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ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. História: a arte de inventar o passado.

Bauru:
Edusc, 2007.

A obra “História: a arte de inventar o passado” de Durval Muniz de


Albuquerque Júnior – doutor em História Social pela Universidade Estadual de
Campinas – é dividida em três partes, onde a primeira é composta por quatro
capítulos, no qual o segundo capítulo, que recebe o mesmo título do livro e foi
originalmente publicado no periódico “Cadernos de História”, aborda sobre o saber
histórico pós-modernidade e discute sobre a nova ideia de História. O capítulo inicia
com uma alusão literária do romance “Bouvard e Pécuchet” de Gustave Flaubert,
usando como exemplo as experiências dos personagens para representar a falta de
precisão dos fatos que as diferentes interpretações da História nos oferecem.
Bouvard e Pécuchet eram funcionários públicos parisienses que se
conheceram no Bulevar Bourdon e tornaram-se amigos. Com a chegada de uma
carta comunicando a herança deixada pelo padrasto de Bouvard, ambos resolveram
abandonar tudo e para se aventurar como agricultores. Porém, com uma sucessão
de experiências improdutivas, os dois amigos foram envolvidos pela Arqueologia e
pela História para afastar-se do tédio da vida no campo, onde, em pouco tempo,
transformaram a casa em um museu. Após inúmeras escavações e aquisições
valiosas, os personagens percebem que os objetos não teriam sentido algum se eles
não tivessem um conhecimento prévio da História da França. Sendo assim,
buscaram pelas melhores fontes históricas, no entanto só acharam autores que
divergiam em quase tudo.
Por conseguinte, os amigos decidem estudar épocas mais antigas onde os
autores analisaram acontecimentos com neutralidade e, mais uma vez, encontraram
outros equívocos, os autores não chegaram a um acordo sobre os fatos e as datas.
Albuquerque Júnior afirma que vivemos o mesmo drama dos personagens pois, do
mesmo modo que para eles a modernidade os levaram a vontade de buscar a
verdade que os fez transitar entre conhecimentos, especialidades e identidades,
descobrindo de forma árdua as incertezas da ciência e o caráter relativo dos
saberes, atualmente temos que conviver com a relatividade da própria realidade.
O autor menciona o filme de Akira Kurosawa, Rapsódias de agosto, para
descrever o fracasso da modernidade, com a ruína do humanismo e o fim do sonho
iluminista. A partir dessa consideração, nos convida a imaginar uma viagem pelo
tempo dos personagens do século XIX para o final deste século, onde encontrariam
uma sociedade radicalmente transformada. Na época de Bouvard e Pécuchet, as
razões da história eram a nação, a civilização e a revolução, e possuía um objetivo
específico que era recuperar o passado nacional. Entretanto, hoje os personagens
percebem que as nações têm pouco significado. Além disso, eles questionaram a
racionalidade da História ao perceberem a não-realização das previsões históricas
das filosofias da História do século XIX.
Portanto, Bouvard e Pécuchet chegariam à conclusão que não conhecemos o
mundo e que o conhecimento se refere a ordenamentos de um mundo composto por
nossas experiências que não tem nenhuma pretensão à verdade. De acordo com o
autor, o conhecimento histórico é perspectivista, porque é histórico e a posição do
historiador se altera no decorrer do tempo.
A História instaurou-se como disciplina científica a partir do século XIX. Em
um século onde o passado não era realista e a realidade era apresentada e
justificada pela História, que além de evitar encarar o caráter limitado da existência
do homem, procurou se livrar das filosofias usando teorias e métodos próprios.
Ao longo dos séculos, a escrita da história era considerada uma forma de
arte, como um gênero literário em que outros gêneros, como o épico e o lírico, se
interligavam. Contudo, o historiador narra uma história consultando arquivos, leituras
e imagens que foram deixadas por gerações passadas, que são revistas e
transformadas em monumentos esculpidos pelo historiador, ou seja, os fatos não
são dados transparentes oferecidos em sua essência, eles são moldados a partir da
interpretação e da ótica do historiador.
Com a literatura modernista a distinção entre fato e ficção passou a ser
notável e, como consequência, passou a distinguir o discurso historiográfico do
discurso literário. Com isso, o conhecimento historiográfico tornou-se uma invenção
de uma cultura particular. Mesmo não podendo ter liberdade de criação de uma
narrativa ficcional, a narrativa histórica não pode se distanciar do fato de que é uma
narrativa e é próxima do fazer artístico.
Ao romper com o racionalismo e com o cientificismo moderno, a
pós-modernidade instaura um novo paradigma moldado nas artes, privando-se das
exigência da cientificidade, entendida como a produção de um conhecimento capaz
de alcançar a verdade única do passado. No entanto, o compromisso com a
produção metódica do saber não é esquecido pelos historiadores, pois as artes
requerem uma ética formada de princípios imanentes às próprias ações. Não é
permitido fugir do limite imposto pelo arquivo, só é possível escrever sobre o que foi
deixado pela produção humana.
Atualmente, a história não é mais produzida para servir de base para a
construção da memória de uma nação, ou para afirmar a superioridade da atual
civilização frente às anteriores. Contudo, o autor assegura que, enquanto a
sociedade precisar de uma narrativa do passado que oriente suas experiências
presentes, ainda será necessário tomar a história como arte para inventar novos
mundos possíveis.

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