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PPG em Comunicação – Unisinos

Mestrado em Comunicação
Pesquisa em Comunicação – Turma 2013
Prof. José Luiz Braga

Bases para desenvolvimento de pré-projeto


José Luiz Braga

1. Introdução

Não existem fórmulas fechadas para desenvolver um bom projeto de pesquisa. Espera-
se, naturalmente, encontrar alguns componentes básicos, de que trataremos em seguida. Mas
isso não deve corresponder a um “formulário” a ser burocraticamente preenchido, com um
item “isolado” para cada componente, como se o projeto fosse mera acumulação de peças
ajuntadas. Na verdade, o mais importante, em um projeto, é a articulação entre determinados
aspectos que, no conjunto, conseguem expressar um encaminhamento investigativo. Por isso
mesmo, o ponto de partida de um projeto é aquilo que se quer investigar. Isso não significa
que o problema tenha que ser o item de abertura – mas sim que deve atravessar todo o projeto
e articular todas as suas partes.

Se vamos investigar, é porque temos uma dúvida, uma curiosidade, uma situação
indeterminada (isto é, não explicada) – uma pergunta. O eixo de um projeto de pesquisa é o
problema.

Desde que tudo o mais se articule em torno desse eixo; e que as informações e
reflexões sejam suficientes para que o leitor e para o próprio pesquisador apreendam o que vai
ser pesquisado – devemos ter aí um bom projeto de pesquisa. Enfatizamos então que o mais
relevante é a coerência entre os diversos componentes do projeto. Um bom projeto cria sua
própria estrutura.

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2. Componentes principais

Os componentes mais frequentemente encontrados em um projeto de pesquisa são:

1. Explicitação do problema – o que envolve o objeto de pesquisa e sua


problematização, ou ângulo de observação relevante, ou curiosidade argumentada
sobre o objeto, ou um “recorte” do objeto, ou “a pergunta” que a pesquisa tentaria
responder. Em uma pesquisa, por definição, o problema é o eixo em torno do qual
devem girar os demais elementos.

2. Objetivos – encaminhamento para tipos de resposta que a pesquisa pretende


viabilizar ("tipos" e não "respostas" - nada a ver com hipóteses). Os objetivos
compõem a construção do problema informando, dada a questão a ser investigada,
o que se pretende resolver sobre esta.

3. Justificativas da pesquisa, correspondendo ao interesse (humano, social,


intelectual,...) na busca de conhecimento sobre aquele objeto, segundo as
perspectivas do problema posto; motivos que dão base ao que se pretende
pesquisar. Não se trata de justificar a importância do assunto, mas sim a validade
do problema e de seu encaminhamento específico.

4. Contextualização do problema no ambiente social em que a situação enfocada


ocorre. Uma das dificuldades da pesquisa em comunicação é que raramente temos
clareza sobre as fronteiras entre o objeto específico investigado e o que é
contextual. Isso significa que devemos construir refletidamente essa distribuição –
assim como as articulações relevantes entre os dois aspectos.

5. Bases teóricas e/ou históricas. Para os efeitos da disciplina, pode entrar


relativamente pouca coisa em quantidade - mas que seja refletido concretamente
em suas relações com o projeto. O relevante, aqui, é explicitar conceitos e
proposições teóricas diretamente relacionadas com o problema. Pensar também nas
contextualizações teóricas em que o objeto específico é visto como pertencente a
um tipo de objeto sobre o qual tais e tais teorias nos oferecem perspectivas. Este
item é às vezes referido como “marco teórico” ou “quadro teórico” (mas as
expressões são limitativas).

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6. O “observável” é a porção específica de realidade (as “coisas”, as situações
concretas, as pessoas e suas falas e ações) que devemos examinar para tirar daí
inferências que levem a respostas pertinentes para o problema. Questões de
observação devem ser reiteradamente refletidas em relação ao projeto. Da
coerência entre esses dois elementos depende fundamentalmente a “lógica” do
projeto. Das reflexões iniciais sobre a observação a ser feita decorre o futuro
“aparato metodológico” da pesquisa - na fase atual, apenas em nível de pré-
figuração. O aparato metodológico será uma articulação das referências teórico-
metodológicas específicas com o plano de observação. Na fase de pré-projeto:
quais são os observáveis? O quê, especificamente, deve ser observado nesses
observáveis? Como, mesmo que preliminarmente, se pensa observar?

7. Trabalho propriamente investigativo – ida à realidade para investigar. Aqui,


começamos a por o projeto em prática – antes mesmo que este esteja “pronto”.
Entretanto, não há uma separação radical entre “projeto” e “ações investigativas”.
Não começamos a investigar apenas quando o projeto está completamente pronto.
A pré-observação é já pesquisa e ainda trabalho organizatório e articulador do
projeto.

3. Articulação entre os componentes


Bases teóricas da investigação. Contextualização teórica

Justificativas
Investigação propriamente dita
Contextualização

Objetivos
Questões de observação
(e aparato metodológico)

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Problema

Situações do espaço social, objetos empíricos (“situação indeterminada”)


Espaço de articulações entre “objeto” e “contexto”

O gráfico apenas assinala a presença dos elementos principais do pré-projeto. A


sequência de "leitura" e de redação pode começar em qualquer ponto, e não necessariamente
da esquerda para a direita. O que significa que poderíamos acrescentar flechas partindo de
cada caixa em direção a cada uma das outras. Notar que a sequência numérica dos
componentes não está relacionada a uma sequência espacial.

No próprio projeto (discussão dos vários aspectos e efetiva realização desses passos,
durante a investigação), a sequência não precisa ser aquela em que acima são indicados os
componentes do projeto. A melhor sequência é aquela que permite fazer perceber, ao leitor do
projeto, o que será a futura pesquisa e como ela está sendo provisoriamente pensada. O
doutorando pode se deixar levar, portanto, pela pré-figuração que faz de sua pesquisa.

Outra maneira de expressar isto seria perceber que podemos organizar o texto do
projeto e a ação investigativa com base em variados encaminhamentos, como por exemplo:

a) quero observar o objeto “x” que me parece curioso, daí construo um problema que,
contextualizado de tal modo, justifica, segundo tais e tais razões, uma pesquisa com tais
características, que podem ser asseguradas por um aparato metodológico, elaborado de
modo pertinente, permitindo assim atingir os objetivos ...

b) um aparato metodológico genérico, sugerido por autores, me interessando por suas


potencialidades em tal área de reflexão, estimula fazer o exame de um determinado tipo

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de objetos, dentre os quais seleciono o objeto "x" para pesquisar; percebo que este objeto
apresenta problemas específicos, solicitando ajustes e transformações naquele aparato
metodológico genérico, o que me permitirá fazer observações com o objetivo de
encontrar respostas para...

c) em um contexto social determinado, observo uma situação que, parecendo-me relevante


por tais e tais motivos, sugere uma ampliação de seu conhecimento. Pretendo portanto
construir meu problema de pesquisa nesse espaço, onde encontro ângulos passíveis de
observação. Para o desenvolvimento destes ângulos, e eventual seleção e construção de
questões mais específicas pretendo cotejar determinados autores com alguns tipos de
dado da realidade e assim...

d) estando interessado, por determinados motivos, em uma ordem de questões, creio ser
possível aí recortar um bom objeto de pesquisa, o qual, submetido a determinadas
perspectivas teóricas deve resultar em um problema a ser trabalhado segundo um
aparato metodológico, que parece ser promissor para descobertas referentes a tais e tais
ângulos pertinentes àquela ordem de questões que me interessam...

O importante é que os vários componentes se ajustem entre si – cada um servindo de


critério para os demais.

4. Necessidade de concretizar e de especificar

Tudo isso está muito abstrato. Concretizar através de reflexões sobre os temas e
objetos específicos da pesquisa. Lembrar que uma boa parte de tudo isso depende de tomadas
de decisão baseadas em reflexões e leituras. No momento, é possível que muitas reflexões
estejam ainda em nível preliminar, e as leituras sejam relativamente poucas. Entretanto, o
nível de risco das decisões tomadas é ainda pequeno - pois podem ser depois redirecionadas -
na medida mesmo de maiores reflexões e leituras (viabilizadas por estas primeiras decisões e
motivadas pelas críticas que recebam do professor da disciplina, no presente semestre, e de
seus orientadores, no próximo).

Para evitar a atitude de "preenchimento de formulários", uma boa tática é não usar
entretítulos nomeados segundo os elementos (itens, componentes) sugeridos acima

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("problema", "contextualização", "objetivos",...). Adotem antes entretítulos escolhidos na
substância específica do projeto. Assim, a estrutura do texto de pré-projeto não deve ser
apriorística (como um formulário) – mas sim desenvolvida a partir das necessidades do que
estão projetando.

Dado o estágio preliminar de projetação, alguns pontos podem estar mais refletidos
que outros - é natural. Entretanto, deve-se dedicar sempre algum espaço na formulação (e
sobretudo, algum tempo de reflexão) a cada um deles.

Não é essencial ter uma seção específica para "bases teóricas" - isto porque estas não
devem ser abstratas (apenas para mostrar conhecimento, escolares). Qualquer referência
teórica deve estar relacionada a alguma coisa relevante da pesquisa a ser feita - e portanto
pode fazer parte de um daqueles itens (elementos, componentes) referidos. Assim, as
referências estariam localizadas em diversos pontos do projeto, em relação direta com as
questões aí tratadas. É claro que alguns componentes trazem maior probabilidade de solicitar
referências - aparato metodológico e contextualizações, por exemplo. Se, entretanto, o
estudante de sente mais confortável com um item de bases teóricas, lembrar que não se trata
nem de resenhas de autores, nem de demonstrar conhecimento teórico abrangente, nem de
explicitar “crenças teóricas” arraigadas, ou seja, de defender seus autores. Mas sim de
informar os ângulos teóricos (e eventualmente as questões de horizonte que serão
expressamente relacionados ao problema da pesquisa e seus encaminhamentos.

Como bibliografia, incluir apenas os livros e artigos que sejam efetivamente referidos
no texto do pré-projeto. Não há vantagem, no momento, em listar tudo o que tenha sido lido
no semestre e nos anos anteriores. Menos ainda, livros a ler-para-aprender. A bibliografia não
deve ser de tipo "escolar" (leituras de aprendizagem); mas sim leituras feitas e a fazer
voltadas para a construção da pesquisa.

Lembrar que um projeto (como o nome o diz) é uma reflexão voltada para um fazer
futuro – a pesquisa. Todas as leituras referidas, o conhecimento já desenvolvido, a percepção
atual de vocês sobre o tema, as ideias já elaboradas, as reflexões em andamento, devem ser
organizadas e apresentadas em função desse projeto de pesquisa. É certamente necessário
falar sobre o já sabido e estabelecido, sobre o passado e o presente – mas é importante
lembrar que o objetivo do projeto não é demonstrar estes conhecimentos, mas organizá-los e
apresentá-los a serviço da pesquisa a ser feita.

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Assim, o trabalho “de projeto” não é meramente redacional – trata-se de refletir sobre
o máximo de questões, dúvidas, preferências, informações já obtidas a respeito dos objetos,
teorias e conceitos, perspectivas metodológicas,... etc. – e tentar expressar, para o leitor do
projeto, o que se pretende fazer e como – incluindo aí dúvidas e como se pretende superá-las.

De um modo geral, evitar pensar o pré-projeto simplesmente como um texto “para o


professor” – isto é, para ser avaliado, e sobre cujo tema este já tem conhecimento anterior a
partir de outros textos e de conversas. Procurar construir como destinatário leitores genéricos,
interessados, mas não necessariamente bem informados sobre o tema e sobre o que vocês
pretendem pesquisar.

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