasil ou da África, limite de produção a partir de cereais e
fóssil é superior à produção de energia na por exemplo, com custos relativamente beterraba é estimado em 27 bilhões de
forma de etanol. Portanto, os benefícios do baixos e significativo aumento da segu- litros. Assim, a capacidade de produção
ponto de vista da redução das emissões de rança de suprimento. na UE poderia atender grande parte da
GEE – se existirem – são muito modestos. demanda estimada para 2012 (6-7 bilhões
As tecnologias necessárias para produção de litros) e até toda a demanda estimada
A relação entre energia fóssil consumida e dos biocombustíveis de segunda geração para 2020 (19 bilhões de litros).
energia produzida na forma de etanol é um ainda estão, no entanto, em desenvolvi-
pouco mais favorável na UE (1 para 2, aproxi- mento e não serão comerciais antes de É de se esperar que tanto os EUA quanto a
madamente), mas os custos de produção são 2015-2020. Os EUA, por exemplo, apostam UE adotem estratégias de maximização da
pelo menos três vezes superiores aos custos que seria possível produzir grande quanti- produção doméstica. Dos números acima,

23 Outubro 2007 - PONTES


Brasil

conclui-se que deve existir em curto/médio gênero, na América Latina e na África, por
prazo capacidade de produção para atender exemplo. O etanol não é solução definitiva,
Agenda Regional fração significativa da demanda interna, e mas, se for realmente uma commodity,
tal capacidade deve ser bem aproveitada, será visto como uma melhor solução. Por-
MERCOSUL até porque seria politicamente desgastante tanto, a ampliação do número de países
não fazê-lo. Ao mesmo tempo, ao se ter produtores interessa também ao Brasil,
uma estratégia de priorização à produção pois poderemos vender mais etanol, além
22-23.10.07 12ª Reunião do Grupo local (convencional), embora cara, ganha-se de equipamentos e serviços.
Ad Hoc de Especialistas Fundo tempo para que a tecnologia de segunda
Estrutural do Mercosul (FOCEM) geração alcance estágio comercial. Por outro lado, caso a produção de combustí-
veis de segunda geração seja viável, essa será
22-26.10.07 A partir dessa primeira consideração pode ainda mais viável no Brasil, em função dos
ser respondida a segunda pergunta. No nossos baixos custos da biomassa (e.g. bagaço
50ª Reunião do Comitê Técnico nº Brasil, os custos de produção e as vantagens e palha da cana). Assim, devemos igualmente
02 de Assuntos Aduaneiros ambientais – balanço favorável do ponto de investir nas rotas alternativas de produção, a
vista das emissões de GEE – estão associados partir da hidrólise e da gaseificação.
Reunião Ordinária do Grupo Ad à produção atual, com grande concentração
Hoc para o Código Aduaneiro do dessa em São Paulo, onde as condições são Vários cuidados devem ser tomados na
Mercosul bastante favoráveis (solo, clima, tecnologia adoção desta estratégia. Primeiro, a pos-
etc.). A produção de mais 30-40 bilhões de tura brasileira precisa ser pró-ativa nos
23.10.07 Reunião do Grupo de Alto litros, por exemplo, ocorrerá com custos aspectos em que somos frágeis. Sabemos
mais altos e, nessas condições, os biocom- que a produção de etanol no Brasil não
Nível de Assimetrias
bustíveis de segunda geração poderão ser é perfeita quanto à preservação de bio-
competitivos. As vantagens ambientais diversidade e à melhoria das condições
23-25.10.07 Reunião do Sub-Grupo
também serão menores caso não se tenha sociais. Hoje, é muito melhor do que já
de Trabalho nº 08 sobre Agricultura diversificação da produção e integração foi e tem menos aspectos negativos do
de processos – como, por exemplo, gerar que se procura mostrar no exterior. Mas
24.10.07 Reunião Preparatória eficientemente eletricidade a partir dos podemos – e devemos – fazer melhor.
da 6ª Reunião Extraordinária do resíduos da cana, que é importante tanto Aliás, o próprio gover no brasileiro
Conselho Mercado Comum para manter os custos baixos quanto para admite nossa fragilidade quando aceita
se ter baixas emissões de GEE. ser avalista de certificados de conformi-
25.10.07 6ª Reunião Extraordinária dade ambiental e social.
O comércio internacional de biocombus-
do Conselho Mercado Comum
tíveis – etanol, em particular – interessa Segundo, é preciso investir em ciência
aos EUA e à UE, pois se o etanol for uma e tecnologia, tanto com a melhora de
30-31.10.07 Reunião do Sub-Grupo
commodity os riscos de abastecimento parâmetros de desempenho do processo
de Trabalho nº 9 sobre Energia serão menores, haverá pressão para redução convencional quanto no domínio das
dos custos da produção local, haverá maior rotas alternativas. Na mesma linha, é
06-08.11.07 47ª Reunião Ordinária mercado para equipamentos e serviços preciso diversificar a produção, com a
da Comissão de Comércio do etc. O que certamente não interessa aos exploração de todas as oportunidades
Mercosul detentores dos principais mercados é per- já existentes (e.g., a produção de eletri-
der totalmente as condições de produzir cidade em larga-escala) e a criação de
12-14.11.07 36ª Reunião Ordinária localmente, bem como aceitar uma posição novas oportunidades (e.g., a produção de
do Grupo de Serviços monopolista do Brasil. Nos EUA e na UE, químicos a partir da biomassa).
a produção local convencional continuará
19.11.07 Reunião do Grupo Ad Hoc ocorrendo e o Brasil exportará para esses Terceiro, é preciso planejar a expansão da
mercados (bem menos do que gostaria, é produção de etanol no Brasil e modernizar
de Alto Nível sobre Assimetrias verdade) porque tem os menores custos de a sua cadeia produtiva. É preciso superar
produção. Barreiras tarifárias continuarão entraves, como os logísticos, e ter a visão
19-23.11.07 Reunião do Grupo sendo impostas, entretanto, sob pena de a de que o etanol será parte da matriz ener-
Ad Hoc do Código Aduaneiro do atual produção a partir de milho e cereais gética mundial. Outros países tratarão do
Mercosul naqueles países ser seriamente abalada. assunto com a importância devida e, se
não fizermos o mesmo, seremos margi-
21-22.11.07 70ª Reunião Ordinária Qual a melhor estratégia nalizados no mercado.
do Grupo Mercado Comum para o Brasil?
* Arnaldo Walter é engenheiro mecânico,
A estratégia do Brasil deve ser a de aceitar
26-30.11.07 Reunião do Sub-Grupo com doutorado em energia. É docente da
parcerias com os EUA e a UE. Isso, aliás, já Faculdade de Engenharia Mecânica da
de Trabalho nº2 sobre Aspectos está sendo feito. O Brasil deve ser parceiro, Unicamp e faz parte do projeto da Agência
Institucionais já que detêm tecnologia para que a produ- Internacional de Energia-Bioenergy Sustain-
ção de etanol a partir da cana consolide-se able Bio-energy Trade: securing Supply and
* Todas as reuniões ocorrerão em Montevidéu, Uruguai
em países que começariam programas do Demand.

PONTES - Outubro 2007 24

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