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  universo   de   1.5   kg 
Suzana   Herculano 
 
Diz­se  que  o  cérebro  humano  é  "o  sistema  mais  complexo"  no  Universo.  Eu  não  tenho 
certeza   se   isso   é  bem   verdade,   mas   digamos   que   seja,   porque   é  uma   ideia   bastante   útil. 
 
"Complexidade"  é  uma  medida  da  quantidade  de  informação  necessária  para  descrever  um 
sistema,  ou  objeto.  Se  o cérebro humano é "o sistema mais complexo" do Universo, então ele 
é  o  sistema  cujo  arranjo,  ou  organização,  requer  a  maior  quantidade  de  informação  para  ser 
alcançado. 
 
E  no  entanto  o  cérebro  humano  é  construído  usando  uns  meros  10  mil  genes. Isto equivale a 
dizer  que  o  cérebro  humano  é  programado  com  apenas  10  mil  linhas  de  código  –  quando 
tantos   programas   de   computador   que   nós   usamos   empregam   muito   mais   linhas   do   que   isso. 
 
Vejamos   alguns   outros   números   para   colocar   essa   complexidade   em   perspectiva. 
Descobrimos  em  meu  laboratório  que  o  cérebro  humano  adulto  tem  perto  de  90  bilhões  de 
neurônios.  Se  cada  um  desses  neurônios  tiver  10  mil  conexões  (sinapses)  com  outros 
neurônios, temos um total estimado em um quadrilhão de conexões sinápticas entre neurônios 
em   partes   diferentes   do   cérebro. 
 
E  mais:  o  número  e  a  localização  desses  bilhões  de  neurônios  e  quadrilhão  de  conexões  não 
são  aleatórios  cérebro  afora:  partes  diferentes  do  cérebro  são  organizadas  diferentemente,  e 
têm  padrões de conectividade diferentes com outras partes do cérebro, que é o que dota partes 
diferentes  do  cérebro  de  funções  diferentes. Ainda por cima, o padrão exato de conectividade 
é   particular   a  cada   indivíduo. 
 
Este  é  o  grau  de  complexidade  do  cérebro  humano,  o  que  significa  que  toda  a  informação 
biológica  necessária  para  construir  esse  cérebro,  com  seus  quase  100  bilhões  de  neurônios  e 
um  quatrilhão  de  conexões precisamente posicionadas, está contida em apenas dez mil genes. 
Como   isso   é  possível? 
 
A  resposta  é  que  o  cérebro  é  em  grande  parte  um  sistema  auto­organizado.  Apenas  o  básico 
precisa  ser  definido  geneticamente  –  e  uns  10 mil genes são obviamente suficientes: o básico 
que  eles  definem  são  quais  são  e  onde  ficam  as  estruturas  principais  do  cérebro,  onde  quais 
tipos  de  neurônios  são  encontrados  e  em  quais  quantidades  aproximadas,  e  quais  são  as 
grandes  rotas  de  conectividade.  Essa  definição  das  bases  acontece  no  começo  do 
desenvolvimento,   durante   a  gestação. 
 
Mas  o  desenvolvimento  continua  após  o  nascimento,  e  no  início  da  infância,  o  córtex  do 
cérebro  humano  tem  mais  do  que  o  dobro  de  sinapses  que  um  dia  ele  terá  na  vida  adulta.  E 
mais:  em  ratos  e  camundongos,  nós  descobrimos  que  o  número  de  neurônios  dobra  após  o 
nascimento  –  e  há  evidência  de  que  o  córtex  cerebral  humano  também  ganha  neurônios  no 
início   da   infância. 
 
Tal  exuberância  de  neurônios  e  sinapses  no  cérebro  infantil  torna este cérebro muito caro em 
termos  de  energia,  e  por  isso  particularmente  sensível  a  desnutrição  e  a  deficiência  calórica. 
Isso  é  porque,  como  descobrimos  em  meu laboratório, o custo energético do cérebro adulto – 
que  deve  ser  arcado  pela  alimentação  –  é  proporcional  ao  seu  número  de  neurônios;  mais 
neurônios  custam  mais  energia.  Com  seus  86  bilhões  de  neurônios,  o  cérebro  humano  custa 
cerca  de  500  kCal  por  dia  –  um  quarto  das  2  mil  kCal  totais  de  energia  que  o  corpo  todo 
precisa.  Mas  o  cérebro  da  criança  custa  até  três  quartos  da energia que o corpo todo (cérebro 
inclusive)   requer. 
 
Como  se  vê,  essa  exuberância  de  neurônios  e  sinapses  no  começo  da  vida  é  perigosamente 
cara  –  e  nem  mesmo  resulta  ainda  em  um  cérebro  plenamente  funcional.  Mas  ela  traz  em  si 
uma  vantagem:  a  exuberância  faz  o  cérebro  encerrar  em  si  um  universo  de  possibilidades, 
exatamente  como  um  bloco  de  matéria­prima  pronto  para  ser  lapidado  em  algo  significativo 
ainda   não   é  nada,   mas   pode   ser   tornado   em   virtualmente   qualquer   coisa. 
Em   nosso   caso,   em   que   cada   cérebro   se   torna   é  uma   questão   de   como   ele   é  usado. 
 
A  razão  é  que  é  deste  ponto  de  partida  exuberante  que  o  cérebro  se  auto­organiza,  moldado 
por  suas  próprias  experiências  e  pelo  seu  ambiente,  conforme  aqueles  neurônios  e  sinapses 
que  se  mostram  inúteis  são  eliminados,  e  somente  aqueles  que de fato têm a oportunidade de 
contribuir   para   algo   significativo   são   mantidos. 
 
É  assim  que  o  cérebro  se  auto­organiza:  através  de  um  processo  que  tanto  precisa  de 
informação  externa  quanto  depende  dela.  É  a  estimulação  que  tem  significado,  na  forma  de 
informação   externa   adquirida   através   de   interação   ativa   com   o  mundo,   que   esculpe   o  cérebro.  
 
A  complexidade  de  cada  cérebro  individual está, assim, nos exatos neurônios e conexões que 
permanecem  –  uma  complexidade  portanto  exclusive  que,  embora  seja  possível  graças  aos 
genes,  não  é  ditada  por  eles,  e  sim  emerge  do  sistema,  esculpida  conforme  aquele  bloco 
inicialmente  exuberante,  cheio  de  possibilidades,  é  transformado  em algo que não apenas faz 
sentido   como   ainda   é  bem   ajustado   à  sua   realidade   e  ao   seu   ambiente. 
 
Muita  da  informação  que  confere  ao  cérebro  humano  sua  complexidade,  portanto,  não  nos 
genes,   e  sim   no   mundo   do   lado   de   fora,   e  ela   lapida   o  cérebro   à  sua   forma. 
 
Isso,  contudo,  traz  um  problema  em  potencial:  predisposições  e  limitações  genéticas  à parte, 
o  adulto  em  que  a  criança  se  transforma  é  apenas  tão  bom  quanto  as  experiências  e 
oportunidades  que  o  cérebro  tem  para  se  moldar  ao  longo  da  vida.  Afinal,  ninguém  se  torna 
um  músico,  não  importa  se  professional  ou  amador,  se  nunca  tiver  a  oportunidade  de pousar 
as   mãos   em   um   instrumento. 
 
Desenvolver  o  potencial  que  o  cérebro  de  cada  criança  tem  é,  assim,  em  grande  parte  uma 
questão  das  oportunidades  que  essa  criança  recebe  na  vida  –  e  fornecer  oportunidades  à 
infância   é  algo   que   nosso   governo   federal   tem   ao   seu   alcance. 
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Suzana   Herculano   é  Neurocientista.   Professora   Associada   da   Universidade   Federal   do   Rio 
de   Janeiro   (UFRJ),   chefe   do   Laboratório   de   Neuroanatomia   Comparada,   no   Instituto   de 
Ciências   Biomédicas,   onde   lidera   uma   equipe   que   pesquisa   as   regras   de   construção   do 
sistema   nervoso   central   em   humanos   e  outras   espécies.   É  Cientista   do   Estado   do   Rio   de 
Janeiro   e  Pesquisadora   do   CNPq,   além   de   Scholar   da   James   S.   McDonnell   Foundation. 

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