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Brutalismo, sobre sua definição (ou, de como um rótulo

superficial é, por isso mesmo, adequado)

Ruth Verde Zein

Termo de cunhagem relativamente recente, entretanto não é fácil definir-se o brutalismo de


maneira acurada e isenta. Tão usado quanto esnobado pela literatura arquitetônica da segunda
metade do século XX, está longe de configurar um conceito unânime, as diferentes acepções que
lhe são atribuídas superpondo-se de maneira pouco clara, parecendo ser uma só quando são
muitas, e para deslindá-las é necessária certa paciência de detetive. Entretanto, é tarefa inadiável
quando se pretende empregá-lo para qualificar certa arquitetura paulista dos anos 1950-70 (1).
A revisão do termo brutalismo não seria nem possível, nem completa, sem uma minuciosa
releitura, entre outras fontes pertinentes (2), do livro de Reyner Banham publicado em 1966, The
New Brutalism: Ethic ou Aesthetic? (3), até porque esse autor foi responsável pela cristalização
de um mito de fundação que segue vincando fortemente a compreensão do Brutalismo. O livro foi
editado mais de década após o surgimento do termo, quando já qualificava um grande número de
obras de uma tendência então presente em todo o cenário arquitetônico internacional. Mas seu
objetivo não era esclarecer o termo, mas dar-lhe uma versão própria – que de modo algum é a
única possível. Bastante conhecido, muito citado e pouco lido (menos ainda, no original), o livro
de Banham está a exigir uma releitura cuidadosa, que sem dúvida mostrará o quanto é ainda
oportuna a remissão às suas idéias, mesmo se constatarmos estarem pejadas de deliberados
deslizamentos e rearranjos historiográficos; que, entretanto, não invalidam seus importantes
insights conceituais.

Mas, por que “mito de fundação”? A moderna teoria sociológica vê no mito “uma justificação
retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura de um grupo; nesse sentido,
[o mito] não está limitado ao mundo ou à mentalidade dos ‘primitivos’, mas é, antes, indispensável
a toda a cultura […] O reforço da tradição, ou a formação rápida de uma tradição capaz de
controlar a conduta dos seres humanos, parece ser a função dominante do mito” (4). E qual é o
mito produzido por Banham, que sua releitura atenta revela? Trata-se de seu empenho em
ressaltar, a todo custo, a predominância e anterioridade dos arquitetos britânicos na constituição
do Novo Brutalismo/Brutalismo (5). Para obtê-la, pratica uma seleção historiográfica precisa e um
embaralhamento das datas especioso, cujo fito não é dar uma definição genérica e universal do
termo, mas focalizar de maneira prioritária, embora não exclusiva, a contribuição criativa dos
arquitetos Alison e Peter Smithson.
A afirmação do parágrafo anterior não é uma interpretação descabida desta autora: essa
operação de valorização unilateral é feita de maneira explicita, nada sub-reptícia e claramente
indicada por Banham. No capítulo 9.1, que encerra o livro, Banham declara-se um “sobrevivente”
a relatar suas memórias e um observador nada isento, pois envolvido nos eventos que descreve,
não pretendendo dar validade universal e científica a seus escritos, mas admitindo sem pejo sua
militância por uma causa (6). E essa causa é mítica, um mito de fundação das origens: Banham
advoga a precedência da contribuição britânica no estabelecimento do “Novo Brutalismo
enquanto um movimento” e de passo desliza, para custódia inglesa, tanto o movimento como, por
extensão, o próprio termo Brutalismo. A construção do mito foi extremamente bem sucedida: é
comum a vaga noção de ser o Brutalismo de exclusiva origem inglesa, a suposição de que só
possa ser corretamente aplicado nesse único âmbito, estando desautorizado em quaisquer outras
circunstâncias – presunções, aliás, que o próprio Banham não assume em parte alguma. Nem
poderia: é um mitólogo demasiado inteligente para não deixar entreabertas várias portas por onde
se safar. Afinal, um bom mito não pode ser imposto – só engenhosamente sugerido.
A postura proselitista e interessada de Banham não escapou a uma das tentações inerentes ao
conhecimento histórico, já alertada por Raymond Aron, “de pensar não apenas o que foi, mas se
perguntar sobre o que podia ter sido” (7). Assim, desde o título (que termina com um ponto de
interrogação!), Banham se pergunta se o Novo Brutalismo/Brutalismo teria sido uma ética ou uma
estética – como se uma e outra coisas fossem opostas ou ao menos de convivência incompatível,
o que em absoluto é verdadeiro no campo da arquitetura. E após passar boa parte do livro
tentando concluir a favor da ética é suficientemente honesto para admitir, nos últimos parágrafos,
a predominância da estética, “como não podia deixar de ser”. Em suas palavras: “mas o processo
de acompanhar a gestação e o crescimento de um movimento foi também afinal uma decepção.
Pois apesar de toda sua admirável fraseologia sobre ‘uma ética, não uma estética’, o Brutalismo
nunca rompeu com o marco de referência estético […]. Para um não-arquiteto como eu, esperar
que fosse de outra maneira foi ingênuo” (8). Entretanto, ao deixar essa declaração para a última
página, quase a última linha, Banham consegue fazer o leitor menos atento crer justamente no
contrário: que o Brutalismo fosse primordialmente uma tendência de cunho ético, e não estético.
E assim é comumente lido e citado seu livro; e assim é considerado, precipitadamente, o
Brutalismo – sempre, em detrimento das palavras finais de Banham. Mas não de seu espírito: “de
maneira alguma pretendo esconder que eu estivesse seduzido, não pela estética do Brutalismo,
mas pela subsistente tradição de sua posição ética, pela persistência da idéia de que o
relacionamento entre as partes e os materiais de um edifício constitui uma moral prática – e essa
segue sendo, para mim, a validade do Novo Brutalismo” (9).
Não cabe aqui uma análise completa do livro de Banham, que de resto seria muito instrutiva. Mas
pode-se afirmar sem dúvida que, quando se visa buscar uma definição do que seja o Brutalismo;
que ademais seja operativa e auxilie na atribuição ou não dessa qualidade a uma certa
arquitetura paulista dos anos 1950-70; valerá à pena estar atento não a uma leitura empobrecida
de Reyner Banham, mas à riqueza e complexidade de sua visão acerca daquele preciso
momento histórico.

Dando de novo as cartas de um baralho marcado

O termo brutalismo, tanto em Banham como em seu uso corrente se confunde freqüentemente
com o “movimento” do Novo Brutalismo. Também sem que se perceba claramente a diferença
entre uma coisa e outra, se confunde com o uso do béton brut por Le Corbusier, material que
marcou a atitude artística da sua última fase criativa (1945-65), e que se tornou referência
magistral de uso corriqueiro para um sem número de arquitetos em todo o mundo nas décadas de
1950-70. Já o neo-brutalismo não nasce como estética ou ética, mas como vago denominador
comum de uma insatisfação geracional dos jovens arquitetos ingleses do pós-II Guerra; um quase
“movimento” muito mais restrito do que a estridência da Architectural Review quer fazer crer. E
muito freqüentemente o termo Brutalismo é empregado na literatura em geral, inclusive naquela
disponível na rede mundial, como indexador rápido englobando genericamente as obras de uma
das tendências mais características da arquitetura moderna de meados do século 20, espalhadas
por todo o planeta.
Nenhuma dessas definições do Brutalismo é plenamente dominante, todas se conectam, e todas
são relativamente díspares. Para destrinchá-las há que considerá-las como coisas distintas na
forma, no conteúdo, na oportunidade e no tempo. O deslinde dessas nuances e a compreensão
de suas diferenças torna possível verificar mais consistentemente em que consistem as diversas
acepções do termo brutalismo, e decidir quais delas, se alguma, interessaria aproveitar ou
descartar. Segue-se uma breve tentativa de desembaralhá-lhas em ordem cronologicamente
direta (10).

1947: Le Corbusier: primeiro Brutalismo

Brutalismo como nome designativo do uso de béton brut, concreto aparente, nas obras de Le
Corbusier no pós-II Guerra, a partir da Unité d’Habitation de Marselha, prolongando-se até 1965;
cujas possibilidades plásticas são potencializadas por meio de um conjunto característico de
pequenos e macro detalhes.
Essa é de fato a acepção original, ou primeira, do termo brutalismo – como admite o próprio
Reyner Banham (11). No momento em que surge tem sentido restrito: ainda não se trata de
tendência, mas de exemplo magistral e isolado. Mas como se sabe, seus múltiplos significados
ricochetearão de variadas maneiras no campo da atividade arquitetônica na segunda metade do
século 20, e além.
1953-56, Novo Brutalismo Britânico, versão casal Smithson

Novo Brutalismo como nome adotado por representantes de uma nova geração de arquitetos
britânicos do pós-II Guerra para qualificar um “movimento”, ou um mood, característico de certo
ambiente cultural inglês da primeira metade dos anos 1950. Nesse sentido o termo é empregado
nos textos e cartas do casal de arquitetos Alison e Peter Smithson publicados a partir de 1953
(12), a seguir referendado por seu amigo Banham em artigo de 1955 (13). Naquele momento
preciso o termo não avalizava um debate estilístico, mas servia de vaga bandeira à insatisfação
geracional, militantemente contrária à “acomodação” do movimento moderno em detrimento das
propostas e ilusões das vanguardas, e cujo âmago inovador se buscava reavivar.
Note-se que esse clima efervescente de uma nova e talentosa geração de arquitetos
combativamente em busca das próprias referências e de seu lugar ao sol tende a ser
impermanente e a ceder, à medida que seus integrantes, pelas circunstâncias de sua prática
profissional projetual, são chamados a selecionar caminhos preferenciais. Essa insatisfação pode
ou não gerar uma escola estilística, caso em virtude desses debates um grupo de criadores
venha a realizar obras de certa proximidade formal e temporal. Foi o que acabou ocorrendo após
1957 (14); mas quando começa a surgir um “estilo brutalista” os Smithson preferem abandonar o
termo e se manter independentes. Em seu livro de 1966 (mas não no texto de 1955) Banham
entende ser a atitude detaché dos Smithson uma demonstração de sua opção pela “ética e não
pela estética”, e que esta seria intrínseca ao “Novo Brutalismo”. Trata-se de uma interpretação de
Banham, que a rigor inviabiliza a convivência entre “ética” e arquitetura (prenunciando, talvez,
alguns dos excessos dos anos 1960); mas nem os Smithsons a referendam, nem declaram ter
“rejeitado a estética em prol da ética”; apenas preferem sempre variar, adotam a cada passo as
diretrizes estéticas que mais lhes pareçam apropriadas a cada circunstância; ou como diz William
Curtis, “the Smithsons rejected any intimations of a closed aesthetic in favour of an aesthetic of
change” (15).

1953-1960: obras inaugurais do estilo Brutalista

Brutalismo como qualificação atribuída a posteriori (16) para um conjunto de obras limitado, mas
muito significativo, realizadas em várias partes do mundo, por diferentes arquitetos, guardando
entre si importantes aproximações formais, construtivas e plásticas. Nessa segunda metade da
década de 1950 as obras de cunho brutalista, surgidas simultaneamente em diversos países e
continentes, ainda são exceções notáveis (17). Tal relativa raridade de exemplos altera-se
radicalmente, qualitativa e quantitativamente, a partir dos anos 1960, em prol de uma rapidíssima
expansão da tendência.

1959 em diante: expansão do “estilo” brutalista

Brutalismo enquanto “estilo” que rapidamente vai sendo sistematizado, contando com o apoio e a
validação de algumas obras iniciais exemplares, configurando-se rapidamente como idioma
corrente que, apesar de certa variação relativa, mantém significativos traços comuns de ordem
material e visual.
A partir de 1959 começam a surgir as primeiras declarações de afiliação de determinadas obras
ao Brutalismo enquanto estilo (18), quase sempre de comentadores e críticos de arquitetura,
qualificando essa filiação através da descrição e análise das obras e não a partir de um corpo
doutrinário teórico a priori (19).
Banham sugere a possibilidade de existência de uma “conexão brutalista” (20) ao verificar em
vários países e regiões do mundo o florescimento simultâneo de obras afinadas com o cânon
brutalista, mas não necessariamente afiliadas entre si, nem guardando uma relação de
subordinação com algum foco central (exceto o “brutalismo” em sua primeira acepção restrita
corbusiana). Para exemplificar essa “conexão” Banham cita em seu livro obras na Itália, Suíça,
Japão, etc., e apenas uma obra latino-americana (no Chile). Se Banham não faz referência, por
exemplo, às obras do brutalismo mexicano ou paulista talvez isso se deva apenas por
desconhecê-las, pois elas ali caberiam perfeitamente pois suas características e a datação das
mesmas é totalmente compatível com a “conexão brutalista” (21).

1966: Novo Brutalismo, versão sistematizada a posteriori por Banham

Banham denomina seu livro de “envoi” (22), palavra francesa que remete à idéia de um
correspondente de guerra reportando as últimas novidades enquanto a batalha ainda prossegue;
mas que também pode indicar, como explica o dicionário, “os versos finais de uma poesia,
particularmente de uma balada, contendo uma homenagem” (23). E esse parece ser mesmo um
de seus objetivos: o elogio poético aos Smithson.
É importante relembrar que Banham não está escrevendo seu livro no momento dos manifestos
pelo Novo Brutalismo de 1953/1955 mas em 1966, quando o termo brutalismo já havia agregado
outros e distintos significados e se tornado relativamente reconhecido e consagrado
internacionalmente, e assumido um sentido de viés predominantemente estilístico. Banham não
ignora esses desdobramentos; mas apresenta datas e fatos em ordem não cronológica para
sustentar seu mito de fundação do Brutalismo d’après casal Smithson. Pode-se aceitar que ele
chegue a provar que o “Novo Brutalismo enquanto movimento” seja de origem inglesa e
smithsoniana; mas que a obra dos Smithson seja fundadora do estilo que se seguirá; e ainda
mais, que a Escola de Hunstanton (projeto dos Smithson de 1949-1954) seja brutalista – assim
garantindo sua precedência temporal “original” – é uma extrapolação bastante duvidosa (para ser
gentil e não dizer que é falsa). Esse ponto merece um esclarecimento extra.

Adendo: o não-brutalismo da Escola de Hunstanton

Segundo Banham, o primeiro edifício “a receber dos seus autores a designação de Novo
Brutalismo foi a Escola Secundária de Hunstanton, projeto de 1950 completado e publicado em
1954 (24). Trata-se de obra sem dúvida do maior interesse e relevância para a história da
arquitetura do século 20, de caráter bastante inovador para seu momento. Mas apesar de sua alta
qualidade a Escola de Hunstanton não pode ser considerada “brutalista” sob quaisquer das
acepções do termo. Caberia, isso sim, considerá-la uma inteligente releitura do Mies americano
pós-1946, de mistura com os debates do palladianismo então vigentes no meio intelectualizado
inglês. Essa filiação brutalista, forçada por Banham e pela revista Architectural Review, é
contestada na mesma edição por Philip Johnson, ao comentar a obra (25); donde se vê que o
assunto nunca foi pacífico.
Evidentemente há pontos em comum entre as características arquitetônicas de Hunstanton e as
obras brutalistas de alguns anos depois, o mais notável sendo o uso aparente dos materiais
construtivos e instalações de serviços. Mas as diferenças são também demasiado significativas
para aceitar sem nenhuma sombra de dúvida que a Escola de Hunstanton possa ser arrolada
como origem do “brutalismo enquanto estilo” das décadas seguintes. Que a Escola de
Hunstanton seja uma obra de primeira grandeza é inegável; que tenha catalizado a posteriori as
insatisfações da uma nova geração de arquitetos ingleses, agrupados sob a rubrica, semi-
fabricada pela Architectural Review, do “Novo Brutalismo”, não há dúvida; mas seu brilho
permanece isolado, tanto na obra de seus autores, como em relação ao cânon brutalista.
Essa questão é muito relevante: é tanto uma verificação de pertinência como uma precisão de
datação. O brutalismo, enquanto tendência estética, só se manifesta internacionalmente (à parte
o mestre Le Corbusier) em obras realizadas a partir de 1957, ou no mínimo, a partir de 1953, e
não antes; não tendo nem os ingleses nem quaisquer outros paises precedência nessa datação;
a “conexão brutalista” é uma rede complexa sem ponto original que não seja corbusiano, um
“estilo internacional” tanto ou mais prevalente que aquele outro dos anos 1930 (e por sinal, muito
mais consistente em termos estilísticos). A correção desse ponto não é secundária, pois colabora
grandemente para situar e incluir, de maneira correta e precisa, também o Brutalismo Paulista
enquanto manifestação concomitante e não subordinado, mas paralelo, a essas manifestações
internacionais. Ou, aproveitando-se Banham, torna-se legítimo inseri-lo na “conexão brutalista”
sem que haja qualquer defasagem temporal significativa.
1966: Brutalismo enquanto “estilo”, versão Banham

Ultrapassado o fabuloso “era uma vez…” com que Banham começa seu livro, buscando em
frases e efígies a origem do termo brutalismo (26) (viés improfícuo que apenas validar seu mito
fundado), nos capítulos seguintes ele define de maneira muito clara alguns parâmetros de
compreensão do panorama onde surge o brutalismo: o conflito geracional/político do imeditado
pós-II Guerra; a influência de Le Corbusier através do exemplo da Unité d’Habitation e de suas
palavras em Vers une Architecture; a influência de Mies van der Rohe através de suas obras
norte-americanas no campus do Illinois Institute of Technology – IIT (27). E em seguida, Banham
dedica-se a exemplificar e definir o Brutalismo enquanto tendência arquitetônica, adotando para
isso uma determinada abordagem de análise estética. Esse ponto vale uma nova interrupção.
Adendo: ética ou estética?

Banham admite que as obras brutalistas que vai descrevendo soem vir acompanhadas por
discursos mais ou menos inflamados (brave talk) de tom ético-moralizante. Mas percebe a
autonomia entre esses discursos e essas obras, já que estas seguem sendo realizadas dentro
dos marcos do fazer arquitetônico tradicional, atendendo às “pré-concepções e preconceitos
incrustados na arquitetura desde que ela se tornou ‘uma arte’” (28). Como Banham admite, “os
brutalistas estão comprometidos com o último esforço da tradição clássica, não tecnológica; e a
ética da conexão brutalista, [que] tal como todas as tendências reformistas da arquitetura, desde
Adolf Loos, William Morris, Carlo Lodoli e Collin Campbell, é retrógrada” (29).
Assim, contrariando suas expectativas artísticas revolucionárias, Banham admite que o
Brutalismo apenas vestia com trajes discursivos de ética progressista uma arquitetura de estética
conservadora – entendida aqui no sentido que lhe dá Banham, de que ela aceita trabalhar dentro
das qualidades tradicionais inerentes ao saber profissional arquitetônico – seja derivadas seja da
tríade vitruviana, seja da tradição Beaux-Arts, seja ainda do funcionalismo da “era da máquina”.
Para Banham, o Brutalismo (ultrapassada a fase quase impertinente do Novo Brutalismo) havia
se tornado “une architecture” [em francês no original], “um idioma, um estilo vernacular; uma
estética suficientemente universal para expressar uma variedade de humores arquitetônicos,
mesmo tendo perdido algo de seu fervor moral que havia iluminado suas pretensões iniciais de
ser uma ética” (30). Mas nem isso: não é possível perder-se o que nunca se teve.
Passado meio século, essa leitura de Banham não precisa ser aceita de maneira ainda apegada
ao tom negativo que este lhe confere: se bem que desencantada, sua análise é bastante fiel aos
fatos – e mesmo muito perspicaz. Banham também reconhece que muitos outros grupos ingleses,
que não chegaram a subscrever as pretensões ético-morais do Novo Brutalismo, passaram a se
apropriar também do Brutalismo em suas propostas; e fala ainda do Brutalismo como uma
“estética de armazém”, ou “um estilo economicamente apto a atender aos requisitos de uma
sociedade economicamente orientada” (31). Se há alguma ética, parece ser a da economia
favorecendo a exibição estrutural.

1966: características das obras brutalistas, conforme Banham

Segundo Banham: “franca exposição dos materiais; vigas e detalhes como brises em concreto
aparente, combinados com fechamentos em concreto aparente ou com fechamentos em tijolos
deixados expostos; mesma exposição de materiais nos interiores; geralmente a secção do edifício
dita a sua aparência externa; em alguns casos, uso de elementos pré-fabricados em concreto
para os fechamentos/ revestimentos; em outros, uso de lajes de concreto em forma abóbada
‘catalã’. Brutalismo enquanto estilo provou ser principalmente uma questão de superfícies
[derivadas das Jaoul] em associação com certos dispositivos-padrão tridimensionais, retirados da
mesma fonte (calhas, caixas de concreto sobressalentes, gárgulas), com certa crueza proposital
no detalhamento e nos acabamentos. Essas características genéricas do cânon nominalmente
brutalista aceitariam ser apropriadas por uma ampla variedade de expressões arquitetônicas,
derivando sempre em algum grau de referência da linguagem de Le Corbusier, misturada em
maior ou menor grau com outras variadas influências” (32).
E mais: “alguns edifícios brutalistas demonstram uma preocupação com o habitat – o ambiente
construído total que abriga o homem e direciona seus movimentos –, conectando o Brutalismo
com outros pensamentos e ações progressistas fora do campo arquitetônico. O Brutalismo
enquanto movimento teria se concentrado na domesticação de alguns conceitos básicos
residenciais e sociais derivados de Le Corbusier, partindo de protótipos corbusianos. A cruzada
moral do Brutalismo por um melhor habitat através do ambiente construído atingiria seu pico em
algumas de suas obras” (33).
Ou conforme Renato Pedio, citado por Banham
“O edifício enquanto uma imagem unificada, clara e memorável; clara exibição de sua estrutura;
alta valorização de materiais não tratados, crus (brutos). Superfícies limpas e virgens; volumes
pesadamente corrugados, mas de simplicidade prismática; serviços expostos à vista; zonas de
cor violenta. Brutalismo seria um gosto por objetos arquitetônicos auto-suficientes,
agressivamente situados em seu entorno; seria uma afirmação energética da estrutura, a
vingança da massa e da plasticidade sobre a estética das caixas de fósforos e caixas de sapato;
deseja aproveitar (na base do estudo histórico, mas fora das categorias acadêmicas) as lições da
arquitetura moderna, despojadas de suas licenças literárias. E um método de trabalho, mas não
certamente uma receita para poesia. E se por um lado seu poder polêmico agora parece reduzir
sua forte base moral, por outro lado, destila sua mais significativa essência na agora longa
história da arquitetura moderna. Essa castidade moral, esses estândares rigorosos de conduta
em face do mundo; essa coragem e espírito revolucionário podem trazer de volta o verdadeiro
sentido da relação entre arquitetura e sociedade, atualmente obscurecido por um revivalismo
nostálgico” (34).
Nota-se a linguagem enfática, um tanto obscura, mesclando descrição e princípios morais. Essa
será também uma das características do Brutalismo, em suas conexões internacionais.

O relativo esquecimento do Brutalismo na historiografia recente

Uma pesquisa não exaustiva, mas suficientemente ampla, revela uma difusa ausência de outras
fontes sobre o Brutalismo; e as que se encontram quase sempre citam, explicitamente ou não, as
palavras e idéias de Banham; nem sempre na forma mais apropriada, e nunca se dando
totalmente conta das sutis distinções entre as diversas acepções possíveis do termo brutalismo,
que é livremente entendido e confusamente referido segundo várias delas ao mesmo tempo e
sem muito critério. Com essa quase ausência de fontes fidedignas e ponderadas o Brutalismo
segue sendo mal reconhecido, e sua conceituação restando confusa e vaga, mesmo sendo fato
histórico arquitetônico de inegável prevalência em certo momento de meados do século 20.
Se nunca chegou a ser uma tendência arquitetônica das mais populares fora do círculo erudito de
seus pares – mesmo tendo sido adotado, em algum momento de suas carreiras, pela quase
totalidade dos arquitetos vivos e atuantes nos anos 1960/70, e mesmo mantendo ainda hoje forte
influência indireta sobre alguns dos caminhos arquitetônicos contemporâneos, do high tech a
Tadao Ando, a novas gerações de arquitetos do século 21 – logo após seu auge o Brutalismo
rapidamente passa a ser quase execrado, vincado por um desamor ativado tanto por leigos como
pela revisão crítica da arquitetura moderna dos anos 1980, que lhe devotou um profundo
desprezo; em ambos os casos, com ou sem fundadas razões.
Importantes autores de mais recentes manuais arquitetônicos sequer o mencionam, exceto
quando examinam a obra dos Smithson, sem reconhecê-lo em sua acepção mais genérica nem
analisar sua ampla influência e estendida vigência (35). Tendo sido largamente empregado, nos
anos 1960/70, no projeto de edifícios de uso governamental ou oficial (clientela apreciadora de
suas qualidades monumentais) passou a ser visto tanto pelas autoridades como pela crítica
neoliberais posteriores como simbolizando um momento fracassado e equivocado, estética e
politicamente. Assim, por boas ou más razões, mas sempre superficialmente, a arquitetura do
brutalismo dos anos 1950-1980 não recebeu até o momento a devida atenção nem um
tratamento e reconhecimento mais sistemático de seus aportes. Em resumo, os autores de
arquitetura mais eruditos, conhecidos e acreditados, ou bem repetem Banham rápida e
inconseqüentemente, ou ignoraram ou mesmo hostilizam a arquitetura brutalista (36).
Encontram-se porém outras fontes, menos eruditas e sem pretensões à precisão dos termos, que
citam o Brutalismo, invariavelmente como um “estilo” dentro do “modernismo” nos anos 1950 a
1970, principalmente na rede mundial (internet). Mesmo sendo menos confiáveis, são
amplamente acessíveis por leigos e estudantes, havendo assim algum interesse em revê-las,
desde que expurgando-se devidamente os casos mais estapafúrdios e desfocados, mas sem
exagerar – pois que algumas dessas fontes, pese a sua maneira de expressão um tanto naïve e
apressada, chegam a compreender bastante bem alguns dos mais relevantes aspectos do
Brutalismo (37). Por economia de espaço não serão aqui citadas, mas o leitor interessado pode
consultá-las instantaneamente na outra orelha do seu browser.
Brutalismo: superficial e não essencial – e pior isso, adequado
A surpreendente ausência de definições mais sistemáticas do termo brutalismo, apesar da
relativa facilidade como ele é empregado, aceito e aplicado a certas manifestações da arquitetura
moderna de meados do século 20, é um tanto paradoxal. Seria o brutalismo um termo tão vago e
inespecífico, que conviria, no limite, não se avalizar seu emprego de maneira séria e
conseqüente? Segundo William Curtis, tanto o pós-modernismo quanto o brutalismo (38) se
mostram de difícil caracterização enquanto um “estilo” nitidamente delineado, embora certamente
configurem um conjunto, mesmo que vago, de aspirações e rejeições. Entretanto, não parece tão
difícil listar suas características a partir da análise da coletânea de obras a que foram atribuídas o
rótulo de brutalistas (39).
Portanto, parece não haver dificuldade prática em saber quais obras são, ou parecem ser, ou ao
menos admitem ser indicadas como sendo, brutalistas; nem em elencar suas características
arquitetônicas, construtivas e simbólicas. O que parece escapar por entre os dedos é a
possibilidade de encontrar, em tantas e tão diversas manifestações ditas “brutalistas”, pouco mais
do que seu “ar de família”, algo além de certa sensibilidade táctil, de algumas persistências
formais e materiais, e cuja eventual ausência neste ou naquele exemplo tampouco prescrevem de
imediato a inscrição de uma ou outra obra nesse vago e inclusivo cânon. Como afirma Curtis,
parece que só resta dizer que “o cliché dessa arquitetura era a superfície de concreto armado
aparente, conseguida com a ajuda de fôrmas de madeira bruta”. Isso afinal é muito pouco para
configurar uma tendência, muito menos um estilo, já que nem mesmo esse requisito é fixo,
havendo confirmadas obras ditas brutalistas, por exemplo, em alvenaria de tijolos.
Como argumento contrário final, o termo brutalismo parece inadequado, mesmo se as obras que
embala possam ter seus traços característicos bastante bem descritos (coisa obviamente
possível), por não chegar nunca a garantir que essa acepção se baseie em alguma qualidade ou
lastro essencial, unindo sem sombra de dúvidas todas, ou a grande maioria, das suas
manifestações. Essa qualidade poderia ter sido a ética (ou ao menos uma moral operativa
aplicada ao projeto arquitetônico). Mas isso não seria uma definição, e sim o escape da vaguidão
do domínio arquitetônico à ainda mais profunda vaguidão de outro domínio – o ético-moral –
saindo da arquitetura para entrar na filosofia sem de fato resolver-se o problema de definir o
brutalismo; e se adotada, acabaria englobando toda e qualquer manifestação arquitetônica que se
pretendesse ética, perdendo especificidade.
Entretanto, ao invés de descartar o brutalismo como termo inadequado, conceitualmente vago, ou
inefável, é possível que ele revele – se aceitarmos os fatos em si mesmos de maneira
pragmática, ou talvez “fenomenológica” (40) – ser paradoxalmente adequado. Basta considerar
ser possível renunciar à busca de uma harmonia interna entre obras de aparências aproximadas,
mas muitas vezes de essências díspares; e, ao invés disso, buscar compreender que o que de
fato as reúne não é muito mais, embora sim substancialmente, seu aspecto externo e superficial.
Se for possível aceitar esse caminho “superficial”, “não essencial”, como válido, talvez não haja
contradição ao dar-se o título de “brutalista” a resultados próximos, corretamente datados,
compartilhando um conjunto mais ou menos definido de características formais e superficiais,
mesmo que cada uma das obras revele, numa análise individual mais detida e cuidadosa, muitas
diferenças conceituais e de intenção ética e moral; garantindo-se a variedade em potência das
obras ditas brutalistas, sem perda de sua inserção nesse conjunto.
Para dizer de outra maneira, pode-se simplesmente afirmar, com base nos fatos, que
determinadas obras serão brutalistas, apenas e suficientemente porque parecem ser; e que o que
determina sua aproximação e inserção na tendência não é sua essência, mas sua aparência, não
é seu íntimo, mas sua superfície, não são suas características intrínsecas, mas suas
manifestações extrínsecas.
É possível ser brutalista certa arquitetura paulista dos anos 1950-70?
Pode-se concluir, a partir de uma leitura criteriosa das fontes disponíveis, com ênfase na
contribuição de Reyner Banham, que o Brutalismo não se restringe em absoluto ao “Novo
Brutalismo”, nem antes, nem depois da afirmação daquele “movimento” britânico, que se dá por
volta de 1953-55. Banham afirma que o brutalismo se manifesta em obras situadas em várias
partes do mundo, sem aparentemente nenhuma relação de afinidade entre si, exceto por
compartilharem os ensinamentos presentes na obra de Le Corbusier. O momento em que o
brutalismo surge no campo arquitetônico parece ser o de meados dos anos 1950, ainda enquanto
exceção; com notável incremento após 1960, já com o reconhecimento da tendência por parte de
alguns autores e da maioria dos críticos; experimentando uma grande expansão nas décadas de
1960/70, a ponto de se adquirir certo status de “vernacular moderno” naquele momento (41).
As datas e os conteúdo conferem. Os discursos se aproximam. As aparências confirmam. Nada
há que impeça, logicamente, de considerar como brutalistas um conjunto signficativo de obras
realizados na arquitetura paulista a partir de meados dos anos 1950 e por duas (ou três) décadas
seguintes. Podem não ser brutalistas; mas podem assim ser, legitimamente, consideradas.

A arquitectura brutalista foi um movimento arquitetônico desenvolvido por arquitetos modernos


em meados das décadas de 50 e 60. O brutalismo desenvolveu-se a partir de uma radicalização
de determinados preceitos modernos. Apesar de hoje ser chamado como movimento, não se
constituiu efetivamente de um projeto coletivo com ideais comuns.
O brutalismo privilegiava a verdade estrutural das edificações, de forma a nunca esconder os
seus elementos estruturais (o que se conseguia ao tornar o concreto armado aparente ou
destacando os perfis metálicos de vigas e pilares). Apesar das duras críticas dos brutalistas à
"ornamentação desnecessária", em muitos casos eles mesmos se viram em situações formalistas
ao extremo.[carece de fontes]

Louis I. Kahn inicia a fase mais importante de sua carreira na década de 50, na qual o
modernismo começa a sofrer pesadas críticas, e alguns autores dão início a especulações na
criação de novas teorias arquitetônicas. A partir desse período Kahn tenta reproduzir em sua obra
temas discutidos acerca de aspectos históricos ou presentes no passado, como a
monumentalidade, forma, ordem, luz, etc.

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