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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I


CURSO DE PSICOLOGIA

DIEGO CONCEIÇÃO MIRANDA

RELATÓRIO DO ESTÁGIO EM DESENVOLVIMENTO


ADOLESCÊNCIA E IDADE ADULTA

Salvador
2017
DIEGO CONCEIÇÃO MIRANDA

RELATÓRIO DO ESTÁGIO EM DESENVOLVIMENTO


ADOLESCÊNCIA E IDADE ADULTA

Relatório referente ao Estágio básico em


Desenvolvimento Humano: Adolescência e
Idade Adulta, com duração de 10h, como
requisito parcial para obtenção de nota, no
curso de Psicologia da Universidade do Estado
da Bahia.
Orientado por: Alba Riva.

Salvador
2017
Sumário

INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 4
OBSERVAÇÕES........................................................................................................... 6
DISCUSSÃO...............................................................................................................10
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................12
REFERÊNCIAS...........................................................................................................13
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INTRODUÇÃO

Segundo Neto (1994), a pesquisa de campo tem sua especificidade por


proporcionar a expressão de intersubjetividades entre o observador e o
analisado ao longo da observação. É sob essa perspectiva que foi realizado a
observação em campo da disciplina de Estágio em Desenvolvimento -
Adolescência e Vida Adulta, vinculada à disciplina teórica. Tais observações
foram realizadas tendo como principal objetivo analisar de maneira prática, as
relações e construções do desenvolvimento social humano.
As observações ocorreram no período entre os dias 19 de setembro e
17 de novembro, em 7 localidades da cidade do Salvador, sendo eles:
Penitenciária Colônia Penal Lafayete Coutinho; Passeio Público, Teatro Vila
Velha; Colégio Estadual Raymundo Matta; Ponto de Ônibus Cabula VI;
Universidade do Estado da Bahia; Ônibus 1130 Ondina-Cabula VI e na Escola
Carlos Formigli - FUNDAC.
As observações na Penitenciária Colônia Penal Lafayete Coutinho foram
realizadas mediante a minha participação como ouvinte de um programa de
extensão intitulado Educação de Campo vinculado da Universidade do Estado
da Bahia. Os sujeitos observados se encontravam sentados em cadeiras
organizadas em forma de plateia, tinham idades entre 29 a 60 anos, todos do
gênero masculino. Esta observação teve duração de 3 horas, iniciada às 9h da
manhã. A escolha do local foi mediante a inclusão da fase adulta no relatório e
do contexto carcerário tão frequente na sociedade brasileira, com números
extremamente elevados desta população.
A realização da observação no Colégio Estadual Raymundo Matta foi
mediante a uma atividade proposta pela professora Alba Riva da então matéria
de Estágio, onde fomos convidados a participar em grupo, de uma intervenção
em formato de diálogo com os alunos do colégio. Os estudantes tinham de 16 a
17 anos de ambos os gêneros. A observação teve início por volta das 14h, com
duração de 2h.
Na Escola Carlos Formigli, minha ida foi mediada junto com um
participante do PIBID da UNEB, onde lá foram realizadas oficinas de saúde
entre os dias 16 e 17 de novembro, da qual participei como ouvinte. A então
escola é vinculada ao FUNDAC de Salvador e funciona dentro do complexo do
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Tancredo Neves. Os sujeitos observados eram internos de diversas alas que


foram convidados a assistir as oficinas, onde estavam sendo realizadas em
diversas salas de aula, cada uma delas comportavam oficinas de temáticas
diferentes. Os jovens tinham de 15 a 17 anos de idade e todos do gênero
masculino. A ida nesta escola foi selecionada mediante a importância desse
contexto para se pensar a adolescência, principalmente quando se fala de
adolescência nas classes sociais mais baixas e marginalizadas. Deste modo,
torna-se urgente pensar nessas adolescências.
As outras observações foram mediantes a utilização da minha presença
no local, não houve deslocamento intencional para se realizar as observações.
Onde, a maioria ocorreu em espaços públicos da cidade do Salvador, sendo
uma delas dentro de um Teatro. Os sujeitos observados nesses contextos têm
idades entre 18 a 22 anos, de ambos os gêneros. Os jovens foram escolhidos
para a observação, pois, apresentavam características importantes para serem
analisadas. Seus contextos sociais também eram de fácil relação com os
conteúdos aprendidos na disciplina teórica de desenvolvimento.
Sendo assim, a observação se torna importante para consolidação das
teorias aprendidas em sala de aula e da vivência, em certo nível, de
experiências profissionais propriamente ditas.
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OBSERVAÇÕES

Observação N°1 dia 19/09 - Penitenciária Colônia Penal Lafayete Coutinho


Quando cheguei ao local do evento promovido pela UNEB, as cadeiras
estavam vazias e aguardamos a liberação dos internos enquanto ajeitavam-se
os equipamentos para o acontecimento do evento. Ao chegar, os internos
sentaram-se em silêncio e escolheram aleatoriamente seus locais de acento,
não foi possível observar um critério de laços sociais para a escolha dos
lugares. Durante a explanação e a exibição do documentário, não houve muitos
diálogos entre eles, o tema parece ter concentrado a maior parte da atenção de
todos. No momento das perguntas, muitos deles traziam em seus comentários
e questionamentos, elementos de seus contextos sociais dos quais faziam
parte antes de adentrarem ao sistema prisional.

Observação N°2 dia 21/09 - Universidade do Estado da Bahia


Durante meu caminho para chegar no Departamento de Educação,
passei por uma colega que estava sentada na grama com um grupo de amigos
de diversos cursos. Suas conversas eram em especial focada na festa que iria
acontecer a noite, no mesmo espaço. Pude perceber que um cigarro passava
por todos na roda, e poucos cogitaram em não pegá-lo. Ao término de um,
outra pessoa prontamente preparava outro cigarro.

Observação N°3 dia 15/10 - Passeio Público


Antes de me dirigir a bilheteria do teatro para comprar o ingresso,
percebi a execução de um show infantil cujo cantor e a música que estava
sendo tocada me chamaram a atenção. O fato de terem adolescentes na
plateia influenciou minha permanência no show, visto que era para o público
infantil.
Um grupo de adolescentes cantavam juntos as músicas, em especial um
casal que aparentava ter (ambos) 20 anos, se encontravam logo na frente do
palco, eles pareciam recordar músicas que marcaram a fase infantil dos dois.
Suas roupas eram leves e pareciam estar habituados em frequentar aquele
local.
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Observação N°4 dia 15/10 - Teatro Vila Velha


Durante a espera do início do show da cantora Larissa Luz, pude
observar um grupo de adolescentes que também aguardavam o show no foyer
do teatro. Eram notórias as suas vestimentas cujo estilo remetia a estética
africana, como forma de reafirmar suas identidades. Vários outros foram
chegando e sendo cumprimentados pelo grupo. Todos pareciam estar
compartilhando experiências cotidianas e rindo em alguns momentos.

Observação N°5 dia 05/11 - Ponto de Ônibus Cabula VI


Enquanto esperava um ônibus com minha prima, 3 jovens se
aproximaram e pareciam estar esperando um ônibus também. Ao
conversarem, foi possível notar que eles conversavam sobre relacionamentos
“não fixos” que ocorreram em alguma festa que ambos tinham ido. Ao
relatarem seus “casos” e acontecimentos da festa, cada um buscava “competir”
com o relato anterior, trazendo detalhes que o favorecia em relação aos outros.
Era perceptível a conotação sexual do diálogo, visto que para eles, o prestígio
social se atrelava a sua performance sexual.

Observação N°6 dia 09/11 - Colégio Estadual Raymundo Matta


Devidamente sentados, nos reunimos com um grupo de 4 jovens, sendo
eles 3 garotas e 1 garoto. De início houve uma certa dificuldade em iniciar o
diálogo com eles, mas logo a conversa fluiu. Os temas da conversa variaram
entre Enem, cursos de ensino superior, desejos e sonhos, a Universidade do
Estado da Bahia, cotas, sentimentos pessoais e atividades de lazer.
Duas delas apresentaram mais interação conosco, tanto em responder
nossas perguntas, quanto ao realizar perguntas para nós. Ambas nos
perguntavam questões relacionadas à faculdade e nossa vida particular, era
notória a vontade delas em manter o diálogo.
Outra jovem se apresentou bastante tímida e distante dos outros,
geralmente respondia nossas perguntas quando era feita diretamente a ela.
Demonstrou ter gostos particulares para música (como música Coreana), tanto
que alguns dos grupos debocharam de seu gosto musical, em resposta ela
disse ter parado de gostar desse estilo musical. Mas em geral, todos
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demonstraram serem bastante próximos e íntimos tal timidez poderia ter sido
momentânea.

Observação N°7 dia 11/11 - Ônibus 1130 Ondina-Cabula VI


Em certo momento do trajeto, subiu ao ônibus duas garotas cuja estética
era fortemente demarcada por cabelos cortados e pintados com cores
chamativas, uma delas tinha o cabelo cortado nas laterais. Apesar das
diferenças de penteado e de cores tingidas, era notório que ambas
compartilhavam dos mesmos interesses estéticos e faziam parte de um mesmo
grupo social.

Observação N°8 dia 14/11 - Universidade do Estado da Bahia (Quadra)


No decurso de uma festa que acontecia na UNEB, pude observar um
grupo de 5 jovens que se agrupavam em uma região da quadra e apenas
bebiam e conversavam entre si, 3 deles vestiam a camisa do curso de
Medicina da UNEB, os outros, aparentemente, também pertenciam ao mesmo
curso. Era perceptível a consolidação daquele grupo social em meio a festa,
onde todos os outros interagiam.

Observação N°9 dia 16/11 - Escola Carlos Formigli - FUNDAC


Ao entrar na sala de aula a médica já estava apresentando uma oficina
sobre saúde sanitária. Os jovens estavam ao redor dela, observando
atentamente o que era exposto pela profissional. Todos aparentavam estar
muito bem de saúde, ótimo porte físico (quase nenhum deles era magro) e
entoavam com certa autoridade na fala, era notória a preocupação da maioria
com a estética. Em alguns momentos eles compartilhavam entre si comentários
que os faziam rir em seguida, a médica em momento algum interrompeu os
diálogos paralelos, para não inibi-los, visto que frequentemente, eles
compartilhavam experiências pessoais ou de conhecidos relacionados aos
relatos da médica. A tática da profissional era expor imagens chamativas de
doenças em estágios extremamente avançados para obter a atenção de todos.
Desta vez os jovens chegaram e se organizaram na sala, na outra
oficina sobre tatuagem, era interessante que todos da então Ala tinham
tatuagem, ao perceber isso (provavelmente já tendo ideia deste fato) a
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profissional responsável ressaltou positivamente a tatuagem como adereço


estético, como forma de aliviar o tabu moral que circunda a prática. Todos
observaram atentamente a explanação da especialista e houve pouca
interação entre eles. Um dos jovens aponta para uma imagem na parede e
pergunta sobre do que se trata, sua voz soou extremamente alta e em um tom
agressivo, porém, ele estava em um estado aparentemente calmo.

Observação N°10 dia 17/11 - Escola Carlos Formigli - FUNDAC


No dia seguinte, na roda de conversa sobre racismo, todos estavam
sentados na sala quando a profissional (professora deles) entrou no ambiente,
ninguém ali parecia saber o tema da atividade, e ao verbalizar o tema a
professora observou a inquietação de um dos jovens, ao ser questionado sobre
tal comportamento, o jovem se levanta e diz que o tema não o agrada, pois,
segundo ele, diz não gostar de negros.
Repentinamente a reação da sala foi uma combinação de espanto com
risadas, a professora indignada com o relato, requereu que o jovem se
retirasse do local, mesmo ouvindo o jovem dizer que era “gastação”, a
profissional continuou com seu posicionamento, como forma de punir o
comportamento inadequado. Mais tarde, durante uma discussão do ocorrido
com um membro do PIBID, a professora relatou que já tinha visto o jovem ter
verbalizado idealizações neonazistas antes, por isso teria sido tão radical na
abordagem com ele.
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DISCUSSÃO

Tendo como base as discussões e conteúdos produzidos na disciplina


teórica, foi-se possível analisar com mais precisão as observações, dentre elas,
as realizadas na FUNDAC.
A Fundação Casa faz parte de uma construção sócia judicial brasileira,
onde várias mudanças no Direito Juvenil propiciaram a configuração do que
hoje chamamos de Medidas Socioeducativas, onde são aplicadas em jovens
que cometem os ditos “atos infracionais”.
Segundo dados analisados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
revelou que a população de jovens infratores em medidas socioeducativas
chegou a 28.372 em 2014, sendo 90% (25.802) deles composto por homens e
66,32% são negros1.
Este quantitativo elevado de negros (que é empiricamente percebido ao
adentrar nos internatos) chamou a atenção da professora no relato do sujeito
N. (aqui chamarei o adolescente da observação N°10 de “N”) frente a oficina de
racismo, visto que a maioria dos colegas de sala dele são negros, bem como a
possível associação do jovem com grupos racistas extremistas.
Durante a discussão com um participante do PIBID da UNEB,
analisamos a construção de identidade desses jovens e que se baseiam nas
relações de poder e prestígio social. Deste modo, o então bolsista do PIBID
facilmente relacionou o posicionamento do jovem com as relações de poder
que se dão na construção da identidade. Tal análise pode ser sustentada pela
teoria da aprendizagem social de Bandura (1973 apud GALLO; WILLIAMS,
2005), onde o mesmo discorre acerca dos principais elementos que configuram
a nossa construção enquanto sujeitos ativos na sociedade.
Para o autor, nossa aprendizagem social se da por intermédio da
imitação. Na infância e na adolescência este processo se apresenta de forma
mais latente, visto que em ambas as fases, o sujeito está em constante busca
de referências para a construção da sua identidade. Para ele, nós buscamos
modelos e nos associamos a grupos específicos, como forma de socialização,

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Neste dado o CNJ levou em conta apenas 14.889 casos, visto que nos casos restantes não
foram informados a cor dos jovens.
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dentro deste contexto, estão envolvidas as relações de poder, quase


semelhante a uma “sobrevivência” social.
Assim como exposto por Silva (2015), a imitação de modelos sociais por
parte dos jovens está atrelada a socialização do mesmo. No tocante ao jovem
infrator, sua relação com o delito segue a mesma lógica, algum grupo
específico oferece ao jovem o que os outros (como família, escola, religião) não
podem oferecer a ele ou não conseguem suprir questões específicas deste
jovem. Em outros casos, o próprio contexto social do jovem o direciona para os
modelos de grupo marginalizados. Desta maneira, a sua inserção ou
identificação com determinados grupos se dá pelo seu meio social.
Com base no exposto acima, ao analisar o discurso do garoto N, com
relação a raça e a sua hipotética associação com grupos extremistas, vemos
uma tentativa de agregar poder em sua convivência com os demais (visto que
sua maioria é composta por negros). Deste modo, em um ambiente, que muitas
vezes se apresenta como aversivo, a relação com grupos de poder “assegura”
nossa imagem social no que se refere ao status. Fruto de uma sociedade
racista, o jovem N. compreende que, em relação a cor de pele, ele estaria em
“vantagem” quando comparado aos outros, visto que nos encontramos em uma
sociedade que supervaloriza a raça branca.
Ainda dentro do contexto carcerário, é interessante analisar também as
relações sociais dos adolescentes da FUNDAC com os adultos da
Penitenciária Lafayete, onde os jovens apresentaram bem mais interações
sociais e mais consolidações de grupos do que os adultos, visto que na
Penitenciária, poucas relações sociais foram emitidas durante a observação.
É possível relacionar este acontecimento com o fato dos jovens
necessitarem de mais interações sociais, pois seu processo de socialização
está mais recente quando comparado ao adulto.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao sintetizar o conteúdo exposto acima, podemos compreender como se


configura a construção da identidade dos sujeitos e o quão importante se
apresenta a interação social para que tal fenômeno ocorra. Deste modo, nosso
meio social tem extrema relevância na nossa formação enquanto sujeitos
sociais.
Tendo ciência disto, se torna pertinente se atentar para as relações de
poder mantidas na sociedade contemporânea, em especial as relações raciais,
em que tal contexto de discriminação participa da formação da identidade de
todos os participantes da cultura e influência na construção de conflitos e
desigualdades sociais, onde podemos entender que o próprio quantitativo
elevado de negros dentro do sistema carcerário está relacionado com o
racismo institucional que faz parte da sociedade brasileira.
Deste modo, podemos perceber que estas questões sociais impactam
diretamente na vida de vários jovens diretamente, e se configuram como
futuros causadores ou intensificadores de conflitos sociais e de sofrimento
psíquico desta população jovem. O que também nos leva a refletir sobre quais
elementos estão inseridos os adolescentes na contemporaneidade.
Ao fim da observação e das matérias relacionadas, foi possível associar
as questões teóricas levantadas durante as aulas no que se refere aos
processos de desenvolvimento social humano na fase da adolescência e da
idade adulta. Em vista disso, foi-se exequível pensar em práticas psicossociais
na atuação do psicólogo frente às questões estudas.
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REFERÊNCIAS

GALLO, A. E. G.; WILLIAMS, L. C. de A. Adolescentes Em Conflito Com A Lei:


Uma Revisão Dos Fatores De Risco Para A Conduta Infracional. Psicologia:
Teoria E Prática, São Paulo, v. 7, n. 1, jun. 2015. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
36872005000100007>.Acesso em: 31 ago. 2017.

NETO, O. C. O Trabalho De Campo Como Descoberta E Criação. In: MINAYO,


M. C. de S. (Org.). Pesquisa Social – Teoria, Método e Criatividade. 23ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. p. 51-66.

SILVA, T. R. da. “Pratas, ‘Lacoste’, Grana E Novinhas”: Um Estudo Sobre


A Construção Social Da Adolescência Através Do Ato Infracional. 2015. 255 f.
Dissertação (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca,
2015.

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