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(diurno e pós-laboral)
Observação prévia
Como vimos na aula anterior, o Direito das Coisas estabelece uma relação entre
pessoas e coisas. E também sabemos que o Direito das Coisas, na sistematização
do Código Civil, vem regulado no Livro III. Terá algum interesse em esclarecer
como se chegou à esta inserção sistemática. O entendimento do direito das coisas
como uma matéria autónoma remonta ao livro de ensino do jurisconsulto romano
GAIUS (do séc. 2 pós Cristo). O sistema de GAIUS diferenciou entre (1) o direito
das pessoas e da família, (2) o direito das coisas e das sucessões e (3) o direito
das obrigações e as acções, ou seja, assentou na tríade clássica “personae, res,
actiones”. Este sistema, muitos séculos depois, foi modificado na Alemanha – que
tinha adoptado o direito romano como o direito comum que se sobrepunha aos
vários direitos territoriais – com a introdução de uma parte geral, a separação do
direito das pessoas do direito da família e a do direito das coisas do direito das
sucessões ao lado do direito das obrigações. Desta divisão acabou por surgir o
chamado sistema de HEISE que subjaz ao Código Civil alemão (o BGB) que, por
sua vez, serviu de modelo sistemático ao Código Civil português.
Esta observação prévia e a correspondente nota de pé de página têm apenas uma finalidade
informativa e não constituem matéria de exame.
Deste modo, a origem histórica da categoria dos direitos reais pode ser esboçada de forma
seguinte:
a) A sistematização legal da matéria encontra as suas raízes históricas num dos elementos – ou
seja, no sistema de GAIUS – das Institutiones contidos no Corpus Iuris Civilis (publicado entre
530-533/534) que é dividido em duas partes:
II. As Novelas (Novellae), 803 páginas, não pertencem à própria codificação, respeitam a leis
imperiais publicadas depois (±535-575) e já são redigidas predominantemente em língua grega.
[Ver: Corpus Iuris Civilis, Editio stereotypa (KRUEGER-MOMMSEN), Berlin 1911 (I, 1.º e 2.º), 1915
(I, 3.º), 1912 (II) que foi utilizada para a elaboração desta nota.]
b) O sistema de GAIUS que inicialmente mal teve seguidores começou por impor-se muito mais
tarde (a partir de Bolonha), sendo então seguido pelas codificações modernas em França (1804)
e na Áustria (1809).
Sendo os direitos reais regulados essencialmente no Livro III do CCiv, que regula
os direitos reais de gozo, este não é, todavia, a sua única fonte. De acordo com
os vários tipos dos direitos reais estes encontram-se regulados ainda no Livro II
do CCiv, onde encontramos os direitos reais de garantia, enquanto os direitos
reais de aquisição são objectos de ambos os livros. Mas além disso existe também
legislação especial a respeito de direitos reais como, por exemplo, o importante
direito real de habitação periódica.
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Na Alemanha, com o direito das pandectas – sob a influência do direito natural racionalista e o
domínio da “escola histórica do direito” – o sistema de GAIUS foi precedido por uma parte geral,
o direito das pessoas e da família foi dividido e o direito das coisas foi autonomizado e separado
do direito das sucessões (assim o sistema esboçado por G. A. HEISE, Grundriss eines Systems des
gemeinen Civilrechts, 3.ª edição, Heidelberg 1819 [216 páginas]) ficando o direito patrimonial
dividido entre o direito das obrigações e o direito das coisas.
O sistema de HEISE (Introdução e 5 Livros → Regras gerais, direitos reais, das obrigações, direitos
reais-pessoais, direito sucessório e ainda um 6.º livro sobre restituições) veio a ser seguido
primeiro pelo Código Civil da Saxónia (1863 → disposições gerais, direito das coisas, direito dos
créditos, direito da família e tutela, direito sucessório) e depois pelo BGB (1900) em que, porém,
o direito das obrigações antecede o direito das coisas, pelo Código Civil Suíço (1907), embora
com fortes modificações, e ainda pelo Código Civil Português, de 1966, que manteve a ordem
dos cinco livros adoptada pelo BGB, sendo os conteúdos dos livros apenas parcialmente
coincidentes (por exemplo, os direitos reais de garantia, regulados no BGB no livro III, constam
no CCiv do livro II, das obrigações em geral, e o conteúdo do Livro I do CCiv não coincide com o
do Livro I, a parte geral, do BGB).
[F. REGELSBERGER, Pandekten, Erster Band, Leipzig 1893, organizou a matéria da parte geral da
seguinte maneira: as leis, sua vigência e aplicação, o direito internacional privado a relação
jurídica com os seus elementos externos. Quer dizer, encontramos aqui uma sistematização quase
idêntica à do Livro I do Código Civil de 1966 (e totalmente ao contrário da Parte geral do BGB,
que tem como figura central o negócio jurídico). REGELSBERGER distingue entre os objectos de
direito em geral e, entre os objectos, autonomiza as coisas cuja característica essencial é serem
corpóreas. Também para o BGB coisas são apenas objectos corpóreos.
O Código Civil português de 1867, pelo contrário, não seguiu o exemplo romano (o sistema de
GAIUS) e adoptou uma sistematização perfeitamente autónoma, antropocêntrica, e seu modelo
do homo iuridicus foi o proprietário na sua luta pela aquisição, fruição e defesa dos seus bens.]
c) Em termos processuais, ou seja, para fazer valer direitos, vigorava o sistema da tipicidade da
tutela judicial. Quer dizer, para invocar um determinado direito era necessário que existisse uma
respectiva acção-tipo. Entre estas acções distinguia-se entre acções contra pessoas dirigidas ao
cumprimento de uma obrigação (actiones in personam) e acções destinadas ao poder jurídico
sobre coisas (actiones in rem) [Anspruch gegen eine Person ↔ Anspruch auf eine Sache] e é
também a partir deste sistema de acções que se acabaram por autonomizar os direitos reais. É
fundamental neste contexto a obra de Bernhard WINDSCHEID, Die Actio des römischen Zivilrechts,
Düsseldorf 1856.
As concepções do direito real.
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Quanto aos princípios estruturantes dos direitos reais que os autonomizam (não
há unanimidade da doutrina a este respeito [por exemplo, José Alberto VIEIRA,
Direitos Reais, 3.ª edição, Coimbra 2022, nem refere o princípio da prevalência])
podem ser referidos os seguintes: